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o CARÁTER RACIONAL DA ESTÉTICA EM HEGEL

RESUMO

Almir Ferreira da S. Júnior*

Abordagem do estatuto científico da estética segundo o filósofoalemão G.W.Hegel. Mostra-se a partir da relação arte e absoluto apossibilidade de um tratamento rigorosamente filosófico acerca dodomínio do belo artístico. Apresenta-se conceitualmente a perspectivahistórico-conceitual da estética como condição indispensável paracompreensão do caráter de sua racionalidade.

Palavras-Chave: Hegel; arte; racional; absoluto; estética; idéia; belo-artístico; finitude sensível.

SUMARY

Scientific statute approaeh of aesthetics according to the germanphilosopher G. W F Hegel. We show, from lhe relation art andabsolute the possibility of a strictly philosophic treatment aboutlhe domain of the artistic beauty. We present, conceptuely, thehistoric-eonceptual p erspective of aesthetics as indispensablecondition to the comprehension of its rationality character.

Key-word: Hegel, art, aesthetics, idea, anistie beauty, sensitive finite.

1 INTRODUÇÃO

No seu caráter filosófico, a Estéti-ca, no âmbito de sua significação con-ceitual, sempre constituiu-se como umpensar sobre a finitude sensível, sejacomo experiência originária do existire do conhecer, seja como ação contem-plativa, formadora e transformadora doreal. A nossa relação estética com omundo sempre foi uma forma de expri-mir o nosso testemunho, manifestar onosso parecer sobre aquilo que nos afe-ta a sensibilidade e nos remete a uma

* Professor do Departamento de Filosofia da UFMA.

experiência de sentido, tanto pela ad-miração das imagens oriundas do cur-so ordinário da natureza, quanto peladisposição e habilidade humana em al-terar o seu sentido imediato através deuma transfiguração de aparências. Masse a expressão "aisthesis" nos inclina apensar sobre o horizonte de uma reali-dade fenomenal, aquilo que se expõevia uma experiência sensível, manifes-ta-se e impressiona a nossa sensibili-dade, a estética enquanto um domíniode conhecimento autôn?mo apenas ad-quiriu sua legitimidade enquanto tal nos

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tempos modernos, consagrando-se sobos limites da racionalidade modernacomo ciência do sensível I. Assim, se oponto de partida do estético é a esferado sensível, a estética, no cenário dopensamento filosófico moderno, traduz-se como uma reflexão acerca de umaexperiência singular entre o homem eo real que busca pensar, junto ao hori-zonte da finitude sensível e sob um cri-tério de racionalidade, as ressonânciasde um domínio de realizações humanasregido pelas leis da beleza - as expres-sões do belo e as manifestações artísti-cas.

Feitas tais considerações o nossopropósito é desenvolver à luz do idea-lismo de G.W.F Hegel (1770-1831) umareflexão sobre a possibilidade de umtratamento científico da estética, cujoobjetivo, para esse filósofo, é uma re-flexão filosófica do belo artístico; ouseja, a investigação sobre a possibilida-de da finitude sensível manifestar-secomo expressão da Razão Absoluta.Para tanto o universo estético deve serconsiderado não apenas como simplesmodificações de um real autêntico oucomo apenas região de encantamentosubjetivo, mas como esfera de conhe-cimento e produto espiritual.

Se o pensar sobre as produçõesartísticas sempre nos conduz a questi-onar o outro lado de uma presença, ul-trapassando a intimidade de um gosto

ou de um estilo é por que a arte nãopode ser tomada como um simplesacontecer. Além de realidade sensível,ela é atividade espiritual, posto que jun-to à prosa da realidade, o domínio dobelo artístico busca sua própriaautoconsciência reconhecendo-secomo experiência ele verdade. Dessaforma, na pretensão de justificar o ca-ráter de sua racionalidadc a nossa ques-tão orienta-se em direção da perguntapela verdade da arte. Para tanto, con-centrar-nos-ernos no cerne, sobretudodas Preleções sobre a Estética?(Vorselungen über die Ãesthetic, 1835)e com menor incidência no texto naEnciclopédia das Ciências Filosófi-cas em Epítome, obra na qual estãopresentes os princípios fundamentais doseu sistema sem os quais toma-se im-possível refletir qualquer que seja atemática sob o rigor filosófico.

2 ARTEEABSOLUTOExaminar a questão da arte no

pensamento hegeliano supõe algumasparticularidades quanto à perspectivade seu tratamento; significa concebê-Ia não como objeto meramente dado,pois ainda que a consciência tome parasi o mundo da representação, é neces-sário que o espírito avance sobre estaesfera e mostre seu caráter de neces-sidade, reivindicando como exigência aelaboração de conceitos. Pensar qual-

I É apenas em 1750 com a obra Aesthetica de Alexander Baumgarten que a estética é consagrada comociência do sensível, ressaltando a idéia de tomarmos o domínio do belo artístico como uma espécie deconhecimento que por ser proporcional à sensibilidade revela-se inferior e confuso uma vez comparadoao conhecimento racional e verdadeiro.

, Frente as demais obras de Hegel, as Preleções sobre a Estética, como nos afirma Alfredo Llanos é umtexto muito pouco estudado, talvez pejo seu caráter de anotações, o que poderia diminuir a sua credibilidadecomo obra. Estas lições foram ministradas pela primeira vez em Heildelbcrg c posteriormente em cursosna Universidade de Bcrlim.

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quer que seja o objeto sobre o rigor fi-losófico é ter com clareza e convicçãoa impossibilidade de invocar represen-tações a partir de princípios que nãoresultem de uma elaboração que lheanteceda. Logo, abordar a arte sob ocaráter fundamental do pensar filosófi-co implica, segundo a filosofia de Hcgcl,necessariamente pensá-Ia mediante um"esforço conceitual'", abarcando-a nãoabstratamente como mero objeto vivopresente no mundo da existência, deacordo com os esquemas unilaterais efixos de um pensamento conceitual, maspensá-Ia na dinâmica de sua necessi-dade interior, na intimidade do seu des-dobramento conceitual; só assim, doponto de vista do idealismo hegeliano,é possível pensar verdadeiramente oreal.

A estética como uma filosofia dobelo artístico só pode, portanto ser de-senvolvida na sua indispensável refe-rência espiritual e, conseqüentementena dinâmica de um processo de reali-zação efetiva (Wiklichkeit). Refletir aesfera do fenômeno artístco é, por con-

seguinte, colocarmo-nos no ponto devista do Absoluto- nos adverte Hegel-,em função do qual a arte, sob a formade um saber direto e sensível, apresen-ta-se como momento de verdade"; ouainda, considerada como um momentode finitude, a arte é expressão ou apre-sentação sensível da Idéia, é o Absolu-t05 que no processo de sua determina-ção na exterioridade sensível põe-secomo obra de arte e nesta obra de exis-tência revela-se como figura da bele-za. Ou como melhor nos diz o próprioHEGEL (1979.v.l,p.32):

"E pensamento que na ca-pacidade de pensar a si mes-mo, penetra nas profundezas

de um mundo sensível opon-do-se à consciência imedia-ta e a sensação direta e numato de liberdade satisfaz suasexigências de conhecimentoerguendo-se acima da esfe-ra inferior que a finituderepresenta ...De si o Espíritoengendra obras de arte ... "

] Esta expressão "esforço conceitual" ou "esforço tenso do conceito" é na verdade usada por Hegel no seuprefáccio à Fenomenologia do Espírito quando então ressalta uma exigência atenciosa ao conceitopara o estudo da ciência. Nessa oportunidade, no sentido de elucidar seu mundo conceitual, na sua naturezaprópria e dinâmica do seu auto-movimento desenvolve lima diferenciação entre "pensamento que racio-cina" e o "pensamento conccirual". A expressão conceito (Begrifff) refere-se aquilo que está por serconcebido, estando a se fazer e se realizar.

4 O verdadeiro (Wahr) ou a verdade (Wahrheit) são termos atribuídos diversamente na filosofia hegeliana:aplica-as a conceitos e coisas como: crenças, amigos, declarações, arte, religião. ele. Todavia só o Todo,o Absoluto é estritamente verdadeiro, de modo que no processo de seu desdobramento dialétieo ele vaimanifestando-se e reconhecendo-se segundo momentos de verdade. Daí a íntima relação entre a concep-ção de verdade e a concepção de sistema para Hegcl.

l O Absoluto, no rigor de sua definição é a Idéia como existente em si e para siré o espírito (Geist) queenquanto tal é pura determinidade, trânsito que vai além de si, negação de sua permanência em si no seufazer-se outro. Daí que a dialética no pensamento hegeliano corresponde a esse próprio movimento dopulsar do Absoluto que, por sua vez. busca manter-se afirmativo na negatividade e ser idêntico para si. OAbsoluto, no desenvolvimento progressivo do seu desdobramento eonceitual tem a sua realiz.ação efetivaexpressa, em três esferas máximas de verdade: arte, religião e a filosofia.

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o Espírito Absoluto na suadeterminidade, no seu ir em frente parao seu objetivo de se tomar identidadeque é tanto eternamente em si, como asi deve retomar e já retomou, encontrana realidade artística seu primeiro mo-mento de verdade. A arte é pois ummodo particular de manifestação doespírito (Geist) no âmbito da finitudesensível; é um modo de expressão,apresentação (Darstellung) do divino noseio da sensibilidade, constituindo-seportanto, como determinação livre eproduto verdadeiramente real.

Assim, tomar a arte como verda-de no ceme do pensamento hegelianoé pensá-Ia como obra da Razão(Vemunft). O Absoluto, afirmando-secomo passagem na finitude exterior,determina o seu processo de desdobra-mento conceitual na forma de umadialética da Razão (Vemunft) no sensí-vel, através do qual a exterioridade énegada na sua finitude imediata e afir-mada como reflexo de idealidade me-diante as produções artísticas; eis acondição de possibilidade para enten-dermos o seu caráter de racionalidade.

3 O CARÁTER RACIONALDA ARTE: o ponto de vista daestética.

Concentrarmo-nos no texto dasPreleções sobre a Estética signifi-ca, primordialmente, ressaltá-Ia nodesiderato rigoroso de sua proposta: umtratamento histórico-racional da arte.Dessa forma, Hegel nos propõe um

convite polêmico, inquietante e original-mente sugestivo: o empreendimento dedesenvolver uma reflexão científica oufilosófica acerca do belo artístico. Aquestão a qual se propõe o filósofo é aseguinte: em que medida as reflexõessobre a arte e sobre o belo são suscetí-veis de um tratamento científico ?Como é possível uma ciência da arte?

A filosofia da arte, como toda equalquer ciência filosófica, não apre-sentando sobre seu objeto determina-ções solidamente estabeleci das, passaa considerá-Io segundo suas diversasidéias, concepções e representações.Ora, mas "filosoficamente, não pode-mos invocar representações e tomarcomo ponto de partida princípios quenão resultem de uma elaboração ante-cedente" (HEGEL, 1979,v.l, p.14-15),pois só o que possui caráter de neces-sidade pode, filosoficamente, ser de-monstrado e afirmado no seu valor deverdade. Todavia a perspectiva de aná-lise aqui desenvolvida não tem comopropósito uma demonstração lógica daidéia da arte ou do belo, no interior doseu desenvolvimento conceitual; o queaqui vai ser desenvolvido não se refereao porquê da arte, nem do exame cien-tífico do seu conceito'. O nível de abor-dagem no qual iremos nos situarrefere-se apenas a uma parte da filo-sofia, qual seja a estética ou filosofiada arte, que por sua vez tomará comobase antecedente para a investigaçãoe justificação do tratamento científicodo objeto específico em análise apenasas representações da consciência.

fi Uma análise filosófica sobre a arte, à luz do idealismo hegeliano, pode ser desenvovida em três diferentes"dérnarches", quais sejam: lógicacspeculativa, baseada na Enciclopédia das Ciências Filosóficas emEpítorne, reflexiva ou espiritual, a partir da Fenomenologia do Espírito e, por último, histórico,positiva, á nível das Preleções sobre a Estética.

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Nesse sentido afirma HEGEL(1979, v.1, p.16):

" ... isolada esta ciência,vamos agora começar demodo direto; não como umresultado, visto que não le-vamo s em conta osantecedentes. Por isso umaúnica representação come-çamos por encontrarperante nós: a de que háobras de arte. "

Todavia, como submetermos talponto de vista ao rigor de uma reflexãocientífica?

Como sustentar a possibilidade deuma estética científica a partir de re-presentações genéricas da consciên-cia?

Se fazer ciência de algo significa,primeiramente, identificar-se sua exis-tência como objeto e, em seguida, sa-ber-se o que ele é, elaborando e justifi-cando o seu próprio conceito, na Esté-tica, considerando-se sua "démarche"histórico-conceitual, será partindo dasrepresentações referentes aos domíni-os do belo e da arte que serão busca-dos os elementos essenciais e suscetí-veis para a construção do seu respecti-vo conceito.

A esse propósito Gerard Brás nosdiz não parecer tão óbvio que a afirma-ção: "existem obras de arte" se consti-tua como o verdadeiro começo daestética. Compreendê-Ia, portanto, só

é possível, a princípio, como um resul-tado que pressupõe o conceito de arteenquanto um primeiro momento de re-alização efetiva do absoluto; e em se-guida, enquanto um resultado filosóficoque, por sua vez, é historicamente da-tado. Ao ressaltar "existem obras dearte" como o ponto de vista por meiodo qual devemos nos situar para o tra-tamento científico da arte, Hegel quernos dizer que uma reflexão de tal cará-ter, desenvolvida no aspecto de suapositividade, só é possível na História,horizonte no qual as criações artísticasse manifestaram como produtos espiri-tuais. Daí ressaltar BRÁS (1990, p.28):

"Se a arte é criação, a es-tética é reflexão e supõeportanto que seu objetoseja efetivamente constitu-ído, isto é desdobrado emtoda sua dimensão histári-ca ":

A beleza artística tomada como umconceito abstrato não nos possibilita umestudo rigorosamente racional da arte.Toma-se necessário que este conceitose apresente sob a forma de uma de-terminação objetiva e sensível ao longodo decurso histórico. Para que a estéti-ca desenvolva concretamente sua pre-tensão de se manifestar como umareflexão filosófica sobre a arte e acer-ca do belo é, fundamentalmente, neces-sário pensar esses domínios nas suasíntimas relações com a História'. Don-

, Na Estética. pensar o caráter racional da arte, é ressaltar uma reflexão para qual o sentido das obras já nãoé vivido imediatamente no modo de sua presença, mas refletido filosoficamente em suas relações com ahistória. Significa poder pensá-Ia a posteriori sua existência, enquanto existente real, verdadeiro e,portanto, racional. A racionalidade da arte também se justifica por que nesta esfera a Idéia se determinanum processo de diferenças e se desdobra numa história- o avanço da liberdade do espírito no percurso desuas realizações efetivas.

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de também se pode inferir que pensarsobre o fenômeno estético é tambémreconhecer que já "... devemos ser ca-pazes [....] de tomar distância cultural-mente da arte para poder refleti-Iafilosoficamente".(BRAS, 1990, p.27).

É pois na perspectiva desse racio-cínio que na filosofia do idealismohegeliano teremos originariamente umaproposta estética pensada na sua ínti-ma relação com a história. Se a arte éproduto do espírito (Geist), refleti-Iaimplica, necessariamente, tomá-Ia apartir do desdobramento efetivo do seuconceito na história. Afinal, como mui-to bem nos faz ver Hegel "foi nas obrasartísticas que os povos depuseram asconcepções mais altas, onde as expri-miram e as tornaram conscientes"(HEGEL, 1979, v.l , p.ll-12), sendoatravés delas veiculados os mais no-bres e profundos interesses humanos.

Após esse primeiro nível de escla-recimento sobre o ponto de partida daestética destacaremos, em seguida, aargumentação hegeliana com vistas ajustificação da filosofia ou ciência dobelo artístico. Trata-se, portanto, deexaminar junto as representações ar-tísticas duas genéricas objeções que porsua vez negam a possibilidade de sesubmeter o referido domínio a um tra-tamento científico. Considerar a nega-ção do estatuto científico da arte é paraHegel condição de possibilidade para oentendimento de sua racionalidade.

A primeira objeção sustenta a im-possibilidade de uma ciência da artetendo em vista a infinita variedade dobelo, posto que como se constata,

"... inumeráveis são as for-mas produzidas por cada

arte entre os diferentes po-vos e nas diferentes épocas.Que é que não foi conside-rado belo na diversidadedos povos e na diversida-de das épocas? Quediferença entre esses inu-meráveis objetos! E comoos classificar? A varieda-de e a multiplicidade quecaracterizam os produtosda arte mais do que qual-quer outra produção doespírito, levantariam umobstáculo intransponivel àconstituição de uma ciên-cia do belo". (HEGEL,1979, v.I, p.18-19)

Pelo exposto, apenas podendo ha-ver ciência do necessário, toma-se im-possível uma reflexão rigorosa sobrecertos objetos particulares acidentais, demodo a dominar a variedade das for-mas dos seus produtos, classificá-Ias emgêneros, deduzindo posteriormente re-gras válidas e particulares para suapreparação e estudo. Ora, mas condu-zindo-nos por esse modo de procederda ciência em que o ponto de partida éa particularidade enquanto um caleidos-cópio de determinações variáveis nasua forma sensível, jamais alcançare-mos, destaca Hegel, uma definição ri-gorosamente científica da arte. Comoatesta todo o idealismo alemão, as análi-ses não se estruturam do particular parao geral, mas bem pelo contrário, é preci-so, antes de mais nada conceber-se aIdéia e só posteriormente, como mani-festação sua, o particular. Apenas comoauto-determinação conceitual da própriaidéia pode o particular ser entendido.

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Objeti vando contra-argumentaresta primeira objeção, HEGEL (1979,v.l , p.2I), enfaticamente, nos remete aseguinte orientação filosófica:

"O que tem de servir debase não é o particular, nãosão as particularidades,não são os objetos, os fe-nômenos [.... ] Pela idéia,pelo universal devemos co-meçar em tudo ... "

Por conseguinte, não é examinan-do as particularidades acidentaisconstitutivas da obra de arte que con-seguiremos saber o que é a arte e oque é o belo; é, porém, no tratamentode sua idéia, acompanhando-se e, aten-ciosamente, observando o seu proces-so de auto-determinação, a partir doqual ela mesma emerge emobjetivações múltiplas e diferentes queoriginam-se as várias figuras da arte.Assim, tendo em vista esse princípionuclear do idealismo hegel iano, a esté-tica livra-se dos primeiros embaraçose se torna possível como ciência deobjetivações sensíveis, desde que seusdomínios de reflexão sejam compreen-didos como determinação da idéia noseu plano conceitual, isto é, que as cri-ações artísticas sejam compreendidascomo realização efetivada idéia sob aforma de ideal.

A segunda objeção analisada porHegc1 funda-se no pretexto de que obelo, sendo objeto de intuição e da ima-ginação e tendo como campo de açãoos sentimentos, não poderia se subme-ter a um estudo científico. Suscitandoum transbordamento de emoções, suaexclusividade restringir-se-ia a ser meio

de realização de sentimentos ou aindauma disciplina de paixões; sentimentostomados nas suas abstratas diferençase experenciados num estado integral-mente subjetivo na diversidade dasocasiões,o que ,por sua vez acarretariana impossibilidade de um tratamentocientífico. Comentando tal argumento,nos diz HEGEL (1979, v.l , p.22):

"A beleza artística, comefeito, dirige-se aos senti-mentos, à sensação, á

intuição. à imaginação,etc., pertence a esse domí-nio aparte do pensamento,e a compreensão da sua ati-vidade e dos seus produtosexige, pois, um órgão dife-rente do pensamentocientífico. Além disso, o quefruimos da beleza artísticaé a liberdade das produçõese das formas, como que sepela criação e contempla-ção das obras de arteescapássemos aos entravesdas regras e regulamentos;como se fugindo ao rigordas leis e ao íntimo sombriodo pensamento, procurás-semos a calma e a açãovivificante das sombras aque preside a idéia pelaserena realidade"

No exame teórico de um objeto, oque interessa à inteligência, ao buscaro pensamento, o universal absoluto éapreender a essência deste, ultrapas-sando o que nele há de imediato.Reivindicada à ciência a satisfação des-se interesse teórico, ela, ao proceder

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do ponto de vista da universalidade dascoisas, deve obedecer às exigênciasuniversais da razão tentando reconstituire identificar sua essência íntima, nuncarevelada pela existência sensível. En-tretanto, é partindo da particularidadesensível que a inteligência científicabusca possuir uma idéia - o universal -, o conceito desse objeto, justificandono interior dos seus caracteres imedia-tos e acidentais:cor, forma, grandezaindividual. Submetido à ordem do pen-samento, de sensível concreto, o objetodeve aparecer rigorosamente comocoisa pensada, como um abstrato com-pletamente diverso da sua originalida-de sensível.

Nas reflexões estéticas hegelianas,de modo adverso, o aparecer artísticono âmbito de sua individualidade sensí-vel só pode ser julgado em função decritérios estéticos que não se rendam aesse tipo apreensão conceitual dessetipo de objetividade direta acima expos-to, pois, contrariamente,

" ... a arte separa-se doponto de vista teórico dainteligência por visar aexistência individual doobjeto sem procurartransformá-Ia em idéia uni-versal e conceito" (HEGEL,1979, v.I, p.69).

Nessa segunda representação éinteressante também destacar um as-pecto conceitual muito desenvolvido aolongo das reflexões estéticashegelianas, qual seja a identidade entrearte e aparência (schein). Sendo ine-gável a íntima relação entre ambas,dado que os produtos artísticos sempre

terão uma conformação aparente o queos toma sensíveis, isso não significa queas criações artísticas sejam qualifica-das de ilusões. Enquanto uma determi-nação da idéia, o aparecer da realidadeartística se constitui como um momen-to de verdade pelo qual o espírito (Geist)impõe sua presença no mundo daexterioridade natural revelando-se nafinitude. Sendo o espírito (Geist) dota-do de uma consciência que o toma ca-paz de pensar não só a si, mas comotudo que dele emana e a arte um pro-duto seu, através do qual a idéia, en-quanto verdade e beleza, se revela,parece inteiramente possível que aquelaconsciência, como natureza Íntima eessencial, pense o belo artístico sob umaperspectiva científica. Destaca entãoHEGEL (1979, v.l, p.25).:

·'...originadas e engendra-das pelo espírito, as artessão de natureza espiritualaté quando oferecendo arepresentação uma aparên-cia sensível, esta estejapenetrada no espírito ... ; oespírito revê-se nos produ-tos da arte".

o espírito permanecendo fiel aoque realmente é: em si e para si, apre-ende-se naquilo que difere de si e nes-te outro, compreende-se a si próprio,pois, desenvolvendo-se por si mesmoele só engendra o que já eraconceitualmente. A arte, manifestaçãona qual o pensamento de si se aliena,pertence, de modo contrário ao quesustentavam aquelas duas representa-ções genéricas, ao domínio do pensa-mento conceitual. Ao submetê-Ia ao

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exame filosófico, o espírito apenas estásatisfazendo uma exigência essencial-mente sua, haja vista que,

a ... constituindo o pensa-mento a essência e oconceito do espírito, este sóse satisfaz quando penetrade pensamento todos osprodutos de sua atividadee assim os torna verdadei-ramente seus." (HEGEL,1979, v.l, p.26).

Ressalte-se ainda que conferir àarte o despertar de emoções significanão só tomá-Ia como um meio comotambém predestiná-Ia uma finalidade,o que inevitavelmente nos conduz apensar a questão do fim último da arte.Ora, mas qual o sentido de relevânciaque o questionamento acerca de um fimúltimo da arte apresentaria junto à re-flexão de sua racionalidade?

Seja como imitação da natureza,como despertar de livres sentimentos eprincipalmente o sentido do belo, sejaaté no empenho de moralizar as pai-xões humanas purificando-as, etc., o fimúltimo da arte, assevera Hegel, trata-se de uma falsa questão. Na condiçãode expressão absoluta do espírito, seufim é ser em si mesmo, não necessi-tando, portanto de uma determinaçãofora de si, até por que

" ... ao considerarmos umobjeto do ponto de vista desua natureza essencial, nãopensamos nos interessesque lhes são exteriores eque só em outras condiçõesintervêm. Se, pelo contrá-rio, em vez de situar o fim

último fora do objeto, ve-mos nele uma determinaçãoimanente ao próprio obje-to, somos levados aconsiderar uma obra dearte em si e para si, segun-do sua natureza e seuconceito. "(HEGEL, 1979,v.l, p.84).

4 CONCLUSÃO

Na pretensão de legitimar o cará-ter científico da estética, o propósitohegeliano é unir a racionalidade a umcampo ontológico determinado; ou seja,trata-se de refletir a arte examinando apossibilidade do seu universo poder serexplicado por um conceito e organiza-do racionalmente. Ao sustentar umateoria da arte moldada no que já existe,caberá ao pensamento adequar o exis-tente artístico, testemunhado pela his-tória, à necessidade de uma ordemconceitual; eis o que configura aespecificidade da abordagem do beloartístico desenvolvida nas Preleçõessobre a Estética: pensar o fenômenodo belo artístico através do seu neces-sário desdobramento históricoconceitual.

O ponto de vista que deve orientaro estudo científico ou racional da arte eque por sua vez legitima a estética comofilosofia da arte é, portanto, a possibili-dade de tomá-Ia como seu próprio ob-jeto à luz do seu conceito. De acordocom o seu modo de objetivaçãoconceitual e mediante as diversas ex-pressões pelas quais o seu conteúdoengendra uma forma, a arte, vista naevolução de suas representações con-cretas, se constitui como um momento

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efetivo da Razão, tornando-se, por con-seguinte digna de um tratamento cien-tífico. O caráter de sua racional idade,refere-se por fim a sua radical idade deser pensada como obra da razão, ma-nifestação verdadeira do espírito de umpovo(Volksgeist); apresentação do In-

finito sob os limites da finitude sensívelde modo que a exterioridade. além deuma configuração plástica, sonora, po-ética, cênica,etc., revele-se, sobretudocomo um sinal de reconhecimento etestemunho das grandes realizações dahumanidade.

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