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[Recensão a] A. Guerra - Plínio-o-Velho e a Lusitânia
Autor(es): Oliveira, Francisco de
Publicado por: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de EstudosClássicos
URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/28344
Accessed : 3-Feb-2019 13:04:32
digitalis.uc.pt
Vol. XLIX
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS
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a p.258 ss., uma tentativa original de actualização de algumas receitas.
A apresentação deste volume, bastante aceitável, ganharia certamente em receber
quadricromias e na melhoria do seu enquadramento, tornando-o ainda mais atractivo1.
Sobrelevo neste trabalho a laboriosa tradução especializada, bastante conseguida,
com uma notável tentativa de uniformização possível dos termos técnicos, que os
especialistas facilmente detectarão, a revelar a maturidade de uma autora apaixonada
por um tema que, no seguimento do recrudescer do interesse pela vida quotidiana,
ultimamente tem colhido favor internacional, incluindo na vizinha Espanha, onde
entretanto saiu um edição similar2.
Aconselho este volume, completado com índices e bibliografia específica, tanto
ao público em geral como aos latinistas e historiadores da Antiguidade.
FRANCISCO DE OLIVEIRA
A. GUERRA, Plínio-o-Velho e a Lusitânia, Lisboa, Ed. Colibri, 1995, 176p.
Propõe-nos a presente edição fornecer, em texto original e sua tradução, as fontes
plinianas para o estudo da Lusitânia romana.
A discussão do conceito de Lusitânia e sua inserção no de Hispânia obrigaria o
autor a estabelecer uma antologia mais alargada, no mínimo para que o contexto se
tornasse mais explícito. De resto, parece-me que A. Guerra tem consciência do facto,
mas não o levou à prática, quando escreve, na p. 67: "Sobre a exploração do chumbo e
do ouro no nosso território v. comentário a 33,154-155 e 33,66 e 78 respectivamente",
sem se aperceber que não seleccionara, transcrevera ou comentara o primeiro passo
citado3.
Da mesma maneira, a propósito de JVaf.4.113, p.82-84, comenta as palavras
Coniumbrica e Ebourobritium quando na transcrição está, e bem, Conimbriga e
Eburobrittium. A discrepância repete-se em outros passos, como 4.114 (p.86: illinc et
oceanus vs. illinc, oceanus); 4.116 (p.90: Gentes Celticae vs. gentes Celtici); 4.117 (p.101-
-102: Scallabis por Scalabis), etc.
Objectivo não alcançado pelo autor foi, em meu entender, o de fornecer ao leitor
médio português um texto de referência que oferecesse segurança. De facto, afirma A.
Guerra usar a edição Les Belles Lettres ou, nos livros ainda não editados nessa colecção,
1 Veja-se N. Blanc — A. Nercessian, La cuisine romaine antique, Grenoble, Glénat, 1994. 2 Apicius, De ce coquinaria. Gastronomia en la Antigua Roma Imperial, com. y trad. de
M. Ibaflez Artica, R&B Ediciones, 1995. 3 Pela minha parte, incluiria trechos como 2.167, 181; 3.17-19, 28-29; 8.166; 9.9; 16.32,
93; 19.94; 25.85; 33.66, 96; 37.24, e alargaria o contexto de outros, como em 8.166.191.
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a edição Teubner.
Ora, dado que a maioria dos textos utilizados ainda não apareceu na Belles Lettres,
não seria mais adequado usar simplesmente a edição Teubner? Ε não seria preferível
generalizar a pontuação por esta utilizada, de modo a evitar a arbitrariedade numa questão
que é de importância fulcral para o entendimento do texto e a distinção entre nomes
próprios e nomes comuns?
Como justificar, particularmente nos passos onde só existe o texto teubneriano,
que a transcrição não seja exacta, levando o comentário a assumir o que não está na
edição utilizada nem porventura no texto transcrito, numa espécie de círculo vicioso?
Passando por cima das numerosas gralhas e até omissões de palavras, vejam-se somente
alguns passos importantes, como Ato.3.8: Lusum por lusum; 3.28: Biballi por Bibali
solução que torna inútil o comentário da Introd. p. 14: "Preferimos, por exemplo, Bibalos
a Bibalos porque em latim temos Biballi"; 4.118: Cibilitani por Cilibitani e, pior ainda,
inserção da glosa Lancienses, não perfilhada por Ian-Mayhoff e óbvia iteração de linha
anterior, solução que origina um comentário verdadeiramente intrigante e inconsistente;
4.120: existimantur por existimaur e appellatam por appellant.
Ε fácil, para qualquer especialista, verificar que ambas as edições se contaminam
mutuamente e que é notória a influência da edição Littré.
Quanto à abreviatura dos nomes de autores latinos, não vejo vantagem em usar
as abreviaturas do Thesaurus Linguae Latinae em vez das do Oxford Latin Dictionary;
esta opção logo faria prescindir de quatro das siglas propostas na p.17. Aliás, se usa as
abreviaturas do Thesaurus, para quê indicar, para a Naturalis Historia, a sigla NH, que
me parece nunca ter sido utilizada, quando o Thesaurus utiliza nat.l E, a haver siglas,
porque não as usar também para as revistas?
De entre as partes em que a obra se divide, a Introdução apresenta, genericamente,
o autor e a obra. Na p.22, para o título da enciclopédia pliniana, A. Guerra opta por
entender natura como "universo", que considera melhor solução que "recherche sur le
monde", proposta de J. Bayet. Opção a meu ver errada, pois natura significa as coisas da
natureza, na sua realidade física, como o próprio Plínio nos diz quando explicita, em
praef.Yl, num passo que evoca um livro grego peri physeos: rerum natura, hoc est uita,
narratur, et haec sordídissima sui parte.
Logo de seguida, na p.23, também me parece merecer reparo a ideia, noutros
passos recorrente, de que a História Natural satisfazia "a curiosidade de um público
sem pretensões de um rigor científico". Ora tal afirmação suporia o levantamento do
estatuto sociológico do receptor, e, em meu entender, a História Natural tem em conta,
isso sim, o alargamento cultural que a sociedade imperial sofrera nos finais da República
e inícios do Principado.
No mínimo, considero de todo errado deixar supor que, em Plínio, o racionalismo
não tinha primazia. Seria preferível dizer que, apesar dos obstáculos epistemológicos de
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que falam R. Lenoble ou P. Grimal, a História Natural revela uma grande vontade de
explicação racionalista das coisas da natureza. Na verdade, muitos dos mirabilia e
prodígios referidos na Introd. p. 23, que Plínio amiúde relata com óbvio distanciamento,
são relatados não por corresponderem a uma crença do autor, mas porque este se não
libertou, como ele próprio confessa, do obstáculo epistemológico que lhe impunha relatar
o que antes dele fora publicado.
No que concerne a tradução, posso concordar com algumas das soluções e
discordar de outras, sem que isso retire algum mérito ao esforço empreendido4, O que a
tradução não logra é respeitar fielmente o estilo do autor, apesar de A. Guerra elencar,
embora de forma incompleta, as suas figuras de estilo. De facto, quando Plínio utiliza
uariatio5, aparece uma tradução unitária (e.g. Nat.3.6: afineMurgitano ...in Laminitano
agro "o termo áeMurgis ... no termo de Lamínio"; 4.112: Flumen Limia, Durius amnis
"o rio Lima e o Douro", passo que daria boa oportunidade de exemplificar a hipotética
distinção entre flumen e amnis); pelo contrário, tendeu a uniformizar a grande variedade
estilística das fórmulas que introduzem as citações, com tendência a banalizar "referir"
como tradução de verbos tão díspares como tradere, prodere, auctor esse, dicere; enquanto
queprodere é traduzido alternadamente por "referir, transmitir, dizer"; em contrapartida,
por vezes são introduzidas soluções e perífrases que não estão no texto orginal (cf. 15.103);
desfeitos ou modificados paralelismos sintácticos (4.115), lítotes (19.10) e hendíadis
(33.66); e, o que é ainda mais notório, não consegue manter o assíndeto (3.13,28; 4.112,
113; 33.66); inversamente, são eliminadas copulativas existentes no latim (33.78) ou
introduzidas indevidamente (9.9 e 37.127). Em consequência, resultam prejudicados o
cadenciado, a economia de meios e a concisão do texto pliniano (cf. 15.17 e 34.156).
Quanto ao comentário, meritório trabalho de recolha e sistematização de dados,
em especial arqueológicos mas também literários e bibliográficos necessários à
compreensão das informações de Plínio, a sua riqueza é bem patente em muitas páginas,
embora por vezes necessitadas de maior espírito crítico, mais lima e clareza, até para
eliminar as numeroríssimas gralhas ou desatenções, como sucede na Introdução, p. 13,
onde afirma ser Nat. 19.10o único passo onde Plínio se refere aos Zelas, quando a antologia
os cita também em 7Var.3.28.
FRANCISCO DE OLIVEIRA
4 Quem tiver interesse em aprofundar a questão, pode cotejar com as minhas propostas de tradução de alguns passos comuns, a sair nas Actas do Congresso Occidua Plaga, realizado em Lisboa em Dezembro de 1996.
5 Na terminologia técnica, seria conveniente enquadrar a questão da uariatio com o óbvio propósito de fugir aos grecismos; em qualquer caso, contrariamente a A. Guerra, no comentário da p.l 17, ad 6.217, o artifício literário não pode ser entendido como fonte ou prova de imprecisão.
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