relatório 4 - qi543 - síntese da cisplatina.docx
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Prof. Dr. Pedro P. Corbi
Leandro Oliveira 103014Talitha Godoy 118721
Data da realização: 11/04/2015
1.0 Introdução
O complexo Cis-Diaminodicloroplatina (II) é atualmente uma das principais
drogas utilizadas no combate ao câncer. [1]
Este complexo foi primeiramente descrito por Reiset em 1844 e, em 1854,
Peyrone descreveu outro composto de mesma fórmula molecular. Em 1893
Werner propôs que esses dois compostos eram isômeros cis-trans, como
ilustrado na Figura 01. [2]
Figura 01: Estruturas moleculares das formas Cis(direita) e Trans (esquerda).
Em 1969 Bernett Rosenberg, na Universidade de Michigan, performava
testes eletroquímicos com o objetivo de estudar os efeitos do campo elétrico
em culturas da bactéria Escherichia coli em uma solução de Cloreto de
Amônio. Sobre esta cultura eram aplicadas correntes utilizando-se um eletrodo
de Platina.[3]
Depois de um certo período, observou-se que as bactérias que cresciam
tinham sua morfologia bastonete alongada, tornando-se filamentosas similares
a um espaguete. Estudos da época determinaram que este efeito era resultado
da inibição da reprodução celular e consequência de produtos obtidos a partir
da hidrólise de Platina no eletrodo. [3]
Universidade Estadual de CampinasQI-543 - Laboratório de Química Inorgânica ExperimentalII
Experimento Nº04: Síntese da Cisplatina
Seus isômeros cis e trans foram amplamente estudados sendo observado
que a Cis-Diaminodicloroplatina (II) é capaz de encolher células tumorosas,
tendo potente atividade anticancerígena. [3]
O mecanismo de funcionamento da droga consiste em sua interação
covalente com a molécula de DNA através de uma ligação do metal com
átomos de nitrogênio das bases guanina ou adenina.[3]
Fármacos derivados da Cisplatina são conhecidos como “Fármacos de
segunda geração”, como exemplo, a Carboplatina. Este foi o segundo fármaco
de Platina a ser aaprovado pela Food and Drug Administration em 1985. Sua
estrutura possui ligantes carboxilato ao invés dos cloretos. Muitos outros
fármacos foram desenvolvidos baseados na estrutura inicial da Cisplatina,
todos com o principal objetivo de diminuir os efeitos colaterais e potencializar a
ação anticancerígena do fármaco da primeira geração. Algumas fórmulas
estruturais dos ativos estão explícitas na Figura 02. [4]
Figura 02: Fórmulas estruturais de outros complexos de Platina (II) utilizados para uso
clínico.
A descoberta da Cisplatina como droga é um ótimo exemplo de como um
experimento com resultados inesperados pode conduzir o experimentador a
desvendar questões inexploradas.
2.0 Objetivos
Sintetizar e caracterizar o fármaco cis-diaminodicloroplatina(II), ou
cisplatina utilizado no tratamento de câncer.
3.0 Metodologia Experimental[3]
3.1 Materiais utilizados
3.1.1 Reagentes
[K2(PtCl4)], KI, NH4OH 1M, KCl, Ag2SO4, Etanol e Éter.
3.1.2 Vidrarias
Béqueres de 10 e 25 mL, Barras magnéticas, Chapa magnética com
aquecimento, Espátulas, Pipetas Pasteur de 3 mL de vidro, Funil de Büchner,
Kitassato, Vidros de relógio.
3.1.3 Equipamentos
Espectrofotometro Cary (Agilent) com resolução de 4cm-1, varredura na
faixa de 490 a 4000 cm-1.
3.2 Procedimento Experimental
3.2.1 Síntese da cis-diaminodiiodoplatina (II)
3.2.1 Síntese da cis-diaminodiiodoplatina (II)
Preparou-se uma solução de [K2(PtCl4)](125,5 mg) em água (500uL) dentro de um béquer de 10 mL equipado
com Barra Magnética. Aqueceu-se sob agitação a
40ºC sobre a chapa e controlou-se a temperatura.
Adicionou-se uma solução de 300 mg de KI em 500 uL de água morna. Verificou-se
a variação de coloração. Aqueceu-se a mistura a 70 ºC sob agitação. Quando a
temperatura chegou próximo a 70ºC interrompeu-se o aquecimento e aguardou-se a solução resfriar até
temperatura ambiente.
Filtrou-se a mistura usando um pequeno pedaço de algodão em pipeta de
Pauster.
Transferiu-se o filtrado para um béquer de 25 mL e
adicionou-se gota a gota 1 mL NH4OH 1 mol.L-1 até que
o sobrenadante apresentasse coloração
amarelo ouro. Manteve-se o béquer sob agitação a
temperatura ambiente por 20 min.
Filtrou-se o sólido formado em funil de Buchner. Lavou-se o sólido com 500 uL de Etanol
gelado, seguido de 1mL de éter. Deixou-se o produto secando sob vácuo por 1
hora.
4.0Resultados e discussão
4.1 Síntese do complexo cis-diaminodiiodoplatina(II)
A primeira etapa do procedimento envolve a conversão do K2[PtCl4] a
K2[PtI4] e garante que o isômero cis, livre da presença de um contaminante
conhecido como Sal verde de Magnus ([Pt(NH3)4][PtCl4]), seja obtido. Isto
ocorre porque o Iodo possui um efeito trans direcionador mais forte do que
os ligantes Cloro.
Partiu-se de uma solução de 125,5 g de K2PtCl4 em 10 mL de água
deionizada sob agitação vigorosa e aquecimento a 40°C. A solução
apresentou coloração vermelha. Ao se adicionar uma solução de 300,2 mg
de KI dissolvidos em 500 μL de água morna verificou-se a alteração de
A uma solução de 63 mg de Ag2SO4 em 10 mL de água,
adicionou-se 100 mg do complexo obtido
anteriormente em pequenas porções.
Aqueceu-se a suspensão sob agitação a 70-80ºC por 10-12 minutos. Filtrou-se a
solução a vácuo.
Concentrou-se a solução até 2 mL. Adicionou-se
330 mg de KCl sob agitação e manteve-se o aquecimento a70-80 ºC
por 2-3 min.
Manteve-se o aquecimento por mais 5-8
minutos após a precipitação de cristais
amarelos.
Resfriou-se a mistura me um banho de gelo e filtrou-se o
precipitado com funil de Buchner. Lavou-se o
precipitadocom 500 uL de etanol gelado seguido de 1
mL de éter.
Secou-se o sólido sob vácuo. O produtos obtido foi pesado, e caracterizado por
espectroscopia na região do IR e medidas de ponto de fusão.
coloração da solução vermelha para marrom-esverdeada, tal como
ilustrado pela Figura 03.
(a) (b)
Figura 03: Solução de K2PtCl4 em água: (a) antes e (b) após a adição de uma
solução de KI em 500 μL de água morna.
A reação que explica o comportamento observado acima, pode ser
verificada pela Equação 01.
K2[PtCl4] + 4KI (em excesso) K2[PtI4] + nKCl (01)
O Iodeto de Potássio é adicionado intencionalmente em excesso, pois
desta forma sua concentração é alta o suficiente para deslocar a reação no
sentido de formação do complexo tetraiodado. Os íons iodeto agem como
nucleófilos e ligam-se no metal. Para otimizar a taxa de reação a
temperatura é levada a 70°C sob agitação.
Em seguida a solução é deixada para esfriar a temperatura ambiente e é
filtrada em uma pipeta de pasteur com algodão a fim de se remover
quaisquer sólidos presentes no meio.
Ao filtrado adicionou-se cerca de 2mL de NH4OH 1M sob agitação a
temperatura ambiente, até que a solução representada pela Figura 04
apresentasse uma coloração amarelo ouro.
Figura 04: Solução filtrada após adição de 1mL de NH4OH 1M. A coloração
marrom-escura forçou a adição de 1 mL de NH4OH 1M adicionais.
Esta etapa é crucial para o sucesso da síntese. Neste ponto, dois
ligantes Iodetos são substituídos por grupamentos Amino, passando
incialmente por um intermediário, tal como exposto pela equação 02.
(02)
O fenômeno que governa esta substituição foi introduzido por Chernyaev
em 1926 para explicar como que, ao variar-se a natureza dos ligantes em
complexos de geometrias quadrado planar ou octaédrica, é possível
obterem-se mudanças nas taxas de velocidades das reações. Este efeito é
conhecido como “efeito trans”. [1]
No efeito trans um grupo com alto caráter trans-direcionador aumenta a
labilidade do ligante diretamente oposto a ele. Desta forma, seu ligante
trans torna-se um bom grupo abandonador e consequentemente a reação
de substituição é mais favorável nesta posição. [5]
Após a formação do intermediário de tríodo K2[PtI3(NH3)] uma reação de
substituição governada pelo efeito trans ocorre. De acordo com a série
supracitada, o ligante I- possui um efeito trans direcionador maior do que o
NH3. Sendo assim, um ligante diametralmente oposto a um Iodo será
substituído por outro grupo NH3 fazendo com que o composto sintetizado
mantenha a configuração cis.[3]
O sólido obtido foi filtrado a vácuo, lavado com etanol gelado e éter para
remover quaisquer impurezas. O produto obtido apresentou coloração
amarela, tal como ilustrado pela Figura 05. Nesta foto pode-se ver a
presença de pontos vermelhos no filtro que podem ser atribuídos ao
K2[PtCl4] não reagido.
Figura 05: Sólido obtido após tratamento com NH4OH 1M seguido de filtração.
Obtiveram-se ao todo 0,1011g de [Pt(I2)(NH3)2] e o cálculo de rendimento
teórico é representado abaixo:
1 mol de [K2(PtCl4)] -------- 1 mol de cis -[Pt(I)2(NH3)2]
414,9 g de [K2(PtCl4)] ------ 483,1 g de cis - [Pt(I)2(NH3)2]
125,5 mg de [K2(PtCl4)] ----- X
X = 0,1461 g
Sendo assim o rendimento obtido foi de 69,2%. No momento da
pesagem o composto ainda estava molhado, o que pode ter afetado a sua
massa final. Também, como já citado acima, pode-se observar pela Figura
03, resquícios do reagente de partida. Sendo assim o produto final também
poderia estar contaminado com outros sólidos que não o de interesse.
4.2 Síntese do complexo cis-diaminodicloroplatina(II)
A segunda parte do experimento consistiu na obtenção de fato da
Cisplatina (II).
Para tanto, utilizou-se toda a quantidade de sólidos anteriormente
obtidos e misturou-se com Ag2SO4 em água formando a solução ilustrada
pela Figura 06.
Figura 06: Solução obtida da mistura entre Ag2SO4 em água e o complexo
obtido na primeira parte do experimento.
Este passo da reação tem o objetivo de formar o aquacomplexo, pois ao
misturar-se o complexo iodado com íons Prata, os ligantes Iodo são
substituídos por água. [3]
A formação do complexo final envolvendo ligantes Cloro é facilitada
quando da presença de espécies sulfonadas, e consequentemente o
rendimento da reação é maior. Por isso o Nitrato de Prata, originalmente
utilizado, é substituído pelo Sulfato de Prata. [3]
Ag2SO4(aq) SO4 + 2AgI (03)
Esta mistura, com aspecto ilustrado pela Figura 07, foi mantida sob
agitação e aquecimento por 10-12 minutos e em seguida é filtrada. O
filtrado é recolhido e concentrado até cerca de 2mL, quando adiciona-se
330 mg de KCl sob agitação e aquecimento até 80°C por 2 a 3 minutos.
Este procedimento é necessário porque desta forma os ligantes aqua são
substituídos pelos Cloretos, formando o composto desejado: a cis-
Diaminodicloroplatina (II). [1] A Equação 04 ilustra este passo.
Figura 07:Complexo aqua obtido da filtração de uma solução com Iodeto
de Prata precipitado.
SO4 + 2AgI KCl + K2SO4 (04)
No entanto, na prática, o aquecimento foi brusco o suficiente para que a
água evaporasse. Neste ponto adicionaram-se cerca de 2 mL de água e
ressuspenderam-se os cristais. Deixou-se a solução em banho de gelo por
5 minutos.
Ao filtrar-se a solução observou-se sobre o papel de filtro a obtenção de
poucos cristais amarelos. Deixou-se o sólido secando por cerca de uma
hora e meia. Verificou-se, após este tempo, que o líquido filtrado havia
evaporado e no fundo do Kitassato foi possível observar-se a presença de
sólidos amarelos.
Obtiveram-se ao todo 0,0095g de cis-[Pt(Cl2)(NH3)2] e o cálculo de
rendimento teórico é representado abaixo:
1 mol de cis - [Pt(I)2(NH3)2] -------- 1 mol de cis -[Pt(Cl)2(NH3)2]
483,1 g de cis - [Pt(I)2(NH3)2] ------ 299,83g de cis -[Pt(Cl)2(NH3)2]
0,1011 g cis - [Pt(I)2(NH3)2] ----- X
X = 0,0627 g
A massa de produto obtida no final foi de 0,0095 g, representando um
rendimento de 15%. O baixo rendimento pode ter tido como uma das
causas o fato dos cristais terem sidos ressuspensos em água. Talvez o
tempo de recristalização não tenha sido suficiente, fazendo com que parte
do produto fosse perdido durante a filtração.
4.3 Caracterização do complexo cis-diaminodicloroplatina(II)
Para a caracterização do composto utilizou-se dois métodos de diversos:
espectroscopia na região do infravermelho (utilizando a técnica ATR) e
medidas de ponto de fusão.
A espectroscopia na região do Infravermelho foi feita utilizando-se o
equipamento CARY pelo método ATR (Reflexão total atenuada). O espectro
obtido encontra-se na Figura 08.
Figura 08: Espectro obtido na região do Infravermelho utilizando-se a técnica ATR (Reflexão total atenuada).
Os estiramentos descritos pela literatura estão descritos pela Tabela 01.[1]
Tabela 01: Estiramentos dos complexos de Diaminodicloroplatina (II) descritos
pela literatura.
Isômero ʋ Pt-Cl (cm-1) ʋ Pt-N (cm-1)
Cis- Diaminodicloroplatina (II) 330,323 510
Trans- Diaminodicloroplatina
(II)365 572
A faixa de comprimentos de onda varria pelo espectrofotômetro não
inclui os estiramentos com relação a ligação Pt-Cl. Porém é possível notar-se
uma banda em 515 cm-1 que pode ser atribuída a um estiramento da ligação Pt-
N em um isômero cis.
A temperatura de fusão do composto, de fato, não foi observada, pois
este sofre decomposição a uma temperatura média de 270,4 °C.
5.0Conclusão
A síntese do composto Cis-Diaminodicloroplatina (II) permitiu a observação
do “efeito trans” que governa reações de substituição em compostos
inorgânicos. Este efeito define-se como a labilização de ligantes trans em
relação a outros ligantes, que podem ser chamados como ligantes trans-
direcionadores.
Este aspecto foi aplicado na prática ao se elaborar uma rota de síntese que
permitiu obter o isômero desejado, baseando-se na série de magnitude trans-
direcionadora dos ligantes. Por este motivo, inicialmente se obteve o complexo
Triiodado para depois converte-lo em um complexo Dicloro, mantendo a
isomeria desejada. [2]
O composto final obtido foi sólido e com coloração amarela, com
rendimento de 15%. O baixo rendimento pode ser justificado pela
ressuspenção em água dos cristais obtidos na última etapa da reação, que
podem ter “arrastado” parte do material obtido para a fase aquosa. O tempo de
recristalização foi insuficiente, causando o aparecimento de cristais amarelos
na água filtrada sob vácuo.
A caracterização do composto por espectroscopia pela técnica ATR
permitiu observar a banda em 515 cm-1 atribuída a um estiramento ʋPt-N de um
complexo cis. [2]
O ponto de fusão não foi observado, pois a amostra se decompõe antes de
fundir. A temperatura média de decomposição observada foi de 270,4°C.
De maneira geral foi possível, com este experimento, explorar o conceito de
efeito trans (que é utilizado no design de sínteses para obter-se o isômero
desejado) e sintetizar uma das drogas mais importantes no cenário de
tratamento do câncer: a Cisplatina.
6.0 Bibliografia
[1] Singh, M. M.; Szafran, Z.; Pike, R. M. “The Microscale Laboratory”, J.
Chem. Educ. 1990, 67, A261-A262.
[2] http://qnesc.sbq.org.br/online/cadernos/06/a05.pdf Acesso em 15/04/2015
[3] Alderden, R.A.; Hall, M.D.; Hambley. T.W. “The Discovery and Development
of Cisplatin”. J. Chem. Educ. 2006, 83, 728-733.
[4] Neves, A. P.; Vargas, M. D. “Complexos de Platina(II) na Terapia do
Câncer”, Rev. Virtual Quim. 2011, 3, 196-209.
[5] Huheey, J. E., Keiter E. A., Keiter R. L., Inorganic Chemistry Principles of
Structure and Reactivity, 4th ed., Harper Collins College Publishers, New York,
1993, pag 538-545.
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