pouco é necessário!
Post on 28-Mar-2016
213 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a1
Pouco é necessário! Caio Fábio
Vamos ler Lucas 10: 38-42
“Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela
uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se
de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que
minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o Senhor:
Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa;
Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.”
Indo eles, Jesus e os seus discípulos, de
caminho, entrou Jesus num povoado (esse
povoado certamente é a cidadezinha de
Betânia, que fica ao lado de Jerusalém, a
dois quilômetros e meio ou, no máximo, a
três quilômetros de Jerusalém). E certa
mulher, chamada Marta, hospedou-o na
sua casa. Marta era provavelmente a mais
velha de uma família de irmãos, que eram
chamados, os outros dois, de Lázaro e
Maria. Maria provavelmente era a caçula.
Então, essa mulher chamada Marta
hospedou Jesus na sua casa; e sua irmã,
Maria, quedava-se assentada aos pés do
Senhor – Jesus assentado não em uma
cadeira, porque naquele tempo as cadeiras
não eram como as nossas; eram, no
máximo, uns divãzinhos, ou, então a pessoa
se assentava ao chão com o cotovelo ao
lado, com pufes para descanso do
cotovelo. O fato é que Jesus estava na casa
e essa mulher mais jovem da família, Maria,
quedava-se a ouvir-lhe os ensinamentos.
Literalmente ela deitava-se com a mão no
queixo, ficava bem juntinho, coladinha,
assentada aos pés do Senhor Jesus, a ouvir-
lhe os ensinamentos. Marta, a mais velha,
agitava-se de um lado para o outro,
ocupada com muitos serviços, enquanto a
Maria estava ali sentadinha, com o olhinho
fixo nele, segurando a cabeça, ouvindo os
ensinamentos, sem despregar a atenção do
que Jesus dizia a ela e da conversa que eles
tinham.
Então, chegando perto daquela cena de
Jesus com Maria, Marta disse: Senhor, não
te importas de que minha irmã tenha
deixado que eu fique a servir sozinha,
preparando comida, limpando, pra um lado
e pra outro, enquanto ela se derrama, ela se
refestela, ela se queda, ela se joga,
eletrizada, fascinada, mesmerizada,
ouvindo os teus ensinamentos? Ordena-
lhe, pois, que venha ajudar-me. Marta
transformou Jesus num mordomo dela: dá
uma ordem para Maria vir trabalhar em
casa, chega! Respondeu-lhe o Senhor:
Marta! Marta! Ô, Marta... Andas inquieta e te
preocupas com muitas coisas (é cebola, é
tomate, é salsinha, é panela, é muita coisa;
é muita varreção, é organização, é muita
exterioridade para me agradar...) Marta!
Marta! Andas inquieta e te preocupas com
muita coisa; tu não estás nem ocupada, tu
estás pré ocupada, a tua mente está num
processo de ziguezagueamento inquieto, o
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a2
tempo todo, com muitas coisas, coisas que
nem aconteceram mas já te ocupam
previamente. Entretanto, Marta, pouco é
necessário ou mesmo uma só coisa; Maria,
pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe
será tirada.
Pouco é necessário ou mesmo uma só
coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e
esta não lhe será tirada.
Agora guardem essa imagem da casa de
Marta, Maria e Lázaro, essa dinâmica, esse
diálogo, esse ensino, essa atitude de Marta,
agitada, inquieta, preocupada, meio
amargurada; querendo chamar para si um
determinado tipo de atenção pelos
excessos de serviço, de movimentação, de
ativismo, e o coração dela se amargura
mesmo; e se amargura não apenas com a
sua irmã, mas também com Jesus – de que
ele estivesse tão enternecido, focado,
dedicado a ensinar e a derramar a
eternidade, os fluxos da eternidade, no
biquinho da alma de Maria; a ponto de que
ela, Marta, chega a ele e diz: Tu não te
importas de que eu fique aqui a servir
sozinha? Ordena a ela que venha me
ajudar! E é por isso que Jesus diz: Marta!
Marta! Andas inquieta demais; é muita
preocupação, é muita metafísica na tua
mente, não existem nem as fisicalidades do
que se possa tratar como algo que nos
ocupe, tu estás é pré ocupada; os teus
conceitos estão invadidos pela filosofia do
ativismo, achando que é por essa
movimentação intensa que tu chamas a
minha atenção, ou que constróis alguma
coisa em ti, para ti, quando não é nada
disso; porque, ouça: muito pouco é
necessário, pouco, mesmo.
Nós gastamos uma energia enorme, na
vida, com um monte de coisas que a
sociedade estabeleceu que são de natureza
fundamental, ou essencial, ou de
importâncias quase finais para nós. Mas do
ponto de vista de Deus são muito poucas
as coisas necessárias. Prova disso é que até
cem anos atrás nós vivíamos, como
sociedade, com apenas cinco por cento
daquilo que hoje a sociedade diz que não
vive sem; e até trezentos anos atrás nós
vivíamos com cinco por cento a três por
cento; e seiscentos anos atrás nós vivíamos
com um por cento do que hoje a sociedade
diz que são coisas sem as quais a gente não
vive. E se a gente for viajando para trás vai
chegar a um momento em que a
humanidade vivia com 0,3 por cento
daquilo que hoje nós dizemos que são
coisas sem as quais não vivemos. E isso
ainda é a humanidade pagã vivendo;
imagine o que Deus pensa, de fato, do que
seja vida e do que seja necessário e do que
seja essencial!
“Pouco é necessário”. E, aí, o que Einstein
não conseguiu fazer, que foi reduzir todas
as fórmulas universais a uma só, na física,
Jesus fez na dimensão da espiritualidade:
“Pouco é necessário, ou mesmo uma só
coisa”. No fim, o que vale, o que fica, o que
se eterniza, o que se pereniza, o que se
qualifica em nós é uma só coisa. Quem a
tem, tem; quem não tem essa uma só coisa
pode ter tudo e não terá nada. E a Maria,
aqui, entendeu, percebeu, discerniu,
escolheu essa uma só coisa. E ela não lhe
será tirada.
Agora voltem-se comigo para o Evangelho
de João, capítulo 11, onde essas duas
personagens, Marta e Maria, aparecem
outra vez, a propósito do fato de que havia
falecido o irmão delas, chamado Lázaro,
que também era amigo de Jesus:
Mandaram, pois, as irmãs de Lázaro dizer a Jesus:
Senhor, está enfermo aquele a quem amas. Ao receber a
notícia, disse Jesus: Esta enfermidade não é para morte,
e sim para a glória de Deus, a fim de que o Filho de
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a3
Deus seja por ela glorificado. Ora, amava Jesus a
Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. Quando, pois, soube
que Lázaro estava doente, ainda se demorou dois dias no
lugar onde estava. Depois, disse aos seus discípulos:
Vamos outra vez para a Judéia. Disseram-lhe os
discípulos: Mestre, ainda agora os judeus procuravam
apedrejar-te, e voltas para lá? Respondeu Jesus: Não são
doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não
tropeça, porque vê a luz deste mundo; mas, se andar de
noite, tropeça, porque nele não há luz. Isto dizia e depois
lhes acrescentou: Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas
vou para despertá-lo. Disseram-lhe, pois, os discípulos:
Senhor, se dorme, estará salvo. Jesus, porém, falara com
respeito à morte de Lázaro; mas eles supunham que
tivesse falado do repouso do sono. Então, Jesus lhes disse
claramente: Lázaro morreu; e por vossa causa me alegro
de que lá não estivesse, para que possais crer; mas vamos
ter com ele. Então, Tomé, chamado Dídimo, disse aos
condiscípulos: Vamos também nós para morrermos com
ele. Chegando Jesus, encontrou Lázaro já sepultado,
havia quatro dias. Ora, Betânia estava cerca de quinze
estádios perto de Jerusalém. Muitos dentre os judeus
tinham vindo ter com Marta e Maria, para as consolar
a respeito de seu irmão. Marta, quando soube que vinha
Jesus, saiu ao seu encontro; Maria, porém, ficou sentada
em casa. Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se estiveras
aqui, não teria morrido meu irmão. Mas também sei
que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to
concederá. Declarou-lhe Jesus: Teu irmão há de ressurgir.
Eu sei, replicou Marta, que ele há de ressurgir na
ressurreição, no último dia. Disse-lhe Jesus: Eu sou a
ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que
morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não
morrerá, eternamente. Crês isto? Sim, Senhor, respondeu
ela, eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de Deus
que devia vir ao mundo. Tendo dito isto, retirou-se e
chamou Maria, sua irmã, e lhe disse em particular: O
Mestre chegou e te chama. Ela, ouvindo isto, levantou-se
depressa e foi ter com ele, pois Jesus ainda não tinha
entrado na aldeia, mas permanecia onde Marta se
avistara com ele. Os judeus que estavam com Maria em
casa e a consolavam, vendo-a levantar-se depressa e sair,
seguiram-na, supondo que ela ia ao túmulo para chorar.
Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vê-
lo, lançou-se-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se estiveras
aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus, vendo-a
chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam,
agitou-se no espírito e comoveu-se. E perguntou: Onde o
sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê!
Jesus chorou. Então, disseram os judeus: Vede quanto o
amava. Mas alguns objetaram: Não podia ele, que abriu
os olhos ao cego, fazer que este não morresse? Jesus,
agitando-se novamente em si mesmo, encaminhou-se para
o túmulo; era este uma gruta a cuja entrada tinham
posto uma pedra. Então, ordenou Jesus: Tirai a pedra.
Disse-lhe Marta, irmã do morto: Senhor, já cheira mal,
porque já é de quatro dias. Respondeu-lhe Jesus: Não te
disse eu que, se creres, verás a glória de Deus? Tiraram,
então, a pedra. E Jesus, levantando os olhos para o céu,
disse: Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu
sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da
multidão presente, para que creiam que tu me enviaste.
E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem
para fora! Saiu aquele que estivera morto, tendo os pés e
as mãos ligados com ataduras e o rosto envolto num
lenço. Então, lhes ordenou Jesus: Desatai-o e deixai-o ir.
Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar
Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele. Outros,
porém, foram ter com os fariseus e lhes contaram dos
feitos que Jesus realizara.
Vejam a total ausência de inquietação e de
preocupação em Jesus, pois é dada a
notícia de que Lázaro estava enfermo (e o
verso 3 desse capítulo ainda diz: está
enfermo aquele a quem amas) e Jesus, ao
receber essa notícia, diz: Esta enfermidade
não é para morte, e sim para a glória de
Deus, a fim de que o Filho de Deus seja por
ela glorificado. E se diz ainda mais: que
Jesus amava a Marta, a Maria e a Lázaro, e
que quando ele soube que Lázaro estava
doente ainda se demorou dois dias no
lugar onde estava.
Somente dois dias depois de saber que o
amigo estava doente e morrendo, mesmo,
foi que Jesus disse a seus discípulos: Vamos
voltar lá para a Judeia, para Betânia. E os
discípulos disseram: Mas não faz muito
sentido, por mais que tu ames essa família
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a4
e a Lázaro, pois há pouco os judeus
estavam procurando apedrejar-te. Tu
queres voltar para lá?! Então, Jesus disse: Eu
tenho as minhas razões, agora é hora de
voltar, vocês me sigam; se vocês me
seguirem, não vão tropeçar. E Jesus
acrescentou aos discípulos a seguinte
informação: Nosso amigo Lázaro
adormeceu, mas vou para despertá-lo. Os
discípulos, então, começaram a querer
fazer ilações: Senhor, se dorme, estará salvo
(porque Jesus não dissera “Lázaro morreu”.
Ele disse: “Nosso amigo Lázaro
adormeceu”. Aí, o literalismo interpretativo,
hermenêutico, deles, já disse: Escuta, se ele
entrou em um estado de catalepsia
permanente, estará salvo. Jesus, porém,
falava não a respeito de sono, mas falava,
de fato, a respeito da morte de Lázaro).
Então Jesus disse a eles: Lázaro morreu; e
por vossa causa me alegro de que lá eu não
estivesse, para que possais crer; vamos lá
ter com ele, que está morto. Então, Tomé,
chamado Dídimo, disse aos seus outros
amigos e discípulos: Vamos também com
ele, que é para a gente morrer com ele,
porque o bicho vai pegar lá, se nós
voltarmos para Betânia.
Chegando Jesus, encontrou Lázaro já
sepultado havia quatro dias. Dois dias
antes ele recebera a informação, não fez
nada, Lázaro morreu; o lugar não era
próximo, eles saíram de lá, de volta para a
Judeia, e quando chegaram Lázaro já
estava podre. Podre. Já cheirava mal.
Imaginem... um corpo morto há quatro
dias, sem formol, sem nenhuma dessas
injeções de preservação, para atrasar o
processo de decomposição física e
orgânica – o cérebro dele tinha virado uma
papa, o sangue era salmoura, o pulmão já
tinha se liquefeito, as carnes estavam em
estado de putrefação, o corpo inchado,
com gases vazando por todos os lados. Era
uma situação horrorosa, nenhum de nós
gostaria de estar próximo desse amigo
amado, Lázaro, em um quarto fechado,
nesse estado tão cruento: quatro dias,
podre. E é esperando que o apodrecimento
ganhe essas configurações, esses
contornos horrorosos de filme de terror,
que Jesus ainda fica no lugar onde estava. E
quando chega a Betânia é essa situação
que está conflagrada.
Os verso 19 e 20 dizem o seguinte: “Muitos
dentre os judeus tinham vindo ter com
Marta e Maria, para as consolar a respeito
do seu irmão. Marta, quando soube que
vinha Jesus, saiu ao seu encontro; Maria,
porém, ficou sentada em casa”. Marta,
quando soube que Jesus estava chegando,
saiu correndo para fora da aldeia, ao
encontro dele; largou a casa e todo mundo,
e saiu correndo, correndo, correndo. Olhem
o tipo: saiu correndo. Agora, olhem a Maria:
Maria ficou sentada em casa. A Maria que lá
em Lucas 10 ficava sentadinha aos pés de
Jesus, considerava: Jesus é Jesus, tanto faz
se ele está vindo ou se ele está aqui, ou se
está ali; onde ele estiver, ele é ele. Meu
irmão está morto, correr para quê? Se Jesus
está vindo, ele está vindo, eu não tenho
nada a provar. A minha correria até lá não
vai adiantar nenhum processo da graça de
Deus; eu ficar quieta aqui não vai atrasar
nem atrapalhar nada na graça de Deus. Eu
aprendi, um dia, que escolher a boa parte é
escolher a confiança, o descanso, a
quietude, a paz, o sossego; e se é assim
quando Jesus está aqui em casa, é assim
que o meu espírito vai viver, mesmo
quando a fisicalidade dele não esteja
presente dentro da minha casa. De modo
que a mesma Maria de Lucas 10 está
presente em João 11, e a mesma Marta de
Lucas 10 está presente em João 11: Marta,
quando ouviu dizer que Jesus estava vindo,
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a5
saiu correndo; Maria, porém, ficou sentada
em casa.
Disse, pois, Marta a Jesus (quando chegou
lá, ofegante): “Senhor, se estiveras aqui, não
teria morrido meu irmão”. O que essa frase
quer dizer? Se tu estivesses aqui meu irmão
não teria morrido. Pelo amor de Deus, é
uma acusaçãozinha piedosa: ou o Senhor
se atrasou, ou não se importou; a gente
avisou a tempo e o Senhor não chegou,
não sei por que, só sei que se o Senhor
estivesse, ele não teria morrido; porque o
Senhor não estava, ele morreu. Tem um
mecanismo de transferência, piedoso,
velado, que frequentemente a gente faz
para Deus: Senhor, se eu tivesse ouvido a
tua palavra naquele dia, não teria casado
com aquele cara, eu bem que pedi: Fala,
Senhor! Mas como não ouvi nada, casei.
Aquele negócio que eu ia fazer, eu bem
que disse: Senhor, hoje às seis da tarde
tenho de fechar esse negócio, fala até às
seis. Como não ouvi nada, eu fechei, e me
estrepei; se o Senhor tivesse falado, eu não
teria feito. É um mecanismo de
transferência que vem desde o Éden: O que
foi que tu fizeste, Adão? Eu não fiz nada, foi
a mulher que tu me deste que disse: Come,
Adão; e eu comi. Se o Senhor quisesse, era
só ter chegado e dado um tapa na minha
mão: Adão, para com isso, Adão! A nossa
idiotice é assim, normal desse jeito. Se
estiveras aqui meu irmão não teria morrido.
Aí, transfere para Deus.
Mas como o coração dela é piedoso (como
o nosso também é, extremamente piedoso;
a gente primeiro morde Deus: se o Senhor
tivesse falado, se estivesse presente, se
tivesse me advertido, se tivesse mandado
alguém, isso não teria acontecido; mas... a
esperança é a última que morre – eu sou
mais crente do que tu, Jesus...) ela
acrescenta: mas também sei que mesmo
agora, hoje, com ele podre, tudo quanto
pedires a Deus, Deus to concederá. Parece
uma declaração de uma veemência, de um
volume de fé extraordinário, não acham?
Parece que essa segunda fala redime a
primeira. Se tu estiveras aqui, meu irmão
não teria morrido. Mas eu sei que, mesmo
agora, tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to
concederá.
E o que ela queria, se o assunto todo era
Lázaro morrer ou Lázaro não morrer? A
conversa era: se tu estivesses aqui, ele não
teria morrido; mas como não estavas, ele
morreu; mas eu sei que, mesmo agora,
tudo quanto tu pedires ao Pai, o Pai to
concederá. Portanto, por uma lógica
absolutamente irrefutável, ela falava –
numa redenção fraseológica e conceitual –
que, apesar de ela ter ficado meio chateada
por Jesus ter se atrasado demais quanto a
impedir que Lázaro morresse, ela sabia que
o fato de ele não ter sido impedido de
morrer (tendo de fato morrido) não era
ainda nada final, porque, mesmo agora,
tudo quanto Jesus pedisse ao Pai, o Pai lho
concederia. E ela foi abrangente, ela disse,
primeiro, que era “agora”; que ela cria que
os dias de atraso não contavam, “agora”
ainda dá para tudo, cabe tudo, no hoje. E,
depois, ela usa, de fato, a palavra “tudo”:
hoje, agora, tudo quanto pedires ao Pai, o
Pai to concederá – incluindo, obviamente,
aquilo sobre o que ela tratava.
E do que ela tratava? Da ressurreição de
Lázaro. Já que ela não tinha podido contar
com Deus para o impedimento da morte
de Lázaro, esse “tudo” dela, que o Pai
concederia “agora” a Jesus, significaria, no
mínimo, a ressurreição de Lázaro. Essa não
é a lógica mais básica? Caso se leia em
Português, Hebraico, Inglês, Francês,
qualquer língua, é isso que está dito. E
porque ela tinha dito isso, Jesus (vejam
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a6
como ele foi simples com ela) vira-se para
ela e declara: Marta, teu irmão há de
ressurgir. Porque era o que se deveria falar
para alguém que chega transferindo para
Deus uma responsabilidade e tirando
imediatamente a responsabilidade de
Deus, dizendo que sabia que agora tudo
quanto se pedisse poderia ser feito, pois o
Pai o concederia. O irmão estava morto. A
resposta de Jesus, causa e efeito na lógica
proposta, é: Teu irmão há de ressurgir.
Aí, nasce a teóloga Marta: “Eu sei, replicou
Marta...” (o teólogo é que diz “eu sei”). Olha
só que teologia extraordinária: Eu sei que
ele há de ressurgir na ressurreição, no
último dia.
Meu Deus, Marta é absolutamente igual a
nós! É um ativismo danado: se dizem que
Jesus está ali, nós corremos... É Marcha para
Jesus... E nós vamos pra lá, vamos pra cá...:
onde é que eu posso ajudar? E nós temos
esperanças infantis, nós estabelecemos
datas, nós criamos cronogramas, nós
fazemos do nosso capricho a vontade que
Deus tem de obedecer; Deus não entra no
capricho por nós estabelecido, nós nos
frustramos mas não desistimos; nós
ouvimos dizer que ele chegou, nós vamos
lá; e chegamos absolutamente cheios de
declarações peremptórias, e dizemos: Ah,
Senhor amado, se tu estiveras aqui isso não
teria acontecido! É uma pena que o Senhor
tenha se atrasado tanto, mas eu sei que
mesmo agora – essa é a minha fé, Jesus –
tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to
concederá, Aleluia! Aí, Jesus diz: Teu irmão
há de ressurgir. Ah, eu sei! Eu sei, eu sei, eu
estudei teologia na escola dominical,
aprendi sistematização escatológica, eu sei
que ele há de ressurgir na ressurreição, no
último dia; no último dia, pelo menos, ele
vai ressurgir, Aleluia! Então, para que dizer:
“Mas eu sei que, mesmo agora (agora!),
tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to
concederá”, se a cabeça dela só pode
acreditar em ressurreição no último dia?
A ambivalência da nossa alma é uma coisa
extraordinária. “Este povo honra-me com
os lábios, mas o seu coração está longe de
mim”. Com a boca nós fazemos declarações
peremptórias. A nossa boca acusa
veladamente a Deus de tudo quanto não se
case com os nossos caprichos. E como nós
transferirmos, como nós acusamos, como
nós murmuramos, como nós nos
queixamos, como nós, sutil e
piedosamente, blasfemamos. E nós
fazemos isso com uma elegância piedosa
extraordinária, ao mesmo tempo em que
usamos de recursos filosóficos e
psicológicos de autoengano o tempo todo.
De modo que, de um lado, nós mordemos
a divindade, e, de outro, nós assopramos,
com uma boa e veemente confissão de fé,
dizendo: Mas eu sei...! Eu sei...! Eu me
superei, Senhor, já passou; doeu muito, eu
aguardei, aguardei, tu não chegaste, mas
eu me reinventei!
“Mas também sei que, mesmo agora, tudo
quanto pedires a Deus, Deus to concederá”.
Parecia que a idiotice tinha sido vencida
pela fé. Mas não; era somente credo, era
somente confissão verbal, era somente
aquele tipo de coisa que parece que a
gente fala para diminuir a nossa blasfêmia,
diminuir a declaração verdadeira do nosso
coração com uma falsificação de natureza
teológica, politicamente correta,
divinamente correta: O Senhor tinha de ter
chegado, mas não chegou; mas, olha só,
não se preocupa com o que eu falei não,
porque eu sei que, mesmo agora, tudo
quanto pedires ao Pai, o Pai to concederá.
Aí, Jesus diz: Vamos ver se ela está falando,
de fato, o que ela está dizendo. Marta, o teu
irmão vai ressurgir. Ah! Eu sei, Senhor, que
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a7
ele há de ressurgir na ressurreição, lá no
último dia, ele vai, sim, ele vai. Sabem
aquele sorriso cheio de raiva? Ele vai – é a
esperança do crente –, ele vai ressurgir, sim,
lá no último dia.
Então, Jesus se vira para ela (e essa é uma
fala para Marta!) e diz: Marta, olha aqui para
mim: Eu sou a ressurreição e a vida. Todo
aquele que crê em mim, ainda que morra
fisicamente terá morrido apenas
fisicamente, porque continuará vivendo;
viverá, vai transcender a morte física. Quem
crê em mim, ainda que morra, viverá. E
todo aquele que vive e crê, ou vive crendo
em mim, não morrerá eternamente, ainda
que morra temporalmente; porque nem
verá a morte da qual venha a morrer, pois
já passou da morte para a vida. Jesus nem
está falando, aqui, de ressurreição de
corpos – isso é uma banalidade física que
acontecerá –; ele está tratando daquilo que
acontece todo dia, com ou sem
ressurreição física de corpos. Marta, eu sou
a ressurreição e a vida, aquele que crê em
mim, ainda que morra fisicamente, viverá. E
todo aquele que vive crendo em mim não
morrerá eternamente, já passou da morte
para a vida; o que o acometer como morte,
ele nem conhecerá como morte, porque já
passou da morte para a vida; ele já está
invadido pela eternidade, a morte já não
existe para ele. Crês tu isto?
Jesus perguntou a ela: Crês tu isto? Eu não
estou querendo saber se tu crês em
escatologia, se crês que no último dia vai
todo mundo ressuscitar; eu só quero saber
em que estado a tua alma está. A tua fé em
mim te faz olhar para o teu irmão hoje e
dizer: “Ele morreu no corpo, mas ele passou
da morte para a vida”? E a tua fé em mim
faz tu viveres com aquela consciência de
que até mesmo o morrer, tu não terás a
oportunidade de vivê-lo na consciência do
morrer, porque tu já terás passado da
morte para a vida, porque todo aquele que
vive e crê em mim viverá eternamente, de
modo que a morte está anulada? Tu crês
isso? Crês nesse nível de ressurreição que
vos dá vida, estando vós mortos em delitos
e pecados e vos vivifica para a eternidade,
de modo que a morte deixa de ser um
dado e tu passas a ser apenas um ente que
existe num estado de eternidade
ininterrupta? Essa é a ressurreição para a
qual eu te chamo e chamo a todos a
crerem. Tu crês isso?
Essa é a boa parte que não será tirada. Essa
é a boa parte que não é tirada quando nós
morremos, essa é a boa parte que não é
tirada se nós estamos morrendo, essa é a
boa parte que não é tirada se nós vivemos,
essa é a boa parte que não é tirada se nós
estamos vivendo. Essa é a boa parte que
ninguém tira de nós. Pouco é necessário,
mas esta aqui é a boa parte. E Maria
escolheu essa boa parte. Marta só vem a
entender lá adiante, do que Jesus falava:
daquilo que a morte não arranca, que a
vida não arranca, que o morrer não mata e
que o viver não extingue!
E quem escolheu essa boa parte, essencial,
esse está de posse daquilo cuja condição e
cuja consciência não serão roubadas por
nada.
Eu sou a ressurreição e a vida. Todo aquele
que crê em mim não morrerá eternamente.
E todo aquele que vive e crê em mim pode
ter certeza absoluta de que não terá
descontinuidade de nada, porque já está
invadido pela eternidade. Essa é a boa
parte que não é tirada. Porque, se vivemos,
para o Senhor vivemos; se morremos, para
o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou
morramos, somos do Senhor. Essa é a boa
parte. Quem possui isso possui tudo. Quem
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a8
não possui isso, pode possuir qualquer
outra coisa, mas não tem nada.
Aí, Marta diz ao Senhor: “Sim, Senhor, eu
tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de
Deus que devia vir ao mundo”. Novamente,
ela não responde em relação à certeza da
ressurreição; ela faz uma declaração que
tem a ver com uma crença que já está
instalada nela, de que Jesus é o Messias.
Amém, Marta, que bom; bom para você,
dizer isso. Mas Jesus estava perguntando
acerca de algo muito mais visceral do que
apenas uma declaração de credo. “Sim,
Senhor, eu tenho crido que tu és o Cristo, o
Filho de Deus que devia vir ao mundo”.
Amém, mas tendo dito isto, o que é que ela
fez? Ela retirou-se na carreira. Assim como
veio correndo, ela saiu correndo. Ela falou:
Eu não devia ter tido essa pressa toda,
deixa eu voltar para casa. E largou Jesus lá.
Tendo chegado em casa, ela entrou.
E agora, ela que tinha feito tudo de maneira
tão pública (no encontro com Jesus ela foi
lá fora, na aldeia, com todo mundo, e todo
mundo ouviu o escarcéu!), sai dali
quietinha, volta para casa e procura por
Maria, que está em casa. Vejam o que o
texto diz: Ela retirou-se, chamou a Maria,
sua irmã, e lhe disse em particular (em
particular, agora; nada de publicidade):
Maria, Maria, o Mestre chegou e te chama;
vai, Maria, vocês é que entendem desse
negócio de borogodó, de uma só coisa que
não é tirada, de essencialidades sem
teologia mas com a profundidade do amor
calado, quieto, confiante; vai lá, Maria, vai
lá. E ela, Marta, ficou por ali. Maria foi até lá.
Os judeus que estavam com Maria em casa
e a consolavam, vendo-a levantar-se
depressa e sair, seguiram-na, supondo que
ela ia até o túmulo para chorar. Quando
Maria chegou ao lugar onde estava Jesus,
ao vê-lo, lançou-se-lhe aos pés. Vocês
vejam que não vai haver nenhuma
diferença entre o que Marte disse na
chegada e o que Maria disse na chegada. A
diferença é na atitude.
Gente, atitude é a linguagem. Atitude é,
sempre, a linguagem; não é a fala, não é a
oralidade, não é a construção, não é o dizer.
Porque dependendo da atitude, a mesma
fala significa outra coisa. A fala de Marta é
idêntica à de Maria, a fala de Maria é
idêntica à de Marta; mas Marta fica em pé e
diz: Se estiveras aqui meu irmão não teria
morrido, mas eu sei que, mesmo agora,
tudo quanto pedires ao Pai, o Pai to
concederá, agorinha mesmo. E ao ouvir
Jesus dizer Marta, teu irmão vai ressurgir,
ela diz: Eu sei que ele vai ressurgir na
ressurreição, no último dia. E ao ouvir a
declaração de Jesus: Marta, eu sou a
ressurreição e a vida, quem crê em mim,
ainda que morra viverá, e todo o que vive e
crê em mim não morrerá eternamente; crês
isto? Ela responde: Ah, eu creio que tu és o
Filho do Deus vivo; e sai, para chamar
Maria. E Maria vai lá. Chega lá e se prostra
aos pés de Jesus.
Olha que diferença! Esse é o discurso!
Chega e se joga aos pés. Ela está
acostumada a estar aos pés de Jesus –
Lucas 10 diz que ela quedava-se aos pés do
Senhor, a ouvir-lhe os ensinamentos. Ela
voltou para o lugar que ela conhecia
melhor que qualquer outro, para os pés do
Senhor. E ali aos pés do Senhor ela pode
falar o que ela falar, porque a atitude dela
não dirá nada além do que a atitude dela
diz, as palavras dela jamais suplantarão a
atitude dela. E o que ela diz quando
chegou lá? Ela simplesmente olhou para
Jesus e, tendo se jogado aos pés dele, disse
ao Senhor Jesus: Senhor, se estiveras aqui
meu irmão não teria morrido. A mesma
frase, outra atitude, outra comunicação,
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a9
outro dizer, outra linguagem. Outro tudo,
que prescindia de argumentos. Era a
conversa de quem tinha entrado na
dimensão da melhor parte, onde a oração
não é feita de palavras, a oração é
constituída de atitudes. Onde a vida é feita
de atitudes – atitudes que decorrem da
escolha essencial.
E vejam só como, inegavelmente, Deus,
que ama a todos, se comove. Como se diz
no texto, o Senhor amava a Marta, a Maria e
a Lázaro. E o amor de Deus é amor de Pai. E,
à semelhança do amor de todo pai e de
toda mãe, se iguala na direção de todos os
filhos. Mas a intimidade de pai e mãe com
os filhos decorre, essencialmente, da
atitude dos filhos para com eles, os pais. Pai
e mãe verdadeiros e sinceros amam seus
filhos de maneira absolutamente
igualitária, mas a intimidade vai crescer
mais com uns e menos com outros,
dependendo da atitude dos filhos, porque
um pai não pode arrombar o coração de
um filho. Ele trata a todos com amor,
oferece a mesma coisa, se disponibiliza do
mesmo modo, vai aos mesmos lugares,
chega do mesmo jeito, dispõe-se às
mesmas coisas; mas tem filho que chega e
o que diz é cobrança; tem filho que chega e
remenda as cobranças com afirmações que
nem sempre são, genuinamente e
intrinsecamente, as mais profundas e
sinceras do coração, são apenas aquilo que
ele sabe que o pai ou a mãe gostaria de
ouvir; tem filho que quando ouve a certeza
materna ou paterna de que aquilo que ele
ou ela está falando é o que se fará, sai,
escapa e diz: Eu sei que vai ser assim
mesmo, mas vai ser daqui a muito tempo. E
é amado. É amado. É amado mesmo, mas
não se desenvolverá a intimidade. São
filhos que estão o tempo todo perdendo a
melhor parte; são completamente amados,
mas nunca recebem a herança da
intimidade paterna, porque não se
entregam com visceralidade.
E à semelhança do que acontece em
família, onde pai verdadeiro e mãe
verdadeira amam igualmente aos seus
filhos porém desenvolvem níveis de
amizade diferentes, de acordo com a
atitude da resposta do filho ou da filha ao
amor que é dado a todos – mas que nem
todos respondem com a mesma
profundidade, com a mesma atitude, com a
mesma generosidade, com o mesmo
carinho, com a mesma confiança – também
é com o nosso Pai, que está nos céus.
Porque Maria vem e responde exatamente
como Marta, mas responde com o rosto no
lugar que ela melhor conhecia: aos pés do
Senhor; quedada aos pés dele. E aí, quando
Jesus vê aquilo, não se segurou, agitou-se
no espírito e se comoveu.
Diz o verso 33: “Jesus, vendo-a chorar...”. A
outra falou, argumentou, discutiu. Essa
aqui se jogou aos pés de Jesus e chorou. E
o que ela falou era sincero, não era
nenhuma cobrança, ela só estava dizendo
aquilo que qualquer um poderia dizer sem
ofender; porque não tinha cobrança, tinha
intimidade, confiança, quebrantamento,
choro, impotência. Tinha aquela piedade
burra, que Deus ama: ah, Senhor, se tu
estiveras aqui, é óbvio que ele não teria
morrido, porque o Senhor não ia deixar...
Mas ela não elaborou nada, não teologizou
nada, não falou nada; ela apenas se jogou
aos pés dele. O Senhor não estava, mas o
Senhor está agora; pronto, o que importa é
que o Senhor está, os teus pés estão aqui; e
é aqui que eu gosto de estar: aos teus pés.
E aí, Jesus, quando a viu chorar, não se
segurou. Diz o verso 33: “Jesus, vendo-a
chorar, e bem assim os judeus que a
acompanhavam, agitou-se no espírito e
comoveu-se”. Comoveu-se desde as
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a1
0
entranhas. É uma crise intestinal do
espírito, é cólica do espírito.
“E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe
responderam: Senhor, vem e vê! Jesus
chorou. Então, disseram os judeus: Vede
quanto o amava”. Mas ele não estava
chorando somente por Lázaro, estava
chorando por tudo. O choro dele foi,
primordialmente, provocado por Maria, por
aquela entrega aos pés dele, sem conversa,
sem teologia, com a liberdade de dizer: Se
estiveras aqui, não teria acontecido; mas
não estavas, o importante é que estás
agora; e olha para a gente, a gente está
assim como a gente está. Aí, Jesus chorou.
E mandou que medidas fossem tomadas,
chegou à porta da gruta e mandou tirar a
pedra.
Aí, Marta entra novamente em ação. Olha
Marta aí, novamente, em ação, com aquela
objetividade de enfermeira, de diretora de
IML, de um ativismo, de preocupação. Está
lá Jesus dizendo “tirem a pedra”, e ela diz:
Já cheira mal, Senhor, porque já é de
quatro dias. Imaginem como ela,
coitadinha, atrapalha o processo. Ela não
sai de perto, mas ela atrapalha. Então, Jesus
vira-se para ela, novamente, e diz: Marta,
não te disse eu que se creres tu verás a
glória de Deus? Marta, por favor, Marta, tira
a pedra.
Então, tiraram a pedra. E Jesus, levantando
os olhos aos céus, disse: Pai, graças te dou
porque me ouviste; aliás, eu sabia que
sempre me ouves, mas assim falei por
causa da multidão toda (e por causa da
Marta), que está aqui presente. Se fosse
somente eu e Maria, eu não falava nada, eu
oraria quieto; mas como eles precisam
tanto ouvir, discursar e falar (Marta e a
multidão) eu falei. Se fôssemos eu e Maria
aqui, não tinha conversa, mas assim falei
para que creiam que tu me enviaste. E
tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro,
vem para fora! E saiu aquele que estivera
morto, tendo os pés e as mãos ligados com
ataduras e o rosto envolto num lenço.
Então, lhes ordenou Jesus: Desatai-o e
deixai-o ir. E muitos, pois, dentre os judeus
que tinham vindo visitar Maria, vendo o
que fizera Jesus, creram nele (vejam como
Maria ganha uma preeminência; no início
era tudo Marta; Maria era a irmã dela: “tinha
uma irmã chamada Maria”. Mas no fim
dessa história, os judeus tinham vindo
visitar a Maria). E saíram crendo nele.
Outros, porém, foram ter com os fariseus e
lhes contaram dos feitos que Jesus
realizara.
O que eu estou querendo dizer,
concluindo? Há uma coisa apenas, que eu
quero dizer a vocês: a gente fala demais, a
gente argumenta demais, a gente se
debate demais; a gente desenvolve mil
processos mentais, a gente quer entender
Deus, a gente quer pensar Deus, a gente
quer discutir Deus, a gente quer
compreender os caminhos de Deus; a
gente quer servir a Deus, a gente se agita
em nome de Deus, a gente se incomoda
pela causa de Deus; a gente quer expressar
a Deus, na forma de movimentos,
inquietações, preocupações, de missões
ansiosas, de realizações múltiplas, coisas
diversas que escolhemos fazer para
explicar para Deus, para provar para Deus,
para ilustrar a Deus, para ser a nossa defesa
pública diante de Deus quanto ao fato de
que Deus é importante para nós, de que
nós somos membros da causa de Jesus, de
que a gente tem alegria em hospedá-lo, de
que a gente tem prazer em servi-lo, de que
a gente o confessa, de que a gente diz que
ele é o enviado. Mas, na maioria das vezes,
trata-se de uma espiritualidade toda para o
lado de fora; que se define, também na
maioria das vezes, como inquietação que a
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a1
1
gente chama de missão; de preocupação
que a gente chama de serviço, de
dedicação, de piedade; de orações a Deus
pedindo a Deus que acorde os outros
irmãos: Senhor, tu não te importas de que
eu te sirva sozinho?! Levanta teu povo,
Senhor! Ó Jesus, sacode Maria! E isso tudo é
construído sobre um arcabouço de tanto
autoengano, são piedades tão camufladas,
são tantas máscaras que escondem a nossa
insegurança, a nossa vontade de aparecer,
a nossa vontade de publicidade, o nosso
desejo de ser enxergado, o nosso desejo de
ser benquisto por Deus, de dar
demonstrações de quem nós somos.
Escondem até as pulsões da nossa
superioridade, e são feitas com motivações
de inquietação, de preocupação com
muitas coisas, enquanto a gente vai
deixando de lado o pouco que é necessário
e deixando de enxergar aquela uma só
coisa que é essencial.
A gente se agita em nome de Deus, de
todos os modos, e não tem nunca, no
coração, o lugar reservado para se quedar
aos pés dele, para ouvir a sua palavra – não
para os outros, mas ouvi-la para nós – e
sorvê-la, bebê-la, aproveitá-la, internalizá-
la, deixarmo-nos pacificar por ela,
crescermos por meio dela, alimentarmo-
nos nela e sermos fomentados para a vida
presente e eterna por essa alegria de
absorvê-la. Enquanto nos inquietamos e
transformamos nossa ansiedade em
devoção, nossa inquietação em fé, nossa
preocupação em missão, que nada mais
são do que coisas que escondem as nossa
inseguranças e também as nossas
compensações. Porque é muito mais fácil
viver as inquietações exteriores em nome
de Deus do que assumir as quietudes
profundas que serenam o mar revolto da
alma, que eliminam das falsas prioridades
do ser um bilhão de desnecessidades, e vão
fazendo, dia a dia, a nossa vida se
simplificar nas escolhas que elegem o que
é absolutamente necessário e, no
necessário, o que é apenas o único
essencial: conhecer e ser conhecido por
Deus, carregar no peito a ressurreição e a
vida.
Além disso, nós tapeamos muito, também,
as nossas amarguras, a nossa ideia de que,
como nós conhecemos Jesus e sabemos
que ele visita a nossa casa, e sabemos que
temos uma relação com ele, tem de haver
tratamento especial para nós. Nós
começamos a ficar arrogantes, sem querer,
e achamos que se mandarmos um recado o
Senhor tem de se manifestar na hora; e que
se houver alguém a respeito de quem a
gente diga “nós o amamos e o Senhor
também, então vem, e faze logo o que tem
que ser feito”, ele tem de levantar tudo e
fazer. E se, porventura, ele se atrasar do
ponto de vista da nossa cronologia, nós
vamos fazer discursos de piedade pública
diante dele, vamos mostrar a nossa
intimidade com ele ofendendo-o com toda
a polidez: ah, se tu tivesses chegado na
hora isso não teria acontecido; e vamos nos
defender da nossa ofensa com uma boa
teologia, com um salmo da hora ou um
salmo do dia, que é apenas uma poesia que
não se faz construir como declaração
sincera relacionada a cada palavra que se
diga. Porque o que se diz é de uma ousadia
enorme, e por tal ousadia se poderia crer
em qualquer coisa, em qualquer hora, em
qualquer dia; no entanto, uma vez tendo
dito “mas eu sei que, mesmo agora, tudo
quanto pedires a Deus, Deus to concederá”,
se Deus assim o considerar em Cristo e
Cristo Jesus disser: “o teu irmão há de
ressurgir”, nós vamos teologizar a respeito
e escatologizar a conversa, mas não vamos
assumir as implicações de nada agora, por
uma única razão: nós cremos na teologia
O Caminho da Graça
www.caiofabio.net | www.vemevetv.com.br
Pá
gin
a1
2
da ressurreição, nós só não vivemos a
existencialidade da ressurreição.
Ressurreição é um evento histórico, ainda
não é um fator existencial, em nós. E é isso
que Jesus pergunta a Marta: Tu crês nisto:
que a ressurreição não é apenas um fato
histórico? Que a ressurreição pode se
historificar agora e se historificará para
todos, um dia, mas tu crês que, antes de ser
isso, a ressurreição é um fator existencial?
Que eu sou a ressurreição e a vida e que
aquele que crê em mim, ainda que morra
no físico, viverá? E que todo aquele que
vive e crê em mim, vive crendo em mim,
não morre nunca, está cheio de vida
eterna? Que a morte morreu para ele? Tu
consegues entender que esta é a boa parte
que não pode ser tirada, que este é o
galardão, que este é o tesouro dos
tesouros? Crês isto?
Então, gente, a maioria de nós tem de ser
honesto e ver que o nosso caminho
espiritual é o da nossa amiga Marta. É
muita falação, é muita conversa, é muito
argumento, é muita necessidade de
afirmação. E o chamado de Jesus é para
uma só coisa, para muito poucas. E ele não
está querendo saber dos nossos
argumentos exteriores, ele quer conhecer
as nossas atitudes. Há horas em que a
gente se levanta e ajuda a lavar a casa, a
fazer faxina, a fazer tudo. Mas existem
aqueles momentos quando a realidade da
santidade de Deus se adensa tanto, que
qualquer outra coisa vira blasfêmia quando
aquilo está presente. E o nosso espírito tem
que discernir, todo dia, esses momentos,
essas horas eternas, esses instantes
eternos, de Deus com a gente. Quem não
tem isso não tem nada. Quem tem isso tem
tudo; pode chegar e falar a mesma coisa
que o outro falou, mas a atitude dele
arromba os céus, faz Deus chorar, comove
anjos, tira pedras das tumbas; não tem
argumentos a dar, não tem temperaturas a
medir, não tem cheiros a verificar, não tem
nada a dizer, o Senhor está aqui, e eu estou
diante dele, ele é meu, eu sou dele. Essa é
que é a parte, é o encontro, é a
inseparabilidade, é o casamento, é a
conjugalidade com ele, é o mergulho nele,
é o mergulho dele em mim. É essa
intimidade por onde nós enxergamos o
melhor ângulo de Deus, olhando desde os
pés dele, para ele.
Eu não quero olhar nos olhos de Deus; se
eu olhar nos pés dele, eu estou
enxergando. O coração de Deus nós
enxergamos quebrantando-nos aos pés
dele. E, aí, céus e terra se transtornam,
Jesus chora, anjos se comovem, o inferno
se abre. Essa é a boa parte, esse é o tesouro,
essa é a amizade de Deus com os homens,
esse é o caminho para o qual eu e você
somos convidados. Esse é o escaninho, esse
é o divã, esse é o namoro com a eternidade.
Esta é a boa parte que de nós jamais será
tirada:
Mensagem ministrada em 15/01/2012
Estação do Caminho - DF
top related