revista substantivo 2011

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SUBSTANTIVO DISTRIBUIÇÃO GRATUITA [LID&] [Duke] [Ismael Pereira Lima] [Everaldo Damião] [Sem reservas] [Uma breve historia da crise]

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  • SUBSTANTIVODISTRIBUIO GRATUITA

    [LID&]

    [Duke]

    [Ismael Pereira Lima]

    [Everaldo Damio]

    [Sem reservas]

    [Uma breve historia da crise]

  • 04 LID&10Everaldo Damio

    15Sem reservas

    16 Ismael Pereira Lima

    22 Duke28 Uma breve historia da crise

    2

  • Editorial

    O nome do ttulo: Substantivo

    ... A revista precisa de um editorial. Um editorial pra Substantivo. Ele fica sentado l olhando a pgina, at comear a

    digitar o que esta fazendo. Que , basicamente, escrever o editorial da revista Substantivo. nesse ponto que percebe que est

    apenas descrevendo o que faz, mas ainda no comeou a fazer o que devia. Ento pensa se foi uma boa ideia simplesmente

    anotar tudo o que viesse mente. Desistir? Hesitou um instante. Deixou a mente vagar, apenas seus dedos se moviam pela

    folha. Aos poucos percebeu que as palavras no esperavam mais a interveno lenta de suas mos, elas saltavam diretamente

    de sua imaginao para a imaginao da pgina. Os pensamentos se tornavam palavras, que iam se escrevendo diante de

    seus olhos. Ou ser que era ele quem lia o que seus dedos escreviam, antes mesmo de pensar aquelas letras? O que

    vem primeiro, o pensamento ou a palavra? Pensamentos vivem sem palavras? E palavras sem pensamen-

    tos? Quem pode distinguir uma coisa da outra? Quando voc percebe a armadilha j tarde. Nota que

    divagou a maior parte do texto e que o espao vai acabando no meio da viagem. Ser que vo perceber

    que no sei pra que diabos serve um Editorial? Ele tem que falar sobre o contedo da revista? Ser

    que algum l isso? Se no lido, por que escrito? A esperana a ltima que morre. Ento

    tudo morre? Tergiversando de novo. Uma palavra difcil. Ser que vo entender? Ser

    que vo criticar? Ser que vo chegar ao fim do texto? Melhor parar.

    Mas e o editorial, alguma ideia? Talvez colocar uma frase misteriosa

    como titulo e escrever tudo que vier mente. Genial...

    O nome do ttulo: Substantivo

    ... A revista precisa de um editorial. Um editorial pra Substantivo.

    EquipeArthur EmanuelGoretti Zeferino

    Jeferson AdrianoRay J. Braz

    AgradecimentosJuninhoZeff

    Guilherme Viias

    [email protected]

    www.revistasubstantivo.blogspot.com

    SUBSTANTIVO 3

  • LID& Literatura+Imprensa+Debate

    A poesia existe nos fatos. A expresso, que encabea o manifesto pau-brasil do

    modernista Oswald de Andrade, inspirou um rico debate entre jornalistas que

    participaram do LID&, evento realizado paralelamente Flip, Festa Literria

    Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro.

    Por GOReTTI ZefeRInO ilustrao RAy J. BRAZ

  • A revista SUBSTANTIVO acompanhou o LID&, que ficou registado em nossa agenda na pgina destinada a aconte-cimentos importantes ocorridos no dia 7 de julho deste ano.

    Fernando Jorge, escritor e jornalista; Geraldo Galvo

    Ferraz, jornalista, crtico literrio e tradutor; Guilherme

    Azevedo, editor do Jornalirismo; Joo Gabriel de Lima,

    diretor de redao da Bravo!; Marcia Camargos, Jornalis-

    ta e escritora; Mario Drumond, escritor, jornalista, artista

    grfico e editor; Sergio Vilas-Boas, jornalista e escritor,

    e Vernica Papoula Mendes, assessora de imprensa da

    Editora Globo, compuseram a mesa de debates.

    O LID& foi inaugurado por Sinval, que elogiou o

    legado que Oswald deixou para os redatores que ha-

    bitam a fronteira entre jornalismo e literatura. Sinval

    encerrou sua prosa referenciando Oswald, tambm do

    manifesto pau brasil: Contra o gabinetismo, a prtica

    culta da vida, propondo que o poeta nos inspire assim.

    Mais rua, mais liberdade, mais gente, menos gabinete,

    menos redao. S assim avanamos.

    O panorama da cobertura cultural no Brasil foi

    tema de uma srie de debates, que evocaram citaes

    de Oswald, enfocando as virtudes, problemas, desafios

    e tendncia do do Jornalismo Literrio no pas.

    Mario Drumond, escritor, jornalista, artista grfico

    e editor, disse que estava no LID& como leitor, j que

    essa categoria nunca convidada a participar de debates,

    a manifestar a sua opinio sobre o que produzido pen-

    sando nela. J tive vontade de formar o sindicato dos

    leitores, mas utpico. Eu sou leitor de Oswald desde

    1968 e um devedor de sua obra, disse.

    Drumond citou as principais contribuies de Oswald

    para os jornais da poca. Alm do trabalho grfico desen-

    volvido por Oswald nos jornais da poca, uma importante

    contribuio na diagramao dos peridicos, o escritor

    era um vanguardista. A sntese do seu jornalismo era a

    relevncia. Uma proposta editorial fantstica, define.

    Para Drumond, uma caracterstica importante do

    jornalismo de Oswald era sua relao com a literatura.

    Oswald considerava o jornalismo um trabalho to nobre

    quanto a literatura; e a base de sustentao de todo seu

    Subvertemos o conceito, em nome de um jornalismo mais livre, sem os lides que

    transformam as redaes em lugares asspticos. Lide pode ser tambm a conjugao

    do verbo lidar, na terceira pessoa do singular do modo imperativo. E, enfim, lide

    tambm uma luta, uma peleja, uma batalha, um trabalho penoso. De modo que a

    possibilidade de interpretao dessa sigla cresce sob nossos olhos.Vamos lidar com

    a lide que o lide nos impe, discursou Sinval de Itacarambi Leo, editor

    da revista Imprensa, que figurou entre os patrocinadores do evento.

    LID& sigla de literatura, imprensa, debate e outras coisas. Lide tambm o primeiro pargrafo de

    uma reportagem, onde esto reunidas as principais informaes da matria.

    SUBSTANTIVO 5

  • trabalho foi o jornalismo. Em 45 anos de carreira como

    jornalista publicou em mais de 50 grandes veculos de

    imprensa e fundou outros.

    Sentido maiorDrumond observa que Oswald foi o fundador do jornalismo

    moderno no Brasil, o jornalismo que presta servio, que tem

    compromisso com o leitor, que promove a opinio do leitor no

    sentido maior. Oswald tambm revelou grandes artistas

    nacionais, artistas plsticos, msicos, polticos, revelou

    Di Cavalcanti, Tarsila, Portinari, Mario de Andrade,

    Manuel Bandeira, enumerou.

    Mario observou que, inicialmente, Oswald fazia o

    jornalismo elistista da poca, feito para os letrados,

    burgueses. Depois ele passou a escrever para o povo.

    Hoje, percebo que o jornalismo moderno, inaugurado

    por Oswald, praticado por veculos alternativos, cada

    um com sua linha editorial. A diversidade boa. Quanto

    aos grandes veculos, fazem o mesmo jornal, a mesma

    foto, capa, para as elites, de enganao, de futilidade. O

    que realmente importa est com os pequenos veculos.

    Cada um contribui da sua forma. Com a internet isso esta

    mudando um pouco. Agora, mais do que nunca, a con-

    tribuio do Oswald pode ser muito importante, frisa.

    A escritora e jornalista Mrcia Camargos, outra parti-

    cipante do debate, destacou a importncia e a atualidade

    de Oswald e sua obra. Ele foi um homem antenado com

    seu tempo, tinha lampejos brilhantes. Ele teria sido

    twitteiro na primeira metade do sculo XX. Hoje, seria

    um twitteiro de primeira grandeza, disse.

    SubstantivoA expresso Jornalismo antropofgico: lies do

    modernismo nomeou o segundo painel do LID&, co-

    mentado pelo escritor e jornalista Fernando Jorge e pelo

    Joo Gabriel de Lima,

    diretor de redao da Bravo!

    6

  • crtico literrio e jornalista Geraldo Galvo Ferraz, filho

    de Patrcia Galvo, a Pagu, uma das esposas de Oswald

    de Andrade.

    Geraldo Galvo falou sobre a importncia do jornal

    O Homem do Povo, criado por Oswald e Pagu. O jornal

    durou pouco, mas revelou um talento s encontrado em

    O Pasquim, muito depois, avaliou.

    Fernando Jorge falou sobre sua convivncia com

    Oswald, de quem era amigo. Ele contou que tinha a

    inteno de escrever sua biografia. Para isso, anotava

    uma srie de frases inditas de Oswald, dentre as quais

    citou: A voz do Juscelino Kubitschek soa como a de

    uma aeromoa que avisa quando o avio vai decolar ou

    pousar.

    Jorge elogiou a contribuio dos modernistas de 1922

    no sentido de fazer predominar mais o substantivo do

    que os adjetivos nas publicaes.

    Jornalismo e culturaA ltima mesa de debate do LID& discutiu a cober-

    tura cultural no Brasil. Com participao de Guilherme

    Azevedo, editor do Jornalirismo, Joo Gabriel de Lima,

    diretor de redao da revista Bravo! e Sergio Vilas-Boas,

    jornalista e escritor, o painel discutiu diversos assuntos

    relacionados ao jornalismo e cultura.

    O desenvolvimento da tecnologia um dos respons-

    veis pela reformulao do cenrio atual da comunicao

    e da cultura no pas, o que motivou a questo inicial do

    debate. Vemos basicamente duas coisas: uma exploso

    da produo de contedo, o que positivo, e uma explo-

    so de acesso ao contedo. Em um mundo em que todo

    mundo produz e todo mundo tem acesso, o que pode ser

    feito por quem produz para se destacar? Esse o dilema

    do jornalismo hoje. Onde est o contedo relevante?,

    questionou Joo Gabriel, da Bravo!

    Guilherme Azevedo tambm destacou o impac-

    to da tecnologia na produo de contedo. Internet

    no existe sem presena e o jornalismo no pode abrir

    mo de ir para a rua. A internet no o lugar do texto

    curto e cabe experimentar, ficar livre, disse Azevedo

    SUBSTANTIVO 7

  • estimulando a experimentao de linguagem, narrativa e

    formatos jornalsticos. Azevedo destacou tambm a forte

    presena da literatura no cotidiano. Todo mundo faz

    literatura todos os dias. Quem fica um dia sem contar

    uma histria?, indagou.

    Guilherme Azevedo comentou que independente

    da classe qual pertence o leitor, preciso considera

    que todos so consumidores de produtos e de notcias,

    de Internet, onde inventamos linguagens, misturamos

    recursos. Como qualquer um que acaba de chegar a um

    lugar, essas pessoas tm fome de beleza, de informao,

    de coisa bonita. Classe C no burra, no baixa. , sim,

    capaz de produzir coisas belas. Sabe o Cartola? Ento;

    era pedreiro, discursa.

    CelebridadesSrgio Vilas-Boas falou de uma das dificuldades que a

    literatura enfrenta hoje: o interesse em celebridades. As

    obras esto perdendo a importncia. A personalidade, a

    vida pessoal, est tendo mais importncia. O tpico das

    celebridades tambm grave na literatura, disse. Apesar

    do interesse na personalidade, Vilas-Boas acredita que a

    cobertura cultural no deve se adaptar a isso. Quando

    a gente se prope a produzir contedo para pessoas

    que achamos idiotas, empobrecendo o debate crtico de

    ideias, essencial ao bom jornalismo, a gente se idiotiza

    tambm, analisou.

    Mesmo em meio rotina afoita das redaes, Srgio

    acredita na presena do jornalismo literrio nos notici-

    rios dirios. Se no possvel escrever todas as matrias

    naquele estilo mais detalhado, que seja uma por dia,

    sugere. Vilas diz que no h editoria onde no caiba um

    texto feito sem pressa. Leva duas tardes para escrever

    um artigo brilhante, e, com os recursos tecnolgicos de

    hoje, d para fazer outras coisas enquanto prepara a

    matria. Se me perguntar, acho que todo veculo deveria

    publicar um artigo de cunho mais literrio por dia; um

    em cada editoria.

    Sergio Vilas-Boas, autor dos livros Biografismo,

    Biografias & Bigrafos e Perfis, explicou que muitas

    pautas podem ser desenvolvidas como narrativas, mas,

    no geral, as ideias so desperdiadas. Acabam sendo exe-

    cutadas de um ponto de vista estritamente informativo,

    e no com a abordagem mais detalhada e arejada que

    necessitavam, com a utilizao da linguagem artstica.

    FicoVilas-Boas defende que no jornalismo literrio no

    8

  • www.portalimprensa.uol.com.br/lid

    existe espao para fico: Trata de pessoas reais vivendo

    situaes reais em lugares reais. Portanto, no se pode

    inventar.

    O escritor assegura que textos podem assumir tra-

    os literrios quando o redator lana mo de recursos

    narratidos como decries fsica, psicolgica e ainda do

    ambiente no qual os personagens se movem. Para isso,

    preciso que os jornalistas desenvolva a habilidade de

    pesquisa e conversao em campo e ainda que ame a

    escrita com uma forma de arte.

    Joo Gabriel de Lima cita o livro Filme, de Lillian

    Ross, que fala sobre grande reportagem de John Hersey

    sobre Hiroshima. So nomes importantes do jornalismo

    de imerso, de valorizao da autoria nas redaes,

    considera.

    O diretor da BRAVO! tambm fala da funo do

    editor, lembrando clssicos. Recorda o sem-nmero de

    pedidos de mudana feitos por William Shawn, o editor

    de Hersey, at a concluso do texto da reportagem sobre a

    bomba atmica em Hiroshima e sua publicao na revista

    The New Yorker, em 1945-46. Segundo o jornalista da

    Bravo!, que tambm escritor, o bom editor ajudaria a

    tornar o texto do reprter ainda mais dele.

    Srgio Vilas-Boas

    SUBSTANTIVO 9

  • Terra & Gente de Ipatinga(1977)Everaldo Damio

    Editora Comunicao10

  • Nem o tempo pode apagar mo-

    mentos da vida. Desfazer o le-

    gado que a existncia cria. O

    passado no pode ser desfeito,

    deve sempre ser lembrado. O aprendizado

    fica, tanto no papel quanto na memria. Pa-

    lavras e momentos preciosos no se perdem

    no ar.

    A oportunidade de falar sobre a obra e

    seu autor, Terra e Gente de Ipatinga, escrito

    por Everaldo Damio. Mesmo nascendo em

    Palmeira dos ndios, Alagoas, muitos quil-

    metros de distncia do que seria o Vale do Ao,

    teve seu corao naturalizado ipatinguense.

    Desembarcou na cidade em meados de 1974,

    vindo encontrar seu irmo, que nela vivia

    h dez anos. Sua presena ainda ecoa, como

    numa longa e bela sinfonia.

    Certa vez disse Joo Nry no prefcio de

    seu primeiro livro, Voc no tem laos polti-

    cos com a cidade e, sim, laos afetivos. O que

    mais preciso? Este forasteiro anotava tudo.

    Registrava suas impresses sobre a cidade e

    pesquisava sua histria. Reunindo estes co-

    nhecimentos, surgiu em abril de 1977 o livro

    Terra & Gente de Ipatinga. Nele o autor traa

    um panorama do municpio onde, com ares

    poticos, detalha seu fascinante cenrio,

    dissertando sobre o crescimento e o progresso

    tecnolgico, sempre se baseando em dados

    estatsticos. A obra cita o lado humano, mas

    destaca o objetivo econmico da construo

    da Usiminas e a consequente criao da cida-

    de. uma cidade que vibra e pulsa, como um

    enorme corao, fazendo correr de suas veias

    o ao que atende s necessidades industriais

    de quase todo o Brasil, comenta o autor na

    obra. Ele compara o projeto e a construo

    de Ipatinga aos de Braslia, j que ambas as

    cidades foram planejadas e erguidas quase na

    mesma poca. Como Braslia, Ipatinga tam-

    bm esteve sujeita a falhas estruturais. o

    caso das favelas, que surgiram para acomodar

    o excesso de trabalhadores que convergiram

    para a cidade, atrados pela promessa do cres-

    cimento.

    Que nos per-doem os que so capazes de rea-lizar algo mais perfeito.

    Estamos diante de um fascinante cenrio. Levanta-se a cortina e aparece uma paisagem magnificamente bela, surpreendendo a viso dos espectadores mais dis-trados. (...) Uma comunida-de que, sendo uma sntese de todo o Brasil, aglomera bra-sileiros de Norte, Nordeste e sul, que vieram para o Vale do Rio Doce atrados pelo de-safio e pelas oportunidades de um grande objetivo, que foi oferecer ao ao Brasil. Reproduo do primei-ro pargrafo de Terra & Gente de Ipatinga.

    SUBSTANTIVO 11

  • Nas pginas dedicadas histria da cidade constam vrios

    aspectos de sua trajetria, que comeou em abril de 1956 com

    a organizao da Usiminas. O arquiteto Marcelo Bhering

    colaborou com o desenvolvimento e execuo dos planos

    da cidade at 1960, principalmente na lgica da criao dos

    bairros, desenvolvidos ao longo do eixo longitudinal da Usi-

    minas. Fato destacado tambm o falecimento de dois chefes

    do departamento de engenharia e da diviso de cmbio e

    importao, Mrcio Aguiar da Cunha e Joo Walmik da Silva,

    vtimas de desastre areo quando viajavam de Vitria para o

    Rio, em 9 de agosto de 1964.

    de grande interesse a cronologia feita pelo autor trazen-

    do os principais acontecimentos e pioneiros da regio, desde

    1800 at dezembro de 1976. Como fatos didticos so citados:

    As possveis origens e significados do nome Ipatinga; au-

    toridades; a bandeira da cidade e seu significado; o hino do

    municpio; estabelecimentos de ensino; todos os bairros e suas

    ruas. Tambm constam os discursos do incio de operao da

    Usiminas, alm de um pequeno registro fotogrfico. Enfim,

    uma importante fonte de estudos sobre a cidade, Terra e

    Gente de Ipatinga um livro raro, porm no ultrapassado.

    fruto de uma vasta pesquisa, feita por uma pessoa que aco-

    lheu e foi acolhida pela cidade com a qual forjou fortes laos.

    Everaldo trouxe consigo suas qualidades de liderana, sua

    sociabilidade, e deu continuidade s atividades desenvolvi-

    das em sua terra natal. Dentre suas primeiras participaes

    culturais, auxiliou a promoo das Semanas de Folclore em

    Ipatinga de 1974 e 1975. Tambm participou, em 1974, do

    primeiro filme curta metragem a cores produzido em Ipatin-

    ga O Vagabundo, interpretando o personagem principal.

    Tambm em 1974 editou um ensaio xerografado Ipatinga

    em Tempo de Turismo. No Dirio da Manh, em 1974,

    entra para o jornalismo assinando a coluna ltimas anota-

    es. Neste mesmo ano foi redator de Coopeco e tambm

    iniciou-se nas crnicas no Dirio da Manh. No ano de

    1976 fundou o Leo Clube de Ipatinga, entidade filiada ao

    Lions Internacional. Tambm participou da pea com que

    a ATAI inaugurou o Teatro Cleyde Yconis, e do Festival

    de Ballet da Academia Olguim. Promoveu a primeira festa

    junina da Usipa no ano em que ocupou o cargo de Diretor

    Social do clube. Foi Relaes Pblicas da Usiminas desde

    1974, recepcionando o presidente Geisel no mesmo ano e

    em 1975, e tambm o ex-premier japons Kakuei Tanaka em

    dezembro de 74. Bacharel em direito pela Faculdade do Rio

    Pois bem, Terra e Gente de Ipatinga um trabalho de pesquisas e

    anotaes. Ocasional. Escrevi-o nas horas de folga, com o pensamento

    voltado para o povo, e por ser dirigido ao povo, a sua linguagem

    sem artifcios.

    12

  • Suas obras foram:Terra & Gente de Ipatinga (1977)

    Liberdade ainda que tarde (1980 - Ensaio)

    Quanto custa um advogado? (1986)

    Antologia Literria (1988 - Participao)

    ndios do Vale do Rio Doce Fonte

    Arq. Pblico Mineiro

    Doce na cidade de Governador Valadares, participou de

    cursos de formao de lderes, de orientao Teatral, de

    difuso universitria de Parapsicologia em Alagoas, e dos

    cursos de extenso universitria de Administrao de

    empresas, de cinema e de relaes pblicas no Vale do

    Ao. Ps graduado em histria e em Direito Processual

    pela UFAL e pelo CESMAC em Alagoas. integrante do

    Sindicato dos Publicitrios em agncias de propaganda de

    Belo Horizonte, membro da Associao dos Diplomados

    da ADESG. membro efetivo da Academia Alagoana de

    Letras Manicas e da Academia de Letras, Cincias e

    Artes Manicas do Brasil. Atualmente, conselheiro da

    OAB em Alagoas e Professor Universitrio.

    SUBSTANTIVO 13

  • Teatro Cleyde Yaconis

    Everaldo colaborou com nossa cultura regional. Abaixo uma das lendas folclricas mais famosas da cidade, A Loira. Retirada do livro da Academia Olguim nas comemoraes da semana folclrica, com apresentao de lendas brasileiras. Sob direo e coreografias de Zlia de Souza Franco Olguim, uma publicao do ano de 1976.

  • Diante do frentico ritmo da complexCidade, entremeio

    ao cinza, aos carros, s funes sociais e aos compromissos; h

    fome. Essas quatro letras que reforam no apenas um estado fsico,

    mas tambm uma necessidade psquica e social. Solues simples mesa, dois irmos,

    o enfermeiro, Erlon Vieira, e o jornalista, Rudson Vieira, seguem em busca de curtir a

    comunho de ideais e diversos lugares disponveis para experimentar. Experimentar

    o que? Pratos, bebidas, bares, restaurantes, lugares, respostas para quem no quer

    s comida, mas diverso, arte. Depois, contar pra todo mundo que comer mais que

    um prazer pra aliviar a dor. A lngua um universo parte; a fome, um pretexto.

    Tudo comeou, e continua, como uma espcie de diverso. Entre as jornadas de

    trabalho, Erlon e Rudson tiram um tempo para degustar ideias, risadas e comida.

    Desde fevereiro deste ano, o blog Sem seservas (www.sense-reserva.blogspot.com)

    posta toda tera-feira uma dica de lugar para alimentao no Vale do Ao, e onde

    mais os estmagos encontrarem repouso, conforme declaram no perfil do blog. O

    nome, alm das variveis de significados, surgiu a partir de um filme homnimo,

    que de maneira simples relaciona o sabor da cozinha com a experincias pessoais.

    Com certa poesia, sinceridade e de forma bem humorada, os irmos falam sobre

    o cotidiano de forma a relacion-lo com uma sada para comer. No prato h de

    tudo um pouco, descrevem o local, falam da comida e das sensaes. De comida

    japonesa, pasta, carnes at o tira-gosto ou pastel e empada da esquina. Tem de tudo

    no menu do Sem reservas. Alm de uma opo para saber um pouco mais sobre

    os estabelecimentos da regio (localizao, atendimento, fotos e cardpio), o blog

    mais um exemplo de como a internet proporciona o surgimento e a viabilidade de

    narrativas segmentadas.

    A partir de uma divulgao tmida e restrita a amigos, o blog j conta com mais de

    12 mil acessos. Para o futuro, os irmos, com uma cumplicidade digna de The Blues

    Brothers, pensam em experimentar mais das plataformas disponveis para produo de

    contedo em web e consolidar, seja onde for, as conversas e degustaes Sem reservas.

    Sem reservasComunho e fome em palavras sinceras

    Os irmos j visitaram

    diversos lugares da regioe

    seu blog tem cerca de 50

    posts esto no ar. Nas ca-

    tegorias que separaram os

    estabelecimentos tem de tudo um pouco, do almoo ao tira-gosto. Eles confes-

    sam que tem alguns luga-

    res cativos em que sempre voltam para repetir os momentos de degustao

    de ideias e comidas. Quem

    quiser entrar em contato para dar dicas, o email da dupla semreservas.blog@

    gmail.comRudson jornalista, assessor de comunicao, documentarista e escritor...

    Por rudson viera ilustrao ray J. Braz

    Um dos nossos seguido-

    res ousou dizer que a poesia

    a pedra no meio do cami-

    nho das informaes. Mas

    ela o tempero. Degust-la

    uma opo.

    SUBSTANTIVO 15

  • Em 1962, Ismael Pereira Lima chegou em Ipatinga, onde presenciou

    eventos que marcaram a histria da cidade. O massacre de 7 de outubro de 1963,

    bem como problemas sociais enfrentados pelos moradores da antiga rua do Buraco, no centro da cidade. Fatos dos quais Ismael nunca se esqueceu e agora conta para a revista Substantivo.

    16

  • Ismael Pereira

    Lima

    Meu nome Ismael Pereira Lima.

    Nasci em Resplendor, no dia de-

    zessete de setembro do ano 1932.

    Minha jornada em Ipatinga co-

    meou em 1961 quando comecei a trabalhar na Mon-

    treal Montagem e Representao Industrial, uma das

    empreiteiras que trabalhavam para erguer a Usiminas.

    Em 1963 entrei no quadro de funcionrios da Usiminas,

    onde permaneci at o ano de 1988. Fiz parte do Sindicato

    dos Trabalhadores Metalrgicos de Ipatinga de 1973 a

    1985, onde passei pelo conselho fiscal e fui membro da

    diretoria durante as presidncias de Jos Onofre Ribeiro,

    Zequita e Paulino Floriano Monteiro. Tambm fui eleito

    vereador no ano de 1982, para um mandato de seis anos.

    SUBSTANTIVO 17

  • 1963

    Naquela poca a Usiminas fornecia alguns litros de

    leite para os operrios, que traziam consigo vasilhas

    de plstico para transport-lo. Quando as pessoas tem

    uma oportunidade dessas, elas pegam o quanto podem.

    Foi isso que aconteceu, aquilo acabou exagerando. Os

    vigilantes da Usiminas trabalhavam em uma guarita de

    madeira que ficavam na portaria. Um deles comeou a

    implicar com a situao, no deixando as pessoas pas-

    sarem com muito leite. Um operrio carregava consigo

    um galo com cinco litros e acabou sendo impedido de

    sair. Foi vindo outro e mais outro, todos querendo passar,

    mas sendo barrados na portaria. Criou-se um grande

    tumulto. A cavalaria chegou. Na poca era a chamada

    polcia montada, mas eles chegaram de caminho. V-

    rios soldados numa carroceria para dar proteo aos

    vigilantes.

    O tumulto aflorou. Alguns operrios pegaram pedras

    e arremessaram contra os polciais, que estavam total-

    mente despreparados. Um deles pegou a metralhadora

    e disparou uma rajada contra o pessoal aglomerado na

    portaria. Muita gente foi baleada. Tinha um rapaz que

    trabalhava na mesma empresa que eu, a Montreal. Um

    tal de Nascimento. Era encarregado de gravao e, nas

    horas vagas, fotografo amador. Ele possua um pequeno

    estdio e andava sempre com a mquina fotogrfica a

    tiracolo. No meio da confuso ele comeou a fotografar

    tudo. Um tiro o atingiu e ele morreu. Pessoas que passa-

    vam por l acabaram sendo atingidas tambm, gente que

    nada tinha a ver com o tumulto. Um alfaiate chamado

    Geraldo Rocha, que nem era funcionrio da companhia,

    tambm foi alvejado.

    A polcia recuou depois da confuso, mas noite eles

    cercaram o Santa Mnica. Antigamente o bairro era um

    alojamento de vrias empreiteiras, principalmente dos

    empregados da Chicago Bridge. Havia um rapaz que

    tocava corneta para chamar o pessoal a se recolher, l

    por volta de umas tantas horas. Por isso inventaram o

    apelido de Forte Santa Mnica. Os policiais invadiram

    e comearam a abordar os trabalhadores, muitos deles

    j deitados. Algumas pessoas foram espancadas e um

    novo tumulto foi criado. Aquilo acabaria virando uma

    guerra. No dia seguinte os trabalhadores encontraram

    o caminho da cavalaria estacionado no bairro Horto. O

    povo se juntou e virou o caminho, destruindo-o com-

    Manh de sete de outubro

    Foto do Soldado Moacir Almeida. Uma das ltimas fotos tiradas pelo

    metalrgico Jos Isabel do Nasci-mento, vtima fatal do conflito.

    18

  • Local do massacre. A seta indica onde estavam as estacas de uma guarita, destruda num conflito anterior ao dia 7 entre vigilantes e trabalhadores.

    pletamente. Na noite do dia oito de outubro, houve um grande

    tiroteio no centro de Ipatinga. Choveu bala pra todo lado. A

    delegacia e a cadeia, que funcionavam no mesmo lugar, foram

    destrudas pelos mais exaltados.

    Foram trs dias de muita confuso. Na Cidade ningum

    entendia qualquer coisa. Muitas pessoas foram mortas. O n-

    mero de vtimas no certo. Corpos foram empilhados dentro

    do escritrio da Usiminas e os prprios familiares, que faziam

    o reconhecimento dos cadveres, precisavam tomar todas as

    providncias. No houve levantamento perfeito e at hoje no

    existe consenso sobre mortos e feridos. O certo que em torno

    do assunto foram criadas vrias histrias.

    Quem no errou nunca fez nada. Quem trabalha no pode acertar tudo, alguma coisa sempre sai errado. Se voc errar porque est trabalhando, quem no erra no trabalha.

    SUBSTANTIVO 19

  • Era uma poca de muita violncia, pela

    prpria situao precria da cidade. Existia

    uma zona bomia chamada Jo, onde hoje

    o Parque Ipanema. Logo adiante estava a

    famosa Rua do Buraco, uma favela de bar-

    racos de madeira enfileirados. Lembro que

    em poca de chuva havia muitas enchentes

    e vrias famlias acabavam desabrigadas.

    Um grande sofrimento. A maioria da tur-

    ma das empreiteiras frequentava a zona

    bomia. A Montreal possua alguns cami-

    nhes vermelhos que iam para o local com

    as carrocerias cheias de trabalhadores. Eles

    acabavam aprontando muita confuso e a

    polcia marcou os elementos que se des-

    tacavam na arruaa. A coisa chegou num

    ponto em que os caminhes da Montreal

    foram proibidos de transitar pela Rua do

    Rua do Buraco

    Antigo Jo

    Centro de Ipatinga

    20

  • Quando a gente partici-

    pa ativamente na Cidade, h

    tanto para ser feito que sim-

    plesmente no damos conta.

    O tempo fica curto. Participei

    da Congregao Mariana, de-

    pois da SSVP na Conferncia

    Vicentina, na mesma poca

    em que entrei na diretoria do

    Lions Clube Armando Fajar-

    do. Tambm participei dos

    movimentos de encontros de

    casais e reviso matrimonial,

    poca em que surgiu o C3.

    DitaduraBuraco. Uma coisa no tem nada a ver com outra. O massacre

    foi um atrito entre os trabalhadores da Usiminas, que entraram

    em confronto com os vigilantes e depois com a polcia. No tinha

    nada a ver com o golpe militar que aconteceriam em maro de

    1964. A ditadura foi uma interveno dos militares que presta-

    vam a segurana nacional. Eles tinham medo de Joo Goulart,

    presidente empossado depois da renuncia de Jnio Quadros, pois

    acreditavam que ele tinha ligaes com o comunismo sovitico.

    Lembro que na poca da renncia de Jnio havia comeado a

    comprar a revista Manchete. Juntei uma coleo grande, mas na

    poca da revoluo, quando prenderam gente at aqui na regio,

    botei fogo em todas as revistas, com medo de represlias. A nica

    coisa que guardei foi o discurso de inaugurao de Braslia, feito

    por Juscelino Kubitschek.

    Mesa Diretora da Cmara: Presidente Nelson Parreira Rocha, Vice-pres. Drauzio Rodrigues, 1 Secretrio Antnio Gonalves de Souza, 2 Secretrio Ismael Pereira Lima

    SUBSTANTIVO 21

  • um nobre vampiro

    Contrariando a ideia que temos sobre

    apelidos, geralmente palavras curtas

    para designar e identificar as pessoas

    de modo informal, Diogo Henrique

    Santos Coura adotou Duke of the great Oceans

    como alcunha. Gerado em um site de RPG, o qui-

    lomtrico apelido era o nome vamprico do per-

    sonagem que encarnava no jogo. No entanto, os

    amigos sempre optaram pela sntese. Ento, com

    vocs: Duke, que, longe de ter carter de vampiro,

    uma pessoa doce e se alimenta da arte.

    Natural de Ipatinga, Duke veio ao mundo em 6

    de maio de 1989, dar voz a tudo que inquieta seu

    mundo particular e que soa como poesia, msica e

    como ilustraes psicodlicas, estilo que prevalece

    em sua arte.

    Alm dos medos confessos que o assombram,

    Duke convive com seus pais, com uma irm, a cau-

    la, e com a av materna, numa relao saudvel,

    enfatiza o artista.

    Segundo ele, sua infncia foi marcada pela

    companhia dos livros e do vdeo game e pelos lon-

    gos perodos que passava dentro de casa. Eu me

    subtraa do mundo. Gostava de ficar em casa, onde

    me sentia protegido de tudo, recorda.

    A partir dos seus 12 anos, boa parte do tempo de

    Duke passou a ser consumido pelas artes. Desde

    a infncia, gosto de msica. Ainda criana, eu pro-

    duzia sons com baldes, panelas, caixas de papelo.

    Eu chorava ouvindo Hey Jude, na vitrola da mi-

    nha me, e era ainda apaixonado pelos concertos

    de Natal. Em busca de reproduzir aqueles sons

    mgicos, comecei a tocar flauta e, depois, violo

    clssico e a cantar. Estudei para isso, recorda

    Duke, que vem se dedicando tambm ao violino,

    instrumento para poucos.

    Aos 16 anos, Duke se envolveu com a fotogra-

    fia e com edio de imagens. A poesia viria em

    seguida. Depois de ler Uma estadia no Inferno,

    livro do francs Arthur Rimbaud, ele passou a se

    dedicar a compor suas prprias canes, carreira

    inaugurada com Spray, que fala sobre .... emba-

    lada pelo ritmo .......

    As primeiras exibies do seu trabalho foram

    22

  • Duke ou Diogo?

    H pessoas que s me

    chamam de Duke, e no

    fazem idia do meu nome; e

    pessoas que me chamam de

    Diogo, e no fazem idia de

    que sou um Duque

    SUBSTANTIVO 23

  • Para Duke, criar trilhas sonoras para filmes como testar a sua sensibilidade bus-cando encontrar lacunas na imagem a serem preenchidas com a msica e alcanar sucesso nisso. Msica em cinema um assunto a se discutir. H quem dispense, h quem utiliza como ponto principal, quem utiliza de forma tmida. Em relao ao meu trabalho para Flor, por exemlo, digo que tive a sorte da minha primeira trilha ser para um filme mudo, um risco enorme que sempre gosto de correr. O Flor j estava completamente pronto, com exceo de alguns cortes que estavam por serem feitos posteriormente, quando fui convidado para compor trilha. Ento eu tive uma viso de espectador acerca de tudo o que se passava na tela. E com olhar crtico, claro. Acho que atingi o ponto certo. Foi um desafio e tanto. Mais pela mixagem que no fato de compor em si mesmo. Fiquei honrado em competir com grandes nomes e ser indicado. O trabalho havia sado do meu notebook empoeirado, do meu quarto escuro. A composio dialoga com o filme, sua essncia supera a qualidade de udio, que no de todo ruim. (Risos)

    feitas via net. Eu mandava os udios pra uma ami-

    ga, Isa Zeff. Foi ela quem me convenceu de que o

    meu som era legal, lembra Duke.

    Mas o reconhecimento do pblico veio mesmo em

    maio deste ano, quando, por indicao do jri do Fes-

    tival Art Dco de Cinema, em So Paulo, concorri ao

    trofu Flor de Ltus, na categoria Melhor Trilha Sonora

    pela trilha do curta-metragem Flor, do paulista Paulo

    Oliveira. Esse fato impulsionou meu sonho de viver da

    minha arte, comenta o msico.

    Para Duke, a reafirmao de que seu sonho era pos-

    svel veio ainda com a incluso de duas de suas msicas

    no documentrio Fbrica de Nuvens, produzido du-

    rante uma oficina de produo da Cine Documenta. O

    filme foi dirigido pelo renomado cineasta carioca, Luiz

    Carlos Lacerda, o Bigode, diretor de Mos Vazias, Leila

    Diniz, dentre outras obras. Ele teceu altos elogios ao

    meu trabalho, conta Duke.

    A conquista do terceiro lugar no Concurso Paixo

    com paixo se Paga, organizado pela artista portuguesa

    Patrcia Linoem, foi uma motivao a mais para Duke.

    Concorri na categoria na categoria de Poesia e Texto

    Dramtico, com excertos de Dois Nomes, Figuras, P-

    gina Trs e Dionsios, totalizando cinco poemas e uma

    esquete dramtica. O Concurso trouxe a certeza de que

    eu realmente poderia mostrar o que fao pro mundo, ao

    invs de engavetar tudo como fiz por um bom tempo.

    Pra mim, sempre foi um desafio sair do lugar-comum,

    arriscar algo novo. Nunca soube lidar com mudanas,

    mas tambm sempre me neguei a experiment-las, frisa.

    Apesar de j ter estudado em escola de msica, Duke

    se considera um autodidata. A msica est presente

    o tempo todo em minha vida. Passo o tempo ouvindo,

    compondo, estudando. No momento, tenho estudado

    jazz e sobre engenharia de som e jazz, j que trabalho

    com desenho de som para cinema e teatro, explica.

    FuturoEnquanto a arte d sentido a todos os dias de Duke,

    segundo comenta, tudo o que ele tem pra criar e que as

    24

  • muitas 24 horas no comportam, fica planejado para o

    futuro. Quero terminar uma msica de cmara. Com

    ela, devo participar do concurso Jovens Compositores, na

    Itlia. Para um futuro distante, penso em ter minha m-

    sica sendo tocada em grandes teatros no exterior, ir para

    a Inglaterra e compor algo com John Zorn. Dizem que

    sou pretencioso. Enquanto isso no acontece, continuo

    trabalhando com arranjos e penso em captar recursos

    por meio de leis de incentivo cultura. Penso em poder

    me sustentar com o meu trabalho, diz.

    Duke vem ainda trabalhando na masterizao de duas

    faixas que lanar em breve como single do seu projeto

    Pregos, Cruzes & Um Saco de Moedas, lanado em

    2009 pelo selo virtual Sinewave. Alis, eu queria muito

    lanar experimentaes invisveis o tal debut fisica-

    mente, caso algum se interesse, anuncia.

    Duke tambm mantm parceria com uma banda que

    passeia pelo experimentalismo e free jazz, de Belo Hori-

    zonte, chamada . Ele est terminando um instrumental

    pra banda Constantina. Sou parceiro do Cadu Tenrio,

    em seu projeto Ceticncias, que trar um dueto de flautas

    meu. O trabalho fica pronto em dezembro. Vou compor a

    trilha de um filme do Svio Tarso e que deve ser gravado

    no fim deste ano. Em fevereiro, vou para Mariana, onde

    vou compor a trilha do filme do Joo Grossi, Passa-

    gem, enumera Duke, que tem um modo prprio, bem

    incomum de lidar com o tempo e a inspirao que move

    tudo o que ele faz. No toa que chamado de gnio

    por diversas pessoas.

    Quanto ao retorno financeiro de tudo o que ele faz,

    Duke dia que no h nenhum, anunciando em seguida

    que, se existir algum que queira pagar pela sua arte,

    que o avise.

    Outros projetos Dentre os projetos que Duke vem desenvolvendo,

    esto Pregos, Cruzes & Um Saco de Moedas e Slee-

    pwalkers Maladies. No primeiro, exploro de forma

    idiossincrtica o minimalismo e a msica concreta, com

    pressgios estocsticos. O outro trabalho mantenho com

    os amigos e msicos paulistanos Guilherme Henrique e

    A stima arte motiva o

    encontro de Duke com a

    plenitude de seus dons

    artsticos, que ele vem

    compartilhando entre

    os amantes do cinema

    documentrio

    SUBSTANTIVO 25

  • Felipe Vale. Tenho ainda outro projeto rotulado como

    msica popular melodramtica, chamado Alice Narco-

    lptica. Esse desenvolvo com o msico Rafael Xavier. J

    tive mais projetos paralelos, mas foram deixados para

    trs com tempo, conta.

    Duke autor de Resqucios de Mim, uma coleo

    de frmitos em verso, escritos entre 2006 e 2007. Com

    a obra, Duke concorreu, em 2008, ao I Prmio Minas

    Gerais de Literatura, na categoria Melhor Poesia. Re-

    centemente, Duke finalizou seu segundo livro, Ventos

    Idiotas (Ou Uma pera Obscena). A obra um mani-

    festo potico insanidade e ao seu leque de significados,

    alegorias, metforas e epifanias.

    Duke tambm assina a direo e roteiro de todos os

    curtas lanados e goras apagados da memria virtual e

    real pelo grupo artstico-cultural ipatinguense Estdio

    11, e o curta-experimental Memrias Espasmdicas,

    que contou com a participao da atriz Llian de Faria.

    Duke mantm contato com famosos como o per-

    curssionista Cyro Baptista, que toca com John Zorn;

    com o jovem Youth Lagoon que, segundo a avaliao de

    Duke, comps o melhor lbum desse ano; com o artista

    plstico Cezar Berger, que assina a capa do prximo EP

    do Pregos, Cruzes & Um Saco de Moedas - seu projeto

    de msica experimental; e com Thiago Pethit

    Alm de todos os parceiros, Duke est em vias de

    convencer sua namorada, a dukesa ........... a cantar tam-

    bm. Ela canta muito bem, por isso sempre digo que as

    pessoas precisam ouv-la, conclui Duke.

    *Entrevista com Duke realizada via e-mail (citalopram40mg@...) que uma aluso ao medicamento usado para driblar um estado depressivo.

    Jamais pratiquei o mal. Os dias me sero leves, o arrependimento me ser poupa-do. No terei tido os tormentos da alma quase morta para o bem, na qual ascende a luminosidade severa como a dos crios fnebres. O destino do filho de famlia, esquife prematuro coberto de lmpidas lgrimas. Sem dvida, a devassido est-pida, o vcio idiota; preciso jogar fora a podrido. Mas o relgio no ter chegado a tocar seno a hora da dor pura! Serei suspenso como uma criana, para brincar no paraso, esquecido de todas as desgraas! Depressa! existem outras vidas? O sono entre riquezas impossvel. S o amor divino outorga as chaves da cincia. Vejo que a natureza no passa de um espetculo de bondade. Adeus quimeras, idias, erros.

    [arthur rimbaud]

    26

  • Duke explica que difcil

    falar sobre o que influencia

    o seu trabalho. "Acho que

    tudo o que me apetece, tudo

    o que me cerca, tudo o que

    eu vivo e ainda vou viver,

    so referncias".

    Entre compositores,

    cineastas, poetas/escrito-

    res que admira ele cita a

    msica de John Zorn; Carl

    Stallin, que era o compo-

    sitor das trilhas dos de-

    senhos da Warner Bros;

    Sonic Youth, sua banda

    predileta; Dmitri Shostako-

    vich, Stockhausen, Ligeti,

    Mozart e Bach. Em relao

    ao cinema, Duke conta que

    gosta de Ingmar Bergman e

    de Harmony Korine. Na li-

    teratura, Arthur Rimbaud,

    Edgar Allan poe, T.S. Elliot

    e Fidor Dostoivski tm

    sido referncias para Duke.

    Duke msico

    (multi-instrumentista),

    compositor, poeta,

    cineasta e crtico das

    reas que circundam o

    seu trabalho

    Duke explica que difcil

    falar sobre o que influencia

    o seu trabalho. "Acho que

    tudo o que me apetece, tudo

    o que me cerca, tudo o que

    eu vivo e ainda vou viver,

    so referncias". Entre

    compositores, cineastas,

    poetas/escritores que

    admira ele cita a msica

    de John Zorn; Carl Stallin,

    que era o compositor das

    trilhas dos desenhos da

    Warner Bros; Sonic Youth,

    sua banda predileta; Dmitri

    Shostakovich, Stockhausen,

    Ligeti, Mozart e Bach. Em

    relao ao cinema, Duke conta

    que gosta de Ingmar Bergman

    e de Harmony Korine. Na

    literatura, Arthur Rimbaud,

    Edgar Allan poe, T.S. Elliot e

    Fidor Dostoivski tm sido

    referncias para Duke.

    SUBSTANTIVO 27

  • Vivamos caando, pescando e coletando as

    coisas de comer que achvamos pelo caminho,

    como frutas e legumes. Era uma vida dura e pe-

    rigosa. Nem sempre encontrvamos tudo o que

    precisvamos por ai e muitos morriam de fome,

    frio ou devorados por animais predadores. A vida

    era uma longa jornada pela Terra em busca do

    alimento e de segurana. Tudo mudou quando

    aprendemos a cultivar as plantas no solo e do-

    mesticar os bichos mais uteis. sabido pouco

    sobre como isso realmente aconteceu, mas essas

    grandes descobertas mudaram nosso modo de

    vida e tambm esse planeta, que nossa casa.

    A terra e os animais sempre estiveram aqui

    pra todo mundo que precisasse. Existem desde

    muito antes dos homens criarem os nomes das

    coisas. Mas quando comeamos a plantar e a do-

    mesticar os animais conseguimos maior controle

    No posso brincar

    agora, filho, tenho de ir trabalhar.

    Por que no pede ao

    desocupado do seu tio pra te contar uma hististorinha?

    Se quer mesmo

    saber, deita aqui que vou te contar a

    histria.

    Pai, que

    isso que o jornal diz que o mercado do

    mund o est em crise?

    Eu escutei a pergunta. Tio...

    CRISEUma

    breve histria da

    28

  • sobre o mundo. No dependamos mais das plantas

    que nasciam naturalmente, nem dos bichos que iam e

    vinham ao acaso. Controlar nossas fontes de comida

    fez com que pudssemos parar de nos mudar, e assim

    ficamos sedentrios. E, como podamos alimentar

    muito mais pessoas, mais e mais gente passou a viver

    sobre a Terra. Acontece que quanto mais gente existe,

    mais comida precisa ser produzida.

    Antes dessa mudana os homens faziam basica-

    mente as mesmas coisas. Todos eram responsveis

    por conseguir comida, pela defesa e pela construo.

    Com aumento das tarefas e do numero de pessoas

    para realiz-las, era necessrio criar uma maneira

    mais eficiente de dividir o trabalho, de forma que to-

    dos pudessem ter acesso ao que precisavam. E assim

    foi feito. Enquanto um grupo pescava, outro grupo

    plantava e outro cuidava dos animais. O cultivo mais

    produtivo de alimentos permitia que algumas pes-

    soas no precisassem trabalhar cultivando a prpria

    comida, eles podiam desempenhar funes diversas

    que tornavam a vida em grupo mais eficiente. Havia

    guerreiros, construtores de casas ou barcos, outros

    forjavam ferramentas.

    Depois aqueles que plantavam trocavam o excesso

    de sua produo com os que criavam bichos e etc. Um

    trocava bananas por ovos, outro trocava carne por

    arroz. Tambm trocavam produtos por favores ou tare-

    fas. Voc conserta meu galinheiro, te dou uma galinha.

    Alguns produtos eram mais desejados, ou mais uteis,

    e costumavam ser aceitos por todos servindo de base

    nas trocas, para avaliar-lhes o valor. Eram moedas-

    mercadorias. Algumas delas foram to importantes

    que ficaram marcadas at em nossas palavras. o caso

    do sal, que da origem ao salrio que seu pai recebe.

    Esse comrcio feito por trocas de produtos e servios

    chamado de escambo. Essa inveno a base do

    mercado que a televiso tanto comenta.

    -Trocar coisas?

    -Sim. Trocar e ter coisas. Possuir um objeto, uma

    ideia, ou at mesmo uma pessoa e poder troc-la por

    outra coisa que se deseja. Essa inveno entra pra

    histria com nome completo: Propriedade Privada.

    Uma populao cada vez maior e mais complexa

    tambm tinha seus problemas. Voc imagina o que

    poderia acontecer se qualquer imprevisto tornasse a

    comida insuficiente? Coisas muito ruins. Por isso os

    homens precisavam proteger a comida que alimenta-

    va suas famlias e seu grupo, e tambm a terra onde

    essa comida era produzida. Muitos homens so mais

    fortes que poucos. Podem carregar coisas mais pesa-

    das, construir prdios maiores, lutar contra inimigos

    numerosos.

    Era preciso muita organizao pra manter esses

    grupos funcionando direitinho, cada pessoa cumprin-

    do sua parte do trabalho risca e confiando que o outro

    tambm o faria. Caso contrrio tudo podia acabar

    em completa confuso assim que alguma coisa desse

    errado, como uma enchente, uma seca, ou a invaso

    de algum grupo inimigo. Para tudo dar certo algum

    precisava analisar as escolhas, tomar as decises e

    julgar os conflitos. Ser um lder. Antigamente cada gru-

    po escolhia seus lderes da maneira que parecia mais

    certa. Podiam ser os melhores guerreiros, os homens

    mais velhos, as mulheres mais sbias, ou aqueles que

    tivessem poder de entrar em contato com os deuses.

    Eles orientavam e dividiam as tarefas, apartavam bri-

    gas, decidiam conflitos e, principalmente, diziam o que

    fazer com o excedente de tudo que fosse produzido.

    Se o grupo crescia demais, mais lideres eram ne-

    cessrios para control-lo. Com o tempo eles recebe-

    ram diversos nomes: nobres, patrcios, sacerdotes.

    Todos eles subordinados aos lderes principais, que

    tambm ganharam outros nomes: rei, imperador,

    fara, csar.

    -Mas tio, o que tem a ver essa tal diviso de tarefas,

    esse monte de lderes, nobres e faras, com o escambo,

    a propriedade privada, o mercado e a crise?

    -Tudo. Estou chegando l.

    Pensando em todas essas coisas um lder teve uma

    ideia genial. Foi mais ou menos assim:

    SUBSTANTIVO 29

  • prestem ateno meus sditos. A terra em que

    vocs vivem e plantam, a casa em que moram, os animais que criam e tudo mais que existe at os limites de nosso povo, pertencem liderana. De tudo

    que produzirem, a liderana reco-lher uma parte.

    mas nossas casas? Onde vamos morar? E o que

    vai fazer com tanta comida, vai comer isso tudo?

    vocs vo continuar morando onde moram e cul-

    tivando as terras da Liderana. Parte daquilo que a Liderana

    tomar ser alimento dos guerrei-ros que vivero exclusivamente para

    defender nossas fronteiras dos cru-is inimigos. Outra parte ser destinada

    aos nobres funcionrios da Liderana, que acompanharo toda produo e

    controlaro a arrecadao do governo, garantindo o funcionamento desse nobre sistema. Uma parte especial ficar com os sacerdotes, que regem a vida espiritual

    e garantem para ns os favores dos deuses. O que sobrar ser guardado

    para pocas de escassez, ou tro-cado por coisas uteis produzidas

    por povos amigos.

    parece justo.

    tem mais. Em pocas

    especiais, vo-cs vo se reunir

    e construir coisas para o bem comum.

    Canais de irrigao. Barragens para conter

    os rios. Depsitos para estocar o ali-

    mento. Muralhas para cercar nosso povo.

    Templos para os deuses. Palcios para a Liderana. Esttuas dos

    lideres.

    pera ai! Canais e bar-

    ragens at que vai, mas templos e palcios? Pra que serve uma

    esttua?

    meu bom sdi-to. Todas essas coisas so muito

    importantes. Templos vo afirmar nossa f,

    reforar o contato com os deuses e garantir

    seus favores. Esttuas e outros monumentos

    sero smbolos de nossa riqueza e de nossa fora. Os palcios sero a sede da Liderana, onde as deci-ses sero tomadas. Eles

    nos daro orgulho por pertencermos a esse povo

    to prospero e nos ins-piraro unio. Alm disso,

    os estrangeiros que verem essas maravilhas

    saberquem somos e do que somos

    capazes.

    nossa, mas esse

    nosso lder fala to bonito! Essas esttuas so mesmo ne-

    cessrias.

    claro, no ele quem vai

    construir.

    30

  • -Foi assim mesmo que aconteceu, Tio?

    -Bom, talvez no com essas palavras, mas algo do

    tipo. O importante disso tudo que as pessoas estavam

    se reunindo para fazer coisas que no traziam retorno

    imediato, em torno de ideias que iam alm do mundo

    concreto. A figura do lder, um sujeito escolhido pelo

    grupo para guiar o grupo, foi aos poucos substitudo pela

    Liderana, que hoje chamamos de Governo, ou Estado.

    Deixou de ser um posto ocupado por um homem e se

    tornou uma organizao, ou entidade, que mantm o

    poder independente de quem assume a figura de lder.

    -Poder?

    -Sim. A fora de criar e manter a lei, decidindo o que

    certo e o que errado. O que uma pessoa pode ou no

    fazer. E, principalmente, o que uma pessoa obrigada

    a fazer. Por isso aquela parte do que cada um produz e

    que deve ser entregue ao governo se chama imposto,

    porque uma obrigao imposta pela lei.

    -Nossa! E o que aconteceu?

    -Aconteceu que nem tudo funcionou perfeitamente.

    Muitas vezes era impossvel trocar o que se tinha pelo

    que se queria, mesmo com as moedas-mercadorias. Se

    o criador de vacas no gostava de peixes, ele podia sim-

    plesmente no dar leite para o pescador. Tambm era

    complicado transportar algumas mercadorias para fazer

    trocas. Dificuldade maior surgiu para os funcionrios

    que recolhiam o imposto. Era complicado definir a re-

    partio de certos produtos, como dividir uma vaca viva

    por exemplo. Alm disso, essas mercadorias mudavam

    muito de valor e eram perecveis demais para serem

    guardadas por longos perodos, dificultando o acumulo

    de riqueza. A soluo apareceu com a descoberta dos

    metais, que alm de fazerem ferramentas e armas muito

    mais fortes e resistentes, tambm eram apreciados pela

    raridade e pelo brilho!

    Cobre, bronze, ferro, prata, ouro... No principio

    eles eram trocados em estado bruto, por mercadorias de

    valor equivalente ao do peso do metal oferecido, ou por

    objetos feitos com eles. Anis, braceletes, facas, enxadas,

    foices. Mas isso tambm tinha suas complicaes, pois

    era necessrio conferir o peso e a pureza do metal, ou

    a qualidade das ferramentas, em todas as trocas. Para

    agilizar, os metais passaram a ser moldados no formato

    de miniaturas de objetos de uso comum, como facas,

    chaves e peles de animais. Eram as primeiras moedas.

    Mais tarde elas passaram a ter o formato arredondado

    que conhecemos hoje, com peso definido e o valor mar-

    cado em sua face com martelos e formes, num processo

    conhecido como cunhagem. o princpio das moedas

    como conhecemos hoje.

    -Qualquer um podia fazer moedas?

    -Teoricamente sim, mas a coisa no foi to simples.

    Primeiro era necessrio saber onde encontrar o metal

    e como trabalh-lo, esses conhecimentos eram consi-

    derados grandes tesouros. Depois era preciso proteger

    os lugares onde o metal era encontrado, trabalhado e

    armazenado, alm dos artfices que o faziam. Apenas

    grandes lderes, de povos numerosos e organizados,

    podiam dispor de tantos guerreiros para isso. Tornou-se

    comum que os governos cunhassem suas moedas. Elas

    refletiam aspectos da mentalidade dos povos, podendo

    dizer muitas coisas sobre eles. Por exemplo, era comum

    que os lideres poderosos mandassem moldar a forma de

    seus rostos nas moedas cunhadas, garantindo seu valor

    e espalhando fama de poder e riqueza pelo mundo.

    Os metais mais valorizados eram a prata e o ouro,

    pela raridade e beleza, mas tambm por causa da asso-

    ciao que as antigas religies faziam entre esses metais

    e as divindades da lua, do sol e outras. Ainda hoje esses

    metais so considerados mgicos por algumas culturas.

    Por serem muito desejados e largamente aceitos, o valor

    comercial desses metais foi a base do valor de compra

    das moedas durante muito tempo.

    Os metais, e as moedas feitas com eles, mudaram

    todo mundo antigo e permitiram que o comrcio atingis-

    se lugares cada vez mais distantes, conectando diversos

    povos diferentes atravs dos diferentes produtos que eles

    comercializavam. Para fluir o comrcio era necessrio um

    tipo especial de trabalhador. Pessoas que movimentavam

    as diversas mercadorias pelas longas rotas, em viagens

    que podiam durar muitos anos. Os mercadores. Era

    um trabalho arriscado. As estradas eram raras e muito

    perigosas. Muitas viagens eram feitas por mar, em bar-

    cos antigos que dependiam de remos e do vento para se

    moverem. Muitas viagens acabavam no fundo de rios e

    mares. Alm disso, as riquezas transportadas atraiam a

    cobia de muita gente. Grupos de bandidos perigosos

    perambulavam pelas rotas, para assaltar as caravanas

    SUBSTANTIVO 31

  • mercantes. No mar esses bandidos eram chamados de

    piratas, e se tornaram muito temidos. Para compensar

    os riscos, os preos das mercadorias eram elevados e os

    mercadores bem sucedidos podiam acumular enormes

    riquezas.

    Para manter o comrcio fluindo a demanda de me-

    tais preciosos estava sempre crescendo. Mas o metal

    no pode ser plantado ou fabricado. Ele se encontra na

    terra e nas rochas, criado em processos geolgicos de

    milhes de anos. Quando uma mina se esgota, apenas

    encontrando outra mina possvel obter mais metal. Se

    no existiam mais delas no territrio de um povo, no

    havia outro recurso seno atacar outros povos para tomar

    deles o controle de suas terras e minas.

    Depois de conquistado um povo tudo lhe era to-

    mado. Os prisioneiros tinham destino incerto. Muitos

    eram sacrificados em rituais para os antigos deuses,

    que exigiam oferendas em sangue de seus fieis. Outros

    eram abandonados prpria sorte no mundo. A maioria

    deles era forada a trabalhar para seus conquistadores,

    plantando, minerando, construindo e fazendo quaisquer

    trabalhos que lhes fosse ordenado.

    -Se tornavam escravos?

    -Exatamente. A guerra virou uma atividade muito

    lucrativa, se espalhando pelo mundo. Grandes lideres

    guerreiros juntavam enormes exrcitos conquistadores

    e tomavam, pela fora, territrios continentais. Alm do

    controle de enormes reas de plantio, das minas e de um

    grande nmero de trabalhadores escravos, eles ambicio-

    navam o domnio sobre as rotas mercantes. Em troca de

    proteo, contra piratas e bandidos, os conquistadores

    cobravam impostos sobre os produtos transportados

    pelos mercadores, aumentando ainda mais sua riqueza.

    E com tanta riqueza junta outra coisa muito poderosa

    se espalhou pelo mundo, a misria.

    Por onde os exrcitos passavam tudo era destrudo.

    Plantaes e criaes de animais eram saqueadas para

    alimentar os soldados e o que no podia ser levado era

    queimado, para impedir que ficasse nas mos do inimigo.

    Manter exrcitos crescentes exigia impostos cada vez

    maiores, vitimando os mais pobres que, sem recursos

    para comprar ferramentas, sementes e outros produtos

    necessrios, acabavam por se endividar. Muitas vezes os

    camponeses eram obrigados a engrossar as fileiras dos

    exrcitos na guerra. Sem poder plantar ou colher, au-

    mentavam ainda mais suas dividas e acabavam perdendo

    suas propriedades para grandes senhores de terra, que

    as cultivavam usando mo de obra escrava. Aqueles que

    no conseguiam pagar suas dividas tambm podiam se

    tornar escravos, de forma provisria ou permanente.

    Enquanto alguns eram privilegiados, muitos sofriam.

    Os lideres e sacerdotes que surgiram para guiar e pro-

    teger seus grupos ficaram to ambiciosos por poder e

    riquezas que passaram a no se considerar, ou agir,

    como pessoas normais e sim como senhores, eleitos

    pelos deuses para dominar outros seres humanos. Esse

    favor divino, conhecido como nobreza, passava de pai

    para filho como uma herana, junto com a riqueza da

    famlia. Assim como o filho de um escravo j nascia

    escravo, ou o filho de um campons pobre herdava suas

    dividas. As diferenas entre ricos e pobres de um mes-

    mo povo tornaram-se to grandes quanto as diferenas

    entre pessoas de povos distintos. Em alguns casos era

    difcil achar a diferena entre uma pessoa pobre livre e

    um escravo.

    -Mas por que as pessoas aceitavam isso? Eu no

    deixaria nobre nenhum mandar em mim.

    -As coisas funcionavam desse jeito. Era a lei. Aqueles

    que reclamavam, ou se rebelavam, podiam ser presos,

    banidos, ou at mortos.

    -Mas voc disse que eram os lideres e os nobres que

    faziam as leis. Como eles podem fazer uma lei que diz

    que eles podem mandar e eu no posso reclamar?

    -As leis so como tudo mais que existe. Podem ser

    boas e proteger as pessoas, ou ruins e escraviza-las.

    Quem segue ou desrespeita uma lei tem de refletir so-

    bre o que certo e o que errado, e se est disposto a

    conviver com as consequncias de seu ato, seja qual for

    a deciso que tomar.

    Aqueles que detinham a riqueza e o poder no es-

    tavam dispostos a abrir mo deles. Usavam todos os

    meios disponveis para mant-los. Um deles era a lei.

    Outro era a religio. Sacerdotes tambm se beneficiavam

    das coisas como elas eram. Eles usavam as palavras dos

    deuses como justificativa para manter sua dominao.

    Se nada disso bastasse, eles contavam com o exrcito.

    No fim das contas era ele quem detinha o poder real,

    mantendo a ordem das leis pela fora, ou as derrubando

    32

  • se lhes parecesse melhor. Para os lderes se manterem

    precisavam de exrcitos fortes e leais, dispostos a pegar

    em armas para aumentar o poder a riqueza e a glria de

    seu comandante. Mesmo que os inimigos fossem pes-

    soas de seu prprio povo, rebeldes descontentes com o

    rumo que as coisas tomavam. Muitos estavam dispostos

    a enfrentar priso e morte para defender sua liberdade,

    fazendo o que julgavam certo independente do que as leis

    ou os deuses mandavam. Assim a guerra se espalhava

    no interior dos prprios povos.

    Imprios colossais surgiram e foram conquistados

    por imprios ainda maiores. Estes por sua vez ruram,

    vitimados por revoltas e guerras surgidas entre seus pr-

    prios cidados. Acabavam sendo conquistados por outros

    povos guerreiros. Cidades, templos e palcios majestosos

    foram saqueados e destrudos. Grandes realizaes das

    antigas civilizaes caram soterradas pela poeira da

    guerra. Uma enorme parte da histria da humanidade

    foi esquecida. Alguns povos foram to completamente

    arrasados que nem seus nomes sobraram na memria

    do mundo. As rotas comerciais acabaram se tornando

    perigosas demais para que os mercadores se arriscassem

    por elas, interrompendo as trocas de mercadorias e a

    comunicao entre povos distantes. O mundo se tornou

    um lugar menor, mais escuro e perigoso, dividido entre

    nobres guerreiros donos de terras, servos camponeses

    que plantavam e colhiam para seus senhores, e sacer-

    dotes que rezavam para afastar as almas das pessoas de

    um inferno horrvel que as aguardava depois da morte.

    No existe tormento eterno, assim como tudo que

    bom tambm acaba um dia. As cidades voltaram a flo-

    rescer, estimuladas pela movimentao de mercadores

    que redescobriram as antigas rotas. Com o comrcio das

    especiarias, cobiadas mercadorias trazidas do extremo

    oriente, as moedas voltaram a circular em grande nmero

    pelo mundo. Mas j no era to fcil encontrar a prata

    e o ouro, no velho continente. Milnios de minerao

    tornaram o metal escasso na superfcie da terra. Como j

    disse, a raridade aumenta seu valor. Os ourives, homens

    que trabalhavam e negociavam objetos de ouro e prata,

    passaram a aceitar a responsabilidade de guardar o metal

    precioso de seus clientes, em troca de uma porcentagem

    ou taxa. O cliente ficava com um recibo de papel e com ele

    podia sacar o valor a qualquer momento. Rapidamente

    estes papeis comearam a ser trocados diretamente pe-

    las mercadorias. Eles valiam ouro, literalmente, e eram

    mais cmodos e seguros de transportar. Esse sistema

    de notas foi til para o comrcio de inmeras maneiras.

    Mais tarde ele deu origem ao dinheiro como conhecemos.

    Buscando novas rotas comerciais para o leste longn-

    quo, aventureiros desbravadores se lanaram ao mar.

    Eles desejavam ervas, incensos, temperos e seda, alm

    de outras especiarias. Tambm era vital encontrar fon-

    tes novas e fartas de metal precioso, para prover esse

    crescente comrcio. Mas, alm de rotas martimas para

    o Oriente, os navegadores encontraram algo maior e

    muito mais valioso. Um imenso continente alm do

    Oceano Atlntico!

    -J sei, a Amrica! Onde vivemos.

    -Isso. Acontece que naquele tempo j existiam al-

    gumas pessoas sensatas que aceitavam a ideia de que

    o mundo fosse esfrico, no plano como se pensava.

    Nesse caso era possvel chegar ao extremo leste viajando

    sempre para o oeste. Foi o que fizeram. Mas encontra-

    ram um continente no meio do caminho. A descoberta

    das novas terras acendeu cobia e desejo nos calejados

    guerreiros do velho mundo. A possibilidade de encontrar

    ouro, prata e outras riquezas, os inspirava a embarcar

    em caravelas, lotadas de gente e carga, para enfrentar

    uma perigosa viagem. Qualquer risco valia a pena, pois

    havia a promessa de riquezas infinitas alm do Mar

    Oceano, como era chamado o Atlntico naquela poca. O

    faro dos aventureiros estava certo, havia muita riqueza.

    Mais do que sonhava qualquer conquistador. O nico

    problema era que o continente no estava desabitado.

    Havia muita gente vivendo nele. Civilizaes to antigas

    e desenvolvidas quanto aquelas que os exploradores

    deixaram para trs.

    No era barato custear essa aventura. Construir na-

    vios, pagar tripulao, comprar mantimentos, armar os

    aventureiros, tudo isso requeria um monto de moedas.

    Era preciso investir muito dinheiro, com grande risco

    de obter retorno algum. Os nobres lderes no dispu-

    nham de tanto valor, precisaram peg-lo emprestado.

    Os comerciantes haviam adquirido grandes fortunas

    com o fortalecimento do comrcio, utilizando os recibos

    bons como ouro inventados pelos ourives. Associaes

    de ricos comerciantes podiam custear as despesas das

    SUBSTANTIVO 33

  • viagens exploratrias. Em troca receberiam parte do lucro

    que elas trouxessem. As expectativas eram altas, aqueles

    homens estavam dispostos a tudo para devorar a riqueza

    onde a encontrassem.

    A conquista do novo mundo foi guerra. As civilizaes

    que floresciam nele foram desmanteladas. A maioria dos

    nativos foi morta ou forada escravido. Todo ouro e

    prata encontrado foi embarcado para o velho mundo.

    A religio tentou justificar a carnificina como defesa e

    expanso da f, mas isso no passou de uma forma de

    validar a guerra. Com o continente vencido, seus povos

    saqueados e submetidos, restava garantir a conquista

    ocupando o territrio.

    No outro lado do mar oceano as velhas estruturas de

    poder sofriam grandes transformaes. Os mercadores,

    cada vez mais ricos, pressionavam por mudanas. Eles

    compraram sua parte no poder, exigiam direito de deciso.

    Sacerdotes e nobres perdiam pouco a pouco seus privi-

    lgios ancestrais, na medida em que se provavam pouco

    teis para nova ordem. Um novo conceito definido pela

    palavra Estado. Sintetizado na mxima Um governo, um

    povo, um territrio, os Estados soberanos assumiam o

    lugar das velhas estruturas de liderana baseadas na he-

    reditariedade do sangue e na sacralidade da religio. Sua

    coerncia era poltica, focada no respeito propriedade

    privada e ao capital. A lei devia ser universal, igualmente

    vlida para todos os homens, para a qual todos fossem

    considerados iguais. Uma Nao.

    Mas estes princpios nobres no alcanavam as longn-

    quas conquistas territoriais das naes. Alm da Amrica,

    vastas extenses de terra da frica e sia foram tomadas

    possesses de Estados europeus. Transformadas em

    colnias, essas regies foram ocupadas com objetivo de

    abastecer o comrcio. Ouro, prata, acar, especiarias

    e uma vasta lista de produtos eram explorados nesses

    lugares. Para realizar o trabalho, primeiro escravizaram

    os nativos sobreviventes das guerras de conquista. Mais

    tarde comearam a utilizar o trabalho de escravos africa-

    nos, sequestrados de sua terra e vendidos como valiosa

    mercadoria. Em grande parte estas atividades eram ge-

    ridas e financiadas por iniciativas privadas, geralmente

    associaes de mercadores com muitos recursos, em nome

    do governo de um Estado. Era comum que os homens que

    recebiam o lucro sequer chegassem a visitar as colnias.

    Em nome desse lucro qualquer abuso era justificado.

    Para fortalecer esse comrcio, manter o dinheiro cir-

    culando e resguardar os comerciantes em casos de perdas

    imprevistas, foram pensadas formas mais eficientes de

    gerir os valores. Os cofres dos ourives evoluram para

    entidades muito maiores e mais complexas, que se torna-

    riam imensamente poderosas, os Bancos. A palavra Banco

    vem da germnica bank, nome dos bancos de madeira

    usados pelas pessoas cujo ofcio era cambiar e emprestar

    dinheiro. Alm de guardar o dinheiro de seu cliente, o

    banco faz aquela quantia render mais dinheiro. Os juros.

    -Ento no banco s preciso ter dinheiro pra ganhar

    mais dinheiro?

    -Quase. No sistema bancrio preciso de dvidas para

    fazer dinheiro. Quando o cliente deposita dinheiro num

    Banco na verdade ele est emprestando a quantia, por

    isso recebe pagamento de juros. O Banco pode investir

    essa grana para faz-la render, o que significa emprestar

    algum cliente. Mais tarde esse emprstimo dever ser pago

    ao banco, tambm acrescido de juros. Esse o Crdito.

    Significa que voc pode usar um dinheiro que no tem,

    pois o Banco acredita que voc ir devolver essa grana

    mais tarde. Os juros so pagamentos que os clientes fazem

    pela confiana de seus credores.

    -Mas ento o dinheiro do Banco no dele de verdade?

    -Basicamente no. Entretanto os bancos so fontes

    aparentemente inesgotveis de Lucro para seus acionis-

    tas. As empresas, evolues das velhas associaes de

    mercadores, podiam dividir seu capital social, ou seja, a

    totalidade de seu patrimnio, em fraes titulares. Cha-

    mados de aes, esses ttulos eram vendidos e aqueles que

    os compravam se tornavam acionistas da companhia, com

    direito a frao do lucro correspondente a sua parcela de

    aes. Elas passaram a ser comercializadas em mercados

    conhecidos como bolsas de valores. Esse sistema criado

    para gerar crdito, manter o dinheiro circulando, capi-

    talizar as companhias e render lucro conhecido como

    Mercado Financeiro.

    -As aes de uma companhia grande e lucrativa so

    mais slidas, seguras, tendem a ser mais procuradas e por

    isso seu valor alto. Aes de empresas desconhecidas ou

    suspeitas so menos procuradas e tm menores preos.

    Esse efeito, compartilhado por outras mercadorias, cha-

    mado de lei da oferta e da procura. Ele regula os preos dos

    34

  • produtos atravs da relao entre a disposio no

    mercado e sua demanda. Acontece que o interesse

    pelas aes muda com o tempo, seguindo alteraes

    comuns no rumo da histria. A descoberta de uma

    nova mina pode atrair o interesse dos mercado-

    res, aumentando o preo das aes da empresa

    fez a descoberta. Por outro lado uma revolta de

    trabalhadores escravos, que extraiam metal dessa

    mina, pode fazer o preo das aes da mineradora

    carem bastante. Desta forma o mercado de aes

    est atrelado s expectativas daqueles que o movi-

    mentam. por isso que os jornalistas gostam de se

    referir ao bom ou mau humor do mercado, quando

    dizem que os mercadores de aes esto otimistas

    ou pessimistas com os rumos que o jogo toma. De-

    pendendo do tabuleiro, jogadores ganham fortunas

    do dia pra noite e pases inteiros podem quebrar.

    Com o fortalecimento do comrcio, o acumulo

    de grandes riquezas e a rejeio de antigos tabus

    religiosos que limitavam a criao e a divulgao

    de conhecimento, um novo mtodo de pensar a

    realidade transformaria toda estrutura social e eco-

    nmica. A cincia. Apesar do impacto que causou

    ela no nada mais que um mtodo sistemtico

    para se chegar ao conhecimento, baseada na in-

    vestigao racional e na observao da natureza.

    A caracterstica do mtodo cientfico que mais o

    destaca, seu foco na experimentao. Foi atravs

    do conhecido esquema de tentativa e erro, aplicado

    de forma sistemtica sob o auspcio da criativida-

    de, que a cincia revolucionou a tcnica, teoria e

    prtica. Ela se permite rever a cada nova descober-

    ta, assim que a experimentao mostrar qualquer

    mudana num sistema observado, pois a cincia

    estuda a parte para chegar ao todo. Dos meios de

    produo e transporte, a medicina, at nossa forma

    de comunicar, pensar e agir, em tudo isso a cincia

    protagoniza grandes revolues.

    -Ta bom, se a cincia revolucionou tanto, como

    o povo do jornal ainda est com medo de crise?

    -A cincia resolveu nossos problemas para criar

    coisas, mas no solucionou o problema do que fa-

    zer com as coisas criadas. Na verdade em muitos

    casos a tecnologia parecia mais uma vil que uma

    aliada. Grupos de trabalhadores chegaram a inva-

    dir fbricas para destruir mquinas. Eles tinham

    medo de tornarem-se desnecessrios e perderem

    seus empregos. Mas as mquinas no se constroem

    nem se consertam sozinhas, muito menos podem

    trabalhar sem o controle de seres humanos.

    As fabricas precisam de muitos empregados,

    milhares deles. A escravido no opo vivel.

    No a escravido como acontecia no mundo anti-

    go ou nas colnias modernas. essencial que os

    produtos fabricados sejam consumidos em massa,

    rapidamente. Escravos no recebem pagamento,

    no podem comprar coisas. Por mais certo que seja

    a abolio da escravido em todo mundo. Por pior

    que tenha sido cada argumento dito em defesa da

    escravido, e mais claras as vozes que clamavam

    seu fim, a triste notcia que ela s foi oficialmente

    abolida pelos governos, quando eles entenderam os

    benefcios econmicos que o chamado trabalho li-

    vre pode render. O lucro compensa qualquer coisa.

    Ao ser declarado livre o sujeito se v responsvel

    por seu prprio sustento, e pelo sustento de sua

    famlia. Ele tem que lhes garantir casa, comida,

    sade, acesso aos produtos fabricados nas grandes

    indstrias e vendidos pelas lojas reluzentes. Tudo

    isso comprado com dinheiro e, para consegui-lo,

    a pessoa precisa trabalhar. Todo mundo precisa

    trabalhar. O que define a condio desse trabalho,

    e a quantia de dinheiro paga por ele, depende de

    alguns poucos fatores, entre eles a educao que

    a pessoa recebe. Mas a maioria deles tem menos

    de esforo prprio e mais de condies aleatrias,

    como o povo em que a pessoa nasce ou quem so

    os pais dela, e principalmente o pas em que vive.

    Em busca do controle das fontes de matrias

    primas, necessrias para suas fbricas, os Pases

    Estados voltaram a fazer colnias pelo mundo. A

    maioria das antigas colnias ultramarinas havia se

    libertado do comando de suas metrpoles, quase

    sempre atravs da revolta armada de seus habi-

    tantes. Formaram naes construdas pela unio

    forada de povos distintos, escravos e escravizado-

    res, desejosos de firmarem novas identidades. Ou

    apenas controladas por escravizadores interessados

    SUBSTANTIVO 35

  • em reger seus negcios sem os impostos excruciantes

    da metrpole para mutilar seus lucros. As colnias

    que ainda restavam eram foco da cobia de varias

    Naes europeias. Famintas de carvo e ferro para

    fazer o ao de pontes, prdios, fbricas, tanques de

    guerra, metralhadoras, canhes. Bem armados os

    lideres do velho mundo fizeram valer seu esprito

    guerreiro, mandando seu povo para os campos de

    morte. De novo. E ainda mais uma vez...

    Bombas, minas, lana-chamas, gs venenoso. A

    cincia tornou a guerra mais eficiente em matar e des-

    truir do que ela jamais foi. A velocidade de produo

    das fbricas podia alimentar os fronts rapidamente,

    para que nunca faltasse uma bala ou granada para

    ser lanada contra o inimigo. Numa guerra assim era

    vital que at os meios de produo do oponente fos-

    sem inutilizados. Tambm valia bombardear cidades

    cheias de pessoas comuns, no combatentes, para

    destruir fabricas e levar terror sua populao. De-

    pois de passar por essa guer-

    ra, to

    de-

    vastadora que disseram que acabaria com todas

    as guerras, os lderes do velho mundo lanaram-se

    novamente em batalha. Desta vez arrastaram con-

    sigo o mundo.

    -Como eles puderam?

    -Eles sempre acham motivos para guerrear. Os

    pases se envolveram em acordos e tratados de todos

    os tipos, principalmente militares e comerciais. Pac-

    tos que os enredavam em tramas internacionais de

    cooperao. Alm dos antigos companheiros irmos

    da guerra: a vingana, a intolerncia, o racismo e

    o dio. Sem contar que a guerra continuava sendo

    tima para os negcios. Pases precisam comprar

    armas, munio, fabricar tanques de guerra, navios

    de batalha, caas de combate. Produzir e comprar

    essas coisas custa caro, por isso em tempos de guerra

    o ouro some dos cofres e o crdito se torna vital.

    Mais tarde os pases atingidos e arrasados precisam

    tomar mais dinheiro emprestado pra se reconstru-

    rem. Oportunidade para os sobreviventes, os bancos,

    fazerem fortuna. Mas o jogo tem seus reveses. No

    se podem mover peas to densas sem criar arrasto.

    Como sabido, cada ao tem uma reao. A

    cincia aplicada guerra mostrou tanta

    sagacidade inventando formas de

    destruir e matar seres huma-

    nos, que o fim do confron-

    to nos deixou uma amarga

    cincia. Criamos a arma que

    pode destruir nosso prprio

    mundo.

    -A bomba...

    -Sim. Mas os negcios eram

    mais urgentes, o fim do mundo teria

    de ser adiado. As guerras mundiais fize-

    ram sombra a outro acontecimento. Os gover-

    nos nacionais tomaram para si a responsabilidade

    pela economia de seus pases. Os bancos haviam

    mantido a tradio dos ourives de emitir

    ttulos equivalentes quantidade de ouro

    depositado em seus cofres e os governos

    adaptaram essa ideia em suas moedas.

    Foi o chamado Padro Ouro. Ele ancorava a

    quantidade de dinheiro em circulao a quantidade

    36

  • de ouro oficialmente mantido como reserva. Cada nota

    representava uma ao do ouro em depsito, podendo

    ser trocada por ele. Dinheiro to bom quanto ouro. Com

    o lastro em ouro era fcil avaliar o valor de troca, o Cm-

    bio, entre as moedas dos pases que adotavam o sistema.

    Com os gastos da guerra os pases precisaram emi-

    tir mais e mais dinheiro para cobrir suas emergentes

    necessidades. No havia forma de manter a ancoragem

    da moeda ao ouro, j que as reservas do metal tambm

    foram sendo usadas para custear guerra. A liberdade

    de criar dinheiro sem lastro solucionou problemas ime-

    diatos, mas acabou criando outros de difcil soluo. A

    fartura de notas no mercado fez com que os preos das

    mercadorias aumentassem, corroendo valor do dinheiro.

    A temida Inflao. No possvel lidar com ela simples-

    mente criando mais dinheiro, isso apenas aceleraria o

    processo. Tambm no era possvel voltar ao Padro

    Ouro, pois a maioria dos pases estava endividada e

    sem reservas de metal. Entretanto nem todas as naes

    sofreram a guerra igualmente. O fim do conflito marcou

    a aurora de duas superpotncias mundiais. Os Estados

    Unidos da Amrica e a Unio Sovitica.

    -Sovitica?

    -Vem da palavra russa Soviete, que significa conse-

    lho. Entre a primeira e a segunda guerra mundial uma

    guerra civil, com ares de revoluo, atingiu a Rssia.

    Nesse pas continental do leste europeu, camponeses e

    operrios se revoltaram contra seus lideres opressores,

    derrubando o governo e tomando para si ferramentas,

    fazendas e fbricas. Seu objetivo era criar uma nova

    sociedade, livre da propriedade privada, do capital e

    dos lideres. Um sonho conhecido como Comunismo,

    onde no existiriam escravizadores ou escravos. Nele as

    decises seriam tomadas coletivamente, cada um rece-

    bendo de acordo com suas necessidades e colaborando de

    acordo com suas capacidades. Outros povos se juntaram

    aos russos, formando o enorme estado chamado Unio

    Sovitica. Mas ele no realizou a utopia dourada que o

    comunismo prometeu. O partido comunista sovitico

    se tornou uma nova liderana, ainda mais cruel que as

    antecessoras, desfigurando o comunismo numa ditadura

    burocrtica e totalitria, onde poucos se aproveitavam

    do trabalho de muitos.

    Aqui na Amrica os Estados Unidos se ergueu como

    grande potencia militar e econmica, o expoente mximo

    do capitalismo de mercado. Ele e seu rival, a Unio So-

    vitica, buscavam atrair o maior numero de pases para

    suas zonas de influncia econmica e poltica, onde po-

    deriam lhes impor liderana. Isso os colocou em posies

    diretamente opostas, criando um conflito econmico que

    extrapolou suas bases, tornando-se uma disputa poltica,

    militar e ideolgica. Uma batalha entre esses dois pases

    estava sempre a um comando de comear, mas os dois

    lados hesitavam dar a ordem. As superpotncias haviam

    acumulado tantas armas de destruio, que uma guerra

    entre elas poderia levar o mundo rapidamente a seu fim.

    Chamaram isso de Guerra Fria.

    -Mas o mundo no acabou!

    -Muito perspicaz. que s existe lucro se o mundo

    chegar perto do fim, no se ele acabar definitivamen-

    te. Aos pases endividados pela ajuda financeira, que

    receberam de um lado ou de outro da disputa, s res-

    tava aceitar a dominao. No polo capitalista os pases

    firmaram um acordo que fixava as taxas de cmbio de

    suas moedas ao valor da moeda dos Estados Unidos,

    o Dlar. Em contrapartida os Estados Unidos se com-

    prometeram a manter o Dlar atrelado ao ouro por um

    valor fixo. Dessa forma qualquer pas que tivesse reser-

    vas em Dlar poderia troc-las pelo ouro das reservas

    dos Estados Unidos. Este sistema transformou o Dlar

    numa moeda corrente em todo mundo capitalista, base

    do comercio internacional. Mas na luta contra o avano

    da influncia sovitica, os Estados Unidos se envolveram

    em guerras muito caras. Acabaram sem ter como bancar

    o atrelamento do Dlar ao ouro e quebraram o acordo.

    Entretanto o domnio do Dlar no mercado internacional

    j estava consolidado.

    -Mas se o dinheiro no valia mais ouro, por que as

    pessoas continuaram a aceit-lo?

    -As pessoas tem f no dinheiro. Por isso chamada

    Moeda Fiduciria, que vem de fidcia e significa con-

    fiana. A moeda no precisa ter valor intrnseco como o

    ouro. Dinheiro, e o prprio ouro no fim das contas, no

    tem utilidade alm de servir como referncia de valor

    de troca. A nica coisa que os torna valiosos o fato

    das pessoas os aceitarem valiosos. As pessoas confiam

    no valor das notas como acreditam no valor do ouro,

    e por isso os desejam em troca de produtos, servios,

    SUBSTANTIVO 37

  • ideias, criaes, de seus corpos e de seu tempo de vida.

    Um conhecimento que os ourives aprenderam rpido.

    Eles descobriram que as pessoas demoravam a resgatar

    o ouro que depositavam em seus cofres. Elas preferiam

    usar os papeis bons como ouro no comrcio. Ento os

    ourives, e os banqueiros depois deles, passaram a emitir

    mais notas boas como ouro que a quantidade de ouro

    depositada em seus cofres. Confiando que as pessoas

    no iriam todas de uma vez pegar seu ouro de volta.

    Eles estavam criando dinheiro. A prtica se provou to

    eficiente que foi institucionalizada e hoje a base de

    todo sistema monetrio.

    -Funciona assim: O governo de um pas outorga a

    uma instituio, chamada de Banco Central, o monoplio

    da emisso da moeda atravs de recursos legais. Esse

    banco tem responsabilidade pela poltica monetria

    e cambial do pas. Ele acumula funo de banco dos

    bancos, ou seja, ele aceita depsitos e empresta dinhei-

    ro a outros bancos, e de banco do governo, guardando

    as reservas de ouro e de moeda estrangeira do pas. O

    Banco Central responsvel pela quantidade de dinheiro

    em circulao no pas, deve assegurar a estabilidade de

    seu poder de compra, combater a inflao e zelar pelo

    crescimento econmico. Suas principais armas so as

    taxas de juros. Juros altos estimulam os jogadores do

    mercado a manter dinheiro em depsito, diminuindo

    a quantidade de moeda em circulao e encarecendo

    o crdito. Juros baixos os estimulam a circulao do

    dinheiro, aumentando o crdito e o consumo. Quando

    um Banco Central emite dinheiro ele o troca por bens

    vendidos pelos demais agentes econmicos. No caso dos

    governos esses bens so ttulos de dvida pblica, que

    compe a famosa divida interna do pas. O governo tem

    de pagar juros peridicos por esses ttulos, e para isso

    ele usa os recursos capitados pelos impostos.

    Alm disso, os bancos comerciais tem sua prpria

    formula de criao de dinheiro. A Monetizao. O ban-

    co tem obrigao de manter como reserva apenas uma

    frao do dinheiro depositado pelos clientes, o restante

    pode ser usado para fazer emprstimos. Se o dinheiro

    emprestado for depositado num banco, parte dele tam-

    bm poder ser usada para fazer novos emprstimos.

    Esse truque chamado Sistema de Reservas Fracionadas.

    Dessa forma o crdito, ou a dvida, responsvel pela

    multiplicao do dinheiro. Muito desse dinheiro no

    sacado em forma de notas do papel ou em moedas de

    metal, mas movimentado atravs de cheques, cartes de

    crdito ou dbito e por transaes digitais. O chamado

    dinheiro Escritural. Assim a maior parte do dinheiro

    que circula pelo mundo existe apenas nos computadores

    dos bancos.

    -Mas quem controla isso tudo?

    Os capitalistas mais fervorosos defendem que o mer-

    cado tem a capacidade de se regular sozinho. Para eles

    quanto menor a interveno das lideranas na economia

    de seus pases, melhor . Essa corrente ganhou fora

    medida que o capitalismo de mercado se espalhou pelo

    mundo. O golpe decisivo foi a derrota do grande inimigo

    do bloco capitalista. O comunismo sovitico caiu de po-

    dre, expondo os desmandos repressivos e sanguinrios

    de seus lideres ao mundo. Livres da influncia patriarcal

    da Unio Sovitica, e da cortina de ferro que os isolava

    do resto do mundo, restou aos pases do bloco comunista

    se abrir para o capitalismo de mercado.

    Globalizao. Mercadorias viajando em todos os

    meios de transporte, para atingir os lugares mais distan-

    tes do planeta. O comrcio envolvendo todos os pases na

    ciranda maluca do mercado internacional. Uma empresa

    tem sede na Europa, a fbrica na China, transporta os

    produtos num cargueiro africano, os vende nos Esta-

    dos Unidos e entulha no Brasil, quando j lixo. Nesse

    mercado o prprio dinheiro se torna mercadoria, sendo

    movido de um pas para outro conforme se movem as

    peas no tabuleiro ou muda o nimo dos jogadores. Lucro

    que se deseja. Quanto mais, melhor. Em nome dele as

    fbricas de grandes indstrias se movem pelo mundo,

    sendo construdas onde a mo de obra mais barata e

    os re