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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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POESIA E EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA,
PERSPECTIVAS DE ABORDAGEM
Maria Helena Ramalho – ramalho.helena@laposte.net Escola Secundária da Boa Nova
Av. Combatentes da Grande Guerra – Leça da Palmeira, 4450 – 641 Matosinhos Telefone: 229998960
Vítor Fontes – vitorfontesgeo@gmail.com
Colégio Paulo VI Av. General Humberto Delgado, 201 – S. Cosme, 4420-155 Gondomar
Telefone: 224646027
Resumo Contribuir para a formação de cidadãos geograficamente competentes e promover a cultura e
a literacia geográfica são, hoje, grandes desafios dos professores de Geografia dos ensinos
Básico e Secundário. A operacionalização dessas metas/desafios requer dos professores
criatividade e exigência na construção de estratégias didácticas que contribuam para um
efectivo desenvolvimento das competências geográficas.
É neste contexto que consideramos que a poesia, tantas vezes ignorada, temida ou entendida
como património exclusivo da disciplina de Língua Portuguesa, pode ser um recurso e uma
ferramenta didáctica extremamente útil, dado o seu enorme potencial educativo. As
possibilidades de abordagem são múltiplas e entre elas destacamos: (a) os poemas enquanto
documentos reveladores de uma perspectiva espacial/ territorial, potenciadores de análise
geográfica (temática); (b) os poemas enquanto recursos didácticos com potencial ao nível do
desenvolvimento procedimental e/ou atitudinal; (c) os poemas enquanto elementos
estruturantes na construção de situações educativas agregadoras; (d) os poemas enquanto
instrumentos para o desenvolvimento e aprofundamento de competências (geográficas e
transversais) e de articulações disciplinares; (e) os poemas enquanto recursos/instrumentos
potenciadores do alargamento da identidade cultural dos alunos.
Criar pontos de contacto entre a expressão poética e os saberes geográficos é o exercício que
propomos após várias situações concretizadas de utilização didáctica da poesia, num apelo à
intuição pedagógica e à criatividade de cada professor.
Palavras-chave: Educação Geográfica, Poesia, Didáctica, Competências
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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1. Introdução: poesia, educação, educação geográfica
As sociedades contemporâneas depositam na Escola e nos seus agentes grandes esperanças
face aos desafios impostos por um mundo em acelerada transformação, onde imperam os
princípios economicistas e da incerteza.
Assistimos, por isso, à apologia de uma Escola Humanista que eduque para os valores e para a
cidadania, para a democracia e solidariedade. Apesar deste ser um tema recorrente nos
debates sobre a Educação Contemporânea e de assistirmos à pulverização de teorias
pedagógicas que o sustentam, a verdade é que há ainda um longo caminho a percorrer, no que
diz respeito à concepção de práticas educativas em contexto de sala de aula que contribuam
para a sua efectiva operacionalização.
É neste contexto que a poesia pode assumir-se como um recurso de grande valor didáctico
para pôr em prática alguns desses objectivos:
A poesia continua a ser, tanto para as crianças como para os adultos, a linguagem
natural dos “ses” e dos “porquês”, a linguagem da interrogação desafiadora e da
dúvida inquiridora, que não se rende à hegemonia da máquina, ao império da técnica
e à lógica devastadora do lucro que conduz ao sistemático e hoje verdadeiramente
obsceno esmagamento do “ser” pelo “ter”.
José Jorge Letria (s/data) – “Poesia e infância: detonar a imaginação em nome da
liberdade”,http://www.ub.es/aulapoesiabarcelona/pocio/Documents/IntevencioJoseJorgeLetria
.pdf, consultado em 27/08/2007
Por outro lado, o domínio da língua materna é uma competência fundamental para o acesso às
mais variadas áreas do conhecimento, pelo que cabe a cada professor aproveitar as
potencialidades que o texto poético oferece, desmontando a ideia de que o ensino/estudo da
poesia é algo que começa e acaba dentro da sala de aula de Língua Portuguesa, e adaptá-las à
sua realidade disciplinar. Sublinhando a particularidade do caso português, Veloso e Riscado
(s/data)1, referem que “num país com uma tradição lírica assinalável é inaceitável que os
professores não ofereçam às crianças banhos de poesia capazes de alimentar nelas o gosto
pela expressão subjectiva.”
1 - “Literatura infantil, identidade cultural e escola”, http://www.alonsoquijano.org/cursos2004/animateca/recursos/Biblioteca%20virtual/C1.%20Tradiciones%20y%20Literatura%20Infantil/8.%20Rui%20Veloso.pdf, consultado em 27/08/2007
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No âmbito da educação geográfica, a poesia oferece frequentemente “leituras” e referências
espaciais, por vezes de grande riqueza descritiva (embora povoadas de maior ou menor grau
de fantasia), que podem ser alvo de confronto com as “leituras” pessoais dos alunos e com a
proporcionada por documentos/dados geográficos que permitam (re)estruturar a concepção
espacial veiculada pelo poeta.
É considerável a multiplicidade de abordagens que a poesia possibilita, desde logo porque
permite a construção de situações educativas suficientemente enriquecedoras e motivadoras
para os alunos e porque, simultaneamente, permite desenvolver conteúdos (temáticos,
procedimentais e/ou atitudinais) e competências (transversais e/ou específicas), contribuindo
de forma efectiva para a promoção de uma verdadeira literacia geográfica, como teremos
oportunidade de demonstrar neste texto.
Ensinar geografia é possibilitar as condições necessárias para que a criança construa
um novo modo de compreender, cientificamente, o mundo. A tarefa que hoje se
coloca para a geografia é a de explicar o mundo, desvelando efeitos de verdade,
redescobrindo significados, desnudando imagens e recuperando identidades.
Carmen Lúcia Vidal Pérez – “Ler a palavra, compreender o mundo: função alfabetizadora da
Geografia”, in Jornal a Página da Educação", ano 12, nº 129, Dezembro 2003, p. 18,
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=2802, consultado em 27/08/2007
Quando pensamos em acções deliberadamente organizadas e implementadas em contexto
escolar, consideramos pertinente e apropriada a utilização da expressão “abordagem
geodidáctica” para nos reportarmos a aspectos relacionados com a rentabilização da poesia no
contexto da disciplina de Geografia.
2. Possibilidades de abordagem geodidáctica da poesia
2.1. Os poemas enquanto documentos reveladores de uma perspectiva espacial/
territorial, potenciadores de análise geográfica (temática)
O texto poético pode e deve ser encarado como um documento de análise/reflexão com
grande potencial didáctico para o ensino da geografia, na medida em que, ancorada a cada
composição poética, existe, muitas vezes, um espaço/território e/ou um fenómeno passível de
ser estudado do ponto de vista geográfico. A essa realidade espacial está sempre, implícita ou
explicitamente, associado o conceito de escala, quer se trate de um lugar (rua, praça, aldeia,
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vila, campo, cidade…), de uma região ou do próprio Mundo. Assim, os poemas integram em
si mesmos uma determinada realidade espacial – local, regional e/ou global –, que nos
permite alargar o leque de possibilidades que temos ao nosso dispor para o estudo dos
territórios.
Apesar de em muitos poemas não encontrarmos quaisquer referências espaciais, pois, como
sabemos, muita da produção poética apenas se refere a emoções ou sentimentos sem que lhe
estejam, necessariamente, associados espaços ou territórios, é muito frequente encontrarmos
um texto poético em que nos é apresentada uma descrição de uma determinada realidade
espacial, independentemente da escala que lhe está associada.
A dimensão espacial da poesia surge, frequentemente, relacionada com a função descritiva
das paisagens, com maior ou menor grau de interferência antrópica. Esta é, porventura, uma
das perspectivas mais interessantes de exploração geográfica de um texto poético, uma vez
que a criação poética, além de um exercício de inspiração artística, é um exercício de leitura
pessoal (do autor), de detalhe e de síntese, pelo que as descrições apresentadas fornecem,
tantas vezes, ao leitor, elementos identificativos, caracterizadores e distintivos de um
determinado território.
Num tempo em que os conceitos de nação, território, lugar e paisagem têm tido um destaque e
um desenvolvimento curricular discutíveis, a poesia pode dar um contributo útil para o seu
reposicionamento no currículo.
Uma outra dimensão a considerar, na leitura geográfica de um texto poético, é a sua dimensão
temporal. Quando existente, esta permite uma melhor compreensão e uma mais correcta
análise do fenómeno/realidade retratado no texto. Como sabemos, espaço e tempo são
dimensões que se articulam e complementam, permitindo o enquadramento e
contextualização da temática em foco.
Existe poesia para tudo e sobre tudo; no entanto, algumas das temáticas privilegiadas como
tema poético são temáticas marcadamente geográficas. Poemas sobre a cidade, o campo, as
gentes, a paisagem, a cultura, o clima, as migrações, a serra ou o mar, são tão comuns como
as composições dedicadas ao amor, ao sonho ou à saudade. A diversidade temática é tão
ampla que, com alguma facilidade, conseguimos encontrar poemas que constituem
verdadeiros documentos de interesse geográfico que podem ser utilizados como recurso
geodidáctico.
Assim, o poema “ideal” para ser utilizado como recurso geodidáctico nas aulas de geografia,
será o poema que conseguir reunir as três dimensões – espacial/territorial, temporal e temática
–, pelo que este deverá ser um critério fundamental na escolha do texto, embora não deva ser
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decisivo, uma vez que existem muitas composições poéticas que, não respeitando esta “regra
das três dimensões”, reúnem condições suficientes para serem trabalhadas do ponto de vista
geográfico.
2.2. Os poemas enquanto recursos didácticos com potencial procedimental e atitudinal
Os poemas enquanto documentos textuais prestam-se ao desenvolvimento de vários
procedimentos2, dado que suscitam, antes de mais, o desenvolvimento da expressão verbal em
interligação com a exploração semântica. Consoante o tipo de poema, poderemos ainda, numa
abordagem geodidáctica, promover o desenvolvimento de procedimentos de pesquisa,
tratamento e interpretação de informação (que comprove, refute, ilustre… o sugerido no
poema). Por último, o resultado destes procedimentos culminará, quase inevitavelmente, num
outro – o de comunicação da informação.
Enfim, as grandes categorias de procedimentos geográficos – pesquisa, tratamento,
interpretação e comunicação de informação – podem ser abarcadas a partir da análise de um
poema.
A poesia, segundo M. Antunes3, é um fazer, que é um saber, que é um poder, que é um dizer.
Um fazer, no sentido de estruturar ou reestruturar; um saber intuir, percepcionar, sentir…; um
poder, efectivo e afectivo de acrescentar um novo mundo ao mundo – deleitar, surpreender,
relacionar tempos e espaços diversos, transfigurar…; um dizer, com uma forte função
conotativa em que o símbolo, essência da poesia, lhe confere plurilinearidade e
pluridimensionalidade.
Debruçando-nos sobre o conceito acabado de explicitar é fácil perceber o enorme potencial da
poesia a nível do desenvolvimento de atitudes4. A sensibilidade, a criatividade e a reflexão
são o tripé atitudinal que sustenta e que fomenta a exploração didáctica da poesia.
Poetizar é falar das coisas não como elas são mas como as vemos e sentimos em um
determinado instante chamado de inspiração. O poeta enxerga além da realidade, seu
mundo de metáforas aproxima-se do encanto e da magia. (…)
2 - Entenda-se por procedimento a sequência de acções com vista a atingir-se uma meta ou um produto final (gráfico, mapa, relatório, etc.). A ordem pela qual se executam as acções pode ser mais ou menos rígida consoante os casos, correspondendo respectivamente a procedimentos algorítmicos e heurísticos. 3 - Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura, Lisboa, Verbo, vol 15. 4 - Resumidamente podemos dizer que atitudes são predisposições ou reacções habituais face a determinados objectos (pessoas, coisas, ideias, situações). Podem ser favoráveis ou desfavoráveis.
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É este contacto com as metáforas que fascinam a imaginação das crianças, fazendo-
as despertar para o conhecimento da matemática, ciências, geografia, dentre outras.
Trajano, Rosângela (s/ data) – “A importância da poesia no ensino fundamental”,
http://www.geocities.com/rosangelarn/impoesia.html, consultado em 10/08/2007
De acordo com as tarefas didácticas promovidas em aula, o leque atitudinal pode ser ampliado,
dele constando atitudes como a atenção, o empenho e a curiosidade, o espírito crítico, etc.
2.3. Os poemas enquanto elementos estruturantes de situações educativas agregadoras
As situações educativas agregadoras correspondem a formas de desenvolver o currículo em
torno de motes, ideias, pretextos, que constituam o centro nevrálgico de um segmento do
processo de ensino-aprendizagem.
A expressão “situação educativa” pretende sugerir o potencial educativo (informativo e
formativo) que tais ideias e/ou motes encerram, propiciando a implementação de uma série de
tarefas didácticas.
O adjectivo “agregador” tem um duplo sentido: por um lado, reporta-se à coesão que confere
ao processo e ao conjunto de tarefas que se vierem a implementar, na medida em que tudo
gira e se desenvolve em torno e a partir desse mote, dessa ideia ou desse pretexto; por outro,
permite agregar saberes diversos, dentro de uma mesma área do conhecimento (Geografia,
por exemplo) ou de várias áreas (Geografia, História, Língua Portuguesa, Educação Visual,
etc.), ultrapassando a perspectiva segmentada/atomizada do ensino habitual.
As situações educativas agregadoras contribuem para a Literacia Geográfica, na medida em
que promovem a mobilização de saberes diversos (geográficos e outros) em situações
concretas, evidenciando a utilidade prática da Geografia para o cidadão comum. Inscrevem-se
numa lógica globalizadora/integradora, “em que os diferentes conteúdos se possam situar e
relacionar em estruturas complexas de conhecimento. (…) A perspectiva globalizadora
pretende oferecer ao aluno os meios para compreender e actuar na complexidade.” (Zabala
Vidiella, 1999: 29-30)5.
Ora a poesia é um “pretexto”, como muitos outros, que cria oportunidades didácticas de
estabelecer pontes com outros saberes (geográficos ou não), de compreender e inter-relacionar
as múltiplas realidades de uma qualquer complexidade espacial - “Só é possível actuar na
5 - Enfoque globalizador y pensamiento complejo. Una respuesta para la comprensión e intervención en la realidad, Barcelona, Ed. Graó.
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complexidade quando se é capaz de utilizar os diferentes instrumentos de conhecimento
existentes de forma inter-relacionada.” (Zabala Vidiella, 1999: 30)6. Com efeito, um poema
pode ser um pretexto para descodificarmos sentidos atribuídos pelos alunos na leitura que
fazem do que o poeta escreveu, para propiciarmos momentos de reflexão, de imaginação, para
desenvolvermos a sensibilidade, para discutirmos e reestruturarmos conceitos, para os
levarmos a argumentar, a convencer. Enfim, em torno de um poema podemos confirmar
factos, esclarecer conceitos, desenvolver procedimentos e atitudes; mais, todas estas facetas se
desenvolvem de forma integrada, diluindo as fronteiras entre os diferentes tipos de conteúdos
e as diversas disciplinas.
2.4. Os poemas enquanto instrumentos para o desenvolvimento e aprofundamento de
competências (geográficas e transversais) e de articulações disciplinares;
Quando pensamos no estudo da poesia, pensamos imediatamente que esta é uma tarefa da
exclusiva responsabilidade dos professores de Língua Portuguesa. Este entendimento parcelar
dos programas e dos respectivos conteúdos corresponde a uma visão que, apesar dos avanços
verificados nos últimos anos, ainda está muito enraizada no nosso pensamento educativo. Há
ainda um longo caminho a desbravar no sentido de derrubar a “concepção feudal” dos
programas curriculares e das práticas educativas, em que os conteúdos se mantêm
entrincheirados por áreas disciplinares, e da qual resulta o encarceramento do próprio
conhecimento.
Assim, a utilização da poesia como recurso didáctico nas aulas de Geografia pode constituir
uma oportunidade para trabalhar e desenvolver competências (geográficas e/ou transversais),
e promover o diálogo interdisciplinar, tantas vezes proclamado mas tão poucas vezes
praticado.
Encontrando-se o currículo actual, especialmente a nível do ensino básico, estruturado para o
desenvolvimento de competências (transversais e específicas) e assumindo como
“competência” a mobilização de saberes diversos numa situação em concreto, tem todo o
cabimento a utilização do “saber poético”. Aliás, facilmente a exploração de qualquer poema
promove competências gerais (transversais) e específicas (geográficas).
Por outro lado, a partir de um documento poético várias são as tarefas didácticas que podem
ser desenvolvidas, o que permitirá ampliar o potencial geodidáctico da abordagem. A título de
6 - Ibidem.
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exemplo, referiremos algumas possíveis experiências de aprendizagem que podem ser
promovidas em torno de um poema:
• Desenho de esboços das paisagens/espaços descritos nos poema(s) para registo dos
elementos observados;
• Elaboração de mapas mentais de lugares, reais ou imaginários, para ilustrar os lugares/
espaços descritos no(s) poema(s).
• Actividades (individuais ou grupais) para registo, organização e análise da informação
recolhida nos poema(s);
• Construção de apresentações em powerpoint, vídeos, poster’s, utilizando fotografias/
desenhos para ilustrar/descrever as realidades geográficas presentes no(s) poemas(s);
• Pesquisa de dados que confirmem ou refutem o que é retratado no(s) poema(s) e/ou que
confrontem com outras realidades.
Estas experiências de aprendizagem, embora apresentando níveis de complexidade distintos,
exigem a mobilização de saberes geográficos e, simultaneamente, alargam o seu campo de
acção a outras áreas disciplinares como a Língua Portuguesa, a Educação Visual, as
Tecnologias de Informação e Comunicação. Por outro lado, constituem oportunidades de
trabalho para se desenvolverem pequenos projectos, nomeadamente, nos clubes de geografia,
de fotografia ou desenho.
Um bom exemplo dessa possibilidade de articulação disciplinar a partir de um poema é-nos
proposto pelo Plano Nacional de Leitura, ao sublinhar a importância de se proceder a um
enquadramento geográfico do poema em estudo, sempre que assim se justifique:
É também necessário proporcionar elementos de referência geográfica nos casos em
que o poeta aborda locais ou acidentes naturais bem determinados, que a criança não
conheça. Uma descrição poética que inclua bosques, lagos, montanhas, grutas, o mar
não constitui obstáculo ao entendimento, ainda que a criança nunca tenha visto nada
disso, porque são elementos há muito interiorizados. O mesmo não acontece se o
poeta se refere a fiordes, tundra, savana, ou a locais e acidentes específicos como
Calecute, Cabo da Boa Esperança. Sem explicação prévia, estes elementos podem
transformar-se em obstáculos reais à leitura e obscurecer a compreensão do poema.
Plano Nacional de Leitura,
http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/ListaConteudos.aspx?conteudo=505, consultado em
18/08/07
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Ora a explicação de referências geográficas, ou de outros fenómenos naturais ou humanos,
constitui uma excelente oportunidade para promover o diálogo interdisciplinar e possibilita o
desenvolvimento de competências transversais a várias áreas do saber.
Posicionada na charneira entre o mundo físico e social, a natureza e a cultura, a
Geografia, melhor que qualquer outra ciência, consegue estabelecer pontes entre os
diferentes ramos do saber, ocupando, por isso, um lugar de referência na formação
dos jovens.
Fernanda Cravidão e Herculano Cachinho, in página de apresentação do painel Ensino da
Geografia: novas competências, novos desafios, do VI Congresso da Geografia Portuguesa,
http://www.apgeo.pt/index.php?section=35, consultada em 22/08/2007
Será porém desnecessário colocarmos a tónica na posição de “charneira” da Geografia, pois
muitos dos poemas são “olhares” sobre o Mundo, as gentes, os lugares. Tais olhares são
frequentemente multifacetados, pois tanto focam apontamentos históricos como geográficos,
tanto destacam o perfil cromático como sonoridades, tanto se reportam a factos como a
sentimentos, etc. Enfim, o poema em si mesmo é supra-disciplinar, permitindo e
“convidando” a análises plurais, a articulações disciplinares.
2.5. Os poemas enquanto recursos/instrumentos potenciadores do alargamento da
identidade cultural dos alunos.
Num tempo marcado por vertiginosas transformações científico-tecnológicas, sócio-
económicas e geopolíticas, existem dois fenómenos sobre os quais as sociedades
contemporâneas se organizam e alicerçam, a crise do Estado-Nação e a Globalização7. Entre
os principais desafios decorrentes deste novo modelo de organização do mundo e das
sociedades humanas estão as questões relacionadas com a cultura e com a identidade cultural
do indivíduo e dos povos, cidadãos de um mundo, agora vulgarmente designado de “aldeia
global”.
7 - Segundo André (2006: 4), a dissolução do Estado-Nação, aliada ao fenómeno da globalização, faz com que países com uma história mais enraizada e com uma identidade mais definida e configurada em termos étnicos, culturais ou mesmo religiosos, como é o caso de Portugal, reencontrem um fenómeno idêntico àquele que outros países de formação mais recente foram encontrando aquando da sua própria constituição, ou seja, o fenómeno do multiculturalismo.
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Ao mesmo tempo que as distâncias se anulam pelas vias electrónicas da
comunicação, tornando vizinhos os que tão longe habitam nesta aldeia global,
apagam-se as referências doadoras de sentido, que permitiam outrora desenhar os
mapas da nossa orientação e reconhecer no céu infinito estrelas privilegiadas como
guias da nossa caminhada. Assim, se a aldeia facilita o (re) conhecimento, a
multiplicação ao infinito das estradas, das ruas e das ágoras potencia o
desconhecimento e se a globalização parece homogeneizar, tal homogeneização
impede a percepção diferenciada da singularidade inalienável do outro e dos outros,
sem a qual é impossível o diálogo, que pressupõe sempre a relação entre dois seres
em comunicação mas irredutíveis na sua alteridade.
João Maria André (2006: 2-3) – “Identidade(s), Multiculturalismo e globalização”,
http://www.apfilosofia.org/documentos/pdf/JMAndreIdentidade(s)_Multiculturalismo.pdf,
consultado em 23/08/2007
Assim, num mundo onde duas forças – o local vs o global – coexistem e se movem em
sentidos aparentemente contrários, as questões da identidade cultural dos cidadãos constituem
um aspecto incontornável das práticas educativas contemporâneas. Resistir à homogeneização
cega e à standardização das práticas culturais e promover o (re)encontro do indivíduo com
uma recentragem da sua identidade cultural passa, necessariamente, pela formação de
cidadãos geograficamente competentes, capazes de aprender a ler e a pensar o espaço, nas
suas múltiplas perspectivas.
Consideramos que a leitura do mundo é fundamental para que todos nós, que
vivemos em sociedade, possamos exercitar nossa cidadania. (…)
Uma forma de fazer a leitura do mundo é por meio da leitura do espaço, o qual traz
em si todas as marcas da vida dos homens. Desse modo, ler o mundo vai muito além
da leitura cartográfica, cujas representações refletem as realidades territoriais, por
vezes distorcidas por conta das projeções cartográficas adotadas. Fazer a leitura do
mundo não é fazer uma leitura apenas do mapa, ou pelo mapa, embora ele seja muito
importante. É fazer a leitura do mundo da vida, construído cotidianamente e que
expressa tanto as nossas utopias, como os limites que nos são postos, sejam eles do
âmbito da natureza, sejam do âmbito da sociedade (culturais, políticos, econômicos).
Ler o mundo da vida, ler o espaço e compreender que as paisagens que podemos ver
são resultado da vida em sociedade, dos homens na busca da sua sobrevivência e da
satisfação das suas necessidades. Em linhas gerais, esse é o papel da geografia na
escola.
Helena Copetti Callai (2005: 228-229) – “Aprendendo a ler o Mundo: a Geografia nos anos
iniciais do ensino fundamental”, Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n.66, p. 227-247,
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Maio/Agosto, 2005, http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n66/a06v2566.pdf, consultado em
23/08/2007
Para contrariar aquilo que Milton Santos8 entendeu serem os riscos iminentes da escola deixar
de formar autênticos cidadãos e tornar-se um celeiro de deficientes cívicos, a geografia
desempenha, então, um importante papel na promoção de uma cidadania participativa,
democrática e responsável.
É neste contexto que a utilização da poesia nas aulas de geografia pode assumir-se como
recurso/instrumento potenciador do alargamento da identidade cultural dos alunos, tirando
partido da vasta produção poética nacional (bem como da de outros países) e explorando
algumas das temáticas mais cantadas pelos autores – o mar, a emigração, as cidades, o campo,
as paisagens, as gentes – permitindo que os alunos ampliem o seu conhecimento da cultura
portuguesa9 e de outras culturas. Para Glória Ferreira (s/data: 5)10 “utilizada em sala de aula, a
língua portuguesa dotaria os formandos de competências para falarem da sua pátria, da sua
identidade pessoal e da sua herança cultural”, lembrando a esse propósito a célebre frase de
Fernando Pessoa “a minha pátria é a língua portuguesa”, em que a língua portuguesa pode ser
“aflorada como pátria, isto é, recipiente de uniformidade na diversidade, de espaço físico-
geográfico e (ainda assim) ideológico, de matizes culturais diversas mas comuns (…).”
3. Casos concretos de exploração geodidáctica de poemas
Para ilustrar as ideias expressas no ponto anterior, nada melhor que a utilização de casos
concretos. Na impossibilidade de nos servirmos dos muitos exemplos de que dispomos, a
selecção recaiu sobre dois poemas, um dos quais cantado, tendo sido norteada pelos seguintes
princípios:
a) nacionalidade do autor (português versus estrangeiro);
b) adequação a níveis de escolaridade distintos e a temáticas diferentes;
c) ilustração da convergência de perspectivas de abordagem na exploração de um qualquer
poema.
8 - Ap. Fábio Napoleão, O ensino da geografia em tempos de globalização, p. 2., http://www.ourinhos.unesp.br/gedri/publica/artigos/napoleao_01.pdf, consultado em 16/08/2007 9 - Além do conhecimento dos poetas e das suas obras literárias, a poesia permite explorar outras manifestações culturais como a música portuguesa, nomeadamente o fado, verdadeiro repositório de composições poéticas, que como sabemos constitui um dos traços distintivos da nossa identidade cultural. 10 - “Música e Prosa Poética na Construção da Identidade”, http://www.multiculturas.com/images/musica_e%20_prosa_poetica_Gloria-Ferreira.pdf, consultado em 16/08/2007.
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3.1. Exploração geodidáctica do poema/canção “Montras”
A “cidade”, enquanto tema poético, sempre exerceu um forte poder de encantamento e de
fascínio sobre os poetas. Na literatura portuguesa, multiplicam-se as composições inspiradas
nas cidades de Lisboa, do Porto, de Coimbra, entre outras. Nomes como Ary dos Santos ou
Manuel Alegre desfilam na galeria daqueles que melhor “cantaram” as cidades portuguesas.
As suas obras fazem parte do nosso património cultural colectivo, pelo que devem merecer
por parte de todos os educadores a maior atenção; no nosso caso, devem ser também
encaradas como documentos com grande potencial didáctico para as aulas de geografia.
O poema/canção “Montras” constitui um bom exemplo disso mesmo, na medida em que, em
torno dele, podemos construir uma situação educativa agregadora que permita explorar os
Montras
Poema de Pedro Campos Interpretado por Mariza
(Álbum Transparente, 2005) Ando na berma Tropeço na confusão Desço a avenida E toda a cidade estende-me a mão Sigo na rua, a pé, e a gente passa Apressada, falando, o rio defronte Voam gaivotas no horizonte Só o teu amor é tão real Só o teu amor… São montras, ruas E o trânsito Não pára ao sinal São mil pessoas Atravessando na vida real Os desenganos, emigrantes, ciganos Um dia normal, Como a brisa que sopra do rio Ao fim da tarde Em Lisboa afinal Só o teu amor é tão real Só o teu amor… Gente que passa A quem se rouba o sossego Gente que engrossa As filas do desemprego, São vendedores, polícias, bancas, jornais Como os barcos que passam tão perto Tão cheios Partindo do cais Só o teu amor é tão real Só o teu amor…
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conteúdos da Unidade Didáctica “Áreas de Fixação Humana” da Geografia do 3º Ciclo,
mais concretamente, a “urbanização e ruralidade”, a “estrutura das áreas urbanas” e os
“modos de vida em meio urbano e em meio rural”, embora com maior enfoque sobre a
urbanização, tal como é sugerido nas Orientações Curriculares.
Apesar de se tratar de um pequeno texto, são múltiplas as referências ao universo lexical de
Cidade, neste caso, de Lisboa, o que nos permite estruturar em torno do poema as temáticas
mais importantes do estudo desta unidade (doc. 1):
LISBOA
Doc.1 – Dos elementos textuais às rubricas programáticas
Poema “Montras” – Elementos textuais “confusão”�
“avenida”�
“rua”�
“e a gente passa apressada, falando”�
“rio de fronte”�
“voam gaivotas no horizonte”�
“montras”�
“ruas”�
“e o trânsito não pára ao sinal”�
“são mil pessoas”�
“emigrantes”�
“ciganos”�
“a brisa que sopra do rio ao fim da tarde”�
“gente que passa a quem se rouba o sossego”�
“gente que engrossa as filas do desemprego”�
“vendedores, polícias, bancas, jornais”�
“os barcos que passam tão perto�
tão cheios partindo do cais”
Paisagem urbana
Estrutura morfológica
Estrutura funcional
Modos de vida em meio urbano
Problemas das cidades
-“Caos” urbano - Avenidas/ Ruas (…) - Rio Tejo - Proximidade do mar (Oc. Atlântico) - Cidade costeira - Mosaico paisagístico - Mosaico étnico/cultural - Elevada população - (…)
- Elementos estruturantes do espaço urbano - Organização do espaço urbano
- Funções urbanas - Predomínio do comércio e serviços - Actividade portuária
- Mobilidade da população (grandes fluxos de pessoas e veículos) - Ritmo de vida frenético - Cosmopolitismo
- Congestionamento do trânsito - Desgaste psicológico, stress - Desemprego (exclusão social, criminalidade) - Poluição sonora - “Fraca” qualidade de vida
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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O exercício de “desmontagem” do texto constitui uma etapa determinante no processo de
construção da situação educativa, porque é a partir dele que será conduzida a exploração
geodidáctica do poema e criadas as experiências educativas a implementar. A título
exemplificativo, apresentamos uma possível proposta de abordagem geodidáctica do
poema/canção “Montras” (doc. 2):
Doc.2 – Possível roteiro didáctico de exploração do poema “Montras”
A. Leitura silenciosa do poema “Montras”
B. Leitura em voz alta do poema
C. Exploração do Poema
C.1. Levantamento de expressões/conceitos relacionados com a temática – “Cidade”
C.2. Diálogo com os alunos sobre o significado e o contexto de cada uma dessas expressões/conceitos – tentativa de categorização.
Identificação da temática do poema Primeira abordagem ao texto
D. Audição do Fado “Montras”
Sugerimos uma referência às origens do Fado e da sua relação com as cidades, explorando os casos de Coimbra (Fado académico – Função Universitária), e de Lisboa (Casas de Fado – motivo de interesse turístico).
E. Intertextualidade
E.1. Trabalho de pesquisa de poemas sobre o “Campo” e/ou sobre outras “Cidades” ou, ainda, sobre “Lisboa”. (articulação disciplinar com Língua Portuguesa)
E.2. Análise comparativa: - Paisagem - Modos de vida - Organização do espaço - (…)
C.3. Análise de documentos geográficos que ilustrem/ comprovem as situações descritas no poema.
C.3.1. Análise da Planta Urbana de Lisboa (posterior comparação com as plantas das cidades pesquisadas em E.)
C.3.2. Leitura e análise gráficos/indicadores económicos de Lisboa (ou AML). Sugerimos comparações com outras regiões de Portugal.
C.3.3. Leitura e reflexão a partir de um (ou mais) artigos de imprensa sobre: - Criminalidade em Lisboa - Problemas de tráfego automóvel - Problemas de desemprego/exclusão social… - (…)
F. Construção de uma reportagem fotográfica de Lisboa
Construção de uma reportagem fotográfica que implique trabalho de pesquisa, selecção e organização de uma sequência de imagens de Lisboa que ilustrem o poema/canção “Montras”. Sugerimos a utilização dos programas Movie Maker ou Photo Story.
- Possibilidade de realização de uma saída de campo à cidade de Lisboa para a realização da reportagem fotográfica;
- Possibilidade de realizar este trabalho para outros poemas canções (E.1.), por exemplo – “Porto Sentido”, “Lisboa Menina e Moça”, “Fado Manguela”, (…)
- Possibilidade de articulações disciplinares com as disciplinas de Tecnologias de Informação e Comunicação, Ed. Visual e com Área de Projecto ou com Clubes de Fotografia.
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Tendo por base experiências didácticas semelhantes, optamos por não iniciar este roteiro
didáctico com a audição do poema/ canção “Montras”, uma vez que tratando-se de um fado,
alguns alunos, sobretudo os do 3º Ciclo, reagem ainda de forma imatura, demonstrando
alguma “repulsa” e distanciamento por este género musical, o que pode comprometer, logo à
partida, o sucesso desta situação educativa. Assim, só depois de um trabalho de aproximação
ao poema (A., B.) e da sua exploração (C.) é que surge a referida audição (D)11. Esta opção
permite, por um lado, ultrapassar algum desconforto que possa ser provocado pela audição de
“um fado”, abrindo possibilidade para a audição de outras canções do género (E.); por outro
lado, permite derrubar algumas barreiras que possam comprometer a elaboração da
reportagem fotográfica que terá como “pano de fundo” o poema/ canção “montras” (F.).
A etapa C.3. reveste-se de particular importância no processo de ensino-aprendizagem, na
medida em que é nesta fase que será feita a passagem da dimensão artística/poética para a
dimensão científica/técnica, através da leitura e análise de documentos geográficos (plantas,
gráficos, dados/índices estatísticos), sendo também aí que se desenvolverá o maior número de
competências gerais e específicas (Doc.3).
Competências Gerais (transversais)
Competências Específicas12 (geográficas)
Cp.1-Mobilizar saberes culturais, científicos e tecnológicos para compreender a realidade e para abordar situações e problemas do quotidiano; Cp.2-Usar adequadamente linguagens das diferentes áreas do saber cultural, científico e tecnológico para se expressar; Cp.3-Usar correctamente a língua portuguesa para comunicar de forma adequada e para estruturar pensamento próprio; Cp.6-Pesquisar, seleccionar e organizar informações para a transformar em conhecimento mobilizável; Cp.8-Realizar actividades de forma autónoma, responsável e criativa; Cp.9-Cooperar com outros em tarefas e projectos comuns;
A. A localização A.1. Comparar representações diversas de paisagens urbanas e rurais a partir da leitura e análise de fontes documentais (neste caso de poemas); A.2. Ler e interpretar plantas; A.3. Localizar diferentes elementos espaciais (lugares, ruas, avenidas, cais, etc.) utilizando plantas urbanas; B. O conhecimento dos lugares e regiões B.1. Utilizar o vocabulário geográfico em descrições orais e escritas de lugares, regiões e distribuições de fenómenos geográficos; B.2. Discutir aspectos geográficos dos lugares/regiões/assuntos em estudo, recorrendo a poemas, notícias da imprensa escrita, plantas urbanas, gráficos, dados estatísticos e fotografias; B.3. Comparar distribuições de fenómenos naturais e humanos, utilizando poemas, mapas/ plantas, dados estatísticos e fotografias; B.4. Seleccionar, ordenar e classificar as características dos fenómenos geográficos; B.5. Realizar pesquisas documentais sobre a distribuição dos fenómenos naturais e humanos em áreas urbanas e rurais, utilizando um conjunto de recursos que incluem livros, material audiovisual e Internet; B.6. Desenvolver a utilização de dados/índices estatísticos, tirando conclusões a partir de exemplos reais que justifiquem as conclusões apresentadas; B.7. Problematizar as situações evidenciadas em trabalhos
11 - A opção pela audição do poema/canção numa fase posterior (D) baseia-se na experiência adquirida, embora admitamos outras possibilidades, em que a audição possa surgir numa fase inicial ou até mesmo final. 12 - Estes enunciados, embora decalcados das Orientações Curriculares, foram redigidos de modo a ajustá-los à situação educativa em concreto.
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realizados, formulando conclusões e apresentando-as em descrições escritas e em reportagem fotográfica; B.8. Utilizar técnicas e instrumentos adequados de pesquisa em trabalho de campo realizando o registo da informação geográfica; C. O dinamismo das inter-relações entre espaços C.1. Interpretar, analisar e problematizar as inter-relações entre fenómenos naturais e humanos evidenciados em trabalhos realizados, formulando conclusões e apresentando-as em descrições escritas e em reportagem fotográfica; C.2. Reflectir criticamente sobre a qualidade de vida dos lugares/regiões.
Doc.3 – Principais competências (gerais e específicas) promovidas através da situação educativa agregadora (de acordo com as Orientações Curriculares do 3º Ciclo).
Além deste conjunto de competências, esta situação educativa agregadora permite igualmente
o desenvolvimento de vários conteúdos geográficos, que passamos a sistematizar (Doc.4):
Tipos de conteúdos Competências Fases do Roteiro
Didáctico Temáticos Procedimentais Atitudinais Gerais Específ.
A/ B/ D
�Expressão verbal Atenção Reflexão Sensibilidade
Cp.1. Cp.2. Cp.3
C/ E
� Distinção entre paisagem urbana e paisagem rural � Estrutura morfológica - Tipos de plantas � Estrutura funcional � Distinção entre modo de vida urbano e rural � Principais problemas urbanos
� Expressão verbal geográfica � Pesquisa, leitura e análise de textos poéticos � Tratamento da informação: classificação de dados � Leitura e análise de artigos de imprensa, gráficos, dados estatísticos e plantas urbanas
Atenção Empenho Curiosidade Reflexão Espírito Crítico Autonomia
Cp.1. Cp.2. Cp.3. Cp.6.
A.1. A.2. A.3. B.1. B.2. B.3. B.4. B.5. B.6. B.7. C.1. C.2.
F
� Paisagem Urbana � Pesquisa, selecção e organização da informação (fotos e imagens)
Autonomia Sensibilidade Empenho
Cp.6. Cp.8. Cp.9.
B.4. B.5. B.7. B.8.
Doc.4 – Principais conteúdos e competências potenciados nas diversas fases da abordagem geodidáctica do poema
O estudo desta unidade didáctica não se esgota na operacionalização da situação educativa
agregadora aqui apresentada. A nossa proposta está estruturada de forma a que seja possível a
escolha dos documentos geográficos a utilizar (C.3.) e a que se desenvolvam ramificações no
roteiro didáctico proposto, com experiências educativas que a enriqueçam. Dadas as suas
características, esta proposta de abordagem também poderá ser utilizada como um estudo de
caso.
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3.2. Exploração geodidáctica do poema “A Canção da Índia”
A Canção da Índia Vinayak Krishna Gokak (1909-1992)13 (Tradução de Cecília Rego Pinheiro) “Com que canção deverei cantar-te, minha Mãe?” Perguntei. “Deverei cantar Os Himalaias com os seus cumes nascidos da neve, Os três mares que banham a palma da tua mão? Deverei cantar A tua aurora clara com os seus raios de ouro puro?” Disse a Mãe imperturbável, calma: “Canta o mendigo e o leproso Que enchem as minhas ruas. Canta a imundice e a sujidade Que enlameiam os meus retiros silvestres.” “Com que canção deverei cantar-te, minha Mãe?” Perguntei. “Deverei cantar Os teus templos talhados na rocha, epopeias em pedra, Os teus filhos que morreram para que pudessem chamar-te sua, Realmente sua? Os videntes e os profetas que abriram a direito o caminho Para o homem que peregrina sozinho?” Disse a Mãe com palavras indignadas Que batem nos meus ouvidos como um gongo, Que voaram em volta de mim, ser deplorável, Como grandiosos pássaros brancos: “Canta os milhões que trabalham. Canta o rosto enrugado Indiciando ignorância. Canta a criança desamparada Nascida numa casa escura e triste.” Nervoso, perguntei ainda, Julgando ser essa a minha tarefa “Com que canção deverei cantar-te, minha Mãe? Com que canção? Deverei cantar a barragem e o lago? As fábricas de aço, o estaleiro de construção naval? Os homens que trabalham duramente Pela tua tecnologia, para que constes das páginas Da Era Atómica?” Disse a Mãe: “Esses podes cantar. Mas canta também as greves, de antes e de agora, Dos homens de ferro que seguem o caminho Da luta de classes e do que lhe é correlato.” Queixoso, disse: “Não haverá canção com que possa cantar-te, De coração livre, puro? Uma canção banhada em azul imaculado Mas que não se evapore no vazio?” Nesse momento a Mãe ergueu-se, drapejada em céu azul. Oceanos de branco leitoso cresceram em volta dela. As suas ondas Foram a luz maravilhosa e exaltante Na qual ela se sentou e escreveu o Livro do Dia Seguinte. A sua fronte abriu-se como o destino da terra Concedendo o deus-sol, anulando toda a dor. Foi o raiar da aurora. Como um pesadelo desapareceu a noite E o raio do sol foi como a Mão que salva.
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- in AAVV (2001) – Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o futuro, Lisboa, Assírio & Alvin, pp.1491-1492
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Este poema, pela sua riqueza, na dualidade das perspectivas e na diversidade de aspectos
focados, e pela abordagem didáctica emocionalmente forte/sugestiva que proporciona, será
particularmente apropriado para o 12.º ano (programa C), de preferência no subtema 4.2.
“Um acesso desigual ao desenvolvimento?”, sendo que propicia:
- relembrar e consolidar a problemática da Globalização (tema introdutório e pano de fundo
do programa);
- recuperar o subtema 2.2 “A emergência de novos centros de poder”, reavaliando o papel da
Índia no contexto internacional;
- excelente estudo de caso (aliás, a Índia é país sugerido no programa).
Poderá, todavia, ser utilizado no 9.º ano – tema “Contrastes de Desenvolvimento” – com
menor problematização e pormenorização.
O confronto com dados estatísticos, imagens fotográficas, descrições várias, será altamente
enriquecedor e proporcionará o desenvolvimento procedimental e atitudinal. Por outro lado, a
riqueza do poema faz dele um bom pretexto enquanto situação educativa agregadora. É nesta
dupla perspectiva que concebemos a proposta que a seguir se apresenta.
Propomos a exploração em três fases distintas mas interligadas (doc.5):
- A fase A, de uma primeira aproximação emocional/sensível, em que se procede à leitura do
poema e ao levantamento das primeiras impressões que o mesmo suscita nos alunos. A
leitura começará por ser silenciosa para depois ser feita em voz alta e de forma expressiva
(pelo professor ou por um aluno que leia convenientemente). Estes dois momentos parecem-
nos importantes, pois enquanto a leitura silenciosa permite uma primeira apreensão
individual, sem interferência de terceiros, a leitura em voz alta constitui não só uma segunda
oportunidade de contacto com o poema mas, principalmente, uma situação de apreensão mais
cabal do mesmo, pela sonoridade e expressividade que a boa leitura proporcionará –
“qualquer poema que não seja dito deixa em silêncio uma boa parte de si mesmo”
(Fronckowisk, A.14).
“Qualquer que seja o objectivo ou o modo de leitura escolar, ela terá de passar
sempre pelo contacto pessoal do aluno com o texto. A leitura silenciosa, feita em
casa – porque não? – mas também na aula e com todo o tempo necessário, é
indispensável por várias ordens de razão (…).Só quando lemos em silêncio é que
estamos a ler para nós, ou seja, a dar ao texto que nos visita toda a atenção que deve
14 - “Como andar sem poesia? – a leitura de poema na educação infantil”, www.unisc.br/cursos/pos_graducacao/mestrado/letras/anais_2coloquio/como_andar_sem_poesia.pdf, consultado em 08/08/2007
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merecer-nos a compreensão e o encontro. Quando lemos em voz alta, é já para
transmitir a outros o resultado desse encontro com o nosso visitante.”
Cabral, Maria Manuela (2002) – Como abordar… o texto poético. Porto, Areal Editores, p. 54
- A fase B constituirá a exploração do poema propriamente dito, o “mergulhar” nos versos,
com base no tratamento prévio do mesmo, ou seja, no caso presente, o poema poderá ser
apresentado com diferenciação por cores do discurso das personagens, com sublinhados, etc.
Poder-se-á, ainda, considerar o poema no seu todo ou somente parte do mesmo;
- Com a fase C pretende-se ultrapassar o poema, no sentido de, partindo dele, confirmar ou
refutar as mensagens nele contidas ou sugeridas, ilustrar (com fotografias, dados estatísticos,
mapas, etc.) a situação retratada, confrontar com outras fontes, alargar o espaço de
referência…Deste modo, encerrar-se-ia o ciclo de exploração do poema, proporcionando
novos/renovados sentidos e sensações.
Fase A – Aproximação emocional/sensível (O poema na sua versão original - neste caso traduzida) 1. Leitura silenciosa 2. Leitura expressiva em voz alta 3. Levantamento das sensações e dos sentidos suscitadas/atribuídos pelo/ao poema Fase B – A exploração do poema (em que este é apresentado com tratamento didáctico, por diferenciação do discurso das personagens, sublinhados, etc.) 4. Releitura silenciosa 5. Identificação (pelos sublinhados) dos aspectos focados por cada personagem 6. Categorização desses aspectos Fase C – Para além do poema 7. Pesquisa de dados (estatísticas, imagens…) que comprovem (ou refutem) e ilustrem o constatado em 5.
e em 6., eventualmente só referentes aos excertos com maior interesse geográfico. 8. Comparação com a situação portuguesa e/ou a de outra realidade espacial.
Doc.5 – Fases da exploração geodidáctica do poema A Canção da Índia
Debruçar-nos-emos, de seguida e de forma mais pormenorizada, sobre as fases B e C,
tentando evidenciar de que modo o poema permite constituir uma situação educativa
A – Aproximação sensível B – Exploração do
poema
C – Para além do poema
A Canção da Índia
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agregadora e como ela, ao concretizar-se, possibilita o desenvolvimento de procedimentos
geográficos e fomenta atitudes.
Uma das possibilidades na fase B é, com base nas apreciações resultantes da fase A.3,
apresentarmos a parte geograficamente mais significativa do poema, com tratamento
didáctico prévio de modo a facilitar a exploração (doc.6). Neste caso, o poema é segmentado
consoante as personagens e pretende-se que os alunos enumerem os aspectos focados por
cada uma, identifiquem a sua carga conotativa e, posteriormente, categorizem/agrupem esses
aspectos consoante as dimensões do Desenvolvimento Humano.
(O Indiano) (A Índia/a pátria)
“Com que canção deverei cantar-te, minha Mãe?” Perguntei. “Deverei cantar Os Himalaias com os seus cumes nascidos da neve, Os três mares que banham a palma da tua mão? Deverei cantar A tua aurora clara com os seus raios de ouro puro?”
Disse a Mãe imperturbável, calma: “Canta o mendigo e o leproso Que enchem as minhas ruas. Canta a imundice e a sujidade Que enlameiam os meus retiros silvestres.”
“Com que canção deverei cantar-te, minha Mãe?” Perguntei. “Deverei cantar Os teus templos talhados na rocha, epopeias em pedra, Os teus filhos que morreram para que pudessem chamar-te sua, Realmente sua? Os videntes e os profetas que abriram a direito o caminho Para o homem que peregrina sozinho?”
Disse a Mãe com palavras indignadas Que batem nos meus ouvidos como um gongo, Que voaram em volta de mim, ser deplorável, Como grandiosos pássaros brancos: “Canta os milhões que trabalham. Canta o rosto enrugado Indiciando ignorância. Canta a criança desamparada Nascida numa casa escura e triste.”
Nervoso, perguntei ainda, Julgando ser essa a minha tarefa “Com que canção deverei cantar-te, minha Mãe? Com que canção? Deverei cantar a barragem e o lago? As fábricas de aço, o estaleiro de construção naval? Os homens que trabalham duramente Pela tua tecnologia, para que constes das páginas Da Era Atómica?”
Disse a Mãe: “Esses podes cantar. Mas canta também as greves, de antes e de agora, Dos homens de ferro que seguem o caminho Da luta de classes e do que lhe é correlato.”
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Doc.6 – Parte do poema a ser explorada nas fases B e C, com respectivo tratamento didáctico, e elenco de aspectos que os alunos deveriam identificar e, posteriormente, agrupar. Centrando-nos nos aspectos que sobressaem nos versos correspondentes ao discurso da
“Índia”, poderemos passar à fase de categorização, por identificação das dimensões do
Desenvolvimento Humano focadas, procurando depois encontrar e explorar indicadores que
viabilizem uma análise geográfica. Deste modo, da listagem arbitrária do documento anterior,
seria desejável que os alunos passem à sua organização numa estrutura esclarecedora (doc.7).
Doc.7 – Possível estrutura das dimensões do desenvolvimento a que os alunos poderiam chegar na sequência da fase B.6. (a sublinhado encontram-se os tópicos do programa C (Tema 4.2) e a laranja os aspectos directamente focados no poema na perspectiva da personagem “Índia”) Identificadas as dimensões a estudar, é tempo de passarmos à fase C, procurando indicadores
e documentos vários em que alicerçar o estudo – o centro nevrálgico passa a ser a análise
geográfica, não refutando a hipótese de se retornar à perspectiva poética.
Dimensões do Desenvolvimento
Emprego
Pobreza/Riqueza Educação
Habitação
Saúde
Alimentação/ Nutrição
Exclusão social
Doença – lepra Falta de higiene (imundice, sujidade…)
Quantitativos Qualificação Problemas laborais (..) Ignorância
Precaridade
Mendicidade
Infância desamparada Luta de classes
Exaltação da Natureza: Himalaias, Neve, Mares, Sol. Exaltação de feitos humanos: Templos, Luta pela Independência, Videntes, Profetas, Migrantes. Barragens, Indústria, Empenho laboral, Tecnologia, Era Atómica.
Problemas sócio-demográficos: Pobreza, Doença, Falta de higiene. População activa numerosa, Trabalhos árduos/penosos (pouco qualificados), Ignorância, Infância difícil, Habitação precária. Greves (antigas e actuais), Luta de classes/desigualdades sociais.
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A título de exemplo, retomemos um conjunto de versos e vejamos os caminhos didácticos
que eles nos podem proporcionar (docs. 8 a 10 - constituem zooms sucessivos sobre a
abordagem didáctica).
“Canta o mendigo e o leproso Que enchem as minhas ruas.
Canta a imundice e a sujidade Que enlameiam os meus retiros silvestres.”
Pobreza Doenças - lepra
Condições de vida – higiene
Doc.8 – Ideias centrais para a exploração deste excerto do poema
“Canta o mendigo e o leproso Que enchem as minhas ruas.
Canta a imundice e a sujidade Que enlameiam os meus retiros silvestres.”
Pobreza Doenças - lepra
Condições de vida - higiene Doc.9 – Esquema estruturante para a concretização das ideias centrais (em itálico figuram os principais conteúdos abrangidos)
Da “neutralidade” dos números à emotividade
das imagens
Entre conceitos e atitudes, passando por
procedimentos e sensações
• O limiar da pobreza – privação dos rendimentos de 1 dólar por dia e de 2 dólares por dia: Índia versus outra realidade (análise estatística)
• Os índices de pobreza humana (IPH1 e IPH2) (conceitos)
• O IPH1 da Índia – situação actual e retrospectiva (análise estatística e tratamento gráfico; sensibilidade, reflexão)
• Introdução: características gerais da doença
• A Índia no contexto dos países mais afectados (análise estatística, gráfica e cartográfica; sensibilidade, reflexão) - prevalência da lepra - taxa de novos casos detectados - evolução da situação indiana - disparidades espaciais na Índia
• Indicadores mais utilizados e valores que assumem na Índia (conceitos e análise de dados)
• Aspectos não traduzidos por indicadores estatísticos (pesquisa e análise de fotografias e outros documentos; empenho, reflexão, espírito crítico, sensibilidade)
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Pobreza (alguns dados de partida): Lepra (um mapa a analisar):
População abaixo do limiar de privação de rendimento: - 1 dólar/dia (1990-2004) …… 34,7% - 2 dólares/dia (1990-2004) … 79,9% Índice de pobreza (IPH1 - 2004) ..... 31,3% - Taxa de analfabetismo de adultos .. 39,0% - População sem acesso a fonte de água melhorada … 14% - Crianças com baixo peso para a idade …… 47% - …
Fonte: PNUD, Relatório Desenvolvimento Humano, 2006
Condições de vida – higiene (dados estatísticos, fotografia e texto complementares):
População sem acesso a fonte de água melhorada … 14% (2004); 30% (1990) População sem acesso sustentável a saneamento melhorado ……… 67% (2004); 86% (1990)
Fonte: PNUD, Relatório
Desenvolvimento Humano, 2006
Fonte:
http://upload.wikipedia.org/wikipedie/
enthumb/c/c5/India.Mumbai.03.jpg
As duas Calcutás
“A nova ponte sobre o rio Hoogli (um braço do Ganges) assemelha-se à Golden Gate de São Francisco, mas ao lado tem latrinas a céu aberto onde as crianças e os cães vadios passeiam pelo meio dos excrementos. A estrada que os táxis percorrem do aeroporto para o centro é um ziguezaguear de ruelas e buracos, e os mercados expõem a fruta e a verdura naquele espaço imundo.”
Rampini, F. (2007) – China e Índia. As duas grandes potências emergentes, Lisboa, Ed. Presença, p. 82.
Doc.10 – Exemplos de documentos a serem pesquisados e analisados na concretização do esquema estruturante anterior
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Enfim, se promovermos um trabalho idêntico para os restantes conjuntos de versos, estamos
a utilizar o poema como situação educativa agregadora e, simultaneamente, proporcionamos
não só o conhecimento, compreensão e discussão de um tema, ancorados numa realidade
espacial, mas também o desenvolvimento de vários procedimentos geográficos e de atitudes
diversas (doc.11).
Tipos de conteúdos Temáticos Procedimentais Atitudinais
Fase A – Aproximação emocional/sensível
Expressão verbal Atenção Reflexão Sensibilidade
Fase B – Exploração do poema
Dimensões do Desenvolvimento
Tratamento da informação: classificação de dados
Espírito crítico Reflexão
Fase C – Para além do poema
Indicadores de Desenvolvimento – A Índia no cenário de desenvolvimento desigual (mundial e interno)
Expressão verbal geográfica Pesquisa, tratamento e interpretação da informação
Curiosidade Empenho Espírito crítico Reflexão
Doc.11 – Principais conteúdos potenciados nas três fases da abordagem geodidáctica do poema
Igualmente, de acordo com tarefas didácticas do tipo das sugeridas e sob o enquadramento
desta situação educativa agregadora, se poderão desenvolver vários dos Objectivos
gerais/Competências estipulados no programa C (doc.12).
• Valorizar as diferenças entre indivíduos e culturas.
• Interessar-se pela conciliação entre o crescimento económico e a qualidade de vida das
populações, associando-os à valorização do património natural e cultural.
• Utilizar correctamente os conceitos geográficos.
• Identificar situações problemáticas relativas às espacialidades e aos territórios.
• Perspectivar a análise da realidade em termos sistémicos.
• Sistematizar dados, dando-lhes coerência e organizando-os em categorias, (…)
• Rentabilizar técnicas de expressão gráfica e cartográfica…
• Utilizar as Tecnologias de Informação e Comunicação…
• Reconhecer a necessidade de mudança de escala de análise na compreensão do espaço geográfico.
Doc.12 – Principais objectivos gerais/competências desenvolvidos através da situação educativa agregadora (a sequência dos objectivos é a constante do programa)
Será pertinente acompanhar ou concluir esta abordagem com a problematização da
actualidade da perspectiva dual do poema, sublinhando os efeitos da globalização, na
economia e na sociedade indianas, e enfatizando o processo de emergência da Índia no
contexto mundial.
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A “abertura” da situação educativa aqui apresentada a outras áreas disciplinares só a
enriqueceria, sublinhando a multiplicidade de perspectivas de apreensão e leitura de uma
mesma realidade, a complementaridade delas e a relatividade de cada uma.
Nota final
Este texto é um mero trabalho prévio de um estudo exploratório sobre as ligações da poesia
com a educação geográfica. Embora já tenhamos utilizado a poesia como recurso didáctico,
fizemo-lo exclusivamente na base de uma certa intuição, o que gerou algum desconforto pelo
desconhecimento de trabalhos do género, de suporte teórico e de exemplificação prática.
Sentimos, pois, necessidade de fundamentar as nossas opções e de partilhar propostas de
aplicação.
Referências Bibliográficas
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painel Multiculturalismo, Globalização, Actualidade, que integrou o XX Encontro de Filosofia, a Filosofia na Era da Globalização, que decorreu no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, nos dias 23 e 24 de Fevereiro de 2006.http://www.apfilosofia.org/documentos/pdf/JMAndreIdentidade(s)_Multiculturalismo.pdf, consultado m 23/08/2007
CABRAL, M.ª Manuela – Como abordar … o texto poético. Porto, Areal Editores, 2002. CALLAI, H. Copetti – “Aprendendo a ler o Mundo: a Geografia nos anos iniciais do ensino
fundamental”, Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n.66, p. 227-247, Maio/Agosto, 2005, http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n66/a06v2566.pdf, consultado em 3/08/2007
CRAVIDÃO, F.; CACHINHO, H. – Ensino da Geografia: novas competências, novos desafios, in página de apresentação do VI Congresso da Geografia Portuguesa, http://www.apgeo.pt/index.php?section=35, consultada em 22/08/2007
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, DEPARTAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – Geografia-Orientações Curriculares, 3º Ciclo, Lisboa, 2002.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, DEPARTAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – Ensino Básico -Competências Gerais e Transversais, Lisboa, 1999.
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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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