processo nº 240/2017 (autos de recurso cível) utilização ...assunto: utilização séria da...
Post on 01-Feb-2021
1 Views
Preview:
TRANSCRIPT
-
Recurso cível 240/2017 Página 1
Processo nº 240/2017
(Autos de recurso cível)
Data: 14/Fevereiro/2019
Assunto: Utilização séria da marca
SUMÁRIO
O registo de marca caduca pela falta de
utilização séria durante 3 anos consecutivos, salvo justo
motivo.
Provado o envio para a RAEM, pela sociedade de
que o recorrido é sócio e único administrador, de óleos
medicinais e outros produtos assinalados com a marca sob
escrutínio, e não obstante ser de pequena quantidade o
fornecimento daqueles produtos, mas há-de ter em
consideração que foram várias as farmácias destinatárias,
sendo os produtos importados colocados à venda em
estabelecimentos de farmácia da Região.
Nesta medida, não se pode dizer que o recorrido
não usou a marca durante 3 anos consecutivos anteriores
ao pedido de declaração de caducidade do registo da
marca. Antes pelo contrário, provado está que antes de
terminar o prazo de 3 anos consecutivos a contar da data
da concessão do registo, ficou demonstrado o uso sério da
marca pelo recorrido, qual seja, ter estabelecido
relações comerciais com as farmácias da RAEM, fornecendo
os seus produtos a essas retalhistas permitindo que as
mesmas, por sua vez, os colocassem à venda no mercado.
-
Recurso cível 240/2017 Página 2
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
-
Recurso cível 240/2017 Página 1
Processo nº 240/2017
(Autos de recurso cível)
Data: 14/Fevereiro/2019
Recorrente:
- XXX Manufactory Limited
Recorrido:
- B
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
XXX Manufactory Limited, sociedade comercial com
sede em Hong Kong, melhor identificada nos autos
(doravante designada por “recorrente”), interpôs recurso
da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade
Intelectual dos Serviços de Economia, que indeferiu o
pedido de declaração de caducidade do registo da marca
N/4**** concedido a favor de B, melhor identificado nos
autos (doravante designada por “recorrido”) com
fundamento na falta de utilização séria da mesma na RAEM.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base, foi
julgado improcedente o recurso e, em consequência,
mantido o despacho administrativo impugnado.
Inconformada, recorreu a recorrente
jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações
formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem como fundamento os erros de
-
Recurso cível 240/2017 Página 2
facto e de direito em que incorre a sentença impugnada, bem como a
nulidade da mesma por excesso de pronúncia.
2. Decorre do princípio “tempus regit actum” que o Tribunal
está limitado a apreciar as questões fácticas e de direito
existentes à data da prática do acto administrativo, pelo que não
podia o Mm.º Tribunal a quo tomar em consideração factos relativos
ao uso da marca ocorridos após o período de três anos imediatamente
anteriores ao pedido de declaração de caducidade.
3. Ao considerar relevantes os documentos apresentados em
sede de contestação ao presente recurso judicial e que reportam
factos ocorridos posteriormente ao pedido de declaração de
caducidade, de modo a concluir que esse suposto “reforço de
utilização” demonstra que a primeira utilização era “séria”, o Mm.º
Tribunal recorrido incorreu em excesso de pronúncia, razão pela qual
a sentença impugnada é nula nos termos do artigo 571º, n.º 1, alínea
a) do CPC.
4. Sem prescindir, sempre se dirá que o Mm.º Tribunal a quo
também incorreu em erro de facto, designadamente no que consta da
alínea g) da matéria de facto dada por assente, que não corresponde
manifestamente à verdade nem se consegue retirar dos elementos
probatórios juntos aos autos.
5. Desde logo, a redacção da alínea g) induz em erro,
porquanto perpassa uma ideia de reiteração da comercialização de
produtos assinalados com a marca n.º N/4**** desde o dia 24 de
Setembro de 2013, o que só foi possível ao Tribunal concluir com
-
Recurso cível 240/2017 Página 3
base em elementos de facto de que não podia tomar conhecimento por
força do princípio “tempus regit actum”.
6. Assim, tomando por referência os documentos apresentados
no âmbito do procedimento administrativo, verifica-se que nenhuma
relevância pode ser atribuída às supostas “cartas de intenções”,
desde logo porque as mesmas não demonstram qualquer uso perante o
público relevante, não estão assinadas (afectando a respectiva
validade e eficácia, conforme cláusula 4ª), a respectiva selagem só
ocorreu no dia 29 de Janeiro de 2014 (já depois do pedido de
declaração de caducidade ter sido apresentado pela ora Recorrente)
e, acima de tudo, porque a Parte Contrária, titular do registo de
marca posto em crise, não é parte naqueles “acordos”.
7. Por outro lado, os únicos documentos para prova da
comercialização de produtos assinalados com a marca “ ”,
que tomou o n.º N/4****, reportam-se a facturas de exportação para
Macau emitidas por uma companhia de Taiwan relativas ao envio de
medicamentos para quatro farmácias no dia 23 de Setembro de 2013.
8. No entanto, do confronto entre os Docs. n.º 2 e 3
(numeração indicada em sede de recurso judicial para os documentos
apresentados pela Parte Contrária no âmbito do procedimento
administrativo de caducidade de marca desencadeado pela Recorrente),
-
Recurso cível 240/2017 Página 4
resulta que a marca “ ” apenas foi aposta em dois dos
itens referidos nas citadas facturas, ambos referentes a duas
versões do mesmo óleo medicinal, uma de 50ml e outra de 25ml, num
total de quatro embalagens para cada uma das quatro farmácias de
Macau.
9. Não tendo sido enviados quaisquer outros produtos
assinalados com a marca n.º N/4****, e considerando que aqueles
produtos foram enviados num único dia, o Mm.º Tribunal a quo apenas
poderia dar como provado que “No dia 23/09/2013, foram enviadas para
quatro farmácias de Macau quatro embalagens (duas de 50ml e duas de
25ml) referentes ao óleo medicinal assinalado com a marca n.º
N/4****”.
10. Finalmente, a sentença recorrida padece de um erro de
direito, ao assentar num raciocínio tautológico que parte de uma
premissa conclusiva incorrecta quanto ao uso da marca pela Parte
Contrária, já que confundiu elementos de facto com o preenchimento
do conceito legal de uso.
11. Não havendo dúvidas que apurar o uso de uma marca se
reconduz a uma questão de direito, tanto a doutrina relevante como a
jurisprudência da RAEM têm entendido que há uso (sério) de uma marca
quando a mesma seja usada através de actos concretos, reiterados e
públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços.
-
Recurso cível 240/2017 Página 5
12. Ora, como se viu, das provas apresentadas pela Parte
Contrária, apenas indicam o envio para Macau de quatro embalagens
(duas de 50ml e duas de 25ml) para cada uma de quatro farmácias
referidas nas facturas de exportação.
13. Nada nos autos permite concluir qualquer uso por parte
do titular ou licenciado (devidamente inscrito) do registo de marca
n.º N/4****, já que as embalagens foram enviadas por uma sociedade
de Taiwan e as farmácias de Macau não têm qualquer relação ou
contrato de licenciamento relativo à marca posta em crise.
14. Pelo que ainda que nada fosse alterado quanto à
redacção da alínea g) dos factos dados como provados, a verdade é
que nada está demonstrado nos autos quanto a uma eventual
comercialização de produtos efectuada pelo titular do registo de
marca em causa na RAEM ou por seu licenciado devidamente inscrito.
15. Por tudo o exposto, a Parte Contrária não logrou ilidir
a presunção de não utilização da marca estabelecida pelo artigo
232º, n.º 5, do RJPI, razão pela qual a sentença impugnada deverá
ser revogada e substituída por outra que declare a caducidade do
registo de marca n.º N/4****.
Nestes termos, e no mais de Direito, deverá o presente
recurso jurisdicional ser considerado procedente e, por conseguinte,
deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes:
A) Declarar a nulidade da sentença proferida pelo Mm.º
Tribunal Judicial de Base, por excesso de pronúncia, nos termos do
artigo 571º, n.º 1, alínea d), in fine;
-
Recurso cível 240/2017 Página 6
B) Modificar a decisão de facto no que concerne à alínea g)
da matéria dada como provada, nos termos do artigo 629º do CPC; e,
C) Revogar a sentença proferida pelo Mm.º Tribunal Judicial
de Base e substituí-la por outra que declare a caducidade do registo
de marca n.º N/4****, para assinalar produtos da classe 5a.
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a recorrida, formulando as
seguintes conclusões alegatórias:
“I. Dos documentos juntos às alegações de recurso – Os dois
documentos datados de 20/7/2016 com que a Recorrente instruiu as
suas alegações de recurso não se inscrevem em nenhuma das hipóteses
de junção previstas no artigo 616º do CPC, pelo que devem ser
desentranhados, com as legais consequências.
II. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia – Nas
alíneas 2) e 3) das conclusões das suas alegações de recurso a
Recorrente imputa à decisão recorrida o vício da nulidade por
excesso de pronúncia.
III. Mas, sem razão. Isto porque a questão de fundo é saber
se a utilização que o Recorrido fez da sua marca se inscreve no
conceito legal ou normativo de utilização séria.
IV. E foi essa a questão dirimida pelo Tribunal a quo, o
qual, para o efeito e face aos artigos 436, 558/1 e 562/3 do CPC,
apreciou livremente todas as provas realizadas no processo, tendo
ainda tido em consideração os factos provados por documentos por
-
Recurso cível 240/2017 Página 7
força do disposto no artigo 562/3 todos do mesmo diploma.
V. Sendo por isso evidente que o Tribunal a quo não estava
impedido de tomar em consideração todos os factos contrapostos pelo
Recorrido na resposta de fls. 36 a 40 oferecida no processo n.º
N/4**** da Direcção dos Serviços de Economia relativos ao uso da
marca ocorridos após o período de três anos imediatamente anteriores
ao pedido de declaração de caducidade, por tais factos serem
instrumentais à aferição da seriedade do uso da marca durante esse
período.
VI. Por outro lado, entende a Recorrente nas alíneas 4) a
9) das conclusões das suas alegações de recurso que o ponto g) da
matéria de facto foi incorrectamente julgado.
VII. Isto, por na sua perspectiva, não se poder dar nenhuma
relevância à documentação apresentada para o efeito pelo Recorrido.
VIII. Mas sem razão por a sindicância ao trabalho do
julgador, no tocante à matéria de facto só ser admissível nos casos
e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC.
IX. E, in casu, o certo é que da análise e exame crítico de
toda a prova produzida, não resulta que os elementos de prova de que
se serve a Recorrente apontem no sentido por ela pretendido, nem
que, muito menos, imponham decisão diversa da ora recorrida.
X. Sendo assim, a impugnação da matéria de facto se não é
despropositada, também não contribui para o remédio, na medida em o
Tribunal “a quo”, no exercício do “munus” de julgar, seguiu o
resultado que melhor pareceu ajustado de acordo com a sua livre
-
Recurso cível 240/2017 Página 8
convicção num quadro de imediação da prova holística produzida.
XI. Nada havendo por isso a censurar à avaliação da matéria
de facto, tal como a fez o Tribunal “a quo” na alínea g) dos Factos
Assentes.
XII. Do erro de direito – Nas alíneas 11) a 15) das
conclusões das suas alegações de recurso diz a Recorrente que o
Tribunal a quo também incorreu em erro de direito por, supostamente,
ter confundido elementos de factos com o preenchimento do conceito
legal de uso.
XII. Mas também aqui sem razão, conforme, desde logo,
resulta do conjunto de argumentos expendidos pela Direcção dos
Serviços de Economia, máxime nos artigos 14 e 15 da contestação
(fls. 54 a 61).
XIV. Depois, porque segundo as 出口報單 de fls. 56 e 57, 62,
63, 65 a 68 do processo n.º N/4**** da Direcção dos Serviços de
Economia, o Recorrido em nome da sociedade “YYY工廠有限公司” cumpriu
os contratos de fls. 45, 47 e 49 desse procedimento administrativo
através do envio dos produtos da marca em causa em 24/09/2013.
XV. O que demonstra que o fornecimento dos produtos se
inscreveu na execução da estratégia de implantação da marca em
Macau, logo do seu uso sério, o qual implicou o estabelecimento de
relações comerciais estáveis com as farmácias de Macau.
XVI. Não se verifica, pois, o apontado vício à sentença
recorrida.
XVII. Do preenchimento do conceito da utilização séria –
-
Recurso cível 240/2017 Página 9
Por último, na alínea 15) das conclusões das suas alegações de
recurso diz a Recorrente que o Recorrido não logrou ilidir a
presunção de não utilização da marca estabelecida pelo artigo 232º,
n.º 5, do RJPI, razão pela qual a sentença impugnada deverá ser
revogada e substituída por outra que declare a caducidade do registo
de marca n.º N/4****.
XVIII. Contudo, nenhum dos argumentos da Recorrente
expendidos nas alíneas 12), 13) e 14) das suas alegações de recurso
consegue demonstrar o desacerto da decisão recorrida.
XIX. Desde logo por, como se sabe a utilização séria
implicar uma utilização real para fins de comercialização dos
produtos ou serviços em questão a fim de gerar um valor
acrescentado, ao contrário da utilização artificial unicamente
destinada a manter a marca no registo.
XX. Ora, tal utilização real da marca para fins de
comercialização dos produtos ocorreu, in casu, dentro do prazo de
caducidade de três anos previsto no n.º 1, al. b) do artigo 231º do
RJPI conforme resulta da documentação junta aos autos.
XXI. Acresce que a comercialização da marca pela primeira
vez na RAEM pressupôs a participação prévia de em certames, feiras,
exposições, contactos com potenciais clientes, fornecimento de
amostras as grossistas e retalhistas, negociação com os clientes e
realização dos necessários estudos de mercado necessários à
elaboração de uma estratégia séria de negócio.
XXII. Por isso, em 15/08/2013, o Recorrido, em nome da
-
Recurso cível 240/2017 Página 10
sociedade YYY工廠有限公司 de que é sócio e único administrador da
sociedade (fls. 75 a 84) celebrou as cartas de intenção cooperativa
com várias farmácias de Macau.
XXIII. Sendo inquestionável que a sociedade YYY工廠有限公司
celebrou os contratos referidos com o consentimento do Recorrido e
que tais contratos foram cumpridos, conforme resulta de o facto de
os produtos da marca em questão se encontrarem comercializados nas
farmácias de Macau muito antes do decurso do prazo de caducidade
previsto no n.º 1, al. b) do artigo 231º do RJPI.
XXIV. Foi assim feita uma utilização real da marca para
fins de comercialização dos produtos em questão e que tal estratégia
comercial se revelou acertada, como revelam os documentos de fls. 92
a 101.
XXV. Daí se pode ver que antes do termo do prazo de
caducidade do registo da marca se verificou o seu uso efectivo e
real em Macau através de actos concretos, reiterados e públicos
manifestados no mercado, de modo estável, para fins de
comercialização dos produtos em questão e obtenção de valor
acrescentado, o que preenche aos requisitos do conceito de uso
sério.
XXVI. Pelo que, como a marca ora em causa não se encontrava
na situação de não utilização durante três anos consecutivos à data
do termo do prazo de caducidade previsto no n.º 1, al. b) do artigo
231º do RJPI, nada há a censurar à sentença recorrida.
Nestes termos e com o mais que V. Exas., muito doutamente,
-
Recurso cível 240/2017 Página 11
não deixarão de suprir, deve ser negado provimento ao recurso
interposto, com as legais consequências.
Assim, mais uma vez, farão V. Exas.
JUSTICA!”
*
Enquanto a Direcção dos Serviços de Economia
ofereceu o merecimento dos autos.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte
factualidade com relevância para a decisão da causa:
Em 07/05/2010 B requereu o registo de um
determinado sinal como marca para assinalar produtos da
classe 5ª (óleos e pomadas medicinais, emplastros
medicinais e líquidos repelentes de mosquitos). (alínea
a))
O pedido recebeu o nº N/4**** e o registo foi
concedido por despacho do Chefe do Departamento da
Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de
Economia de 25/10/2010, o qual foi publicado no Boletim
Oficial de 17/11/2010. (alínea b))
Em 13/12/2013, XXX Manufactory Limited, sociedade
comercial com sede em Hong Kong, requereu ao Director dos
Serviços de Economia que declarasse a caducidade do
-
Recurso cível 240/2017 Página 12
registo da referida marca por falta de utilização séria
da mesma na RAEM por um período superior a três anos
consecutivos. (alínea c))
O pedido de declaração de caducidade foi
indeferido por despacho do Chefe do Departamento da
Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de
Economia de 16/04/2014. (alínea d))
Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da
RAEM, nº 23, II Série, de 21/05/2014. (alínea e))
Em 23/06/2014 foi apresentado recurso judicial no
TJB. (alínea f))
Desde 24/09/2013 (até, pelo menos, 20/10/2014)
que se encontram à venda em estabelecimentos de farmácia
da REAM óleos medicinais e outros produtos assinalados
com a marca nº N/4****, na sequência da celebração, em
15/08/2013, de contratos escritos, nos quais consta
impressa a marca nº N/4****, dos quais se mostra junta
cópia a fls. 45, 47 e 49 do processo administrativo
apenso. (alínea g))
*
Está em causa a seguinte decisão:
“Dispõe o art. 231º, nº 1, al. b) do RJPI que “o registo de marca caduca
pela falta de utilização séria durante 3 anos consecutivos, salvo justo motivo”.
O recorrido provou que utilizou a marca e que não esteve três anos
consecutivos sem a utilizar. A recorrente aceita isso e não se vêm razões para
-
Recurso cível 240/2017 Página 13
despender ociosas considerações quanto a este aspecto, pois que, entre a data da
concessão do registo (25/10/2010) e a data da utilização da marca nos contratos
escritos (15/08/2013) não decorreram três anos (als. b) e g) dos factos provados).
A divergência entre recorrente, por um lado, e o recorrido e a recorrida
entidade administrativa, por outro, reside apenas no facto de a recorrente entender que
tal utilização não é de molde a evitar a caducidade do registo e as recorridas (parte e
entidade administrativa) entenderem que é. Dito de outro modo, a recorrente entende
que a utilização feita não consubstancia o conceito legal de utilização séria e as
recorridas têm entendimento oposto.
Consubstanciará a utilização que o recorrido fez da sua marca o conceito
legal ou normativo de utilização séria?
A utilização séria das marcas é uma utilização verdadeira, real,
consistente, empenhada e genuína com o objectivo de cumprir as funções das marcas
na actividade comercial e não apenas simulada, fingida, enganosa ou artificial e com
objectivos desviados.
O conceito de utilização séria é mais de ordem qualitativa que
quantitativa. É a seriedade da utilização que está em causa, não a frequência da
utilização, embora a utilização frequente possa ser indiciadora da seriedade e a
utilização esporádica ou acidental possa ser indiciadora da falta de tal seriedade.
A nosso ver, o conceito normativo de utilização séria recorta-se a partir da
consideração da natureza do direito do titular do registo sobre a marca. É primordial o
disposto no art. 219º do RJPI. É um direito de exclusivo sobre um sinal, que reserva
ao titular a faculdade de o utilizar para assinalar os seus bens de comércio e de
impedir terceiros de o utilizarem na sua actividade comercial para assinalarem bens
idênticos e afins. A utilização mais nobre da marca é marcar bens para os distinguir
-
Recurso cível 240/2017 Página 14
(arts. 197º e 219º, nº 1 do RJPI). Mas também releva a utilização “menos nobre” da
marca em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos
relativos à actividade empresarial do titular (nº 2 do art. 219º). O uso da marca é sério
se for feito em conformidade com a função essencial da marca, que é distinguir bens
de comércio e criar-lhes uma identidade de origem comercial, sempre perante o
público relevante. E não será sério se for feito com outro objectivo, ainda que
dissimulado, designadamente de conservar o registo apenas para afastar terceiros do
uso do sinal que compõe a marca. O registo concede um exclusivo de utilização para
distinguir, promover, publicitar, mas não concede um instrumento para apenas manter
os concorrentes afastados do sinal registado ou um instrumento meramente
especulativo. Por isso o uso da marca é um ónus do seu titular. Se quer garantir a
exclusividade que o direito de propriedade industrial lhe proporciona sobre a
utilização do sinal distintivo, tem de o usar efectivamente no exercício do exclusivo e
não apenas na sua aparência. De outra forma, o sinal deve ficar livre e disponível para
assinalar bens e não “preso” ou “ocupado” para que ninguém o use. De facto, os
sinais distintivos do comércio têm de estar ao serviço do comércio, a exercer a sua
função distintiva, não podendo o registo servir de cemitério ou prisão de sinais ou de
reserva táctica de “trunfos” de especulação. Se o titular do registo não der
cumprimento ao ónus que sobre si impende, sofre as legais consequências, deixa de
ter a protecção do registo porque este caduca para que o sinal se liberte, em rigor, o
uso do sinal não está na livre disposição do titular do registo respectivo.
O uso sério da marca é aquele que é feito para que a marca desempenhe a
sua função que justifica a sua protecção através de um direito de exclusivo: distinguir
origens comerciais. É , portanto, uma utilização perante o público consumidor da
RAEM, perante o qual a marca se exibe e publicita para assinalar os bens para que foi
-
Recurso cível 240/2017 Página 15
pedido o registo e não outros e numa utilização da marca íntegra e sem alteração
essencial dos seus elementos (art. 232º, nº 1, als. a) e b) do RJPI).
Provou-se que, dentro do período de três anos posteriores à concessão do
registo, o titular da marca em causa colocou à venda no mercado da RAEM os
produtos que a marca se destina a assinalar, estando os mesmos assinalados com tal
marca. E provou-se que vem reforçando a oferta igualmente assinalada. Embora este
reforço de utilização da marca surja já depois do referido período de três anos, é
indiciador de que aquela primeira utilização era séria, pois “teve seguimento” porque
visava implantar os produtos no mercado da RAEM e não apenas evitar o
cancelamento do registo por falta de utilização.
Crê-se que o titular da marca em crise demonstrou que a utilizou para o
exercício do seu comércio e para distinguir os seus bens dos dos demais concorrentes
e não apenas para evitar que a recorrente possa utilizar sinais idênticos. Crê-se, pois,
que o titular fez utilização séria da sua marca e que não ocorre a causa de caducidade
do registo em análise.
Pelo que fica exposto, conclui-se que não merece censura o despacho
recorrido, nem mesmo parcialmente nos termos do nº 4 do art. 231º do RJPI.”
São três as questões suscitadas pela recorrente:
- da nulidade da sentença por excesso de
pronúncia;
- da impugnação da matéria de facto; e
- do erro na aplicação do direito.
Vejamos.
-
Recurso cível 240/2017 Página 16
Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia
Invoca a recorrente a nulidade da sentença
recorrida por excesso de pronúncia, alegando que, sendo o
Tribunal recorrido chamado para se pronunciar sobre o
acto administrativo decisório praticado pela Direcção dos
Serviços de Economia, essa pronúncia devia estar limitada
ao mesmo período temporal, isto é, os três anos
imediatamente anteriores ao pedido de declaração de
caducidade por falta de uso da marca, sob pena de o
Tribunal tomar conhecimento de questões inexistentes à
data da prática do acto administrativo.
De acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo
571.º do Código de Processo Civil, quando o juiz conheça
de questões de que não podia tomar conhecimento, a
sentença padece de nulidade.
É fora de dúvida que o juiz não pode conhecer,
sob pena de nulidade, de pedidos e causas de pedir não
invocadas, nem excepções que não sejam de conhecimento
oficioso.
Como observa Viriato Lima: “Há excesso de
pronúncia e, por conseguinte, nulidade da sentença, se o
juiz fundamenta a decisão com base em factos não
articulados pelas partes, violando também o disposto no
n.º 2 do artigo 5.º.”1
1 Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3.ª edição, 2018, pág. 569
-
Recurso cível 240/2017 Página 17
Ora bem, face aos elementos carreados aos autos,
não se descortina a alegada nulidade de sentença por
excesso de pronúncia, considerando que o Tribunal a quo
fundamentou a sua decisão, entre outros, nos factos
alegados pelo recorrido.
Em boa verdade, o que a recorrente pretende é que
o Tribunal dê relevância apenas à matéria de facto
ocorrida nos três anos imediatamente anteriores ao pedido
de declaração de caducidade por falta de uso da marca, ou
seja, que desconsidere os factos ocorridos após o pedido
de declaração de caducidade.
A nosso ver, não se vislumbra a suposta nulidade
de sentença por excesso de pronúncia, pois o juiz a quo
limitou-se a apreciar as questões (de facto) que lhe
foram submetidas por uma das partes, e quanto à questão
de saber se os factos ocorridos após o pedido de
declaração de caducidade relevam, ou não, para o pedido
de declaração de caducidade por falta de uso da marca, é
uma questão jurídica.
Improcede, pois, a alegada nulidade de sentença.
*
Da impugnação da matéria de facto
Em seguida, a recorrente vem impugnar a matéria
constante da alínea G) dos factos assentes, alegando que
os elementos probatórios juntos pelo recorrido durante o
-
Recurso cível 240/2017 Página 18
procedimento administrativo relativo à declaração de
caducidade da marca não permitam dar como provado aquele
facto, por entender que os contratos escritos juntos no
procedimento administrativo não passam de meras “cartas
de intenções”, as quais não se encontram assinados nem
permitem demonstrar qualquer uso perante o público
relevante.
Ora bem, o Tribunal recorrido deu por provado o
seguinte facto:
“Desde 24/9/2013 (até, pelo menos, 20/10/2014)
que se encontram à venda em estabelecimentos de farmácia
da RAEM óleos medicinais e outros produtos assinalados
com a marca n.º N/4****, na sequência da celebração, em
15/08/2013, de contratos escritos, nos quais consta
impressa a marca n.º N/4****, dos quais se mostra junta
cópia a fls. 45, 47 e 49 do processo administrativo
apenso.” – alínea G)
Estatui-se nos termos do artigo 558º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas,
decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção
acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou
prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial,
não pode esta ser dispensada.”
-
Recurso cível 240/2017 Página 19
A jurisprudência da RAEM2 é quase unânime no
entendimento de que quando a primeira instância forma a
sua convicção com base num conjunto de elementos
probatórios, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e
visível que logo detecte na análise da prova, não deve
interferir nela, sob pena de se transformar a instância
de recurso, numa nova instância de prova.
Em boa verdade, com excepção daqueles meios de
prova que possuem força probatória plena, os restantes
têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade
da sua valoração e decidir segundo a sua prudente
convicção acerca dos factos controvertidos, em função das
regras da lógica e da experiência comum.
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de
provas produzidas nos autos e na audiência, se a houver,
competindo-lhe atribuir o valor probatório que melhor
entender, nada impedindo que se confira, salvo raras
excepções, maior relevância ou valor a determinadas
provas em detrimento de outras.
No caso vertente, dúvidas não restam de que a
recorrente pretende sindicar a íntima convicção do
Tribunal recorrido formada a partir da apreciação e
valoração global da prova documental junta aos autos.
Na verdade, estando no âmbito da livre valoração e
2 No TSI, entre outros, Acórdãos nos Processos n.º 551/2012, 332/2015, 670/2016
-
Recurso cível 240/2017 Página 20
convicção do julgador, a alteração da resposta dada pelo
Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se
conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto
na apreciação das provas.
No caso vertente, para além de ter sido juntas no
procedimento administrativo cartas de intenções
cooperativas entre a sociedade, de que o recorrido é
sócio e único administrador, e diversas farmácias da
RAEM, também há prova de que foram enviados para Macau
óleos medicinais e outros produtos relacionados, marcados
com sinais iguais ou quase idênticos à marca n.º N/4****
do recorrido, os quais se destinavam à venda nas
farmácias da RAEM.
Na medida que os elementos probatórios constantes
dos autos não permitem impor decisão diversa
insusceptível de ser destruída por quaisquer outras
provas, nem se vislumbra, a nosso ver, erro manifesto na
apreciação daquela matéria de facto impugnada, improcede
o recurso nesta parte.
*
Do erro na aplicação do direito
Entende a recorrente que não ficou demonstrado o
uso sério da marca pelo recorrido durante o período de
três anos imediatamente anterior ao pedido de declaração
de caducidade.
-
Recurso cível 240/2017 Página 21
Preceitua-se na alínea b) do n.º 1 do artigo
231.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que o
registo de marca caduca pela falta de utilização séria
durante 3 anos consecutivos, salvo justo motivo.
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 232.º do mesmo
diploma legal, é considerada utilização séria da marca:
- a utilização da marca tal como está registada
ou que dela não difira senão em elementos que não alterem
o seu carácter distintivo, feita pelo titular do registo
ou por seu licenciado devidamente inscrito;
- a utilização da marca para produtos ou serviços
destinados apenas a exportação; ou
- a utilização da marca por um terceiro, desde
que sob o controlo do titular e para efeitos da
manutenção do registo.
Conforme se decidiu no Acórdão do Processo n.º
39/2014, deste TSI: “O conceito “utilização séria” é
composto de dois vocábulos: “utilização” e “séria”. Isto
significa que o qualificativo “séria” só faz sentido
quando apendiculado ao substantivo que pretende
qualificar. A discussão em torno do conceito carece,
portanto, e em primeiro lugar de uma situação de facto
que revele uma utilização da marca (elemento a montante
do conceito) e só depois se indagará se ela é séria
(elemento a jusante). E a utilização deve ser feita
-
Recurso cível 240/2017 Página 22
“através de actos concretos, reiterados e públicos,
manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços
e da finalidade distintiva e um uso meramente simbólico,
esporádico ou em quantidades irrelevantes não parece
preencher o referido requisito de uso efectivo, muito
menos uma abstenção de uso”. Evidentemente, se o titular
de uma marca não fizer dela qualquer utilização, então o
problema acaba por ser muito mais grave e nem sequer
precisa de apuramento sobre os elementos que possam
densificar a seriedade.”
No caso dos autos, provado o envio para a RAEM,
pela sociedade de que o recorrido é sócio e único
administrador, de óleos medicinais e outros produtos
assinalados com a marca sob escrutínio, e não obstante
ser de pequena quantidade o fornecimento daqueles
produtos, mas há-de ter em consideração que foram várias
as farmácias destinatárias (...... 藥 房 、 ...... 集 團 的
Z、......藥行、......藥房), sendo os produtos importados
colocados à venda em estabelecimentos de farmácia da
Região desde finais de Setembro de 2013.
Nesta medida, não se pode dizer que o recorrido
não usou a marca durante 3 anos consecutivos anteriores
ao pedido de declaração de caducidade do registo da
marca. Antes pelo contrário, provado está que antes de
terminar o prazo de 3 anos consecutivos a contar da data
-
Recurso cível 240/2017 Página 23
da concessão do registo (i.e., até 25/10/2013), ficou
demonstrado o uso sério da marca pelo recorrido, qual
seja, ter estabelecido relações comerciais com as
farmácias da RAEM, fornecendo os seus produtos a essas
retalhistas permitindo que as mesmas, por sua vez, os
colocassem à venda no mercado.
Por tudo o que se disse, temos que negar
provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao
recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se o valor da
causa, para efeito de custas, em 500 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 14 de Fevereiro de 2019
Relator
Tong Hio Fong
Primeiro Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong
Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
top related