política econômica do petróleo no brasil
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A POLÍTICA ECONÔMICA DO PETRÓLEO NO BRASIL
Wladmir Tadeu Silveira Coelho
Mestre em Direito e Historiador
Sumário:
1- Introdução2- O interesse do Direito Econômico no tema 3 – Elementos formadores da Política Econômica do Petróleo3-1 Estado e organização do mercado internacional do petróleo no início do século XX3-2 A negação da soberania nacional como forma de organização do mercado internacional do petróleo4 – A organização da produção petrolífera no Brasil4-1 O período liberal republicano4-2 A primeira fase de regulamentação4-3 O breve período de proteção à iniciativa privada nacional5 – O Estado empresário5-1 O monopólio estatal do petróleo5-2 A difícil efetivação do monopólio do petróleo6 – A Constituição de 1988: O retorno do monopólio do petróleo6-1 – A quebra do monopólio: O modelo regulatório7 – O modelo regulatório do pré-sal7-1 – A manutenção da intervenção do Estado no modelo regulatório7-2 – A proposta governamental para o marco regulatório do pré-sal8 – Conclusões
1
1- Introdução
Após o anúncio da descoberta do campo de Tupi, na bacia de Santos, em 2007 o termo pré-
sal, ou seja: “conjunto de rochas localizadas nas porções marinhas de grande parte do litoral
brasileiro, com potencial para a geração e acúmulo de petróleo.” (Petrobrás, 2010) tornou-se
obrigatório nas discussões relativas à exploração do petróleo.
A porção do litoral brasileiro com potencial produtivo de petróleo na camada de pré-sal, até
este momento confirmada, possui a extensão de 800 km e vai do Espírito Santo a Santa Catarina
apresentando campos petrolíferos cuja quantidade ainda não foi calculada de forma definitiva.
Quando assim afirmamos consideramos as informações disponíveis na imprensa e órgãos oficiais
com estimativas entre 5 e 10 bilhões de barris (Petrobrás, 2010) existindo noticias de uma reserva
em torno de 80 bilhões de barris conforme declaração do diretor geral da Agencia Nacional do
Petróleo (ANP) Haroldo Lima. (Estado de São Paulo, 2008). De qualquer forma estes números,
quando comparados com as reservas nacionais provadas em 2008 de 12,8 bilhões de barris (ANP,
2008), mostram a importância destas novas áreas de exploração petrolífera para a economia
nacional.
O formidável aumento das reservas brasileiras de petróleo terminou por suscitar debates em
torno da política econômica a ser adotada no setor petrolífero nacional a partir do pré-sal
“ressuscitando” – grosso modo – a polêmica em torno da legitimidade da presença do Estado no
domínio econômico versus competência absoluta das empresas privadas. Neste ponto consideramos
necessária uma reflexão a respeito do tema a partir da análise das políticas econômicas do petróleo
adotadas no Brasil verificando a participação do Estado e empresas privadas em seu
desenvolvimento.
2- O interesse do Direito Econômico no tema
O petróleo - do ponto de vista especificamente econômico - pode ser entendido como
um dos fatores da produção estando associado à idéia de "recurso natural" ou como "matéria prima"
sendo encontrado, por isso, na base do processo produtivo que pode ser entendido como "utilização
2
pelo homem dos recursos naturais, ou seja, das coisas existentes na natureza, e que tenham
capacidade de satisfazer as suas necessidades" (SOUZA 2005) transformando, deste modo, a sua
utilização em importante conteúdo social.
Temos assim a aplicação de uma política econômica do petróleo, aspecto disciplinador do
"ato" e do "fato" produção, analisada em Direito Econômico através do Instituto da Produção.
(SOUZA 2005). Esta característica disciplinadora apresenta-se revestida pela norma jurídica,
resultante não somente da natureza econômica da produção e sim acrescida de sua projeção social, e
por conseqüência, política.
Consideram-se por este motivo os recursos minerais - o petróleo incluido - como bens
naturais ou econômicos, dependendo do estado encontrado no momento da classificação. Assim
encontraremos, na base da utilização dos recursos minerais, o direito de propriedade, entretanto, a
soma dos interesses econômicos e sociais presentes neste elemento da produção determinaram, ao
longo da história, diferentes modelos para sua exploração apresentando-se desde a utilização plena
à limitação do direito de propriedade.
Estas restrições ao direito de propriedade dos bens naturais foram - freqüentemente-
representadas de acordo com a localização destes na crosta terrestre, dividida para este fim, em solo
e o subsolo, além de uma graduação quanto à importância do mineral levando em consideração a
sua abundância ou escassez.
Para entendimento destes aspectos o Direito Econômico busca, de forma inicial, uma análise
da ideologia sobre a qual fundamenta-se a legislação considerando os textos constitucionais e
infraconstitucionais a partir da ideologia adotada. Desta fundamentação será possível estabelecer ou
entender a política econômica relativa ao tema considerando os aspectos - muitas vezes conflitantes
- entre os interesses individuais e coletivos.
3 – Elementos formadores da Política Econômica do Petróleo
3-1 Estado e organização do mercado internacional do petróleo no início do século XX
3
O mercado petrolífero mundial foi controlado, até o início dos anos de 1970, por cinco
empresas estadunidenses1 e duas européias2 aspecto revelador do caráter concentrador deste setor
cuja origem encontra-se diretamente relacionada a política econômica do petróleo adotada nos
países sede.
As técnicas de elaboração destas políticas econômicas apresentaram variações e admitiam
desde a organização interna do mercado de combustíveis através da concorrência regulada
associada ao subsídio do setor fato observado nos Estados Unidos, a participação direta do Estado
no domínio econômico conforme verificado na Inglaterra.
Nos Estados Unidos a adoção da concorrência regulada para o ramo petrolífero é observada
a partir da Sherman Act (1890), aprovada para eliminar o truste da Standard Oil formado naquele
momento por 84 empresas que monopolizavam o processo de extração, transporte e
comercialização do petróleo naquele país.
A garantia de concorrência interna no setor petrolífero estadunidense ocorre em dois
momentos distintos: O primeiro em 1892 por determinação da Suprema Corte de Ohio resultando
na transformação do truste da Standard Oil em um grupo menor formado por 20 companhias
independentes que, na prática, mantinham o monopólio ao apresentarem como sócio oculto John
Davidson Rockefeller controlador das antigas empresas. O segundo momento verifica-se em 1911
quando a Suprema Corte determina a dissolução definitiva do truste naquele ano controladora de
"115 empresas, sendo que 62 mantinham o controle de outras 53 companhias em diversos
países"(VICTOR, 1991).
Superada a fase de organização da concorrência amplia-se o grau de protecionismo interno,
nos Estados Unidos, através da “Revenue Act” (1913) passando os investimentos petrolíferos
estadunidenses a contar com “(...) subsídio razoável diante da possibilidade de esgotamento dos
minérios e todos os outros depósitos naturais” (USA, 1915- livre tradução) .
1 Standard Oil de Nova Jersei representada na marca Esso transformada no ano de 1972 em Exxon Corporation; Standard Oil of New York representada na marca Mobilioil; Standart Oil of California representada na marca Chevron, Gulf Oil de Pittsburg, Texaco do Texas 2(Royal Dutch Shell, Anglo-holandesa e British Petroleum empresa britânica)
4
No ano seguinte a criação do subsídio ao petróleo nos Estados Unidos, através da “Revenue
Act”, o governo inglês também adota uma política intervencionista para o setor assumindo o
controle acionário da "Anglo-Persian Oil Company"3. Esta empresa, quando privada, operava a
partir das concessões oferecidas pelo governo iraniano em 1909 a Willian Knox D'arcy que
desejava monopolizar o setor petrolífero naquele país e para este fim contou com o auxilio do então
Primeiro Lorde do Almirantado Winston Churchill.
A justificativa do governo para intervir no setor petrolífero encontrava-se na substituição
dos motores a carvão, por combustível derivado do petróleo nos navios de guerra britânicos (ODEL,
1974) e não possuindo reservas próprias transformava-se em questão de segurança nacional a
preservação das concessões controladas por empresas inglesas existentes no exterior.
Deste modo, o objetivo de monopolizar a produção iraniana de petróleo – manifestado por D
´arcy - foi alcançado através da associação entre capital privado e poder militar, aspecto facilmente
observado através do modelo de administração adotado para a "Anglo-Persian Oil Company" no
qual o governo inglês participava de forma minoritária preservando em seus lugares os antigos
diretores.
A partir deste quadro podemos observar que o controle do mercado internacional do petróleo
inicia-se através da elaboração de políticas econômicas nacionais nitidamente protecionistas e
intervencionista aspecto muito distante da famosa “mão invisível”. Controlar o setor de energia
implica influenciar diretamente no processo produtivo e neste aspecto sequer Adam Smith admitiu
liberdade total defendendo o Estado como elemento disciplinador de sua distribuição através do
incentivo à criação de empresas nacionais para o seu transporte, afirmando:
(...) O preço do combustível exerce tão importante influência sobre o trabalho, que em toda a Grã Bretanha as manufaturas se tem confinado principalmente aos países produtores de carvão; outras partes do país, devido ao preço elevado desse bem de primeira necessidade, não conseguem trabalhar tão barato. Além disso, em algumas manufaturas, o carvão é instrumento necessário de comércio(...) Se algum subsídio pudesse, em qualquer caso ser aceitável, talvez devesse ser sobre o transporte de carvões dessas partes do país onde abundam, para as que são necessitadas. Mas a legislatura, em vez de uma subvenção lançou imposto (SMITH, 1999).
3 A Anglo-Persian Oil Company foi posteriormente transformada em British Petroleum e sua privatização ocorreu a partir de 1981 durante o governo de Margareth Thatcher.
5
Observe que Adam Smith analisa a organização do mercado considerando a realidade
política e econômica da Inglaterra possuindo este país uma série de povos tributários cuja finalidade
seria a oferta de matéria prima. Este processo, seguindo os princípios do pensamento liberal
clássico, possibilitaria a produção em escala ideal nos países industrializados, destinando o
excedente aos produtores de matéria prima, que satisfazendo as necessidades internas com produtos
industrializados a baixo preço acumulariam o capital suficiente para constituir– no devido tempo –
o seu parque industrial alcançando deste modo um elevado grau de riqueza,4 entendida neste caso
como maior nível de civilização.
3-2 A negação da soberania nacional como forma de organização do mercado internacional do
petróleo
Para manter o equilíbrio natural do mercado defendeu Adam Smith uma atenção especial
aos países pobres considerados, em sua obra, não civilizados. Entendia o autor, ser o desequilíbrio
resultante responsável por gerar a inveja criando a necessidade de proteção dos mais favorecidos:
(...) a prosperidade dos ricos provoca a indignação dos pobres que muitas vezes são levados pela necessidade e influenciados pela inveja a apropriar-se de seus bens. (...) [o rico] está sempre rodeado de inimigos desconhecidos que, embora nunca tenha provocado, nunca conseguirá acalmar (SMITH,1999).
Esta proteção implicaria em civilizar os países pobres, apresentando como resultado a
garantia do funcionamento equilibrado do mercado. O modelo civilizatório liberal adota como
principio o uso da força observando o pai do liberalismo econômico que: "a invenção das armas de
fogo, uma invenção que à primeira vista, parece ser tão nefasta, é certamente benéfica não só à
manutenção como avanço da civilização (SMITH,1999)".
Considerando este pensamento a soberania dos povos menos desenvolvidos estaria
diretamente associada a menor ou maior obediência destes às necessidades comerciais dos países
industrializados, constituindo qualquer ação no sentido de transformação interna da economia em
4 Adam Smith observa que a riqueza de um país está representada no controle da quantidade de trabalho e nas forças de geração de energia – incluindo a alimentação dos operários - existente no mercado universal. Desta forma seria natural entender este controlador como possuidor de maior grau de civilização sujeitando o termo ao desenvolvimento tecnológico.
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grave ameaça à estabilidade do mercado mundial. Neste sentido a soberania nacional seria apenas
admitida como autonomia para a criação de um sistema jurídico voltado, internamente, para a
manutenção do quadro internacional. Para Ferrajoli (2002) esta situação favoreceu a criação de um
caráter "absolutista" na relação entre os países diante da inexistência de uma "constituição" com
poderes de limitar ou regular a ação de um país mais forte sobre um mais fraco.
A soberania assume - assim - um caráter de não plenitude visto que sujeita-se a normas
gerais de relacionamento caracterizadas pela manutenção de uma estrutura econômica e politica que
no minimo exige - daqueles em uma fase inicial de superação das etapas de crescimento - uma
espera sem tempo determinado - para a conclusão do processo de acumulação de capitais
necessários para iniciar uma nova fase, ou a industrialização.
Estando o mais fraco, do ponto de vista militar e econômico, sujeito ao entendimento de
funcionamento ideal da economia a partir das necessidades do mais rico, suas decisões internas
encontrar-se-iam também comprometidas, pois seria necessário um tamanho acumulo de capitais
para garantir não somente uma industrialização futura, mas também os recursos necessários para a
compra da energia para a movimentação desta, entendendo que ao esgotar os recursos naturais os
custos aumentariam com a necessidade de importação.
A soberania de um Estado, em relação aos demais, estaria pautada por este respeito às
normas básicas da economia entendendo-se que seria dever proteger-se contra possíveis desvios
apresentados por um país ao limitar a liberdade de comércio ou propriedade implicando em
prejuízos ao mercado externo. Assim tornar-se-iam legítimas as ações de força cujos objetivos
encontram-se no principio de imposição da normalidade ou garantia da superação de etapas para o
crescimento dos diferentes povos.
Considerando estes princípios, observaremos no centro do debate relativo a organização do
mercado internacional do petróleo a tentativa de impedir os países produtores a implementação de
políticas econômicas para o setor nas quais assumam o controle do bem econômico e iniciem a
utilização do poder econômico gerado de acordo com as necessidades nacionais. Deste modo as
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modificações observadas quanto a propriedade do bem mineral e econômico petróleo visando
transferir ao Estado o seu controle ou mesmo sua regulamentação, via de regra, surgem de
processos revolucionários e mesmo assim a efetivação desta transformação, ocorre de forma
extremamente lenta, situação observada por exemplo, no México, Bolívia e Brasil.
A Constituição de 1917, do México, resultante de uma ação revolucionária, transferiu para o
Estado a propriedade dos recursos minerais, entretanto somente em 1938 a produção de petróleo foi
estatizada sofrendo este país sansões econômicas, principalmente, por parte dos Estados Unidos e
Inglaterra. Também podemos citar o caso boliviano quando após a Guerra do Chaco (contra o
Paraguai) o governo estatiza em 1936 a produção petrolífera, considerando os danos sofridos
durante o citado conflito quando a Standard Oil instaladas naquele país, negou-se a cumprir as
ordens de abastecimento das forças armadas. No Brasil a regulamentação do setor petrolífero ocorre
a partir da Constituição de 1934, esta como resultante do processo da Revolução de 1930, e criação
no mesmo ano do primeiro Código de Minas, entretanto, somente em 1953 teríamos o processo de
produção do petróleo regulamentado em sua plenitude através da Lei 2004.
4 – A organização da produção petrolífera no Brasil
4-1 O período liberal republicano
A Constituição de 1891 apresentava como característica ideológica a valorização dos
princípios liberais clássicos nos quais combinam-se liberdade política e econômica. Para este fim o
citado diploma, rompendo com a tradição dominial portuguesa, determinava em seu artigo 72
parágrafo 17 que: “as minas pertencem aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem
estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de indústria" (BRASIL, 1891).
Este modelo de propriedade, amparado no direito de acessão, possibilitou o controle de
vastas áreas com potencial petrolífero por empresas estrangeiras, notadamente a Standard Oil, cuja
forma de organização e proteção dos países de origem tratamos neste trabalho. Assim possuíam as
empresas internacionais os rumos da política econômica do petróleo nacional, mantendo no subsolo
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o petróleo brasileiro, garantindo o consumo de sua produção nos campos dos Estados Unidos,
México ou países do Oriente.
O engenheiro e homem público João Pandiá Calógeras foi o pioneiro ao propor a
transformação desta realidade observando a necessidade de regulamentação da exploração
petrolífera no Brasil. Calógeras apresenta em 1903 – através de seu livro “As minas do Brasil e sua
legislação” e posteriormente elaborando o decreto 2935 de 6 de janeiro de 1915 conhecido como
Lei Calógeras - um modelo visando a auto-suficiência energética no qual o Estado apresentaria um
papel regulamentador atuando – inclusive – de forma direta no setor produtivo (FGV 2005).
O conteúdo da chamada lei Calógeras foi o primeiro, durante a república, a questionar o
dogma liberal do direito absoluto da propriedade criando a figura do descobridor de minas que teria
o direito de exploração de uma área, mesmo com proprietário conhecido e oferecendo ao Estado a
oportunidade de explorar áreas com potencial mineral. Todavia seu alcance foi reduzido em função
do caráter facultativo da distinção entre a propriedade do solo e subsolo (VENÂNCIO FILHO,
1968)
Durante o governo Arthur Bernardes ocorre uma singela, mas significativa modificação
deste impedimento ideológico através da reforma constitucional de 1926, acrescentando à redação
do parágrafo 17 do artigo 72 da primeira Constituição republicana as seguintes modificações:
a) as minas pertencem ao proprietário do solo, salvo as limitações estabelecidas por lei, a bem da exploração das mesmas;b) as minas e jazidas minerais necessárias à segurança e defesa nacionais e as terras onde existirem não podem ser transferidas a estrangeiros (BRASIL 1926).
Neste ponto o caráter intervencionista é observado com maior clareza considerando-se a
limitação ao direito de propriedade e à preservação - em termos futuros - de um setor da economia
à agentes brasileiros, com a proibição das transferências de áreas com potencial de mineração à
participação de empresários estrangeiros, aspecto não abordado nas leis anteriores.
Enquanto a legislação lentamente buscava transformar o modelo de exploração do petróleo,
o capital nacional também buscava participar do setor através da organização de empresas seguindo,
9
em muitos casos o modelo existente nos Estados Unidos. O escritor Monteiro Lobato representou
este empresário pioneiro e organizou diferentes empresas cujo financiamento ocorria através da
venda de cotas anunciadas na imprensa.
As iniciativas de Lobato não resultaram em empresas consolidadas ou com elevada
produção, todavia em decorrência de sua postura pioneira surgem intensos debates relativos a
viabilidade da exploração petrolífera nacional tendo em vista a existência, até a década de 1930, de
estudos geológicos (encomendados por empresas internacionais) negando a ocorrência de petróleo
no Brasil, levando o escritor e empresário a seguinte conclusão:
(...) é obvio que as companhias importadoras não têm interesse no desenvolvimento das fontes de petróleo que o Brasil indubitavelmente possui, interessando-lhes mais, dada a atual superprodução dos diversos fields em exploração, a escravização petrolífera do Brasil. É porém evidente que dadas as atuais condições, as empresas americanas tem que acimparar o solo potencialmente petrolífero para assim defender os seus negócios de importação, do que resulta o interesse que demonstram em impedir a exploração (LOBATO 1968).
As grandes empresas petrolíferas privadas para sua consolidação recorreram ao apoio direto
do Estado enquanto no Brasil a força da tradição colonial somada ao dogmatismo liberal trataram
de sepultar as iniciativas empresariais do capital nacional. Todavia, diante das constantes crises em
função da dependência brasileira da exportação do café, iniciam-se debates a respeito da
necessidade de uma modernização econômica culminando com o movimento revolucionário
chefiado por Getúlio Vargas.
4-2 A primeira fase de regulamentação
O período iniciado a partir da Revolução de 1930 apresenta como consenso, entre os grupos
ocupantes do poder, a legitimidade da propriedade estatal do bem natural petróleo e profundas
discordâncias quanto a presença do Estado no domínio econômico, através da exploração direta do
mineral, aspecto prolongado até o pós-guerra radicalizando-se durante a campanha do Petróleo é
nosso.
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A primeira Constituição da chamada “era Vargas” foi promulgada em 1934 e, do ponto de
vista econômico, caracterizava-se por apresentar um conteúdo intervencionista possibilitando a
participação do Estado no domínio econômico através do monopólio:
Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 112, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais (BRASIL 1934).
Quanto às atividades relacionadas diretamente à mineração vamos nos deparar com as
seguintes determinações: no artigo 5º o fortalecimento da União, ficando esta com a competência
exclusiva de legislar sobre o tema, o fim do regime de ascensão (artigo 118) a necessidade de
concessão ou autorização federal para exploração de minas e jazidas (artigo 119), a exigência de
nacionalidade brasileira ou de constituição de uma empresa nacional para atuar no setor mineral
(artigo 119 § 1º), nacionalização das jazidas e minas julgadas básicas ou essenciais à defesa
econômica ou militar do país (artigo 119 § 4º), manutenção das antigas autorizações de exploração
(artigo 119 § 6º), com a seguinte ressalva em seu artigo 12 das disposições transitórias:
os particulares ou empresas que ao tempo da promulgação desta Constituição explorarem a indústria de energia ou mineração, ficarão sujeitos às normas de regulamentação que forem consagradas na lei federal, procedendo-se, para este efeito, à revisão dos contratos existentes (Brasil 1934).
A regulamentação da exploração mineral prevista nas disposições transitórias efetiva-se
através do Decreto n.º 24642 de 10/07/1934 criando o Código de Minas regulamentando, inclusive,
as atividades relacionadas a exploração petrolífera. Através deste diploma legal poderemos observar
como principal característica da política econômica do petróleo, a garantia do abastecimento interno
não associado à criação de uma indústria nacional voltada para a auto-suficiência.
Este quadro revela uma nítida interferência dos grupos internacionais – ironicamente – no
modelo de nacionalização adotado no Brasil, considerando o governo a possibilidade de beneficiar-
se de uma eventual disputa entre empresas do setor. O ministro responsável por conduzir o processo
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de elaboração do primeiro Código de Minas, Major Juarez Távora, resume esta situação a partir do
seguinte comentário:
[o]primitivo Código de Minas (...) facilitava a iniciativa particular para a exploração mineral, libertando-a, por um lado, das exigências dos proprietários do solo e das questões de condomínio, e, de outro lado, proporcionando-lhe facilidades para o estabelecimento de servidões do solo e subsolo, necessários à exploração, garantindo-lhe tarifas mínimas de transporte e taxação limitada, não excedente, em conjunto, às possibilidades financeiras de cada empreendimento. Se criou, ao lado disso, exigências administrativas e técnicas - estas foram ditadas pela necessidade de racionalizar a indústria e impedir abusos ou omissões que a vinham desmoralizando (TÁVORA 1955 p.26).
Ao regulamentar a exploração mineral O Decreto n.º 24642 de 10/07/1934 determinava em
seu parágrafo 5º do artigo 3º do Código de Minas que: "As autorizações de pesquisa e concessões
de lavra serão conferidas exclusivamente a brasileiros e a empresas organizadas no Brasil"
(BRASIL 1935). Todavia, observaríamos que desde o final da década de 1920 atuavam no país
algumas empresas petrolíferas - organizadas em conformidade com as leis nacionais - cujo
controle verdadeiramente pertencia aos trusts internacionais. O escritor Monteiro Lobato apresenta
as companhias Geral de Petróleo Pan Brasileira, Marítima, Brasileira de Petróleo, Brasil Patentes,
Nacional de Petróleo como parte deste esquema (LOBATO 1968 p.148).
4-3 O breve período de proteção à iniciativa privada nacional
Este quadro, de abertura do setor petrolífero à participação internacional, sofre, por curto
período, uma alteração de caráter protecionista de viés nacionalista através do Decreto-Lei 395 de
29 de abril de 1938 determinando em seu artigo 3º a nacionalização da indústria petrolífera nas
seguintes bases:
I, Capital social constituído exclusivamente por brasileiros natos, em ações ordinárias, nominativas;II, A direção e gerência confiadas exclusivamente a brasileiros natos, com participação obrigatória de empregados brasileiros na proporção estabelecida pela legislação do país (BRASIL, 1939).
O mesmo diploma legal cria o primeiro órgão responsável por elaborar as políticas do setor
petrolífero denominado Conselho Nacional do Petróleo cuja função alcançava a exploração direta
do setor petrolífero.
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Em 1941, através do Decreto-Lei 3553 de 25 de agosto, o governo promove a seguinte
modificação do artigo 16 do Código de Minas:
O Presidente da República poderá autorizar, por decreto, alterações, fusões ou incorporações de empresas de mineração, para fins de participação de capitais estrangeiros (...)(...) Em se tratando de minas em lavra, amparadas pelo §4º do artigo143 da Constituição, as empresas que as explorem poderão ser autorizadas a emitir ações ao portador e admitir, como sócios ou acionistas, as sociedades nacionais além dos cidadãos brasileiros, mas a sua administração se constituirá de brasileiros natos, na sua maioria (BRASIL 1942).
Três anos depois, ampliando a desnacionalização do setor mineral, é publicado o Decreto-
Lei 6230 cuja redação autorizava formação de empresas mineradoras constituidas, em metade, por
ações ao portador restringindo a outra parte a ações nominativas pertencentes de forma exclusiva à
brasileiros natos.
Os dois últimos decretos-lei citados possibilitam observar o quanto cedeu ao liberalismo
clássico - pelo menos no aspecto relacionado ao petróleo - a ditadura do Estado Novo. Assim a
política econômica adotada no período apresentou-se pautada no discurso nacionalista, mas sem um
projeto concreto de auto-suficiência - objetivo defendido desde 1915 por Pandiá Calógeras - fato
que acabou por sufocar as tentativas até então existentes de exploração petrolífera.
5 – O Estado empresário
5-1 O monopólio estatal do petróleo
O desabastecimento de combustíveis observado durante a Segunda Guerra Mundial criou a
necessidade de transformações significativas na política econômica do petróleo nacional. Naquele
momento o Brasil era importador direto de gasolina, gerando como entendimento de solução desta
dependência a criação imediata de refinarias de controle estatal, entregando a exploração petrolífera
às empresas internacionais através de um sistema de regulamentação da produção, determinando
este, a garantia de abastecimento interno. Esta foi basicamente a proposta do Estatuto do Petróleo
encaminhado, em 1947, ao Congresso Nacional durante o Governo do Marechal Eurico Dutra.
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A proposta do governo Dutra não consegue o apoio necessário do Congresso Nacional em
função da forte rejeição da opinião pública que reivindica – através de amplo movimento popular
denominado “o petróleo é nosso” – o monopólio estatal do petróleo.
Destacamos deste período a proposta estatizante originaria da Federação das Associações
Comerciais de Minas Gerais, presidida por Renato Falci, intitulada “Tese Mineira do Petróleo”.
Neste documento – elaborado pelo professor Washington Peluso Albino de Souza em 1952 – os
empresários defendem a criação de uma empresa estatal financiada através da criação de tributos
justificado:
(...) em termos superiores ao da esfera imediata dos interesses particulares dos homens de negócios, transferindo-a para o plano mais elevado da necessidade de garantir a soberania nacional e de oferecer às classes produtoras brasileiras uma posição real de independência na sua missão de trabalhar pelo fortalecimento econômico do país (FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES COMERCIAIS DE MINAS GERAIS, 1952).
Esta proposta encontrava sua fundamentação no texto constitucional de 1946 em seu Título
V da Ordem Econômica e Social – no qual conservava a possibilidade de monopólio estatal de um
ou mais setores da economia (característica observada nos textos constitucionais de 1934 e 1937)
acrescentando, todavia, a necessidade de Lei Especial. Quanto a exploração dos recursos minerais a
Constituição mostrava-se aberta ao capital privado ao estabelecer a possibilidade de concessão
(art.153) característica que leva, todavia, a limitação do direito de propriedade através da separação
entre a propriedade do solo e subsolo, conforme determinava o seu artigo 152.
Considerando a ideologia constitucionalmente adotada foi aprovada em 3 de outubro de
1953 a lei 2004 estabelecendo o monopólio estatal do petróleo, criando ao mesmo tempo uma
empresa mista – a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobrás) responsável pela execução deste,
conservando o Conselho Nacional do Petróleo como órgão regulamentador.
5-2 A difícil efetivação do monopólio do petróleo
Após o suicídio do presidente Getúlio Vargas retornam ao governo – através do vice
presidente João Café Filho – antigos defensores do modelo de abertura aos grupos estrangeiros do
mercado petrolífero nacional, destacando-se o general Juarez Távora.
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Távora defendia, através da Tese de Segurança Continental, o direito das empresas
internacionais explorarem o petróleo brasileiro, como forma de garantir o suprimento das Forças
Armadas do Brasil e Estados Unidos, tendo em vista a possibilidade de invasão do continente por
forças soviéticas. Para este fim retomou o discurso da incompetência do poder público em
administrar uma empresa com as características da Petrobrás e diante das grandes descobertas
anunciadas no Amazonas, no primeiro ano de funcionamento da empresa, revelou a intenção do
governo em pedir "(...) ajuda de empresas particulares que desejem empreitar serviços de pesquisa
e exploração, sob o controle da Petrobrás, mediante pagamento das despesas feitas e mais um
lucro razoável , exclusivamente com o óleo que conseguirem produzir" (TÁVORA 1955). Esta
primeira tentativa de flexibilização do monopólio estatal não foi consolidada, mas a exploração nos
grandes campos amazônicos foram suspensas.
Outro argumento para flexibilizar o monopólio estatal do petróleo encontrou o seu fundamento
no relatório elaborado pelo antigo geólogo da Standard Oil Walter Link em 1961. O citado
documento apontava a inviabilidade de exploração comercial do mineral em terra recomendando a
adoção de exploração na plataforma continental5.
Durante o período militar o relatório Link foi dogmatizado e ignorando a ocorrência de
petróleo em terra, o então presidente da Petrobrás, General Ernesto Geisel, apresentou a proposta de
internacionalização da empresa criando a Braspetro (Petrobrás Internacional) possibilitando a
associação desta empresa com outras do setor privado ou estatais para extração petrolífera no
exterior, proporcionando desta forma "[os] meios para assegurar o abastecimento nacional de
petróleo" (GEISEL apud GOMES in KUCINSKI 1977).
O passo seguinte foi efetivamente flexibilizar o monopólio exercido pela Petrobrás através
da implantação – em 1976 – do chamado contrato de risco. Utilizando uma nova interpretação para
a lei 2004, entendeu o governo que a Petrobrás teria o direito de celebrar contratos de "serviço
com cláusula de risco", aspecto considerado - pelo governo - não agressivo à Constituição (art.
5 As áreas para exploração marítima do petróleo indicadas no relatório Link não apresentam relação direta com as recentes descobertas do pré-sal. (NA)
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162) que determinava o monopólio estatal do petróleo. Desta forma o texto do "contrato de
prestação de serviço com cláusula de risco" representou uma espécie de decreto no qual a Petrobrás
era entendida como "proprietária" de "todo e qualquer direito decorrente" da lei 2004 (Gazeta
mercantil 20/10/1976) ficando autorizada a instituir o modelo de exploração mais conveniente.
As ações de abertura do setor petrolífero nacional ao capital estrangeiro ocorrem
coincidentemente com a descoberta das plataformas marítimas na bacia de Campos no estado do
Rio de Janeiro . Todavia, estas novas frentes de exploração eram consideradas de retorno a longo
prazo e diante de uma crise internacional e consequente aumento no valor do petróleo importado,
aspecto que ampliava o déficit comercial brasileiro, a política adotada pelo governo militar resultou
no direcionamento das atividades da Petrobrás para o mar, entregando às "prestadoras de serviço" a
exploração em terra.
Esta prática - de abandono das pesquisas em terra - foi insistentemente negada pela
Petrobrás pois poderia representar junto à opinião pública a assimilação pura e simples do relatório
Link. Entretanto em uma longa reportagem publicada em 1974 a revista Veja destaca que:
De qualquer forma, o vigor dos investimentos na exploração marinha revela uma nova orientação na estratégia de pesquisas, manejados principalmente após 1970, quando Geisel assumiu a direção dos negócios do petróleo. Hoje, apenas uma entre as dez áreas escolhidas para investigações preliminares está no continente - no extremo ocidental do Acre. E a primeira geração de perfuradores, formada na Petrobrás, ao longo dos últimos vinte anos, já se encontra quase totalmente deslocada para o setor de operações internacionais, trabalhando para a Braspetro na Líbia, Iraque e Egito. Enquanto isso, boa parte das nove regiões promissoras da plataforma (...) tem ofertado sinais positivos de uma breve e generalizada coleção de novas descobertas, desde Ubarana até o recente achado de Garoupa (VEJA dezembro, 1974).
Retornamos neste ponto ao aspecto observado no Brasil desde o final do século XIX: O país
não apresentaria áreas para exploração comercial do petróleo em terra, mas os oligopólios
internacionais buscam garantir o controle de regiões com potêncial produtivo cujo resultado é
sempre negativo.
Diante deste quadro não causaria espanto ou comoção nacional o fracasso resultante das
ações de empresas dispostas a correr "riscos" como Shell, British Petroleum, obrigando o país a
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continuar importando petróleo - destas mesmas empresas - enquanto os resultados na plataforma
continental não surgiam de forma satisfatória.
6 – A Constituição de 1988: O retorno do monopólio do petróleo
A Assembléia Constituinte eleita em 1986 vai retomar a discussão em torno da política
econômica do petróleo, considerando as propostas de abertura comercial em marcha desde o golpe
de 1964 e os princípios nacionalistas presentes na lei 2004.
A Constituição de 1988 em seu artigo 177 mantém o monopólio estatal da pesquisa, lavra e
refino do petróleo conservando parte da redação do artigo 162 da Constituição de 1967. O elemento
de diferenciação verificado no texto constitucional de 1988 está na ampliação da intervenção no
setor petrolífero, acrescentando ao monopólio o gás natural e hidrocarbonetos fluidos, aspecto este
presente na legislação infraconstitucional desde 1953 no artigo 1º da lei 2004.
A partir da Constituição de 1988 também observaremos a inclusão do monopólio estatal dos
minerais nucleares (art. 177 inciso V) indicando as bases para o estabelecimento de uma política
energética não atrelada exclusivamente ao petróleo. Neste aspecto torna-se nítida a intenção do
legislador em oferecer ao Estado brasileiro a função de regulamentar o setor de energia, entendendo
este a partir de uma visão nacionalista cujo objetivo seria a garantia da autosuficiência. Assim
afirma (SOUZA, 2002) :
A orientação monopolizadora do Estado nestes setores, veementemente combatida pela iniciativa privada, que mais uma vez tentou abalá-la com a bandeira da "desestatização" em "lobbies" milionários junto aos constituintes, tem sido, no entanto, a busca de reversão de um modelo colonialista de exportação de matérias para as metrópoles econômicas e políticas. As lições da II Guerra Mundial, com a falta de produção nacional e a impossibilidade de sua importação, valeram para formar convicção da opinião pública quanto ao petróleo. Com o presente texto [da Constituição de 1988] o mesmo se dará com os minérios e minerais radioativos.
A disposição de monopolizar a exploração do petróleo no Brasil era, deste modo, acrescida
de uma experiência de pelo menos cinqüenta anos de legislações formuladas em bases
regulamentatorias, mas conflitantes com interesses comerciais de um setor oligopolizado. Neste
aspecto encontraremos no texto constitucional de 1988 uma preocupação com a criação de meios
para impedir a quebra do monopólio, através de interpretações convenientes aos grupos
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internacionais, como verificado no caso dos contratos de prestação de serviço com cláusula de risco.
Assim o parágrafo primeiro do artigo 177 determinava: "O monopólio previsto neste artigo
inclui os riscos e resultados decorrentes das atividades, sendo vedado à União ceder ou conceder
qualquer tipo de participação , em espécie ou em valor na exploração de jazidas de petróleo ou gás
natural (...)" (BRASIL 1988).
Todavia, a Constituição determinava a exceção para o alcance do monopólio do petróleo
mantendo em vigor os contratos de risco celebrados durante o governo militar (artigo 45 das
disposições transitórias) preservando uma tradição iniciada em 1934 de manter aberta uma porta
para a manutenção de áreas com potêncial petrolífero em poder dos oligopólios, mesmo que estas
apresentem resultados "negativos" ou "insuficientes" do ponto de vista comercial.
6-1 – A quebra do monopólio: O modelo regulatório
Na prática, o artigo 45 das disposições transitórias tornou-se desnecessário sete anos mais
tarde através da emenda constitucional número 9 que alterou o parágrafo 1º do artigo 177 do
seguinte modo: "A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das
atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei"
(BRASIL 1995).
Como sabemos a lei em vigor era a 2004 de 3 de outubro de 1953, mas o seu conteúdo
nacionalista encontrava-se, neste momento, em oposição ao texto constitucional - pelo menos no
aspecto referente a emenda número 9 - assim o passo seguinte foi atualizar a legislação, fato
concretizado a partir da lei 9478 de 6 de agosto de 1997 de autoria do deputado Eliseu Resende.
Com a nova lei, a União perde a obrigatoriedade de preservar a Petrobrás como empresa
responsável pela execução do monopólio incluindo nos objetivos da política energética nacional o
princípio da livre concorrência (inciso IX do artigo 1º) que passaria a ser regulado através da
Agência Nacional do Petróleo (ANP) (artigo 7º da lei 9478).
A idéia de livre concorrência encontrava-se originalmente no texto constitucional de 1988
(artigo 170 inciso IV) todavia este aspecto liberal deparava-se com limites claros decorrentes das
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posições nacionalistas, como o verificado no caso do monopólio do petróleo. Além deste limite
também encontraremos restrições à livre concorrência no artigo 171 do mesmo texto quanto ao
entendimento de empresa brasileira definida, originalmente nos incisos I e II, como:
I "constituida sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país;II empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades (BRASIL 1988).
Para este trabalho interessa-nos entender que esta definição de empresa brasileira,
beneficiava a Petrobrás quanto ao controle nacional de seu capital reforçando também as
determinações presentes no artigo 18 da lei 2004, mantendo afastada qualquer hipótese de controle
da empresa pelos oligopólios internacionais.
Para o processo da quebra do monopólio estatal do petróleo e enfraquecimento da Petrobrás,
a alteração do artigo 171 da Constituição de 1988 também apresentou-se necessário e para tal em 15
de agosto 1995 a Emenda Constitucional número 6 revoga os incisos I e II do citado artigo, aspecto
imediatamente incorporado a lei 9478.
Assim, a exploração do petróleo no Brasil passou a ser regulada pela União e podendo "ser
exercida mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com
sede e administração no país" (BRASIL artigo 5º da lei 9478).
Considerando as modificações introduzidas a partir da lei 9478 torna-se natural a comparação com a
proposta apresentada em 1947, através do chamado Estatuto do Petróleo. Consideramos que não
seria temerário afirmar que trata-se a lei 9478 de um aperfeiçoamento da proposta neoliberal
defendida cinqüenta anos antes pelo General Juarez Távora, fundamentada na antiga idéia de
"cooperação" diante da impossibilidade de concorrência no setor petrolífero dominado pelos
"trustes".
Encontraremos na lei 9478, como modificações básicas da proposta elaborada em 1947, a
criação de uma Agência Reguladora (art. 7º), necessidade de licitação para a distribuição das
concessões (art.23), além da autorização para participação direta de empresas estrangeiras neste
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processo (art.39). As empresas interessadas no processo de licitação, também contariam com
informações técnicas levantadas ao longo de 44 anos pela Petrobrás, cujo acervo seria transferido a
ANP (art. 22 parágrafo 1º da lei 9478) e disponibilizado para consulta dos interessados.
Neste último ponto vamos nos deparar com um aspecto no mínimo curioso, ou seja, a
transformação de grupos internacionais em beneficiários de uma política econômica de caráter
nacionalista, financiada através de recursos públicos cujos resultados seriam oferecidos como
atrativos ou garantias da ausência de riscos para investimentos.
7 – O modelo regulatório do pré-sal
7-1 – A manutenção da intervenção do Estado no modelo regulatório
A primeira década do século XXI caracteriza-se, na América do Sul, por transformações
significativas na organização econômica notadamente no setor de petróleo e gás. A partir deste
momento o modelo regulatório, implantado a partir dos anos de 1990, perde força diante da
presença do Estado empresário conforme observado na Venezuela, Bolívia e Equador em oposição
ao neoliberalismo de regulação cuja principal característica foi a transferência de serviços e
atividades típicas do Estado para empresas privadas. (CLARK, 2006)
Esta redução da presença do Estado no setor econômico, todavia, não significou a extinção
das empresas estatais ou mistas para as quais ficou reservado uma atuação reduzida quando
comparada ao momento anterior aos anos de 1990 (CLARK, 2006). Esta atuação, acrescentamos,
estaria em muitos momentos relacionada ao financiamento do setor privado ou transformando as
estatais em espécie de órgãos regulatórios. Para o primeiro caso ilustrariamos apontando a
organização do Gasoduto Brasil Bolívia:
O controle do Gasoduto Bolívia-Brasil encontra-se dividido da seguinte forma: em território boliviano é administrado pela Gás Transboliviano S/A, empresa cujo controle acionário pertence à Shell; no Brasil, a Petrobrás, por intermédio de sua subsidiária, a Gaspetro, controla 51% da transportadora Brasileira do Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG). Dessa empresa participam ainda a BBPP Holding (El passo, Total, British Gás) com 29% das ações,Transredes (Shell) com 12%, Shell com 4%. Verifica-se dessa forma que o controle do gasoduto Bolívia-Brasil, quanto a exportação, pertence na verdade à Shell, empresa responsável ainda pela administração da Transredes, cuja função é distribuir o gás no mercado interno daquele país. (COELHO, 2006)
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Quanto a transformação das empresas estatais em espécie de órgão regulatório, continuamos
utilizando como exemplo o caso boliviano quando a Lei 1689 de 30 de abril de 1996 em seu artigo
4 reservou à estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) a “obrigação de
supervisionar a aplicação, por parte das empresas privadas, dos métodos mais adequados à
exploração dos recursos minerais” (COELHO, 2006). Continuava a YPFB – de acordo com a citada
lei- responsável por exercer a exploração petrolífera, mas obrigada a repassar esta função às
empresas privadas através de um contrato de risco compartilhado.
Os casos boliviano e brasileiro, relativos a exploração do petróleo e gás, revelam que as
técnicas de intervenção não apresentam como resultado obvio o fechamento da economia para os
setores privados através de políticas protecionistas .
Ampliando esta informação poderíamos incluir que durante o período militar: “o Estado
interferiu na economia com o intuito de favorecer o crescimento de grandes empresas privadas
estrangeiras ou nacionais. Pelo aspecto econômico, o resultado nefasto de tal política foi o
crescimento da dependência estrutural da economia brasileira” (PIMENTA e MIRANDA, 2009).
7-2 – A proposta governamental para o marco regulatório do pré-sal
A política econômica do petróleo no Brasil proposta pelo presidente Lula da Silva segue o
processo observado desde 1934 procurando conciliar intervenção do Estado e abertura às empresas
privadas nacionais e estrangeiras. Podemos fundamentar esta afirmativa a partir de uma analise do
projeto de lei número 5938/2009 – de autoria do Poder Executivo – instituindo o modelo de
exploração no pré-sal.6
Nesta proposta é mantido como órgão regulador a Agência Nacional do Petróleo (ANP),
mas fica determinada a criação de uma empresa estatal cuja função também possui caráter de órgão
regulador. Esta nova estatal será responsável por gerir os contratos, indicar os presidentes e metade
dos componentes dos Comitês Operacionais existentes nos blocos do pré-sal – e neste ponto sim
6 Existem no Congresso Nacional quatro projetos de autoria do Executivo tratando do modelo de exploração do pré-sal. Optamos por analisar o projeto nº 5938/2009 por considerá-lo de maior relevância para este trabalho. (NA)
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assemelha-se as funções de uma empresa – de comercializar o petróleo resultante na exploração nos
blocos pertencente a União
Os ministros Edson Lobão, Guido Mantega, Miguel Jorge, Paulo Bernardo e Dilma Rousseff
assinam a exposição de motivos do citado projeto e justificam as alterações argumentando que o
marco regulatório em vigor “foi fundamentado nas premissas que levaram à promulgação da
Emenda Constitucional nº 9, de 1995(...) [assim] o referido marco legal foi concebido de modo a
contemplar as condições vigentes àquela época.” (BRASIL, 2009) Todavia o governo, ao
encaminhar o projeto 5938/2009, não apresentou nenhuma proposta de alteração constitucional,
possibilitando entender que as criticadas “premissas” continuam valendo para o novo marco
regulatório.
Desta forma não seria incoerente analisar a proposta governamental, considerando as
características demonstradas neste trabalho do modelo neoliberal dos anos de 1990, quando a
intervenção econômica passa a ser utilizada como forma de financiamento das empresas privadas.
Assim, para exploração do pré-sal, o projeto 5938/2009 transforma a Petrobrás em
operadora de todos os blocos, entendo esta função como “responsável pela condução e execução,
direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e
desativação das instalações de exploração e produção” (BRASIL, 2009). Entretanto o controle do
bloco não cabe a Petrobrás (detentora de participação mínima de 30%) apesar desta empresa
desempenhar as funções mais onerosas, atuando, na prática, como elemento financiador.
Esta condição de operador “único” não pode ser confundida com “onipresença” podendo
desaparecer, considerando-se a possibilidade de individualização da produção, fato previsto quando
uma jazida estende-se além do bloco concedido obrigando a realização de um acordo mediado
através da Agência Nacional do Petróleo e deste, conforme o artigo 35 do citado projeto, a
indicação de um operador criando a possibilidade de inúmeros sub-blocos operados de modo
independente àquele adotado nas áreas adjacentes de acordo com o parágrafo 2º do artigo 36 do
projeto em questão.
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Outro aspecto a ser observado encontra-se na realização dos leilões para participação dos
70% restantes nos blocos. Será vencedor neste procedimento a empresa ou consórcio oferecedor da
maior quantidade de petróleo ao Estado, diante de valor minimo estabelecido em edital. Esta
quantidade não encontra-se definida no projeto 5938/2009 criando as condições de sua livre
adaptação as necessidades das empresas interessadas e tratando-se de um setor oligopolizado a
proposta governamental também torna-se frágil considerando-se a possibilidade de um acordo,
quando da apresentação das propostas, entre as empresas interessadas como forma de divisão das
áreas de atuação.
Este ponto repercute diretamente no projeto 5940/2009 tratando da criação do Fundo Social
a ser formado, dentre outras fontes, por recursos originados na comercialização estatal do petróleo.
O citado Fundo é constantemente apontado como a fórmula de garantir a aplicação do poder
econômico originado no petróleo em melhorias sociais impedindo a repetição dos exemplos
observados em outros países produtores quando a exploração do mineral não resultou em avanços
sociais para a população.
Considerando a fórmula encontrada através do projeto 5938/2009 o volume de recursos
destinado ao futuro Fundo Social será estabelecido em função das políticas econômicas das
empresas tornando este uma forma compensatória infinitamente aquém do verdadeiro poder
resultante da futura exploração do pré-sal.
8 – Conclusões
Os grandes grupos controladores do mercado internacional de petróleo organizaram-se a
partir de legislações, que possibilitaram a proteção destes por parte do Estado ou por meio da ação
estatal direta através da criação de empresas.
Esta característica deve-se a condição peculiar do petróleo encontrado na base da produção
na condição de matéria prima e combustível e por isso consubstanciado em fator de segurança
nacional, entendendo como parte integrante desta a manutenção da circulação dos bens e serviços
(CAMARGO,2007).
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As diferentes políticas econômicas do petróleo em nosso país ainda não conseguiram
associar este principio à necessidade de auto-suficiência que desapareceu dos debates, substituído
pelo dogma mercantilista da balança comercial favorável associado à crença liberal do acumulo de
capital e consequênte salto – no devido tempo – para a “civilização” decorrente da exportação de
matéria prima.
Desta fórmula “mercantil- liberal” surge a necessidade de ampliação a todo custo das
exportações de commodities – agora com a inclusão do petróleo do pré-sal – criando-se para este
fim todo tipo de atrativo para as empresas internacionais iniciarem o mais breve possível o ciclo do
petróleo.
Este novo ciclo teria uma duração aproximada de 35 anos – coincidindo com o tempo de
duração para os novos contratos de partilha da produção do pré-sal e previsão para o esgotamento
dos recursos ali existentes – período direcionado para a ampliação das pesquisas nacionais para o
setor petrolífero aspecto consumidor de parcela considerável dos recursos eventualmente gerados.
Nos Estados Unidos, o presidente Obama pretende ainda em 2010 extinguir o subsídio
instituído no início do século passado para a indústria petrolífera direcionando os recursos para a
pesquisa em energia alternativa aos combustíveis fósseis, esperando, em trinta anos, livrar-se deste
último.
Ao mesmo tempo, no Brasil, a empresa criada para garantir a auto-suficiência nacional é
transformada em elemento financiador dos oligopólios internacionais através de uma política cujo
principal objetivo é iniciar – o mais breve possível – a exportação do petróleo do pré-sal.
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Referências Bibliográficas
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