revista substantivo 2011
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SUBSTANTIVODISTRIBUIO GRATUITA
[LID&]
[Duke]
[Ismael Pereira Lima]
[Everaldo Damio]
[Sem reservas]
[Uma breve historia da crise]
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04 LID&10Everaldo Damio
15Sem reservas
16 Ismael Pereira Lima
22 Duke28 Uma breve historia da crise
2
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Editorial
O nome do ttulo: Substantivo
... A revista precisa de um editorial. Um editorial pra Substantivo. Ele fica sentado l olhando a pgina, at comear a
digitar o que esta fazendo. Que , basicamente, escrever o editorial da revista Substantivo. nesse ponto que percebe que est
apenas descrevendo o que faz, mas ainda no comeou a fazer o que devia. Ento pensa se foi uma boa ideia simplesmente
anotar tudo o que viesse mente. Desistir? Hesitou um instante. Deixou a mente vagar, apenas seus dedos se moviam pela
folha. Aos poucos percebeu que as palavras no esperavam mais a interveno lenta de suas mos, elas saltavam diretamente
de sua imaginao para a imaginao da pgina. Os pensamentos se tornavam palavras, que iam se escrevendo diante de
seus olhos. Ou ser que era ele quem lia o que seus dedos escreviam, antes mesmo de pensar aquelas letras? O que
vem primeiro, o pensamento ou a palavra? Pensamentos vivem sem palavras? E palavras sem pensamen-
tos? Quem pode distinguir uma coisa da outra? Quando voc percebe a armadilha j tarde. Nota que
divagou a maior parte do texto e que o espao vai acabando no meio da viagem. Ser que vo perceber
que no sei pra que diabos serve um Editorial? Ele tem que falar sobre o contedo da revista? Ser
que algum l isso? Se no lido, por que escrito? A esperana a ltima que morre. Ento
tudo morre? Tergiversando de novo. Uma palavra difcil. Ser que vo entender? Ser
que vo criticar? Ser que vo chegar ao fim do texto? Melhor parar.
Mas e o editorial, alguma ideia? Talvez colocar uma frase misteriosa
como titulo e escrever tudo que vier mente. Genial...
O nome do ttulo: Substantivo
... A revista precisa de um editorial. Um editorial pra Substantivo.
EquipeArthur EmanuelGoretti Zeferino
Jeferson AdrianoRay J. Braz
AgradecimentosJuninhoZeff
Guilherme Viias
Contatorevistasubstantivo@gmail.com
www.revistasubstantivo.blogspot.com
SUBSTANTIVO 3
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LID& Literatura+Imprensa+Debate
A poesia existe nos fatos. A expresso, que encabea o manifesto pau-brasil do
modernista Oswald de Andrade, inspirou um rico debate entre jornalistas que
participaram do LID&, evento realizado paralelamente Flip, Festa Literria
Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro.
Por GOReTTI ZefeRInO ilustrao RAy J. BRAZ
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A revista SUBSTANTIVO acompanhou o LID&, que ficou registado em nossa agenda na pgina destinada a aconte-cimentos importantes ocorridos no dia 7 de julho deste ano.
Fernando Jorge, escritor e jornalista; Geraldo Galvo
Ferraz, jornalista, crtico literrio e tradutor; Guilherme
Azevedo, editor do Jornalirismo; Joo Gabriel de Lima,
diretor de redao da Bravo!; Marcia Camargos, Jornalis-
ta e escritora; Mario Drumond, escritor, jornalista, artista
grfico e editor; Sergio Vilas-Boas, jornalista e escritor,
e Vernica Papoula Mendes, assessora de imprensa da
Editora Globo, compuseram a mesa de debates.
O LID& foi inaugurado por Sinval, que elogiou o
legado que Oswald deixou para os redatores que ha-
bitam a fronteira entre jornalismo e literatura. Sinval
encerrou sua prosa referenciando Oswald, tambm do
manifesto pau brasil: Contra o gabinetismo, a prtica
culta da vida, propondo que o poeta nos inspire assim.
Mais rua, mais liberdade, mais gente, menos gabinete,
menos redao. S assim avanamos.
O panorama da cobertura cultural no Brasil foi
tema de uma srie de debates, que evocaram citaes
de Oswald, enfocando as virtudes, problemas, desafios
e tendncia do do Jornalismo Literrio no pas.
Mario Drumond, escritor, jornalista, artista grfico
e editor, disse que estava no LID& como leitor, j que
essa categoria nunca convidada a participar de debates,
a manifestar a sua opinio sobre o que produzido pen-
sando nela. J tive vontade de formar o sindicato dos
leitores, mas utpico. Eu sou leitor de Oswald desde
1968 e um devedor de sua obra, disse.
Drumond citou as principais contribuies de Oswald
para os jornais da poca. Alm do trabalho grfico desen-
volvido por Oswald nos jornais da poca, uma importante
contribuio na diagramao dos peridicos, o escritor
era um vanguardista. A sntese do seu jornalismo era a
relevncia. Uma proposta editorial fantstica, define.
Para Drumond, uma caracterstica importante do
jornalismo de Oswald era sua relao com a literatura.
Oswald considerava o jornalismo um trabalho to nobre
quanto a literatura; e a base de sustentao de todo seu
Subvertemos o conceito, em nome de um jornalismo mais livre, sem os lides que
transformam as redaes em lugares asspticos. Lide pode ser tambm a conjugao
do verbo lidar, na terceira pessoa do singular do modo imperativo. E, enfim, lide
tambm uma luta, uma peleja, uma batalha, um trabalho penoso. De modo que a
possibilidade de interpretao dessa sigla cresce sob nossos olhos.Vamos lidar com
a lide que o lide nos impe, discursou Sinval de Itacarambi Leo, editor
da revista Imprensa, que figurou entre os patrocinadores do evento.
LID& sigla de literatura, imprensa, debate e outras coisas. Lide tambm o primeiro pargrafo de
uma reportagem, onde esto reunidas as principais informaes da matria.
SUBSTANTIVO 5
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trabalho foi o jornalismo. Em 45 anos de carreira como
jornalista publicou em mais de 50 grandes veculos de
imprensa e fundou outros.
Sentido maiorDrumond observa que Oswald foi o fundador do jornalismo
moderno no Brasil, o jornalismo que presta servio, que tem
compromisso com o leitor, que promove a opinio do leitor no
sentido maior. Oswald tambm revelou grandes artistas
nacionais, artistas plsticos, msicos, polticos, revelou
Di Cavalcanti, Tarsila, Portinari, Mario de Andrade,
Manuel Bandeira, enumerou.
Mario observou que, inicialmente, Oswald fazia o
jornalismo elistista da poca, feito para os letrados,
burgueses. Depois ele passou a escrever para o povo.
Hoje, percebo que o jornalismo moderno, inaugurado
por Oswald, praticado por veculos alternativos, cada
um com sua linha editorial. A diversidade boa. Quanto
aos grandes veculos, fazem o mesmo jornal, a mesma
foto, capa, para as elites, de enganao, de futilidade. O
que realmente importa est com os pequenos veculos.
Cada um contribui da sua forma. Com a internet isso esta
mudando um pouco. Agora, mais do que nunca, a con-
tribuio do Oswald pode ser muito importante, frisa.
A escritora e jornalista Mrcia Camargos, outra parti-
cipante do debate, destacou a importncia e a atualidade
de Oswald e sua obra. Ele foi um homem antenado com
seu tempo, tinha lampejos brilhantes. Ele teria sido
twitteiro na primeira metade do sculo XX. Hoje, seria
um twitteiro de primeira grandeza, disse.
SubstantivoA expresso Jornalismo antropofgico: lies do
modernismo nomeou o segundo painel do LID&, co-
mentado pelo escritor e jornalista Fernando Jorge e pelo
Joo Gabriel de Lima,
diretor de redao da Bravo!
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crtico literrio e jornalista Geraldo Galvo Ferraz, filho
de Patrcia Galvo, a Pagu, uma das esposas de Oswald
de Andrade.
Geraldo Galvo falou sobre a importncia do jornal
O Homem do Povo, criado por Oswald e Pagu. O jornal
durou pouco, mas revelou um talento s encontrado em
O Pasquim, muito depois, avaliou.
Fernando Jorge falou sobre sua convivncia com
Oswald, de quem era amigo. Ele contou que tinha a
inteno de escrever sua biografia. Para isso, anotava
uma srie de frases inditas de Oswald, dentre as quais
citou: A voz do Juscelino Kubitschek soa como a de
uma aeromoa que avisa quando o avio vai decolar ou
pousar.
Jorge elogiou a contribuio dos modernistas de 1922
no sentido de fazer predominar mais o substantivo do
que os adjetivos nas publicaes.
Jornalismo e culturaA ltima mesa de debate do LID& discutiu a cober-
tura cultural no Brasil. Com participao de Guilherme
Azevedo, editor do Jornalirismo, Joo Gabriel de Lima,
diretor de redao da revista Bravo! e Sergio Vilas-Boas,
jornalista e escritor, o painel discutiu diversos assuntos
relacionados ao jornalismo e cultura.
O desenvolvimento da tecnologia um dos respons-
veis pela reformulao do cenrio atual da comunicao
e da cultura no pas, o que motivou a questo inicial do
debate. Vemos basicamente duas coisas: uma exploso
da produo de contedo, o que positivo, e uma explo-
so de acesso ao contedo. Em um mundo em que todo
mundo produz e todo mundo tem acesso, o que pode ser
feito por quem produz para se destacar? Esse o dilema
do jornalismo hoje. Onde est o contedo relevante?,
questionou Joo Gabriel, da Bravo!
Guilherme Azevedo tambm destacou o impac-
to da tecnologia na produo de contedo. Internet
no existe sem presena e o jornalismo no pode abrir
mo de ir para a rua. A internet no o lugar do texto
curto e cabe experimentar, ficar livre, disse Azevedo
SUBSTANTIVO 7
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estimulando a experimentao de linguagem, narrativa e
formatos jornalsticos. Azevedo destacou tambm a forte
presena da literatura no cotidiano. Todo mundo faz
literatura todos os dias. Quem fica um dia sem contar
uma histria?, indagou.
Guilherme Azevedo comentou que independente
da classe qual pertence o leitor, preciso considera
que todos so consumidores de produtos e de notcias,
de Internet, onde inventamos linguagens, misturamos
recursos. Como qualquer um que acaba de chegar a um
lugar, essas pessoas tm fome de beleza, de informao,
de coisa bonita. Classe C no burra, no baixa. , sim,
capaz de produzir coisas belas. Sabe o Cartola? Ento;
era pedreiro, discursa.
CelebridadesSrgio Vilas-Boas falou de uma das dificuldades que a
literatura enfrenta hoje: o interesse em celebridades. As
obras esto perdendo a importncia. A personalidade, a
vida pessoal, est tendo mais importncia. O tpico das
celebridades tambm grave na literatura, disse. Apesar
do interesse na personalidade, Vilas-Boas acredita que a
cobertura cultural no deve se adaptar a isso. Quando
a gente se prope a produzir contedo para pessoas
que achamos idiotas, empobrecendo o debate crtico de
ideias, essencial ao bom jornalismo, a gente se idiotiza
tambm, analisou.
Mesmo em meio rotina afoita das redaes, Srgio
acredita na presena do jornalismo literrio nos notici-
rios dirios. Se no possvel escrever todas as matrias
naquele estilo mais detalhado, que seja uma por dia,
sugere. Vilas diz que no h editoria onde no caiba um
texto feito sem pressa. Leva duas tardes para escrever
um artigo brilhante, e, com os recursos tecnolgicos de
hoje, d para fazer outras coisas enquanto prepara a
matria. Se me perguntar, acho que todo veculo deveria
publicar um artigo de cunho mais literrio por dia; um
em cada editoria.
Sergio Vilas-Boas, autor dos livros Biografismo,
Biografias & Bigrafos e Perfis, explicou que muitas
pautas podem ser desenvolvidas como narrativas, mas,
no geral, as ideias so desperdiadas. Acabam sendo exe-
cutadas de um ponto de vista estritamente informativo,
e no com a abordagem mais detalhada e arejada que
necessitavam, com a utilizao da linguagem artstica.
FicoVilas-Boas defende que no jornalismo literrio no
8
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www.portalimprensa.uol.com.br/lid
existe espao para fico: Trata de pessoas reais vivendo
situaes reais em lugares reais. Portanto, no se pode
inventar.
O escritor assegura que textos podem assumir tra-
os literrios quando o redator lana mo de recursos
narratidos como decries fsica, psicolgica e ainda do
ambiente no qual os personagens se movem. Para isso,
preciso que os jornalistas desenvolva a habilidade de
pesquisa e conversao em campo e ainda que ame a
escrita com uma forma de arte.
Joo Gabriel de Lima cita o livro Filme, de Lillian
Ross, que fala sobre grande reportagem de John Hersey
sobre Hiroshima. So nomes importantes do jornalismo
de imerso, de valorizao da autoria nas redaes,
considera.
O diretor da BRAVO! tambm fala da funo do
editor, lembrando clssicos. Recorda o sem-nmero de
pedidos de mudana feitos por William Shawn, o editor
de Hersey, at a concluso do texto da reportagem sobre a
bomba atmica em Hiroshima e sua publicao na revista
The New Yorker, em 1945-46. Segundo o jornalista da
Bravo!, que tambm escritor, o bom editor ajudaria a
tornar o texto do reprter ainda mais dele.
Srgio Vilas-Boas
SUBSTANTIVO 9
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Terra & Gente de Ipatinga(1977)Everaldo Damio
Editora Comunicao10
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Nem o tempo pode apagar mo-
mentos da vida. Desfazer o le-
gado que a existncia cria. O
passado no pode ser desfeito,
deve sempre ser lembrado. O aprendizado
fica, tanto no papel quanto na memria. Pa-
lavras e momentos preciosos no se perdem
no ar.
A oportunidade de falar sobre a obra e
seu autor, Terra e Gente de Ipatinga, escrito
por Everaldo Damio. Mesmo nascendo em
Palmeira dos ndios, Alagoas, muitos quil-
metros de distncia do que seria o Vale do Ao,
teve seu corao naturalizado ipatinguense.
Desembarcou na cidade em meados de 1974,
vindo encontrar seu irmo, que nela vivia
h dez anos. Sua presena ainda ecoa, como
numa longa e bela sinfonia.
Certa vez disse Joo Nry no prefcio de
seu primeiro livro, Voc no tem laos polti-
cos com a cidade e, sim, laos afetivos. O que
mais preciso? Este forasteiro anotava tudo.
Registrava suas impresses sobre a cidade e
pesquisava sua histria. Reunindo estes co-
nhecimentos, surgiu em abril de 1977 o livro
Terra & Gente de Ipatinga. Nele o autor traa
um panorama do municpio onde, com ares
poticos, detalha seu fascinante cenrio,
dissertando sobre o crescimento e o progresso
tecnolgico, sempre se baseando em dados
estatsticos. A obra cita o lado humano, mas
destaca o objetivo econmico da construo
da Usiminas e a consequente criao da cida-
de. uma cidade que vibra e pulsa, como um
enorme corao, fazendo correr de suas veias
o ao que atende s necessidades industriais
de quase todo o Brasil, comenta o autor na
obra. Ele compara o projeto e a construo
de Ipatinga aos de Braslia, j que ambas as
cidades foram planejadas e erguidas quase na
mesma poca. Como Braslia, Ipatinga tam-
bm esteve sujeita a falhas estruturais. o
caso das favelas, que surgiram para acomodar
o excesso de trabalhadores que convergiram
para a cidade, atrados pela promessa do cres-
cimento.
Que nos per-doem os que so capazes de rea-lizar algo mais perfeito.
Estamos diante de um fascinante cenrio. Levanta-se a cortina e aparece uma paisagem magnificamente bela, surpreendendo a viso dos espectadores mais dis-trados. (...) Uma comunida-de que, sendo uma sntese de todo o Brasil, aglomera bra-sileiros de Norte, Nordeste e sul, que vieram para o Vale do Rio Doce atrados pelo de-safio e pelas oportunidades de um grande objetivo, que foi oferecer ao ao Brasil. Reproduo do primei-ro pargrafo de Terra & Gente de Ipatinga.
SUBSTANTIVO 11
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Nas pginas dedicadas histria da cidade constam vrios
aspectos de sua trajetria, que comeou em abril de 1956 com
a organizao da Usiminas. O arquiteto Marcelo Bhering
colaborou com o desenvolvimento e execuo dos planos
da cidade at 1960, principalmente na lgica da criao dos
bairros, desenvolvidos ao longo do eixo longitudinal da Usi-
minas. Fato destacado tambm o falecimento de dois chefes
do departamento de engenharia e da diviso de cmbio e
importao, Mrcio Aguiar da Cunha e Joo Walmik da Silva,
vtimas de desastre areo quando viajavam de Vitria para o
Rio, em 9 de agosto de 1964.
de grande interesse a cronologia feita pelo autor trazen-
do os principais acontecimentos e pioneiros da regio, desde
1800 at dezembro de 1976. Como fatos didticos so citados:
As possveis origens e significados do nome Ipatinga; au-
toridades; a bandeira da cidade e seu significado; o hino do
municpio; estabelecimentos de ensino; todos os bairros e suas
ruas. Tambm constam os discursos do incio de operao da
Usiminas, alm de um pequeno registro fotogrfico. Enfim,
uma importante fonte de estudos sobre a cidade, Terra e
Gente de Ipatinga um livro raro, porm no ultrapassado.
fruto de uma vasta pesquisa, feita por uma pessoa que aco-
lheu e foi acolhida pela cidade com a qual forjou fortes laos.
Everaldo trouxe consigo suas qualidades de liderana, sua
sociabilidade, e deu continuidade s atividades desenvolvi-
das em sua terra natal. Dentre suas primeiras participaes
culturais, auxiliou a promoo das Semanas de Folclore em
Ipatinga de 1974 e 1975. Tambm participou, em 1974, do
primeiro filme curta metragem a cores produzido em Ipatin-
ga O Vagabundo, interpretando o personagem principal.
Tambm em 1974 editou um ensaio xerografado Ipatinga
em Tempo de Turismo. No Dirio da Manh, em 1974,
entra para o jornalismo assinando a coluna ltimas anota-
es. Neste mesmo ano foi redator de Coopeco e tambm
iniciou-se nas crnicas no Dirio da Manh. No ano de
1976 fundou o Leo Clube de Ipatinga, entidade filiada ao
Lions Internacional. Tambm participou da pea com que
a ATAI inaugurou o Teatro Cleyde Yconis, e do Festival
de Ballet da Academia Olguim. Promoveu a primeira festa
junina da Usipa no ano em que ocupou o cargo de Diretor
Social do clube. Foi Relaes Pblicas da Usiminas desde
1974, recepcionando o presidente Geisel no mesmo ano e
em 1975, e tambm o ex-premier japons Kakuei Tanaka em
dezembro de 74. Bacharel em direito pela Faculdade do Rio
Pois bem, Terra e Gente de Ipatinga um trabalho de pesquisas e
anotaes. Ocasional. Escrevi-o nas horas de folga, com o pensamento
voltado para o povo, e por ser dirigido ao povo, a sua linguagem
sem artifcios.
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Suas obras foram:Terra & Gente de Ipatinga (1977)
Liberdade ainda que tarde (1980 - Ensaio)
Quanto custa um advogado? (1986)
Antologia Literria (1988 - Participao)
ndios do Vale do Rio Doce Fonte
Arq. Pblico Mineiro
Doce na cidade de Governador Valadares, participou de
cursos de formao de lderes, de orientao Teatral, de
difuso universitria de Parapsicologia em Alagoas, e dos
cursos de extenso universitria de Administrao de
empresas, de cinema e de relaes pblicas no Vale do
Ao. Ps graduado em histria e em Direito Processual
pela UFAL e pelo CESMAC em Alagoas. integrante do
Sindicato dos Publicitrios em agncias de propaganda de
Belo Horizonte, membro da Associao dos Diplomados
da ADESG. membro efetivo da Academia Alagoana de
Letras Manicas e da Academia de Letras, Cincias e
Artes Manicas do Brasil. Atualmente, conselheiro da
OAB em Alagoas e Professor Universitrio.
SUBSTANTIVO 13
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Teatro Cleyde Yaconis
Everaldo colaborou com nossa cultura regional. Abaixo uma das lendas folclricas mais famosas da cidade, A Loira. Retirada do livro da Academia Olguim nas comemoraes da semana folclrica, com apresentao de lendas brasileiras. Sob direo e coreografias de Zlia de Souza Franco Olguim, uma publicao do ano de 1976.
-
Diante do frentico ritmo da complexCidade, entremeio
ao cinza, aos carros, s funes sociais e aos compromissos; h
fome. Essas quatro letras que reforam no apenas um estado fsico,
mas tambm uma necessidade psquica e social. Solues simples mesa, dois irmos,
o enfermeiro, Erlon Vieira, e o jornalista, Rudson Vieira, seguem em busca de curtir a
comunho de ideais e diversos lugares disponveis para experimentar. Experimentar
o que? Pratos, bebidas, bares, restaurantes, lugares, respostas para quem no quer
s comida, mas diverso, arte. Depois, contar pra todo mundo que comer mais que
um prazer pra aliviar a dor. A lngua um universo parte; a fome, um pretexto.
Tudo comeou, e continua, como uma espcie de diverso. Entre as jornadas de
trabalho, Erlon e Rudson tiram um tempo para degustar ideias, risadas e comida.
Desde fevereiro deste ano, o blog Sem seservas (www.sense-reserva.blogspot.com)
posta toda tera-feira uma dica de lugar para alimentao no Vale do Ao, e onde
mais os estmagos encontrarem repouso, conforme declaram no perfil do blog. O
nome, alm das variveis de significados, surgiu a partir de um filme homnimo,
que de maneira simples relaciona o sabor da cozinha com a experincias pessoais.
Com certa poesia, sinceridade e de forma bem humorada, os irmos falam sobre
o cotidiano de forma a relacion-lo com uma sada para comer. No prato h de
tudo um pouco, descrevem o local, falam da comida e das sensaes. De comida
japonesa, pasta, carnes at o tira-gosto ou pastel e empada da esquina. Tem de tudo
no menu do Sem reservas. Alm de uma opo para saber um pouco mais sobre
os estabelecimentos da regio (localizao, atendimento, fotos e cardpio), o blog
mais um exemplo de como a internet proporciona o surgimento e a viabilidade de
narrativas segmentadas.
A partir de uma divulgao tmida e restrita a amigos, o blog j conta com mais de
12 mil acessos. Para o futuro, os irmos, com uma cumplicidade digna de The Blues
Brothers, pensam em experimentar mais das plataformas disponveis para produo de
contedo em web e consolidar, seja onde for, as conversas e degustaes Sem reservas.
Sem reservasComunho e fome em palavras sinceras
Os irmos j visitaram
diversos lugares da regioe
seu blog tem cerca de 50
posts esto no ar. Nas ca-
tegorias que separaram os
estabelecimentos tem de tudo um pouco, do almoo ao tira-gosto. Eles confes-
sam que tem alguns luga-
res cativos em que sempre voltam para repetir os momentos de degustao
de ideias e comidas. Quem
quiser entrar em contato para dar dicas, o email da dupla semreservas.blog@
gmail.comRudson jornalista, assessor de comunicao, documentarista e escritor...
Por rudson viera ilustrao ray J. Braz
Um dos nossos seguido-
res ousou dizer que a poesia
a pedra no meio do cami-
nho das informaes. Mas
ela o tempero. Degust-la
uma opo.
SUBSTANTIVO 15
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Em 1962, Ismael Pereira Lima chegou em Ipatinga, onde presenciou
eventos que marcaram a histria da cidade. O massacre de 7 de outubro de 1963,
bem como problemas sociais enfrentados pelos moradores da antiga rua do Buraco, no centro da cidade. Fatos dos quais Ismael nunca se esqueceu e agora conta para a revista Substantivo.
16
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Ismael Pereira
Lima
Meu nome Ismael Pereira Lima.
Nasci em Resplendor, no dia de-
zessete de setembro do ano 1932.
Minha jornada em Ipatinga co-
meou em 1961 quando comecei a trabalhar na Mon-
treal Montagem e Representao Industrial, uma das
empreiteiras que trabalhavam para erguer a Usiminas.
Em 1963 entrei no quadro de funcionrios da Usiminas,
onde permaneci at o ano de 1988. Fiz parte do Sindicato
dos Trabalhadores Metalrgicos de Ipatinga de 1973 a
1985, onde passei pelo conselho fiscal e fui membro da
diretoria durante as presidncias de Jos Onofre Ribeiro,
Zequita e Paulino Floriano Monteiro. Tambm fui eleito
vereador no ano de 1982, para um mandato de seis anos.
SUBSTANTIVO 17
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1963
Naquela poca a Usiminas fornecia alguns litros de
leite para os operrios, que traziam consigo vasilhas
de plstico para transport-lo. Quando as pessoas tem
uma oportunidade dessas, elas pegam o quanto podem.
Foi isso que aconteceu, aquilo acabou exagerando. Os
vigilantes da Usiminas trabalhavam em uma guarita de
madeira que ficavam na portaria. Um deles comeou a
implicar com a situao, no deixando as pessoas pas-
sarem com muito leite. Um operrio carregava consigo
um galo com cinco litros e acabou sendo impedido de
sair. Foi vindo outro e mais outro, todos querendo passar,
mas sendo barrados na portaria. Criou-se um grande
tumulto. A cavalaria chegou. Na poca era a chamada
polcia montada, mas eles chegaram de caminho. V-
rios soldados numa carroceria para dar proteo aos
vigilantes.
O tumulto aflorou. Alguns operrios pegaram pedras
e arremessaram contra os polciais, que estavam total-
mente despreparados. Um deles pegou a metralhadora
e disparou uma rajada contra o pessoal aglomerado na
portaria. Muita gente foi baleada. Tinha um rapaz que
trabalhava na mesma empresa que eu, a Montreal. Um
tal de Nascimento. Era encarregado de gravao e, nas
horas vagas, fotografo amador. Ele possua um pequeno
estdio e andava sempre com a mquina fotogrfica a
tiracolo. No meio da confuso ele comeou a fotografar
tudo. Um tiro o atingiu e ele morreu. Pessoas que passa-
vam por l acabaram sendo atingidas tambm, gente que
nada tinha a ver com o tumulto. Um alfaiate chamado
Geraldo Rocha, que nem era funcionrio da companhia,
tambm foi alvejado.
A polcia recuou depois da confuso, mas noite eles
cercaram o Santa Mnica. Antigamente o bairro era um
alojamento de vrias empreiteiras, principalmente dos
empregados da Chicago Bridge. Havia um rapaz que
tocava corneta para chamar o pessoal a se recolher, l
por volta de umas tantas horas. Por isso inventaram o
apelido de Forte Santa Mnica. Os policiais invadiram
e comearam a abordar os trabalhadores, muitos deles
j deitados. Algumas pessoas foram espancadas e um
novo tumulto foi criado. Aquilo acabaria virando uma
guerra. No dia seguinte os trabalhadores encontraram
o caminho da cavalaria estacionado no bairro Horto. O
povo se juntou e virou o caminho, destruindo-o com-
Manh de sete de outubro
Foto do Soldado Moacir Almeida. Uma das ltimas fotos tiradas pelo
metalrgico Jos Isabel do Nasci-mento, vtima fatal do conflito.
18
-
Local do massacre. A seta indica onde estavam as estacas de uma guarita, destruda num conflito anterior ao dia 7 entre vigilantes e trabalhadores.
pletamente. Na noite do dia oito de outubro, houve um grande
tiroteio no centro de Ipatinga. Choveu bala pra todo lado. A
delegacia e a cadeia, que funcionavam no mesmo lugar, foram
destrudas pelos mais exaltados.
Foram trs dias de muita confuso. Na Cidade ningum
entendia qualquer coisa. Muitas pessoas foram mortas. O n-
mero de vtimas no certo. Corpos foram empilhados dentro
do escritrio da Usiminas e os prprios familiares, que faziam
o reconhecimento dos cadveres, precisavam tomar todas as
providncias. No houve levantamento perfeito e at hoje no
existe consenso sobre mortos e feridos. O certo que em torno
do assunto foram criadas vrias histrias.
Quem no errou nunca fez nada. Quem trabalha no pode acertar tudo, alguma coisa sempre sai errado. Se voc errar porque est trabalhando, quem no erra no trabalha.
SUBSTANTIVO 19
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Era uma poca de muita violncia, pela
prpria situao precria da cidade. Existia
uma zona bomia chamada Jo, onde hoje
o Parque Ipanema. Logo adiante estava a
famosa Rua do Buraco, uma favela de bar-
racos de madeira enfileirados. Lembro que
em poca de chuva havia muitas enchentes
e vrias famlias acabavam desabrigadas.
Um grande sofrimento. A maioria da tur-
ma das empreiteiras frequentava a zona
bomia. A Montreal possua alguns cami-
nhes vermelhos que iam para o local com
as carrocerias cheias de trabalhadores. Eles
acabavam aprontando muita confuso e a
polcia marcou os elementos que se des-
tacavam na arruaa. A coisa chegou num
ponto em que os caminhes da Montreal
foram proibidos de transitar pela Rua do
Rua do Buraco
Antigo Jo
Centro de Ipatinga
20
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Quando a gente partici-
pa ativamente na Cidade, h
tanto para ser feito que sim-
plesmente no damos conta.
O tempo fica curto. Participei
da Congregao Mariana, de-
pois da SSVP na Conferncia
Vicentina, na mesma poca
em que entrei na diretoria do
Lions Clube Armando Fajar-
do. Tambm participei dos
movimentos de encontros de
casais e reviso matrimonial,
poca em que surgiu o C3.
DitaduraBuraco. Uma coisa no tem nada a ver com outra. O massacre
foi um atrito entre os trabalhadores da Usiminas, que entraram
em confronto com os vigilantes e depois com a polcia. No tinha
nada a ver com o golpe militar que aconteceriam em maro de
1964. A ditadura foi uma interveno dos militares que presta-
vam a segurana nacional. Eles tinham medo de Joo Goulart,
presidente empossado depois da renuncia de Jnio Quadros, pois
acreditavam que ele tinha ligaes com o comunismo sovitico.
Lembro que na poca da renncia de Jnio havia comeado a
comprar a revista Manchete. Juntei uma coleo grande, mas na
poca da revoluo, quando prenderam gente at aqui na regio,
botei fogo em todas as revistas, com medo de represlias. A nica
coisa que guardei foi o discurso de inaugurao de Braslia, feito
por Juscelino Kubitschek.
Mesa Diretora da Cmara: Presidente Nelson Parreira Rocha, Vice-pres. Drauzio Rodrigues, 1 Secretrio Antnio Gonalves de Souza, 2 Secretrio Ismael Pereira Lima
SUBSTANTIVO 21
-
um nobre vampiro
Contrariando a ideia que temos sobre
apelidos, geralmente palavras curtas
para designar e identificar as pessoas
de modo informal, Diogo Henrique
Santos Coura adotou Duke of the great Oceans
como alcunha. Gerado em um site de RPG, o qui-
lomtrico apelido era o nome vamprico do per-
sonagem que encarnava no jogo. No entanto, os
amigos sempre optaram pela sntese. Ento, com
vocs: Duke, que, longe de ter carter de vampiro,
uma pessoa doce e se alimenta da arte.
Natural de Ipatinga, Duke veio ao mundo em 6
de maio de 1989, dar voz a tudo que inquieta seu
mundo particular e que soa como poesia, msica e
como ilustraes psicodlicas, estilo que prevalece
em sua arte.
Alm dos medos confessos que o assombram,
Duke convive com seus pais, com uma irm, a cau-
la, e com a av materna, numa relao saudvel,
enfatiza o artista.
Segundo ele, sua infncia foi marcada pela
companhia dos livros e do vdeo game e pelos lon-
gos perodos que passava dentro de casa. Eu me
subtraa do mundo. Gostava de ficar em casa, onde
me sentia protegido de tudo, recorda.
A partir dos seus 12 anos, boa parte do tempo de
Duke passou a ser consumido pelas artes. Desde
a infncia, gosto de msica. Ainda criana, eu pro-
duzia sons com baldes, panelas, caixas de papelo.
Eu chorava ouvindo Hey Jude, na vitrola da mi-
nha me, e era ainda apaixonado pelos concertos
de Natal. Em busca de reproduzir aqueles sons
mgicos, comecei a tocar flauta e, depois, violo
clssico e a cantar. Estudei para isso, recorda
Duke, que vem se dedicando tambm ao violino,
instrumento para poucos.
Aos 16 anos, Duke se envolveu com a fotogra-
fia e com edio de imagens. A poesia viria em
seguida. Depois de ler Uma estadia no Inferno,
livro do francs Arthur Rimbaud, ele passou a se
dedicar a compor suas prprias canes, carreira
inaugurada com Spray, que fala sobre .... emba-
lada pelo ritmo .......
As primeiras exibies do seu trabalho foram
22
-
Duke ou Diogo?
H pessoas que s me
chamam de Duke, e no
fazem idia do meu nome; e
pessoas que me chamam de
Diogo, e no fazem idia de
que sou um Duque
SUBSTANTIVO 23
-
Para Duke, criar trilhas sonoras para filmes como testar a sua sensibilidade bus-cando encontrar lacunas na imagem a serem preenchidas com a msica e alcanar sucesso nisso. Msica em cinema um assunto a se discutir. H quem dispense, h quem utiliza como ponto principal, quem utiliza de forma tmida. Em relao ao meu trabalho para Flor, por exemlo, digo que tive a sorte da minha primeira trilha ser para um filme mudo, um risco enorme que sempre gosto de correr. O Flor j estava completamente pronto, com exceo de alguns cortes que estavam por serem feitos posteriormente, quando fui convidado para compor trilha. Ento eu tive uma viso de espectador acerca de tudo o que se passava na tela. E com olhar crtico, claro. Acho que atingi o ponto certo. Foi um desafio e tanto. Mais pela mixagem que no fato de compor em si mesmo. Fiquei honrado em competir com grandes nomes e ser indicado. O trabalho havia sado do meu notebook empoeirado, do meu quarto escuro. A composio dialoga com o filme, sua essncia supera a qualidade de udio, que no de todo ruim. (Risos)
feitas via net. Eu mandava os udios pra uma ami-
ga, Isa Zeff. Foi ela quem me convenceu de que o
meu som era legal, lembra Duke.
Mas o reconhecimento do pblico veio mesmo em
maio deste ano, quando, por indicao do jri do Fes-
tival Art Dco de Cinema, em So Paulo, concorri ao
trofu Flor de Ltus, na categoria Melhor Trilha Sonora
pela trilha do curta-metragem Flor, do paulista Paulo
Oliveira. Esse fato impulsionou meu sonho de viver da
minha arte, comenta o msico.
Para Duke, a reafirmao de que seu sonho era pos-
svel veio ainda com a incluso de duas de suas msicas
no documentrio Fbrica de Nuvens, produzido du-
rante uma oficina de produo da Cine Documenta. O
filme foi dirigido pelo renomado cineasta carioca, Luiz
Carlos Lacerda, o Bigode, diretor de Mos Vazias, Leila
Diniz, dentre outras obras. Ele teceu altos elogios ao
meu trabalho, conta Duke.
A conquista do terceiro lugar no Concurso Paixo
com paixo se Paga, organizado pela artista portuguesa
Patrcia Linoem, foi uma motivao a mais para Duke.
Concorri na categoria na categoria de Poesia e Texto
Dramtico, com excertos de Dois Nomes, Figuras, P-
gina Trs e Dionsios, totalizando cinco poemas e uma
esquete dramtica. O Concurso trouxe a certeza de que
eu realmente poderia mostrar o que fao pro mundo, ao
invs de engavetar tudo como fiz por um bom tempo.
Pra mim, sempre foi um desafio sair do lugar-comum,
arriscar algo novo. Nunca soube lidar com mudanas,
mas tambm sempre me neguei a experiment-las, frisa.
Apesar de j ter estudado em escola de msica, Duke
se considera um autodidata. A msica est presente
o tempo todo em minha vida. Passo o tempo ouvindo,
compondo, estudando. No momento, tenho estudado
jazz e sobre engenharia de som e jazz, j que trabalho
com desenho de som para cinema e teatro, explica.
FuturoEnquanto a arte d sentido a todos os dias de Duke,
segundo comenta, tudo o que ele tem pra criar e que as
24
-
muitas 24 horas no comportam, fica planejado para o
futuro. Quero terminar uma msica de cmara. Com
ela, devo participar do concurso Jovens Compositores, na
Itlia. Para um futuro distante, penso em ter minha m-
sica sendo tocada em grandes teatros no exterior, ir para
a Inglaterra e compor algo com John Zorn. Dizem que
sou pretencioso. Enquanto isso no acontece, continuo
trabalhando com arranjos e penso em captar recursos
por meio de leis de incentivo cultura. Penso em poder
me sustentar com o meu trabalho, diz.
Duke vem ainda trabalhando na masterizao de duas
faixas que lanar em breve como single do seu projeto
Pregos, Cruzes & Um Saco de Moedas, lanado em
2009 pelo selo virtual Sinewave. Alis, eu queria muito
lanar experimentaes invisveis o tal debut fisica-
mente, caso algum se interesse, anuncia.
Duke tambm mantm parceria com uma banda que
passeia pelo experimentalismo e free jazz, de Belo Hori-
zonte, chamada . Ele est terminando um instrumental
pra banda Constantina. Sou parceiro do Cadu Tenrio,
em seu projeto Ceticncias, que trar um dueto de flautas
meu. O trabalho fica pronto em dezembro. Vou compor a
trilha de um filme do Svio Tarso e que deve ser gravado
no fim deste ano. Em fevereiro, vou para Mariana, onde
vou compor a trilha do filme do Joo Grossi, Passa-
gem, enumera Duke, que tem um modo prprio, bem
incomum de lidar com o tempo e a inspirao que move
tudo o que ele faz. No toa que chamado de gnio
por diversas pessoas.
Quanto ao retorno financeiro de tudo o que ele faz,
Duke dia que no h nenhum, anunciando em seguida
que, se existir algum que queira pagar pela sua arte,
que o avise.
Outros projetos Dentre os projetos que Duke vem desenvolvendo,
esto Pregos, Cruzes & Um Saco de Moedas e Slee-
pwalkers Maladies. No primeiro, exploro de forma
idiossincrtica o minimalismo e a msica concreta, com
pressgios estocsticos. O outro trabalho mantenho com
os amigos e msicos paulistanos Guilherme Henrique e
A stima arte motiva o
encontro de Duke com a
plenitude de seus dons
artsticos, que ele vem
compartilhando entre
os amantes do cinema
documentrio
SUBSTANTIVO 25
-
Felipe Vale. Tenho ainda outro projeto rotulado como
msica popular melodramtica, chamado Alice Narco-
lptica. Esse desenvolvo com o msico Rafael Xavier. J
tive mais projetos paralelos, mas foram deixados para
trs com tempo, conta.
Duke autor de Resqucios de Mim, uma coleo
de frmitos em verso, escritos entre 2006 e 2007. Com
a obra, Duke concorreu, em 2008, ao I Prmio Minas
Gerais de Literatura, na categoria Melhor Poesia. Re-
centemente, Duke finalizou seu segundo livro, Ventos
Idiotas (Ou Uma pera Obscena). A obra um mani-
festo potico insanidade e ao seu leque de significados,
alegorias, metforas e epifanias.
Duke tambm assina a direo e roteiro de todos os
curtas lanados e goras apagados da memria virtual e
real pelo grupo artstico-cultural ipatinguense Estdio
11, e o curta-experimental Memrias Espasmdicas,
que contou com a participao da atriz Llian de Faria.
Duke mantm contato com famosos como o per-
curssionista Cyro Baptista, que toca com John Zorn;
com o jovem Youth Lagoon que, segundo a avaliao de
Duke, comps o melhor lbum desse ano; com o artista
plstico Cezar Berger, que assina a capa do prximo EP
do Pregos, Cruzes & Um Saco de Moedas - seu projeto
de msica experimental; e com Thiago Pethit
Alm de todos os parceiros, Duke est em vias de
convencer sua namorada, a dukesa ........... a cantar tam-
bm. Ela canta muito bem, por isso sempre digo que as
pessoas precisam ouv-la, conclui Duke.
*Entrevista com Duke realizada via e-mail (citalopram40mg@...) que uma aluso ao medicamento usado para driblar um estado depressivo.
Jamais pratiquei o mal. Os dias me sero leves, o arrependimento me ser poupa-do. No terei tido os tormentos da alma quase morta para o bem, na qual ascende a luminosidade severa como a dos crios fnebres. O destino do filho de famlia, esquife prematuro coberto de lmpidas lgrimas. Sem dvida, a devassido est-pida, o vcio idiota; preciso jogar fora a podrido. Mas o relgio no ter chegado a tocar seno a hora da dor pura! Serei suspenso como uma criana, para brincar no paraso, esquecido de todas as desgraas! Depressa! existem outras vidas? O sono entre riquezas impossvel. S o amor divino outorga as chaves da cincia. Vejo que a natureza no passa de um espetculo de bondade. Adeus quimeras, idias, erros.
[arthur rimbaud]
26
-
Duke explica que difcil
falar sobre o que influencia
o seu trabalho. "Acho que
tudo o que me apetece, tudo
o que me cerca, tudo o que
eu vivo e ainda vou viver,
so referncias".
Entre compositores,
cineastas, poetas/escrito-
res que admira ele cita a
msica de John Zorn; Carl
Stallin, que era o compo-
sitor das trilhas dos de-
senhos da Warner Bros;
Sonic Youth, sua banda
predileta; Dmitri Shostako-
vich, Stockhausen, Ligeti,
Mozart e Bach. Em relao
ao cinema, Duke conta que
gosta de Ingmar Bergman e
de Harmony Korine. Na li-
teratura, Arthur Rimbaud,
Edgar Allan poe, T.S. Elliot
e Fidor Dostoivski tm
sido referncias para Duke.
Duke msico
(multi-instrumentista),
compositor, poeta,
cineasta e crtico das
reas que circundam o
seu trabalho
Duke explica que difcil
falar sobre o que influencia
o seu trabalho. "Acho que
tudo o que me apetece, tudo
o que me cerca, tudo o que
eu vivo e ainda vou viver,
so referncias". Entre
compositores, cineastas,
poetas/escritores que
admira ele cita a msica
de John Zorn; Carl Stallin,
que era o compositor das
trilhas dos desenhos da
Warner Bros; Sonic Youth,
sua banda predileta; Dmitri
Shostakovich, Stockhausen,
Ligeti, Mozart e Bach. Em
relao ao cinema, Duke conta
que gosta de Ingmar Bergman
e de Harmony Korine. Na
literatura, Arthur Rimbaud,
Edgar Allan poe, T.S. Elliot e
Fidor Dostoivski tm sido
referncias para Duke.
SUBSTANTIVO 27
-
Vivamos caando, pescando e coletando as
coisas de comer que achvamos pelo caminho,
como frutas e legumes. Era uma vida dura e pe-
rigosa. Nem sempre encontrvamos tudo o que
precisvamos por ai e muitos morriam de fome,
frio ou devorados por animais predadores. A vida
era uma longa jornada pela Terra em busca do
alimento e de segurana. Tudo mudou quando
aprendemos a cultivar as plantas no solo e do-
mesticar os bichos mais uteis. sabido pouco
sobre como isso realmente aconteceu, mas essas
grandes descobertas mudaram nosso modo de
vida e tambm esse planeta, que nossa casa.
A terra e os animais sempre estiveram aqui
pra todo mundo que precisasse. Existem desde
muito antes dos homens criarem os nomes das
coisas. Mas quando comeamos a plantar e a do-
mesticar os animais conseguimos maior controle
No posso brincar
agora, filho, tenho de ir trabalhar.
Por que no pede ao
desocupado do seu tio pra te contar uma hististorinha?
Se quer mesmo
saber, deita aqui que vou te contar a
histria.
Pai, que
isso que o jornal diz que o mercado do
mund o est em crise?
Eu escutei a pergunta. Tio...
CRISEUma
breve histria da
28
-
sobre o mundo. No dependamos mais das plantas
que nasciam naturalmente, nem dos bichos que iam e
vinham ao acaso. Controlar nossas fontes de comida
fez com que pudssemos parar de nos mudar, e assim
ficamos sedentrios. E, como podamos alimentar
muito mais pessoas, mais e mais gente passou a viver
sobre a Terra. Acontece que quanto mais gente existe,
mais comida precisa ser produzida.
Antes dessa mudana os homens faziam basica-
mente as mesmas coisas. Todos eram responsveis
por conseguir comida, pela defesa e pela construo.
Com aumento das tarefas e do numero de pessoas
para realiz-las, era necessrio criar uma maneira
mais eficiente de dividir o trabalho, de forma que to-
dos pudessem ter acesso ao que precisavam. E assim
foi feito. Enquanto um grupo pescava, outro grupo
plantava e outro cuidava dos animais. O cultivo mais
produtivo de alimentos permitia que algumas pes-
soas no precisassem trabalhar cultivando a prpria
comida, eles podiam desempenhar funes diversas
que tornavam a vida em grupo mais eficiente. Havia
guerreiros, construtores de casas ou barcos, outros
forjavam ferramentas.
Depois aqueles que plantavam trocavam o excesso
de sua produo com os que criavam bichos e etc. Um
trocava bananas por ovos, outro trocava carne por
arroz. Tambm trocavam produtos por favores ou tare-
fas. Voc conserta meu galinheiro, te dou uma galinha.
Alguns produtos eram mais desejados, ou mais uteis,
e costumavam ser aceitos por todos servindo de base
nas trocas, para avaliar-lhes o valor. Eram moedas-
mercadorias. Algumas delas foram to importantes
que ficaram marcadas at em nossas palavras. o caso
do sal, que da origem ao salrio que seu pai recebe.
Esse comrcio feito por trocas de produtos e servios
chamado de escambo. Essa inveno a base do
mercado que a televiso tanto comenta.
-Trocar coisas?
-Sim. Trocar e ter coisas. Possuir um objeto, uma
ideia, ou at mesmo uma pessoa e poder troc-la por
outra coisa que se deseja. Essa inveno entra pra
histria com nome completo: Propriedade Privada.
Uma populao cada vez maior e mais complexa
tambm tinha seus problemas. Voc imagina o que
poderia acontecer se qualquer imprevisto tornasse a
comida insuficiente? Coisas muito ruins. Por isso os
homens precisavam proteger a comida que alimenta-
va suas famlias e seu grupo, e tambm a terra onde
essa comida era produzida. Muitos homens so mais
fortes que poucos. Podem carregar coisas mais pesa-
das, construir prdios maiores, lutar contra inimigos
numerosos.
Era preciso muita organizao pra manter esses
grupos funcionando direitinho, cada pessoa cumprin-
do sua parte do trabalho risca e confiando que o outro
tambm o faria. Caso contrrio tudo podia acabar
em completa confuso assim que alguma coisa desse
errado, como uma enchente, uma seca, ou a invaso
de algum grupo inimigo. Para tudo dar certo algum
precisava analisar as escolhas, tomar as decises e
julgar os conflitos. Ser um lder. Antigamente cada gru-
po escolhia seus lderes da maneira que parecia mais
certa. Podiam ser os melhores guerreiros, os homens
mais velhos, as mulheres mais sbias, ou aqueles que
tivessem poder de entrar em contato com os deuses.
Eles orientavam e dividiam as tarefas, apartavam bri-
gas, decidiam conflitos e, principalmente, diziam o que
fazer com o excedente de tudo que fosse produzido.
Se o grupo crescia demais, mais lideres eram ne-
cessrios para control-lo. Com o tempo eles recebe-
ram diversos nomes: nobres, patrcios, sacerdotes.
Todos eles subordinados aos lderes principais, que
tambm ganharam outros nomes: rei, imperador,
fara, csar.
-Mas tio, o que tem a ver essa tal diviso de tarefas,
esse monte de lderes, nobres e faras, com o escambo,
a propriedade privada, o mercado e a crise?
-Tudo. Estou chegando l.
Pensando em todas essas coisas um lder teve uma
ideia genial. Foi mais ou menos assim:
SUBSTANTIVO 29
-
prestem ateno meus sditos. A terra em que
vocs vivem e plantam, a casa em que moram, os animais que criam e tudo mais que existe at os limites de nosso povo, pertencem liderana. De tudo
que produzirem, a liderana reco-lher uma parte.
mas nossas casas? Onde vamos morar? E o que
vai fazer com tanta comida, vai comer isso tudo?
vocs vo continuar morando onde moram e cul-
tivando as terras da Liderana. Parte daquilo que a Liderana
tomar ser alimento dos guerrei-ros que vivero exclusivamente para
defender nossas fronteiras dos cru-is inimigos. Outra parte ser destinada
aos nobres funcionrios da Liderana, que acompanharo toda produo e
controlaro a arrecadao do governo, garantindo o funcionamento desse nobre sistema. Uma parte especial ficar com os sacerdotes, que regem a vida espiritual
e garantem para ns os favores dos deuses. O que sobrar ser guardado
para pocas de escassez, ou tro-cado por coisas uteis produzidas
por povos amigos.
parece justo.
tem mais. Em pocas
especiais, vo-cs vo se reunir
e construir coisas para o bem comum.
Canais de irrigao. Barragens para conter
os rios. Depsitos para estocar o ali-
mento. Muralhas para cercar nosso povo.
Templos para os deuses. Palcios para a Liderana. Esttuas dos
lideres.
pera ai! Canais e bar-
ragens at que vai, mas templos e palcios? Pra que serve uma
esttua?
meu bom sdi-to. Todas essas coisas so muito
importantes. Templos vo afirmar nossa f,
reforar o contato com os deuses e garantir
seus favores. Esttuas e outros monumentos
sero smbolos de nossa riqueza e de nossa fora. Os palcios sero a sede da Liderana, onde as deci-ses sero tomadas. Eles
nos daro orgulho por pertencermos a esse povo
to prospero e nos ins-piraro unio. Alm disso,
os estrangeiros que verem essas maravilhas
saberquem somos e do que somos
capazes.
nossa, mas esse
nosso lder fala to bonito! Essas esttuas so mesmo ne-
cessrias.
claro, no ele quem vai
construir.
30
-
-Foi assim mesmo que aconteceu, Tio?
-Bom, talvez no com essas palavras, mas algo do
tipo. O importante disso tudo que as pessoas estavam
se reunindo para fazer coisas que no traziam retorno
imediato, em torno de ideias que iam alm do mundo
concreto. A figura do lder, um sujeito escolhido pelo
grupo para guiar o grupo, foi aos poucos substitudo pela
Liderana, que hoje chamamos de Governo, ou Estado.
Deixou de ser um posto ocupado por um homem e se
tornou uma organizao, ou entidade, que mantm o
poder independente de quem assume a figura de lder.
-Poder?
-Sim. A fora de criar e manter a lei, decidindo o que
certo e o que errado. O que uma pessoa pode ou no
fazer. E, principalmente, o que uma pessoa obrigada
a fazer. Por isso aquela parte do que cada um produz e
que deve ser entregue ao governo se chama imposto,
porque uma obrigao imposta pela lei.
-Nossa! E o que aconteceu?
-Aconteceu que nem tudo funcionou perfeitamente.
Muitas vezes era impossvel trocar o que se tinha pelo
que se queria, mesmo com as moedas-mercadorias. Se
o criador de vacas no gostava de peixes, ele podia sim-
plesmente no dar leite para o pescador. Tambm era
complicado transportar algumas mercadorias para fazer
trocas. Dificuldade maior surgiu para os funcionrios
que recolhiam o imposto. Era complicado definir a re-
partio de certos produtos, como dividir uma vaca viva
por exemplo. Alm disso, essas mercadorias mudavam
muito de valor e eram perecveis demais para serem
guardadas por longos perodos, dificultando o acumulo
de riqueza. A soluo apareceu com a descoberta dos
metais, que alm de fazerem ferramentas e armas muito
mais fortes e resistentes, tambm eram apreciados pela
raridade e pelo brilho!
Cobre, bronze, ferro, prata, ouro... No principio
eles eram trocados em estado bruto, por mercadorias de
valor equivalente ao do peso do metal oferecido, ou por
objetos feitos com eles. Anis, braceletes, facas, enxadas,
foices. Mas isso tambm tinha suas complicaes, pois
era necessrio conferir o peso e a pureza do metal, ou
a qualidade das ferramentas, em todas as trocas. Para
agilizar, os metais passaram a ser moldados no formato
de miniaturas de objetos de uso comum, como facas,
chaves e peles de animais. Eram as primeiras moedas.
Mais tarde elas passaram a ter o formato arredondado
que conhecemos hoje, com peso definido e o valor mar-
cado em sua face com martelos e formes, num processo
conhecido como cunhagem. o princpio das moedas
como conhecemos hoje.
-Qualquer um podia fazer moedas?
-Teoricamente sim, mas a coisa no foi to simples.
Primeiro era necessrio saber onde encontrar o metal
e como trabalh-lo, esses conhecimentos eram consi-
derados grandes tesouros. Depois era preciso proteger
os lugares onde o metal era encontrado, trabalhado e
armazenado, alm dos artfices que o faziam. Apenas
grandes lderes, de povos numerosos e organizados,
podiam dispor de tantos guerreiros para isso. Tornou-se
comum que os governos cunhassem suas moedas. Elas
refletiam aspectos da mentalidade dos povos, podendo
dizer muitas coisas sobre eles. Por exemplo, era comum
que os lideres poderosos mandassem moldar a forma de
seus rostos nas moedas cunhadas, garantindo seu valor
e espalhando fama de poder e riqueza pelo mundo.
Os metais mais valorizados eram a prata e o ouro,
pela raridade e beleza, mas tambm por causa da asso-
ciao que as antigas religies faziam entre esses metais
e as divindades da lua, do sol e outras. Ainda hoje esses
metais so considerados mgicos por algumas culturas.
Por serem muito desejados e largamente aceitos, o valor
comercial desses metais foi a base do valor de compra
das moedas durante muito tempo.
Os metais, e as moedas feitas com eles, mudaram
todo mundo antigo e permitiram que o comrcio atingis-
se lugares cada vez mais distantes, conectando diversos
povos diferentes atravs dos diferentes produtos que eles
comercializavam. Para fluir o comrcio era necessrio um
tipo especial de trabalhador. Pessoas que movimentavam
as diversas mercadorias pelas longas rotas, em viagens
que podiam durar muitos anos. Os mercadores. Era
um trabalho arriscado. As estradas eram raras e muito
perigosas. Muitas viagens eram feitas por mar, em bar-
cos antigos que dependiam de remos e do vento para se
moverem. Muitas viagens acabavam no fundo de rios e
mares. Alm disso, as riquezas transportadas atraiam a
cobia de muita gente. Grupos de bandidos perigosos
perambulavam pelas rotas, para assaltar as caravanas
SUBSTANTIVO 31
-
mercantes. No mar esses bandidos eram chamados de
piratas, e se tornaram muito temidos. Para compensar
os riscos, os preos das mercadorias eram elevados e os
mercadores bem sucedidos podiam acumular enormes
riquezas.
Para manter o comrcio fluindo a demanda de me-
tais preciosos estava sempre crescendo. Mas o metal
no pode ser plantado ou fabricado. Ele se encontra na
terra e nas rochas, criado em processos geolgicos de
milhes de anos. Quando uma mina se esgota, apenas
encontrando outra mina possvel obter mais metal. Se
no existiam mais delas no territrio de um povo, no
havia outro recurso seno atacar outros povos para tomar
deles o controle de suas terras e minas.
Depois de conquistado um povo tudo lhe era to-
mado. Os prisioneiros tinham destino incerto. Muitos
eram sacrificados em rituais para os antigos deuses,
que exigiam oferendas em sangue de seus fieis. Outros
eram abandonados prpria sorte no mundo. A maioria
deles era forada a trabalhar para seus conquistadores,
plantando, minerando, construindo e fazendo quaisquer
trabalhos que lhes fosse ordenado.
-Se tornavam escravos?
-Exatamente. A guerra virou uma atividade muito
lucrativa, se espalhando pelo mundo. Grandes lideres
guerreiros juntavam enormes exrcitos conquistadores
e tomavam, pela fora, territrios continentais. Alm do
controle de enormes reas de plantio, das minas e de um
grande nmero de trabalhadores escravos, eles ambicio-
navam o domnio sobre as rotas mercantes. Em troca de
proteo, contra piratas e bandidos, os conquistadores
cobravam impostos sobre os produtos transportados
pelos mercadores, aumentando ainda mais sua riqueza.
E com tanta riqueza junta outra coisa muito poderosa
se espalhou pelo mundo, a misria.
Por onde os exrcitos passavam tudo era destrudo.
Plantaes e criaes de animais eram saqueadas para
alimentar os soldados e o que no podia ser levado era
queimado, para impedir que ficasse nas mos do inimigo.
Manter exrcitos crescentes exigia impostos cada vez
maiores, vitimando os mais pobres que, sem recursos
para comprar ferramentas, sementes e outros produtos
necessrios, acabavam por se endividar. Muitas vezes os
camponeses eram obrigados a engrossar as fileiras dos
exrcitos na guerra. Sem poder plantar ou colher, au-
mentavam ainda mais suas dividas e acabavam perdendo
suas propriedades para grandes senhores de terra, que
as cultivavam usando mo de obra escrava. Aqueles que
no conseguiam pagar suas dividas tambm podiam se
tornar escravos, de forma provisria ou permanente.
Enquanto alguns eram privilegiados, muitos sofriam.
Os lideres e sacerdotes que surgiram para guiar e pro-
teger seus grupos ficaram to ambiciosos por poder e
riquezas que passaram a no se considerar, ou agir,
como pessoas normais e sim como senhores, eleitos
pelos deuses para dominar outros seres humanos. Esse
favor divino, conhecido como nobreza, passava de pai
para filho como uma herana, junto com a riqueza da
famlia. Assim como o filho de um escravo j nascia
escravo, ou o filho de um campons pobre herdava suas
dividas. As diferenas entre ricos e pobres de um mes-
mo povo tornaram-se to grandes quanto as diferenas
entre pessoas de povos distintos. Em alguns casos era
difcil achar a diferena entre uma pessoa pobre livre e
um escravo.
-Mas por que as pessoas aceitavam isso? Eu no
deixaria nobre nenhum mandar em mim.
-As coisas funcionavam desse jeito. Era a lei. Aqueles
que reclamavam, ou se rebelavam, podiam ser presos,
banidos, ou at mortos.
-Mas voc disse que eram os lideres e os nobres que
faziam as leis. Como eles podem fazer uma lei que diz
que eles podem mandar e eu no posso reclamar?
-As leis so como tudo mais que existe. Podem ser
boas e proteger as pessoas, ou ruins e escraviza-las.
Quem segue ou desrespeita uma lei tem de refletir so-
bre o que certo e o que errado, e se est disposto a
conviver com as consequncias de seu ato, seja qual for
a deciso que tomar.
Aqueles que detinham a riqueza e o poder no es-
tavam dispostos a abrir mo deles. Usavam todos os
meios disponveis para mant-los. Um deles era a lei.
Outro era a religio. Sacerdotes tambm se beneficiavam
das coisas como elas eram. Eles usavam as palavras dos
deuses como justificativa para manter sua dominao.
Se nada disso bastasse, eles contavam com o exrcito.
No fim das contas era ele quem detinha o poder real,
mantendo a ordem das leis pela fora, ou as derrubando
32
-
se lhes parecesse melhor. Para os lderes se manterem
precisavam de exrcitos fortes e leais, dispostos a pegar
em armas para aumentar o poder a riqueza e a glria de
seu comandante. Mesmo que os inimigos fossem pes-
soas de seu prprio povo, rebeldes descontentes com o
rumo que as coisas tomavam. Muitos estavam dispostos
a enfrentar priso e morte para defender sua liberdade,
fazendo o que julgavam certo independente do que as leis
ou os deuses mandavam. Assim a guerra se espalhava
no interior dos prprios povos.
Imprios colossais surgiram e foram conquistados
por imprios ainda maiores. Estes por sua vez ruram,
vitimados por revoltas e guerras surgidas entre seus pr-
prios cidados. Acabavam sendo conquistados por outros
povos guerreiros. Cidades, templos e palcios majestosos
foram saqueados e destrudos. Grandes realizaes das
antigas civilizaes caram soterradas pela poeira da
guerra. Uma enorme parte da histria da humanidade
foi esquecida. Alguns povos foram to completamente
arrasados que nem seus nomes sobraram na memria
do mundo. As rotas comerciais acabaram se tornando
perigosas demais para que os mercadores se arriscassem
por elas, interrompendo as trocas de mercadorias e a
comunicao entre povos distantes. O mundo se tornou
um lugar menor, mais escuro e perigoso, dividido entre
nobres guerreiros donos de terras, servos camponeses
que plantavam e colhiam para seus senhores, e sacer-
dotes que rezavam para afastar as almas das pessoas de
um inferno horrvel que as aguardava depois da morte.
No existe tormento eterno, assim como tudo que
bom tambm acaba um dia. As cidades voltaram a flo-
rescer, estimuladas pela movimentao de mercadores
que redescobriram as antigas rotas. Com o comrcio das
especiarias, cobiadas mercadorias trazidas do extremo
oriente, as moedas voltaram a circular em grande nmero
pelo mundo. Mas j no era to fcil encontrar a prata
e o ouro, no velho continente. Milnios de minerao
tornaram o metal escasso na superfcie da terra. Como j
disse, a raridade aumenta seu valor. Os ourives, homens
que trabalhavam e negociavam objetos de ouro e prata,
passaram a aceitar a responsabilidade de guardar o metal
precioso de seus clientes, em troca de uma porcentagem
ou taxa. O cliente ficava com um recibo de papel e com ele
podia sacar o valor a qualquer momento. Rapidamente
estes papeis comearam a ser trocados diretamente pe-
las mercadorias. Eles valiam ouro, literalmente, e eram
mais cmodos e seguros de transportar. Esse sistema
de notas foi til para o comrcio de inmeras maneiras.
Mais tarde ele deu origem ao dinheiro como conhecemos.
Buscando novas rotas comerciais para o leste longn-
quo, aventureiros desbravadores se lanaram ao mar.
Eles desejavam ervas, incensos, temperos e seda, alm
de outras especiarias. Tambm era vital encontrar fon-
tes novas e fartas de metal precioso, para prover esse
crescente comrcio. Mas, alm de rotas martimas para
o Oriente, os navegadores encontraram algo maior e
muito mais valioso. Um imenso continente alm do
Oceano Atlntico!
-J sei, a Amrica! Onde vivemos.
-Isso. Acontece que naquele tempo j existiam al-
gumas pessoas sensatas que aceitavam a ideia de que
o mundo fosse esfrico, no plano como se pensava.
Nesse caso era possvel chegar ao extremo leste viajando
sempre para o oeste. Foi o que fizeram. Mas encontra-
ram um continente no meio do caminho. A descoberta
das novas terras acendeu cobia e desejo nos calejados
guerreiros do velho mundo. A possibilidade de encontrar
ouro, prata e outras riquezas, os inspirava a embarcar
em caravelas, lotadas de gente e carga, para enfrentar
uma perigosa viagem. Qualquer risco valia a pena, pois
havia a promessa de riquezas infinitas alm do Mar
Oceano, como era chamado o Atlntico naquela poca. O
faro dos aventureiros estava certo, havia muita riqueza.
Mais do que sonhava qualquer conquistador. O nico
problema era que o continente no estava desabitado.
Havia muita gente vivendo nele. Civilizaes to antigas
e desenvolvidas quanto aquelas que os exploradores
deixaram para trs.
No era barato custear essa aventura. Construir na-
vios, pagar tripulao, comprar mantimentos, armar os
aventureiros, tudo isso requeria um monto de moedas.
Era preciso investir muito dinheiro, com grande risco
de obter retorno algum. Os nobres lderes no dispu-
nham de tanto valor, precisaram peg-lo emprestado.
Os comerciantes haviam adquirido grandes fortunas
com o fortalecimento do comrcio, utilizando os recibos
bons como ouro inventados pelos ourives. Associaes
de ricos comerciantes podiam custear as despesas das
SUBSTANTIVO 33
-
viagens exploratrias. Em troca receberiam parte do lucro
que elas trouxessem. As expectativas eram altas, aqueles
homens estavam dispostos a tudo para devorar a riqueza
onde a encontrassem.
A conquista do novo mundo foi guerra. As civilizaes
que floresciam nele foram desmanteladas. A maioria dos
nativos foi morta ou forada escravido. Todo ouro e
prata encontrado foi embarcado para o velho mundo.
A religio tentou justificar a carnificina como defesa e
expanso da f, mas isso no passou de uma forma de
validar a guerra. Com o continente vencido, seus povos
saqueados e submetidos, restava garantir a conquista
ocupando o territrio.
No outro lado do mar oceano as velhas estruturas de
poder sofriam grandes transformaes. Os mercadores,
cada vez mais ricos, pressionavam por mudanas. Eles
compraram sua parte no poder, exigiam direito de deciso.
Sacerdotes e nobres perdiam pouco a pouco seus privi-
lgios ancestrais, na medida em que se provavam pouco
teis para nova ordem. Um novo conceito definido pela
palavra Estado. Sintetizado na mxima Um governo, um
povo, um territrio, os Estados soberanos assumiam o
lugar das velhas estruturas de liderana baseadas na he-
reditariedade do sangue e na sacralidade da religio. Sua
coerncia era poltica, focada no respeito propriedade
privada e ao capital. A lei devia ser universal, igualmente
vlida para todos os homens, para a qual todos fossem
considerados iguais. Uma Nao.
Mas estes princpios nobres no alcanavam as longn-
quas conquistas territoriais das naes. Alm da Amrica,
vastas extenses de terra da frica e sia foram tomadas
possesses de Estados europeus. Transformadas em
colnias, essas regies foram ocupadas com objetivo de
abastecer o comrcio. Ouro, prata, acar, especiarias
e uma vasta lista de produtos eram explorados nesses
lugares. Para realizar o trabalho, primeiro escravizaram
os nativos sobreviventes das guerras de conquista. Mais
tarde comearam a utilizar o trabalho de escravos africa-
nos, sequestrados de sua terra e vendidos como valiosa
mercadoria. Em grande parte estas atividades eram ge-
ridas e financiadas por iniciativas privadas, geralmente
associaes de mercadores com muitos recursos, em nome
do governo de um Estado. Era comum que os homens que
recebiam o lucro sequer chegassem a visitar as colnias.
Em nome desse lucro qualquer abuso era justificado.
Para fortalecer esse comrcio, manter o dinheiro cir-
culando e resguardar os comerciantes em casos de perdas
imprevistas, foram pensadas formas mais eficientes de
gerir os valores. Os cofres dos ourives evoluram para
entidades muito maiores e mais complexas, que se torna-
riam imensamente poderosas, os Bancos. A palavra Banco
vem da germnica bank, nome dos bancos de madeira
usados pelas pessoas cujo ofcio era cambiar e emprestar
dinheiro. Alm de guardar o dinheiro de seu cliente, o
banco faz aquela quantia render mais dinheiro. Os juros.
-Ento no banco s preciso ter dinheiro pra ganhar
mais dinheiro?
-Quase. No sistema bancrio preciso de dvidas para
fazer dinheiro. Quando o cliente deposita dinheiro num
Banco na verdade ele est emprestando a quantia, por
isso recebe pagamento de juros. O Banco pode investir
essa grana para faz-la render, o que significa emprestar
algum cliente. Mais tarde esse emprstimo dever ser pago
ao banco, tambm acrescido de juros. Esse o Crdito.
Significa que voc pode usar um dinheiro que no tem,
pois o Banco acredita que voc ir devolver essa grana
mais tarde. Os juros so pagamentos que os clientes fazem
pela confiana de seus credores.
-Mas ento o dinheiro do Banco no dele de verdade?
-Basicamente no. Entretanto os bancos so fontes
aparentemente inesgotveis de Lucro para seus acionis-
tas. As empresas, evolues das velhas associaes de
mercadores, podiam dividir seu capital social, ou seja, a
totalidade de seu patrimnio, em fraes titulares. Cha-
mados de aes, esses ttulos eram vendidos e aqueles que
os compravam se tornavam acionistas da companhia, com
direito a frao do lucro correspondente a sua parcela de
aes. Elas passaram a ser comercializadas em mercados
conhecidos como bolsas de valores. Esse sistema criado
para gerar crdito, manter o dinheiro circulando, capi-
talizar as companhias e render lucro conhecido como
Mercado Financeiro.
-As aes de uma companhia grande e lucrativa so
mais slidas, seguras, tendem a ser mais procuradas e por
isso seu valor alto. Aes de empresas desconhecidas ou
suspeitas so menos procuradas e tm menores preos.
Esse efeito, compartilhado por outras mercadorias, cha-
mado de lei da oferta e da procura. Ele regula os preos dos
34
-
produtos atravs da relao entre a disposio no
mercado e sua demanda. Acontece que o interesse
pelas aes muda com o tempo, seguindo alteraes
comuns no rumo da histria. A descoberta de uma
nova mina pode atrair o interesse dos mercado-
res, aumentando o preo das aes da empresa
fez a descoberta. Por outro lado uma revolta de
trabalhadores escravos, que extraiam metal dessa
mina, pode fazer o preo das aes da mineradora
carem bastante. Desta forma o mercado de aes
est atrelado s expectativas daqueles que o movi-
mentam. por isso que os jornalistas gostam de se
referir ao bom ou mau humor do mercado, quando
dizem que os mercadores de aes esto otimistas
ou pessimistas com os rumos que o jogo toma. De-
pendendo do tabuleiro, jogadores ganham fortunas
do dia pra noite e pases inteiros podem quebrar.
Com o fortalecimento do comrcio, o acumulo
de grandes riquezas e a rejeio de antigos tabus
religiosos que limitavam a criao e a divulgao
de conhecimento, um novo mtodo de pensar a
realidade transformaria toda estrutura social e eco-
nmica. A cincia. Apesar do impacto que causou
ela no nada mais que um mtodo sistemtico
para se chegar ao conhecimento, baseada na in-
vestigao racional e na observao da natureza.
A caracterstica do mtodo cientfico que mais o
destaca, seu foco na experimentao. Foi atravs
do conhecido esquema de tentativa e erro, aplicado
de forma sistemtica sob o auspcio da criativida-
de, que a cincia revolucionou a tcnica, teoria e
prtica. Ela se permite rever a cada nova descober-
ta, assim que a experimentao mostrar qualquer
mudana num sistema observado, pois a cincia
estuda a parte para chegar ao todo. Dos meios de
produo e transporte, a medicina, at nossa forma
de comunicar, pensar e agir, em tudo isso a cincia
protagoniza grandes revolues.
-Ta bom, se a cincia revolucionou tanto, como
o povo do jornal ainda est com medo de crise?
-A cincia resolveu nossos problemas para criar
coisas, mas no solucionou o problema do que fa-
zer com as coisas criadas. Na verdade em muitos
casos a tecnologia parecia mais uma vil que uma
aliada. Grupos de trabalhadores chegaram a inva-
dir fbricas para destruir mquinas. Eles tinham
medo de tornarem-se desnecessrios e perderem
seus empregos. Mas as mquinas no se constroem
nem se consertam sozinhas, muito menos podem
trabalhar sem o controle de seres humanos.
As fabricas precisam de muitos empregados,
milhares deles. A escravido no opo vivel.
No a escravido como acontecia no mundo anti-
go ou nas colnias modernas. essencial que os
produtos fabricados sejam consumidos em massa,
rapidamente. Escravos no recebem pagamento,
no podem comprar coisas. Por mais certo que seja
a abolio da escravido em todo mundo. Por pior
que tenha sido cada argumento dito em defesa da
escravido, e mais claras as vozes que clamavam
seu fim, a triste notcia que ela s foi oficialmente
abolida pelos governos, quando eles entenderam os
benefcios econmicos que o chamado trabalho li-
vre pode render. O lucro compensa qualquer coisa.
Ao ser declarado livre o sujeito se v responsvel
por seu prprio sustento, e pelo sustento de sua
famlia. Ele tem que lhes garantir casa, comida,
sade, acesso aos produtos fabricados nas grandes
indstrias e vendidos pelas lojas reluzentes. Tudo
isso comprado com dinheiro e, para consegui-lo,
a pessoa precisa trabalhar. Todo mundo precisa
trabalhar. O que define a condio desse trabalho,
e a quantia de dinheiro paga por ele, depende de
alguns poucos fatores, entre eles a educao que
a pessoa recebe. Mas a maioria deles tem menos
de esforo prprio e mais de condies aleatrias,
como o povo em que a pessoa nasce ou quem so
os pais dela, e principalmente o pas em que vive.
Em busca do controle das fontes de matrias
primas, necessrias para suas fbricas, os Pases
Estados voltaram a fazer colnias pelo mundo. A
maioria das antigas colnias ultramarinas havia se
libertado do comando de suas metrpoles, quase
sempre atravs da revolta armada de seus habi-
tantes. Formaram naes construdas pela unio
forada de povos distintos, escravos e escravizado-
res, desejosos de firmarem novas identidades. Ou
apenas controladas por escravizadores interessados
SUBSTANTIVO 35
-
em reger seus negcios sem os impostos excruciantes
da metrpole para mutilar seus lucros. As colnias
que ainda restavam eram foco da cobia de varias
Naes europeias. Famintas de carvo e ferro para
fazer o ao de pontes, prdios, fbricas, tanques de
guerra, metralhadoras, canhes. Bem armados os
lideres do velho mundo fizeram valer seu esprito
guerreiro, mandando seu povo para os campos de
morte. De novo. E ainda mais uma vez...
Bombas, minas, lana-chamas, gs venenoso. A
cincia tornou a guerra mais eficiente em matar e des-
truir do que ela jamais foi. A velocidade de produo
das fbricas podia alimentar os fronts rapidamente,
para que nunca faltasse uma bala ou granada para
ser lanada contra o inimigo. Numa guerra assim era
vital que at os meios de produo do oponente fos-
sem inutilizados. Tambm valia bombardear cidades
cheias de pessoas comuns, no combatentes, para
destruir fabricas e levar terror sua populao. De-
pois de passar por essa guer-
ra, to
de-
vastadora que disseram que acabaria com todas
as guerras, os lderes do velho mundo lanaram-se
novamente em batalha. Desta vez arrastaram con-
sigo o mundo.
-Como eles puderam?
-Eles sempre acham motivos para guerrear. Os
pases se envolveram em acordos e tratados de todos
os tipos, principalmente militares e comerciais. Pac-
tos que os enredavam em tramas internacionais de
cooperao. Alm dos antigos companheiros irmos
da guerra: a vingana, a intolerncia, o racismo e
o dio. Sem contar que a guerra continuava sendo
tima para os negcios. Pases precisam comprar
armas, munio, fabricar tanques de guerra, navios
de batalha, caas de combate. Produzir e comprar
essas coisas custa caro, por isso em tempos de guerra
o ouro some dos cofres e o crdito se torna vital.
Mais tarde os pases atingidos e arrasados precisam
tomar mais dinheiro emprestado pra se reconstru-
rem. Oportunidade para os sobreviventes, os bancos,
fazerem fortuna. Mas o jogo tem seus reveses. No
se podem mover peas to densas sem criar arrasto.
Como sabido, cada ao tem uma reao. A
cincia aplicada guerra mostrou tanta
sagacidade inventando formas de
destruir e matar seres huma-
nos, que o fim do confron-
to nos deixou uma amarga
cincia. Criamos a arma que
pode destruir nosso prprio
mundo.
-A bomba...
-Sim. Mas os negcios eram
mais urgentes, o fim do mundo teria
de ser adiado. As guerras mundiais fize-
ram sombra a outro acontecimento. Os gover-
nos nacionais tomaram para si a responsabilidade
pela economia de seus pases. Os bancos haviam
mantido a tradio dos ourives de emitir
ttulos equivalentes quantidade de ouro
depositado em seus cofres e os governos
adaptaram essa ideia em suas moedas.
Foi o chamado Padro Ouro. Ele ancorava a
quantidade de dinheiro em circulao a quantidade
36
-
de ouro oficialmente mantido como reserva. Cada nota
representava uma ao do ouro em depsito, podendo
ser trocada por ele. Dinheiro to bom quanto ouro. Com
o lastro em ouro era fcil avaliar o valor de troca, o Cm-
bio, entre as moedas dos pases que adotavam o sistema.
Com os gastos da guerra os pases precisaram emi-
tir mais e mais dinheiro para cobrir suas emergentes
necessidades. No havia forma de manter a ancoragem
da moeda ao ouro, j que as reservas do metal tambm
foram sendo usadas para custear guerra. A liberdade
de criar dinheiro sem lastro solucionou problemas ime-
diatos, mas acabou criando outros de difcil soluo. A
fartura de notas no mercado fez com que os preos das
mercadorias aumentassem, corroendo valor do dinheiro.
A temida Inflao. No possvel lidar com ela simples-
mente criando mais dinheiro, isso apenas aceleraria o
processo. Tambm no era possvel voltar ao Padro
Ouro, pois a maioria dos pases estava endividada e
sem reservas de metal. Entretanto nem todas as naes
sofreram a guerra igualmente. O fim do conflito marcou
a aurora de duas superpotncias mundiais. Os Estados
Unidos da Amrica e a Unio Sovitica.
-Sovitica?
-Vem da palavra russa Soviete, que significa conse-
lho. Entre a primeira e a segunda guerra mundial uma
guerra civil, com ares de revoluo, atingiu a Rssia.
Nesse pas continental do leste europeu, camponeses e
operrios se revoltaram contra seus lideres opressores,
derrubando o governo e tomando para si ferramentas,
fazendas e fbricas. Seu objetivo era criar uma nova
sociedade, livre da propriedade privada, do capital e
dos lideres. Um sonho conhecido como Comunismo,
onde no existiriam escravizadores ou escravos. Nele as
decises seriam tomadas coletivamente, cada um rece-
bendo de acordo com suas necessidades e colaborando de
acordo com suas capacidades. Outros povos se juntaram
aos russos, formando o enorme estado chamado Unio
Sovitica. Mas ele no realizou a utopia dourada que o
comunismo prometeu. O partido comunista sovitico
se tornou uma nova liderana, ainda mais cruel que as
antecessoras, desfigurando o comunismo numa ditadura
burocrtica e totalitria, onde poucos se aproveitavam
do trabalho de muitos.
Aqui na Amrica os Estados Unidos se ergueu como
grande potencia militar e econmica, o expoente mximo
do capitalismo de mercado. Ele e seu rival, a Unio So-
vitica, buscavam atrair o maior numero de pases para
suas zonas de influncia econmica e poltica, onde po-
deriam lhes impor liderana. Isso os colocou em posies
diretamente opostas, criando um conflito econmico que
extrapolou suas bases, tornando-se uma disputa poltica,
militar e ideolgica. Uma batalha entre esses dois pases
estava sempre a um comando de comear, mas os dois
lados hesitavam dar a ordem. As superpotncias haviam
acumulado tantas armas de destruio, que uma guerra
entre elas poderia levar o mundo rapidamente a seu fim.
Chamaram isso de Guerra Fria.
-Mas o mundo no acabou!
-Muito perspicaz. que s existe lucro se o mundo
chegar perto do fim, no se ele acabar definitivamen-
te. Aos pases endividados pela ajuda financeira, que
receberam de um lado ou de outro da disputa, s res-
tava aceitar a dominao. No polo capitalista os pases
firmaram um acordo que fixava as taxas de cmbio de
suas moedas ao valor da moeda dos Estados Unidos,
o Dlar. Em contrapartida os Estados Unidos se com-
prometeram a manter o Dlar atrelado ao ouro por um
valor fixo. Dessa forma qualquer pas que tivesse reser-
vas em Dlar poderia troc-las pelo ouro das reservas
dos Estados Unidos. Este sistema transformou o Dlar
numa moeda corrente em todo mundo capitalista, base
do comercio internacional. Mas na luta contra o avano
da influncia sovitica, os Estados Unidos se envolveram
em guerras muito caras. Acabaram sem ter como bancar
o atrelamento do Dlar ao ouro e quebraram o acordo.
Entretanto o domnio do Dlar no mercado internacional
j estava consolidado.
-Mas se o dinheiro no valia mais ouro, por que as
pessoas continuaram a aceit-lo?
-As pessoas tem f no dinheiro. Por isso chamada
Moeda Fiduciria, que vem de fidcia e significa con-
fiana. A moeda no precisa ter valor intrnseco como o
ouro. Dinheiro, e o prprio ouro no fim das contas, no
tem utilidade alm de servir como referncia de valor
de troca. A nica coisa que os torna valiosos o fato
das pessoas os aceitarem valiosos. As pessoas confiam
no valor das notas como acreditam no valor do ouro,
e por isso os desejam em troca de produtos, servios,
SUBSTANTIVO 37
-
ideias, criaes, de seus corpos e de seu tempo de vida.
Um conhecimento que os ourives aprenderam rpido.
Eles descobriram que as pessoas demoravam a resgatar
o ouro que depositavam em seus cofres. Elas preferiam
usar os papeis bons como ouro no comrcio. Ento os
ourives, e os banqueiros depois deles, passaram a emitir
mais notas boas como ouro que a quantidade de ouro
depositada em seus cofres. Confiando que as pessoas
no iriam todas de uma vez pegar seu ouro de volta.
Eles estavam criando dinheiro. A prtica se provou to
eficiente que foi institucionalizada e hoje a base de
todo sistema monetrio.
-Funciona assim: O governo de um pas outorga a
uma instituio, chamada de Banco Central, o monoplio
da emisso da moeda atravs de recursos legais. Esse
banco tem responsabilidade pela poltica monetria
e cambial do pas. Ele acumula funo de banco dos
bancos, ou seja, ele aceita depsitos e empresta dinhei-
ro a outros bancos, e de banco do governo, guardando
as reservas de ouro e de moeda estrangeira do pas. O
Banco Central responsvel pela quantidade de dinheiro
em circulao no pas, deve assegurar a estabilidade de
seu poder de compra, combater a inflao e zelar pelo
crescimento econmico. Suas principais armas so as
taxas de juros. Juros altos estimulam os jogadores do
mercado a manter dinheiro em depsito, diminuindo
a quantidade de moeda em circulao e encarecendo
o crdito. Juros baixos os estimulam a circulao do
dinheiro, aumentando o crdito e o consumo. Quando
um Banco Central emite dinheiro ele o troca por bens
vendidos pelos demais agentes econmicos. No caso dos
governos esses bens so ttulos de dvida pblica, que
compe a famosa divida interna do pas. O governo tem
de pagar juros peridicos por esses ttulos, e para isso
ele usa os recursos capitados pelos impostos.
Alm disso, os bancos comerciais tem sua prpria
formula de criao de dinheiro. A Monetizao. O ban-
co tem obrigao de manter como reserva apenas uma
frao do dinheiro depositado pelos clientes, o restante
pode ser usado para fazer emprstimos. Se o dinheiro
emprestado for depositado num banco, parte dele tam-
bm poder ser usada para fazer novos emprstimos.
Esse truque chamado Sistema de Reservas Fracionadas.
Dessa forma o crdito, ou a dvida, responsvel pela
multiplicao do dinheiro. Muito desse dinheiro no
sacado em forma de notas do papel ou em moedas de
metal, mas movimentado atravs de cheques, cartes de
crdito ou dbito e por transaes digitais. O chamado
dinheiro Escritural. Assim a maior parte do dinheiro
que circula pelo mundo existe apenas nos computadores
dos bancos.
-Mas quem controla isso tudo?
Os capitalistas mais fervorosos defendem que o mer-
cado tem a capacidade de se regular sozinho. Para eles
quanto menor a interveno das lideranas na economia
de seus pases, melhor . Essa corrente ganhou fora
medida que o capitalismo de mercado se espalhou pelo
mundo. O golpe decisivo foi a derrota do grande inimigo
do bloco capitalista. O comunismo sovitico caiu de po-
dre, expondo os desmandos repressivos e sanguinrios
de seus lideres ao mundo. Livres da influncia patriarcal
da Unio Sovitica, e da cortina de ferro que os isolava
do resto do mundo, restou aos pases do bloco comunista
se abrir para o capitalismo de mercado.
Globalizao. Mercadorias viajando em todos os
meios de transporte, para atingir os lugares mais distan-
tes do planeta. O comrcio envolvendo todos os pases na
ciranda maluca do mercado internacional. Uma empresa
tem sede na Europa, a fbrica na China, transporta os
produtos num cargueiro africano, os vende nos Esta-
dos Unidos e entulha no Brasil, quando j lixo. Nesse
mercado o prprio dinheiro se torna mercadoria, sendo
movido de um pas para outro conforme se movem as
peas no tabuleiro ou muda o nimo dos jogadores. Lucro
que se deseja. Quanto mais, melhor. Em nome dele as
fbricas de grandes indstrias se movem pelo mundo,
sendo construdas onde a mo de obra mais barata e
os re
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