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28 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 29SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
#408 / DOMINGO, 24 DE ABRIL DE 2016REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE
Sob fogoCRUZADOEntre manifestações pró e contrao impeachment, crianças tentam
entender a crise na política
Seu presente vale beijo, vale
abraço e 11 vales-compra.Seu presente vale beijo, vale
abraço e 11 vales-compra.Seu presente vale beijo, vale Compre de
18/04 a 07/05e concorra a 11
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14 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 15SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
PEQUENOSCIDADÃOS Alunos da Escola Experimental
mostram desenhos e brincam
com o símbolo do panelaço
Texto CARLA BITTENCOURT carlapb@gmail.comTATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.comFotos LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
Muito visita escolas baianas e propõe queas crianças, tantas vezes incluídas nasdiscussões de adultos, contem suasversões para a crise política brasileira
14 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 15SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
PEQUENOSCIDADÃOS Alunos da Escola Experimental
mostram desenhos e brincam
com o símbolo do panelaço
Texto CARLA BITTENCOURT carlapb@gmail.comTATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.comFotos LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
Muito visita escolas baianas e propõe queas crianças, tantas vezes incluídas nasdiscussões de adultos, contem suasversões para a crise política brasileira
16 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 17SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
Uma coisa é certa. O Brasil
está no fundo do poço”.
Um suspiro um tanto de-
solado precede a frase di-
ta por Leonardo Brito, 10
anos. Ao lado de seis cole-
gas do 5º ano da Escola Experimental, em
Brotas, ele passou uma tarde conversando
com a Muito sobre o momento político tur-
bulento que o país atravessa. Sentados nu-
ma mesa no laboratório de ciências, quase
todos disseram que eram contra o impea-
chmentdeDilma,por faltadeprovas.Oen-
controaconteceuantesdodomingopassa-
do, dia 17 de abril, quando mais de dois
terços da Câmara dos Deputados decidi-
ram encaminhar para o Senado o pedido
de afastamento da presidente.
Léo, por sua vez, não era a favor nem
contra o impedimento. “Não quero que
Dilma continue. Mas também não quero o
impeachment, porque a gente tem coisas
mais urgentes a resolver. Temos que pen-
sar no que é melhor para o país. Primeiro,
a gente tem que baixar a poeira. Como as-
sim baixar a poeira? Os políticos estão sen-
do apressados em tirar a Dilma do poder.
Na minha opinião, isso seria para os polí-
ticos corruptos livrarem-se da história”.
A 13 quilômetros dali, na Escola Muni-
cipal Oito de Maio, em Paripe, o clima era
diverso. Chegamos no meio de uma ativi-
dadeemqueaturmado4ºanoelegiaqual
dos três grupos em que a sala foi dividida
tinha as melhores propostas para a escola.
A votação foi animada, mas não mais do
que o coro que se formou quando passa-
ram das questões locais para as nacionais.
“Fora Dilma! Dilma ladrona! Fora Dilma!”,
gritaram, sem dar muita atenção à profes-
sora, que pedia que sossegassem. Só uma
garota, Arislane Mota, 11, disse ser a favor
da presidente, por falta de provas e por
causa do Minha Casa, Minha Vida.
POLITICÁRIO Crianças de quatro escolas de Salvador, públicas e privadas,deram suas definições para termos e personagens políticos em evidência no Brasil:
PANELAÇO. 1. É uma panela com laço (Deivid, 9). 2. É uma coisa que tem no meu bairrotoda hora. Todo mundo pega a panela e a colher de pau e vai protestar(Lorran, 10). 3. É quando o povo se revolta com a pessoa que está liderando ele.Batem nas panelas para fazer barulho e revelar que não está tudo bem (Letícia, 10).
COXINHA. 1. É uma comida que você faz amassa, bota frango dentro, frita ela e come.Tem também a coxinha da nossa perna.(José Daniel, 9). 2. É uma pessoa que só seimporta com ela mesma, que não está nemaí para os pobres. Eles acham que o partidodeles é o melhor de todos e que tem queter impeachment, mesmo que a presidentenão tenha feito nada de errado. Só porqueo presidente deles não foi eleito (Bernardo,10). 3. Eu não sei, mas já ouvi falar deacarajé. O acarajé foi quando o governadorestava falando com outra pessoa notelefone: “Olhe, mande cinco mil acarajéspara mim”. Acarajé era dinheiro.(Andrey, 11).
As crianças estão seguindo os humores
alterados dos adultos e também se pola-
rizam. No meio de improvisos e contações
de história na aula de teatro, um aluno de
10 anos da Lua Nova, na Pituba, disparou,
ao ouvir um colega falar sobre impeach-
ment: “Dilma, sua vaca!”. Teve risadinha
pelo xingamento, mas a professora Laili
Flórez sabia que a turma não tinha ideia do
que realmente estava sendo dito. “Mostrei
que não era possível falar assim de mulher
nenhuma. Não importava quem, tinha
que ser respeitada”.
PETRALHA. 1. É da Petrobras. É coisa de petróleo, de minério (Mateus, 9).2. Metralhadora de pé. Ou então é alguma pessoa que é corrupta (Isaac,10) 3. Parece metralha, mas não sei o que é. Metralha é uma música e éuma arma (Jobson, 10).
A democracia permite que todos possam se manifestar, por Bernardo Fialho, 10
Naquela semana, Laili sentou para escrever, como se diz no Fa-
cebook, um textão sobre o assunto. Pesou o fato de que, além de
professora, ela é mãe de Caio, 10, seu aluno nessa escola. Sua pos-
tagem questionava: “Temos que ter muito cuidado como estamos
formando nossos filhos: queremos pessoas que destilam palavras
de ódio e intolerância a quem pensa diferente?”. Ela mesma res-
pondeu: “Não devemos deixar as crianças alienadas, mas o que a
gente tem que ensinar é que há pontos de vista diferentes que de-
vem ser respeitados”. O que não dá, na opinião da professora, é
assistir a criança brigando por causa do que pensam seus pais. “Se
está complicado para a gente entender, imagine para eles”.
EDUCAÇÃO CIDADÃA educadora Cleomar Manhas, responsável pelo projeto Crian-
ças e Adolescentes no Parlamento, do Instituto de Estudos Socioe-
conômicos (Inesc), está certa de que política é coisa para criança.
“Elas estão envolvidas com tudo o que está acontecendo e pre-
cisam opinar sobre as políticas públicas que as envolvem”.
Para Cleomar, a escola é um espaço privilegiado onde as crian-
çaspodemadquirir informaçõesdequalidadee“desapaixonadas”
sobre o tema. “Há muitas manifestações equivocadas e interpre-
tações parciais, que estimulam o ódio. A escola deve se contrapor
a isso tratando desses temas de modo transversal, nas aulas de
história,geografiaelínguaportuguesa,porexemplo.Temdeestar
em acordo com a realidade, com o mundo dos vivos”, provoca.
Cleomar defende que essa postura seja mantida durante toda a
educação das crianças, e não só em situações-limite, como a que
estamos vivendo. “A escola precisa repensar seu papel, de fato.
Precisa ter uma visão ampliada e trabalhar com uma educação
pautada para os direitos humanos, a democracia e a cidadania”.
A educadora vai além e sugere que esse movimento se estenda
aos pais, diminuindo as chances de possíveis saias-justas, já que
muitas crianças acabam reproduzindo as opiniões que ouvem em
casa. “A escola tem que ser um lugar democrático, acionando os
espaços de participação, como conselhos e fóruns, com pais e mes-
tres juntos, para mostrar às crianças que existem limites éticos”.
Hátambémumavertentequedefendeainstituiçãomaisformal
nas escolas da chamada “educação política”. Essa é uma das ban-
deiras do Movimento Voto Consciente, do qual Eduardo Seino,
mestre em ciência política, faz parte. Ele acredita que essa apren-
dizagem poderia ajudar as pessoas a compreender melhor tudo
isso que está acontecendo e a “cultivar determinados valores es-
senciais à democracia, como a tolerância, evidentemente em falta
nos dias atuais”. E diz mais: “Muitas vezes, por não entender o seu
EDUARDO CUNHA. 1. É o presidente da Câmara (Marina, 10). 2. Alguém quepensou nele em primeiro lugar (Juliana, 10). 3. Pessoa da atualidade que é amais corrupta do Brasil inteiro. Já deveria estar preso agora. Roubou milhões emilhões de reais e deixou o Brasil em um estado político terrível (Bernardo, 10).
Dilma e Lula, vestido de presidiário, por Jobson Souza, 10
«
LAVA-JATO. 1. Os políticos corruptos desviam dinheiro para empresas que lavamo dinheiro e colocam na conta deles fazendo assim com que a polícia tentepegá-los e descobrir quem está fazendo isso e por quê. Esse ato da polícia échamado de operação Lava Jato (Leonardo, 10). 2. Tem dois grupos, os certos eos errados. Os errados tentam fazer lavagem em vez de trabalhar para fazer ascoisas certas. Mas isso é ruim porque no futuro vão descobrir e isso vai sevoltar contra eles (Juliana, 10). 3. É a operação que investiga a quantidade dedinheiro roubado dos cofres da Petrobras (Raquel, 9).
16 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 17SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
Uma coisa é certa. O Brasil
está no fundo do poço”.
Um suspiro um tanto de-
solado precede a frase di-
ta por Leonardo Brito, 10
anos. Ao lado de seis cole-
gas do 5º ano da Escola Experimental, em
Brotas, ele passou uma tarde conversando
com a Muito sobre o momento político tur-
bulento que o país atravessa. Sentados nu-
ma mesa no laboratório de ciências, quase
todos disseram que eram contra o impea-
chmentdeDilma,por faltadeprovas.Oen-
controaconteceuantesdodomingopassa-
do, dia 17 de abril, quando mais de dois
terços da Câmara dos Deputados decidi-
ram encaminhar para o Senado o pedido
de afastamento da presidente.
Léo, por sua vez, não era a favor nem
contra o impedimento. “Não quero que
Dilma continue. Mas também não quero o
impeachment, porque a gente tem coisas
mais urgentes a resolver. Temos que pen-
sar no que é melhor para o país. Primeiro,
a gente tem que baixar a poeira. Como as-
sim baixar a poeira? Os políticos estão sen-
do apressados em tirar a Dilma do poder.
Na minha opinião, isso seria para os polí-
ticos corruptos livrarem-se da história”.
A 13 quilômetros dali, na Escola Muni-
cipal Oito de Maio, em Paripe, o clima era
diverso. Chegamos no meio de uma ativi-
dadeemqueaturmado4ºanoelegiaqual
dos três grupos em que a sala foi dividida
tinha as melhores propostas para a escola.
A votação foi animada, mas não mais do
que o coro que se formou quando passa-
ram das questões locais para as nacionais.
“Fora Dilma! Dilma ladrona! Fora Dilma!”,
gritaram, sem dar muita atenção à profes-
sora, que pedia que sossegassem. Só uma
garota, Arislane Mota, 11, disse ser a favor
da presidente, por falta de provas e por
causa do Minha Casa, Minha Vida.
POLITICÁRIO Crianças de quatro escolas de Salvador, públicas e privadas,deram suas definições para termos e personagens políticos em evidência no Brasil:
PANELAÇO. 1. É uma panela com laço (Deivid, 9). 2. É uma coisa que tem no meu bairrotoda hora. Todo mundo pega a panela e a colher de pau e vai protestar(Lorran, 10). 3. É quando o povo se revolta com a pessoa que está liderando ele.Batem nas panelas para fazer barulho e revelar que não está tudo bem (Letícia, 10).
COXINHA. 1. É uma comida que você faz amassa, bota frango dentro, frita ela e come.Tem também a coxinha da nossa perna.(José Daniel, 9). 2. É uma pessoa que só seimporta com ela mesma, que não está nemaí para os pobres. Eles acham que o partidodeles é o melhor de todos e que tem queter impeachment, mesmo que a presidentenão tenha feito nada de errado. Só porqueo presidente deles não foi eleito (Bernardo,10). 3. Eu não sei, mas já ouvi falar deacarajé. O acarajé foi quando o governadorestava falando com outra pessoa notelefone: “Olhe, mande cinco mil acarajéspara mim”. Acarajé era dinheiro.(Andrey, 11).
As crianças estão seguindo os humores
alterados dos adultos e também se pola-
rizam. No meio de improvisos e contações
de história na aula de teatro, um aluno de
10 anos da Lua Nova, na Pituba, disparou,
ao ouvir um colega falar sobre impeach-
ment: “Dilma, sua vaca!”. Teve risadinha
pelo xingamento, mas a professora Laili
Flórez sabia que a turma não tinha ideia do
que realmente estava sendo dito. “Mostrei
que não era possível falar assim de mulher
nenhuma. Não importava quem, tinha
que ser respeitada”.
PETRALHA. 1. É da Petrobras. É coisa de petróleo, de minério (Mateus, 9).2. Metralhadora de pé. Ou então é alguma pessoa que é corrupta (Isaac,10) 3. Parece metralha, mas não sei o que é. Metralha é uma música e éuma arma (Jobson, 10).
A democracia permite que todos possam se manifestar, por Bernardo Fialho, 10
Naquela semana, Laili sentou para escrever, como se diz no Fa-
cebook, um textão sobre o assunto. Pesou o fato de que, além de
professora, ela é mãe de Caio, 10, seu aluno nessa escola. Sua pos-
tagem questionava: “Temos que ter muito cuidado como estamos
formando nossos filhos: queremos pessoas que destilam palavras
de ódio e intolerância a quem pensa diferente?”. Ela mesma res-
pondeu: “Não devemos deixar as crianças alienadas, mas o que a
gente tem que ensinar é que há pontos de vista diferentes que de-
vem ser respeitados”. O que não dá, na opinião da professora, é
assistir a criança brigando por causa do que pensam seus pais. “Se
está complicado para a gente entender, imagine para eles”.
EDUCAÇÃO CIDADÃA educadora Cleomar Manhas, responsável pelo projeto Crian-
ças e Adolescentes no Parlamento, do Instituto de Estudos Socioe-
conômicos (Inesc), está certa de que política é coisa para criança.
“Elas estão envolvidas com tudo o que está acontecendo e pre-
cisam opinar sobre as políticas públicas que as envolvem”.
Para Cleomar, a escola é um espaço privilegiado onde as crian-
çaspodemadquirir informaçõesdequalidadee“desapaixonadas”
sobre o tema. “Há muitas manifestações equivocadas e interpre-
tações parciais, que estimulam o ódio. A escola deve se contrapor
a isso tratando desses temas de modo transversal, nas aulas de
história,geografiaelínguaportuguesa,porexemplo.Temdeestar
em acordo com a realidade, com o mundo dos vivos”, provoca.
Cleomar defende que essa postura seja mantida durante toda a
educação das crianças, e não só em situações-limite, como a que
estamos vivendo. “A escola precisa repensar seu papel, de fato.
Precisa ter uma visão ampliada e trabalhar com uma educação
pautada para os direitos humanos, a democracia e a cidadania”.
A educadora vai além e sugere que esse movimento se estenda
aos pais, diminuindo as chances de possíveis saias-justas, já que
muitas crianças acabam reproduzindo as opiniões que ouvem em
casa. “A escola tem que ser um lugar democrático, acionando os
espaços de participação, como conselhos e fóruns, com pais e mes-
tres juntos, para mostrar às crianças que existem limites éticos”.
Hátambémumavertentequedefendeainstituiçãomaisformal
nas escolas da chamada “educação política”. Essa é uma das ban-
deiras do Movimento Voto Consciente, do qual Eduardo Seino,
mestre em ciência política, faz parte. Ele acredita que essa apren-
dizagem poderia ajudar as pessoas a compreender melhor tudo
isso que está acontecendo e a “cultivar determinados valores es-
senciais à democracia, como a tolerância, evidentemente em falta
nos dias atuais”. E diz mais: “Muitas vezes, por não entender o seu
EDUARDO CUNHA. 1. É o presidente da Câmara (Marina, 10). 2. Alguém quepensou nele em primeiro lugar (Juliana, 10). 3. Pessoa da atualidade que é amais corrupta do Brasil inteiro. Já deveria estar preso agora. Roubou milhões emilhões de reais e deixou o Brasil em um estado político terrível (Bernardo, 10).
Dilma e Lula, vestido de presidiário, por Jobson Souza, 10
«
LAVA-JATO. 1. Os políticos corruptos desviam dinheiro para empresas que lavamo dinheiro e colocam na conta deles fazendo assim com que a polícia tentepegá-los e descobrir quem está fazendo isso e por quê. Esse ato da polícia échamado de operação Lava Jato (Leonardo, 10). 2. Tem dois grupos, os certos eos errados. Os errados tentam fazer lavagem em vez de trabalhar para fazer ascoisas certas. Mas isso é ruim porque no futuro vão descobrir e isso vai sevoltar contra eles (Juliana, 10). 3. É a operação que investiga a quantidade dedinheiro roubado dos cofres da Petrobras (Raquel, 9).
18 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 19SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
DELAÇÃO PREMIADA.1. É um prêmio queum político ganhaporque fez algumacoisa boa pelo país(Lorran, 10). 2. É umprêmio que opolítico ganhaquando fez algo deruim, como EduardoCunha. O prêmiopode ser o de maiorroubo (Zeus, 9).
IMPEACHMENT. 1. É quando o presidente pega o dinheiro do povo e usa para oseu lazer, para passear. Aí tem manifestação, protesto, com as pessoas dizendo“queremos Justiça!” (Ícaro, 9). 2. O impeachment é quando o povo brasileiroquer tirar o presidente ou algum político do seu cargo, quando ele cometealgum crime (Marina, 10). 3. É quando um presidente é tirado de seu cargoporque teve um governo tão corrupto, mas tão corrupto, que fez tanto mal aopaís, que é preciso sair (Bernardo, 10).
funcionamento, os cidadãos acabam se afastando da política e,
seguindo a onda de notícias negativas apenas, criam uma relação
de repulsa, pois tendem a associá-la somente à corrupção. É pre-
cisoquebraresseraciocínio,mostrandoqueapolíticaémuitomais
do que isso e está no nosso dia a dia”.
Seino reconhece que há um certo receio com a adoção da “edu-
cação política”, volta e meia associada a doutrinação. Por isso, rei-
tera que sua característica mais importante é ser suprapartidária.
“Comosecomeçaqualquerauladeeducaçãopolítica?Dizendoem
alto e bom tom que ali não é um espaço para defender nenhuma
ideologia ou partido ou personalidade política”.
MANIFESTAÇÃO OU DEBATE?Mas, e se a escola decide tomar partido? Foi o que nos relatou a
mãe de uma aluna do Colégio Módulo Criarte, na Pituba, que pre-
feriu não se identificar. Em março, com a nomeação do ex-presi-
dente Lula para o Ministério da Casa Civil e a divulgação de escutas
telefônicas nas quais ele conversava, entre
outras pessoas, com a presidente Dilma,
manifestantes em diversos estados brasi-
leiros combinaram de ir para as ruas ves-
tidos de preto, em sinal de “luto”.
Um grupo de WhatsApp da escola infor-
mou, na véspera, que professores e funcio-
nários seriam liberados para vestir preto.
Namanhãseguinte,quandochegoucoma
filha de 9 anos à porta do Módulo, a mãe
contou que muitas crianças, que estavam
de farda, quando viram a cena, quiseram
voltar para casa para trocar de roupa, as-
sim como sua filha. “Foi ali que eu vi que a
gente tinha que conversar”.
Apesar de serem de uma família de es-
querda, nem ela nem o marido jamais ten-
Panorama
político do Brasil,
por Sophia
Deway, 10
taram convencer a filha de suas convicções
políticas. Este papel, entretanto, também
não caberia à escola, decidiram. “Eu disse:
‘Nunca vou te pedir para usar uma camisa
vermelha. Você será adulta e tomará suas
decisões. Mas não é a escola que vai de-
terminar que você vista preto’”.
AmãedaalunacontouàMuitoqueche-
gouaagendarumaconversacomadireção
daescola,masacaboudesmarcandoareu-
nião por questões pessoais. A ideia dela
era propor um diálogo em vez da manifes-
tação. “Na minha infância, estava sendo
votada a Assembleia Nacional Constituinte
e minha escola organizou um debate. To-
dos aprendemos com aquilo”, lembra.
A diretora do Módulo Criarte, Teresa
Brasileiro, disse que a escola não fez obje-
ção à manifestação, mas que ninguém foi
obrigado a vestir preto e que o ato não in-
cluiu crianças – esteve restrito a professo-
res e funcionários, embora alguns alunos
tenham aderido. Pela faixa etária dos es-
GOLPE. 1. É quando você tem um namorado e ele mexe na sua bolsa e aí pega seu cartão semvocê saber e usa (Iasmin, 9). 2. É quando a pessoa golpeia o outro, ou o povo, como um roubo dedinheiro. Mas não é certo falar roubo, porque a gente não tem provas do que aconteceu. É otransferimento de dinheiro. Mas xingar Dilma também é um golpe, ou postar vídeosinapropriados. O povo não tem provas porque não tá ali vigiando Dilma (Sophia, 10). 3. Golpe équando antes das eleições os políticos prometem coisas, mas não fazem. Falam só para as pessoasvotarem neles, para conseguirem cargos, dinheiro, emprego, e eles não fazem nada para amelhora do país (Ana Gabriela, 9). 4. É quando alguém promete que vai fazer uma coisa e depoisengana. Dilma prometeu e não fez (Juliana, 10).
tudantes(até10anos),adiretoraconsideraquepolíticanãoéuma
demanda e que, por isso, o tema não é levado para sala de aula.
Seja no cenário macro, de escândalos e investigações, ou no ce-
nário micro, da política do dia a dia. “Apenas quando os alunos
trazem essas questões, nós trabalhamos”.
LÍDERES COMUNITÁRIOSO cenário é outro na Escola Municipal Baha’i, em Nova Brasília
de Itapuã. Por lá, qualquer situação cotidiana tem significado po-
lítico, explica a diretora Marinalva Estrela. Quando o telhado da
escola quebra, o lixo acumula na rua ou quando é preciso fazer
passeata em combate ao mosquito da dengue, pais, professores,
funcionários e alunos se unem e todos participam. “Nessa hora,
não interessa o partido de ninguém. A gente entende que as crian-
ças são mais importantes”, observa a diretora.
O próximo ato político, lembra Marinalva, é uma reunião no dia
30 deste mês, sobre o fardamento dos alunos. Há três anos, calças
e camisas novas não chegam à Baha’í. Resultado: nos mais velhos,
as fardas estão gastas e os mais novos têm que ir para a escola com
a roupa de casa. Os estudantes se envolvem na discussão e a di-
retora se orgulha: “Eles gostam de participar. Em muitos, a gente
já vê um líder comunitário em formação”. A Secretaria Municipal
da Educação informou que as fardas foram distribuídas para as es-
colas da rede em dois lotes no ano passado. Porém não soube pre-
cisar o que houve no caso da Baha’i.
No dia da visita da Muito, duas turmas do 4º e 5º ano da Baha’i
se juntaram às outras escolas que visitamos para construir um “Po-
liticário”, espécie de glossário político com os termos que estão em
Personagens
nacional e local,
por Paola Pinho
de Jesus, 9
18 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 19SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
DELAÇÃO PREMIADA.1. É um prêmio queum político ganhaporque fez algumacoisa boa pelo país(Lorran, 10). 2. É umprêmio que opolítico ganhaquando fez algo deruim, como EduardoCunha. O prêmiopode ser o de maiorroubo (Zeus, 9).
IMPEACHMENT. 1. É quando o presidente pega o dinheiro do povo e usa para oseu lazer, para passear. Aí tem manifestação, protesto, com as pessoas dizendo“queremos Justiça!” (Ícaro, 9). 2. O impeachment é quando o povo brasileiroquer tirar o presidente ou algum político do seu cargo, quando ele cometealgum crime (Marina, 10). 3. É quando um presidente é tirado de seu cargoporque teve um governo tão corrupto, mas tão corrupto, que fez tanto mal aopaís, que é preciso sair (Bernardo, 10).
funcionamento, os cidadãos acabam se afastando da política e,
seguindo a onda de notícias negativas apenas, criam uma relação
de repulsa, pois tendem a associá-la somente à corrupção. É pre-
cisoquebraresseraciocínio,mostrandoqueapolíticaémuitomais
do que isso e está no nosso dia a dia”.
Seino reconhece que há um certo receio com a adoção da “edu-
cação política”, volta e meia associada a doutrinação. Por isso, rei-
tera que sua característica mais importante é ser suprapartidária.
“Comosecomeçaqualquerauladeeducaçãopolítica?Dizendoem
alto e bom tom que ali não é um espaço para defender nenhuma
ideologia ou partido ou personalidade política”.
MANIFESTAÇÃO OU DEBATE?Mas, e se a escola decide tomar partido? Foi o que nos relatou a
mãe de uma aluna do Colégio Módulo Criarte, na Pituba, que pre-
feriu não se identificar. Em março, com a nomeação do ex-presi-
dente Lula para o Ministério da Casa Civil e a divulgação de escutas
telefônicas nas quais ele conversava, entre
outras pessoas, com a presidente Dilma,
manifestantes em diversos estados brasi-
leiros combinaram de ir para as ruas ves-
tidos de preto, em sinal de “luto”.
Um grupo de WhatsApp da escola infor-
mou, na véspera, que professores e funcio-
nários seriam liberados para vestir preto.
Namanhãseguinte,quandochegoucoma
filha de 9 anos à porta do Módulo, a mãe
contou que muitas crianças, que estavam
de farda, quando viram a cena, quiseram
voltar para casa para trocar de roupa, as-
sim como sua filha. “Foi ali que eu vi que a
gente tinha que conversar”.
Apesar de serem de uma família de es-
querda, nem ela nem o marido jamais ten-
Panorama
político do Brasil,
por Sophia
Deway, 10
taram convencer a filha de suas convicções
políticas. Este papel, entretanto, também
não caberia à escola, decidiram. “Eu disse:
‘Nunca vou te pedir para usar uma camisa
vermelha. Você será adulta e tomará suas
decisões. Mas não é a escola que vai de-
terminar que você vista preto’”.
AmãedaalunacontouàMuitoqueche-
gouaagendarumaconversacomadireção
daescola,masacaboudesmarcandoareu-
nião por questões pessoais. A ideia dela
era propor um diálogo em vez da manifes-
tação. “Na minha infância, estava sendo
votada a Assembleia Nacional Constituinte
e minha escola organizou um debate. To-
dos aprendemos com aquilo”, lembra.
A diretora do Módulo Criarte, Teresa
Brasileiro, disse que a escola não fez obje-
ção à manifestação, mas que ninguém foi
obrigado a vestir preto e que o ato não in-
cluiu crianças – esteve restrito a professo-
res e funcionários, embora alguns alunos
tenham aderido. Pela faixa etária dos es-
GOLPE. 1. É quando você tem um namorado e ele mexe na sua bolsa e aí pega seu cartão semvocê saber e usa (Iasmin, 9). 2. É quando a pessoa golpeia o outro, ou o povo, como um roubo dedinheiro. Mas não é certo falar roubo, porque a gente não tem provas do que aconteceu. É otransferimento de dinheiro. Mas xingar Dilma também é um golpe, ou postar vídeosinapropriados. O povo não tem provas porque não tá ali vigiando Dilma (Sophia, 10). 3. Golpe équando antes das eleições os políticos prometem coisas, mas não fazem. Falam só para as pessoasvotarem neles, para conseguirem cargos, dinheiro, emprego, e eles não fazem nada para amelhora do país (Ana Gabriela, 9). 4. É quando alguém promete que vai fazer uma coisa e depoisengana. Dilma prometeu e não fez (Juliana, 10).
tudantes(até10anos),adiretoraconsideraquepolíticanãoéuma
demanda e que, por isso, o tema não é levado para sala de aula.
Seja no cenário macro, de escândalos e investigações, ou no ce-
nário micro, da política do dia a dia. “Apenas quando os alunos
trazem essas questões, nós trabalhamos”.
LÍDERES COMUNITÁRIOSO cenário é outro na Escola Municipal Baha’i, em Nova Brasília
de Itapuã. Por lá, qualquer situação cotidiana tem significado po-
lítico, explica a diretora Marinalva Estrela. Quando o telhado da
escola quebra, o lixo acumula na rua ou quando é preciso fazer
passeata em combate ao mosquito da dengue, pais, professores,
funcionários e alunos se unem e todos participam. “Nessa hora,
não interessa o partido de ninguém. A gente entende que as crian-
ças são mais importantes”, observa a diretora.
O próximo ato político, lembra Marinalva, é uma reunião no dia
30 deste mês, sobre o fardamento dos alunos. Há três anos, calças
e camisas novas não chegam à Baha’í. Resultado: nos mais velhos,
as fardas estão gastas e os mais novos têm que ir para a escola com
a roupa de casa. Os estudantes se envolvem na discussão e a di-
retora se orgulha: “Eles gostam de participar. Em muitos, a gente
já vê um líder comunitário em formação”. A Secretaria Municipal
da Educação informou que as fardas foram distribuídas para as es-
colas da rede em dois lotes no ano passado. Porém não soube pre-
cisar o que houve no caso da Baha’i.
No dia da visita da Muito, duas turmas do 4º e 5º ano da Baha’i
se juntaram às outras escolas que visitamos para construir um “Po-
liticário”, espécie de glossário político com os termos que estão em
Personagens
nacional e local,
por Paola Pinho
de Jesus, 9
20 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 21SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
evidência, a partir de definições e desenhos. Apesar das divididas,
não faltou respeito à opinião do colega e ficaram algumas ques-
tões divertidas, como a de Emily Cristine Vasconcelos, 10. Lápis de
cor na mão, ela precisava saber: “Lula tem bigode?”.
As informações que as turmas da Baha’i compartilharam vi-
nham da própria escola, dos noticiários e de conversas com a fa-
mília. Emanuel Queiroz, 9, resumiu um conselho sobre corrupção:
“Minha mãe sempre fala para eu nunca tentar fazer essas coisas”.
Já Emily ouviu sobre o Brasil: “Meu pai fala que a coisa está feia e
que a gente tem que melhorar a situação do país”. Cauã dos San-
tos, 9, disse o que achava mais importante: “Dinheiro não compra
amor, nem amigo, nem pai e nem mãe”.
INFÂNCIA LIVRENa internet, a participação de crianças nas discussões políticas
aparecesemosfiltrosdaescola.Emmarço,chamouaatençãouma
postagem no Facebook do desenho de um menino: a presi-
dente e o ex-presidente do Brasil apareciam feridos ao lado
das legendas: “Morre Dilma” e “Morre Lula”. A reação do
pai, ao compartilhar a produção escolar do filho, era de co-
memoração: “Meu filho, meu maior orgulho”.
“Os adultos não estão se colocando nesse debate de ma-
neira saudável”, observa a publicitária Marina Sá, uma das
criadoras do Movimento Infância Livre de Consumismo. Cria-
do em 2012 por um grupo de mães da Bahia, o Milc milita na
proteção dos direitos da criança e usa justamente a internet
como espaço para aprofundar o debate.
Para Marina, as crianças estão perigosamente expostas a
discursos desqualificantes. Uma briga de torcidas, ela comple-
ta,naqualpessoasvestemcamisasdecoresdiferenteseseofen-
dem. “Estamos perdendo a chance de falar de cidadania, de in-
cluir as crianças com respeito, mostrando a elas, por exemplo,
que as pequenas corrupções do dia a dia levam às grandes cor-
rupções pelas quais os adultos estão brigando”.
Estaratentoaessasmiudezaséumaformadeospais incluírem
o tema “política”, mas sem expor as crianças, acredita a psicóloga
Josiane Gomes Soares, do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Conanda). Para ela, cabe aos pais não
SÉRGIO MORO. 1. Ele confessou tudo pro Jornal Nacional (José Daniel, 9). 2. Senão me engano, ele é uma das pessoas que ficavam do lado de Dilma e traiuDilma (Isaac, 10). 3. Juiz que mandou fazer uma investigação no Guarujáporque Lula falou que foi o Minha Casa, Minha Vida que deu o triplex para ele.Ele queria prender Lula, mas não conseguiu por causa de Dilma (Andrey, 11).
LULA. 1. Ele pode ser
preso de novo,
desclassificado. Mas
tem que ter provas
(José Daniel, 9). 2.
Lula é o braço direito
de Dilma. E antes
Dilma era o braço
direito de Lula
(Sophia, 10). 3. Foi um
dos heróis
revolucionários que
lutaram contra a
ditadura militar que
existiu até 1985 no
Brasil. Ele foi uma das
pessoas que ajudaram
a acabar com esse
regime, uma das
piores épocas do país.
(Bernardo, 10). 4. O
ex-presidente que fez
mais corrupção pelo
país. Por causa dele,
Dilma fez corrupção
também (Letícia, 10
anos).
DILMA. 1. É a presidente do Brasil. Só que é ladrona (Andressa, 9). 2. Uma pessoa que em vez demelhorar, piorou (Lorran, 10). 3. Estão acusando Dilma de muita coisa e ela pode até ter umadoença. Ela pode ficar preocupada em ir para a cadeia (Mariana, 10). 4. Tem pessoas que dizemque Dilma está fazendo isso, Dilma está fazendo aquilo... Tem até criança dizendo uma coisa dessas,se nem sabe direito o processo da Justiça. A gente é criança e não pode falar essas coisas sem saberdireito (Sophia, 10).
permitir ou incentivar pequenos gestos
cheios de significado, como comprar jogos
piratas, aceitar que os filhos cheguem em
casa com o que não lhes pertence ou fal-
sificar comunicados da escola, por exem-
plo. “Somos uma sociedade que se acos-
tumouapequenascorrupções,comosees-
calonássemos o grau de importância ou
corrupção permitida ou não”.
Um dos principais desafios, acredita a
psicóloga, é estar atento ao excesso de in-
formações às quais as crianças têm acesso.
“Não é negar o cenário atual, bem diferen-
te da época em que os pais de hoje eram
crianças, mas respeitar critérios para in-
cluí-las em espaços de discussão, como as
redes sociais, por exemplo”.
Consentir ou criar contas falsas para os
filhos na internet, burlando a idade dos pe-
quenos para estar ali, pode representar
uma isenção de responsabilidade exata-
mente no momento em que os pais deve-
riam estar mais próximos e não mais afas-
tados, defende a conselheira do Conanda.
Uma isenção que, segundo ela, cobra um
preço alto. “Tenho me deparado todos os
dias na minha prática clínica com crianças
que reinam absolutas em suas casas, onde
pais coniventes estão cada vez mais acua-
dos, sem saber o que fazer”.
NA ESCOLA E EM CASAOs alunos do 5º ano do Colégio Antônio
Vieira, no Garcia, fizeram o Politicário na
saladosprofessores.Todoscriticaramogo-
verno, sendo a maioria a favor e a minoria
contra o impeachment. A existência da cor-
rupção norteou muitas definições, como a
de “delação premiada”. Para Zeus Grimal-
di, 9, delação é “quando o político fez al-
guma coisa ruim, como Eduardo Cunha
faz.Por isso,eleganhouoprêmiodemaior
roubo”. Letícia Viveiros, 10, achou que não
podia haver prêmio para quem faz algo
ruim. “Ganha é quem faz o golpe”.
As frases dos alunos foram melhor explicadas por suas famílias
do que pela escola. A arquiteta Gabriela Viveiros, mãe de Letícia,
conta que a filha, muito curiosa, sempre quer saber de quem e do
que os pais estão falando. Volta e meia, ela pede explicações para
o que os dois tanto assistem na Globo News, único canal de TV que
vive ligado na casa. A mãe prefere tirar as dúvidas, mas não in-
terferir nas interpretações da menina. “Não discutimos muito so-
brepolítica,maselaacabapriorizandoumladohumanistaporcon-
ta da formação que tem na escola”.
Ao definir personagens políticos, os estudantes do Vieira segui-
ram caminhos diferentes. Para Juliana Knap, 10, Dilma “é a pre-
sidente que só foi eleita porque as pessoas acreditavam que ela ia
fazer milagres”. Já para Bernardo Fialho, 10, Dilma “é uma pre-
sidente que batalhou muito na época da ditadura militar”.
Na casa de Bernardo, seu pai, o histo-
riador George Souza, conta que política faz
partedesuaformaçãoe,por isso,ésempre
um tema em casa. Mas, com cuidado, para
que os filhos não entendam mal nem re-
produzam “discursos de ódio meramente
acusatórios” . A educação, para George,
tem dois princípios. “Alertar para o fato de
que o ódio não constrói e que fora da po-
lítica também não se muda nada”.
TantoBernardoquantooirmãomaisve-
lho conversam com os pais e participam de
comícios e outras manifestações desde pe-
quenos. “Assim vão aprendendo a ser cida-
dãos por completo”. Mostrar os fatos e dei-
xar que reflitam sobre o que estão vendo é
como George diferencia educar de defor-
mar. “Apesar do estrago que muitos adul-
tos têm feito, sou esperançoso. Crianças
são inteligentes e capazes de perceber que
não se trata de governos ou governantes,
mas da democracia do país”. «
Os dois lados da
questão política,
por Mariana
Dias, 10
20 SALVADOR DOMINGO 24/4/2016 21SALVADOR DOMINGO 24/4/2016
evidência, a partir de definições e desenhos. Apesar das divididas,
não faltou respeito à opinião do colega e ficaram algumas ques-
tões divertidas, como a de Emily Cristine Vasconcelos, 10. Lápis de
cor na mão, ela precisava saber: “Lula tem bigode?”.
As informações que as turmas da Baha’i compartilharam vi-
nham da própria escola, dos noticiários e de conversas com a fa-
mília. Emanuel Queiroz, 9, resumiu um conselho sobre corrupção:
“Minha mãe sempre fala para eu nunca tentar fazer essas coisas”.
Já Emily ouviu sobre o Brasil: “Meu pai fala que a coisa está feia e
que a gente tem que melhorar a situação do país”. Cauã dos San-
tos, 9, disse o que achava mais importante: “Dinheiro não compra
amor, nem amigo, nem pai e nem mãe”.
INFÂNCIA LIVRENa internet, a participação de crianças nas discussões políticas
aparecesemosfiltrosdaescola.Emmarço,chamouaatençãouma
postagem no Facebook do desenho de um menino: a presi-
dente e o ex-presidente do Brasil apareciam feridos ao lado
das legendas: “Morre Dilma” e “Morre Lula”. A reação do
pai, ao compartilhar a produção escolar do filho, era de co-
memoração: “Meu filho, meu maior orgulho”.
“Os adultos não estão se colocando nesse debate de ma-
neira saudável”, observa a publicitária Marina Sá, uma das
criadoras do Movimento Infância Livre de Consumismo. Cria-
do em 2012 por um grupo de mães da Bahia, o Milc milita na
proteção dos direitos da criança e usa justamente a internet
como espaço para aprofundar o debate.
Para Marina, as crianças estão perigosamente expostas a
discursos desqualificantes. Uma briga de torcidas, ela comple-
ta,naqualpessoasvestemcamisasdecoresdiferenteseseofen-
dem. “Estamos perdendo a chance de falar de cidadania, de in-
cluir as crianças com respeito, mostrando a elas, por exemplo,
que as pequenas corrupções do dia a dia levam às grandes cor-
rupções pelas quais os adultos estão brigando”.
Estaratentoaessasmiudezaséumaformadeospais incluírem
o tema “política”, mas sem expor as crianças, acredita a psicóloga
Josiane Gomes Soares, do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Conanda). Para ela, cabe aos pais não
SÉRGIO MORO. 1. Ele confessou tudo pro Jornal Nacional (José Daniel, 9). 2. Senão me engano, ele é uma das pessoas que ficavam do lado de Dilma e traiuDilma (Isaac, 10). 3. Juiz que mandou fazer uma investigação no Guarujáporque Lula falou que foi o Minha Casa, Minha Vida que deu o triplex para ele.Ele queria prender Lula, mas não conseguiu por causa de Dilma (Andrey, 11).
LULA. 1. Ele pode ser
preso de novo,
desclassificado. Mas
tem que ter provas
(José Daniel, 9). 2.
Lula é o braço direito
de Dilma. E antes
Dilma era o braço
direito de Lula
(Sophia, 10). 3. Foi um
dos heróis
revolucionários que
lutaram contra a
ditadura militar que
existiu até 1985 no
Brasil. Ele foi uma das
pessoas que ajudaram
a acabar com esse
regime, uma das
piores épocas do país.
(Bernardo, 10). 4. O
ex-presidente que fez
mais corrupção pelo
país. Por causa dele,
Dilma fez corrupção
também (Letícia, 10
anos).
DILMA. 1. É a presidente do Brasil. Só que é ladrona (Andressa, 9). 2. Uma pessoa que em vez demelhorar, piorou (Lorran, 10). 3. Estão acusando Dilma de muita coisa e ela pode até ter umadoença. Ela pode ficar preocupada em ir para a cadeia (Mariana, 10). 4. Tem pessoas que dizemque Dilma está fazendo isso, Dilma está fazendo aquilo... Tem até criança dizendo uma coisa dessas,se nem sabe direito o processo da Justiça. A gente é criança e não pode falar essas coisas sem saberdireito (Sophia, 10).
permitir ou incentivar pequenos gestos
cheios de significado, como comprar jogos
piratas, aceitar que os filhos cheguem em
casa com o que não lhes pertence ou fal-
sificar comunicados da escola, por exem-
plo. “Somos uma sociedade que se acos-
tumouapequenascorrupções,comosees-
calonássemos o grau de importância ou
corrupção permitida ou não”.
Um dos principais desafios, acredita a
psicóloga, é estar atento ao excesso de in-
formações às quais as crianças têm acesso.
“Não é negar o cenário atual, bem diferen-
te da época em que os pais de hoje eram
crianças, mas respeitar critérios para in-
cluí-las em espaços de discussão, como as
redes sociais, por exemplo”.
Consentir ou criar contas falsas para os
filhos na internet, burlando a idade dos pe-
quenos para estar ali, pode representar
uma isenção de responsabilidade exata-
mente no momento em que os pais deve-
riam estar mais próximos e não mais afas-
tados, defende a conselheira do Conanda.
Uma isenção que, segundo ela, cobra um
preço alto. “Tenho me deparado todos os
dias na minha prática clínica com crianças
que reinam absolutas em suas casas, onde
pais coniventes estão cada vez mais acua-
dos, sem saber o que fazer”.
NA ESCOLA E EM CASAOs alunos do 5º ano do Colégio Antônio
Vieira, no Garcia, fizeram o Politicário na
saladosprofessores.Todoscriticaramogo-
verno, sendo a maioria a favor e a minoria
contra o impeachment. A existência da cor-
rupção norteou muitas definições, como a
de “delação premiada”. Para Zeus Grimal-
di, 9, delação é “quando o político fez al-
guma coisa ruim, como Eduardo Cunha
faz.Por isso,eleganhouoprêmiodemaior
roubo”. Letícia Viveiros, 10, achou que não
podia haver prêmio para quem faz algo
ruim. “Ganha é quem faz o golpe”.
As frases dos alunos foram melhor explicadas por suas famílias
do que pela escola. A arquiteta Gabriela Viveiros, mãe de Letícia,
conta que a filha, muito curiosa, sempre quer saber de quem e do
que os pais estão falando. Volta e meia, ela pede explicações para
o que os dois tanto assistem na Globo News, único canal de TV que
vive ligado na casa. A mãe prefere tirar as dúvidas, mas não in-
terferir nas interpretações da menina. “Não discutimos muito so-
brepolítica,maselaacabapriorizandoumladohumanistaporcon-
ta da formação que tem na escola”.
Ao definir personagens políticos, os estudantes do Vieira segui-
ram caminhos diferentes. Para Juliana Knap, 10, Dilma “é a pre-
sidente que só foi eleita porque as pessoas acreditavam que ela ia
fazer milagres”. Já para Bernardo Fialho, 10, Dilma “é uma pre-
sidente que batalhou muito na época da ditadura militar”.
Na casa de Bernardo, seu pai, o histo-
riador George Souza, conta que política faz
partedesuaformaçãoe,por isso,ésempre
um tema em casa. Mas, com cuidado, para
que os filhos não entendam mal nem re-
produzam “discursos de ódio meramente
acusatórios” . A educação, para George,
tem dois princípios. “Alertar para o fato de
que o ódio não constrói e que fora da po-
lítica também não se muda nada”.
TantoBernardoquantooirmãomaisve-
lho conversam com os pais e participam de
comícios e outras manifestações desde pe-
quenos. “Assim vão aprendendo a ser cida-
dãos por completo”. Mostrar os fatos e dei-
xar que reflitam sobre o que estão vendo é
como George diferencia educar de defor-
mar. “Apesar do estrago que muitos adul-
tos têm feito, sou esperançoso. Crianças
são inteligentes e capazes de perceber que
não se trata de governos ou governantes,
mas da democracia do país”. «
Os dois lados da
questão política,
por Mariana
Dias, 10
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