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Machado Meyer AdvogadosAv. Faria Lima, 3144, 110, Jd. Paulistano

São Paulo, SP,BR, 01451-000+55 (11) 3150-7000

PARECER

PARA: Kondor Invest

DE: José Virgílio Lopes EneiFernando ColucciRafael VanzellaRafael FernandesJéssica Borges

REF.: Opinião sobre a não configuração do benefício fiscal dos jurossobre capital próprio como hipótese ensejadora de reequilíbrioeconômico-financeiro de concessões e/ou contratos administrativosassemelhados, tendo por objeto a prestação de serviços públicos desaneamento básico, celebrados pela Companhia de Saneamento de MinasGerais.

DATA: São Paulo, 20 de abril de 2017

Temos a satisfação de ser consultados pela Kondor Invest ("Cliente"ou "Kondor"), na qualidade de representante de acionistas minoritários daCompanhia de Saneamento de Minas Gerais ("COPASA"), acerca daconfigurabilidade do benefício fiscal dos juros sobre capital próprio("Benefício Fiscal" ou "JCP") como hipótese ensejadora do reequilíbrioeconômico-financeiro de concessões e/ou contratos administrativosassemelhados ("Contratos"), tendo por objeto a prestação de serviçospúblicos de saneamento básico, celebrados pela COPASA, no contexto dasrevisões tarifárias periódicas dos Contratos.

Para tanto, exaramos a seguinte opinião ("Parecer"), com o objetivode identificar (i) o enquadramento tributário dos JCP e, posteriormente, (ii.a)analisar a aplicação do art. 9°, § 3°, da Lei Federal nO 8.987, de 13 defevereiro de 1995 ("Lei de Concessões"), bem como (ii.b) precedentes emoutros setores regulados em cujo âmbito a mesma matéria foi objeto de1

anterior exame jurídico e legal. Apresentaremos, ao final, nossa conclusão,como resultado daquela análise normativa e também dos precedentesavaliados.

Para os fins deste Parecer, deixamos de analisar individualmente osContratos, tendo, por conseguinte, assumido que eles estão tipificados como(i) concessões de serviços públicos, inteiramente submetidos ao regime daLei de Concessões ou, alternativamente, (ii) contratos de programa, nostermos da Lei Federal nO 11.107, de 6 de abril de 2005 ("Lei de ConsórciosPúblicos"), pela qual esses últimos arranjos estão igualmente disciplinadospela Lei de Concessões (em conformidade com o disposto no art. 13, § 1° daLei de Consórcios Públicos).

Ademais, temos como premissas deste Parecer que:

(i) a Nota Técnica CRFEF 47/2017 ("Nota Técnica"), editada em 3de abril de 2017, pela Agência Reguladora de Serviços deAbastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado deMinas Gerais ("ARSAE"), consiste na última versão dosentendimentos da ARSAE sobre as revisões tarifárias periódicasdos Contratos, as quais têm por efeito, na perspectiva jurídica eregulatória, um reequilíbrio, de tempos em tempos, da equaçãoeconômico-financeira dos Contratos (sobretudo emconformidade com o art. 8°, da Lei Estadual n° 18.308, de 3 deagosto de 2009 - "Lei Estadual de Saneamento"); e

(ii) em atenção ao item 3.2 da Nota Técnica, a ARSAE, ao (a) adotarcomo metodologia de cálculo do custo de capital da COPASA oassim denominado WACCantes dos impostos, ao (b) incorporaros JCP na chamada Equação 4 e igualá-los a zero e (c) aodeterminar que a opção da COPASA pelo pagamento dos JCPimplicará a devolução aos usuários da "diferença entre aremuneração definida na Revisão (considerando jcp% = O) e aresultante da aplicação do WACCcalculado com o percentual deJCP pago no exercício anterior", tudo por meio da redução detarifas nos reajustes anuais, está, na prática, reequilibrando aequação' econômico-financeira dos Contratos para menos emrazão do Benefício FiscaI.

Sem prejuízo das premissas acima, este Parecer está organizado em 4(quatro) seções, a saber: (1) Enquadramento tributário dos JCP; (2)Alocação do risco tributário nos Contratos; (3) Precedentes; e (4) Conclusão.

Passamos à nossa opinião, nos termos que seguem:

2

.:

.-J

1. Enquadramento tributário dos JCP

Os JCP, instituídos pela Lei nO 9.249, de 26 de dezembro de 1995 ("LeinO 9.249/1995") consistem em forma de remuneração, calculada com baseno capital próprio da companhia, paga a seus sócios ou acionistas.

Conforme o entendimento da doutrina", tal remuneração, inclusive porser calculada com base em contas do patrimônio líquido da companhia, teriacomo principal fundamento para sua instituição a revogação da correçãomonetária das demonstrações ftnanceíres-, realizada pelo própria Lei nO9.249/1995.

Outra justificativa para sua lnstítulção- consiste na ideia de os JCPserem uma solução para enfrentar a prática da subcapitalização (thincapitalization). Considerando países nos quais a distribuição de dividendos étributada, tal mecanismo teria como escopo evitar que acionistas dedeterminada companhia efetuem empréstimos com pagamento de juros(estes dedutíveis para a companhia, diferentemente dos dividendos) ao invésdo aporte de investimento no capital social da companhia.

Nesse sentido, o artigo 9° da Lei nO 9.249/1995 instituiu apossibilidade de as pessoas jurídicas deduzirem, para fins de apuração dolucro real, os valores pagos aos seus sócios e acionistas a título de JCP,conforme segue:

"Art. 9° A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos daapuração do lucro real, os juros pagos ou creditadosindividualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título deremuneração do capital próprio, calculados sobre as contas dopatrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxade Juros de Longo Prazo - TJLP.

§ 1° O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionadoà existência de lucros, computados antes da dedução dos juros,ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igualou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou

1 "Afigura dos juros sobre capital próprio encontra-se prevista no art. 9º da Lei nº 9.249/95, e foi concebido como um estímulo fiscal que veiaatenuar os efeitos da extinção da correção manetória das demonstrações financeiras, afetando de maneira particular as empresas que seencontravam capitalizadas." MARTINS, Ives Gandra da Silva.Afigura das juros sobre capital próprio e as contribuições sociais do PIS e da Cofins.Revista Dialética de Direito Tributário nQ 169. São Paulo: Dialética, 2009. p. 73.

2 Nos termos do item (5) da Exposição de Motivos da Lei nQ 9.249/1995:Os elevados índices de inflação exigiram a criação de poderosos instrumentos de indexação que, com o Plano Real e o estabilização do economia,estão sendo gradualmente eliminados.

3 "Assim, em situações em que tanto os juras quanto os dividendos pagos aos sócios são tributados, é mais vantajoso para os sócios capitalizarsuas empresas por meio de empréstimos do que por aportes de capital, uma vez que o pagamento de juros, diferentemente dos dividendos, édespesas dedutível da sociedade." SCHOUERI,Luís Eduardo. Juros sobre capital próprio: natureza jurídica e forma de apuração diante do 'novacontabilidade'. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga, LOPES, Alexsandro Broedel. Controvérsias jurídico-contábeis: (aproximações edistanciamentos). São Paulo: Dialética, 2012. p. 169-193.

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creditados. 1/

Nos termos do referido dispositivo, é possível observar que a leitributária impõe limites para o cálculo do montante de JCP passível dedistribuição e o respectivo valor dedutível, quais sejam:

• O valor pago a título de JCP deve ser determinado com base navariação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo ("TJLP"),aplicada" sobre as contas do patrimônio liqutdo'': e

• Os lucros do exercício ou lucros acumulados e reservas de lucros(dentre os dois valores, o que for maior) devem ter montanteigualou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos.

Após a edição da Lei nO 9.249/95, foi editada a Instrução Normativada Receita Federal do Brasil ("RFB") nO 11/1996, a qual também prevê emseu art. 295 que o montante pago ou creditado a título de JCP poderá serdeduzido da apuração do lucro real, indicando, entretanto, a necessidade deobservância do regime de competência.

Em vista do exposto acima, é possível concluir que os JCP pagos aacionistas e sócios, desde que em conformidade com os limites legalmenteestabelecidos, são dedutíveis para fins fiscais, reduzindo diretamente a basede cálculo de tributos incidentes sobre a renda, tais como do Imposto deRenda da Pessoa Jurídica ("IRPJ") e da Contribuição Social do Lucro Líquido("CSLL").

É importante salientar que a base de cálculo do IRPJ, apurado sob a

4 As contas a serem utilizadas como base para o cálculo do JCP são capital social, reservasde capital, reservas de lucros, lucros acumulados, reservas de incentivo fiscal, sendoexcluídas apenas aquelas expressamente identificadas pela regulamentação aplicável (i.e.,reserva de reavaliação de bens e direitos, reserva especial de que trata o artigo 428 doRegulamento do Imposto de Renda - "RIR/99", reserva de reavaliação capitalizada nostermos dos artigos 384 e 385 do RIRj1999, em relação às parcelas não realizadas e valoresrelativos a ajustes de avaliação patrimonial.

5 Art. 29. Para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderãoser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ouacionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas dopatrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo _TJLP.(...).§ 3° O valor dos juros pagos ou creditados, ainda que capitalizados, não poderá exceder,para efeitos de dedutibilidade como despesa financeira, a cinquenta por cento de um dosseguintes valores:a) do lucro líquido correspondente ao período-base do pagamento ou crédito dosjuros, antesda provisão para o imposto de renda e da dedução dos referidos juros; oub) dos saldos de lucros a_cumuladosde períodos anteriores. (. ..)

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sistemática do lucro real, é composta pelo lucro líquido do período deapuração ajustado por adições, exclusões ou compensações previstas em lei,nos termos do art. 247 do RIR/996 e seguintes. O lucro líquido, conforme oart. 248 do RIR/997

, é composto pela soma algébrica do lucro operacional,dos resultados não operacionais e das participações detidas pela companhia.

A base de cálculo da CSLL, por sua vez, é composta pelo resultado doexercício, antes da provisão para o imposto de renda, também ajustado poradições e exclusões legalmente previstas, nos termos do art. 20 da Lei nO7.689/888.

A título exemplificativo, confira-se abaixo exemplo numencosimplificado indicando o impacto direto da distribuição de JCP na apuraçãodo IRPJ e da CSLL devidos por uma empresa concessionária de serviços detratamento de água e esgoto:

6 Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições,exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Decreto.§ 1° A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cadaperíodo de apuração com observância das disposições das leis comerciais. (... )

7 Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro operacional(Capítulo V), dos resultados não operacionais (Capítulo VII), e das participações, e deveráser determinado com observêncie dos preceitos da lei comercial.

8 Art. 2° A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes daprovisão para o imposto de renda.§ 1° Para efeito do disposto neste artigo:a) será considerado o resultado do período-base encerrado em 31 de dezembro de cadaano;b) no caso de incorporação, fusão, cisão ou encerramento de atividades, a base de cálculoé o resultado apurado no respectivo balanço;c) o resultado do período-base, apurado com observância da legislação comercial, seráajustado pela:1 - adição do resultado negativo da avaliação de investimentos pelo valor de patrimôniolíquido;2 - adição do valor de reserva de reavaliação, baixada durante o período-base, cujacontrapartida não tenha sido computada no resultado do período-base;3 - adição do valor das provisões não dedutíveis da determinação do lucro real, exceto aprovisão para o Imposto de Renda;4 - exclusão do resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor de patrimôniolíquido; _5 - exclusão dos lucros e dividendos derivados de participações societárias em pessoasjurídicas domiciliadas no Brasil que tenham sido computados como receita;6 - exclusão do valor, corrigido monetariamente, das provisões adicionadas na forma doitem 3, que tenham sido baixadas no curso de período-base. (. ..)

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Tabela Comparativa - Pagamento de lCPCenário 1

SemPagamento

Cenário 2Com

PagamentoCálculo lCP

....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... __ .TJLP Anual

Lucros Acumulados R$5.000.000,00

............................................................................................................................................................................................................... - .

uido7,5%

R$20.000.000,00I Social R$15.000.000,00

Limite de Dedutibilidade................................................

JCPR$3.500.000,00R$1.500.000,00

Resultado.................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. _ .

~~~~i=~~ ~~=??~?~??~?~_R$10. 000.000,00~~~E~~~~'?~9~~í.y~i~ ~~?:gg9.:ggg~gg ~~?:9g0.000,00Lucr? ~.~.~..I = ~.~ ..~ ~s:~=- ~~?:ggg ..:.g9.q.~.gg ~l?:999_~..9.9.9.~9OLucro Real - com JCPTributos

................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ __ ._ .

J~~?~~ __.. ~~~:?~g:_9.00,00 R$1.375.000,00CSLLll R$630.000,00 R$495.000,00............................................................. - _ _Total R$2.380.000,00 R$1.870.000,00Áliq:~ot~E(~ti~

...................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... _ .R$5.500.000,00

Pelo exposto acima, a legislação tributária não deixa dúvidas de que oJCP, na sua disciplina atualmente vigente no país, consiste em um nítidobenefício fiscal dos impostos sobre a renda, além da CSLL, uma vez quediminuem o valor a ser oferecido à tributação pelo IRPJ.

9 Para fins de simplificação, assume-se que a base de cálculo da CSLL é idêntica ao lucroreal. Na prática, no entanto, pode haver pequenas variações em razão da legislaçãoespecífica que rege essa contribuição, o que de forma alguma tem o condão de modificarsua natureza de tributo incidente sobre o lucro.10 Nos termos do art. 3° da Lei nO 9.249/95, a alíquota do IRPJ é de 15%. Entretanto, aparcela do lucro real que excede o valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 pelonúmero de meses do respectivo período de apuração, está sujeita à incidência de adicionalde imposto de renda à alíquota de 10%. Para fins do presente exemplo numérico, estamosconsiderando diretamente a aplicação da alíquota de 25% sobre o lucro real indicado.11 A alíquota da CSLL, nos termos do art. 30 da Lei nO 7.689/88, é de 9%, ressalvada aaplicação de alíquotas diferenciadas - 17% ou 20% para determinadas instituiçõesfinanceiras.

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2. Alocação do risco tributário nos Contratos

Os Contratos, enquanto concessões de serviços públicos ou arranjossubmetidos ao mesmo regramento desses últimos - a saber, precipuamentea Lei de Concessões - contêm, implícita ou explicitamente, uma alocação deriscos entre as suas partes-e, isto é, entre os Poderes Concedentes (comoregra, municipais) e a COPASA, na posição de concessionária. Os riscos são,nessa perspectiva, eventos que afetam direta ou indiretamente a equaçãoeconômico-financeirà originalmente definida na formação dos Contratos e,conforme sua alocação, ensejam ou não o reequilíbrio daquela mesmaequação, por diversos meios, entre eles a revisão tarifária.

Em outras palavras, não é qualquer risco que, quando materializado,acarreta reequilíbrio econômico-financeiro, seja por meio de revisão tarifáriaou qualquer outro (por exemplo, prorrogação de prazo ou revisão dosinvestimentos), dos Contratos. Para o reequilíbrio ter lugar, juridicamente, énecessário que o risco tenha sido contratualmente alocado à contraparte donegócio jurídico. Exemplificativamente, quando um determinado risco estiveralocado à concessionária, sua materialização não lhe trará direito àrecomposição, ainda que extremamente gravosas as consequências sobre aequação econômico-financeira original dos Contratos (ressalvadas ashipóteses de álea extraordinária). Poderá aquela materialização, entretanto,acarretar reequilíbrio econômico-financeiro quando, mantida a premissa daalocação à concessionária do mesmo risco em questão, ela na verdadeagravar a equação contratual para o Poder Concedente, de modo que oreequilíbrio será, nesse caso, a favor deste último.

Assim, quando a concessionária é responsável por um risco, ela deverásuportá-lo, para o bem e para o mal. A depender do que aconteça, o eventoensejador do desequilíbrio poderá ocorrer ora em seu benefício (quando sediminuem os encargos ou incrementa-se a remuneração em razão doevento), ora em seu desfavor (quando se incrementam encargos ou diminuia remuneração em razão do evento). Não há que se falar em revisão tarifárianessas hipóteses, porquanto o risco é assumido pela concessionária, quearcará com as suas consequências.

No modelo da Lei de Concessões, a maior parte dos riscos inerentes àprestação do serviço público está alocada, por princípio, à concessionária(art. 2°). Nada obstante, a mesma lei conhece exceções e, por vezes, contémoutras disposições que confirmam a regra geral. Isso acontece precisamentecom o risco tributário inerente às concessões, cuja alocação está definidano art. 90, § 30, a saber:

"Art. 9° A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo

12 MOREIRA, Egon Bockman. Direito das concessões de serviço público, São Paulo: Malheiros,2010, p. 128.

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.'

preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelasregras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.

§3° Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação,alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargoslegais, após a apresentação da proposta, quando comprovadoseu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais oupara menos, conforme o caso".

Nota-se claramente que o art. go, 30 da Lei de Concessões atribuiu aoPoder Concedente o risco da criação, alteração ou extinção de quaisquertributos ou encargos legais, excluindo-se os impostos sobre a renda, isto é,no que toca a esses ,últimos, a mesma lei alocou à concessionária o risco desua criação, alteração ou extinção. Em outras palavras, o dispositivo ressalvaos impostos sobre a renda da regra geral da responsabilidade pelo riscotributário atribuída ao Poder Concedente, alocando à concessionária o riscode variação desses tributos.

Quando a Lei de Concessões refere-se a "alteração" de tributos, deve-se incluir, na construção do sentido normativo da regra legal, a possibilidadede mudanças nas a'líquotas e nas bases de cálculo, bem como eventuaistributos temporários, cuja arrecadação é associada a determinadospropósitos específicos. Tais alterações fiscais (exceto as referentes aosimpostos sobre a renda) podem impactar os itens de custo inerentes àprestação do serviço público pela concessionária e, por isso, dar azo a pleitode reequilíbrio econômico-financeiro dos Contratos, uma vez comprovadoseu impacto significativo e direto sobre as receitas ou sobre as despesas paracom as atividades pertinentes aos serviços públicos delegados mediante aconcessão.

Todavia, vale destacar que, nessa situação, o processo contráriotambém pode ocorrer, ou seja, caso haja redução de alíquota ou base decálculo de alguns tributos incidentes diretamente sobre a receita ou custosdos serviços prestados pela concessionária, tais benefícios poderão acarretaruma redução proporcional das tarifas cobradas. Em outras palavras, oreequilíbrio econômico-financeiro dos Contratos ocorreria, nesse caso, emfavor do Poder Concedente.

Nada obstante, as consequências jurídicas que a Lei de Concessõespreviu para as alterações que impliquem redução ou aumento no montantecobrado a título de tributos sobre a renda dão-se exatamente ao inverso.

Com efeito, em se tratando de risco atribuído, por força de lei, àconcessionária, os impactos decorrentes da criação, alteração ou extinçãodos tributos sobre a renda são absorvidos por ela, concessionária, quemarcará com qualquer consequência econômica que se configure, seja ela

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positiva ou negativa. Destarte, a criação, alteração ou extinção de tributossobre a renda não poderá, em qualquer hipótese, ensejar a recomposição doreequilíbrio econômico-financeiro, que, no caso particular dos Contratos,realizar-se-ia por meio de revisão tarifária.

A razão jurídica dessa alocação do risco tributário, adotada nessestermos pela Lei de Concessões, é explicada por Marçal Justen Filho nosseguintes termos:

"A forma prática de avaliar se a modificação da carga tributáriapropicia _desequilíbrio da equação econômico-financeira resideem investigar a etapa do processo econômico sobre o qual recaia incidência. Ou seja, a materialidade da hipótese de incidênciatributária consiste em certo fato signo-presuntivo de riqueza.Cabe examinar a situação desse fato-signo presuntivo noprocesso econômico. Haverá quebra da equacão econômico-financeira quando o tributo (instituído ou majorado)recair sobre a atividade desenvolvida pelo particular ouDor terceiro necessária à execucão do objeto dacontratacão. Mais precisamente, cabe investigar se a incidênciatributária configura-se como um "custo" para o particularexecutar sua presteçõo'">.

Assim, é necessário um vínculo direto entre a majoração ou diminuiçãotributária e a prestação do serviço. Na medida em que os tributos sobre arenda incidem sobre o resultado de todo um conjunto das atividadesempresariais, consideradas globalmente, não haverá relação direta decausalidade, entre, de um lado, a alteração dos tributos sobre a renda e, deoutro lado, o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro da equaçãocontratual.

Como demonstrado na Seção 1 deste Parecer, os JCP acarretamverdadeira redução _na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, tributos queevidentemente se enquadram na exceção legal do §30 do art. 90 da Lei deConcessões. Isto posto, a adoção dos JCP pela COPASA insere-se no riscotributário atinente a tributos sobre a renda que, como dissemos, porexpressa determinação legal, está alocado à concessionária.

A outra conclusão não se pode chegar, senão a de que eventualredução de encargo que a adoção pelos JCP vier a representar, por configurarrisco alocado à COPASA, não ensejará o reequilíbrio da equação econômico-financeira dos Contratos. Assim, não é lícito considerar tal efeito da escolhada COPASA pelos JCP no cálculo da revisão tarifária, como aventado na Nota

13 FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. EditoraDialética. São Paulo: SP .1Sa Edição, p. 898.

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Técnica.

Outrossim, destaque-se que os tributos sobre a renda consistem emencargos que sequer possuem qualquer incidência direta sobre as atividadesobjeto dos Contratos celebrados pela COPASA, não havendo nenhum sentidoem incorporar sua diminuição ou majoração, conforme haja respectivamenteopção ou não pelos JCP, a procedimento de revisão tarifária.

Com efeito, tivesse havido uma alteração que onerasse a incidênciados tributos sobre a renda da COPASA, a ARSAE não estaria almejando oincremento tarifário a título de reequilíbrio.

Conclui-se, por fim, que a opção pelos JCP não interfere na relaçãoentre encargos contratuais e remuneração contratual, não tendo, portanto,o condão de suscitar a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dosContratos. Tendo em vista a ausência de relação direta entre o acréscimopatrimonial sobre o qual incide o IRPJ e a CSLL (e a sua redução em razãoda opção pelos JCP) e os serviços prestados pela COPASA, e tendo em contaque não se configura alteração da proporcionalidade entre os encargosdevidos pela COPASA por força dos Contratos e as contrapartidas a que aCOPASA faz jus em decorrência dos Contratos, não se verificam ospressupostos para, com base nesses critérios, ocorrer o reequilíbrioeconômico-financeiro dos Contratos, mediante revisão tarifária ou qualqueroutro procedimento que o tenha por efeito.

3. Precedentes

A discussão sobre a opção pelos JCP como hipótese ensejadora doreequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos não é nova,e os precedentes que a analisaram e julgaram, convergem no sentido denegar tal reequilíbrio quanto se verifica, por si só, aquela opção.

Assim, no Recurso Extraordinário 976.836/RS, o Superior Tribunal deJustiça ("STJ") determinou que os tributos não incidentes diretamente nasatividades de prestação de serviços abrangidas pelos contratos deconcessão, tais como o IRPJ, não devem ser considerados nos procedimentosde revisão tarifária. Em razão disso, segundo o Tribunal, haverá odesequilíbrio na equação econômico-financeira somente quando o tributorecair sobre atividade, desenvolvida pelo particular ou por terceiro,necessária à execução do objeto, conforme o art. 65, §5°, da Lei 8.666/93 eo art. 9°, §3°, da Lei 8.987/1995:

"(g) O art. 65, § 5°, da Lei nO 8.666, determina que"Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alteradosou extintos, bem como a superveniência de disposiçõeslegais, quando ocorridas após a data da apresentação da

10

"

proposta, de comprovada repercussão nos preçoscontratados, implicarão a revisão destes para mais oupara menos, conforme o caso".

Oeterminação similar consta do art. 90, § 30, da Lei nO8.987, que prevê: "Ressalvados os impostos sobre arenda, a criação, alteração ou extinção de quaisquertributos ou encargos legais, após a apresentação daproposta, quando comprovado seu impacto, implicará arevisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme ocaso". A regra está consagrada inclusive na Lei Geral deTelecomunicações. O art. 108, § 40, da Lei nO 9.472explicitamente determinou que: liA oneração causada pornovas regras sobre os serviços, pela álea econômicaextraordinária, bem como pelo aumento dos encargoslegais ou tributos, salvo o imposto sobre a renda,implicará a revisão do contrato", As regras acimareferidas são decorrência da intangibilidade daequacão econômico-financeira da outorga epressupõem Que a tarifa contempla umaremuneracão pelos tributos incidentes sobre aatividade necessária à prestacão do servico. É que,se assim não o fosse, a variacão da carga tributárianão teria qualquer reflexo sobre a tarifa, por issoque pressupõe que a tarifa, fixada no momentoinicial, abrange uma remuneração proporcional àcarga tributária então existente e é justamente porisso, que a variação superveniente dessa cargatributária deve ser refletida no valor da tarifa.Consequentemente, para a manutenção da relaçãooriginal entre a remuneração tarifária e a carga tributáriaincidente sobre a atividade necessária à prestação doserviço outorgado, a variação da tarifa deve sercompatível e correspondente com a variação da cargatributária.(g.l) A contraprestação também confere legitimidade aesse entendimento com a outorga de mecanismo paraevitar a diminuição da receita do concessionário.(h) A garantia da variação da tarifa em vista daalteração da carga tributária somente alcança ostributos e exações relacionados com a prestação doserviço e a sua remuneração". (REsp 976. 836jRS,LUIZ FUX, STJ PRIMEIRA SEÇÃO, DJEDATA:05jl0j2010) (Grifamos)

Neste mesmo sentido, o Tribunal de Contas da União ("TCU"), no

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julgamento do TC 036.076/2011-2, reforçou o entendimento do STJ,sustentando que a hipótese de incidência do IRPJ fundamentado na noçãode acréscimo patrimonial não possui relação direta com as atividades deprestação de serviços. Assim, elas não constituem despesas necessárias àexecução da atividade desenvolvida pelo particular, pelo contrário, decorremde eventual lucratividade:

"Como visto, o STJ definiu com clareza que a alteração dacarga tributária dos tributos incidentes sobre a renda oulucro não ensejaria a aplicação da cláusula do reequilíbrioeconômico-financeiro dos contratos administrativos, pornão produzir qualquer efeito sobre os custos da prestaçãode serviços em virtude da ausência de relação direta comas atividades necessárias à prestação de serviço emvirtude da ausência de relação direta com as atividadesnecessárias à prestação de serviços. Para evitar quedesses tributos sejam invocadas, desde o início da relaçãocontratual esses tributos não devem estar incluídos nacomposição de custos dos contratos, com fundamento noart. 65, § 5°, da Lei 8.666/96 e art. 9°, § 3°, da Lei8.987/1995".

Portanto, extrai-se dos entendimentos supra mencionados que auferirrendas e proventos, critério material do IRPJ, não constituem despesasessenciais ao exercício das atividades de prestação de serviço. Por não setratar de elemento necessário ao desenvolvimento da atividade peloparticular, resta evidente que a opção pelos JCP não acarreta o rompimentodo equilíbrio econômico-financeiro de concessões e contratosadministrativos, razão pela qual não deve haver revisão tarifária comoconsequência desta opção.

Adicionalmente, na decisão no MS 1640-38.2012.4.01.3400, exaradapelo juízo federal da 70 Vara do Tribunal Regional Federal da 10 Região doDistrito Federal ("Mandado de Segurança"), assentou-se que, emconsideração ao princípio da segurança jurídica, os benefícios e incentivosfiscais concedidos à concessionária decorrentes da MP 2.199-14/1 (inclusivea redução de 75% do IRPJ) não poderiam ser suprimidas, por meio de suaabsorção nas tarifas a serem pagas pelo consumidor, reduzindo a taxa deremuneração das concessionárias de energia elétrica assim. Sublinhe-se quea alteração da estrutura inicial de custos estipulada no contrato de concessãoseria, em verdade, o fator determinante da impossibilidade de revisãotarifária.

Com efeito, transcreve-se trecho da decisão supracitada:

"Não se pode olvidar, outrossim, que além do direito

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adquirido, está a reger a situação em apreço o princípio dasegurança jurídica. Deu-se às empresas a garantia dobenefício fiscal após os investimentos, de modo quea superveniente modificacão da composição dospreços é fator gerador de instabilidade nãoprevisível e não autorizada por Lei rart. 90, §30 daLei 8.987/95) r... ) as empresas certamente nãobusçariam efetivar a contrapartida çaso advertidasque o preço das tarifas seria reduzido na mesmaproporção, ou seja, qual o estímulo teriam se a vantagemseria futuramente distribuída a terceiros (.. .) a proibiçãoprevista no art. 9°, §3° da Lei 8.987/95, considerando quea revisão para menor deu-se sem alteração da estruturainicial dos custos e para o fato de que os valores nãorecolhidos têm destinação certa e definida pela Lei, nãoservindo para aumentar os lucros ou dividendos a seremlivremente distribuídos (deve ficar a conta de reserva decapital para ser utilizado para absorção de prejutzos eaumento do capital socia!). Esse é um argumentodecisivo ".

Esta orientação foi reforçada pelo Supremo Tribunal Federal ("STF")que negou seguimento ao pedido de Suspensão de Segurança (SS 4633MC/DF) promovido pela ANEEL contra a sentença proferida nos autos doMandado de Segurança, sustentando, em síntese, que a expectativa fiscaldas empresas assistidas por benefícios fiscais, condicionadas à realização deinvestimentos em infraestrutura, configurou parte essencial da motivaçãopara o desenvolvimento dos empreendimentos.

Posto isto, seria inadequado distribuir tais benefícios a terceiros,retirando-o das esferas de fruição dos concessionários.

4. Conclusão

Consideradas as premissas acima, somos da opinião de que a NotaTécnica, no que respeita à determinação pelo reequilíbrio econômico-financeiro dos Contratos, mediante revisão tarifária, em razão da opção daCOPASA pelos JCP, encontra-se em contrariedade com o disposto no art. go,§ 3° da Lei de Concessões.

A fim de assegurar a conformidade das metodologias aplicáveis àsrevisões tarifárias periódicas dos Contratos, bem como de promover asegurança jurídica dos investimentos no setor de saneamento básico,recomenda-se que, nesse particular, a mesma Nota Técnica sejareformulada, a fim de refletir a inalterabilidade das tarifas, no âmbito dosContratos, em decorrência da opção pelos JCP pela COPASA, bem como o

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conceito pelo qual o Benefício Fiscal deve ser aproveitado inteira eexclusivamente pela COPASA e/ou seus respectivos acionistas.

Lsé Virgílio L pes Enei

OAB/SP 146.430

.~--Rafael Vanzella

OAB/SP 224.462~&:ges

OAB/SP 357.629

Rafael Ferna ndesOAB/SP 374.214

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Esta opinião é endereçada apenas à Kondor Invest. Sem o nosso consentimento por escrito,esta opinião não pode ser invocada por qualquer outra pessoa.A presente opinião reflete a nossa firme convicção, de uma perspectiva jurídica, sobre oassunto tratado, aqui e nesta data, conforme a legislação civil e administrativa vigente. Nãoforam consideradas potenciais futuras alterações na legislação ou jurisprudência brasileira,salvo quando expressamente mencionado. Não expressamos qualquer entendimento arespeito de qualquer assunto ou caso não especificado na presente opinião.Apesar de as afirmações acima terem sido exaustivamente pesquisadas e refletirem nossaopinião profissional, não devem ser confundidas como uma garantia em uma área do direitoque, na ausência de decisões definitivas administrativas e judiciais, não está livre dequestionamentos.

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