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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
REDE JUVENTUDE VIVA DO RN: ENFRENTAMENTO AO GENOCÍDIO DA
JUVENTUDE
Luna Pinheiro Valle
Natal
2017
i
Luna Pinheiro Valle
REDE JUVENTUDE VIVA DO RN: ENFRENTAMENTO AO GENOCÍDIO DA
JUVENTUDE
Dissertação elaborada sob orientação da Prof.
Dra. Ilana Lemos de Paiva e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Psicologia.
Natal
2017
ii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Valle, Luna Pinheiro.
Rede Juventude Viva do RN: enfrentamento ao genocídio da juventude / Luna Pinheiro Valle. - 2017.
148f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-Graduação em Psicologia, 2017.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva.
1. Rede Juventude Viva (Rio Grande do Norte). 2. Genocídio da juventude. 3. Plano Juventude Viva. I. Paiva, Ilana Lemos de.
II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 341.485(813.2)-053.6
iii
Aos jovens que lutam, seja pela vida já ameaçada
de outros jovens, seja contra a opressão em suas
diversas formas, seja pela própria sobrevivência
em meio a um mundo que lhes é hostil.
iv
Agradecimentos
À professora Dra. Ilana Lemos de Paiva, pela competência e dedicação com que me
orientou nesta caminhada, suscitando as reflexões mais valiosas desta pesquisa, bem como
pela paciência ao lidar comigo e com minhas limitações durante o percurso do mestrado.
À professora Dra. Candida de Souza, por ter inspirado esta pesquisa desde o seu
surgimento, com a sua própria dissertação de mestrado, tendo fornecido importantes
orientações também durante o meu percurso através do seminário de dissertações e pela
presença enriquecedora como avaliadora interna na banca de defesa deste trabalho.
À professora Dra. Marisa Feffermann, por ter contribuído na leitura atenta e nas
correções precisas deste trabalho em etapas anteriores, bem como por ter participado e
agregado reflexões valorosas como membro da banca examinadora desta investigação.
À professora Dra. Maria da Apresentação Barreto, pela acolhida, aprendizado
conjunto e companheirismo durante o estágio em docência.
Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN,
em geral, pela rica convivência e troca de experiências neste período, mas especialmente aos
do Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação, que humilde e generosamente trouxeram
importantes contribuições teórico-metodológicas para esta pesquisa.
Ao Observatório da População InfantoJuvenil em Contextos de Violência, por ter me
permitido vivências e discussões ímpares, além de me apresentar pessoas queridas. Destas,
preciso destacar Lua, Jena, Deyze, Daniela, Sophia, João P., Anna Luiza, Carmem e
Fernandinha, com os quais tive mais contato e que foram parceiros importantes em momentos
específicos. Dedico ao OBIJUV meus mais fortes “Fora Temer!” e “Não à redução!”, os quais
aprendi com vocês.
v
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por tornar viável esta pós-graduação,
fornecendo as condições necessárias ao bom andamento desta pesquisa.
À CAPES, pela bolsa de estudo fornecida, tendo resguardado a mim também o direito
à licença maternidade.
À Rede Juventude Viva do RN – e companheiros que conheci por meio dela – por ter
sido fonte preciosa de aprendizado político (com a militância pelos direitos das juventudes),
acadêmico e pessoal. Agradeço a cada um dos membros pela confiança em mim depositada,
pelo tempo que dedicaram a me dar entrevistas e procurar materiais que eu pudesse utilizar,
pela gentileza com que me ajudaram nesta empreitada e por lutarem por um mundo melhor
para nós todos.
À minha “a mãe”, Márcia Pinheiro, pois, se “um exemplo vale mais do que mil
palavras”, ela foi meu maior exemplo de pessoa (guerreira!), profissional, estudante, mulher e
mãe, tendo heroicamente fornecido toda a base emocional, moral, intelectual e material de
que precisei para chegar até aqui.
Aos meus filhos, Marina (primogênita e melhor amiga) e Jorge (o “gaiato” da casa
risos), por serem simplesmente o motivo maior de eu viver, os maiores amores do mundo.
Obrigada também por aguentarem o estresse de mamãe e esperarem eu “voltar” para vocês!
Ao meu companheiro, amor e melhor amigo, Emerson, com quem pude dividir todas
as dificuldades, responsabilidades e alegrias deste trajeto. Meu pretinho mais amado, você foi
e é minha luz!
Às grandes amigas Alda (vizinhamiga), Isadora (de infância), Cíntia (faculdade),
Priscilla (Ensino Médio), Allana (mestrado), Luana (Residencial Itamaraty), Juliana (amiga
do marido), Vera (sogra), e ao amigo Pedro, simplesmente por existirem em minha vida, mas
também por se fazerem tão presentes nestes últimos anos, tendo me ajudado com diversas
questões materiais e pessoais que atravessaram este mestrado.
vi
Às amigas mais chegadas de mestrado, Roberta, Rebecka, Mariana, Sarah, Arthemis e
Carol, pela companhia sempre agradável e leve, tornando os dias de mestrado coloridos
mesmo quando prometiam ser bem cinzentos.
Ao meu pai, Wigder Valle, por ter me ensinado a sempre buscar dar o meu melhor em
qualquer trabalho que eu realizar.
Ao meu avô, minhas avós, meus tios e tia, por cuidarem de mim também, de uma
forma ou de outra, especialmente: Nica, avó materna e segunda mãe; Toinho, pois foi o
primeiro a me despertar a crítica, a mostrar as opressões do mundo e a me falar de revolução;
Maristela, por ser para mim a tia mais prestativa e amorosa que já existiu; Márcio, meu
padrinho querido, “guru”, e que segurou a minha onda de ser uma mestranda grávida.
A todos os educadores (profissão mais linda do mundo!) com os quais tive, desde a
mais tenra idade, o prazer de conviver. Eles me ensinaram tanto a gostar de aprender, que hoje
quero educar também!
vii
Sumário
Introdução ............................................................................................................................... 10
1. Violência e juventude matável ........................................................................................... 16
1.1. O cenário de genocídio .................................................................................................. 16
1.2. Interpretando o injustificável ......................................................................................... 24
2. Ações por uma juventude viva .......................................................................................... 32
2.1. O poder público e a juventude ....................................................................................... 32
2.2. A sociedade civil em ação ............................................................................................. 44
3. Aspectos metodológicos ...................................................................................................... 58
3.1. Técnicas e procedimentos .............................................................................................. 58
3.2. Participantes .................................................................................................................. 63
3.3. Temas ............................................................................................................................ 66
4. Resultados e discussão ........................................................................................................ 70
4.1. O surgimento da Rede Juventude Viva do RN .............................................................. 70
4.2. A identidade da Rede Juventude Viva do RN ............................................................... 73
4.3. Recursos e infraestrutura: dificuldades e estratégias utilizadas..................................... 77
4.4. Abrangência das ações................................................................................................... 82
4.5. A Rede e o Plano Juventude Viva ................................................................................. 86
4.6. Participação, representação e representatividade .......................................................... 93
4.7. Resultados alcançados: a RJV RN como inspiração para o surgimento de novas Redes
............................................................................................................................................ 102
4.8. Desmobilização e esvaziamento da Rede Juventude Viva .......................................... 110
4.9. Desafios frente ao cenário político atual ..................................................................... 114
4.10. Apontando para novos horizontes: as ocupações e outras possibilidades de resistência
............................................................................................................................................ 118
5. Apontamentos à luz da teoria .......................................................................................... 123
6. Considerações finais ......................................................................................................... 133
Referências ............................................................................................................................ 144
viii
Resumo
O presente trabalho objetivou investigar a atuação da Rede Juventude Viva do RN (RJV RN)
no enfrentamento ao genocídio da juventude, mais especificamente: caracterizá-la no que se
refere à composição, objetivos e estratégias propostas para o enfrentamento ao genocídio da
juventude; caracterizar as ações que a Rede efetivamente articula e desenvolve frente a essa
realidade; identificar e problematizar limites e possibilidades no trabalho da Rede.
Resguardados os cuidados éticos, utilizou-se a observação participante, diários de campo,
entrevistas semiestruturadas e a análise de documentos para este estudo, do qual participaram
oito membros da RJV RN – tanto nas observações de reuniões internas e ações nas
comunidades quanto nas entrevistas. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de
conteúdo temática e a discussão destes está amparada, direta ou indiretamente, em reflexões
de tradição marxista. A RJV RN surgiu inspirada no Plano Juventude Viva (PJV), em meio a
mobilizações nacionais e locais, a coletivos e eventos em prol dos direitos da juventude, com
uma identidade mista, utilizando recursos de pequenas doações e pensando ações para todo o
estado. Integrou diversas iniciativas de/para/com juventudes e realizou várias ações, desde
incidência política pela adesão e implementação do PJV no RN, até formações envolvendo as
juventudes nas comunidades. Foi considerada como um modelo nacional no enfrentamento ao
genocídio da juventude. Recentemente sofreu um processo de desmobilização e
esvaziamento, estagnando suas atividades até o atual momento, devido a mudanças na
conjuntura política do país e fatores de organização e estruturação internas. No entanto,
apresenta possibilidades, desde sua reestruturação, retomada dos contatos com os parceiros,
retorno das reuniões e atividades até o alinhamento da pauta do genocídio às diversas outras
pautas e mobilizações emergentes no cenário nacional desde a sua criação etc.
Palavras-chave: Rede Juventude Viva; genocídio da juventude; Plano Juventude Viva.
ix
Abstract
This work aimed to investigate the Rede Juventude Viva do RN (RJV RN)’s acting in
confrontation of youth genocide, more specifically: to describe its composition, objectives and
proposed strategies to confront youth genocide; to describe actions effectively developed and
articulated by the Rede to this reality; to identify and discuss limits and possibilities in the
Rede’s acting. Guarded the ethical cares, participant observation, field diaries, semi-structured
interviews and document analysis were used for this study – in which eight members of RJV
RN participated in observations of meetings and interventions, as well as in the interviews.
The obtained results were submitted to thematic content analysis. The RJV RN arised inspired
by the Plano Juventude Viva (PJV), during national and local mobilizations, groups and
events about the young people’s rights, presenting a dual identity, using resources from small
contributions and thinking interventions for all the state. It integrated initiatives by/to/with
youths and realized a lot of actions, from political incidence for the PJV adherence and
implementation, to training involving young people in these communities. It was considered a
national model in confrontation of youth genocide. Recently it has undergone a process of
demobilization and emptying, stagnating the activities up to the present, because of
transformations in the national political situation and internal organizational factors.
However, it presents possibilities, from its restructuring, resumption of partners’ contacts,
return of meetings and activities, to the alignment between the genocide agenda and several
other agendas and emerging mobilizations in the national scene since its creation etc.
Keywords: Rede Juventude Viva; youth genocide; Plano Juventude Viva.
10
Introdução
Quando se fala em sequelas da “questão social1” nos países com grandes
desigualdades sociais, como o Brasil, é preciso ter em mente que pessoas com diferentes
faixas etárias, condições socioeconômicas, raças etc., são afetadas de maneiras diferentes.
Alguns grupos, como o composto pelas pessoas entre 15 e 29 anos (jovens, na classificação
do Estatuto da Juventude), no entanto, aparecem constantemente nas estatísticas como os que
mais sofrem com o desemprego, a defasagem e evasão escolar, o envolvimento com a
violência, como vítimas ou autores, entre outros índices de vulnerabilidade.
Embora igualmente denominados de jovens, e detentores dos mesmos direitos de
acordo com o Estatuto da Juventude, se trata de um grupo heterogêneo, cujo conceito
historicamente construído conta com determinações sociais, econômicas, culturais, de gênero,
cor etc. Sendo assim, é mais preciso se falar em “juventudes” (Abramo, 2005; Abramovay &
Esteves, 2007; Dayrell & Carrano, 2003; Dayrell & Gomes, 2005; Léon, 2005; Souza, 2012;
Souza & Paiva, 2012).
Dentre as diversas vulnerabilidades que afetam as juventudes do país, a vitimização
deste segmento por homicídios vem atingindo números cada vez mais alarmantes (Waiselfisz,
2014; 2015; Cerqueira et al., 2016; 2017; entre outros) e tem despertado o interesse de
estudiosos e autoridades. Configurando-se em um verdadeiro genocídio da juventude, este
fenômeno tem atingido principalmente jovens pobres e negros em todo o Brasil, tendo o Rio
Grande do Norte aparecido entre os primeiros lugares em termos de crescimento destes
homicídios nas últimas estatísticas (Hermes, 2014; 2015; 2016).
1 Entendida aqui como o conjunto dos problemas decorrentes da contradição entre capital e trabalho (Montaño,
2010; Oliveira & Yamamoto, 2010; Souza & Paiva, 2012; Santos, 2013, entre outros).
11
Importante para entender este cenário de genocídio, a história nos mostra que a
juventude foi, durante muito tempo, tida como um período de transição entre a infância e a
vida adulta, cuja transgressão era a marca mais evidente – o que, em tese, tornaria os jovens
mais propensos ao envolvimento com atividades ilícitas, com a violência e a subversão da
ordem social. Somadas a isso, teorias eugenistas e higienistas contribuíram para associar
pobreza e raça à periculosidade, de forma que o jovem preto e pobre passou a ser sinônimo de
delinquente em potencial (Abramo, 2005; Dayrell & Gomes, 2005; Souza & Paiva, 2012). As
marcas deixadas por estas concepções influenciaram o tratamento dado a esta população
(Castro & Abramovay, 2002), seja pela política pública, pela mídia, pela polícia ou mesmo
pelos pares.
Este cenário começou a se modificar um pouco durante o processo de
redemocratização do país. Um aumento das discussões em torno da condição juvenil se seguiu
às lutas sociais que culminaram na conquista da Constituição de 1988 e, mais especificamente
para o público infanto-juvenil, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, entre
outros marcos legais. Estas discussões se intensificaram a partir dos anos 2000, culminando,
em 2005, durante o governo Lula, na criação de um Conselho Nacional de Juventude
(CONJUVE), de um Plano Nacional de Políticas Públicas de Juventude, da Secretaria
Nacional de Juventude etc. (CONJUVE, 2006). Mais recentemente, em 2010, foi criada a
Proposta de Emenda Constitucional da Juventude e, em 2013, o Estatuto da Juventude, que
trouxeram a concepção de jovem como sujeito de direitos (Severo, 2014).
No mandato de Dilma Rousseff, ainda em 2013, foi criado o Plano Juventude Viva,
outro instrumento que visava à melhoria da vida dos jovens negros e negras da periferia do
país, voltado especificamente para o enfrentamento ao extermínio dessa população.
Integrando e articulando diversos programas e esferas da sociedade, esse Plano previa
também a atuação da sociedade civil a partir de uma rede virtual – a Rede Juventude Viva –
12
de divulgação de informações e eventos relacionados à temática da violência contra os jovens
(Secretaria-Geral da Presidência da República [SGPR] & Secretaria Nacional de Juventude
[SNJ], 2014).
Inspirada neste Plano, a Rede Juventude Viva do RN (RJV RN) surgiu em 2013. Por
ser uma iniciativa real (isto é, fora do meio virtual) de enfrentamento ao genocídio da
juventude no estado, diferenciava-se, no entanto, da Rede Juventude Viva proposta pela
política. Realizando reuniões presenciais, ações nas comunidades e pressão sobre o poder
público pela adesão ao Plano Juventude Viva, esta Rede foi a primeira iniciativa a adotar
como pauta central a questão do genocídio da juventude no Rio Grande do Norte. Ela se
desenvolveu em meio ao processo eleitoral de 2014, às discussões e votação da Proposta de
Emenda Constitucional 171/1993, em 2015, e teve suas atividades estagnadas paralelamente à
paralisação das atividades do Plano Juventude Viva neste mesmo ano, tendo tentado, sem
êxito, retomar as atividades em 2016.
Após o golpe parlamentar que culminou no afastamento definitivo de Dilma Rousseff
em agosto de 2016, a gestão do atual presidente, Michel Temer, adotou uma série de medidas
conservadoras que implicaram em perdas nos direitos conquistados ao longo de décadas pela
população. No que se refere à juventude, por meio da Lei 13.341/2016, ele extinguiu, entre
outros, o Ministério da Juventude, o que desarticulou as demais iniciativas governamentais
voltadas para os jovens.
Embora movimentos contra a exploração e a opressão existam no país desde os
tempos de colônia (Gohn, 2000), diante de todo esse panorama, a partir de 2013 as
reivindicações populares vêm se intensificando novamente, como no exemplo das Jornadas de
Junho. Os protestos expressaram a insatisfação dos brasileiros diante da condição das cidades
e dos serviços públicos prestados, da forma de fazer política no Brasil, entre outras queixas
(Movimento Passe Livre, 2013). Embora haja muitas pessoas não organizadas nas recentes
13
manifestações de rua, a articulação e mobilização desses momentos têm contado fortemente
com a presença dos movimentos sociais.
Os movimentos sociais emergem como desdobramentos sociopolíticos da “questão
social” (Duriguetto, Souza, & Silva, 2009), caracterizando-se por apresentar um projeto de
vida e de sociedade democrático, uma identidade compartilhada entre os membros e certa
permanência ao longo do tempo (Gohn, 2011; Sherer-Warren, 2014). Acredita-se que os
movimentos sociais foram decisivos na redefinição do papel do Estado e dos sentidos da
política no Brasil (Dayrell & Carrano, 2003). Além disso, podem contribuir para avanços na
política da cidadania que ultrapassam o limite institucional (Sherer-Warren, 2014).
Nesse sentido, embora atualmente estagnada, a experiência pioneira e híbrida da RJV
RN pode fornecer subsídios à discussão do trabalho em rede voltado à promoção dos direitos
da juventude, em especial ao enfrentamento do genocídio dessa população. Em primeiro
lugar, porque se desenvolveu e atuou na interface entre as políticas e ações institucionais e os
movimentos sociais, sofrendo influência das mudanças e conflitos que ocorreram nesses dois
âmbitos desde 2013. Em segundo lugar, porque a pauta do genocídio da juventude não foi
vencida – como nos mostram os crescentes índices de vitimização juvenil por homicídio – e
deve piorar com a aceleração e o aprofundamento da agenda neoliberal no país pela gestão do
presidente Michel Temer e o projeto conservador que está em curso, o que demanda a
retomada e/ou o surgimento de iniciativas que busquem a superação dessa realidade.
Sendo assim, o presente trabalho teve como objetivo central investigar a atuação da
Rede Juventude Viva do RN no enfrentamento ao genocídio da juventude, mais
especificamente: caracterizar essa Rede, no que se refere à sua composição, seus objetivos e
as estratégias propostas para o enfrentamento ao genocídio da juventude; caracterizar as ações
que a Rede efetivamente articula e desenvolve frente a essa realidade; e identificar e
problematizar limites e possibilidades no trabalho da Rede. Para tanto, foram utilizadas
14
observações participantes, diários de campo, entrevistas semiestruturadas e análise
documental.
Para as observações, a pesquisadora passou a fazer parte da Rede Juventude Viva do
RN como uma das integrantes, participando de reuniões e demais ações desenvolvidas pelo
coletivo, registrando impressões e acontecimentos em seis diários de campo. Para as
entrevistas semiestruturadas, foram convidados os oito integrantes mais atuantes na Rede
desde o início até o final da pesquisa de campo. Os documentos analisados foram registros de
reuniões, um relatório institucional do Plano Juventude Viva escrito pela articuladora da
política no estado e anais do IV Seminário sobre Realidades Juvenis – este, idealizado e
organizado pelo Centro Marista de Juventude Natal e iniciativas parceiras, em 2013.
Toda a investigação foi realizada mediante a submissão e aprovação do Comitê de
Ética responsável, tendo contado também com a assinatura do coletivo de um Termo de
Concessão de Materiais, bem como das assinaturas dos Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido e de Autorização para Gravação de Voz por parte dos participantes. O material
obtido a partir dos diários de campo e das transcrições das entrevistas foi submetido à análise
de conteúdo temática.
Para fins de melhor contextualização, o primeiro capítulo deste estudo, intitulado
“Violência e juventude matável”, trata das relações entre as juventudes e a violência no
Brasil. Na primeira seção, “O cenário de genocídio”, algumas visões acerca da juventude são
confrontadas com os índices de vitimização juvenil por homicídio, possibilitando visualizar
uma parte do cenário de extermínio simbólico e real de jovens no país. A segunda seção,
“Interpretando o injustificável”, busca reconstruir outra parte desse cenário através da
compreensão de elementos como o racismo e a criminalização da pobreza, que levaram ao
recorte do jovem pobre e negro como alvo de genocídio.
15
O segundo capítulo, de nome “Ações por uma juventude viva”, foca no tratamento
historicamente destinado à juventude no Brasil, também em duas seções. A primeira seção,
“O poder público e a juventude”, trata das principais políticas e programas voltados para
adolescentes e jovens, as concepções que carregavam e carregam e como exerceram e
exercem influência sobre a situação desse público. Já na segunda, “A sociedade civil em
ação”, pretendeu-se traçar um breve histórico das principais ações na sociedade civil, em
especial dos movimentos sociais, voltadas para a garantia de direitos da população em geral e
da juventude no Brasil.
O terceiro capítulo, “Aspectos metodológicos”, é dedicado a detalhar e justificar as
escolhas metodológicas, contendo referencial teórico, caracterização do campo de pesquisa,
participantes e instrumentos e técnicas de construção dos dados, além dos procedimentos de
análise. Ele está dividido em três seções, a saber: “Técnicas e procedimentos”;
“Participantes”; e “Temas”.
O quarto capítulo traz os resultados obtidos, com algumas reflexões, divididos nas dez
seções, ou temas, originados a partir da análise.
O quinto capítulo apresenta uma discussão mais aprofundada das reflexões iniciadas
entre os resultados.
Por fim, nas considerações finais, são trazidas as principais impressões e
apontamentos produzidos ao longo do processo de pesquisa.
Espera-se que este estudo possa ajudar a: discutir o trabalho da Rede, elucidando
potencialidades e impasses na sua atuação e contribuindo para planejar as ações diante das
necessidades identificadas; e ampliar o conhecimento científico acerca do enfrentamento ao
genocídio da juventude, apontando caminhos para a superação dessa realidade.
16
1. Violência e juventude matável
1.1. O cenário de genocídio
O cano do fuzil refletiu o lado ruim do Brasil,
nos olhos de quem quer, quem quer e me viu,
o único civil, rodeado de soldados
como se eu fosse o culpado...
(O Rappa)
No contexto atual do sistema capitalista, em especial em países de grandes
desigualdades socioeconômicas, como o Brasil, é visível a intensificação das sequelas da
chamada “questão social”. Diante desse quadro, caberia ao Estado, portanto, zelar pela
garantia dos direitos sociais. No entanto, o que vem acontecendo é que a dinâmica da
globalização prioriza o atendimento das necessidades do capital pelas políticas
governamentais, acima das necessidades humanas (Cortes, 2011). Para Cruz (2010), o ideário
neoliberal – como estratégia de acumulação do capitalismo contemporâneo – tem destruído os
direitos conquistados pelos trabalhadores, em especial os direitos sociais. Isso acontece
porque, de acordo com Santos (2013, p. 43), o neoliberalismo requer a existência de um
“Estado mínimo para o campo social”, o que ao mesmo tempo aumenta a obtenção de lucros,
as taxas de juros, as privatizações, o desemprego e as desigualdades sociais.
O Estado operacionaliza suas ações no campo social por meio das políticas sociais,
definidas por Yamamoto e Oliveira (2010) como as formas fragmentadas pelas quais incidem
nas diversas expressões da “questão social”. No Brasil, dentro da agenda neoliberal, as
17
políticas sociais vêm sofrendo processos de precarização e privatização. No primeiro, as
políticas são descentralizadas, passando a ser responsabilidade dos governos locais, e
focalizadas, tendo seus serviços destinados apenas às pessoas que comprovarem estar em
condição de pobreza. No segundo, há a transferência da responsabilidade por ofertar os
serviços à população, total ou parcialmente, para o mercado e para a sociedade civil. Nesse
último caso, o processo é chamado de “re(filantropização)” (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.
12).
Dentre as camadas mais pobres da população e, portanto, mais afetadas pela
intensificação da “questão social” no Brasil, a juventude tem atraído interesse de
pesquisadores, do Estado e suas políticas e da sociedade civil, por apresentar elevados índices
de desemprego, defasagem e evasão escolar, envolvimento em situações de violência e tráfico
de drogas e, mais recentemente, a intensificação da sua vitimização por homicídio. No que se
refere ao campo do trabalho – uma vez que são os atuais ou serão os futuros trabalhadores – a
juventude é impactada diretamente pelas novas configurações do mercado, o que se reflete na
qualidade dos trabalhos, na inserção, na garantia de direitos, etc. (Cortes, 2011).
Complementando essas informações, Gonçalves (2005) ressalta que o interesse pela
juventude vem à tona de tempos em tempos, acompanhando acontecimentos históricos,
episódios conflituosos envolvendo os jovens e que, dessa forma – em uma ligação entre os
excessos, necessidades de diferenciação dos jovens, e esses episódios – as ciências
contribuíram para, ao longo do tempo, reforçar no imaginário social a responsabilização da
juventude pelas mazelas sociais, em especial pela criminalidade urbana.
É importante destacar que o que será, aqui, tomado como juventude corresponde a um
conceito plural – ou seja, fala-se em “juventudes” – uma vez que fazem parte de uma
“construção sócio-histórica, cultural e relacional nas sociedades contemporâneas” (Léon,
2005, p. 10), que abarca grupos heterogêneos com uma diversidade de vivências e
18
oportunidades, e cuja construção de identidades e referências de sociedade conjuga fatores
como as classes sociais, a raça, o gênero, etc. (Abramo, 2005; Abramovay & Esteves, 2007;
Dayrell & Carrano, 2003; Dayrell & Gomes, 2005; Léon, 2005; Souza, 2012; Souza & Paiva,
2012). Afora todas as heterogeneidades, no entanto, os grupamentos juvenis parecem
apresentar características comuns, por exemplo, a busca pelo novo e por respostas para novas
situações, a esperança e a incerteza frente aos obstáculos (Abramovay & Esteves, 2007).
No Brasil, este segmento populacional abrange a faixa etária entre 15 e 29 anos de
idade, conforme adotado pelo Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE), pela Secretaria
Nacional de Juventude (SNJ), Estatuto da Juventude, entre outros, havendo neste espectro as
seguintes subdivisões: jovem-adolescente, de 15 a 17 anos; jovem-jovem, de 18 a 24 anos;
jovem-adulto, de 25 a 29 anos (Souza & Paiva, 2012). Apesar de atualmente termos uma
concepção complexa e multideterminada dessa fase da vida, a trajetória de construção do
conceito de juventude é atravessada por preconceitos, incoerências, limitações, etc. Como
aponta Abramo (2005), a juventude é definida no senso comum, na sociedade moderna
ocidental, como a fase que se inicia com as mudanças da puberdade e se encerra com a
entrada no mundo adulto (sair da casa dos pais, trabalhar, ter filhos, etc.). Além disso, de
acordo com Castro e Abramovay (2002), as primeiras definições de juventude guardavam a
dificuldade de abarcar pessoas com estatutos legais diferentes, porém, devem ser reconhecidas
como uma primeira tentativa de ruptura com a ideia de transição, de “estar por vir”. Cabe
aqui, portanto, fazer uma breve ilustração das diversas visões historicamente construídas
sobre juventude.
Uma sistematização proposta por Krauskopf (2003), citada por Abramo (2005), divide
as concepções sobre juventude em quatro tipos: a juventude como período preparatório; a
juventude como etapa problemática; o jovem como ator estratégico do desenvolvimento; e a
juventude cidadã como sujeito das políticas. A primeira dessas abordagens, a do período
19
preparatório, traz uma visão do jovem como “sujeito em preparação” (Abramo, 2005; Dayrell
& Gomes, 2005) e, portanto, coloca como central a educação nas ações voltadas para esse –
através do uso do tempo livre, esporte, lazer, voluntariado e serviço militar, principalmente
para as classes média e alta, na perspectiva de formação e trabalho. Essa visão se apoia em um
enfoque universalista, de homogeneização da juventude, e vigorou até os anos 1950, deixando
vestígios nos dias atuais (Abramo, 2005). Para esclarecer melhor a ideia de transitoriedade,
tem-se que:
Falar na característica da transitoriedade específica da juventude implica retomá-la a
partir do contexto da lógica de consumo, isto é: um período em que os sujeitos
teoricamente possuem as condições necessárias para ingressar na esfera da
produtividade no mercado, mas que, por uma razão ou outra, ainda estão “esperando”
que isto aconteça. (Souza & Paiva, 2012, p. 355)
Nesse sentido, também de acordo com Souza e Paiva (2012), ainda que a juventude,
de modo geral, carregue a ideia de período de moratória social, a forma como será vivenciada
é um processo multicausal e complexo, perpassado, principalmente, por questões ligadas à
classe social – determinando diferenças na inserção tardia ou não no mercado de trabalho,
bem como na construção ou não de um novo núcleo familiar, nas possibilidades de
qualificação profissional etc.
Outra perspectiva amplamente difundida no Brasil associa o jovem aos problemas que
ameaçam a ordem social (Abramo, 2005; Dayrell & Gomes, 2005), produzindo, para dar
conta disso, políticas de caráter compensatório voltadas para os grupos com características de
“vulnerabilidade, risco ou transgressão” (Abramo, 2005, p. 21), a saber, a juventude urbana
popular, cujos enfoques principais seriam a saúde e a segurança pública (drogadição, DST e
AIDS, gravidez precoce, envolvimento com violência, criminalidade e narcotráfico). Nasce
daí uma concepção generalizante e estigmatizante da juventude, que dominou dos anos 1980
aos anos 1990, e que impulsionou o surgimento de diversas ações, tanto por parte do Estado
20
quanto da sociedade civil, voltadas para a diminuição da violência (Abramo, 2005). De
acordo com Souza e Paiva (2012), tal visão sofreu influência das teorias racistas e eugênicas
da segunda metade do século XIX e, no Brasil em especial – acompanhando o processo de
acúmulo de riqueza e expansão da miséria proporcionados pelo capitalismo liberal no século
XX –, do movimento higienista da década de 1920.
Uma terceira visão aponta o jovem, ainda, como fator estratégico do desenvolvimento,
de formação de capital humano para enfrentar as desigualdades, com potencialidades frente à
exclusão social. Essa visão vem sendo cada vez mais difundida no Brasil nos últimos tempos
e está voltada para a “formação educacional e de competências no mundo do trabalho”
(Abramo, 2005, p. 21), no engajamento em ações sociais e de voluntariado, que aposta no
protagonismo juvenil, colocando de lado as dimensões de conflito e disputa dos jovens e, ao
mesmo tempo, depositando uma imensa carga de possíveis contribuições sobre os ombros
desses – colocando tal carga, inclusive, acima de suas demandas. Para tanto, dá certa
importância à participação da juventude na formulação de políticas, mas ainda não dá conta
de suas necessidades e direitos específicos (Abramo, 2005; Souza & Paiva, 2012).
Todas essas concepções, convivendo juntas, interferem na forma como a sociedade vê
os jovens, seja romantizando ou idealizando esse período, associando-o apenas à cultura, à
busca pelo prazer, à incompletude, ou mesmo a um momento difícil da vida, entre outras
possibilidades (Dayrell & Carrano, 2003). De forma complexa, a juventude pode ser tida
como uma qualidade, um ideal a ser alcançado, enquanto, ao mesmo tempo, a uma boa
parcela dos jovens são negadas as mínimas condições tanto de subsistência quanto de
participação, de “voz”, evidenciando a diferença de patamares de condições em que são
colocados os jovens ricos e os pobres (Abramovay & Esteves, 2007; Souza & Paiva, 2012).
Num último paradigma, o do jovem como sujeito de direitos (também mais presente a
partir dos anos 1990), abre-se a possibilidade de considerar o jovem como sujeito integral e
21
também como alvo de políticas articuladas intersetorialmente (Abramo, 2005). Adotar essa
concepção de juventude implica, acima de tudo, em superar todos os preconceitos e
considerar a diversidade de identidades juvenis, pois o reconhecimento e a valorização dessas
é que permitem proporcionar oportunidades iguais de vivências e acesso aos conhecimentos
produzidos em nossa sociedade (CONJUVE, 2006). Defende-se, aqui, que somente com essa
visão é possível criar propostas e implementar ações que visem verdadeiramente garantir uma
vida social plena aos jovens e a promoção de sua autonomia. Além disso, por concordar com
a colocação relativa à juventude de que “seu desenvolvimento integral é legítimo e de
interesse de todo o conjunto da sociedade” (CONJUVE, 2006, p. 7) é que esse paradigma será
o norte para as reflexões ao longo deste trabalho.
Apesar da sua importância, é preciso reconhecer a lacuna entre essa concepção de
juventude e a realidade de violência vivenciada pelos jovens brasileiros, com destaque para os
altos índices de vítimas de homicídio nessa população. Trazendo inicialmente um panorama
da população geral, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do
Ministério da Saúde, a quantidade de vítimas de homicídios no Brasil, contabilizadas em 2014
(59.627 pessoas), representava 10% de todos os homicídios na população mundial, o maior
índice dessas mortes – em números absolutos – no mundo (Cerqueira et al., 2016). Para se ter
uma ideia da gravidade desses dados:
No Brasil – país sem disputas territoriais, movimentos emancipatórios, guerras civis,
enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos, conflitos de fronteira ou atos terroristas –
, foram contabilizados, nos últimos quatro anos disponíveis, de 2008 a 2011, um total
de 206.005 vítimas de homicídios, número bem superior quando comparado aos
números dos 12 maiores conflitos armados acontecidos no mundo entre 2004 e 2007.
E ainda, esse número de homicídios brasileiro resulta quase idêntico ao total de mortes
diretas nos 62 conflitos armados desse período, que foi de 208.349. (Waiselfisz, 2014,
p. 33)
Quando se trata de mortes matadas com o uso de arma de fogo, houve um breve
sucesso nos primeiros anos após o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826 de 22 de dezembro
22
de 2003), no sentido de reduzir o arsenal clandestino e também de chamar a atenção da
sociedade para os riscos trazidos pelas armas de fogo. Porém, isso não impediu o crescimento
por volta de 387% de mortes matadas por armas de fogo na população total, de 2008 a 2012
(Waiselfisz, 2015).
No ano de 2011, o Brasil contava com uma estatística de 51,8 milhões de pessoas com
idades entre 15 e 29 anos, representando 26,9% do total da população. De acordo com
Waiselfisz (2014), esse número já foi maior, uma vez que os jovens correspondiam a 29% do
total de habitantes do país em 1980. Atribui-se essa redução no percentual à queda nas taxas
de fertilidade – que, por sua vez, provocou mudanças na forma da pirâmide populacional –
decorrente de processos de urbanização e modernização ocorridos no país. Paralelamente,
também houve um processo de queda dos índices gerais de mortalidade da população
brasileira e consequente aumento na expectativa de vida. Dessa forma, melhorava o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), sem que a isso, no entanto, correspondesse uma queda na
mortalidade entre jovens, que permaneceu com as taxas estagnadas durante o tempo e ainda
passou a apresentar novos padrões, deixando de ser epidemias as principais causas de mortes
na juventude e passando a ser as chamadas causas externas – compostas principalmente pelos
acidentes de trânsito e homicídios (Waiselfisz, 2014).
Pesquisas mais recentes apontam, de acordo com o Balanço de Gestão da Secretaria
Nacional de Justiça, para a preponderância de jovens entre os índices de homicídio, sendo
esses 53,4% do total de vítimas, dos quais 71,5% eram negros e 93,4% do sexo masculino
(Câmara dos Deputados, 2015). Outros dados de recorte por raça/cor em 2014 mostraram que
2,4 negros foram mortos, para cada não negro, em uma média nacional – em Alagoas, esse
número foi de 10,6 negros para cada não negro (Cerqueira et al., 2016). De acordo com
23
Hermes (2015), a maioria de negros entre as vítimas é um fato que, em geral, tem se repetido
no RN.1
No Rio Grande do Norte, o índice de homicídios contra a juventude cresceu mais de
400% entre 2004 e 2014, superando em crescimento as outras unidades federativas do país
(Cerqueira et al., 2016), De acordo com Hermes, Hermes e Neves (2016), o estado enterra
cinco jovens a cada dois dias, uma média de 912 por ano. Traçando um comparativo entre as
mortes de jovens (classificação do EJUV) e de adultos acima de 29 anos, tem-se que, entre
2013 e 2015, foram assassinados quase mil jovens a mais (2.264) do que adultos acima de 29
anos (1.311) (Hermes, 2015). No que se refere a mulheres jovens, morreram 64 vítimas de
crimes letais intencionais, entre 2012 e 2015, no RN (Hermes, 2016).
Ainda assim, mudanças vêm ocorrendo na configuração dos homicídios juvenis,
observando-se, concomitantemente, um processo de interiorização e disseminação, ou seja, os
índices de vitimização juvenil estão aumentando nos municípios menores e também se
disseminando por outras unidades federativas que não as que normalmente ocupavam as
primeiras posições nas estatísticas. Natal é um exemplo de capital que não constava entre as
primeiras posições do ranking, mas que subiu da 27ª para a 8ª posição entre 2002 e 2012
(Waiselfisz, 2014).
A partir desses dados, pode-se perceber a situação devastadora em que a juventude
brasileira e a juventude potiguar se encontram, mais especificamente os jovens do sexo
masculino, negros e pobres. Faz-se importante questionar que processos históricos levaram a
esse quadro e por que esse é o perfil das vítimas de homicídio no país.
1 Afora a predominância de homens entre as mortes, é preciso destacar que em média treze mulheres foram
assassinadas por dia, no país, no mesmo ano – tendo o RN crescido 333% entre 2004 e 2014 no número de
vítimas de feminicídio, por 100 mil habitantes –, apesar dos avanços de aparatos legais como a Lei Maria da
Penha (nº 11.340, de 2006) e a lei que torna o feminicídio um crime hediondo (nº 13.104, de 2015) (Cerqueira et
al., 2016).
24
1.2. Interpretando o injustificável
No fundo querendo estar à margem do meu pesadelo.
Estar acima do biótipo suspeito, nem que seja dentro de
um carro importado, com um salário suspeito,
endossando a impunidade à procura de respeito...
(O Rappa)
Em primeiro lugar, é preciso entender, de acordo com Waiselfisz (2015), que a
violência não é um fenômeno que possa ser explicado a partir de processos individuais, como
o temperamento ou o uso de substâncias psicoativas, mas como uma linguagem para lidar
com conflitos, desigualdades e injustiças, que emerge a partir da ausência de respostas por
parte das normas, políticas, justiça e polícia – as duas últimas, muitas vezes, oferecendo
tratamento diferenciado dependendo da vítima, do autor, da forma e do lugar da violência.
No artigo “A formação da barbárie e a barbárie da formação: a lógica por trás do
treinamento da PM”, Barros (2015), amparado por pesquisas e pelas falas de vários estudiosos
e profissionais da segurança pública, traz uma realidade de assédio moral e diversas
violências, desde desrespeito e humilhações até tortura física e psicológica, cometidas contra
os soldados na formação para policiais, sem que tenham liberdade de expressão para
denunciar tais abusos. Essa rigidez disciplinar é acompanhada de um treinamento deficiente –
que não raro leva a sérios acidentes – e uma formação por vezes inexistente em direitos
humanos. Tudo isso só contribui para aumentar a cultura de violência, na medida em que se
torna muito fácil para os futuros policiais interpretarem que a atitude agressiva e truculenta é
o esperado da sua ação nas ruas (Barros, 2015). Um retrato da perpetuação dessa cultura de
25
violência é a existência, no RN, de mais de 20 grupos de extermínio, além de pistoleiros,
justiceiros, etc. (Hermes, 2014).
No caso dos homicídios, a inclusão do termo “crimes com características de execução”
caberia em muitos dos relatos policiais, o que ajudaria a desmistificar a ideia de que tal
violência é aleatória e não fruto da intenção prévia de matar. Corroborando essa realidade,
observa-se ainda a prioridade da segurança pública que tem sido dada aos crimes contra a
propriedade e ao sequestro, em detrimento dos homicídios, por exemplo. Entre a população,
também se evidencia a banalização de ações criminosas, na medida em que as pessoas
começam a se dar ao direito de exercer, elas mesmas, sobre indivíduos envolvidos com drogas
e outras práticas ilegais, a justiça com a qual o Estado teria faltado (Câmara dos Deputados,
2015).
Wacquant (2014, p. 141) trata da produção da pobreza e da marginalidade urbana
como perpassados pelo triângulo classe-raça-Estado, sendo tanto a política social quanto a
política penal faces de uma só “política de pobreza na cidade”, cujo “vetor da penalidade
atinge preferencialmente as categorias situadas na base tanto da ordem de classes quanto das
gradações de honra”. Como exemplo disso, procedimentos jurídicos servem para a
reafirmação da ligação direta entre pobreza e criminalidade, na medida em que os moradores
das favelas e suas famílias são intimidados, aterrorizados pela polícia – por meio do uso de
dispositivos como o caveirão, os mandados de busca coletivos e os autos de resistência –, pois
são tidos por esta como suspeitos, ligados ao tráfico de drogas (Bicalho, Kastrup, &
Reishoffer, 2012).
Com relação ao envolvimento com o tráfico de drogas, mesmo sendo do conhecimento
dos jovens que o ingresso nesse aumenta de maneira significativa as chances de eles
morrerem ou ficarem feridos, de serem levados para o sistema socioeducativo ou para a
prisão, existe a necessidade de largar a escola cedo para trabalharem, seja a fim de garantir o
26
próprio sustento e de suas famílias, seja impulsionados pelo caráter dignificante atribuído ao
trabalho em nossa sociedade, ou ainda para conquistar liberdade, autonomia e bens de
consumo. Dessa forma,
Apesar dos aspectos negativos atribuídos à participação no tráfico (morte, violência
policial, punição pelos companheiros, etc), esses jovens atribuem um sentido positivo
que ultrapassa a aquisição de dinheiro e bens de consumo, relacionado ao poder e
respeito adquiridos na comunidade (mesmo por coerção e porte de armas de fogo) e o
acesso às mulheres. (Dimenstein, Zamora, & Vilhena, 2004, p. 6)
Ainda nesse sentido, para Faria e Barros (2011) é preciso reconhecer que adentrar no
tráfico é uma estratégia de sobrevivência entre escassas opções, posto que o mercado de
trabalho vem se tornando cada vez mais excludente e desigual para os jovens. Por outro lado,
a figura temida, protegida e idolatrada do traficante representa alguém que alcançou tanto o
reconhecimento social – pois é muitas vezes admirado como um herói, o provedor e protetor,
pela comunidade – quanto o sucesso financeiro e o padrão de consumo, dentro de uma
sociedade em que isso é muito valorizado. Por meio do trabalho, provavelmente esse jovem
teria condições mínimas de sobrevivência e não conseguiria atender ao apelo por consumo
existente na sociedade em que vive. Infelizmente, o pertencimento a grupos organizados ou
comandos como estratégia de sobrevivência ou afirmação em um contexto social desigual e
excludente está fadado ao fracasso, uma vez que nessa não são questionados estruturas e
valores que sustentam tal contexto, estando o jovem – ao fugir de uma morte social – cada vez
mais em vias de encontrar a morte definitiva (Dimenstein et al., 2004).
Ao mesmo tempo, a segregação urbana contribui para a criação de uma figura de
inimigo, do qual é preciso se defender, e “de um clima generalizado de insegurança, que se
expressa na violência real e imaginária” (Feffermann, 2013, p. 62). De acordo com Fefferman
(2013, p. 69), o jovem pobre, além de estar em um período de descobertas e de construção de
certezas como os demais, muitas vezes não encontra lugar no mercado de trabalho e possui
27
baixa escolaridade, o que contribui para esse ator se tornar a “vitrine dos conflitos sociais”,
sendo a ele atribuída, pela indústria cultural, toda a responsabilidade pelo desvio da ordem
social.
Complementando essas considerações, Cruz (2010, p. 132) aponta que:
há no Brasil uma forte relação de superposição entre classe social e o fato de ser
negro: as estatísticas dos presídios, dos adolescentes internos dos “centros
educacionais”, dos jovens que vivem nas ruas, dos mortos em “confrontos” com a
polícia ou da inserção precoce nos trabalhos mais desgastantes e mal remunerados,
revelam uma ampla dominância de negros.
Recentemente, pode-se citar o caso dos “rolezinhos”, episódios emblemáticos de
adolescentes sendo barrados ao entrar em shoppings centers por serem negros, pobres e da
periferia. Assim, “aos negros, gays e índios a existência do espaço público invoca a
permanência da vigilância estatal, da censura pública e das restrições políticas” (Câmara dos
Deputados, 2015, p. 28).
Todo esse cenário não se deu ao acaso e remonta a momentos históricos como o
regime da escravidão no Brasil, a continuada negação do racismo como pauta importante de
discussão durante o período da ditadura e as teorias de Cesare Lombroso e Nina Rodrigues,
que estabeleciam uma ligação entre traços físicos dos índios e negros e o “perfil criminoso”
(Câmara dos Deputados, 2015). Coadunando-se com essa posição, para Zamora (2012) é
possível desvelar muitas maneiras de oprimir pelo poder por meio da compreensão de raça e
racismo, sendo a primeira uma forma de agrupar pessoas com traços físicos observáveis em
comum, implicando em uma concepção – o racialismo – de que existem diferentes raças
humanas. Já o segundo, parte dessa divisão em raças e estabelece uma hierarquia entre elas,
expressa através de desigualdades políticas, culturais, sociais, etc., explicáveis, em tese, pelas
“diferenças biológicas” entre tais grupos – buscando justificar, por exemplo, a inferioridade
dos negros em relação aos brancos.
28
Zamora (2012, p. 568) traz, ainda, que o Brasil é “uma das maiores nações negras do
mundo” (citando uma pesquisa do IBGE de 2010), mas que, ainda assim, os negros não
gozam de uma equivalência no que se refere aos direitos sociais, sendo possível identificar
grandes desvantagens para essa população, posto que apresenta maiores índices de pobreza,
analfabetismo, dificuldade de acesso à escola e vem tendo uma diminuição na expectativa e
qualidade de vida. O racismo, aliado ao mito da democracia racial, tem ainda outras
consequências sobre as pessoas negras no que se refere à sua autoestima – estimulando uma
vigilância dessas para com suas próprias características físicas, a fim de invisibilizá-las –,
como também no sentido de desqualificar qualquer iniciativa de reagir à opressão e de
reivindicar ações que busquem equilibrar as desigualdades sociais. Nesse sentido, uma das
formas de combate ao racismo seria recuperar a história de resistência dos negros: um
combate que deve se dar tanto ao nível das formas mais sutis de opressão quanto dos atos
extremos como a discriminação direta, a violência e o genocídio, levando em consideração
que “uma coisa prepara, justifica e banaliza a outra” (Zamora, 2012, p. 567).
Enquanto, de um lado, os dados mostram que pessoas pobres e negras, com mais de 15
anos de idade, têm mais probabilidade de morrer vítimas de assassinato por arma de fogo –
constituindo um verdadeiro genocídio da juventude –, de outro, têm voltado à tona os debates
em torno da redução da idade penal, revelando um apelo ao endurecimento punitivo para a
população jovem (Paiva & Oliveira, 2014). Alguns dos argumentos utilizados a favor da
redução da idade penal defendem que os adolescentes são os maiores causadores dos atos
infracionais graves e que não são responsabilizados por esses atos (Medeiros, 2015) –
discursos falaciosos reforçados pela mídia por meio de reportagens sensacionalistas. Dessa
forma:
rever as visões sobre juventude ou a complicada relação entre as categorias juventude,
pobreza e violência torna-se pertinente principalmente neste momento, em que
29
retornam os discursos conservadores sobre os “desvios” dos jovens pela droga,
violência, envolvimento com a criminalidade ou comportamentos “antissociais”.
(Canetti & Maheirie, 2010, p. 580)
Assim, é possível perceber a existência de uma forma fragmentada de ver a realidade,
descolando o contexto desfavorável vivido pelo jovem e pelo adolescente, em especial o
pobre e negro, dos atos infracionais que venha a cometer – esquecendo, inclusive, que ele é
vítima constante da ação do tráfico e da polícia. De todo modo, é inegável que se instaurou
um contexto de insegurança generalizada em que a maior parte da população sai perdendo e
que requer providências urgentes por parte do poder público.
Sérios desdobramentos do processo de criminalização da pobreza também
influenciaram, ao longo das décadas, as políticas sociais voltadas para crianças e adolescentes
pobres no Brasil, e impactam diretamente o tratamento direcionado pelo Estado e pela
sociedade a esse público. As práticas assistencialistas e religiosas destinadas ao atendimento
infanto-juvenil, entre 1500 e 1822 (período em que as crianças escravas também
trabalhavam), a prática das Rodas dos Expostos, como instituição de atendimento às crianças
abandonadas e que perdurou até a década de 1950, e o Código de Menores de 1927 –
representando o primeiro momento em que o Estado passa a tutelar as crianças e adolescentes
– e 1979 foram marcos importantes por refletirem a longa passagem histórica de tutela à
punição e repressão dessa população (Medeiros, 2015).
Fruto de muitas lutas e pressão social, durante o processo de abertura política pós-
ditadura militar, em 1990, foi instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
inaugurando a Doutrina da Proteção Integral e entendendo essa população como sujeitos de
direitos em situação peculiar de desenvolvimento (Abramo, 2005; Castro & Abramovay,
2002; Medeiros, 2015; Severo, 2014). Embora tenha representado um grande avanço nas
políticas com relação aos momentos anteriores, na sua efetivação – e no imaginário social – o
30
Estatuto ainda encontra muitos obstáculos a serem vencidos. A visão do “delinquente”, que
permanece criminalizando o adolescente pobre, estende-se também à juventude entre 18 e 29
anos, que não é amparada pelo ECA. O crescimento dessa cultura punitiva faz da juventude
alvo da produção de “racionalidades, programas e projetos que darão conta dos perigos que o
tempo livre representa” (Batista, 2012, p. 3). Nesse esforço, vitimização e criminalização
andam juntos, assim como prevenção e repressão são tidos como sinônimos (Batista, 2012).
Em março de 2015, foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo
de investigar, em um prazo de 120 dias, o genocídio de jovens negros e pobres no Brasil, suas
causas e consequências. Tal empreitada se deu por meio de 40 reuniões da Comissão de
Parlamentares, entre audiências públicas e debates, tendo contado com a presença e as
contribuições de mais de 420 atores dos movimentos sociais, da academia, autoridades e
especialistas. Tais momentos tiveram a responsabilidade compartilhada e a escuta ativa como
instrumentos utilizados para permitir o aprofundamento e o contato com a realidade das
comunidades mais pobres. No relatório, os parlamentares posicionaram-se contra a redução da
maioridade penal, apresentando diversos argumentos e, ao final, trouxeram ainda as propostas
de: implantação de uma política de atendimento às famílias das vítimas jovens de homicídios;
criação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens e de um Fundo
Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Superação do Racismo e Reparação de Danos;
aperfeiçoamento institucional das forças de segurança pública; e deslocamento de
competência das investigações de genocídio da juventude que não foram resolvidas em
âmbito local para o âmbito Federal. De acordo com esses parlamentares, há “falta de
sistematização e organização, em nível nacional, das políticas públicas que deveriam estar
disponíveis nos territórios onde mais pode ser observado o fenômeno da violência contra
jovens negros e pobres” (Câmara dos Deputados, 2015, p. 10).
31
Ainda sobre a mesma investigação, pessoas de diversos segmentos da sociedade
atribuíram a criação de um “cenário de medos e incertezas” (Câmara dos Deputados, 2015, p.
21) a alguns fatores de relevância, sendo os principais: a escassez de políticas públicas de
nível básico, bem como a sua presença apenas formal e a falta de avaliação dos serviços
prestados por essas; o racismo material e simbólico, cujas estratégias atualmente se adaptam
“à evolução do arcabouço normativo” (p. 22), além do racismo institucional, principalmente
por parte da polícia (que historicamente tem absorvido os preconceitos raciais e os reproduz
em sua prática profissional); e o sensacionalismo da mídia, que, muitas vezes, nas notícias,
omite fatos e os distorce ou aumenta de modo a perpetuar um “estereótipo do negro bandido e
perigoso” (p. 48). Nesse processo, além de não conseguirem acessar as políticas públicas de
qualidade de assistência, trabalho, escola, cultura e lazer, os jovens ainda encontram adultos
que, diante da sua falta de perspectiva para o futuro, conseguem cooptá-los para a prática de
crimes, oferecendo em troca recompensas passageiras (Hermes, 2014).
Tomando como base o que foi sinalizado – tanto pela sociedade quanto pelos
estudiosos –, nos dois últimos parágrafos, acerca da centralidade das políticas públicas na
questão do genocídio da juventude, cabe aqui fazer uma breve descrição das principais
políticas e programas que vêm sendo desenvolvidos especificamente para atender o público
jovem, bem como discutir os limites e possibilidades que tais iniciativas apresentam na
resolução de alguns problemas que afetam a juventude pobre brasileira.
32
2. Ações por uma juventude viva
2.1. O poder público e a juventude
Eu sei, cansa
Quem morre ao fim do mês:
Nossa grana ou nossa esperança?
Delírio é equilíbrio
Entre o nosso martírio e nossa fé
(Emicida)
As políticas públicas formuladas, no Brasil, até a década de 1980, guardavam um
caráter de adequação dos jovens à normalidade ou de prestação de serviços ou bens a esses.
Com um enfoque na manutenção desse público em escolas, sob a guarda da família ou do
Estado e nas instituições para jovens em conflito com a lei, a lógica por trás dessas políticas
estava em proteger a sociedade de “orientações indesejáveis dos jovens, como transgressão e
rebeldia” (Castro & Abramovay, 2002, p. 19). No entanto, apesar desse caráter geral, as
políticas para a juventude apresentaram especificidades em cada década no país.
Ainda de acordo com as mesmas autoras, até os anos 1960, é possível observar uma
preocupação nas políticas com o “saneamento social”, tendo como exemplo maior o Código
de Menores de 1927, em que o jovem pobre ainda era visto como um infrator em potencial.
Nesse sentido, tanto para fins de enquadramento moral e social quanto servindo a um
propósito desenvolvimentista da nação, tais códigos inspiraram ações de educação e uso do
33
tempo livre, com forte caráter profissionalizante, dirigidas a esses sujeitos – em especial a
partir dos anos 1950, mas que reverbera como preocupação até os dias atuais. Vale ressaltar
que o recorte da juventude alcançado nesses períodos era principalmente o de jovens até 17
anos, posto que houvesse poucos programas abarcando sujeitos acima dessa faixa etária
(Castro & Abramovay, 2002).
Entre os anos 1960 e 1970, as atenções do Estado estiveram voltadas para a relação
juventude e segurança, em especial na contenção e controle político-ideológico – pela
ditadura – dos jovens de classe média integrantes do movimento estudantil. A partir dos anos
1970, se intensificando ao longo dos anos 1980, o surgimento de movimentos e manifestações
populares urbanos e rurais também inspiraram forte ação de controle estatal. Ainda nessa
última década, ganhou destaque a preocupação com o desemprego entre os jovens e as
relações entre juventude e drogas, juventude e violência. Por fim, a década de 1990 traz como
marca o fortalecimento dos grupos identitários, como o de mulheres e os étnicos-raciais,
impulsionando a construção de políticas e de equipamentos no Estado específicos para
segmentos como o da juventude (Castro & Abramovay, 2002).
Paralelo a tal processo, as autoras ainda sinalizam uma difusão de concepções
negativas sobre a juventude – já historicamente tida como sinônimo de violência, curiosidade,
aventura e transgressão –, carregadas de estigmas e estereótipos. Diante desse quadro, existem
grandes desafios para a construção do que Castro e Abramovay (2002) chamam de políticas
“de, para e com” juventudes, tais como: tentar superar a ideia de jovem como aquele que está
em fase de transição (que está por vir a ser), bem como a dicotomia transgressão x esperança;
compreender os jovens dentro de seu contexto sócio-histórico e econômico, de suas vivências,
relações sociais e oportunidades; entender as juventudes em suas diversidades, e não como
um grupo único e homogêneo; e contemplar a participação política dos jovens, entendendo-os
34
como sujeitos de direitos e objeto tanto de políticas universais quanto específicas, com suas
próprias vontades e desejos.
Operacionalmente falando, ainda segundo Castro e Abramovay (2002), a educação é
um dos pontos a ser reforçado, posto que a juventude mais pobre, com grandes índices de
defasagem escolar, tem ficado de fora da cobertura desse segmento das políticas, o que
contribui para que (junto com o fator desemprego) venha aumentando o número de jovens que
não estudam nem trabalham. Para tanto, é preciso também reforçar a qualidade do ensino e
das condições de trabalho dos professores, bem como acompanhar as relações sociais no
ambiente escolar.
De acordo com estas autoras, vale ressaltar que essa situação se torna ainda mais grave
para as mulheres jovens, uma vez constatado pelas mesmas autoras que o casamento, ou ter
filhos, é um fator que influencia as mulheres, mais do que os homens, a deixar os estudos.
Tais limitações podem ser mitigadas com políticas de atendimento materno-infantis para as
jovens mães.
Outro ponto crítico a ser trabalhado é o das múltiplas violências vividas pelos jovens
nos mais diversos contextos, em especial a violência institucional, principalmente dirigida aos
jovens negros, pobres e moradores das periferias. Nesse sentido, não exclusivamente, mas
com grande importância, no sentido preventivo, existe a necessidade de investimento em
políticas e ações de lazer, esporte e cultura – o que também contribui para preencher lacunas
deixadas pelo poder público que, por diversos motivos financeiros e simbólicos, são
exploradas pelo tráfico (Castro & Abramovay, 2002).
No entanto, para garantir sua efetividade, é preciso que essas políticas: não sejam
impostas (os jovens como atores); sejam integradas, bem divididas (trabalho, estudo, lazer,
esporte, saúde, cultura), compondo uma rede entre sociedade civil e poder público; abriguem
35
perspectivas de gênero e raça; e sejam transparentes, sensibilizem a sociedade e promovam
ações afirmativas acerca das desigualdades sociais, fomentando pesquisas e atribuindo fatores
e papéis a diferentes atores (Castro & Abramovay, 2002).
Pesquisas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), desde 1997, trazem, ainda, como proposições dos jovens para a política pública:
ações de participação social e comunitária nas esferas da escola (grêmios estudantis), igreja,
meio ambiente, política (com palestras e debates, além da presença de estudiosos em políticas
públicas); melhorias quanto à infraestrutura, reformulação e adequação de projetos
pedagógicos, capacitação de profissionais, desenvolvimento de ações de esporte, lazer, cultura
e comunicação, integração com o posto de saúde, etc.; investimento em uma cultura de paz e
segurança social através de formação, de ações preventivas quanto ao porte de armas e à
qualificação da polícia, democratização das discussões acerca da juventude (em especial sobre
drogas), seja em forma de debates, projetos, programas, cursos ou outras atividades nos
diversos espaços e meios de comunicação; melhoria nos espaços e serviços de saúde
(privilegiando temas como gravidez na adolescência, DST e AIDS e direitos sexuais);
ampliação do acesso ao primeiro emprego e redução da jornada de trabalho, além de
iniciativas voltadas para qualificação e o incentivo a empreendimentos de caráter individual
ou coletivo, rurais ou urbanos; entre outras (Castro & Abramovay, 2002).
Com relação aos demais países da América Latina, que desde 1985 buscavam ampliar
a discussão acerca dos direitos dos jovens, só mais tarde, na década de 1990, o Brasil
começou a implementar programas para a juventude. É possível encontrar contribuições à
discussão acerca dos direitos da juventude em outros instrumentos legais, tais como o Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a Lei Orgânica de Saúde (de nº 8.080/90, que
estabelece o Sistema Único de Saúde), a Lei Orgânica da Assistência Social (nº 8.742/93), a
36
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (nº 9.394/96) e o Código Civil Brasileiro
(Severo, 2014). Porém, quase 15 anos após a aprovação do ECA, a partir de 2004, é que ações
mais concretas começaram a ser implementadas especificamente para a juventude, como a
construção de uma Política Nacional de Juventude, a Secretaria Nacional de Juventude, o
Projeto Juventude – uma pesquisa em caráter nacional que visava traçar um perfil dos jovens
do Brasil –, a 1ª Conferência Nacional de Juventude, entre outros (Souza, 2012).
Logo após as eleições de 2002, em que assumiu a presidência, pela primeira vez, Luiz
Inácio Lula da Silva, o debate em torno da juventude se tornou mais forte em vários espaços.
Esse debate se intensificou entre 2004 e 2005, com a criação de uma Frente Parlamentar e de
uma Comissão Parlamentar de Juventude da Câmara dos Deputados – sendo esta responsável
por propor um Plano Nacional de Políticas Públicas de Juventude. Como consequências de tal
mobilização, surgiram também a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de
Juventude (CONJUVE, 2006).
Principal referência governamental na temática da juventude, a Secretaria Nacional de
Juventude (SNJ) passou a integrar as ações com foco no público juvenil, atuando em diálogo
com a sociedade civil (movimentos, grupos juvenis, entre outros) e também na articulação
com os Ministérios e demais Secretarias, com vistas à construção de programas. A SNJ, em
colaboração com o Conselho Nacional de Juventude, promoveu a realização da 1ª
Conferência Nacional de Juventude (SGPR, SNJ, & CONJUVE, 2011)
Contando com atores da sociedade civil que pudessem representar a diversidade
juvenil, especialistas nas temáticas que perpassam a juventude e membros em geral do poder
público, o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) iniciou suas atividades em 02 de
agosto de 2005 – lei nº 11.129/2005, regulamentada pelo Decreto Presidencial nº 5.490 de
julho do mesmo ano. O CONJUVE buscava, primeiramente, disputar, nas diferentes esferas
37
da sociedade, o reconhecimento e a legitimidade da temática juvenil e, então, propor e avaliar
políticas públicas de juventude – possuindo, no entanto, caráter consultivo, sem
governabilidade sobre essas políticas. A partir daí, fruto dos estudos e reflexões acerca de
dados, diagnósticos e experiências de políticas públicas voltadas para a juventude por parte
dos membros desse Conselho, foi publicada, em 2006, uma Política Nacional de Juventude.
(CONJUVE, 2006).
Ainda em 2004, a Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude
(CEJUVENT), criada na Câmara dos Deputados, realizou diversas Audiências Públicas de
Conferências Estaduais de Juventude, desencadeando na já citada 1ª Conferência Nacional de
Juventude em 2008, que contou com 400 mil participantes e 22 propostas prioritárias para a
Política Nacional de Juventude. Esse evento proporcionou o encontro de diversas iniciativas
relacionadas à juventude e foi um marco para a formulação de políticas públicas para esse
público no Brasil, tendo fornecido subsídios ao Plano Nacional de Juventude, à Proposta de
Emenda Constitucional 65 e ao Estatuto da Juventude (SGPR, SNJ, & CONJUVE, 2011).
O Plano Nacional de Juventude consistia em um conjunto de metas a serem cumpridas
em dez anos para a melhoria de vida dos jovens brasileiros. Com contribuições colhidas por
meio de mais de 30 audiências públicas, da Semana Nacional de Juventude e da Conferência
Nacional de Juventude, esse Plano tinha como alguns de seus objetivos incorporar os jovens
ao desenvolvimento do país, responsabilizar o Estado pelas políticas públicas de juventude,
articular os diversos atores da sociedade na formulação dessas políticas, construir espaços de
diálogo e convivência para os jovens, entre outros. Para tanto, foram estabelecidas algumas
prioridades, como a erradicação do analfabetismo juvenil, a universalização da educação
gratuita de nível médio, o incentivo ao empreendedorismo juvenil, a promoção de atividades
preventivas na área de saúde etc. (CEJUVENT, 2004).
38
Consistindo no marco legal mais significativo nesse processo, a chamada PEC da
Juventude (promulgada em 2010) passou a atribuir responsabilidade constitucional a quem
violentar, oprimir ou discriminar o jovem – incluindo-o como sujeito de direitos no Artigo
227 da Constituição –, tendo sido primordial para a própria implementação do Estatuto da
Juventude. O Estatuto, por sua vez, teve seu sancionamento de forma tardia, pois, embora seja
fruto de uma proposta de lei construída em 2004, só ocorreu em 2013, tendo enfrentado
impasses de ordem legal e política – lentidão que refletiu a não implicação por parte de
setores políticos e governamentais e também a dificuldade em conciliar em um documento os
diversos conflitos de interesses e ideológicos (Severo, 2014).
Embora a versão inicial do Estatuto agregasse direitos civis que já constavam na
constituição de 1988, não abrangendo uma série de outros problemas e situações vividos pelos
jovens, é preciso ressaltar a importância de um “marco regulatório que integre e dê
perspectiva de longo prazo a um projeto de inclusão social e de desenvolvimento nacional
para os jovens” (Severo, 2014, p. 2), sem o qual as políticas se apresentariam desintegradas e
descoladas do contexto social. Foi o que ocorreu no Brasil, uma vez que as políticas para a
juventude chegaram antes da legislação específica e, assim, estavam muito ligadas aos
problemas com a violência envolvendo jovens (Severo, 2014).
Se, por um lado, a proposta de lei de 2004 funcionou como uma mola propulsora para
criação da Secretaria Nacional de Juventude, do Conselho Nacional de Juventude e de
programas de inclusão social como o Primeiro Emprego, por outro, o Estatuto da Juventude
não propõe intervenções sobre os contextos de vulnerabilidade em que os jovens estão
inseridos. O Estatuto apresenta, ainda, lacunas no que se refere à temática da gravidez na
adolescência, à inclusão no mundo do trabalho sem atribuir unicamente ao jovem a
39
responsabilidade por sua geração de renda, às infrações cometidas pelos jovens e às violências
sofridas por esses (Severo, 2014).
A mesma lei do Estatuto da Juventude (nº 12.852/2013) institui também o Sistema
Nacional de Juventude (SINAJUVE) –, cujo ponto mais significativo reside na valorização da
participação da juventude em negociações nacionais e internacionais e, em geral, na
construção de uma sociedade mais igualitária (Observatório das Favelas, 2012). Outros
programas, frutos da reformulação da Política Nacional de Juventude, visavam integrar ações
nas áreas de educação, esporte, saúde e cultura. O ProJovem, como exemplo de um dos
programas mais difundidos, tinha como objetivos ampliar a escolaridade e a formação
profissional utilizando-se, para tanto, de uma ajuda de custo para os jovens.
Especificamente no sentido de prevenir a violência letal contra adolescentes e jovens,
uma das iniciativas foi o Programa de Redução da Violência Letal (PRVL), de 2007, fruto da
articulação entre o Observatório de Favelas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e o
Laboratório de Análise da Violência (LAV-UERJ), cujos objetivos principais foram a
mobilização da sociedade, a elaboração de indicadores para o monitoramento e a identificação
e difusão de metodologias de enfrentamento da violência contra o público em questão. Dentro
dessa iniciativa, o Guia Municipal de Prevenção à Violência Letal Contra Jovens e
Adolescentes destaca o papel estratégico e central dos municípios, na medida em que detêm
as informações sobre a população e o território, perfis das vítimas, causas das mortes etc.,
necessárias à elaboração de um diagnóstico da realidade para posteriores intervenções, como
também da parceria entre os municípios pertencentes à mesma Região Metropolitana.
É preciso reconhecer também que o problema da violência letal contra adolescentes e
jovens não é algo que possa ser resolvido em curto prazo, mas deve contar com ações
40
contínuas de prevenção, tais como: participação das famílias no processo educativo, formação
continuada dos educadores, programas habitacionais e de distribuição de terras, cooperativas
profissionais, etc. É importante destacar que os índices de violência letal contra os jovens
refletem dinâmicas e processos que começam a se desenvolver em idades anteriores, o que
justifica intervenções e políticas públicas preventivas que atendam as diferentes idades
(Observatório de Favelas, 2012).
Diante da continuidade dos índices alarmantes de letalidade juvenil, o Governo
Federal – sob responsabilidade compartilhada da Secretaria Nacional de Juventude, da
Secretaria-Geral da República e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial –
criou o Plano Juventude Viva. Visando atuar na prevenção à violência contra os jovens, o
Plano apontava o combate ao racismo, o respeito à diversidade e a garantia de direitos dessa
população como elementos essenciais. Ele reconhecia os homicídios como principal causa das
mortes de pessoas entre 15 e 29 anos no Brasil, atingindo principalmente “jovens negros do
sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos”, sendo
esse o público alvo prioritário das ações (SGPR & SNJ, 2014, p. 6).
O Plano Juventude Viva tinha como marcos propulsores a Política Nacional de
Juventude (de 2006), a Primeira e Segunda Conferência Nacional de Juventude (2008 e 2011,
respectivamente) e a criação do Estatuto da Juventude (sancionado em 2013), já mencionados
anteriormente. O Plano era organizado em quatro eixos: o primeiro era o de “desconstrução da
cultura de violência”, seja ela física ou simbólica, considerando que a violência contra a
juventude negra já se encontra de diversas formas naturalizada e que, portanto, devem ser
criadas novas maneiras de pensar e agir diante dessa população. O segundo, “inclusão,
oportunidade e garantia de direitos”, visava combater também o racismo que tem
historicamente afastado os jovens negros dos serviços públicos, por meio da sua inserção
41
produtiva em empregos que apresentem boas condições de trabalho, além da sua qualificação.
“Transformação de territórios” era o terceiro eixo, que deveria atuar reforçando a presença do
poder público e, assim, dos diversos serviços de saúde, educação, esporte, lazer e cultura, em
áreas consideradas de maior vulnerabilidade à violência. Por fim, o quarto e último eixo,
“aperfeiçoamento institucional”, tinha maior enfoque no enfrentamento ao racismo
institucional tanto dentro dos serviços públicos (e que afetam os servidores) quanto das
instituições para com a população (SGPR & SNJ, 2014).
O Plano se constituía de forma descentralizada, tanto na medida em que se relacionava
com outros programas e serviços quanto ao atribuir responsabilidades às esferas federal,
estadual e municipal, bem como à sociedade civil – ao mesmo tempo buscando respeitar a
autonomia de cada uma delas. Para a efetivação das ações do Plano, era prevista também a
indicação de jovens negros ligados à Secretaria Nacional de Juventude para atuarem como
articuladores das diversas esferas envolvidas (SGPR & SNJ, 2014).
Apesar de todas essas políticas e programas, reconhece-se, concordando com Santos
(2013, p. 73), que:
a participação juvenil se limita a um pequeno espaço no interior das estruturas
burocráticas do poder instituído, não havendo incentivo à proposição e ou criação de
espaços próprios à atuação juvenil (...) os jovens, embora sendo reconhecidos como
sujeitos de direitos, permanecem tendo sua capacidade de ação comprometida, uma
vez que esta será restrita aos modelos e estruturas pré-existentes do mundo adulto.
Além disso, ainda para essa autora, a entrada do jovem no mundo adulto, em especial
no mercado de trabalho, continua a se dar de forma precarizada e reprodutora de uma
condição de subalternidade, processo em boa parte condicionado por uma aprendizagem
voltada para o mercado, e não para as necessidades da juventude.
42
Fazendo um balanço de dez anos de políticas públicas para a juventude (de 2005 a
2015), mesmo reconhecendo os avanços e conquistas nos marcos legais durante os governos
de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, é necessário observar que tais ações não se
consolidaram como políticas de Estado (Castro, 2016). Somado a essas considerações, mais
recentemente o cenário nacional passou por mudanças nas configurações políticas que
trouxeram consigo retrocessos em diversos âmbitos da sociedade, implicando em perdas
importantes no que se refere aos direitos sociais conquistados ao longo da história, em
especial os direitos da juventude.
Tais perdas para a juventude ocorreram ainda durante o governo Dilma Rousseff, com
a medida provisória nº 717, de 16 de março de 2016, assinada pelo então vice-presidente
Michel Temer que, entre outras medidas, extingue o Ministério da Juventude, transferindo
suas competências, bem como a própria Secretaria Nacional de Juventude, para o Ministério
da Justiça e Cidadania. Após o golpe parlamentar, no mesmo ano, que destitui Dilma
Rousseff da Presidência da República, há a aceleração e o aprofundamento da agenda
neoliberal no país – a exemplo de medidas como a PEC 241 (PEC 55 no Senado)1 (Castro,
2016) – e o novo presidente Michel Temer transforma a Medida Provisória nº 717 na Lei
13.341, de 29 de dezembro de 2016.
Antes do golpe, já estávamos diante de um contexto de políticas compensatórias,
focalizadas e de caráter emergencial, que não conseguiam dar respostas satisfatórias à
vulnerabilidade em que a juventude brasileira se vê imersa. Agora, com a nova conjuntura, as
possibilidades apresentadas pelas políticas públicas, no sentido de contribuir para que a
concepção de jovem como sujeito de direitos seja uma realidade, são praticamente
1 Essa proposta previu o congelamento de gastos com saúde e educação por 20 anos, tomando como teto o
orçamento mais a inflação do ano anterior.
43
inexistentes. Cabe nos perguntarmos, portanto: que outras iniciativas e atores poderiam entrar
em cena e contribuir para que a juventude brasileira esteja de fato na condição de sujeito de
direitos e de participação política, objeto de proteção por parte do Estado e agente de sua
própria história?
No tocante à sociedade civil, o Plano Juventude Viva previa a criação da Rede
Juventude Viva, que visava “à conexão de atores de diferentes segmentos da sociedade que
atuavam na defesa da vida da juventude, em especial da juventude negra”, partindo do que era
proposto no Plano para realizar a divulgação de notícias, informações, editais, eventos etc.,
relacionados à temática do enfrentamento à violência contra a juventude negra (SGPR & SNJ,
2014, p. 13). No Rio Grande do Norte, surgiu, inspirada naquela, a Rede Juventude Viva do
RN, com uma configuração própria, realizando reuniões e desenvolvendo tanto ações na
comunidade quanto de pressão do poder público pela adesão e efetivação do Plano Juventude
Viva nos municípios, sendo a primeira iniciativa no estado do RN a adotar como pauta central
a questão do genocídio da juventude.
Embora a Rede tenha sido inspirada por uma política pública – o Plano Juventude
Viva, que acompanhando as mudanças sofridas na política pública de juventude, teve suas
atividades paralisadas –, em suas ações e composição teve como marca mais forte as
organizações da sociedade civil. Para compreender a complexidade desse coletivo e
identificar seus limites e possibilidades no enfrentamento ao genocídio da juventude, portanto,
faz-se necessário primeiramente conceituar o que neste trabalho será tomado como sociedade
civil, apresentando também elementos históricos e reflexões acerca das organizações
populares de cunho reivindicatório, dando prioridade aos movimentos sociais no Brasil.
44
2.2. A sociedade civil em ação
Negro entoou um canto de revolta pelos ares,
no Quilombo dos Palmares, onde se refugiou...
(Mauro Duarte)
Para Gramsci, a sociedade civil é uma dimensão da vida social na qual os interesses
das classes estão representados (e se confrontam); trata-se da arena na qual lutam por
hegemonia – que é composta por diversas organizações, a exemplo dos sindicatos, partidos,
igrejas, movimentos sociais, entre outros. A sociedade civil representa, por meio “do
exercício da dominação de classe pelo exercício do convencimento” (Montaño & Duriguetto,
2011, p. 45), um momento do Estado. Esse, por sua vez, tomado por Gramsci de forma
ampliada, e não apenas como aparelho de repressão da burguesia na manutenção de seu
domínio, incorpora em seu seio a luta de classes, mas adota novas funções, ao justificar e
manter o seu domínio também por meio do consentimento daqueles que governa (Montaño &
Duriguetto, 2011).
Nesse sentido, ainda de acordo com esses autores, importa para Gramsci a criação de
uma “hegemonia das classes subalternas” (p. 48), que só é possível à medida que,
incorporando uma dimensão educativa, essas classes conquistem uma unidade, uma direção
político-ideológica crítica, com uma práxis articulada. Dessa forma, transformando-se no
próprio Estado, alcançariam o propósito revolucionário na sociedade de extingui-lo, criando
um novo “bloco histórico” (Montaño & Duriguetto, 2011, p. 49). Tomando como base essas
concepções, seguem-se algumas considerações sobre os movimentos sociais e uma pequena
45
contextualização histórica das mais importantes disputas travadas com a sua participação na
arena da sociedade civil, no Brasil, até o ano de 2016.
Os movimentos sociais “sempre existiram (...) e sempre existirão”, porém são parte de
uma experiência que “recria-se cotidianamente, na adversidade de situações que enfrentam”
(Gohn, 2011, p. 336). Para Duriguetto et al. (2009), é a partir das contradições capitalistas e
da “questão social”, seu desdobramento sociopolítico, que se dá a emergência e o
desenvolvimento dos movimentos sociais.
Eles são caracterizados por apresentar uma identidade, um opositor e um projeto de
vida e sociedade compartilhado, que seja verdadeiramente democrático, com certa
permanência ao longo do tempo. Os movimentos têm dado contribuições na organização e
conscientização da sociedade, bem como no processo educativo dessa e de seus membros,
com demandas aliadas a práticas de pressão, com a luta por sustentabilidade, inclusão e
diversidade, tematizando e redefinindo a esfera pública, realizando parcerias com outras
entidades etc. (Gohn, 2011).
Um movimento social guarda um caráter sociopolítico nas suas ações coletivas e pode
envolver atores de diversas camadas sociais, que se posicionam frente aos conflitos e outras
disputas sociais a partir dos repertórios que criam sobre tais temas, tendo construído e
compartilhado uma identidade através da solidariedade entre os membros do grupo. Envolve,
assim, um conjunto de práticas sociais (fazer), fundamentado em um conjunto de ideias
(pensar), consistindo, portanto, em uma práxis social dos homens atuando na história cuja
dinamicidade é conferida por meio das lutas sociais (Gohn, 2000).
Ainda de acordo com a autora, os movimentos sociais apresentam a característica
importante de se desenvolverem em espaços não institucionalizados, nem na esfera pública e
nem na esfera privada. Cabe diferenciá-los, ainda, como nos propõem Montaño e Duriguetto
46
(2011), das mobilizações sociais, uma vez que estas não guardam o caráter de estabilidade dos
movimentos, extinguindo-se quando concluídas; e das ONGs, posto que seus agentes são, em
geral, alheios às necessidades, interesses ou reivindicações dos sujeitos, que, nos movimentos,
se mobilizam por respostas frente a realidades diretamente relacionadas à sua identidade.
No Brasil, tal qual em outros países da América Latina, os movimentos sociais
atuaram de forma decisiva para redefinir o papel do Estado e os sentidos da política (Dayrell
& Carrano, 2003). Nas palavras desses autores, esses movimentos “combateram na prática
social a lógica perversa da histórica combinação entre crescimento econômico e produção de
pobreza” (p. 12), confrontando uma realidade apontada por Duriguetto et al. (2009), de que,
em meio à modernização capitalista, as ações do Estado voltadas para as classes
subalternizadas se deram sob a lógica do clientelismo, do paternalismo e da exclusão,
deixando historicamente a participação popular de fora das decisões políticas.
Assim, é possível constatar a existência de movimentos contra a dominação e a
exploração no país desde os tempos de colônia, sendo que, nessa época, a maioria dos
esforços nesse sentido foi empreendida por negros escravos e pela plebe, ou “ralé”. Dentre as
mais famosas lutas nesse período, estão as conhecidas Zumbi dos Palmares (1630-1695),
Inconfidência Mineira (1789), Revolução Pernambucana (1817), Canudos (1874-1897), entre
outras. Com a virada do século, o advento da República e a substituição dos escravos pelos
trabalhadores assalariados, processou-se uma “incipiente industrialização e a formação de um
proletariado urbano” (Gohn, 2000, p. 16), trazendo ligas, uniões, associações de auxílio
mútuo etc., como formas de luta e resistência dos trabalhadores. De acordo com Montaño e
Duriguetto (2011), um dos fatores cruciais para essa configuração foi a vinda de operários da
Europa, que trouxeram consigo a experiência política e ideológica adquirida no contato com
as lutas da classe operária nos seus países.
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Assim, no início do século XX, em especial nas duas primeiras décadas, foram
crescentes as reivindicações dos partidos operários diante da não garantia de direitos básicos,
apesar da forte repressão dos governos oligárquicos à atividade política dos sindicatos
(Montaño & Duriguetto, 2011). Revoltas da população por serviços urbanos, contra políticas
locais ou por melhores condições de moradia e de trabalho foram comuns, a exemplo da
Revolta da Vacina (1905), da Revolta da Chibata (1910) e da greve de 1917 em São Paulo. Já
nos anos 1920, destacaram-se ainda as lutas e movimentos da população pertencente às
camadas médias, bem como de militares, movimentos de messiânicos e cangaceiros, além de
lutas pela educação (Gohn, 2000).
Apesar de ter sido resguardado o direito de associação sindical a todas as profissões
desde 1907, o Estado não deixou de investir em cooptar e controlar os trabalhadores
organizados, razão pela qual criou, em 1921, o Conselho Nacional do Trabalho. Esse controle
do movimento operário, por meio da limitação de suas atividades e recursos e da definição
desses como colaboradores do Estado, no entanto, só foi consolidado depois de 1931, quando
foi criado o Ministério do Trabalho e a Lei de Sindicalização (Montaño & Duriguetto, 2011).
A Revolução de 1930, articulada pela classe burguesa, foi crucial para o surgimento de
uma nova época no Brasil, buscando inserir o país como produtor não mais apenas agrícola,
mas de bens e produtos industrializados, o que contribuiu para o surgimento de uma classe da
burguesia industrial e de uma massa de trabalhadores vindos do campo para a cidade. É
também a partir daí que o Estado promulga leis trabalhistas, assim como Ministérios,
secretarias e outros órgãos cujos olhares estavam voltados para a “questão social” (Gohn,
2000). A autora cita também diversos movimentos sociais entre 1930 e 1937, como os tão
conhecidos Marcha Contra a Fome (1931) e a criação da Aliança Libertadora Nacional
(1935), até que o Golpe do Estado Novo, do ex-presidente Getúlio Vargas, conseguiu
48
controlar através da repressão os conflitos sociais. De 1942 em diante, há o surgimento de
Sociedades Amigos de Bairros, como consequência da urbanização nas capitais do país.
Entre 1945 e 1964, fase do regime político populista no país, houve efervescência de
movimentos sociais, posto que a redemocratização local, somada ao desenvolvimento da
sociedade de consumo em âmbito internacional, “criaram espaços favoráveis aos projetos
nacionalistas e de desenvolvimento nacional” (Gohn, 2000, p. 17). Durante esse período,
Montaño e Duriguetto (2011) destacam também a organização de movimentos de
trabalhadores rurais, que historicamente ficaram de fora em relação às conquistas trabalhistas
do proletariado urbano.
Compunham esse cenário, ainda, a vinda das multinacionais, alianças entre a
burguesia nacional e internacional e o surgimento da classe operária dos metalúrgicos no
ABCD paulista. Essa conjuntura preparou o terreno para a eclosão de diversas greves entre
1961 e 1964, no Brasil, além da criação de movimentos no campo, precursores dos atuais
sem-terra, e na área da educação, como o Movimento de Educação de Base (MEB) e a União
Nacional dos Estudantes (UNE) (Gohn, 2000).
O momento mais emblemático dessas lutas, no entanto, foi realizado no dia 13 de
março de 1964, com a presença de mais de duzentos mil trabalhadores, e teve como resposta
das camadas médias tradicionais a chamada Marcha pela Família, com Deus e pela Liberdade,
no dia 31 do mesmo mês e ano, sendo essa o marco inicial do período autocrático burguês no
país (Montaño & Duriguetto, 2011). O golpe civil-militar de 1964 – acompanhando a onda de
ditaduras militares na América Latina – dificultou significativamente a mobilização e
organização dos movimentos, por meio de severa repressão e restrição dos direitos humanos e
políticos, restando o segmento dos estudantes como uns dos poucos que ainda resistiam.
Durante o regime militar, muitos líderes da esquerda foram mortos em luta armada, enquanto
49
as camadas médias da sociedade brasileira se beneficiavam do consumo de bens
industrializados, do acesso à casa própria e até mesmo de novos empregos (Gohn, 2000).
Apesar de toda a repressão, não deixaram de ocorrer diversas manifestações visando o
fim da ditadura militar no Brasil, como a Passeata dos Cem Mil (em junho de 1968) e outras
ações (sequestros, assaltos, expropriações, etc.) empreendidas por movimentos como o
Movimento Revolucionário 8 de Outubro, Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR),
entre outros. Além disso, diversos outros segmentos da população – artistas, intelectuais,
advogados, etc. – se uniram em ações de contestação na segunda metade dos anos 1970, sob a
pauta geral da luta pelas liberdades democráticas (Montaño & Duriguetto, 2011).
Ainda a partir de 1974, quando o “milagre brasileiro” entra em crise, os movimentos
contra o regime passaram a se rearticular a partir de setores como as Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs), que tinham como base a Teologia da Libertação, organizando as pessoas em
torno de reivindicações por direitos à saúde, aos transportes, às vagas nas escolas, etc.,
servindo de apoio também às greves no país entre 1978 e 1979, que foram o pontapé para a
rearticulação dos sindicatos dos trabalhadores, por meio da Associação Nacional de
Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS) – esta última deu origem à Central dos
Movimentos Populares, em 1993 (Gohn, 2000). Montaño e Duriguetto (2011), ainda sobre o
final dos anos de 1970, situam um processo de difusão em massa das demandas e das lutas
dos sindicatos, dando início ao chamado “novo sindicalismo” no país.
Dentro dessa nova configuração, também de acordo com esses autores, surgiu a
Central Única dos Trabalhadores, em 1983, tornando-se referência para a organização e
atuação dos trabalhadores, dado o seu papel no debate político do país, a filiação dos
sindicatos a essa, a sua participação na fundação do Partido dos Trabalhadores e do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as diversas manifestações que fomentou
50
durante a década de 1980 etc. Aliada a esses fatores, a morte do regime militar em 1984 deu
início a um período de mobilizações de outros atores (como as mulheres e os índios) por leis,
que culminou em uma nova Constituição (Gohn, 2000).
Muitas dessas reivindicações não apresentavam exatamente uma identidade de classe,
o que é característico, segundo Martins e Mendonça (2010), dos chamados Novos
Movimentos Sociais – que ganharam maior expressividade na década de 1990, como
vertentes do movimento feminista, de orientação sexual, de raça, entre outros. Ainda de
acordo com esses autores, tais movimentos diferem dos clássicos por não se dirigirem contra
o núcleo do capitalismo, mas à superação das dificuldades trazidas pelo modo de vida nesse
sistema.
De acordo com Dayrell e Carrano (2003), o processo da Constituição Federal de 1988
contribuiu para provocar um efeito cascata nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas
Municipais. Esses autores também destacam as lutas populares urbanas por direitos sociais no
período pós-ditatorial, ressaltando que no rol dos movimentos da década de 1980 cabe incluir
os de juventude, tanto os de caráter estritamente político quanto os ligados à cultura, buscando
mostrar as suas especificidades como sujeitos ativos, e não exclusivamente como
consumidores.
A fim de desconstruir imagens e certezas construídas a partir da forma como os jovens
se apresentaram na cena pública na década de 1990, os mesmos autores apontam que a
participação juvenil não se restringiu aos movimentos estudantis ou à militância junto aos
partidos políticos, ainda que muitas vezes as outras formas de participação tenham passado
despercebidas – exemplos dessas são mobilizações contra a fome, por qualidade de vida e do
meio ambiente, ou mesmo a criação e gestão de ONGs por jovens. Um evento que evidenciou
51
tal diversidade foi o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (em fevereiro de 2002),
agregando mais de 20.000 jovens do Brasil, América Latina e Europa. Assim:
Durante a década de 80 e 90 os jovens tomaram as ruas em vários momentos, tomando
parte ativa em decisões nacionais como a campanha pelas Diretas Já e o impeachment
do presidente Fernando Collor de Mello. Além dessas mobilizações, em vários
momentos grupos juvenis, mais ou menos numerosos, vieram a público pelos mais
diferentes motivos, desde a demanda por passes livres de ônibus até questões mais
gerais como o repúdio do acordo com a Associação do Livre Comércio (ALCA). Mas
grande parte dessas mobilizações ocorreu com significativa independência das
organizações juvenis tradicionais e sempre tiveram um caráter descontínuo, onde os
momentos de visibilidade foram sucedidos por momentos de latência, não sendo vistas
como expressões válidas de ações políticas. (Dayrell & Carrano, 2003, p. 18)
Os estilos culturais dos jovens que participavam da cena pública, na década de 1990,
eram os mais diversos (punks, roqueiros, funkeiros, etc.), muitos dos quais, como os rappers,
desenvolviam ações comunitárias nos seus bairros. Mesmo dentro de cada segmento desses,
no entanto, é importante ressaltar que não há homogeneidade, posto que as próprias
influências e referências internas e externas dos jovens variam, podendo haver práticas
intolerantes e agressivas entre os membros. Ainda assim, os estilos podem ser tidos como
formas de resistir à despersonalização e fragmentação da sociedade, possibilitando aos jovens
visibilidade, pertencimento e solidariedade, assim como podem também ser compreendidos
como redes sociais, uma vez que congregam questões universais com relações locais, numa
compreensão própria do contexto em que estão inseridos (Dayrell & Carrano, 2003).
O período de intensas mobilizações foi, no entanto, seguido pelas consequências da
agenda neoliberal dos países periféricos nos anos 1990 – desemprego e flexibilização de
contratos, expansão da economia informal, entre outros –, levando à nova desarticulação dos
movimentos sociais (Gohn, 2000) e a uma “crise do sindicalismo de classe”, transformando-
se em um “sindicalismo de parceria” (Montaño & Duriguetto, 2011, p. 244). Nesse quadro, de
fim do consumo fácil para as camadas médias e de piora da recessão, surgiram novos atores
52
em cena – que deixaram de lado as lutas por direitos e contra a exclusão, para lutar pela
inclusão e integração dos excluídos criados pelo sistema – do agora chamado “terceiro
setor”,2 repleto de complexas e diferentes configurações no fenômeno chamado de novo
associativismo (Gohn, 2000).
Montaño (2010) ressalta o papel de articuladoras e captadoras de recursos para os
movimentos sociais que as Organizações Não Governamentais (ONGs) – pertencentes ao
“terceiro setor” – assumiram desde a sua constituição e, mais expressivamente, após a década
de 1970. Esse autor ressalta, no entanto, que as ONGs não passavam de coadjuvantes dos
movimentos nas diversas lutas contra a opressão empreendidas, sendo estes os verdadeiros
atores principais. Tais papéis, porém, começam a se modificar no Brasil na década de 1990
(Montaño, 2010).
Essa mudança de foco foi usada das mais diversas formas pelos teóricos, desde colocar
tais organizações como sinônimos dos movimentos, passando por desqualificá-los como
iniciativas ultrapassadas, até qualificar o “terceiro setor” como a forma moderna de
associativismo na sociedade. Ainda nos anos 1990, com a crise das esquerdas, os paradigmas
hegemônicos colocavam como tarefa política a inclusão dos pobres e excluídos – que, por sua
vez, haviam chegado a tal condição devido ao processo de reestruturação do mercado de
trabalho –, por intermédio de políticas sociais compensatórias ou práticas que buscassem a
justiça social e a equidade. Dentre as principais categorias em uso, nesse período, estavam as
de cidadania coletiva e globalização (Gohn, 2010).
2 O conceito aqui é usado entre aspas, uma vez que, conforme nos aponta Montaño (2010), foi gestado em meio
a “visões segmentadoras do real” – em tradições do pensamento distantes do referencial teórico-metodológico
comprometido com a transformação da realidade – e é extremamente funcional ao “atual processo de
reestruturação do capital” (p. 16).
53
Acerca ainda da conjuntura social nos anos 1990, no campo do associativismo, há o
surgimento de novos tipos de movimentos, a emergência de movimentos como o MST e os
que lutam pelas diferenças, a atuação em redes, a maior consciência ambiental, a entrada de
novos atores do “terceiro setor” (que não só as ONGs), como também o surgimento de novas
políticas com caráter fiscalizatório e clientelista. Em resumo:
Disso tudo resulta um cenário contraditório em que convivem entidades que buscam a
mera integração dos excluídos, por meio da participação comunitária em políticas
sociais exclusivamente compensatórias, com entidades, redes e fóruns sociais que
buscam a transformação social por meio da mudança do modelo de desenvolvimento
que impera no país, inspirados em um novo modelo civilizatório no qual a cidadania, a
ética, a justiça e a igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis.
(Gohn, 2010, p. 48)
De acordo com Gohn (2010, p. 54), “na América Latina, a noção de democracia
deliberativa surge como um caminho ou um modelo ideal normativo que busca dar conta das
novas exigências e condicionalidades que se colocam na relação Estado-sociedade na fase
pós-ditatorial desse continente” e traz consigo temas como pluralidade/diversidade,
desigualdade e equidade, além do conceito de sociedade civil. Ou seja, havia uma política
deliberativa operando no processo democrático por meio da opinião pública e da vontade
coletiva, cuja expressão “seria dada em processos reflexivos realizados por movimentos
sociais, associações, partidos, grupos sociais, etc., construindo um modelo dialógico de
intervenção pública” (Gohn, 2010, p. 55).
Tal como sinalizado nesse estudo, no mesmo cenário, alguns movimentos tiveram
mais condições de se organizar enquanto outros tiveram perda na sua força política junto à
população – em função do descrédito em que caíram os políticos em diversos países. Tal
fragilidade, no caso do Brasil, em uma das explicações possíveis, foi atribuída ao que seria
um processo de institucionalização das práticas sociais organizadas por meio dos
54
movimentos, de cooptação dos seus líderes pelos aparelhos do Estado e suas políticas sociais
compensatórias.
Duriguetto et al. (2009) também destacaram a institucionalização das ações dos
movimentos sociais, na segunda metade da década de 1980 – vistas como estratégicas, tanto
para a consecução de direitos e cidadania, quanto para a participação da população no
processo de construção de políticas públicas (também destacada por Dayrell e Carrano, 2003,
como uma das marcas da democracia deliberativa). Além disso, destacaram o desmonte do
Estado na regulação da economia e dos mesmos direitos conquistados, devido à ofensiva
neoliberal a partir de 1990, despolitizando e fragmentando as lutas e movimentos populares
através da sua submissão à lógica do mercado.
Também é possível apontar como características do chamado novo associativismo no
Brasil: o voluntarismo da ação coletiva, buscando resolver os problemas sociais por
intermédio da mobilização e do engajamento das pessoas; e o presentismo/pragmatismo, que
vê esses problemas como produto apenas do seu local imediato, negando a dimensão política
e histórica deles. Mais recentemente, esse associativismo começou a mudar suas
configurações, tendo ressurgido a visibilidade e centralidade de alguns movimentos, que, por
sua vez, estão cada vez mais plurais, sejam com relação às suas causas, demandas, ou mesmo
por seus projetos e formas de ver o mundo (Gohn, 2010).
Gohn (2011) sinaliza, ainda, sobre as organizações do “terceiro setor”, que se
fortaleceram na primeira década deste milênio, provocando uma diminuição no aspecto
reivindicativo ou crítico que guardavam antes. Outros atores presentes no cenário do
associativismo brasileiro dessa época – fundações, bancos, redes do comércio e da indústria,
etc. –, aprofundaram esse processo. Com recursos financeiros diversos (privados e públicos),
colocando como seu público-alvo as populações tidas como vulneráveis e utilizando conceitos
55
como empoderamento e protagonismo social, desenvolviam projetos com prazos e metas
(Gohn, 2011).
Não obstante o recente protagonismo das ONGs no país, não deixaram de ocorrer
revoltas populares, nos anos 2000, envolvendo a participação dos movimentos sociais, sendo
boa parte delas disparadas por questões relacionadas à mobilidade urbana. De acordo com o
Movimento Passe Livre (2013), à medida que a ordenação do espaço urbano e as
possibilidades de circulação das pessoas ficam subordinadas à circulação do valor, uma
parcela da população é excluída do direito de ir e vir, o que gera movimentos de resistência,
como foram a Revolta do Buzu (em Salvador, 2003), a Revolta da Catraca (em Florianópolis,
2004), além de plenárias, encontros e mais manifestações em Vitória (2006), Teresina (2011),
Natal (2012) etc.
Com o discurso do direito à mobilidade como central no acesso a outros direitos
básicos, e tendo conseguido impedir o aumento das passagens de transporte público em
algumas das cidades em que ocorreram mobilizações, toda essa movimentação culminou nas
chamadas Jornadas de Junho, em 2013 (Movimento Passe Livre, 2013). Iniciadas com a
presença de cerca de quatro mil pessoas, no dia 6 de junho daquele ano, em São Paulo, que
em duas semanas já agregavam por volta de 1,4 milhão de pessoas distribuídas em 120
cidades brasileiras (Pechanski, 2013), sendo a maioria dos manifestantes jovens de classe
média (Maricato, 2013).
Ainda que se possa relacionar, de forma geral, esses protestos às más condições das
cidades (Maricato, 2013), Vainer (2013) sinaliza a estreita relação entre eles e o grande
investimento urbano relativo à Copa do Mundo de 2014, apontando também a forte repressão
governamental e midiática aos movimentos como tentativas de abafar qualquer mobilização
56
que pudesse “manchar” a imagem do país, tão em evidência em função do evento esportivo.
Apesar de toda a repercussão das Jornadas, ocorreu que:
Na manifestação de 20 de junho, a direita mostrou uma face dupla: grupos neonazistas
serviam para expulsar uma esquerda desprevenida, enquanto inocentes “cidadãos de
bem” de verde-amarelo aplaudiam. O número de participantes no país foi o maior até
então. Mas começou a cair logo em seguida. A mudança ideológica dos protestos
coincidiu com uma queda abrupta do número de manifestantes. O movimento que
começara apartidário se tornava então antipartidário. (Secco, 2013, p. 128)
Novas reivindicações ocorreram ainda nesta década, em meio ao já citado processo
que culminou no golpe parlamentar que destituiu a até então presidenta Dilma Rousseff. De
acordo com Jinkings, Doria e Cleto (2016), esse processo se iniciou com o lançamento – pelo
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do até então vice-presidente Michel
Temer – do plano intitulado “Uma ponte para o futuro” e com a acusação movida pelo então
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, dirigida à presidenta Dilma, de crime
de responsabilidade relativo à lei orçamentária e à lei de improbidade administrativa
(conhecido popularmente como “pedalada fiscal”). Iniciado em 29 de outubro de 2015,
seguido pela saída do PMDB do governo, em março de 2016, o processo de impedimento teve
sua aprovação no plenário da Câmara em abril desse mesmo ano, por intermédio de votação
dos parlamentares – boa parte dos quais, réus em processos e indiciados por corrupção –,
tendo sido aprovado no Senado Federal, em maio de 2016 (Jinkings et al., 2016).
Apesar da evidente ilegitimidade desse impedimento e das numerosas e populosas
reivindicações pró-democracia a que o Brasil assistiu entre 2013 e 2016, nem todas as
manifestações foram a favor dela. A inserção da alta classe média na militância política por
meio de mobilizações, já anunciada em 2013, foi apontada por Boito (2016) como um dos
fatores fundamentais para a “caminhada até aqui vitoriosa da grande ofensiva neoliberal
restauradora” (p. 27). Esse segmento de pessoas, de acordo com Amaral (2016), dizia-se
57
contra a corrupção e, portanto, a favor da saída do Partido dos Trabalhadores do Governo,
muitas pedindo inclusive a volta da ditadura militar. A autora destaca, ainda, a ligação entre
movimentos nessa ala da população, em especial o Movimento Brasil Livre (MBL) e os
partidos da direita política do Brasil.
Essa polarização pode ser mais bem compreendida se, tal como nos propõe Boito
(2016), a remetermos aos conflitos de classes, levando em consideração que, se por um lado, a
política dos dois últimos governos petistas investia nas grandes empresas nacionais – em
detrimento do capital internacional –, buscava melhorar as condições de vida das classes
populares e contemplar as demandas dos movimentos negro, feminista e LGBTs, por outro
lado, boa parcela da burguesia brasileira objetivava a irrestrita abertura ao capital
internacional, a venda de estatais, o corte de gastos com serviços públicos etc. (Boito, 2016).
Diante desses fatos históricos, das considerações conceituais e reflexões apresentadas,
e considerando que a atual conjuntura influencia e é influenciada pelas manifestações
populares de cunho reivindicatório – e, consequentemente, pelos movimentos e redes de
movimentos sociais –, passaremos à descrição do processo de investigação da Rede Juventude
Viva do RN.
58
3. Aspectos metodológicos
3.1. Técnicas e procedimentos
Para alcançar os objetivos propostos, foi utilizada a observação participante, descrita
por Flick (2007) como ato de “mergulhar de cabeça” no campo, destacando o seu desenho
flexível e compatibilidade na combinação com outros métodos, o interesse pelo “aqui e
agora”, e o esforço compreensivo na busca pela profundidade e pelos sentidos nas interações
entre as pessoas. Em geral, a observação participante é um processo de fácil apropriação, que
permite capturar a perspectiva interna a um grupo em situações interessantes e variadas
(Flick, 2007) e que apresenta outras vantagens como a observação do fenômeno de forma
direta, inteira e na sua complexidade, no momento em que ele ocorre (Valles, 1999).
A pesquisadora realizou observações na condição de participante como observadora.
Sendo assim, passou a integrar a rede investigada, desempenhando atividades como os demais
membros. Escolhida por ser uma forma da observadora partilhar e participar de
acontecimentos importantes para a Rede Juventude Viva do RN, estabelecendo um contato
em profundidade com o grupo, essa condição ao mesmo tempo evitou imersão total no
campo, ajudando a manter o distanciamento necessário ao desvelamento dos processos
envolvidos nesta pesquisa. As observações também contaram com o auxílio de registros em
diário de campo. Esses, por sua vez, foram feitos após a saída do local em que ocorreram as
atividades, para evitar constranger os participantes observados.
O diário de campo tem como vantagem a possibilidade de contrastar o observado com
o escrito e de auxiliar na reformulação de questões não tão bem resolvidas no desenrolar da
59
pesquisa, consistindo num registro vivo que serve não só para recordar os eventos, mas
também para auxiliar na interpretação e análise dos dados (Valles, 1999).
As situações de observação foram reuniões internas e ações nas comunidades,
momentos em que a Rede esteve desenvolvendo discussões, reflexões e atividades referentes
ao enfrentamento ao genocídio da juventude na região metropolitana de Natal. Para tanto, foi
realizada uma breve exposição da proposta de pesquisa para o grupo escolhido, sendo
omitidos apenas aspectos que pudessem interferir nas respostas comportamentais dos
participantes a ponto de prejudicar a confiabilidade do estudo. Estava prevista a possibilidade
de os participantes sentirem desconforto em saber que estavam sendo observados, bem como
em saber da existência dos registros de campo. Tal etapa não pôde sempre contar com o uso
de salas privativas (apenas nas reuniões internas), já que houve ações em espaços abertos ao
público.
Também foram realizadas entrevistas, definidas como encontros regidos por regras
que determinam o nível de interação em cada circunstância (Valles, 1999), “conversas com
finalidade” que permitem tanto a obtenção de dados mais objetivos ou concretos (que
poderiam ser obtidos por meio de outras técnicas) quanto de dados subjetivos dos
entrevistados (Minayo, 2013). A escolha pelo uso de entrevistas nesta pesquisa tem a ver com
suas várias vantagens, uma das quais, descrita por Araújo e Canto (2010), é poder fazer parte
de qualquer etapa do processo de investigação. Outra vantagem apontada pelos mesmos
autores é a de que essa técnica pode ser utilizada tanto como veículo principal das
informações quanto como complementar a outras técnicas, destacando-se a observação
participante – a combinação entre esta e as entrevistas também é recomendada por outros
autores, como Minayo (2013). Tem-se ainda como vantagem que:
60
A entrevista é um instrumento de pesquisa singular, pois não se limita a qualquer
teoria, orientação epistemológica (seja construtivista ou positivista) ou tradição
filosófica. Pesquisadores de praticamente todas as abordagens irão utilizar entrevistas
em alguma ocasião. (Araújo & Canto, 2010, p. 249)
De acordo com Araújo e Canto (2010), as entrevistas possuem, no entanto, alguns
inconvenientes, podendo estar sujeitas a esquecimentos, imprecisões e/ou à não colaboração
em geral por parte dos participantes – alguns desses fatores motivados, por vezes, pela própria
presença do pesquisador. Levando isso em consideração, uma recomendação desses autores
para validar os dados é, além do cruzamento com outras técnicas, remeter as conclusões aos
entrevistados – o que será feito ao final deste trabalho.
Para este estudo foram escolhidas as entrevistas semiestruturadas, que se diferenciam
dos demais tipos por serem realizadas com o auxílio de um guia ou roteiro, com questões
abertas às quais o entrevistado pode responder livremente (Flick, 2007; Valles, 1999),
dispostas em uma sequência lógica, porém, guardando ainda relativa flexibilidade quanto ao
formato e função (Araújo & Canto, 2010; Flick, 2007). O roteiro contém geralmente poucas
questões, devendo ser abrangente o suficiente para contemplar as informações esperadas, mas,
ao mesmo tempo, não devendo antecipar todas as possibilidades do campo, a fim de permitir
que novos conteúdos (interpretações, visões, vivências etc.) surjam ao longo da conversa
(Minayo, 2013).
Os mesmos participantes das observações foram os entrevistados da pesquisa, tendo
sido convidados durante as reuniões do coletivo. A justificativa para tal escolha se apoia na
ideia de Araújo e Canto (2010), que destacam a não existência de regras simples e absolutas
para essa seleção, sendo o número de sujeitos condicionado à sua representatividade e
diversidade dentro de uma população específica, não havendo, portanto, problema em ter uma
amostra pequena.
61
Apesar da combinação entre as técnicas de observação e entrevista possibilitar a
confrontação dos dados obtidos, foi utilizada também a análise de documentos a fim de sanar
lacunas nas informações – datas, acontecimentos importantes, quantidade de participantes da
RJV RN, etc. –, provenientes de esquecimentos e imprecisões por parte da pesquisadora e/ou
dos participantes. De acordo com Valles (1999), essa opção metodológica permite investigar
documentos de vários tipos, de arquivos tanto públicos quanto privados, e que não
necessariamente foram compilados para fins de investigação social. Tal versatilidade permitiu
que a análise documental fosse utilizada nesta pesquisa tanto para analisar os registros de
reuniões da Rede quanto os anais de um Seminário importante para o seu surgimento, além de
um relatório acerca das ações de enfrentamento ao genocídio da juventude desenvolvidas,
produzido pela única articuladora que o Plano Juventude Viva teve especificamente para o
estado do Rio Grande do Norte.
Como cuidados éticos, a entrada em campo (e os procedimentos de coleta já citados)
só se deram mediante a aprovação da pesquisa no Comitê de Ética e a anuência da Rede. Para
a pesquisadora acessar registros de reuniões e relatórios da instituição, foi assinado um Termo
de Concessão de Materiais. As observações, diários e entrevistas também se deram mediante a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes. Para a
entrevista, ainda, também forneceram seu consentimento por meio de um Termo de
Autorização para Gravação de Voz.
Durante as entrevistas semiestruturadas, estava previsto que qualquer desconforto para
o participante – por exemplo, recordar informações antigas ou desagradáveis envolvendo a
Rede, realizar auto avaliação ou avaliação do grupo – seria minimizado com a escuta,
acolhimento e confidencialidade por parte da entrevistadora, o que não se fez necessário. As
entrevistas foram individuais e seu conteúdo limitou-se a: histórico da Rede; trajetória do
62
participante em outros coletivos e junto à Rede; autoavaliação de sua atuação; e limites e
possibilidades do trabalho da Rede no enfrentamento ao genocídio da juventude no RN – ou
seja, sem conteúdo pessoal e íntimo.
Os dados obtidos nestas entrevistas foram analisados com inspiração nas etapas de
análise de conteúdo temática, apontados por Araújo e Canto (2010) como uma possibilidade
que pode ser ilustrada, inclusive, com as citações provenientes das falas dos entrevistados.
Esses autores destacam, ainda, a necessidade de não buscar “impor ordem” aos dados num
primeiro momento, procurando, antes, as informações desordenadas e discordâncias,
encontrando elementos inesperados e atentando para os elementos que eram esperados, mas
que estão ausentes. Flick (2009) traz ainda algumas características dessa forma de análise,
como a possibilidade de tratar diversos materiais que não só entrevistas, o uso de categorias
(bem como a possibilidade contínua de reavaliá-las e reformulá-las) e a redução do montante
de dados que essa análise possibilita, que justificaram neste trabalho o seu uso também para
analisar os diários de campo. Além disso, segundo Minayo (2013), a análise de conteúdo
permite ultrapassar os sentidos que se manifestam diretamente no material a fim de alcançar
uma maior profundidade e articular os enunciados dos textos com outras variáveis de cunho
psicossocial, cultural e de produção da mensagem.
Ainda de acordo com a autora, existem várias modalidades dessa forma de analisar os
dados, das quais a análise temática foi escolhida para esta pesquisa. A análise temática
encontra no “tema” – conjunto de relações representadas sob a forma de frases, palavras,
resumos, etc. – a sua unidade. Ela está dividida nas seguintes etapas: pré-análise, que
compreende a leitura geral flutuante, a leitura exaustiva e busca uma coerência interna, bem
como formas de registrar e categorizar os conceitos para orientar o tratamento dos dados;
exploração do material, em que se solidificam as categorias, a classificação e agregação dos
63
dados; e tratamento dos dados obtidos e interpretação, em que são realizadas inferências inter-
relacionadas com o quadro teórico (Minayo, 2013). Na última etapa, comumente são
utilizadas análises estatísticas, porém para este estudo serão privilegiados os significados em
vez da quantificação dos dados.
3.2. Participantes
A fim de contribuir para a investigação acerca da atuação da Rede Juventude Viva do
RN no enfrentamento ao genocídio da juventude, foram escolhidos para as entrevistas os oito
integrantes que tiveram maior frequência nas ações e reuniões do coletivo durante a fase das
observações. Dessa forma, buscou-se garantir a representatividade dos membros diante da
totalidade da Rede. Segue, portanto, uma breve descrição dos principais coletivos ou
organizações representadas pelos participantes dentro da RJV RN.
O Centro Marista de Juventude (CMJ) é uma iniciativa do grupo Marista de escolas
particulares, que atua realizando ações de incidência política e de defesa dos direitos dos
jovens em situação de vulnerabilidade, em parceria com outras iniciativas do poder público e
da sociedade civil (CMJ, 2013). Essa organização foi, como será mais bem explorado no
capítulo seguinte, de fundamental importância para o surgimento da Rede Juventude Viva do
RN, uma vez que foi no IV Seminário sobre Realidades Juvenis, organizado pelo CMJ, em
seu próprio espaço, situado no centro da cidade de Natal, que a Rede teve o seu marco de
fundação.
A Pastoral da Juventude (PJ) atua desde os anos 1970 e faz parte da ação de igrejas
católicas, inspiradas na Teologia da Libertação, na Pedagogia do Oprimido e na Ação
Católica, voltada para a juventude. Embora inicialmente as pastorais trabalhassem com a
64
evangelização dos jovens já organizados em movimentos, ao longo do tempo foram
incorporando novas formas de trabalhar com a juventude, inclusive contemplando suas
especificidades – juventude rural, juventude estudantil, juventude universitária, juventude dos
meios populares (Silva, 2009).
O Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado em São Paulo, nos anos 1980, quando
o Brasil ainda vivia sob o regime de ditadura militar, com a proposta de promover mudanças
sociais em busca de uma sociedade mais justa (Partido dos Trabalhadores, s.d.). Desde então,
o partido vem disputando espaço no cenário político nacional, tendo conquistado, entre outros
feitos, a disputa pela presidência da república, por duas vezes com Luís Inácio Lula as Silva
(um dos principais fundadores do partido) e outras duas com Dilma Rousseff. Além da
presença constante de filiados ao partido, a RJV RN também sempre pôde contar com
membros do segmento específico de juventude do partido, a JPT.
A Secretaria Extraordinária de Juventude do Rio Grande do Norte (SEJURN) foi
criada por meio do decreto 24.949 de 07 de janeiro de 2015, a fim de fortalecer as políticas
voltadas para a juventude no estado, atuando em sua coordenação, formulação, execução e
avaliação (SEJURN, 2016). A SEJURN foi criada durante o governo estadual de Robinson
Faria, tendo contado por pouco mais de um ano com a participação, em sua gestão, de
integrantes do Partido dos Trabalhadores atuantes na RJV RN.
O Observatório da população Infanto juvenil em Contextos de Violência (OBIJUV) é
um espaço de ensino, pesquisa e extensão, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, que se propõe a contribuir na formação de um olhar crítico entre o público
universitário – em especial estudantes de Psicologia e áreas afins – sobre os direitos humanos,
principalmente os de crianças, adolescentes e jovens. Realiza reuniões administrativas e de
estudo, que podem ser abertas à comunidade ou não, assim como ações de incidência política
65
(OBIJUV, s.d.). Também se faz necessária uma pequena apresentação dos sujeitos – que
permitirá identificá-los ao longo dos resultados e da discussão –, contendo os aspectos mais
relevantes para as análises subsequentes. Como pseudônimos, foram utilizados nomes dos
orixás mais conhecidos entre as religiões de matriz africana no Brasil, uma vez que nas suas
representações africanas os orixás são jovens negros ou negras, com poder de interferir sobre
a natureza e o destino da humanidade.
Tabela 1
Participantes (RJV RN)
Info/
Nome Idade Profissão ou formação Coletivo(s) Trajetória
Iansã 27 Gestão Pública (cursando) CMJ
12 anos: Projeto Vida, Canto
Jovem, CMJ, Fórum de Direitos
da Criança e do Adolescente
(Fórum DCA), Frente Potiguar
contra a Redução da Idade Penal
(FPR).
Oxum 26 Ciências Sociais (concluindo) PJ e PT
6 anos: PJ, CMJ e assessora
parlamentar de Hugo Manso
(PT).
Ogum 28 Administração (cursando) PJ e PT 15 anos: PJ, CMJ, PT.
Oxóssi 40 Psicólogo CMJ
10 anos: CMJ, Fórum DCA,
Rede Centros de Juventudes,
setor de juventudes da
arquidiocese.
Xangô 32 Gestor de políticas públicas SEJURN, PT
17 anos: movimento estudantil,
política pública de juventude e
política social.
Nanã 37 Socióloga SEJURN, PT
Rede de Educadores Populares e
Escola de Educadores Quilombo
dos Plamares, Pastoral da
Juventude do Meio Popular
(PJMP), grupos populares de
bairro, movimento estudantil e
PT.
Oxalá 26 Professor graduado em Letras PT
7 anos: atos de rua (“Fora
Micarla” e “Revolta do busão”),
Juventude do PT.
66
Yemanjá 31
Estudante de Psicologia
Tecnólogo em irrigação e
drenagem, com mestrado no
curso de Gestão de Políticas
Públicas
OBIJUV e
Laboratório de
estudos rurais
(LabRural)
Militância estudantil, Instituto
Elo Amigo, Fórum Nacional de
Juventude Negra, Rede de
Jovens do Nordeste, Rede de
Mulheres Negras do Nordeste,
Canto Jovem, Articulação
Potiguar de Juventudes (APJ),
“As Carolinas”...
3.3. Temas
Os diários de campo e entrevistas foram submetidos à leitura inicial flutuante, seguida
por uma leitura exaustiva. Após a leitura inicial, as informações foram organizadas por
participante – no caso das entrevistas – e por ação ou encontro – no caso dos registros de
campo. Em seguida, a partir da leitura exaustiva de ambos os materiais nesse novo formato,
emergiram dez temas para a análise de conteúdo temática.
Embora tenham surgido convergências, incongruências e outros tantos elementos
novos e que suscitaram reflexões inesperadas, todos os temas, direta ou indiretamente,
acabaram por contemplar respostas às perguntas do roteiro de entrevista. A fim de situar
melhor o leitor ao longo dos resultados e discussão, um breve resumo dos temas será
apresentado a seguir.
O surgimento da Rede Juventude Viva do RN. Embora não exista ou não tenha sido
fornecido qualquer arquivo, por parte da Rede, com informações sobre o primeiro marco no
seu processo de constituição, ao serem questionados sobre a origem do coletivo, todos os
participantes foram capazes de elencar acontecimentos importantes – na maioria das vezes
convergentes, como o “Seminário de Realidades Juvenis” de 2013 e o coletivo Articulação
Potiguar de Juventudes (APJ) – para reconstituir essa história. Alguns dados complementares
67
puderam ser obtidos por meio do relatório da articuladora do Plano Nacional Juventude Viva
no estado do Rio Grande do Norte.
A identidade da Rede Juventude Viva do RN. Trata-se de outro ponto importante, que
também não consta diretamente em nenhum documento ao qual se tenha tido acesso neste
trabalho e que, ao contrário do tema anterior, apresenta muito mais divergências nas falas dos
participantes. Praticamente todos eles, assim como os registros de campo, trouxeram que a
Rede era mista, o que abre espaço para uma discussão sobre o papel dos movimentos sociais e
do poder público nesse coletivo e como eles se relacionam.
Recursos e infraestrutura: dificuldades e estratégias utilizadas. Esse ponto também se
entrelaça com outros aspectos, impactando na participação de pessoas no coletivo, nos
desafios, resultados e abrangência das ações, etc. A origem desses recursos para a realização
das ações também interessa para a discussão acerca da presença do poder público dentre as
organizações que compõem a iniciativa.
Abrangência das ações. Esse tema surgiu porque, embora o nome da iniciativa seja
“Rede Juventude Viva do RN”, é visível tanto no discurso dos participantes como na
experiência de campo e no relatório da articuladora, que jamais se conseguiu uma ampliação
satisfatória das ações para além da região metropolitana. Cabe, portanto, discutir quais fatores
interferiram no alcance das ações da Rede e como isso se deu.
A Rede e o Plano Juventude Viva. Em todos os discursos, bem como no relatório e nos
diários, esteve presente algum tipo de menção ao Plano Juventude Viva – ora como sendo a
sua implementação o objetivo principal ou secundário da Rede, ora como um norte para as
ações. Essas relações também contribuem para discutir os objetivos da iniciativa e elucidar o
papel do poder público na Rede.
68
Participação, representação e representatividade. Também foi citada nas entrevistas e
constatada nas observações participantes a presença dos mesmos atores, discutindo as mesmas
pautas e nos mesmos espaços, sem que houvesse a presença da juventude em maior situação
de vulnerabilidade e não organizada. Isso gera diversas discussões como: a iniciativa estaria
conseguindo contribuir de fato para diminuir o número de jovens mortos por homicídio no
estado? Como é possível aproveitar o diálogo já existente com a juventude organizada para
ampliar esse debate para outras juventudes e evitar um discurso no vazio? Que outras
iniciativas deveríamos buscar para somar nessa pauta? Entre outras questões.
Resultados alcançados: a Rede Juventude Viva como inspiração para o surgimento de
novas Redes. Também estiveram presentes em todos os discursos resultados positivos das
ações, que muitas vezes não eram esperados pelos participantes, dada a amplitude que
tiveram. Praticamente todos os participantes, bem como os registros escritos de campo ou
relatorias de reuniões, mostraram que a Rede era a única iniciativa no estado a adotar como
pauta central a questão do genocídio da juventude. Mais ainda, alguns participantes afirmaram
que ela serviu como inspiração para outros estados, posto que diferentemente do que está
previsto no Plano Juventude Viva, ela consistiu numa rede real, e não virtual, de
enfrentamento ao genocídio da juventude, que não só divulgou ações como as propôs.
Desmobilização e esvaziamento da Rede Juventude Viva. Outro tema comum nas
entrevistas, repetido nos diários de campo e que se entrelaça com outros elementos dos
resultados. Sua discussão permite refletir sobre as dificuldades encontradas pelos movimentos
sociais em geral e demais iniciativas de enfrentamento ao genocídio da juventude,
confrontando-as com o panorama político e econômico que se apresenta no país atualmente.
Desafios frente ao cenário político atual. Esse tema surgiu em todas as entrevistas
como tendo sido um dos principais responsáveis pela desmobilização e esvaziamento atuais
69
da Rede, bem como de diversos coletivos. Também é possível discutir as inter-relações entre
importantes acontecimentos recentes na política do país e as diversas mudanças ocorridas na
Rede e na política pública de juventude como um todo.
Apontando para novos horizontes: as ocupações e outras possibilidades de
resistência. As narrativas das entrevistas revelaram, em grande parte, certa descrença ou
desesperança no futuro, referentes à Rede ou ao cenário político, econômico e social do país
como um todo. As ocupações e outros espaços de resistência, no entanto, apareceram em
vários discursos como esperança, possibilidade de ressurgimento da Rede e da militância nos
direitos da juventude como um todo.
Antes de descrever e discutir os resultados obtidos a partir da coleta e da análise dos
dados, é importante destacar que, neste estudo, parte-se do pressuposto apontado por Borón
(2007, p. 30) de que a crítica à ordem social vigente e às injustiças que a rodeiam serve a um
propósito de transformação da realidade – preocupação que, quando é ignorada pelas ciências
sociais, faz com que estas terminem “por converter-se em uma secreta apologia da sociedade
capitalista”. Também se pressupõe que o modo de produção capitalista está na base de todos
os processos sociais e econômicos que desembocaram em problemas como o do genocídio da
juventude, um dos fenômenos centrais para esta pesquisa. Sendo assim, toda a investigação e
as interpretações que se seguirão neste estudo serão guiadas por uma visão de mundo que é
contrária à exploração do homem pelo homem presente no modo de produção capitalista e, ao
mesmo tempo, movida pelo compromisso com a transformação da realidade rumo à promoção
da emancipação humana. Para tanto, indiretamente, apoia-se nas ideias de Marx e de outros
pensadores de tradição marxista.
70
4. Resultados e discussão
Num trem pras estrelas,
depois dos navios negreiros,
outras correntezas...
(Cazuza)
4.1. O surgimento da Rede Juventude Viva do RN
Em 2013, nos dias 29 e 30 de novembro, em Natal-RN, foi realizado o IV Seminário
sobre Realidades Juvenis. Organizado pelo CMJ de Natal e contando com a temática
“Enfrentando o Extermínio da Juventude Potiguar”, esse Seminário reuniu diversas
organizações juvenis ou que trabalhavam com jovens, além de redes e mandatos
parlamentares.
Tendo como público-alvo atores como líderes ou militantes jovens, autoridades,
educadores, instituições, etc., o Seminário objetivava promover diálogos e reflexões sobre as
realidades e os dados de genocídio dos jovens no estado, realizando também pressão sobre o
poder público e pensando ações de enfrentamento a essa realidade. Essa edição do evento foi
realizada na própria sede do CMJ em Natal, localizada no bairro de Cidade Alta, e contou
com a parceria de várias organizações de religião católica (como as Pastorais da Juventude),
dos mandatos de vários parlamentares, do Observatório da População Infanto-juvenil em
Contextos de Violência (OBIJUV/UFRN), entre outros, além também do apoio do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do adolescente (COMDICA).
71
Durante o Seminário, ocorreram sete mesas temáticas, alguns Grupos de Trabalho
(GTs) e oficinas, ao final dos quais foram tirados encaminhamentos, como a realização de
encontros, marchas, ações de pressão do poder público pela adesão ao Plano Juventude Viva e
pela criação de órgãos, como conselhos e secretarias nos municípios e no estado, entre outros.
Todas essas informações foram retiradas dos Anais do próprio Seminário, fornecido pelo
CMJ para esta pesquisa. Vale ressaltar que, nesse documento, é citada, ainda, a existência de
uma carta ao poder público, que foi lida durante o momento de relato dos GTs e escuta das
autoridades no Seminário, mas cujo conteúdo na íntegra não consta nos Anais, nem entre os
documentos fornecidos pela Rede Juventude Viva do RN. Essa carta também é do
conhecimento de um dos entrevistados, Oxalá: “no final do ’Seminário de Realidades
Juvenis’, nós lemos uma carta de fundação da Rede Juventude Viva”.
Afora a carta, não há outro registro em forma de documento que situe a criação da
RJV RN no IV Seminário sobre Realidades Juvenis. No entanto, esse é o marco atribuído ao
surgimento da Rede por boa parte dos entrevistados, como pontuam Oxóssi, “participei
também da Rede Juventude Viva, onde nasceu através do ‘Seminário de Realidade Juvenis’,
que foi promovido inicialmente..., foi criado inicialmente pelo Centro Marista de Juventude
Natal”, e Iansã:
E naquele final de semana, foram dois dias de atividades, surgiu a necessidade dentro
dos próprios participantes - não foi algo diretamente planejado, as ações foram
acontecendo de acordo com as necessidades dos jovens, das discussões que nós
fazíamos... E aí, ia culminando que no final do Seminário nós fizemos um manifesto
formalizando a Rede Juventude Viva do Rio Grande do Norte.
Há, no entanto, um registro de reunião cedido pelo coletivo para esta pesquisa que data
de abril de 2013 (ou seja, anterior ao Seminário), no qual já se denomina aquela iniciativa
como Rede Juventude Viva do RN. Ainda assim, mesmo os participantes que não colocam
72
apenas o Seminário como sendo o início da Rede reconhecem a sua importância para o
desenvolvimento desta iniciativa. Entre as falas desse outro grupo de entrevistados, não há
consenso sobre qual seria o marco de fundação da RJV RN:
Eu acho que a Rede Juventude Viva iniciou-se através de um coletivo chamado
Articulação Potiguar de Juventudes. (...) Tanto é que boa parte dos representantes da
Articulação Potiguar de Juventudes estão na Rede Juventude Viva, ou seja, é caráter de rede
mesmo, da pluralidade dos movimentos e diversidade. (Xangô)
Um ator importante para a criação da RJV RN surge nessa fala: a Articulação Potiguar
de Juventudes (APJ). Silva (2015), em seu trabalho sobre os movimentos sociais juvenis em
Natal-RN e suas contribuições para as políticas públicas de juventude, aponta que a APJ
nasceu em 2009, após uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do
Norte – provocada por uma parceria entre o deputado Fernando Mineiro, do Partido dos
Trabalhadores, e diversas organizações e grupos juvenis –, cujo propósito foi debater as
políticas públicas de juventude do estado. A composição da APJ contava com mais de
quarenta iniciativas, entre privadas e públicas, e uma diversidade de movimentos na sociedade
civil, sendo a maior parte de Natal, mas agrupando também alguns de outros municípios da
região metropolitana; além disso, sua atuação apresentava caráter de rede.
Outros dados não constam nos documentos e foram acrescentados pelos entrevistados,
como a realização de rodas preparatórias para o Seminário nas quatro zonas de Natal:
E aí, nós começamos a fazer, a princípio na grande Natal, nas quatro zonas, rodas de
conversa em praças públicas abertas a diversas pessoas. A gente procurava uma pessoa
que era da comunidade, organizava, marcava, chamava e fazia o debate, apresentando a
pesquisa, os dados mais recentes que tinham saído tanto do Mapa da Violência quanto
também do Observatório. (...) E aí, a partir dessas discussões, a gente falava da intenção
da mobilização e ressaltava que nacionalmente existia um plano, chamado Plano
Juventude Viva, e que precisaria de construir uma Rede e de aprofundar nosso debate, e
73
garantir que tanto o governo do estado quanto o município fizessem a adesão desse
Plano e garantissem recursos para estar combatendo este extermínio. (Iansã)
Silva (2015), além de reforçar o uso da metodologia e do material destacados pelos
entrevistados, traz dados mais concretos, tais como o número de mais de dez rodas de
conversa realizadas (além das de Natal), em Caicó, Mossoró, Ceará-Mirim, Macaíba,
Parnamirim, entre outros municípios, que contribuíram para que o Seminário contasse com a
participação de “mais de 120 adolescentes e jovens, de diversos grupos e organizações juvenis
de todo o estado” (p. 90).
O evento também é destacado como tendo sido importante na trajetória de militância e
formação de um dos participantes que se considera um dos fundadores da RJV RN, a saber:
Eu descobri, nesse processo, que o grande problema da juventude, o maior problema
da juventude hoje, era exatamente o direito de viver, que está relacionado ao
extermínio da juventude. Então, antes de qualquer outro direito, a pessoa precisa ter o
direito à vida... (Oxalá)
As diversas ações de incidência política realizadas pela APJ, e destacadas no estudo de
Silva (2015), além de tudo o que foi exposto sobre o IV Seminário sobre Realidades Juvenis,
combinados com as falas dos participantes, revelam a importância desses espaços para
denunciar uma realidade de opressão à juventude – em especial negra e pobre –, pressionar o
poder público e articular a participação juvenil na cena pública do estado, inclusive
funcionando como molas propulsoras de novas iniciativas, como a Rede.
4.2. A identidade da Rede Juventude Viva do RN
Embora não haja registro nos Anais do Seminário sobre o marco de criação da RJV
RN, vale recobrar o que foi sinalizado no tema anterior sobre a coincidência entre as
74
iniciativas integrantes da APJ e da Rede, o que já dá indícios de que a composição desta
poderia mesclar representantes de movimentos e do poder público. Coadunando com essa
informação prévia, verificou-se que, nos cinco registros de reuniões fornecidos pela RJV RN
para esta pesquisa, havia a presença de pelo menos um representante do poder público
(principalmente de mandatos e da SEJURN) e um de movimento social (principalmente das
pastorais).
O próprio Núcleo Operativo Provisório, conforme registrado na reunião de 28 de
fevereiro de 2015, contava com cinco integrantes, sendo três representantes de mandatos do
Partido dos Trabalhadores, um representante do CMJ e um da PJ. De acordo com os registros
em diários de campo, duas das quatro rodas de diálogos com a temática da relação entre
redução da idade penal e genocídio da juventude também contaram com essa representação
mista, ou seja, havia participantes tanto do poder público quanto da sociedade civil:
A primeira roda de diálogos (...) aconteceu na ASBAV (Associação Beneficente Amor
Verdadeiro), em Jardim Progresso (...). Na responsabilidade pela facilitação do
momento estavam a SEJURN e o OBIJUV. Porém, no dia apareceram outras pessoas
para contribuir, a saber, integrantes da PJ que também integram a Rede Juventude Viva.
(Diário de campo 1)
Além dessas ações, os diários de campo com registro de duas reuniões também
corroboram esse tipo de representação: “a reunião da Rede Juventude Viva (...) contou com a
presença de cinco pessoas, sendo três representantes da SEJURN, uma do CMJ (uma das
idealizadoras da Rede) e eu” (Diário de campo 6).
Quando questionados sobre a identidade do coletivo, as falas de três dos entrevistados
estiveram de acordo com uma definição da RJV RN como mista:
Bom, quando eu passei a me inserir (...) a ideia era que fosse mista. Até porque na época
nós tivemos um apoio muito bom, muito grande, do Deputado (PT)... enquanto
75
parlamentar, enquanto detentor de mandato público. Ele foi um apoiador na época.
(Ogum)
No entanto, dois deles fizeram questão de destacar que a presença mais forte no coletivo
sempre foi de membros não ligados ao poder público:
Era mista, sociedade civil e poder público, mas a característica principal era mais da
sociedade civil mesmo. Eventualmente tinha poder público, porque a gente tinha a
presença da (...) secretária, e tinha os mandatos também. (Oxóssi).
A gente mesclava essa relação entre sociedade civil e poder público. Porém, a grande
força da Rede era sociedade civil, porque a gente não contava com o poder público
propriamente dito. (Ogum, grifo nosso)
Acerca da expressão destacada da fala de Ogum, outra entrevistada esclareceu melhor
essa ideia:
A ideia era que tivesse atores da sociedade civil para dialogar com o poder público. O
convite, ele era feito, mas acho que, de todas as atividades que nós fizemos, nós só
tivemos a presença do poder público pouquíssimas vezes. E quando tinha eram só...
assim... não era dos gestores diretos. Tinham dois, no máximo, mandatos que nos
acompanhavam nesse período todo. (Iansã, grifo nosso)
Houve divergências entre os demais entrevistados no que se refere à identidade da Rede.
Nesse sentido, ainda que mantendo a posição que defende ser “a sociedade civil” a força
maior do coletivo, uma das participantes trouxe o que considerou ser uma contribuição da
participação de membros na SEJURN:
Era boa parte sociedade civil, porque existiam vários movimentos: Juventude de
Terreiros, as Pastorais, o OBIJUV daqui da UF participava... participa, enfim, o Levante
Popular da Juventude... (...). Tivemos um pouquinho de avanço quando (...) passou ser
Secretária. Aí houve esse misto de sociedade civil com o Governo, porque ela estava
inserida nesse processo, conseguiu adiantar muito a questão do Plano no estado, mas,
em Natal, especificamente, tinha poucas participações de gente ligada à Prefeitura, né?
(Oxum)
76
Outro participante, no entanto, não mencionou o poder público ao falar de identidade da
Rede, definindo:
a Rede como uma rede. Porque, assim: a característica da Rede é a diversidade. A
diversidade dos movimentos sociais de juventude... A rede, ela é um movimento social.
Aliás, ela é um conjunto de movimentos sociais. Porque nós tínhamos vários grupos,
com várias figuras ali dentro, com várias origens: tinha juventude rural, tinha juventude
urbana... (...). Ela é uma rede da sociedade civil. (Oxalá)
Finalmente, o entrevistado abaixo contribuiu para elucidar tantas divergências de
posições quanto a esse tema:
Bom, a Rede não foi pensada assim. (...) A estrutura dela não foi pensada antes dela. O
debate foi se dando, a organização dela foi se dando à medida que o debate e a criação
dela foi se dando também. (...) Pro Seminário, quando ele se realizou, se concretizou,
ele veio trazendo essas diversas juventudes que foram se agregando no meio do
caminho. E aí a Rede foi resultado disso. Então, tinha desde juventude de terreiro a
fundações, né? (...). Desde movimentos sociais a mandatos, que foram se aglomerando,
e isso não foi pensado. Apenas ela se concretizou, e as pessoas estavam juntas porque a
pauta era a mais emergente, mais interessante e mais emergente do que dizer quem
podia e quem não podia participar daquele espaço. O importante era todo mundo poder
participar e fazer força pra pautar – era esse o objetivo mais inicial. (Yemanjá)
Assim, o que se pode concluir é que a emergência da pauta e empolgação dos coletivos
em construir a RJV RN determinou o surgimento de uma identidade inicial para esta
iniciativa. No entanto, emergiram dúvidas, imprecisões e incongruências entre as definições
da identidade presentes nas falas dos entrevistados. Nesse sentido, alguns entrevistados
também sinalizaram a demanda de uma discussão e sistematização da Rede sobre si mesma
(identidade, objetivos, composição, abrangência, etc.):
Essa discussão foi inserida posteriormente no processo de organização da Rede, mas ela
não foi vencida. Ela chegou a ser colocada: “mas quem faz parte da Rede, quem
organiza a Rede, quem opera a Rede, quem dinamiza a Rede?”, mas esse debate nunca
foi vencido. Não foi colocado na pauta e decidido. (Yemanjá)
A Rede foi criada, tivemos algumas pautas iniciais, mas chegou naquela fase de que era
necessário repensar a própria Rede, e isso não foi dado prosseguimento. (Oxóssi)
77
Um dos momentos apontados nas falas, em que foi discutida essa necessidade de
reflexão e estruturação da RJV RN, foi descrito pela pesquisadora em uma das reuniões
observadas:
A reunião foi tomando um rumo de conversa mesmo sobre a estrutura e organização da
Rede, sobre estar desmobilizada e quais as possíveis causas, sobre a necessidade de
reconfiguração da comissão operativa (por esta estar distante das atividades) e de
realização de um momento para definir ou redefinir identidade, objetivos e próximas
ações da Rede (...). Ficou a resolução da realização de um momento para estruturação da
Rede, uma espécie de seminário de um dia todo, envolvendo o amplo convite a outros
atores (com prioridade para jovens negros), cuja programação deverá ser pensada pela
comissão operativa. (Diário de campo 6)
Esse seminário de reestruturação, no entanto, não ocorreu até o presente momento.
Levando em consideração essas reflexões, embora as respostas a questões sobre a identidade
da Rede envolvam também elementos subjetivos de cada entrevistado, há grande
possibilidade de que a ausência de discussão, registro e socialização de informações sobre a
RJV RN seja a razão principal de tantas divergências acerca deste tópico e,
consequentemente, tenha contribuído de alguma forma para a desmobilização, esvaziamento e
atual quadro de estagnação do coletivo.
4.3. Recursos e infraestrutura: dificuldades e estratégias utilizadas
A atuação da RJV RN dependia de infraestrutura e recursos humanos e materiais na
concretização das ações. Uma vez que, na pergunta específica sobre os recursos, os
entrevistados se ativeram aos de ordem material, optou-se por dedicar esta seção a esse
aspecto, enquanto que os recursos humanos serão discutidos no tema “Participação,
78
representação e representatividade”, mais adiante. Questionados sobre a origem dos recursos,
muitos entrevistados enfatizaram a contribuição dos próprios coletivos e participantes:
A Rede nunca teve recursos próprios, né? Ela se constituiu enquanto Rede porque
lançou uma carta... (...) as ações posteriores também foram realizadas assim. Ah,
precisa ir em uma viagem para o interior: hospedagem solidária, mandato “X” entra
com o carro, instituição “Y” entra com a gasolina. Sempre foi muito assim, sempre foi
muito dividido, compartilhado (...), até mesmo do bolso das pessoas que estavam ali
participando. Você vai montar uma oficina, você vai pra oficina com recursos próprios
– custeia o material... (...). Então, o OBIJUV entrava com o material... Com o material
de consumo de oficinas – cartolinas, pincéis, tarjetas, essas coisas. (Yemanjá)
Os recursos, eles vinham dos grupos mesmo que a gente tinha. Alguns recursos com
que a gente contava era – como a gente tinha a participação do mandato, por exemplo,
a gente tinha alguns recursos que eram doados... (...). Mas, assim, contribuição do
CMJ – que o CMJ também tinha orçamento. Então eles davam a contribuição, às
vezes... (...). Como é que fez, por exemplo, pra eu me deslocar para o interior para eu
fazer as oficinas? Eu pagava! Eu tirava do meu bolso e ia! Recursos próprios [risos].
Então, para os meninos virem de Natal, eles pagaram a passagem deles. No nosso
próprio Seminário eu que coloquei o dinheiro para a gente ter, por exemplo, a
alimentação, né, lá. E era assim. (Oxalá)
Nesses discursos, no entanto, ganham maior destaque alguns atores, como é o caso do
Centro Marista de Juventude e dos mandatos. Em se tratando do CMJ, uma parte dos
exemplos é sobre a preparação para a realização do Seminário de Realidades Juvenis:
No caso do Seminário de Realidades Juvenis, especificamente, ele aconteceu no
Marista. Então isso foi uma conquista, uma coisa, que o CMJ conseguiu articular.
(Oxalá)
Mesmo entre os entrevistados que citam ações posteriores ao Seminário, o CMJ é
citado:
Os recursos, eu lembro que muita coisa, assim, o CMJ sempre chegava junto, no
sentido de que “a gente tá precisando de material pra oficina”, a gente passava por lá
pegava alguma coisa. E um ou outro que chegava para contribuir. Eu não vou ter essa
certeza de que “fulano contribuiu dessa forma”, mas a gente sempre tinha ajuda.
(Oxum)
79
Então... Os recursos basicamente vinham do CMJ, né? Dentro do nosso orçamento a
gente procurava colocar, adequar, os recursos para café, biscoito, né, gasolina. Então
procurava fazer utilizar estes recursos. E, para a realização do Seminário, buscar outras
parcerias. Os mandatos às vezes ajudavam – não só esses do PT. (Iansã)
Além dos mandatos, também enfatizados na fala de Iansã, dois entrevistados citaram
outras contribuições do poder público, vindas por intermédio do Plano Juventude Viva e da
própria SEJURN:
Teve esse recurso que foi captado no estado, mas foi na época que a gente saiu...
Então, ele tá no estado, tem 600 mil para o Estação Juventude. Taí no estado para
montar o Programa. A gente na época depositou a contrapartida... Então, tem isso, a
gente poderia ter um programa no estado funcionando, né? E as maiores dificuldades
eu acho que passava por isso, que a gestão pública não se comprometeu... Quando teve
minimamente uma gestão que se comprometeu, mas foi muito rápida, não durou, mas
deixou lá alguns frutos... Acho que tem que registrar isso, que tem este recurso que foi
captado, foi assinado, foi captado... (...) conseguiu recursos de duas fontes bancado por
isso, porque a gente assinou o Plano. (Nanã)
Muitos recursos vieram da Secretaria. Não da Secretaria, mas por intermédio da
Secretaria. (Oxóssi).
Nestas últimas falas, evidenciam-se as tensões entre as gestões municipal, estadual, e a
Secretaria de Juventude do estado – esta última encabeçando, sem o devido apoio e
comprometimento das primeiras, todas as iniciativas no sentido de captar e aplicar recursos
em ações em prol das juventudes potiguares. Oxóssi, por fim, acabou por resumir a
articulação e parceria entre estes três principais atores – os coletivos (as “pessoas”), o CMJ e
o poder público (SEJURN) – ao trazer o exemplo de outro Seminário de Realidades Juvenis,
realizado em 2015:
Recursos, eu acredito, que muitas vezes do bolso das pessoas, contribuições
individuais e do Centro de Juventude. (...) Por exemplo: o Seminário em São Paulo do
Potengi, onde a Rede fez parte também, este foi um grande evento – Seminário 2015.
E o custo veio muito do CMJ, do seu planejamento e das parcerias que foram feitas a
partir da articulação da Secretaria Estadual de Juventude. (...) E as reuniões
80
aconteciam muito com cada um pagando do seu bolso para ir para as reuniões.
(Oxóssi)
Alguns aspectos positivos foram destacados pelos participantes com relação a esse
tópico, como a existência de diversas parcerias e os baixos custos das ações:
A gente tinha muitos parceiros: alguns sindicatos, alguns movimentos sociais,
contribuíam pra a gente garantir algumas ações. Mas de cabeça só esses parceiros.
(Xangô)
A gente, na hora de planejar o ano, a gente pensava em determinado orçamento, então
conseguia. Apesar de que a Rede nunca, que eu esteja lembrado aqui, nunca fez
eventos para ter grandes custos, não. (Oxóssi)
No entanto, ao tratar das dificuldades em geral na realização das ações, os recursos
também apareceram negativamente nos discursos de alguns participantes:
(...) trabalhar sem recursos e sem apoio é desafiador. Por isso também que eu acredito
em outras tantas dificuldades, né? Chega um determinado momento que você precisa
optar: ou você trabalha ou você milita. E aí a fome aperta, as necessidades do ser
humano... A gente não tem como estar exigindo, nem de nós mesmos, ainda mais de
quem está mais na ponta, né? (...) qualquer coisa que você ia fazer, por mais que fosse
uma atividade de um dia, você precisava de um lanche, de um almoço... (Iansã)
A partir dessas falas, é possível perceber que as dificuldades relacionadas à falta de
recursos e/ou ao uso do recurso do próprio bolso dos participantes puderam gerar uma série de
problemas relacionados ao alcance territorial das ações, à participação e à motivação das
pessoas envolvidas, como será mais bem explorado posteriormente. Tais entraves mostram-se
extremamente funcionais dentro de um contexto neoliberal, pois ao mesmo tempo em que os
governos mantêm o menor gasto possível com ações voltadas para a população, dificultam
que se criem espaços de formação de uma consciência crítica nas camadas populares, de
articulação e de mobilização, que poderiam confrontar o sistema vigente. Conforme ilustrado
na última fala de Iansã, toda ação requer o uso de materiais e espaços, mesmo os
81
aparentemente mais simples de se obter – os quais, às vezes, nem os parceiros das ações
poderiam disponibilizar. Dificuldades como essas, nesse caso, relativas à infraestrutura,
apareceram em dois diários de campo das rodas de conversas sobre redução da idade penal e
genocídio de jovens nas comunidades, assim como as estratégias utilizadas para driblar as
dificuldades:
Foi tirado como encaminhamento a necessidade de uma segunda roda, em outro lugar
do bairro – uma vez que na ASBAV há pouca ventilação e espaço, não dispondo de
cadeiras para os participantes –, com o objetivo de continuar e fechar a discussão.
(Diário de campo 1)
Não havia música para parar durante a dinâmica, então mais uma vez a comunidade
contribuiu nesse sentido e os MCs cantaram suas próprias músicas. (Diário de campo
3)
Apesar de ser possível, muitas vezes, remarcar uma roda em outro espaço, para a
continuidade e fechamento do debate, ou improvisar a música para a dinâmica, por exemplo,
nem sempre estratégias como essas funcionavam. Por um lado, existiram questões de
organização interna da própria Rede, como apontado em um dos diários de campo – o qual
buscava fazer um apanhado geral das quatro rodas dessa mesma temática, a fim de trazer o
feedback para uma reunião geral da RJV RN:
Talvez seja interessante dividir mais as tarefas: quem mobiliza, quem arranja material,
quem facilita, etc. A organização também precisa melhorar. É interessante que os
facilitadores se pronunciem com mais antecedência, o material, os acordos e
combinados acertados mais cedo. (Diário de campo 5)
Esse fator de organização não deve ser compreendido de maneira isolada, nem deve
individualizar ou culpabilizar os sujeitos, pois se liga a questões da conjuntura política, social
e econômica – os coletivos são chamados a atender outras demandas –, dificuldades pessoais
dos sujeitos (como os já citados problemas com a locomoção e a conciliação com a
82
sobrevivência), problemas com a motivação pela ausência de incentivo e financiamento, entre
outras, que também serão mais bem discutidas adiante. Por outro lado, muitas vezes, a
inexistência de atrativos que requerem maiores recursos para os jovens nesses momentos
prejudica a própria mobilização e realização das ações de maneira satisfatória, assim como
mostram sugestões dos participantes de duas das rodas de conversa (redução e genocídio) nas
comunidades, registradas nos diários de campo:
A roda teve início às 15h30, na esperança de que aparecesse algum jovem, o que não
aconteceu. (...) surgiram algumas sugestões no sentido de atrair os jovens, tais como
trazer atrações artísticas, fazer sorteio de algum brinde etc. (Diário de campo 2)
Surgiram também por parte dos participantes algumas sugestões, como inserir mais
arte, cultura e lazer como atrativo para essas rodas. (Diário de campo 4)
Apesar das dificuldades e levando em consideração todos os aspectos apontados, é
possível enxergar algumas possibilidades para a superação dos problemas relacionados aos
recursos para as ações. Uma dessas possibilidades teria a ver com a realização de um
planejamento mais detalhado – listando não só os responsáveis pelas ações, como o material,
os espaços, o orçamento e os parceiros que contribuiriam com cada coisa – e o seu
cumprimento. Esse planejamento deveria levar em conta os imprevistos e conter estratégias
alternativas ou emergenciais, bem como incluir arte, cultura e lazer juvenis, no caso das ações
que fossem realizadas diretamente com a juventude, conforme sugerido. Far-se-ia necessário,
também, ampliar as parcerias e o investimento na comunicação interna e externa do coletivo.
4.4. Abrangência das ações
O próprio nome Rede Juventude Viva do RN dá a ideia de uma rede com perspectiva
de atuação em todo o estado. No entanto, essa atuação oscilava entre momentos de ações com
83
maior alcance territorial e outros de retração, de ação apenas na região metropolitana e até
mesmo restrita à capital. Caso se leve em consideração a RJV RN como uma iniciativa
surgida antes do Seminário de 2013, a parceria entre a Rede e outros coletivos, grupos e
organizações, na mobilização e preparação para esse evento, de fato conseguiu uma boa
representação em termos estaduais, como já foi discutido anteriormente.
Traços dessa articulação estadual resistiram por algum tempo na Rede, uma vez que
houve representação, mesmo após um ano sem reuniões – como é possível perceber pela
ausência de atas em 2014 – de Macaíba, Ceará-Mirim, Parnamirim, São Gonçalo, Mossoró e
Natal, na primeira reunião de 2015 (conforme documentos cedidos). Esses mesmos
municípios estavam sendo acompanhados pela articuladora do Plano Nacional Juventude
Viva, durante o ano de 2014, conforme relatório apresentado por esta ao Plano, e cuja cópia
foi cedida pela Rede. É possível perceber na fala de alguns participantes uma vinculação entre
os territórios priorizados pelo Plano Juventude Viva e pela RJV RN:
A ideia, primeiramente, era uma colaboração e articulação entre os municípios que
estavam com uma mancha criminal um pouco mais alarmante, que eram Natal,
Parnamirim e Mossoró. Foram os três municípios que estavam apresentando um alto
índice de homicídios, mas a gente sabia que outros municípios da região metropolitana
também estavam tendo altos índices de violência, principalmente envolvendo
adolescentes e jovens, que era o caso de Macaíba e de São Gonçalo do Amarante.
(Xangô)
Existia no momento um Plano, que era o Plano Juventude Viva, que era um Plano do
Governo Federal, da Secretaria Nacional de Juventude, e esse Plano poderia
transformar ou causar – na nossa visão – uma mudança nos dados, nos números. E as
cidades que estavam no Mapa da Violência, nos primeiros lugares do Mapa da
Violência, como Natal, por exemplo, e Mossoró, elas tinham prioridade na adesão ao
Plano. Tá entendendo? Então, a gente buscava exatamente fazer com que essas cidades
aderissem. (Oxalá)
Essas falas, portanto, suscitam questionamentos sobre o que foi pensado ou planejado
para a Rede. Afinal, ela era ou não vinculada ao Plano? Se sim, limitava-se ao que estava
84
previsto no Plano ou propunha outros caminhos também? Se não era vinculada, o que tinha
como objetivos, público-alvo e territórios previstos para atuar? Havia concordância entre seus
membros sobre esses aspectos? Se sim, que outros aspectos poderiam explicar as dificuldades
em obter os resultados esperados para as ações da Rede? Se não havia concordância, qual era
a natureza e a origem dessas discordâncias? Essas são questões que atravessam todo este
trabalho e que não necessariamente apresentam uma única resposta na perspectiva dos
participantes, podendo aparecer diversos pontos de vista, e que serão apresentadas com maior
ênfase no tema “A Rede e o Plano Juventude Viva”. Uma das formas possíveis de elucidar
tais questões, no entanto, poderia ser traçar um comparativo entre as ações executadas pelo
Plano e aquelas executadas pela Rede. A não execução das metas do Plano, com a ruptura
precoce com esta política, no entanto, não permitiu este tipo de análise.
A abrangência das ações é vista por um prisma positivo – por meio da estratégia da
multiplicação – por alguns dos participantes:
Em termos de ação territorial, a gente criou o Núcleo Operativo nesta função (...). No
Núcleo Operacional você tinha pessoas de diversas regiões e municípios que
pudessem estar multiplicando as ações. (...) Então... Ceará-Mirim contribuiu
diretamente, teve um grupo de Mossoró que também contribuiu de forma muito
bacana. Em Caicó, nós temos agora a Rede Juventude do Seridó, que também foi fruto
da Rede Juventude Viva, de trabalho e de parceria. É um trabalho que tá com mais
eventos do que aqui na região metropolitana (...). Começou com um grupo fechado
também, num núcleo, e foi se expandindo na grande Natal. Atingir todos os
municípios do RN era uma missão não impossível, mas extremamente árdua. (Iansã)
(...) por exemplo, a gente fez um momento igual na praça de Mossoró, na praça de
Nova Vida. E isso foi interessante, porque foi criado um núcleo da Rede lá em
Mossoró. (...) Então teve isso, aqui em Natal e em São Gonçalo, depois Ceará-Mirim –
os meninos fizeram uma roda lá, a gente foi... Fizeram um Seminário, aí cada um dos
municípios foi fazendo do seu modo. Macaíba fez e foi multiplicando. (...) Os
principais territórios foram esses da grande Natal. Em Natal, centralizando nos bairros
que tinham maior índice de violência ou vulnerabilidade. (...) A gente primeiro tinha
decidido esses de Natal, São Gonçalo, Macaíba e Mossoró, só que... e Parnamirim. Só
que Ceará-Mirim resolveu fazer, Extremoz resolveu fazer uma roda... aí, outros
municípios foram fazendo. (Nanã)
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Assim, partindo da lógica da multiplicação do debate e das ações, foi possível garantir
uma abrangência bem maior na atuação da Rede. No entanto, com a falta de
acompanhamento, perdeu-se a possibilidade de avaliar a amplitude, o impacto e de fazer os
ajustes necessários à melhoria das ações. Isso poderia ser minimizado através, por exemplo,
de reuniões periódicas com os multiplicadores representantes de cada município, para ter os
repasses do que foi feito, tal como ocorreu na já citada reunião de fevereiro de 2015 e que, de
acordo com os demais registros, não se repetiu em nenhuma outra reunião posterior da Rede.
Na contramão da multiplicação, outros participantes representaram, em seus discursos, a fase
de retração da Rede:
Da abrangência da Rede, a perspectiva que sempre se falava era de uma representação
estadual. Sempre se fala em perspectiva de estado, porém ela não tinha essa
participação estadual. Sempre tinha um membro de um grupo da Pastoral da Juventude
de São Gonçalo do Amarante. Participa, mas não tinha um núcleo em São Gonçalo do
Amarante. A Pastoral da Juventude do Meio Popular de Macaíba participa da Rede,
mas não tinha um núcleo em Macaíba. De fato, o que tinha de núcleo era em Mossoró
e Ceará-Mirim, e o núcleo de Mossoró participava muito pouco das atividades quando
tinha uma reunião geral da Rede. Quase nunca vinha. O pessoal de Ceará-Mirim
participava mais. (Yemanjá)
Então, a Rede foi pensada inicialmente para ser do estado. Mas, como falei pra você,
chegou um determinado momento que a gente tinha que repensar isso também, porque
sua atuação sempre foi mais na grande Natal, na metrópole, nas cidades
circunvizinhas. E tinham coisas, tinham ações para que a gente pudesse desenvolver
para além da região metropolitana de Natal. Mas chegou um determinado momento
que estagnou isso, não avançou. (Oxóssi)
Essa limitação das ações da Rede à região metropolitana fica evidente pelas
assinaturas dos coletivos constantes nos registros das reuniões, desde 2013, e que no decorrer
do tempo vão se restringindo cada vez mais à capital, conforme acompanhado pela
pesquisadora na fase de observações. A maioria dos diários de campo é referente às ações das
rodas de conversas, que foram desenvolvidas em quatro bairros da capital, não tendo ocorrido
na região metropolitana, nem em outros municípios mais afastados dentro do estado. As duas
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reuniões registradas em diário, após essas ações, também contaram com uma quase totalidade
de representantes de Natal, com a exceção de um representante de Ceará-Mirim, na última
reunião ocorrida até o presente momento. Mesmo nas rodas de conversas nos bairros de Natal,
não se conseguiu alcançar um número considerável de jovens, sendo estes muitas vezes dos
mesmos coletivos, o que demonstra que até mesmo dentro do bairro não se conseguiu um
grande alcance territorial.
O encolhimento das ações da Rede, como já foi visto, pode estar relacionado a
dificuldades com recursos e à ausência de discussão e definição da história, identidade e
objetivos deste coletivo. No entanto, outros elementos que se somam a essa pauta, da ordem
da participação, da organização, da comunicação e aspectos conjunturais, serão vistos mais
adiante.
4.5. A Rede e o Plano Juventude Viva
O conteúdo do guia de implementação do Plano Juventude Viva nos municípios
apresentava como objetivos desta política o combate às causas da violência contra a juventude
negra e a superação de tal problemática nesta sociedade, associando o quadro atual ao racismo
historicamente enraizado em nossa sociedade, principalmente em sua forma institucional –
admitindo o papel dos homicídios cometidos por policiais na perpetuação desta realidade.
Quatro eixos de ação foram propostos no mesmo documento. O primeiro deles,
“Desconstrução da cultura de violência”, previa ações de cunho formativo-educativo, de
sensibilização e mobilização em prol dos direitos da juventude de maneira geral, junto à
comunidade como um todo ou a agentes específicos, como os policiais. O segundo eixo, de
“Inclusão, oportunidade e garantia de direitos”, seria operacionalizado principalmente por
87
ferramentas como o Pronatec, O Projovem e o Prouni. No eixo 3, a “Transformação dos
territórios” seria realizada por meio da oferta de programas e serviços públicos já existentes
ligados à educação, cultura, esporte e lazer. No último eixo, de “Aperfeiçoamento
Institucional”, o foco era principalmente a capacitação dos servidores dos diversos órgãos
públicos para a desconstrução do racismo dentro das instituições. (SGPR & SNJ, 2014).
Tendo em vista os limites que as políticas apresentam diante da garantia de direitos da
população brasileira, em especial da juventude negra e pobre, dentro do neoliberalismo, e
levando em consideração as críticas já apresentadas ao longo deste trabalho sobre o caráter
fragmentado e descontextualizado das políticas historicamente concebidas no Brasil, percebe-
se, em termos de propostas e embasamento teórico-científico, que o Plano mostrava-se
bastante consistente e coerente com a realidade que buscava enfrentar. O primeiro grande
passo, portanto, estava em executar as ações previstas o que, como será visto adiante, não se
deu devido à extinção precoce do Plano.
Conforme explanado em capítulo anterior, o Plano Nacional Juventude Viva previa, na
ponta de sua atuação, a criação de uma rede virtual formada pela sociedade civil, chamada
Rede Juventude Viva. Sua função era divulgar eventos relacionados ao enfrentamento do
genocídio da juventude – em especial de jovens negros(as) e da periferia. Dedicando apenas
um parágrafo de todo o documento à Rede Juventude Viva, o conteúdo do Plano deixa
evidente um papel secundário para as organizações na arena da sociedade civil, de apoiadoras
e divulgadoras, de monitoramento e fiscalização, mas não no sentido de proposição e gestão
dos recursos e ações, consistindo em uma grande falha na elaboração desta política, posto que
despreza as particularidades e potencialidades das comunidades e territórios na resolução de
seus próprios problemas. No entanto, como pôde ser visto até agora, a Rede Juventude Viva
do RN não se formou virtualmente. Ela teve uma formalização presencial, a criação de uma
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agenda própria de atividades, e sua atuação foi, desde o início, muito além do que estava
previsto pelo Plano Juventude Viva. Sabendo, portanto, que não se tratava da Rede tal qual
prevista pelo Plano, é possível questionar o porquê do uso do nome institucional. Sobre isso,
uma das participantes afirmou:
Teve gente que disse “ah, mas a gente vai usar um nome que é governamental?” E a
gente vai usar para, justamente, pautar o estado e município a aderirem ao Plano!
(Nanã)
Nessa fala, percebe-se que, embora a natureza da RJV RN fosse diferente daquela
proposta pelo Plano, houve uma necessidade inicial de demonstrar que existia algum tipo de
vinculação entre o coletivo e essa política de enfrentamento ao genocídio da juventude. Uma
participante mostrou, em sua fala, essa ligação, ainda nas atividades preparatórias para o IV
Seminário sobre Realidades Juvenis (2013):
E aí, a partir dessas discussões, a gente falava da intenção da mobilização, e ressaltava
que nacionalmente existia um plano, chamado Plano Juventude Viva, e que precisaria
de construir uma Rede e de aprofundar nosso debate, e garantir que tanto o governo do
estado, quanto o município, fizessem a adesão desse Plano e garantissem recursos para
estar combatendo este extermínio. (Iansã)
Outra falas, ao tratar dos objetivos da RJV RN, explicitaram melhor de que ordem era
essa vinculação:
o nosso principal objetivo era fazer com que a cidade aderisse ao Plano Juventude
Viva e dentro dele pensar em estratégias de políticas públicas para juventude, tentando
ter essa diminuição na questão da violência. (Oxum)
Olhe, o objetivo era primeiro conseguir a assinatura, a adesão do município e de outros
municípios ao Plano. Outro objetivo era, onde já tinha aderido, fazer com que o Plano
acontecesse. (Nanã)
Assim, embora não se tratasse da mesma Rede prevista no Plano, a adesão e o
cumprimento deste eram as prioridades pensadas para a RJV RN. Nesse aspecto, no entanto, a
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Rede também apresentou um caráter híbrido, no que se refere a ter surgido antes das adesões
dos municípios prioritários ao PJV:
O Plano Juventude Viva, pelo Governo Federal, ele precisava começar a partir da
adesão dos municípios, e um dos passos seguintes era a formulação da Rede da
sociedade civil, pra estar acompanhando. E nós não, nós fizemos essa formulação da
Rede antes dos municípios e do estado fazerem essa adesão, porque eles não tomavam
a iniciativa e a gente precisava dialogar. Esse diálogo não era só de sociedade civil
para a sociedade civil. Nós, inúmeras vezes, chamamos o secretário de Segurança,
prefeito, no gabinete, entregamos duas vezes a cópia do projeto passo a passo pra fazer
a adesão, tudo pronto para o município fazer adesão, e até hoje não foi feita, né?
(Iansã)
Assim, se a Rede foi criada principalmente com o objetivo de fazer cumprir o Plano,
era preciso que ele existisse aqui no estado. Como isso não ocorria, a iniciativa passou a
cobrar, primeiramente, a adesão ao Plano por parte do estado e dos municípios prioritários.
Essa pressão teve alguns resultados, como explicitado nas falas a seguir:
do governo, quando assumiu há dois anos, tinha a parceria com a coligação com o PT
– sei lá como fala agora –, e aí ele colocou primeiramente lá... De subsecretaria passou
para Secretaria Estadual de Juventude. Mesmo não estando aberta a adesão – via
Governo Federal, do Plano Juventude Viva –, naquela época, a Secretaria conseguiu
fazer pactuar uma adesão voluntária. (Iansã)
Foi quando a gente conseguiu que o Rio Grande do Norte tivesse uma articuladora (...)
a gente brigou porque, assim, não dava para articuladora da Paraíba... Não estava
cobrindo o Estado, pelas limitações... Era inviável mesmo. (Nanã)
Tanto a adesão voluntária, pactuada em um período em que as adesões ao PJV
estavam suspensas no país, quanto a conquista de uma articuladora exclusiva para o estado,
ocorreram em uma ordem de acontecimentos diferente da que é proposta no organograma do
Plano. A presença de participantes ligados ao poder público na Rede pode ter influenciado
nesses aspectos:
Antes eu era da Secretaria Nacional da Juventude e participei do processo de
elaboração do Plano Juventude Viva lá em Brasília. Então eu tive estas duas
90
experiências, vamos dizer assim: de poder participar do momento de elaboração do
Plano e depois lutar para que ele pudesse existir aqui no Rio Grande do Norte. (Nanã)
Quando eu entro na equipe do Plano Juventude Viva, eu começo a fazer as
articulações com as prefeituras municipais das cidades prioritárias, mas eu também –
por iniciativa própria, não necessariamente estratégia do Plano –, mas também de fazer
a mobilização das juventudes de cada município. (Yemanjá)
Ainda no discurso de Yemanjá, é possível perceber o uso de estratégias próprias da
articuladora, para além das que eram propostas pelo Plano. Essas estratégias, por sua vez,
contribuíram para ampliar o diálogo e a multiplicação dos debates e das ações nos municípios,
o que acabou por aumentar também as possibilidades de atuação da RJV RN no território e o
número de parceiros desse coletivo. Isso se articula com o que foi discutido sobre a
abrangência territorial das ações da Rede, bem como com a participação dos atores (que será
discutida mais à frente).
Era uma estratégia minha, que quando eu fosse dialogar com o prefeito ou com a
secretária ou o secretário desses municípios, que eu não fosse sozinha enquanto
articuladora do Plano Juventude Viva, mas que eu fosse com representantes da
juventude daquele município (...). O que eu levava eram números, eram notícias de
jornal, e o que os jovens levavam era a realidade. (Yemanjá)
Afora o enfoque na atuação da RJV RN sobre o cumprimento do PJV, alguns
participantes sinalizaram um objetivo mais geral para a Rede que envolvia ainda,
principalmente, a pressão sobre o poder público, mas numa perspectiva mais ampla:
O público-alvo da intervenção era primeiramente no poder público, sensibilizar o
poder público para interpretar as estatísticas, os dados alarmantes que estavam
crescendo, de homicídios envolvendo crianças, adolescentes e jovens também, né? E a
gente tentava sensibilizar o poder público para que eles fizessem a adesão tanto ao
Plano Juventude Viva, quanto aos programas que estavam dentro do desenho. (Xangô)
Na verdade, a ação da Rede era de incidência política. O que a Rede queria, no início,
era fazer pressão nos governos pra que ações de enfrentamento à violência fossem
desenvolvidas. Então, a princípio, quando a Rede foi criada, ela não queria
necessariamente mobilizar os jovens, mas aproveitando da mobilização que já existia
91
fazer pressão popular, fazer pressão nos governos, especialmente no governo estadual.
(Yemanjá)
Embora esteja sinalizado nessas falas ações frente ao poder público, outras atividades
que estavam fora desse espectro, e que tiveram como público alvo principalmente os jovens,
foram exemplificadas pelos participantes:
O grande objetivo da Rede era esse, era se articular todos os coletivos com o objetivo
de denunciar o extermínio, de promover ações de resistência, de ampliar o diálogo
entre sociedade civil e poder público, no intuito de construir ações que freiem este
extermínio e que promovam a vida plena. Ações culturais, atividades educativas,
politizantes, mas que trouxessem a cidadania principalmente nas comunidades mais
periféricas. (Ogum)
Era tentar chegar nessas comunidades periféricas, onde havia o extermínio, na
tentativa de, com oficinas, com momentos formativos, tentar promover ações pra que
isso fosse minimizado. (Oxum)
As rodas de conversas acerca da relação entre a redução da idade penal e o genocídio
de jovens, acompanhadas na fase de observações e registradas nos diários, também são um
exemplo de momentos formativos voltados especificamente para a juventude das
comunidades. Essas outras atividades, no entanto, foram destacadas por uma das participantes
como sendo algo que estava fora dos objetivos da Rede, e que ocorreu por causa de mudanças
nas configurações da RJV RN:
Aconteceu também, além disso, num momento que a Rede teve certo esvaziamento, a
necessidade de remobilizar os jovens para estarem ativamente novamente na Rede.
Então, foram feitas oficinas da discussão tanto do enfrentamento à violência, da
redução da idade penal, que foi também feita em vários bairros daqui da cidade de
Natal. E, que eu consigo lembrar, é isso. Muito mais na perspectiva da incidência
política do que ações diretas e de projetos. No meu entendimento, não era esse o
objetivo. Quando isso aconteceu, era com o objetivo de reoxigenar a Rede. (Yemanjá)
As rodas de conversa tinham outro papel além da formação, como pode ser visto
também no exemplo retirado de um registro em diário de campo:
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Ressaltei que foram passadas listas de presença nas rodas e que foram tiradas algumas
comissões de jovens, os quais – levando em consideração que estes momentos tinham
como objetivo também o convite para a participação nas reuniões da Rede – sugeri que
fossem incluídos no grupo do whatsapp, porém não tive resposta. (Diário de campo 6)
Além desse registro reforçar a ideia da reoxigenação, ele mostra uma das dificuldades
nas ações realizadas, relativa à comunicação interna ao coletivo. Assim como essa – e afora os
diversos avanços e ações que foram realizadas –, muitas outras dificuldades foram sinalizadas
pelos entrevistados nesse percurso, como no exemplo:
Então, no caso de Macaíba, Macaíba ainda aderiu ao Plano. Macaíba fez a adesão ao
Plano, começou a fazer atividades referentes ao Plano, eles fizeram audiência
pública... Não deram prosseguimento ao Plano. (...) O Plano, obrigatoriamente,
passava por um diálogo entre a sociedade e as prefeituras. A maioria das prefeituras
sequer conhecia a existência do Plano, então, primeiro, a gente tinha que fazer um
processo de sensibilização ao poder público (...). (Oxalá)
O desfecho dessas dificuldades também foi apontado por Oxalá, na medida em que,
até o presente momento, tanto o Plano Juventude Viva quanto a Rede estão estagnados e sem
perspectiva de retomar as atividades:
E aí, não se avançou muito nesse sentido, tanto por causa da resistência das
prefeituras, um pouco depois pela desarticulação da Rede de certa forma, e agora
porque esse Plano nem existe mais. O Plano Juventude Viva morreu, na verdade. E
tem todo um tabu, também, nessa questão, porque existe um trabalho constante de
criminalização da imagem da juventude, principalmente da juventude da periferia.
Mas era exatamente essa disputa que a Rede se propunha a fazer. A disputa de tentar
transformar a sociedade em um espaço mais justo para a juventude, principalmente a
juventude periférica que estava morrendo, ao mesmo tempo em que existia na
sociedade um movimento de criminalização dessa juventude. A gente era um
instrumento de disputa social desse discurso, também. Então, era esse o nosso
trabalho. (Oxalá)
Assim, é possível concluir que diversos elementos conjunturais e estruturais da nossa
sociedade se articularam nesse processo de estagnação do Plano, contribuindo, assim, para a
93
desmobilização da Rede – dada a sua forte vinculação a essa política. Pode-se dizer, portanto,
que se, por um lado, a RJV RN encontrou no Plano o importante pontapé para se constituir na
primeira iniciativa do estado a adotar como pauta central a questão do genocídio de jovens,
por outro, manter-se atrelada à política desfavoreceu a dinâmica de sua atuação, limitando
suas possibilidades de ação e de continuidade frente aos impasses e mudanças no cenário
político brasileiro. Além desses aspectos, as divergências nas falas acerca dos objetivos,
público-alvo e ações pensadas para a Rede, podem evidenciar tensões internas já existentes no
coletivo e na sociedade como um todo, bem como suscitar novas tensões.
4.6. Participação, representação e representatividade
Buscando reconstituir a composição inicial da Rede, pôde-se constatar, ao levar em
consideração os apontamentos de Silva (2015) e os Anais do IV Seminário sobre Realidades
Juvenis (2013), que havia uma grande diversidade de grupos atuando de/para/com jovens
participando do Seminário e/ou compondo a Articulação Potiguar de Juventudes. As falas de
alguns participantes ilustram as iniciativas com as quais a RJV RN contava no início:
Eu lembro de alguns: a própria PJ, como eu disse, eu lembro do LabRural, eu lembro
do... das juventudes dos partidos mais progressistas que se inseriram, a própria
juventude do PT e a galera do PSOL – que se inseriu muito timidamente, mas se
inseriu –, mas muitos coletivos da época, assim, não vou recordar... Mas eu me lembro
mais fortemente do CMJ, da Pastoral da Juventude, do LabRural me lembro bem, do
OBIJUV... (...) Os mandatos tinham os seus representantes, que acompanhavam essa
temática. Eram basicamente esses, assim, que eu me recordo. (Ogum)
Que eu lembre, a Posse de hip hop Lelo Melodia, Canto Jovem, Casa Renascer,
juventude de alguns partidos como o Partido dos Trabalhadores, a juventude socialista
(JSB) do PCdoB, as Pastorais diversas, Rede de Terreiros, coletivos de hip hop e
alguns membros de Diretórios Centrais, estudantes do DCE, grêmios e Centros
Acadêmicos, foi uma fundação bem diversa. Mesmo sendo no espaço do Marista, que
é um espaço cristão católico, mas estava bem plural a participação. (Xangô)
94
No entanto, resgatando o que foi visto na Tabela 1 sobre a composição da RJV RN,
assim como os registros de reuniões consultados e os diários de campo, foi possível perceber
a predominância de representação de alguns coletivos e municípios, desde o início de 2014 até
o final da etapa de entrevistas.
Dos oito participantes desta pesquisa, havia apenas quatro iniciativas representadas
(CMJ, PJ, SEJURN, OBIJUV), sendo dois participantes de cada. Dessas quatro, duas
(SEJURN e PJ) eram compostas por membros ligados a mandatos, não havendo outros
representantes do poder público na Rede. Os oito participantes representavam apenas três
municípios, sendo seis representantes de Natal, um de Ceará-Mirim e um de São Gonçalo.
À exceção do CMJ e da PJ, não havia outros movimentos de juventude representados
pelos participantes na RJV RN. Assim, não ocorreu apenas uma retração na abrangência
territorial das ações, como discutido anteriormente, mas também uma diminuição na própria
quantidade e diversidade de iniciativas dentro da RJV RN, que deixou de contar com a
participação de movimentos juvenis, como o Monitoramento Jovem de Políticas Públicas
(MJPOP) e a posse de hip hop Lelo Melodia. Isso é exemplificado na seguinte fala:
Os coletivos, os poucos que ficaram... Ficou muito o OBIJUV, ficou muito o CMJ,
ficou muito a Secretaria, teve esvaziamento... Sim, a PJ, o pessoal da PJ. Mas esvaziou
bastante, principalmente já no final. Eu lembro que no ano passado a gente já discutia
muito sobre isso, uma das últimas reuniões que nós tivemos foi até lá no CMJ e se
pensou em ver quem é que ainda estava fazendo parte da Rede, fazer uma lista de
pessoas, então... Quem discutia muito isso era quem estava na frente. Eu lembro que
tinha um e-mail, uma lista com 15 e-mails, 15 participantes, e na reunião iam quatro
pessoas. Ou três pessoas, às vezes. Então, era muito esvaziado. E às vezes, quatro
pessoas: duas de uma organização e duas de outra. (Oxóssi)
A preocupação em recontatar as demais iniciativas com as quais a Rede contava na sua
fundação também foi destacada por outro participante:
95
A gente precisava retomar os contatos com as entidades porque, se é uma Rede, ela
não é formada por um pequeno grupo, nem só por uma instituição. Ela é formada por
diversos grupos, e no momento em que a gente construiu a Rede, a gente tinha
realmente vários grupos diferentes de várias partes do estado, inclusive. Nós tínhamos
muita gente da região metropolitana, tínhamos um peso da região metropolitana, mas
nós tínhamos, por exemplo, uma participação mais integrada de Mossoró, até de
Caicó. Então, por exemplo, em Caicó existe a Rede de Jovens do Seridó. Essa Rede de
Jovens do Seridó estava se agregando à Rede Juventude Viva. Nós tínhamos, por
exemplo, o pessoal dos terreiros, que tinha gente de Extremoz, tinha gente de outros
municípios do interior também. Nós tínhamos as PJs: a PJR, a PJMP, a PJ em si, né?
A Pastoral da Juventude. E tínhamos outros grupos. Tinha a Juventude do PT, além
dos outros grupos, o Levante Popular da Juventude... Então, todos esses grupos, eles
estavam compondo a Rede. (Oxalá)
Faz-se importante refletir sobre a ausência de movimentos juvenis como a posse Lelo
Melodia e o MJPOP – e, portanto, da experiência da vivência cotidiana de jovens da periferia
na Rede – e a presença tão forte de instituições ligadas ao poder público, o que será discutido
mais adiante.
Questionados sobre quem geralmente estava mais à frente ou se responsabilizava mais
pelas ações, alguns participantes apontaram para uma divisão de tarefas relativamente
equilibrada:
Sempre tinham as pessoas que tinham mais empenho, vamos dizer assim. Então, essas
pessoas que tiveram mais empenho se autorresponsabilizavam, vamos dizer assim, por
estar sempre construindo a Rede e estar sempre fomentando novas atividades, ou se
propondo a planejar o que é que a gente poderia fazer, como é que a gente poderia
chamar mais jovens, como era que a gente poderia envolver mais jovens. E algumas
pessoas nesse processo vinham se destacando. Eu acho que esse grupo que você
entrevista, que você diz “ah, eu tive mais contato com esse grupo”, é exatamente
porque esse grupo estava mais preocupado em manter, em segurar, em levantar, em
ampliar a Rede. (Oxalá)
Eu não consigo identificar o trabalho da Rede Juventude Viva como mérito de uma
única pessoa, de única instituição. Ela não seria o que é, não aconteceria o que
aconteceu se fosse só CMJ, só o Canal Futura, só o mandato, se fosse só uma
comunidade. Não é à toa que é Rede Juventude Viva porque, de fato, foram trabalhos
de rede, foram construções coletivas. (Iansã)
96
Outros entrevistados, no entanto, deram destaque aos membros dos mesmos coletivos
representados nesta pesquisa, em especial o CMJ:
Tinham uns coletivos que estavam mais à frente que, por exemplo, tomavam a frente
de convocar reuniões, né? E a gente sempre tinha o espaço cedido pelo Centro Marista
de Juventude pra que a gente garantisse nossas reuniões, que eles convocavam, e eu
sentia a presença muito forte do OBIJUV (do Observatório de Juventude em
Contextos de Violência), em parceria com as Pastorais e o Centro Marista de
Juventude. E a gente, enquanto mandato, né, primeiramente como Frente e depois
como Secretaria de Juventude, colaborava mais na parte institucional, sabia dividir os
espaços. (Xangô)
Olha, no primeiro ano, no ano de fundação, essas responsabilidades eram encabeçadas
muito fortemente pelo Centro Marista de Juventude e pelas pessoas que compunham
na época (...). Então, essas pessoas eram mais carimbadas, porque eram as pessoas que
frequentavam a Rede, que estavam presentes nas reuniões. Porque apesar de ter o
espaço virtual, tanto do e-mail quanto do whatsapp, quem se responsabilizava pelas
ações era efetivamente aquelas pessoas que iam para as reuniões. Então, se elas
vinham para as reuniões, alguns encaminhamentos ficavam pra elas, e essas pessoas
eram as que constantemente estavam indo e se responsabilizando, indo e se
responsabilizando... Você tem essa lista, porque é justamente a lista das pessoas que
você está entrevistando. (Yemanjá)
Apesar de os discursos não apresentarem grandes divergências neste aspecto, uma fala
refletiu incômodo no que se refere às diferenças entre a participação dos membros:
Acho que sempre colocavam muito a responsabilidade só no Núcleo Operativo e não
era aquilo que a gente desejava, a gente não era uma coordenação, era para poder
contribuir. Então, deixar para que o outro desse conta das demandas... Então, gerava
um certo comodismo na maioria e as coisas que sobrecarregavam uns e outros...
Então, isso prejudica, não ter uma gestão bem dividida, um planejamento adequado,
isso também fragiliza. (Iansã)
Essa questão da sobrecarga aparece novamente no discurso de Iansã, quando solicitada
a avaliar sua atuação na RJV RN:
Assim, eu fui muito... como que eu posso dizer... realista, eu não vou ser hipócrita. Eu
acho que em muitos momentos eu segurei a barra. Eu acho que eu, enquanto Centro
Marista de Juventude, por poder estar mobilizando recurso, estar fazendo a ponte... E
acho que ora foi positivo, e ora foi negativo. Porque uma vez que você era referência,
97
principalmente por estar lidando com os recursos, as pessoas esperavam muito de
você, e eu tinha outras demandas dentro do Centro que não eram só a Rede. Me
sobrecarregava. Então nem sempre dava para você atender às expectativas daquilo que
você queria, como você queria e tudo mais. (Iansã)
Ainda relacionado à sobrecarga, uma participante levantou outro elemento que pode
ajudar a explicá-la, e que refletiria o cenário dos movimentos sociais como um todo frente à
conjuntura política do país:
Os movimentos são poucos para muitas lutas. Aí, foram os mesmos que estão na
Frente Brasil Popular, são os mesmo que estão nas manifestações de rua, são os
mesmos que estão nas ocupações... (Nanã)
Também se autoavaliando, alguns entrevistados apontaram para um direcionamento
maior de seus esforços para atuar na realidade dos seus próprios municípios:
Eu fiz parte da Rede como todos fizeram, mas eu não fui da linha de frente. (...) Outras
pessoas tiveram participações mais protagonistas neste processo. Até porque eu (...) a
prioridade, no meu caso, de militância, era na realidade na minha cidade, no meu
bairro da minha comunidade, porque lá não tinha outras pessoas. Então, eu tinha que
focar muito lá. Foi lá que a gente desenvolveu muitas ações, não necessariamente
organizadas em rede, mas ações pontuais, ações descentralizadas que foram
combinando com o cenário também de resistência. (Ogum)
A minha diferença nesse processo é poder levar um pouco disso, que a gente
representa, pra uma cidade que não tinha esse debate. Ceará-Mirim nunca fez esse
debate, Ceará-Mirim não tem grupos de jovens organizados com essas discussões –
apesar de existir alguns grupos de jovens, mas os grupos de jovens estão focados em
seus próprios grupos. Eles não têm um debate que é da sociedade, que é mais da
sociedade. E aí, eu acho que o mérito do trabalho é ter levado um pouco dessa
discussão pra lá, é ter movimentado um pouco a cidade sobre isso, ter provocado um
pouco a cidade sobre isso. E eu faço a avaliação do meu trabalho como um bom
trabalho. (Oxalá)
Em outra fala de Ogum, o participante reconhece não ter sido tão atuante na Rede
quanto gostaria. O discurso de Oxóssi revela também sua atuação não tão protagonista e mais
presente no início:
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E na Rede Juventude Viva tem um tempo que eu gostaria de ter sido mais
protagonista, assim. Virou até uma prioridade minha naquele momento. Mas algumas
outras coisas pessoais aconteceram, tomei algumas decisões que inviabilizaram esta
inserção direta para dentro da Rede e dificultaram um pouco minha participação. Eu
acho que a minha participação poderia ter sido melhor, analiso isso assim. Em parte
por mim mesmo, em parte porque a conjuntura também não me ajudou. Assim como
muitos eu fui cuidar de outras coisas que precisavam da minha atenção, do meu grupo,
do meu coletivo, e tirou um pouco desse meu processo da Rede. Acho que eu me
avalio assim. (Ogum)
A minha participação sempre foi muito mais discreta nesse ponto. Eu nunca estive tão
à frente, era mais... Eu estava representando o Centro, de frente, em outros espaços.
(Oxóssi)
Outros entrevistados, no entanto, são enfáticos em se autoavaliar positivamente quanto
à atuação na RJV RN:
O que eu sinto é: mudei de instituição durante o período, mas eu me senti, em cada
instituição que eu ia, me senti comprometida com a Rede. (...) Porque eu fui do
mandato, sou da equipe da Escola de Formação Quilombo dos Palmares e fui da
SEJURN, mas continuei dentro da Rede. E agora voltei para a sociedade civil, né? Sou
do Laboratório de Estudos Rurais, UFRN, como estudante mesmo, doutoranda, e sou
da Rede de Educadores Populares. Da Rede eu sempre vou ser, não vou deixar a Rede.
(Nanã)
Eu acho que fiz as coisas e não me arrependo de nada. Cansei muito, foram muitas
lágrimas, muitos risos, muito tudo... E pretendo dar o pontapé inicial para essa
remobilização. Não sei até quando, porque acho que a gente tem que dar espaço para
outras pessoas que chegarem oxigenar, a galera mais nova. Mas não adianta a gente
também não acompanhar, não fazer este processo de transição. Eu acho que a Rede
está precisando disso: uma nova mobilização para um processo de transição, pra uma
nova galera ocupar e dar continuidade. (Iansã)
Eu avalio que eu participei bem da Rede. Participei muito, muito, inicialmente,
participei muito enquanto fui articuladora do Plano Juventude Viva, e participei
também enquanto representante do OBIJUV – o que foi, e o que tem sido a minha
participação nos últimos tempos –, mas também tenho feito escolhas de deixar que a
juventude e os jovens, de fato, participem mais e liderem esse espaço. (...) Então, eu
fui fazendo o papel de apoio mesmo – sugerindo formação, pensando e planejando
como poderia ser essa formação –, assumindo mesmo esse lugar de assessoria e não o
lugar de fala. (Yemanjá)
Nos últimos exemplos, emergem dois aspectos cruciais para a discussão acerca da
participação e da representatividade no coletivo: a mudança de papéis dos membros ao longo
99
da trajetória da RJV RN; e a preocupação com o envolvimento dos jovens (em especial,
negros e negras da periferia) como alvo e/ou agentes nas ações. Acerca da mudança de papéis,
uma entrevistada trouxe:
Então, algumas pessoas que – apesar desses representantes que eram do mandato,
apesar de serem mandato, e mandato é poder público – representa um deputado que tá
no Legislativo, encarava a situação e se colocava muito enquanto sociedade civil,
como movimento, fortalecendo o movimento ali. E ao longo do tempo, algumas
pessoas mudaram de posição. (...) Facilitar os debates, enquanto secretária de
juventude ficava um pouco estranho, porque era um debate que cobrava do governo
que ele fizesse tal ação. Então, ela mesma, enquanto secretária, não podia se
autocobrar [risos] de realizar uma ação. (Yemanjá)
Essa fala evidencia bem as tensões entre poder público e sociedade civil. É possível
perceber, portanto, que ainda que a Rede tivesse discutido e trabalhado desde o início sua
identidade, objetivos, composição e outros aspectos de organização interna, em algum
momento essa mudança de papéis dos membros – e que reflete aspectos externos ao coletivo –
poderia levar a mudanças na sua configuração.
Alguns discursos apontaram para a preocupação da Rede diante da participação de
jovens negros e negras de periferia como agentes e/ou alvo das ações da RJV RN :
Então, o público era prioritariamente juventude negra da periferia, homens e mulheres,
que apesar dos maiores índices serem masculinos, a gente sabe que também têm e vêm
crescendo nos últimos anos, principalmente – apesar da fragilidade da Rede nesses
últimos um ano e meio a dois anos –, os índices de extermínio à mulher, o feminicídio
está crescendo absurdamente. (Iansã)
Na minha perspectiva, e sendo representante de uma organização do poder público,
(...) não deveria ser eu a liderar certos momentos, certos espaços, que a Rede tem que
levar. Até porque na Rede há grupos de organizações juvenis, movimentos juvenis
que, acredito eu, por eles serem jovens e serem da sociedade civil, teriam mais
legitimidade para levar. Então, eu confesso que eu fui, aos poucos, me retirando de
algumas coisas e assumindo mesmo o papel de apoio – que deve ser, na minha
perspectiva, o lugar da universidade, que é o lugar do apoio, mas não o lugar do
empoderamento, da fala. O lugar da fala tem que ser do sujeito que realmente
demanda e vive a problemática. (Yemanjá)
100
A gente dialogou muito com o pessoal já organizado, com a juventude organizada,
mas a gente sabe que o jovem que está morrendo é o jovem que está completamente
fora do mercado de trabalho, fora do mercado formal, na maioria das vezes até da
escola, ou seja, estão excluídos do processo da sociedade. (Xangô)
Essas falas representam três perspectivas diferentes. Na primeira, considera-se como
público-alvo das ações a juventude, mesmo que as ações tenham sido apontadas pela maioria
dos entrevistados como de incidência política. Na segunda, há a sugestão de que movimentos
e grupos juvenis deveriam ser os agentes dessa pressão ao poder público. Na terceira
perspectiva, no entanto, a ênfase é em trazer o debate para a juventude não organizada em
movimentos ou outras iniciativas, mas mantém-se o seu aspecto de público-alvo das ações.
Essas divergências reforçam novamente a necessidade de uma discussão dos aspectos de
organização interna e de planejamento, tanto para a reoxigenação do coletivo – pois os novos
membros que se deseja trazer precisam saber o que vão fazer e por que, no coletivo, para se
sentirem atraídos – quanto para a efetividade das ações.
Sobre a abertura da Rede a membros que quisessem contribuir para a pauta do
enfrentamento ao genocídio da juventude, não havia restrições, como pode ser visto nos
exemplos a seguir:
Eu acho que a Rede acabou também mobilizando pessoas que não participavam de
nada, de movimento nenhum, que foram para o Seminário. Tem uma mãe, que ela veio
para o Seminário Realidade Juvenis para apresentar o artesanato dela na Feira, e aí no
meio da Feira já falou que tinha perdido um filho vítima de violência. A filha dela
também foi para as coisas da Rede. Agora na campanha, eu a reencontrei. (Nanã)
Uma discussão que a gente fazia muito - a gente sempre fez dentro da Rede –, é que
você não precisava ser vinculado a nenhum grupo. Porque todo mundo dizia assim “eu
queria participar, mas eu não faço parte de uma rede, de uma ONG... como que é eu
faço?”. Você é jovem, você tá numa comunidade, você não é jovem, mas já sofreu...
(Iansã)
101
Quatro dos oito entrevistados desta pesquisa ainda são considerados jovens, de acordo
com o Estatuto da Juventude. Outros dois, além desses, ainda eram jovens em 2013, ano do
Seminário. No entanto, se partirmos da divisão proposta pelo Estatuto, em jovens
adolescentes, jovens jovens e adultos jovens, apenas este último grupo está contemplado entre
os participantes da Rede. Porém, como aponta a fala de uma entrevistada, esses grupos não
contemplados têm tido bastantes vítimas de homicídios:
A última pesquisa apontou que no Rio Grande do Norte aumentou em 500 por cento. E
esses 500 por cento foram de zero a 19 anos. Ou seja, o Mapa da Violência, que está lá
até 29 e tem outros dados que apontam até 19 anos. Se você juntar as duas fontes, você
vai ver como cresceu no Rio Grande do Norte. (Nanã)
Ainda que aberta a novos membros não organizados em movimentos e não
necessariamente jovens, a RJV RN não conseguiu alcançar a reoxigenação desejada. Em
resumo, tem-se que a Rede sofreu um profundo processo de retração na abrangência territorial
das ações, com um quadro de baixa diversidade de iniciativas de/para/com juventudes,
ficando pouco representativa do universo juvenil que abrange a faixa etária de 15 a 24 anos –
e principalmente de jovens negros e negras, de periferia e não organizados em movimentos –,
esvaziada, desmobilizada e com lacunas na sua organização interna.
Um dos aspectos que foi destacado pelos participantes, no sentido de reverter tal
situação, foi retomar os contatos com as organizações. Nesse sentido, questionados sobre que
outras iniciativas poderiam contribuir para o enfrentamento a este quadro de genocídio no
estado, os participantes trouxeram uma infinidade de exemplos de iniciativas e coletivos, que
foram agrupados na lista a seguir:
Rede de Jovens de Matriz Africana e Terreiros do RN;
Programa Conexão Prevenção;
Levante Popular da Juventude;
102
Frente Potiguar contra a Redução da Idade Penal;
Associação Beneficente Amor Verdadeiro (ASBAV);
Central Única das Favelas (CUFA);
Grito Urbano;
Dez Mulheres da Vila de Ponta Negra;
Batalha do Vinho;
Conselho Tutelar:
Conselho Estadual da Criança e do Adolescente;
Eco Praça;
Coletivos de hip hop (Posse Lelo Melodia e outros);
Fórum de Juventude Negra;
Grupos autônomos de dança de rua (break), capoeira, grafite, rap, quadrilhas juninas,
escotismo, grêmios estudantis.
Mais uma vez, ressalta-se a necessidade de discussão e planejamento acerca da
natureza das parcerias que se pretende fazer, do alinhamento entre ações desenvolvidas junto
a esses parceiros e o projeto político da Rede, bem como dos objetivos envolvidos.
4.7. Resultados alcançados: a RJV RN como inspiração para o surgimento de novas
Redes
Apesar da recente estagnação da RJV RN, é possível verificar, a partir dos trechos de
falas destacados nos temas anteriores, que este coletivo realizou diversas ações. Convidadas a
citar algumas ações, duas participantes demonstraram bem a diversidade desses momentos:
103
Ah, já fiz rodas de conversas, já fiz mobilização, já fiz escrita de ofício para solicitar
espaço, para poder solicitar a presença do Prefeito, já fomos a reuniões em gabinetes,
tanto da Prefeitura quanto da Câmara, audiências públicas, já representei a Rede em
reuniões... É muita coisa. Que eu lembre, mesmo, é isso. (Iansã)
A gente traçou um planejamento: reuniões com o coletivo da Rede Juventude Viva,
atividades nas comunidades, estudos sobre os dados. (Nanã)
Outro entrevistado destacou uma ação mais pontual e focada na articulação da RJV
com a Pastoral da Juventude:
Enquanto Pastoral da Juventude, acho que essa é minha principal atividade na Rede
Juventude Viva, foi fazer um link entre o que a Rede tava pautando, a realidade de
extermínio que a juventude vivia no estado, qual era a prioridade da Rede no debate,
quais eram as atividades que Rede estava propondo, e a gente tentar mobilizar a
Pastoral da Juventude para colar junto. (Ogum)
Assim, o que se vê nos discursos é que as divergências entre objetivos também são
refletidas nas ações, que ora visavam levar o debate do genocídio para as juventudes diversas,
ora pressionavam o poder público pela implementação de políticas e ferramentas de
juventude. Solicitados a avaliar as ações da RJV RN, os entrevistados se posicionaram
positivamente:
Eu avalio como satisfatórias. Aliás, eu avalio como plenamente satisfatórias, porque
começar como a gente começou, com as fragilidades que a gente tinha, com as
limitações tanto de pessoas quanto financeiras? E a gente foi resistindo, assim...
(Iansã)
Eu acho que as nossas ações, elas foram ações positivas, né? E nosso trabalho também
estava produzindo resultados. Então, eu acho que a gente estava conseguindo se
organizar – não era ainda o esperado, do tamanho que a gente queria, vamos dizer
assim, mas eu acho que o nosso trabalho estava fluindo bem sim, estava conseguindo
ser sistemático –, porque cada cidade, por exemplo, estava começando a ter acesso a
essas ações, a essa discussão também... (Oxalá)
Sobre o conceito de “ações positivas”, Yemanjá explicou:
104
O resultado positivo não é a audiência pública estar cheia de participantes. O resultado
positivo, na minha perspectiva, é que os encaminhamentos daquela audiência pública
sejam cumpridos. (Yemanjá)
A questão do número de participantes, no entanto, pode se revelar importante quando
se trata de promover a formação dos jovens para o enfrentamento ao genocídio da juventude,
bem como nas ações de disputa de opiniões nas comunidades, como destacado nos trechos
abaixo:
Assim, apesar da baixa atual, eu acho que conseguiu multiplicar o número de pessoas,
de jovens e de grupos, principalmente das comunidades, para estar levantando este
debate, para estar se inserindo em Natal, pra estar se motivando. Eu acho também que,
como eu falei agora há pouco, que a gente não tem dimensão de onde a gente atingiu.
(Iansã)
Compareceram mais de 30 jovens de todas as idades (havia algumas crianças,
inclusive) da comunidade, sendo a maioria dos grupos de hip hop e de capoeira.
(Diário de campo 1)
O último trecho discorre sobre uma das quatro rodas de conversa realizadas acerca da
ligação entre redução da maioridade penal e o genocídio de jovens (no bairro de Nossa
Senhora da Apresentação, na Zona Norte de Natal), e que teve uma participação bem
diversificada em termos de atores sociais da comunidade e outras pessoas interessadas pelo
debate. Outro trecho, porém, referente à roda realizada no bairro de Felipe Camarão (Zona
Oeste de Natal), revela certa homogeneidade nos atores – que pertenciam, em sua maioria, aos
coletivos Monitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP) e Levante Popular da
Juventude:
Contamos com aproximadamente 30 participantes, quase todos jovens pertencentes a
estes movimentos (aproximadamente 6 deles tinham entre 12 e 15 anos), com exceção
de 5 de fora dos movimentos, mais ainda assim atuantes na comunidade. (...) Os
jovens interagiram bastante, como era esperado por serem jovens de movimentos
sociais, e os assuntos da roda puderam ser bem explorados. (Diário de campo 4)
105
Ainda assim, apesar da falta de diversidade restringir o alcance do debate aos jovens já
organizados e outros atores já “carimbados” na luta pelos direitos da juventude, alguns
elementos positivos puderam ser destacados:
Vários questionamentos e argumentos interessantes foram levantados pelo grupo,
como os conceitos de “cidadão de bem”, de “fazer coisa errada”, sobre a ação violenta
da polícia direcionada especialmente a jovens negros e pobres, a responsabilidade da
sociedade sobre o cuidado das crianças (futuros jovens), como/se chegam as políticas
públicas até os jovens, o papel da mídia na estigmatização desse público, entre outras.
(Diário de campo 2)
Jovens que novamente se mostraram muito empoderados, trazendo considerações
sobre o papel do capitalismo e da mídia na propagação do consumismo e de uma
imagem distorcida acerca da juventude e dos atos infracionais cometidos por
adolescentes. (Diário de campo 3)
Nesse sentido, embora não se tenha garantido a diversidade e, principalmente, o
alcance aos jovens em maior situação de vulnerabilidade desejados, é possível perceber que
debates como esses consistem em momentos de troca de argumentos que se fazem
extremamente necessários quando se trata de disputar opiniões sobre temas relacionados à
vida da juventude em nossa sociedade. Uma vez que a criminalização da juventude nas mídias
diversas só cresce, é preciso potencializar também a quantidade e qualidade da argumentação
dos atores que se propõem a defender uma sociedade mais justa e igualitária para os nossos
jovens.
Uma preocupação dos membros do coletivo, ao propor uma metodologia para as rodas
de conversa, foi a de encorajar as pessoas a falarem, mesmo as mais tímidas ou que tivessem
posicionamento inicial favorável à redução da idade penal. Outro ponto importante era
motivar os jovens participantes das rodas a multiplicar esse debate. Assim:
A metodologia parece ter cumprido com o que se propôs, uma vez que houve bastante
participação (falas) (...). Como pontos positivos também tivemos: mobilização intensa
e bastante diversificada na roda da Zona Norte, disposição dos jovens de Mãe Luíza e
106
Felipe Camarão a ajudar contribuindo com outros momentos semelhantes, a presença
de pelo menos 2 facilitadores em 3 das 4 rodas. (Diário de campo 5)
As rodas, no entanto, representaram um pequeno recorte na atuação da RJV RN frente
ao genocídio da juventude no estado. Muitos outros resultados positivos, referentes ainda à
multiplicação do debate acerca da violência contra os jovens, foram apontados pelos
participantes:
Tem um grupo de futebol lá na Nossa Senhora da Apresentação, dizendo: “Essa Rede,
eu conheci essa Rede em 2013 e eu continuo com grupo de futebol graças a ela... é
onde eu faço a discussão”. A gente não tem dimensão de onde a Rede tá hoje, onde
atua. (Iansã)
(...) hoje a gente tem uma realidade de articulação muito boa, em comunidades muito
difíceis como Bom Pastor e comunidades como a da Vila de Ponta Negra. Lá na minha
cidade, São Gonçalo do Amarante, na Zona Norte... A gente tem uma realidade de
articulação muito politizada, muito mais politizada, e que a Rede influenciou bastante
nisso. (...) Tudo isso foi muito pedagógico, vamos dizer assim, pra a formação desta
galera. (Ogum)
Então, começou a se formar alguns núcleos a partir dessa intervenção que eu também
vinha fazendo junto aos municípios. E aí, eu consegui fazer isso em Mossoró e em
Ceará-Mirim. Então, ficou: Natal, Mossoró e Ceará-Mirim. (Yemanjá)
Resultados mais concretos das ações foram destacados pelos entrevistados. Um deles
foi fruto da pressão pela divulgação de dados realistas dos homicídios juvenis no estado:
Que no início (...) falavam das dificuldades de ter acesso aos dados. E aí, você acaba
juntando uma frente com a outra... Não foi a Rede Juventude Viva, mas foi a
articulação em rede, da Rede com a Universidade, com o grupo de Direitos Humanos e
tudo mais, conseguiu liberar os dados e fornecer os materiais, subsídios para que a
gente tenha documentos, hoje, mais concretos, para que possa tá avançando no debate.
(Iansã)
Então, eu acho que a Rede cumpre o papel dela nesse processo de se organizar para
combater o extermínio da juventude. E aí, de diversas maneiras, desde se reunir para
partilhar a realidade dos bairros (nós fizemos isso muitas vezes), para partilhar a luta
pela transparência dos dados, que inclusive foi um outro ganho que a gente conseguiu
(...) através da Secretaria de Juventude e de outras secretarias. E a Rede Juventude
Viva também participou deste debate, que foi o monitoramento de dados de violência
107
no Estado. Então, ela contribuiu muito neste processo, processo de chamar a atenção e
tornar visível o extermínio da juventude no estado. (Ogum)
Outra importante conquista, na qual os entrevistados também situaram a contribuição
da Rede ao pressionar o poder público, foi a própria criação da SEJURN:
Pressionar o poder público – a conquista da SEJURN foi graças à Rede Juventude
Viva. Durante o processo de campanha mesmo a gente cobrou muito do governador a
criação da secretaria, com independência, com autonomia financeira... (Xangô)
Ainda de acordo com os participantes, outras conquistas frente ao poder público
também contaram com o apoio dessa pressão da RJV RN:
E a gente fez vários encontros lá em Mossoró – do núcleo lá –, em vários momentos
de incidência política com o secretário, com o prefeito, onde teve a participação deles
lá. Da mesma forma, em Ceará-Mirim. Chegou a fazer audiência pública, em que os
meninos se colocaram lá. (Yemanjá)
Eu acredito que, de 2008 até 2014, 2015, a gente conseguiu alguns avanços, né? A
gente conseguiu por no papel a criação do Conselho Estadual de Juventude, o governo
do estado fez o termo de adesão do Plano, o governo do estado garantiu alguns
convênios importantes para esse público mais vulnerável... (Xangô)
O V Seminário Sobre Realidades Juvenis, em 2015, foi citado pelos participantes
como tendo a contribuição da Rede:
No ano seguinte (...), nós fizemos em Ceará-Mirim de novo um segundo Seminário de
Realidades Juvenis, só que, nesse, com uma mobilização maior. Nós fizemos dez
rodas de conversa, com dez grupos, antes do Seminário. Então, fizemos dez rodas de
conversa e depois a gente fez o Seminário. Então, teve uma divulgação muito maior,
um debate muito maior, com os grupos diferentes, e inclusive nós conseguimos ir aos
interiores, por exemplo, das cidades, nesse processo. (Oxalá)
O fomento de outras iniciativas em prol dos direitos da juventude também foi
considerado pelos entrevistados como resultados positivos alcançados pela atuação do
coletivo:
108
Em Caicó, nós temos agora a Rede Juventude do Seridó, que também foi fruto da
Rede Juventude Viva, de trabalho e de parceria. (Iansã)
Ela foi muito importante inclusive para formação da Frente Potiguar contra a Redução
da Maioridade Penal. A experiência da Rede proporcionou a possibilidade de se
formar a Frente. (...) Ela foi muito importante, como já citei o exemplo, pra Pastoral da
Juventude. Ela foi muito importante no fortalecimento de outros coletivos e chamar
atenção para outros coletivos, para outros grupos, para outros movimentos, do
extermínio da juventude, sobretudo negra. (Ogum)
A Rede puxou o processo que deu origem à Frente. (Oxalá)
Nas duas últimas falas, é possível perceber um destaque para o surgimento da Frente
Potiguar Contra a Redução da Idade Penal, coletivo que foi criado após a tramitação da
Proposta de Emenda Constitucional 171 no Congresso Nacional, e que continua realizando
ações e apoiando outros coletivos na luta diante das diversas pautas que têm surgido desde
então.
Em resumo, o balanço geral de ações e resultados realizado pelos entrevistados é que:
Acho que a gente causou uma discussão sim, um incômodo nas gestões, porque
mesmo não tendo aderido, a gente deu visibilidade. (Iansã)
Acho que a Rede foi uma catalisadora, vamos dizer assim, de informação, de
formação, de capacitação e de organização e acho que cumpriu o papel dela. Eu acho
que ela cumpriu o papel dela quando se propôs a ser um espaço que concentrou o
debate sobre o extermínio da juventude negra no estado e subsidiou diversos outros
coletivos para que levassem esse debate para suas realidades. (Ogum)
No que se refere às ações de incidência política nos municípios de Ceará-Mirim,
Natal, Mossoró e São Gonçalo, os resultados citados pelos entrevistados são corroborados
pelo relatório da articuladora do Plano Juventude Viva cedido para esta pesquisa, que é um
documento oficial destinado ao Governo Federal. Mais uma vez, diante dessa intersecção de
informações e da natureza diversa dos demais resultados alcançados, fica evidente a
109
importância de uma discussão que envolvesse a coexistência dos movimentos sociais e do
poder público no coletivo, e que passa por pensar a estrutura interna como um todo.
Todos os resultados positivos discutidos culminaram em um fato crucial: a experiência
da Rede Juventude Viva do RN como inspiração para a criação de redes de enfrentamento ao
genocídio da juventude semelhantes. Praticamente todos os participantes disseram que a Rede
era a única iniciativa no estado a adotar como pauta central a questão do genocídio da
juventude.
Eu acho que a Rede Juventude Viva, foi a rede que agregou... Porque, assim, em
relação à pauta política, especificamente, alguns partidos discutem isso, mas eles não
fazem disso a sua bandeira principal – como a Rede tinha isso como sua principal
bandeira. A nossa bandeira é acabar com o extermínio da juventude. Então, eu acho
que só a Rede Juventude Viva, no estado do Rio Grande do Norte, tinha isso como
central. (Oxalá)
A inspiração para a criação de redes com essa pauta central em outros estados residiu,
principalmente, no fato de, diferentemente do que estava previsto no Plano, ela ter consistido
numa rede real de enfrentamento ao genocídio da juventude, que não só divulgou ações como
as propôs.
O Rio Grande do Norte, ele foi referência nacionalmente, pra Secretaria Nacional de
Juventude, na atuação da Rede. Tanto que nós fomos para o Fórum Nacional de
Direitos Humanos, no final de 2013, levar a experiência. (Iansã)
E uma coisa que eu gostaria de registrar: nesta audiência que a gente conseguiu trazer
a articuladora para o Rio Grande do Norte, estava presente a Bahia e estava presente
Pernambuco. E lá, as instituições – lá em Brasília, eu tô falando –, e lá a gente pensou
nisso de estimular outros municípios e estados a terem Rede, então... (...) E a partir
daí, Pernambuco também teve uma articulação. Aí foi a Rede dos Jovens do Nordeste
que foi mais protagonista. Lá no interior da Bahia teve essa provocação, pra ter a Rede
Juventude Viva lá... Então, a gente acabou influenciando outros. (Nanã)
Por fim, frente a tantos resultados positivos, conquistados apesar de todas as inúmeras
dificuldades enfrentadas pelo coletivo, percebe-se o potencial de uma iniciativa como essa
110
para o enfrentamento ao genocídio da juventude no Rio Grande do Norte. Assim, faz-se
importante empreender esforços para reviver de fato o coletivo, retornando às articulações,
reuniões e ações diversas ou, pelo menos, registrar a história e, portanto, manter viva a
memória da Rede para que suas experiências possam apontar reflexões, possibilidades de
atuação e caminhos de superação à realidade de genocídio e outras violações diversas dos
direitos das juventudes.
4.8. Desmobilização e esvaziamento da Rede Juventude Viva
Acompanhando a evolução das reuniões da RJV RN através dos registros fornecidos
pelo coletivo, é possível perceber um esvaziamento ao longo do tempo. Se a primeira reunião,
em 2013, pôde contar com a representação de mais de dez coletivos, ao longo do ano não
ocorreram mais reuniões. Como esse encontro data de abril de 2013, ou seja, é anterior ao IV
Seminário sobre Realidades Juvenis, tal ausência pode ser justificada pela movimentação em
prol do evento. Nesse sentido, Oxóssi afirmou: “A gente veio do boom da criação da Rede e
da emergência da luta contra o extermínio da juventude, e do caos do extermínio da juventude
aqui em nosso estado”.
Esse boom de que trata Oxóssi, no entanto, não se seguiu em 2014, ainda que se tenha
contado com a colaboração de uma articuladora específica para o RN do Plano Juventude
Viva a partir de junho desse ano. A ausência de registros de reuniões em 2014, assim como a
fala de um entrevistado, ilustra bem esse fato:
Com relação a gente estar menos organizado, quando a gente sai de 2013 e vai
entrando em 2014, a gente estava num ritmo de atuação e de organização muito
melhor. Quando vai chegando em 2014, a Rede vai, de certa forma, se
desestruturando. (Oxalá)
111
No ano de 2015, a Rede realizou três reuniões e quatro rodas de conversa nas
comunidades, além de apoios pontuais em ações de outros coletivos. Porém, houve alta
rotatividade de membros nas reuniões de fevereiro e abril (muitos coletivos em ambas as
reuniões, mas em uma configuração muito diferente de uma para a outra) e a representação de
apenas três coletivos e quatro participantes na última reunião do ano. Corroborando com essa
realidade, em um registro de campo estava presente a discussão sobre a desarticulação do
coletivo, no que se refere a questões de organização interna e participação, chegando mesmo a
se discutir a continuidade ou não do movimento:
A reunião girou mais em torno das resoluções de reuniões anteriores que não foram
cumpridas, em especial o planejamento de um seminário da Rede para apresentação de
dados, discussão de identidades, objetivos e de uma agenda de ações. Tal momento
dependia de uma reunião interna dos integrantes do Comitê Operativo, o que não
ocorreu. Sendo assim, questionou-se se este grupo ainda tinha interesse de se manter
nessa função. (...) questionou-se se a própria Rede tinha interesse em continuar. Diante
desse quadro, reforçou-se novamente a importância de haver uma reunião desse
núcleo, abandonando-se momentaneamente a ideia de um grande seminário da Rede.
(Diário de campo 7)
Esse ano apareceu ainda em um dos discursos como o de maior desarticulação do
coletivo, como no exemplo:
Em 2015, ela já está bem mais desestruturada. E surge a Frente, e a gente se organiza
mais dentro da Frente Potiguar. As mudanças são essas – meio que uma dificuldade de
se organizar realmente. E um dos fatores básicos, assim, acho que é o contexto.
(Oxalá)
Em outras falas, o surgimento da Frente Potiguar Contra a Redução da Idade Penal
também foi relacionado à desmobilização e ao esvaziamento da RJV RN:
A Frente era maior do que a Rede – é maior do que a Rede –, mas o grupo que é a
Rede estava totalmente, cem por cento, dentro da Frente. Então, nós acabamos nos
112
dedicando principalmente a essa temática, principalmente, na qual interrompemos
mais o debate com relação ao extermínio porque passamos a priorizar a pauta da
redução. (Oxalá)
Hoje em dia, a gente tá um pouco assim, na questão da redução da maioridade penal, e
praticamente todo mundo migrou para esse outro coletivo, então a Rede, de certa
forma, ela vem trabalhando mais no sentido da questão da redução. (...) Acabaram que
as pessoas migraram da Rede Juventude Viva para Frente do combate à redução.
Então, ficou muito focada neste debate (...) e acabou que foi deixando para trás,
digamos assim. (Oxum)
Assim como essa, outras pautas que emergiram no cenário político desde a criação da
Rede foram apontadas pelos participantes como tendo contribuído para o quadro de
desmobilização e esvaziamento desta iniciativa:
Fomos atropelados por uma série de questões de políticas públicas, de contexto
político, de contexto social, que não permitiram uma articulação adequada dos
coletivos. Não sei se os coletivos percebiam a força que a Rede poderia ter para a
juventude do Rio Grande do Norte, a juventude da região metropolitana. (Oxóssi)
Os participantes também atribuíram a estagnação da Rede à falta de comprometimento
dos gestores, como nos exemplos:
E as maiores dificuldades eu acho que passava por isso, que a gestão pública não se
comprometeu... Quando teve minimamente uma gestão que se comprometeu, mas foi
muito rápida, não durou (...). Você chama e parece que tá falando no vazio para os
gestores. Parece que... qual é a força que a gente tem? E a política da juventude, ela
ainda tão incipiente, tão recente, então é a primeira que é cortada em tudo, isso
desmobiliza. (Nanã)
Eu acredito que a Rede não soube lidar com frustrações ao longo do tempo, porque
não foi fácil garantir a pauta em muitos momentos. E a Rede recebeu “não” muitas
vezes, em relação à política de enfrentamento à violência contra a juventude. Então, a
cada vez que se ia pra uma audiência pública, com o secretário de juventude do
município de Natal, que ouvia ele dizer que ia aderir ao Plano Juventude Viva, três
meses depois a gente fazia outra audiência pública e ele dizia a mesma coisa (...).
Então, eu acho que a Rede foi percebendo, as pessoas foram percebendo, que não
existia vontade política em torno do tema, não existia também capacidade de palavra –
nem no município, nem no estado. (Yemanjá)
113
Questionados sobre as dificuldades no trabalho da Rede, os participantes relataram
ainda o envolvimento em outras demandas, referentes ao cenário nacional:
Tem uma desmobilização agora, e eu acho que tem a ver com todo esse cenário
nacional mesmo. (...) A gente tem que ir pra rua, mas não pode perder de vista a
organização destes coletivos, para a gente não perder de vistas as nossas pautas. Se
não, a gente não vai pra rua levantando a pauta do enfrentamento ao extermínio, a
gente só vai falar contra a PEC 241. Mas a PEC 241, ela é promotora do extermínio da
juventude. (Nanã)
A Rede perde força no momento que os coletivos também perdem força. (Ogum)
A comunicação também foi destacada como uma dificuldade importante pelos
participantes:
Mas, assim, eu acho que o que também era difícil para a Rede – o que é difícil –, era a
gente não ter muitos espaços de comunicação. (...) Fizemos uma página, por exemplo,
da Rede, e que, por exemplo, não tinha ninguém que mantivesse essa página
funcionando, atualizando... né? (...). Pessoas pra fazer contato, por exemplo, com os
grupos... Era muito aquele negócio: “Fulano vai se responsabilizar e vai ligar”, e essa
pessoa ia tentando articular. E como a gente tá falando de uma pauta que disputa na
sociedade a opinião das pessoas, era bom que a gente tivesse uma forma de fazer
vídeo, uma forma de ter uma página que realmente funcionasse, um site ou um blog,
um canal no youtube, não sei... Algum meio de comunicação mais forte pra poder
concorrer com outras mídias que estavam exatamente criminalizando essa mesma
juventude que nós estávamos e estamos defendendo. (Oxalá)
Apesar de a gente ter o e-mail, mas a gente nunca soube ao certo quantas pessoas
tinham cadastradas ali, quantos e-mails estavam válidos ou não. Aí tinha o whatsapp,
que talvez nem todo mundo tivesse no grupo de whatsapp. Muitas pessoas colocavam
as questões ali naquele grupo: “gente, vamos nos reunir tal data?” – cinquenta pessoas
visualizavam, cinco respondiam... Então, é aquela coisa, a comunicação também foi
algo que não funcionou legal. Foi problemática. (Yemanjá)
Por fim, alguns problemas mais pontuais são levantados acerca da dinâmica da RJV
RN, como as disputas e desgastes entre os coletivos, a dificuldade de se travar o debate do
genocídio da juventude na sociedade e problemas com as lideranças do coletivo.
Questão de esvaziamento mesmo. E aí você passa por disputas e desgastes entre os
coletivos que, de certa forma, até desmotiva você tentar juntar de novo (...). (Oxum)
114
A gente acredita que, não sei se era um debate muito novo, muito recente, se as
pessoas ainda não estavam convencidas, e a população que seria o público-alvo dos
programas e dos projetos ainda tinha dificuldade de encarar aqueles homicídios, e o
extermínio, né – porque tá acontecendo um verdadeiro extermínio –, como um
problema que o governo, o Estado e a própria juventude poderiam colaborar. Acho
que a gente teve dificuldade de chegar no público-alvo mesmo. (Xangô)
Limites, são os limites de liderança, né? Quem é que lidera? (...) Acompanhei nos
últimos tempos, uma dificuldade de se encontrar lideranças nessa Rede, né? Quem é
que lidera mesmo, quem é que coordena mesmo... esse babado aqui [risos]? E um
esvaziamento desse espaço da liderança, porque ninguém queria, né? Não, não quero
estar aqui... Centro Marista de Juventude já se distanciando desse processo – “não,
porque a gente tá aqui há muito tempo fazendo essa liderança, tá na hora de outra
organização assumir esse espaço” –, e nenhuma outra organização assumiu esse
espaço. (Yemanjá)
Acredita-se, porém, que apesar de consistirem em obstáculos à ação, boa parte desses
problemas poderia ser resolvida através do processo de reestruturação interna da RJV RN, não
configurando, portanto, impedimentos definitivos à atuação desse movimento.
4.9. Desafios frente ao cenário político atual
Uma vez esboçada pelos participantes a ideia de que o processo que levou ao atual
quadro de estagnação da RJV RN tem a ver com mudanças recentes no cenário político
nacional, cabe aqui discutir melhor cada um desses marcos, e em que medida influenciaram a
dinâmica do coletivo investigado. O primeiro fato elencado pelos participantes foi o processo
eleitoral de 2014:
A Rede é criada, a gente tava na véspera de uma eleição no Brasil, que foi muito
acirrada, e que de lá pra cá desencadeou uma onda, uma conjuntura que traz uma onda
conservadora muito forte, que ocasionou tudo que temos vivido nos últimos meses.
(Ogum)
115
Muita gente da Rede entende que é necessário fazer campanha. Temos que nos
organizar pra fazer, temos que dedicar nosso tempo pra fazer campanha, por exemplo.
2014, já no final. (Oxalá)
Conforme já foi discutido, boa parte dos entrevistados da RJV RN era de
representantes de mandatos, filiados ao Partido dos Trabalhadores. Assim, boa parte da Rede
esteve envolvida durante o ano de 2014 nas eleições presidenciais e, consequentemente, na
manutenção do Plano Juventude Viva, criado durante o primeiro mandato da presidenta Dilma
Rousseff. Conforme sinalizado por Ogum, no entanto, uma onda conservadora ganhou força
desde então, e trouxe consigo (em 2015) a já discutida pauta da redução da maioridade penal.
Nesse mesmo ano, o estado ganha uma Secretaria de Juventude independente. No entanto, o
que deveria ser um fator positivo para a Rede, também traz consequências:
Em 2015, a gente tem a formação da Secretaria Estadual de Juventude – que o estado
não tinha, né, a extraordinária –, alguns membros da Rede vão participar da Secretaria
e isso dá uma esvaziada na Rede. E o trabalho institucional da Secretaria, de certa
forma, representa um pouco do pensamento da Rede. Então, ela meio que se... Uma
parte vai pra lá e depois a gente não consegue tanto se rearticular. (Oxalá)
Apesar da presença de membros da SEJURN na Rede, contribuindo nas diversas
ações, tratada em tópicos anteriores, a falta de compromisso do Governo do estado com o
enfrentamento ao genocídio da juventude potiguar revelou-se um obstáculo decisivo ao
trabalho da RJV RN:
Aí, o que aconteceu também é que, diante do quadro que era tão desolador, de uma
Secretaria que praticamente não existia, demorou-se muito também (...), acho que mais
de um ano, se eu não me engano, para o cara finalmente aderir ao Plano Juventude
Viva. Mais de um ano para o cara aderir ao Plano Juventude Viva – o governo do
estado aderir ao Plano. (Yemanjá)
Outro obstáculo elencado em 2015, por uma participante, é relativo a mudanças
ocorridas na Secretaria Nacional de Juventude.
116
Não ter mais uma articuladora no estado, né? Que isso não foi só agora. Já tem um
período – foi nas mudanças de uma gestão ainda do PT, na Secretaria Nacional da
Juventude, (...) levou um ano reavaliando, fazendo mudanças no Programa. Eu
considero que eram mudanças também interessantes de incorporar, mas você não pode
fazer a mudança e parar as coisas, tem que fazer e continuar. Então, eu acho que
atrapalhou um pouquinho. Isso desestimula, né? (Nanã)
Já no ano de 2016, ocorre uma mudança de gestão na SEJURN, que também foi
elencada pelos entrevistados como algo negativo.
Porém, com as mudanças de conjuntura política, hoje a gente tem uma Secretaria
esvaziada, que é uma secretária que é nomeada, mas não frequenta, um governo que
não dialoga com a juventude... E também, assim, há rumores que vai fechar a
Secretaria Estadual, mas não se fecha. É só um espaço físico que existe, sem os
recursos humanos para poder dar continuidade ao trabalho que foi iniciado. (Iansã)
Perdemos um espaço que nós tínhamos conquistado no governo. Isso não é tudo, mas
é ruim, então eu acho que tudo isso impacta na Rede como impacta nos movimentos. (Ogum)
Em agosto de 2016, foi aprovado o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da
Presidência da República. O golpe midiático jurídico e parlamentar foi um atentado contra a
democracia bastante enfatizado pelos participantes.
Eu acho que o limite maior é esse, do impacto das mudanças nacionais, do impacto do
Golpe, um limite grande. E o tamanho, as pernas dos movimentos para enfrentar tantas
lutas ao mesmo tempo. E aí, eu acho que, às vezes, dificultou para poder enfrentar
mesmo no estado, né, e poder fazer com que a Rede funcionasse, a gente se atolando
com tantas lutas... (Nanã)
Eu acredito que, por exemplo, a gente tá vivenciando um desmonte não só das
políticas públicas. Iniciou a partir do golpe um desmonte das políticas públicas e agora
tá tendo o desmonte do Estado como um todo, né? Os ministérios estão passando por
alterações e eu acredito que essa nova gestão não vai ter esse compromisso com a
juventude periférica, com os mais pobres, com a juventude negra... Acho que vai
dificultar muito. (Xangô)
117
O vice de Dilma Rousseff, Michel Temer, assumiu a presidência do país e deu início à
implementação de uma série de medidas que, entre outros propósitos, visam reduzir os gastos
com o bem-estar da população (saúde, educação, assistência social, previdência, etc.) e
investir cada vez mais na expansão da iniciativa privada no país. Sobre o impacto dessas
medidas, a relação entre as novas pautas que emergem daí e a estagnação da RJV RN, os
entrevistados afirmaram:
como eu falei, a gente lutava pela pauta de pessoas que não foram ainda abrangidas
pelos direitos – que estão à margem da sociedade, exatamente porque eles estão à
margem dos direitos constitucionais. E nesse momento, até os direitos constitucionais
de quem não estava à margem estão ameaçados também, né? Na verdade, a própria
Constituição está sendo questionada. (...) Isso também nos obriga a fazer a defesa
também dos direitos existentes. Então, além dos direitos de quem nunca teve, os
direitos de quem já tem. E isso faz com que a gente, de certa forma, se divida. Por isso
que eu digo que é um limite, porque a gente se divide nesse trabalho. A gente não
pode focar no trabalho que a Rede fazia, apenas. A gente tem outra demanda pra dar
conta. (Oxalá)
A conjuntura que a gente está vivendo deu um cavalo de pau em tudo o que a gente
tava fazendo e está acontecendo um verdadeiro retrocesso em todas as políticas
públicas. E se a política pública de juventude era frágil naquele período, agora vai se
tornar ainda mais. A gente vê que políticas de saúde e educação sendo comprometidas,
né? Imagine a de juventude, que ainda é uma área muito recente e que não tinha tanta
estrutura. (Xangô)
O elemento principal a que se referiam os entrevistados, nesses trechos, era a PEC
241, que prevê corte de gastos durante uma década nas áreas de saúde, educação e assistência
social. Essa proposta suscitou grande mobilização popular em âmbito nacional, inclusive
motivando jovens a ocuparem suas escolas pelo direito de estudar. É possível perceber, nesses
discursos, que as medidas conservadoras tomadas pelo atual governo foram diversas e
afetaram todos os âmbitos da vida da população mais pobre, o que levará, entre outros
problemas, em pouco tempo, a um quadro muito pior de genocídio de jovens do que o que já
118
foi visto até então. O surgimento de muitas pautas a serem disputadas e a descrença e
desmotivação diante do cenário geral do país ficaram evidentes nas falas.
4.10. Apontando para novos horizontes: as ocupações e outras possibilidades de
resistência
Apesar de todos os obstáculos à retomada da Rede, incluindo o descompromisso dos
diversos gestores, nas esferas federal, estadual e municipal, para com a juventude brasileira,
todos os entrevistados puderam apontar caminhos e possibilidades de superação, tanto no que
se refere ao quadro de estagnação da RJV RN quanto ao quadro de genocídio da juventude no
país. Relativo ao primeiro caso, algumas visões apontaram para a necessidade de tomar a
iniciativa de retornar às atividades, ressaltando a importância da Rede para contribuir no
enfrentamento às pautas surgidas na atual conjuntura:
Acho que a principal possibilidade que ela traz, do que propõe para a sociedade, é a de
organização coletiva e de coletivos. Não só no sentido de debater o extermínio da
juventude, porque isso a gente já vem debatendo, mas de organização com foco em
recobrar as energias, em refazer as pautas de luta, ou reafirmar as pautas de luta (...).
Eu acho que a Rede pode ser este espaço, pode ser um espaço onde a gente socialize as
tristezas e sofrimentos e a gente reafirme nossas lutas, e possamos juntos reafirmar
aquilo que nos alimenta e nos anima para a caminhada. (Ogum)
É, se ela fosse voltar agora, em termos de possibilidades? Inúmeras, tendo em vista a
atual conjuntura que nós temos, né? Mais do que nunca precisamos, precisaríamos,
nos articular novamente em relação à Rede Juventude Viva, na luta por nenhum direito
a menos, na luta contra o extermínio da juventude, na luta pela educação, na série de
lutas que temos aí na conjuntura atual. (Oxóssi)
Dentre as possibilidades de inserção da Rede, as ocupações surgiram em muitos
discursos:
119
As possibilidades que têm pra Rede hoje, acredito, estão nas ocupações. Porque as
ocupações, elas trazem um novo corpo de pessoas, de jovens, pra o debate da vida
política no país, da situação da própria juventude. Então, esses jovens que agora estão
mobilizados por essa questão da defesa de suas escolas, da defesa da educação, eles
podem depois discutir também o extermínio, eles podem depois discutir a redução. (...)
Emerge, nesse cenário, a periferia. O aluno do Anísio Teixeira que ocupa a escola, o
aluno do Ana Júlia que ocupa a escola hoje, ele é o aluno da periferia, ele é o jovem
que está morrendo. E ele, nesse cenário, agora, tem pelo menos a novidade de que ele
se levantou. Ele está dizendo que ele quer a escola dele. Ele está dizendo que merece
ser respeitado. (Oxalá)
Acho que a gente está no momento propicio para tentar se rearticular, né, frente aos
retrocessos que a gente vem sofrendo. Isso vai impactar diretamente a vida da
juventude, né? Quando você passa por uma reforma do Ensino Médio e aí vai
favorecer a uma classe, e a população mais pobre vai ficar bastante fragilizada na
questão da educação, com os cortes de verbas para gastos da saúde e educação...
Então, talvez fosse o momento para tentar essa mínima articulação e aí potencializar
aquilo que de certa forma ficou parado. (Oxum)
Assim, a mesma conjuntura que foi apontada como entrave à continuidade e/ou
retomada da Rede, emerge nessas falas como terreno fértil em possibilidades de ação para a
RJV RN. Diante de tal capacidade de vislumbrar caminhos de atuação para esta iniciativa, por
parte de seus participantes, e da continuidade de outros coletivos (como a Frente Potiguar
contra a Redução), nas lutas frente à atual conjuntura, o que se pode perceber é que esta, por
si só, não explica a desmobilização, o esvaziamento e a estagnação da Rede. Visto de outra
forma, se deparar com tantas mudanças políticas negativas foi apenas o estopim para que a
Rede, que já carregava diversas lacunas internas, tensões e dificuldades na organização, tenha
se desarticulado.
Outras possibilidades, relacionadas à retomada dos contatos e participação nas
Conferências de Juventude, às lutas já iniciadas pela Rede – como a implementação do
Conselho Estadual de Juventude e a utilização de recursos conseguidos através do Plano
Juventude Viva – e ao surgimento de novas lideranças, também foram ressaltadas por alguns
entrevistados:
120
Eu acho que o trabalho é interno mesmo agora, né? A gente dialogar com as redes que
a gente conhece, com as bases, voltar com os articuladores que tinham dentro da Rede
Juventude Viva. Agora é retomar e ver se a sociedade consegue ir subindo. Em termo
de gestão... É pressionar, o que a gente pode fazer é pressionar. (Iansã)
A gente existe virtualmente, né? Este é um caminho. Ainda não acabou totalmente, de
vez em quando alguém socializa alguma informação, ou os membros da Rede
participam de alguma ação. Então, já tem uma semente ali. Eu acho que a gente
poderia levantar as coisas que existem, minimamente. Por exemplo: a gente poderia
brigar para o Conselho Estadual ser implementado. (Nanã)
E as possibilidades é a organização, né, a juventude se manter organizada. Eu acho
que as conferências... (Xangô)
Algumas pessoas que estavam nesse processo eram pessoas jovens e falavam enquanto
jovens – que não são mais. Então, também precisa nascer aí, nesse processo, novas
lideranças. Novas lideranças jovens, que possam vir a falar, enquanto jovens, sobre
essas demandas do enfrentamento à violência contra a juventude. (Yemanjá)
Acerca da última fala, das lideranças, a entrevistada ressaltou ainda:
As possibilidades são várias. Como eu tava falando: a pauta não foi superada, porque
os jovens continuam morrendo e em número maior do que morriam antes. Os números
não param de crescer. Então, nessa perspectiva da superação, da transformação, a
gente não alcançou. Então, a pauta continua aí e ela continua muito viva, muito forte.
(...) Muitos grupos aí na cidade, muito jovens envolvidos com grupos na periferia, seja
de skatistas, seja de rappers, seja de futebol, muitos jovens organizados em várias
perspectivas. Uma perspectiva de movimento feminista que também tem se fortalecido
na cidade. (...) Então, essas são as possibilidades que eu vejo. De agregar vários
grupos, várias organizações, de aproveitar essas várias pautas que estão na cidade,
aliadas a essa pauta do enfrentamento à violência contra a juventude negra. (Yemanjá)
Solicitados na entrevista a apontar caminhos num cenário macro – ou seja, envolvendo
as diversas esferas da sociedade – para a superação da realidade nacional de genocídio de
jovens, os participantes destacaram:
É, eu acho que tem que ter o investimento de políticas públicas na base, pensando nas
crianças, além do suporte para as mães que perdem os seus filhos, para as mulheres
jovens que ficam nas periferias, viúvas... (...) E os jovens de terreiro, com a
intolerância religiosa, também é um aspecto muito forte de extermínio e ninguém fala
muito. A LGBTfobia – porque, se ele é negro e ele é da comunidade LGBT, as
chances de ele morrer ainda aumentam –, se ele é de terreiros ou de religião de matriz
africana... Então, é preciso pautar o respeito. (...) No meio disso tudo aconteceram as
Conferências. (...) Então, não perder estes espaços. (Nanã)
121
Eu acho que um caminho que a gente não pode abrir mão dele é o da denúncia. É o
primeiro ponto, não podemos nos calar. (...) Eu continuo acreditando, eu continuo
acreditando no poder de transformação na sociedade através da cultura, eu continuo
acreditando na transformação da sociedade através das comunidades, eu continuo
acreditando na educação popular, nessas outras maneiras de se formar o ser humano e
se desenvolver a sociedade. (...) É a gente permanecer insistindo no que a gente já
insiste, denunciando o que a gente já denuncia, não concordando e não compactuando
com as práticas que alimentem estes extermínios, ou esta realidade de extermínio da
juventude, seja ela letal, seja ela indireta, seja ela simbólica, pois quando a gente nega
o acesso à cultura, ao lazer, aos diretos que são básicos, a gente que extermina.
(Ogum)
Então, essa sociedade que está aí precisa de uma reforma do Estado. E essa reforma
passa por aumentar os investimentos – aumentar de forma rápida e com os valores
bem maiores do que os que a gente tinha e tem de investimento – nas políticas
públicas, o estabelecimento real de um estado de bem-estar social, uma reforma na
comunicação, pra que a gente possa ter uma nova visão sobre a juventude periférica,
especificamente, que ela não é uma juventude criminosa, que ela não é uma juventude
vagabunda. Porque essa é a imagem que é vendida dessa juventude. E a proibição
desse tipo de programa que faz... que cria isso, que cultiva essa imagem que
desrespeita os jovens, os direitos da juventude. O cumprimento, na verdade, do que
está estabelecido na Constituição de 1988, na prática. É botar em prática isso, em
todos os sentidos, eu acho. (Oxalá)
Nessas falas, destaca-se a importância atribuída às políticas públicas para a promoção
dos direitos da juventude e resolução dos problemas que a afetam. A discussão dos limites e
possibilidades de enfrentamento ao extermínio da juventude nessa esfera institucional serão
mais bem discutidos na seção seguinte. Alguns discursos, no entanto, vão ao encontro das
disputas de opinião, como nos exemplos abaixo:
É, a gente não pode deixar morrer a discussão sobre a desmilitarização, que é uma
discussão, acredito, que é muito espinhosa, mas ela é necessária. (...) Porque aliada a
ela vem a fala sobre a formação dessas polícias, dessa formação desse aparelho de
controle e repressão da sociedade, que a gente tem e que é a mão forte de poder, e a
gente tá vendo quanto isso está cada vez mais intenso. (...) A gente não pode deixar
morrer a articulação de possibilidades dos pequenos grupos, em qualquer espaço que
seja: nas escolas, nas igrejas, nos bairros, nestes espaços culturais, espaços esportivos,
que são articulações necessárias. E a gente precisa cada vez mais se inserir lá onde a
coisa acontece, na Câmara dos Vereadores, na Assembleia Legislativa, sabe? É
necessário cada vez mais peitar esta turma no sentido de “peraí, não é assim”. (Oxóssi)
122
Eu acredito que se a gente começar a mudar um pouco o processo de educação (...). E
agora quando a gente tava vendo um ensaio democrático, volta esse período de
censura, o processo da Lei da Mordaça – Escola sem Partido, né – isso vai prejudicar e
muito esse processo. Eu acho que se o governo e o Poder Legislativo começou a
identificar essas manifestações mais de democracia, de participação, e tiveram essa
iniciativa de criar esses projetos, foi exatamente porque eles estão sentindo que o povo
começou a se organizar, né? E quando o povo começa a se movimentar, a elite, os
poderosos, quem tá lá na elite dos poderes Judiciário e Legislativo, começa a tomar
medidas contra reformas. (Xangô)
Olha, a única coisa que eu vislumbro, que realmente eu acredito que vá dirimir ou
acabar isso, seria um mundo sem desigualdade. E um mundo sem desigualdade, seria
um mundo inclusive sem desigualdade racial. Porque eu não acredito que seja uma
questão só de classe – que os jovens morrem porque são pobres e moram na periferia.
Eles morrem porque são negros, além de tudo, e ainda são pobres e moram na
periferia, né? O que piora um pouco a situação. Então, essa questão da violência
contra a juventude, ela tem um fundo da desigualdade brasileira – que tem a questão
de classe, a questão de raça e a questão de gênero imbuída aí. E só vai ser vencida,
dirimida, se um dia a gente tiver um projeto de sociedade livre de tudo isso. (Yemanjá)
Essas falas apontam para a necessidade de processos que visem mudanças sociais mais
profundas - portanto, mais lentas em sua concretização – por meio da educação e pautadas no
fim das várias formas de opressão existentes em nossa sociedade. Propostas como essas,
melhor discutidas a seguir, corroboram com a visão de mundo que embasa este trabalho.
123
5. Apontamentos à luz da teoria
Em primeiro lugar, concorda-se com Galvão (2011), que afirma que, para uma crítica
e adequada análise dos movimentos sociais, é preciso verificar as relações entre discurso e
prática, as formas de participação, os processos de tomada de decisão, os graus de
burocratização e apego dos líderes ao poder, os encaminhamentos tomados e o nível de
cumprimento desses e de outras resoluções nesses grupos. A fim de investigar alguns desses
fatores, inicialmente foram analisados os elementos disparadores – as condições de
surgimento – da Rede.
O primeiro deles foi a pressão exercida pelos índices alarmantes de homicídios contra
a juventude, principalmente negra, pobre e periférica. O fato de esse ser o motivo principal
para a criação da Rede – e de muitos outros movimentos e iniciativas em âmbito nacional –
reforça a ideia de que mesmo os movimentos que não têm a luta contra o núcleo do
capitalismo como proposição direta e/ou imediata refletem em sua atuação o antagonismo de
classes, na medida em que visam combater problemas sociais decorrentes da contradição entre
capital e trabalho, como é o exemplo do genocídio à juventude negra.
Vale ressaltar, no entanto, que uma vez que integra o funcionamento do sistema
capitalista, tal fenômeno não pode ser suprimido completamente enquanto esse modo de
produção existir. Nesse sentido, mesmo os governos mais progressistas seriam capazes apenas
de “mitigar” o genocídio de jovens, por meio de suas políticas e ações. De todo modo, ainda
que operando dentro dos limites do sistema, são medidas importantes principalmente pelo fato
de pouparem vidas – ainda que essas já tenham sido ceifadas simbolicamente. Essas
considerações conduzem à análise do segundo elemento disparador para o surgimento da
124
Rede: a criação, pelo Governo Federal, durante o primeiro mandato da presidenta Dilma
Rousseff, do Plano Juventude Viva, em 2013.
Esse elemento, por sua vez, coloca-nos diante da complexidade da relação entre os
movimentos sociais e o Estado. De acordo com Gohn (2010, p. 58):
Em tese, na democracia deliberativa a participação de representantes da sociedade
civil joga um papel ambíguo por ser fonte de pressão – por meio de demandas e
movimentos – e precisar responder também por um ativismo propositivo, organizado,
ordenado segundo regras institucionalizadas, nos conselhos e fóruns participativos
criados pelo Estado, por exemplo.
Tal afirmação ajuda a elucidar alguns aspectos sobre a RJV RN. Na medida em que o
Plano já previa uma ordem de etapas a serem cumpridas – inclusive a própria constituição de
uma Rede Juventude Viva virtual para a divulgação de informações, com a participação de
membros não ligados ao poder público –, tomar como norte essa política implicava em atuar
em espaços de participação preestabelecidos. São as “regras institucionalizadas” das quais
trata Gohn (2010) na citação anterior.
Da mesma forma, a Rede desempenhou o outro papel destacado por essa autora e,
partindo de suas próprias demandas, constituiu-se como iniciativa real, não se limitando a
realizar as ações de pressão pela adesão e implementação do PJV junto aos gestores locais,
mas propondo e desenvolvendo novas ações, a partir de estratégias próprias. Foi como fruto
dessa configuração singular que a Rede alcançou o que se considera, aqui, seu maior
resultado: ter servido como inspiração para a criação de outras redes semelhantes de
enfrentamento ao genocídio de jovens. É nesse sentido que se afirma que os movimentos
produzem saberes e inovações em nossa sociedade, que por sua vez respondem a como eles se
articulam na prática e à conjuntura que estão questionando com sua atuação (Gohn, 2011).
125
Tem-se ainda, concordando com Frank e Fuentes (1989), que o poder social é exercido
e gerado pelos movimentos sociais através de suas mobilizações e participantes – e não como
fruto de alguma instituição –, no sentido de confrontar o poder estatal para alterar o poder
político. Assim, a preocupação inicial contida no questionamento de um dos participantes,
acerca da utilização do nome e da logo institucional do PJV, reflete a tensão entre confrontar
o poder estatal ou agir em conformidade com este, não podendo, no último caso, alterar de
fato o poder político, como proposto pelos autores citados.
Cabe esclarecer que a defesa do confronto ao poder estatal não implica em estar contra
o Estado, lembrando que – apoiando-se em uma concepção gramsciana – a sociedade civil é
parte desse. Importa ainda, concordando com Montaño (2010, p. 276), reconhecer as lutas em
que os movimentos sociais se envolvem como sendo “na sociedade civil”, e não “da
sociedade civil” – dado o seu caráter de espaço de disputas, e não de sujeito delas –, evitando-
se, com isso, a “santificação” desta esfera e a “satanização” do Estado (p. 274).
A desmotivação dos participantes a continuar atuando no coletivo, devido ao não
comprometimento dos gestores em aderir ao Plano, a coincidência entre a paralisação das
atividades dessa política e o período de desmobilização e esvaziamento da Rede, bem como a
dificuldade de retomada do coletivo após a deposição da presidenta Dilma Rousseff por meio
de golpe parlamentar – elementos elencados pelos participantes – são exemplos de que o peso
maior depositado em ações que envolviam a colaboração do poder público consistiu em
elemento crucial à estagnação do movimento. Nesse sentido, diante da continuidade e do
agravamento dos índices de homicídios contra os jovens local e nacionalmente, cabe
questionar se não havia outros caminhos de atuação para a RJV RN no enfrentamento ao
genocídio da juventude, que não as formas diretamente apoiadas nas instituições e políticas do
poder público.
126
Partindo desse questionamento, o que se pôde perceber nos resultados é que, se por um
lado, a atuação da Rede centrada no propósito de adesão e implementação do Plano pelos
municípios – a fim de obter recursos, programas e expandir as ações de enfrentamento a todo
o estado – teve seus objetivos frustrados, por outro, essas não foram as únicas ações realizadas
pelo coletivo. Rodas de conversa e oficinas nas comunidades são exemplos de atividades
desenvolvidas pela RJV RN que ultrapassaram a vinculação entre esse coletivo e o PJV.
A coexistência de dois caminhos tão diferentes de atuação refletiu divergências nos
discursos dos participantes. Para alguns entrevistados, tais momentos formativos
contemplavam os objetivos do coletivo, enquanto para outros consistiam em situações
pontuais, emergenciais, com a finalidade de reoxigenação da RJV RN. Segundo Gohn (2000),
tais conflitos internos são considerados comuns dentro dos movimentos sociais, que, embora
criem no imaginário social uma visão de um todo, de unicidade, pelas práticas que
desenvolvem nos diversos espaços, nem sempre são harmoniosos e homogêneos.
Boa parte desses conflitos está relacionada à identidade da RJV RN, sobre a qual
foram encontradas novas incongruências nas falas dos participantes, identificando a Rede ora
como composta por movimentos e iniciativas não ligadas ao poder público, ou como mescla
dessa composição, ora como subordinada à política. Gohn (2010), ao tratar da construção da
identidade política de um movimento, afirma não ser algo dado a priori, de “cima para baixo”,
mas que vai sendo criado a partir de suas necessidades e desejos, modificando-se junto com as
ações, tomando como base suas referências nesse processo.
Afora essa característica geral, Silva (2015) permite fazer um comparativo entre a RJV
RN e a Articulação Potiguar de Juventudes. No seu estudo, é possível perceber que a segunda,
diferentemente da primeira, discutiu e registrou aspectos da sua identidade, objetivos e outros
fatores de sua organização interna, além das ações realizadas e conquistas.
127
Assim, ainda que os movimentos apresentem um caráter processual e dinâmico na
construção de suas identidades, isso não impede que realizem a discussão, o registro e a
organização de informações históricas importantes acerca de si mesmos. De acordo com
Galvão (2011), tais deficiências organizativas, entre outros elementos, dificultam a
constituição dos movimentos sociais.
Não obstante as lacunas internas existentes na Rede, na representação dos
participantes em ações registradas nos diários de campo, nas atas de reuniões, no próprio
Núcleo Operativo, bem como indicado pela maioria das falas, a RJV RN se revelou mista,
composta por representantes de movimentos juvenis, do poder público e de uma organização
do “terceiro setor”. De acordo com Frank e Fuentes (1989), “um dos principais problemas de
e com os movimentos sociais é sua coexistência com Estados nacionais, suas instituições,
processos e partidos políticos” (p. 36). Discorda-se dessa afirmação na medida em que aponta
tal coexistência, por si só, como problemática. No entanto, levando em consideração a
diversidade de projetos políticos e ideologias nas organizações mediadoras da ação das
classes dominadas (Galvão, 2011), que acompanhou também toda a existência da RJV RN,
desde a sua oficialização no IV Seminário Sobre Realidades Juvenis,defende-se que a não
discussão interna desses elementos e dos papéis desempenhados pelas iniciativas envolvidas
dificultam a atuação e, por vezes, impedem a continuidade do coletivo.
A realização desse evento foi o terceiro elemento importante para o surgimento da
RJV RN. Nele, destacaram-se dois atores fundamentais: o coletivo Articulação Potiguar de
Juventudes, que “transferiu” sua composição mista de movimentos sociais e representantes do
poder público, por meio da assinatura da maioria desses atores em uma carta de fundação da
Rede, para o novo coletivo; e o Centro Marista de Juventude, que tendo subsidiado boa parte
da infraestrutura e organização do Seminário, desempenhou forte liderança na Rede, desde a
128
leitura da carta, até ceder o espaço para as reuniões, coordená-las, etc. Apesar de ter sido
fundamental no seu processo de constituição, a atuação da APJ não foi mencionada nos dados
relativos a outras atividades da RJV RN. O CMJ, por sua vez, foi atuante desde o surgimento
da Rede até a sua estagnação, razão pela qual será dada maior enfoque a essa iniciativa.
Em primeiro lugar, partindo do critério geral de organização que utiliza recursos
privados para a realização de serviços públicos, o CMJ pode ser enquadrado como iniciativa
do “terceiro setor”. Esse âmbito, por sua vez, é apontado por Montaño (2010) como fruto de
um debate produzido “no interior dos interesses do grande capital” e “inteiramente funcional
ao projeto neoliberal” (p. 17). Como descrito em seção anterior sobre a sociedade civil, as
organizações do “terceiro setor” no país vinham, desde os anos 1990, destacando-se em
comparação aos movimentos sociais, ganhando destes em termos de adesão e credibilidade
por parte da população. Esse processo, por sua vez, levou essas organizações a adotarem o
papel de mediadoras entre as demandas dos movimentos e o poder público, o que alterou a
dimensão reivindicatória desses, transformando-a no estabelecimento de parcerias e
negociações em prol de supostos “interesses comuns” (Montaño, 2010).
O caso da liderança assumida, em muitos momentos, pelo CMJ, no entanto, seguiu
uma lógica diferente dessa, na medida em que buscou manter a Rede viva diante das
dificuldades enfrentadas, sem perder de vista a preocupação com a representatividade do
coletivo – necessidade essa partilhada pelos demais membros do grupo.
A exemplo disso, percebe-se que o coletivo buscou sua reoxigenação por meio de
rodas de conversa sobre a relação entre a redução da maioridade penal e o genocídio de
jovens em quatro comunidades de Natal. Utilizando a urgência – diante dos vários processos
de votação da PEC 171 – em disputar a opinião da sociedade para se posicionar
contrariamente à redução, a Rede tinha como objetivo atrair um novo corpo de jovens negros
129
e negras da periferia, que pudessem vir a assumir a liderança do coletivo. Assim, na
contramão da onda de organizações do “terceiro setor” atuando na mediação das demandas
dos movimentos historicamente vista no Brasil, o CMJ contribuiu com o papel apontado por
Montaño (2010) como mais adequado a esse tipo de iniciativa: de suporte para a atuação dos
movimentos sociais. Esse papel também fica evidente na seguinte proposição acerca dos
movimentos juvenis:
As dificuldades de constituição da ação coletiva juvenil são muitas e tendem a serem
atenuadas quando encontram uma rede de proteção e apoio, seja de ONGs, seja de
políticas públicas, o que aponta para a importância crucial da sociedade reconhecer a
juventude como detentora de direitos, possibilitando que as coletividades juvenis
sejam atores na inovação política e social da sociedade contemporânea. (Dayrell &
Carrano, 2003, p. 26)
Contrastando com a forte presença dessa organização e da representação do poder
público por intermédio de mandatos e da Secretaria Estadual de Juventude, manteve-se a fraca
representação de jovens e de movimentos juvenis na Rede – apesar dos esforços
empreendidos no sentido de reverter essa situação. De acordo com Frank e Fuentes (1989),
enquanto luta contra a opressão, o movimento também permite reafirmar uma identidade de
“nós” a quem essa opressão se direciona. Essa reafirmação de identidade e, portanto, a própria
luta da RJV RN, ficaram prejudicadas diante do quadro de baixa participação, representação e
representatividade apresentados.
Esses, entre outros já citados, fatores de organização interna, bem como a existência
de problemas relativos à comunicação entre membros e com outras iniciativas, contribuíram
para compor a desmobilização (redução drástica das ações e reuniões) e o esvaziamento
(número muito reduzido de membros e organizações representadas) da Rede. Sobre isso, cabe
destacar o caráter cíclico dos movimentos, respondendo a circunstâncias e flutuações políticas
e econômicas, fazendo com que desapareçam em função da extinção de sua reivindicação
130
principal ou da institucionalização de sua ação, da sua transformação em outros movimentos
com novas reivindicações, ou do enfraquecimento a partir da diminuição da capacidade de
mobilizar pessoas (Frank & Fuentes, 1989). Os dois últimos casos, portanto, se aplicam à
Rede em questão.
Ainda que todos esses obstáculos tenham levado os participantes a pensarem em um
processo de discussão, reflexão e reestruturação internas da RJV RN, observou-se que tal
empreitada foi dificultada, principalmente, pela necessidade de envolvimento dos
participantes nos conflitos sociais – definidos por Galvão (2011, p. 112) como “a
manifestação de contradições estruturais, agravadas por problemas conjunturais” –
emergentes no cenário nacional. Ainda assim, os entrevistados enfatizaram a importância de
retomar a RJV RN diante da crescente realidade de genocídio, bem como apontaram a
possibilidade de sua rearticulação a partir dos espaços de luta frente à atual conjuntura política
nacional, como a inserção nas ocupações das escolas.
Essa rearticulação, no entanto, caso ocorra, exige a atuação da Rede nos diversos
espaços de lutas sociais emergentes nesse contexto. De acordo com Montaño (2010), a
riqueza do processo de convulsão de lutas heterogêneas dentro da ordem capitalista só pode
ser apreendida com a articulação dessas, desde que mantendo a centralidade nas contradições
de classe. Na mesma direção, Galvão (2011) aponta para a necessidade de, paralelamente,
reconhecer a pluralidade e heterogeneidade dos grupos que se mobilizam e buscar a aliança e
a unidade em uma estratégia comum.
Utilizando essas afirmações, tem-se, ainda, que a atuação da Rede nesta nova
configuração política e social necessitaria demonstrar, no discurso e na prática, as relações
existentes entre extermínio da juventude e redução da maioridade penal, cortes de gastos com
serviços básicos para a população, desmonte dos aparelhos institucionais de juventude, entre
131
outras pautas emergentes, conforme já esboçado pelos entrevistados. Ainda nessa linha de
pensamento, faz-se necessário recontatar antigos parceiros e fazer novas alianças, tomando
como base a ampla lista de iniciativas de/para/com juventudes, elencadas pelos participantes
da Rede, como potencialmente capazes de contribuir no enfrentamento ao genocídio de jovens
e/ou na efetivação dos direitos das juventudes de maneira geral.
Ainda a critério de garimpar caminhos de atuação e, portanto, possibilidades de
resistência para a RJV RN, faz-se importante relembrar o fato, trazido por boa parte dos
participantes, de que a estratégia de multiplicação dos debates e núcleos da Rede foi a que
conseguiu maiores resultados em termos de alcance territorial das ações – pelo menos no que
tange à disputa de opiniões a favor dos direitos da juventude junto à população local. Isso já
nos dá alguns indícios do potencial dessas ações no enfrentamento ao genocídio da juventude.
De acordo com Frank e Fuentes (1989), a percepção da incapacidade – e muitas vezes da
vontade – do Estado, suas políticas e instituições em resolver os problemas trazidos pelas
forças econômicas, tem sido crescente entre as pessoas e leva ao surgimento de movimentos
locais como estratégias das comunidades para protegerem seus cidadãos.
Importa destacar também que tal estratégia foi operacionalizada por meio de
atividades de cunho formativo, semelhantes às já citadas rodas de conversa acerca da relação
entre a redução da maioridade penal e o genocídio de jovens, realizadas em comunidades da
capital norte-rio-grandense. Outra contribuição do desenvolvimento de ações como essas
pelos movimentos sociais está, de acordo com Gohn (2011), em manter o sentimento de
participação social de seus participantes ativos, fazendo aqueles que eram excluídos se
sentirem incluídos nesse processo.
Vale ressaltar que, de modo geral, os movimentos deixam, em sua maioria, poucas
marcas acumulativas na história, não conseguindo cumprir tudo o que se propunham a fazer
132
(Frank & Fuentes, 1989). No entanto, mesmo insuficientes dentro do cenário atual, a ação dos
movimentos sociais é necessária e imprescindível ao enfrentamento do processo neoliberal – e
de seu projeto de sociedade civil dócil, sem confrontos, nem potencial criador – e, quiçá, em
longo prazo, à emancipação humana (Montaño, 2010).
Por fim, ainda que a Rede tivesse alcançado seus propósitos em termos de adesão e
implementação do Plano – importantíssimos na preservação da vida de alguns jovens –, esses
resultados carregariam consigo o caráter emergencial e pontual da política, não atacando as
causas do genocídio da juventude. As ações formativas, por outro lado, se bem planejadas e
alinhadas a um projeto de sociedade contrário à exploração do homem pelo homem, podem
servir para um projeto verdadeiramente transformador em longo prazo. Isso se dá,
principalmente, por essas guardarem a dimensão educativa, considerada por Gramsci como
essencial à formação de uma unidade político-ideológica crítica das classes subalternas e,
portanto, necessária à revolução. Por esse motivo, são atividades imprescindíveis à atuação da
Rede no enfrentamento ao genocídio da juventude, sendo necessária a sua reativação.
133
6. Considerações finais
Andar por avenidas enfrentando o que não dá mais pé.
Juntar todas as forças para vencer essa maré.
O que era pedra vira homem
e o homem é mais sólido que a maré.
(Milton Nascimento e Beto Guedes)
Este trabalho buscou investigar a atuação da RJV RN, recorrendo inicialmente à sua
caracterização quanto à composição, objetivos e estratégias propostas para o enfrentamento ao
genocídio da juventude. No que tange à composição da Rede, buscou-se identificar não só os
coletivos, mas a natureza destes (movimentos sociais, organizações do “terceiro setor” ou
ligadas ao poder público, etc.). Para tanto, recorreu-se à busca pelas origens da Rede.
Chegou-se, através desse percurso, a três fatores determinantes. Sobre o primeiro
deles, relativo à pressão exercida pelos índices de homicídios contra a juventude em âmbito
nacional e local, discutiu-se a sua emergência enquanto fruto das desigualdades produzidas
pelo próprio funcionamento do modo de produção capitalista, estando o fim definitivo do
genocídio aos jovens subordinado à queda do modo de produção vigente. Nesse sentido,
compreendeu-se também que toda ação desenvolvida no intuito de enfrentar as
vulnerabilidades em que a juventude pobre e negra do Brasil se vê imersa seriam – mesmo
dentro de governos com pautas mais progressistas –, em maior ou menor grau, capazes apenas
de “mitigar” tais problemas. No entanto, apesar do trabalho hercúleo que isso representa,
134
reconhece-se a importância destas medidas no sentido de poupar vidas – ainda que estas já
tenham sido ceifadas de forma simbólica.
Acerca do segundo fator determinante para o surgimento da Rede, a criação, pelo
Governo Federal, no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, da política de
enfrentamento ao genocídio da juventude, intitulada Plano Juventude Viva, novas
considerações foram feitas. Embora a RJV RN tenha sido inspirada nesse Plano, utilizando o
nome e a logo institucionais e priorizando ações de pressão pela sua adesão e implementação
por parte dos municípios, temos que a configuração real desse coletivo foi bem além do que
estava proposto para a Rede Juventude Viva prevista na política. Diferente desta rede, que foi
pensada como virtual e limitada a divulgar informações acerca do enfrentamento à violência
contra a juventude negra, o coletivo aqui investigado planejou e desenvolveu diversas
atividades no sentido de tentar reverter a realidade de homicídios entre jovens.
Diante da priorização das atividades pela adesão e implementação do PJV na RJV RN,
percebeu-se que a Rede obteve poucos resultados, tanto pela falta de empenho dos gestores
locais quanto pela paralisação das atividades do Plano, cujas atividades estagnaram desde o
golpe que destituiu Dilma Rousseff da Presidência da República. Com esses fatos, apontados
nos resultados como cruciais à desmotivação dos participantes, coincidiu o processo de
desmobilização, esvaziamento e, finalmente, de desarticulação da Rede, que não realizou mais
atividades desde o início de 2016 até o presente momento.
Compreende-se a dupla função desempenhada pelos movimentos sociais na
democracia deliberativa, atuando tanto nos espaços preestabelecidos pelas organizações do
poder público quanto nas inovações geradas a partir das pressões e demandas próprias. Além
disso, adotando aqui o conceito de sociedade civil como arena de lutas, como momento do
Estado nas disputas por hegemonia, rejeitou-se qualquer visão de “satanização” dessa esfera.
135
No entanto, discutiu-se que as tensões geradas na RJV RN pela coexistência de atores ligados
ao “terceiro setor” e ao poder público, além de movimentos juvenis, com a diversidade de
projetos políticos, interesses e ideologias que isso implica, sem que houvesse a devida
problematização e reflexão desses aspectos, acabou por depositar um peso maior nas ações
relacionadas ao PJV.
Sobre o terceiro elemento disparador para o surgimento da Rede, o IV Seminário
Sobre Realidades Juvenis, realizado em 2013, foi possível encontrar mais elementos que
ajudassem a caracterizar a composição do coletivo. Esse evento, que, devido a sua
organização por meio de rodas de conversas em vários municípios do estado, conseguiu atrair
muitos jovens e iniciativas de/para/com juventudes a discutir a temática do enfrentamento ao
genocídio da juventude, foi importante também para a denúncia, a pressão do poder público e
a articulação dos jovens na cena pública do RN. A oficialização da Rede, por meio da leitura e
assinatura de uma carta de fundação do coletivo, durante o Seminário, possibilitou que esse
movimento pudesse contar com a mesma diversidade de atores (pertencentes a movimentos
juvenis, ao poder público e “terceiro setor”) já atuantes no coletivo Articulação Potiguar de
Juventudes. Além da APJ, observou-se a liderança do Centro Marista de Juventude
(organização pertencente ao “terceiro setor”), o qual passou a ser marcante também dentro da
RJV RN.
Levou-se em consideração que a atuação das organizações do “terceiro setor” como
atores principais na relação com os movimentos sociais, evidenciada a partir dos anos 1990,
no país, tem sido prejudicial na medida em que, ao mediar a relação entre estes e o poder
público, traduzem as demandas e pressões em parcerias e negociação. No entanto, ao discutir
a liderança do CMJ, como organização do “terceiro setor” dentro da Rede, chegou-se à
conclusão de que, embora tal protagonismo tenha durado algum tempo no coletivo, isso se
136
deu como medida emergencial, objetivando impedir a estagnação do movimento. Percebeu-se,
portanto que, assim como outras iniciativas representadas na RJV RN, os representantes do
CMJ mantinham a preocupação e o empenho em buscar estratégias para atrair novas
lideranças juvenis negras e da periferia, representativas para o movimento. Discutiu-se, assim,
que afora a necessidade inicial de liderar e coordenar as ações, o CMJ cumpriu a função
considerada mais adequada para a relação entre “terceiro setor” e movimentos sociais, que é a
de suporte.
Observou-se que a Rede contou com uma composição inicial mista. Acerca disso,
além do CMJ representando o “terceiro setor”, evidenciou-se ao longo do tempo a forte
representação de iniciativas ligadas ao poder público, como a Secretaria de Juventude e os
mandatos, em detrimento das organizações juvenis, das quais só se manteve atuante a Pastoral
da Juventude. Observou-se que esse quadro de baixa participação (reuniões com
pouquíssimos membros–e, muitas vezes, com alta rotatividade de membros), representação
(pouca diversidade de iniciativas juvenis) e representatividade (ausência de jovens entre 15 e
24 anos e não organizados em movimentos, sendo poucos os negros e negras de periferia)
contribuiu também para a desarticulação da Rede.
Isso ocasionou, ainda, o sentimento de sobrecarga, por parte de alguns participantes,
bem como levou outros membros a se voltarem para as realidades dos seus territórios, em
função da ausência de outras lideranças. Apesar disso, o que ficou evidente no discurso da
maioria dos participantes foi a marca “da sociedade civil” no coletivo, o que pode se referir à
forma de atuação da Rede, e não exatamente à sua composição.
Referente à caracterização dos objetivos e estratégias propostas para o enfrentamento
ao genocídio da juventude, verificou-se que estão intimamente relacionados ao segundo
objetivo desta pesquisa – caracterizar as ações que a Rede efetivamente realizou e articulou –,
137
tendo cada um apontado para uma direção, ambas centrais. A primeira delas, foi relativa à
adesão e implementação do Plano pelos municípios e pelo estado, operacionalizada pela
pressão direta por meio de atos, audiências, reuniões com chefes de gabinetes, entre outras,
encabeçados ou apoiados pela RJV RN, e teve como conquistas a aquisição de uma
articuladora do Plano exclusiva para o estado e a pactuação voluntária do governo estadual a
essa política. Tal adesão, no entanto, foi tardia, e a verba oriunda do Plano e adquirida por
intermédio da SEJURN não pôde ser utilizada, motivos que, segundo os participantes,
levaram a dificuldades em termos de recursos para a realização satisfatória das ações e na
garantia do alcance territorial desejado, de abranger todo o estado, findando por restringir-se à
região metropolitana e, posteriormente, à capital.
Tais resultados, portanto, foram apontados pelos entrevistados como muito aquém do
esperado, uma vez que não implicaram na implementação do Plano, muito menos em redução
dos índices de genocídio de jovens no estado. Discutiu-se, porém, que a atuação da Rede foi
considerada satisfatória, e que foi alcançado um grande e inesperado resultado: ao tomar a
iniciativa de tornar-se uma Rede real, e ao se contrapor à ordem de etapas na adesão e
implementação do Plano, a RJV RN inspirou a criação de outras redes de enfrentamento
semelhantes no país, por exemplo, em Pernambuco e na Bahia.
Outros frutos da pressão da Rede junto ao poder público, como a criação da própria
SEJURN e a inclusão da proposta de um Conselho Estadual de Juventude nas Conferências de
Juventude realizadas, foram sinalizados. Tem-se ainda que a Rede fomentou a criação de
outras iniciativas locais, como a Rede Juventude do Seridó e a Frente Potiguar Contra a
Redução da Idade Penal. Esses fatores apontaram para a existência de outros caminhos para a
atuação do coletivo, que não só aqueles relacionados ao Plano.
138
Além disso, em muitos discursos dos participantes, os objetivos iam ao encontro das
disputas de opinião e debates na sociedade (e entre as próprias juventudes) acerca dos direitos
das juventudes, utilizando as estratégias de multiplicação e buscando a formação de núcleos
da RJV RN em bairros da capital e outros municípios. Vale ressaltar que essas estratégias
contaram muitas vezes com o apoio da articuladora do PJV no estado, que ampliou o número
de parceiros, e com o uso de pequenas doações e recursos dos próprios membros dos coletivos
para garantir os materiais e infraestrutura necessários. Apesar de ter sido consenso entre os
entrevistados que a RJV RN foi a primeira iniciativa no estado a adotar a pauta do
enfrentamento ao genocídio da juventude como central, percebeu-se que por meio desses
momentos formativos o movimento conseguiu levar as discussões a diversos territórios.
Revelou-se, além disso, uma funcionalidade desses momentos para fortalecer o sentimento de
pertencimento e inclusão dos participantes no coletivo, para contribuir na ampliação do debate
por meio do uso de metodologias participativas e da troca de argumentos e opiniões a favor da
vida das juventudes, entre outros. Ainda assim, tais momentos foram enfatizados como fora
dos objetivos da Rede, guardando a finalidade apenas de reoxigenação do coletivo.
Além do caráter híbrido e inspirador da RJV RN, tem-se que, ao pressionar o poder
público no sentido oposto preconizado pela política, esse coletivo permitiu questionar o
modelo de Estado hierárquico e burocrático adotado no Brasil, que historicamente tem
dificultado que os direitos conquistados pelos cidadãos e transformados em políticas se
convertam efetivamente em ações em prol do bem-estar da população. Assim, embora
resultados concretos e imediatos não possam ser elencados em termos de redução de mortes
de jovens por homicídios e de políticas públicas juvenis, a RJV RN deu visibilidade, mesmo
que por um curto período de tempo, à pauta do genocídio da juventude, causando um
139
incômodo nas gestões. Além disso, deu voz a muitos movimentos e cidadãos que se indignam
diante dessa realidade.
Um último objetivo deste trabalho foi o de identificar e problematizar limites e
possibilidades no trabalho da Rede. Em primeiro lugar, é preciso destacar a coragem de um
movimento em adotar como pauta central o enfrentamento ao genocídio da juventude, posto
que essa realidade nos remete a muitas décadas de racismo, criminalização da infância e
juventude pobres, reforçadas por políticas compensatórias, focalizadas e de caráter
emergencial, pelo discurso punitivo difundido na mídia e adotado por boa parte da população,
etc.
Os primeiros limites encontrados nesta investigação foram relativos a questões
estruturais internas à RJV RN. Em primeiro lugar, a ausência de documentos que registrassem
o surgimento do coletivo (como a carta de fundação) e a sua identidade, a primeira lista de
assinaturas e outros papéis que registrassem acontecimentos importantes para a Rede
dificultaram a análise aqui apresentada. Ocorreu ainda que, ao recorrer aos discursos dos
participantes, foram encontradas divergências e imprecisões, desde o marco de fundação,
passando pela identidade e composição da Rede, até objetivos, ações e estratégias.
Além dos problemas de organização e sistematização das informações da RJV RN, já
discutidos como entraves à ação dos movimentos em geral, e da falta de acompanhamento dos
núcleos e multiplicadores formados, as divergências refletiram a ausência de discussão e
reflexão sobre sua própria estrutura, sobre seus conflitos e tensões (inclusive os gerados por
mudanças de papéis dos membros ao longo da trajetória da Rede), suas formas de se
comunicar, de liderar, de se articular com as diversas iniciativas e de planejar as ações, além
das responsabilidades e os materiais necessários. Essa necessidade, embora reconhecida pelo
grupo, e cujo processo chegou a ser pensado, não foi solucionada. Acredita-se que esses
140
elementos dificultaram a reafirmação da identidade e a atratividade do coletivo a novos
membros (e, portanto, o processo de reoxigenação).
As mudanças vivenciadas no cenário nacional dos últimos tempos, foram consideradas
pelos participantes como cruciais à estagnação do coletivo, tendo sido elencados: o processo
eleitoral de 2014 (em que as iniciativas da Rede, a maioria ligadas ao PT, estiveram
envolvidas, inclusive objetivando a manutenção do PJV); a emergência do processo de
votação da PEC 171 (redução da idade penal); mudanças nas secretarias nacional e estadual
de juventude; o golpe parlamentar de 2016; e a votação da PEC 241 (55 no Senado). De
acordo com os entrevistados, a sobrecarga de tantas lutas para poucos movimentos, a
desativação de ferramentas de juventude, a necessidade de ir pra rua participar das
manifestações e a migração para outros coletivos com pautas relacionadas a essa conjuntura
foram decisivos para a estagnação da RJV RN. Levando em consideração que outros
movimentos não passaram pelo mesmo processo, ainda que enfrentando os mesmos
problemas conjunturais, discutiu-se que o movimento já estava bastante enfraquecido quando
se deparou com tais mudanças e com as muitas lutas que viriam a ser travadas.
Apesar de todos os problemas e dificuldades estruturais internas e da conjuntura
nacional, os participantes foram capazes de destacar muitas possibilidades para a atuação da
Rede e vislumbrar caminhos de superação para a realidade de genocídio de forma geral,
reconhecendo na RJV RN um potencial transformador nas lutas que têm emergido. As
sugestões apontadas para o coletivo passaram pela retomada dos contatos com antigos
parceiros e o estabelecimento de novas alianças e lideranças, a inclusão de mais arte, lazer e
cultura nas ações junto às comunidades, como atrativos à participação dos jovens, o
investimento em diferentes meios de comunicação interna e externa para uma melhor
articulação dos membros e para uma disputa justa de opiniões na sociedade a favor das pautas
141
juvenis, etc. Dos espaços de inserção possíveis para a Rede, seus membros destacaram, ainda,
as ocupações nas escolas, as participações nas conferências de juventude, a utilização dos
recursos conseguidos por intermédio da SEJURN para a implementação de programas do PJV
e a efetivação do Conselho Estadual de Juventude.
No que se refere às proposições para a superação da realidade de genocídio de jovens,
de forma geral, dois caminhos diferentes puderam ser identificados nos discursos dos
entrevistados. O primeiro, focava principalmente na implementação de políticas públicas e na
criação de ferramentas de juventude para a promoção dos direitos e resolução dos problemas
que perpassam este segmento da população. O outro caminho, no entanto, apontou para
transformações mais profundas na sociedade, como o fim das diversas formas de opressão,
mudanças no processo educativo e na visão socialmente difundida acerca da juventude.
Levando em consideração a diversidade de ações realizadas, os resultados obtidos –
ainda que não tão concretos ou imediatos –, o caráter inspirador desta Rede e a atualidade da
pauta do genocídio, concorda-se com os participantes acerca do potencial da RJV RN, tanto
no enfrentamento aos homicídios contra a juventude quanto na contribuição para as diversas
lutas que vêm emergindo no país. Assim, acredita-se que a Rede pode se manter viva, seja
retomando as atividades de fato, seja através da experiência e do legado deixados e
reproduzidos no discurso pelos membros em outros coletivos, seja através de um registro
histórico – como pretendeu ser este trabalho – que permita apontar reflexões e possibilidades
de atuação para outros movimentos sobre esta pauta ou outras de interesse da juventude.
Para qualquer dessas formas de perpetuação do coletivo, faz-se necessário acrescentar
algumas sugestões às ricas contribuições já trazidas pelos participantes. São estas: a discussão
dos aspectos organizativos, identitários, conflitos internos e tensões; a definição dos papéis
dos grupos integrantes e o alinhamento de objetivos e ações (apesar das diferentes ideologias
142
coexistentes) em um projeto societário comum; a manutenção dos registros de informações e
conquistas obtidas; a inserção nos demais espaços de atuação abertos pelas lutas que a
sociedade brasileira tem vivenciado; a articulação das diversas pautas (como redução da idade
penal, cortes na previdência, saúde, educação e assistência social) com a pauta do genocídio
de jovens; e o planejamento detalhado das ações, divisão das atribuições e o acompanhamento
de núcleos e multiplicadores. Além desses aspectos, cabe à Rede marcar a posição que
compreende o jovem como sujeito de direitos, e não apenas como público-alvo, agente ou
priorizando as juventudes organizadas nos movimentos – concepções que conviveram
isoladamente na RJV RN, mas que só têm valor quando conciliadas na práxis do movimento.
Reconhece-se, apesar de todas as recomendações, a insuficiência – ao deixar poucas
marcas acumulativas na história – e, ao mesmo tempo, a necessidade, da existência e
resistência dos movimentos sociais. No entanto, defende-se aqui a necessidade de não perder
de vista a centralidade da luta de classes na atuação desses movimentos, nem o horizonte
revolucionário de emancipação humana. Nesse sentido, para além dos resultados já
destacados pelo uso da estratégia de multiplicação por meio de ações formativas, enxerga-se
como maior potencial desses momentos a sua dimensão educativa. Potencial esse que pode
dar início – se bem conduzido – à formação da unidade crítica das classes subalternas
necessária, dentro de uma concepção gramsciana, ao fim da exploração do homem pelo
homem. Nesse sentido, considera-se o uso de ações formativas essencial a qualquer
movimento que pretenda alcançar mudanças mais profundas – e, portanto, mais lentas – em
nossa sociedade.
Se, por um lado, desde 2013, uma onda conservadora na política e na sociedade
avançou no país e atacou um a um os direitos conquistados pela sociedade, bem como os
aparatos que permitiam efetivá-los, por outro a população vêm tomando as ruas para proteger
143
suas conquistas e reivindicar novos direitos. O momento político requer um caminho que não
se apoie na política institucional, que exija a força e a motivação dos movimentos sociais para
a luta, mas que também requer a união de estratégias, como as que foram apontadas.
Por fim, vale reforçar a necessidade de um movimento como a RJV RN contar com
líderes jovens, negros e/ou negras e da periferia, conforme destacado nas falas dos
entrevistados. De todas as estratégias, essa é a que de fato pode levar às ruas a voz dos
“esfarrapados do mundo”, que são a maioria da população, evidenciando os reais problemas
da nossa sociedade e abafando gritos fascistas e golpistas – esses, sim, vindos de uma minoria
do povo brasileiro – que minam a nossa caminhada rumo a um mundo melhor.
144
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