paniculite pancreÁtica associada a neoplasia do...
Post on 27-Nov-2018
216 Views
Preview:
TRANSCRIPT
-
Ana Santos Arriscado Palhares Delgado
PANICULITE PANCRETICA ASSOCIADA
A NEOPLASIA DO PNCREAS
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
Dissertao apresentada Faculdade de Cincias da Sade
da Universidade da Beira Interior para obteno do grau de
Mestre em Medicina
Orientador: Prof. Dr. Isabel Cristina de Albuquerque Epifnio da Franca
Professora Auxiliar da Universidade da Beira Interior
Covilh Junho 2009
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
i
DEDICATRIA
minha Me, ao meu Pai e Irmo a quem devo tudo. Pelo apoio constante que
me deram nestes anos e por toda a fora que me transmitem.
Aos meus Avs por estarem presentes em tudo o que fao, pela motivao e
carinho.
Ao Filipe, por acreditar em mim. Por me ajudar nos momentos mais difceis,
pela compreenso e incentivo incondicional.
minha amiga Maria da Paz, fiel companheira de estudo, por toda a amizade e
pela disponibilidade constante nos momentos menos bons.
Lai e Gonalo, que me acompanharam estes anos na Covilh, pela amizade e
tranquilidade transmitida nas alturas mais difceis.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
ii
AGRADECIMENTOS
Um agradecimento muito especial Prof. Dr. Isabel da Franca, por ter aceite
a orientao deste trabalho. Por me incutir o interesse pela Dermatologia, por todo
o empenho e dedicao, pela amizade, pelos ensinamentos, e, acima de tudo, pela
exigncia.
Agradeo ao Dr. Carlos Monteiro, Assistente Hospitalar do Servio de
Dermatologia da Unidade de Sade Local da Guarda, responsvel pela investigao
clnica e diagnstico do caso apresentado, por me fornecer todo o material
necessrio para a elaborao do caso clnico deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Miguel Castelo Branco, por transmitir um estmulo constante na
aquisio de novos conhecimentos, pela disponibilidade e pelos ensinamentos.
Dr. Rosa Saraiva bibliotecria no CHCB, pela ajuda preciosa na
disponibilizao dos artigos solicitados.
Ao Departamento de Informtica da FCS, pela grande ajuda, sem a qual no
seria possvel finalizar este trabalho.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
iii
Todas as verdades so fceis de
perceber depois de terem sido
descobertas, o problema descobri-las.
Galileo Galilei
1564-1642
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
iv
NDICE
RESUMO ....................................................................................................................................... vii
ABSTRACT ................................................................................................................................... viii
Captulo 1...................................................................................................................................... 1
1.1. INTRODUO .................................................................................................................... 2
1.2. MTODOS ......................................................................................................................... 4
1.3. OBJECTIVOS GERAIS E ESPECFICOS .............................................................................. 5
1.3.1. Objectivo Geral.......................................................................................................... 5
1.3.2. Objectivos Especficos .............................................................................................. 5
Captulo 2...................................................................................................................................... 6
2.1. PANICULITES ..................................................................................................................... 7
2.1.1. Definio ................................................................................................................... 8
2.1.2. O Tecido Adiposo ...................................................................................................... 8
2.1.3. Necrose Gorda ........................................................................................................14
2.2. PANICULITE PANCRETICA ............................................................................................18
2.2.1. Noes gerais .........................................................................................................18
2.2.2. Epidemiologia .........................................................................................................20
2.2.3. Etiologia ...................................................................................................................21
2.2.4. Patogenia ................................................................................................................23
2.2.5. Diagnstico .............................................................................................................30
2.2.6. Diagnstico Diferencial ..........................................................................................35
2.2.7. Tratamento..............................................................................................................46
2.2.8. Prognstico .............................................................................................................50
Captulo 3....................................................................................................................................52
3.1. DESCRIO DO CASO CLNICO ......................................................................................53
Captulo 4....................................................................................................................................62
4.1. DISCUSSO .....................................................................................................................63
4.2. CONCLUSO ....................................................................................................................69
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................71
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
v
NDICE DE FIGURAS
Figura 1: Tecidos constituintes da pele,
http://cienciahoje.uol.com.br/materia/resources/images/che/pele2.jpg ................ 9
Figura 2: Estrutura da hipoderme, (5) ........................................................................... 11
Figura 3: Paniculite septal, (5) ....................................................................................... 12
Figura 4: Paniculite lobular, (5) ...................................................................................... 13
Figura 5: Ndulos eritematosos na paniculite pancretica, (6) .................................. 18
Figura 6: Ndulos ulcerados e a drenar substncia oleosa, (6) .................................. 19
Figura 7: Ndulos ulcerados na paniculite pancretica, (6) ........................................ 19
Figura 8: Ndulos inflamatrios no EN,
http://dermis.net/dermisroot/en/30437/diagnose.htm .......................................... 37
Figura 9: Ndulos subcutneos na paniculite lpica, ................................................. 38
Figura 10: Ndulos na regio gltea, na doena Weber Christian (Pfeiffer Weber
Christian), elrincondelamedicinainterna.blogspot.com .............................................. 40
Figura 11: Leses ulceradas e hemorrgicas na paniculite histioctica citofgica, (6)
........................................................................................................................................ 41
Figura 12: Livedo reticular na poliarterite nodosa, (12) ............................................... 42
Figura 13: Leses cutneas ulceradas caractersticas de vasculite sitmica, ......... 43
Figura 14: Mltiplas mculas e ppulas na granulomatose de Wegener,(6) ............. 44
Figura 15: Tromboflebite das veias superficiais, (6) .................................................... 45
Figura 16: Doente com ndulos subcutneos eritematosos no membro inferior no
dia 10/05/05, Gentilmente cedido pelo Dr. Carlos Monteiro, CHCB ...................... 54
Figura 17: Ndulos de paniculite pancretica aps tratamento com Indometacina,
........................................................................................................................................ 55
file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986752file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986752file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986753file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986754file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986755file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986756file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986757file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986758file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986759file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986759file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986760file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986761file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986761file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986762file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986762file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986763file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986764file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986765file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986766file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986767file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986767file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986768file:///F:\TESE%205%20JUNHO.doc%23_Toc231986768
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
vi
NDICE DE TABELAS
Tabela 1: Classificao das Paniculites. ...................................................................... 17
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
vii
Universidade da Beira Interior
RESUMO
Dissertao de mestrado
Mestrado Integrado em Medicina
PANICULITE PANCRETICA ASSOCIADA A NEOPLASIA DO PNCREAS
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
A paniculite pancretica uma dermatose pouco frequente, caracterizada por
necrose gorda subcutnea como um fenmeno distncia no contexto de doena
do pncreas, e que pode constituir o primeiro indcio desta patologia. Contudo, esta
afeco cutnea mantm-se como uma complicao pouco comum de doena
pancretica, nomeadamente de neoplasia e de pancreatite.
A classificao das paniculites baseia-se na localizao do infiltrado
inflamatrio, que, no caso da paniculite pancretica, predomina nos lbulos de
gordura da hipoderme.
Como a neoplasia do pncreas frequentemente assintomtica, mandatrio
investigar qualquer suspeita de doena pancretica na presena de ndulos
subcutneos dos membros inferiores, eritematosos, dolorosos, principalmente
quando surgem associados a antecedentes de queixas digestivas.
O presente trabalho tem como objectivo apresentar um caso de carcinoma
pancretico associado a ndulos subcutneos dos membros inferiores, cujo exame
histopatolgico evidenciou tratar-se de paniculite com necrose gorda. Pretende-se
assim, atravs de uma reviso actual da literatura, lembrar esta associao rara
que se torna de grande importncia clnica.
Palavras-chave: paniculite pancretica, necrose gorda, neoplasia do pncreas
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
viii
Universidade da Beira Interior
ABSTRACT
MS Dissertation in Medicine
PANCREATIC PANNICULITIS ASSOCIATED TO PANCREATIC CARCINOMA
A Case Study and Literature Review
Pancreatic panniculitis is a rare dermatosis, characterized by necrosis of
subcutaneous fat as a phenomenon linked to diseases of the pancreas, which may
be the first evidence of a pancreatic illness. Though, this cutaneous affection is still
an uncommon complication of pancreatic disease, namely of carcinoma and
pancreatitis.
The classification of panniculitis, is based on the location of the inflammatory
infiltrates, which in pancreatic panniculitis are mostly found in the fat lobules of the
hypodermis.
The carcinoma of the pancreas is frequently asymptomatic, being mandatory an
investigation directed to the suspicion of pancreatic disease, in the evidence of
painful, erythematous, nodules especially when there is a history of gastrointestinal
symptoms.
The present work aims to report a case of pancreatic carcinoma associated with
subcutaneous nodules, with histopathological findings of panniculitis with fat
necrosis. It is also to remind, through a literary revision, that this uncommon
association is of great clinical importance.
Key-words: pancreatic panniculitis, fat necrosis, pancreatic carcinoma
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
ix
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 1 -
Captulo 1
1.1. Introduo
1.2. Mtodos
1.3. Objectivos gerais e especficos
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 2 -
1.1. INTRODUO
A associao de paniculite e doena pancretica encontra-se bem descrita, mas
tem despertado grande interesse devido relativa raridade desta dermatose como
manifestao de neoplasia pancretica ou at de pancreatite. (1) Sendo rara, esta
afeco cutnea no apresenta grandes avanos no esclarecimento da sua
nosologia, patogenia e tratamento, gerando dificuldades na sua interpretao
clnica que prejudicam o diagnstico. Embora se aponte uma associao quase
absoluta das enzimas pancreticas com a necrose da gordura subcutnea, a
maioria dos mecanismos subjacentes e factores precipitantes na formao dos
ndulos de paniculite pancretica ainda permanecem desconhecidos ou so mal
entendidos. (2, 3, 4)
Aps uma pesquisa preliminar sobre o assunto, pude constatar que a literatura
existente acerca da paniculite pancretica muito escassa e que feita sobretudo
base de relatos de casos clnicos, estando disponveis ainda muito poucas
revises sistemticas da literatura.
Por ser uma dermatose que sinaliza uma doena sistmica, sendo este, para
mim, um dos aspectos mais fascinantes da Dermatologia, e, porque apesar dos
avanos actuais, a paniculite ainda hoje considerada um modelo biolgico
intrigante, cujos mecanismos continuam por esclarecer e por compreender na sua
totalidade, optei por apresentar esta dissertao de mestrado.
Com efeito, o gosto pessoal por esta rea da Dermatologia, concretamente,
pelas doenas cutneas que alertam para a possibilidade da existncia de
alteraes sistmicas graves, tornou-se desde logo o principal aliciante para a
abordagem deste assunto. Finalmente, o conhecimento de um caso no Centro
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 3 -
Hospitalar da Cova da Beira, ou constituiu o motivo ltimo para a escolha deste
tema de dissertao.
O presente trabalho tem por objectivo descrever um caso de neoplasia do
pncreas associada a ndulos subcutneos que corresponderam ao diagnstico
histotopatolgico de paniculite pancretica.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 4 -
1.2. MTODOS
A metologia utilizada nesta dissertao teve por base uma recolha de
bibliografia atravs das bases de dados digitais oferecidas pela Universidade, tais
como a PubMed com os termos paniculite pancretica, paniculite e necrose
gorda nos idiomas portugus, ingls, espanhol e francs e da qual se recolheu um
total de 31 artigos. Foi tambm realizada a pesquisa atravs da consulta de
manuais de referncia. Toda a bibliografia posterior a 1960, no sentido de trazer
a este estudo a informao mais actual possvel.
No que diz respeito recolha de dados sobre o doente, procedeu-se consulta
do processo clnico fornecido pelo Dr. Carlos Monteiro, mdico especialista em
Dermatologia que exerce funes no Centro Hospitalar Cova da Beira. O anonimato
do doente ser mantido ao longo do texto, no sentido de preservar a proteco de
dados pessoais.
Como este trabalho um estudo de caso, compreende-se que as concluses
retiradas permitem apenas um conhecimento mais profundo da patologia e uma
integrao da teoria na prtica. No se pretende generalizar os dados obtidos ou as
concluses sobre os mesmos populao em geral, mas sim enriquecer a
aprendizagem clnica e desenvolvimento de competncias.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 5 -
1.3. OBJECTIVOS GERAIS E ESPECFICOS
1.3.1. Objectivo Geral
Promover uma melhor compreenso global da paniculite pancretica.
1.3.2. Objectivos Especficos
Clarificar a classificao da paniculite pancretica, at hoje confusa.
Clarificar a sua patogenia, at hoje incerta e desconhecida.
Sistematizar a abordagem diagnstica e teraputica da doena.
Alertar para a importncia prognstica desta afeco cutnea.
Alertar para a importncia de investigar de modo sistemtico e detalhado
antecedentes de afeces do pncreas ou co-relacionados, face suspeita
clnica de paniculite pancretica.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 6 -
Captulo 2
2.1. Paniculites
2.2. Paniculite Pancretica
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 7 -
2.1. PANICULITES
A hipoderme ou tecido celular subcutneo constitui o compartimento mais
profundo da pele. formada por lbulos de tecido gordo separados por septos
fibrosos, locais onde se alojam os vasos sanguneos e linfticos, assim como os
ramos nervosos, que irrigam e inervam este compartimento. (5)
A sntese e armazenamento de gordura contnua ao longo da vida, quer por
acumulao de lpidos dentro das clulas quer por proliferao dos adipcitos e,
tambm, por recrutamento de novas clulas a partir do mesnquima
indiferenciado. (5)
As paniculites definem-se como uma inflamao da hipoderme mas a paniculite
pancretica prende-se, tambm, com o conceito de necrose gorda que ocorre
associada paniculite e que estar na sua origem.
As doenas inflamatrias da gordura subcutnea so por vezes difceis de
classificar, em parte devido utilizao de descries baseadas em literatura fivel
mas que cairam em desuso ou esto ultrapassadas. (6)
Nesta primeira parte, irei descrever os diferentes conceitos implicados na
definio de paniculite pancretica, tentando sistematiz-los de forma clara e
ordenada.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 8 -
2.1.1. Definio
A paniculite ou hipodermite um processo inflamatrio focal que afecta
predominantemente a hipoderme ou tecido celular subcutneo. (5)
Pode comprometer a poro septal, lobular ou ambas, manifestando-se
clinicamente como ndulos subcutneos, eritematosos e dolorosos, localizados
geralmente nas extermidades inferiores (7,8), sendo frequentemente sinal de
doena sistmica. (8) Esta subdiviso histolgica totalmente emprica, porque, na
verdade, a maior parte das paniculites afectam ambas as pores que constituem
o tecido subcutneo. (6)
Os ndulos subcutneos podem ser nicos ou mltiplos e a sua consistncia
firme-elstica ou mole. (9) As leses podem, ou no, ulcerar, formando cicatriz. (9)
Apesar de existirem diferentes etiopatogenias para as paniculites, as formas de
apresentao clnica so relativamente uniformes, pelo que o diagnstico
especfico feito atravs do estudo histopatolgico. (5, 7, 10, 11,12)
2.1.2. O Tecido Adiposo
O tecido adiposo um verdadeiro orgo em termos de estrutura e funo. (7)
constituido por lbulos de clulas gordas chamadas tambm lipcitos ou
adipcitos, separados por finos septos de tecido conjuntivo.
Os adipcitos so clulas especializadas do sistema reticuloendotelial, capazes
de produzir e armazenar gordura. Com a tcnica de colorao pela hematoxilina-
eosina, os adipcitos parecem clulas vazias devido a um grande vacolo
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 9 -
intracitoplasmtico que armazena gordura e que empurra o ncleo para a
periferia.(7)
Os septos correspondem ao tecido conjuntivo, albergando fibras de colagnio e
de reticulina, vasos sanguneos, vasos linfticos e nervos. (11, 13)
A pele constituida por trs tecidos principais: (13)
Epiderme um epitlio pavimentoso, estratificado, queratinizado,
que se auto-regenera;
Derme Corresponde camada subjacente de tecido conjuntivo,
fibroelstico rgido, de sustentao e nutrio. A derme compreende a
derme papilar e a derme reticular;
Hipoderme a camada mais profunda, varivel de espessura,
sobretudo constituda por tecido adiposo.
Figura 1: Tecidos constituintes da pele, http://cienciahoje.uol.com.br/materia/resources/ima
ges/che/pele2.jpg
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 10 -
A hipoderme ou tecido celular subcutneo constitui a parte mais profunda da
pele, derivando embriologicamente do mesnquima cujas clulas do origem aos
adipcitos.
Localiza-se entre a derme profunda ou reticular e a fascia muscular superficial.
A sua separao da derme no est bem delimitada e pode considerar-se que
h continuidade entre ambas, estando interligadas do ponto de vista funcional e
estrutural atravs de redes nervosas e vasculares e na continuidade dos anexos
cutneos: os bulbos do folculo piloso e a poro secretora das glndulas
sudorparas, que se dispem entre as duas camadas. (5)
Sendo a constituio bsica da hipoderme o adipcito, estes, organizam-se em
lbulos de aproximadamente um centmetro de dimetro, que, por sua vez, so
constituidos por coleces microscpicas de lipcitos: os microlbulos. (5)
Os lbulos esto separados e so simultaneamente suportados por septos de
tecido conjuntivo onde passam os vasos sanguneos, linfticos e nervos. Destes
septos originam-se outros, muito mais finos, que rodeiam cada microlbulo
formando uma rede de fibras de colagnio e de reticulina com abundantes
capilares terminais.
Este tipo de vascularizao terminal dos lbulos gordos, sem anastomoses ou
comunicao capilar com a derme nem entre os microlbulos, torna estas
estruturas particularmente vulnerveis. (7)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 11 -
A hipoderme isola o corpo do frio, serve como reservatrio de energia, protege a
pele e permite a sua mobilidade sobre as estruturas subjacentes. Tem tambm um
efeito esttico ao moldar o contorno do corpo. (5)
As paniculites permanecem um mistrio em termos fisiopatolgicos.
Em 1973 Reed et al. (14) propuseram uma classificao das paniculites baseada
no tipo de estrutura mais afectada, distinguindo assim entre aquelas que envolvem
principalmente os septos e as que envolvem sobretudo os lbulos.
Nas paniculites, a evoluo das alteraes degenerativas no tecido adiposo
encontra-se directamente relacionada com a irrigao sangunea. A artria principal
irriga o centro do lbulo, seguindo depois para a vnula presente nos septos
localizados na periferia dos lbulos.
Assim modificaes degenerativas do lbulo, resultam da alterao a nvel da
irrigao arterial deste, dando origem paniculite lobular. Por seu turno, a
paniculite septal resulta de alteraes degenerativas nos septos e em zonas
perifricas dos lbulos, consequentes a perturbaes da irrigao venosa local. (14)
Figura 2: Estrutura da hipoderme, (5)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 12 -
Conforme o tipo de vasos alterados assim teremos a localizao das alteraes
mais no lbulo ou mais a nvel perifrico, nos septos originando as respectivas
paniculites.
No diagnstico histopatolgico importa tambm avaliar a existncia ou no de
vasculite, tendo sempre em ateno o tipo e tamanho dos vasos afectados.
Nas paniculites septais, que ocorrem principalmente a nvel do plexo venoso,
sobrevm espessamento, edema e necrose do septo.
Nas paniculites lobulares as alteraes degenerativas manifestam-se numa fase
inicial por um infiltrado de clulas inflamatrias no tecido intersticial entre os
lbulos. medida que o processo evolui os lipcitos vo degenerando (tornam-se
anucleados) e algumas destas clulas rompem. As alteraes vasculares so
comuns nas leses de paniculite lobular. (14) As pequenas arterolas apresentam
Figura 3: Inflamao septal com extenso do
infiltrado entre os adipcitos, (5)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 13 -
trombos e necrose com fibrinide. A natureza vascular da paniculite lobular,
ocasionalmente, evidenciada por hemorragia intralobular. (14)
Histologicamente, as paniculites, como todos os outros processos inflamatrios,
apresentam um carcter dinmico em que a composio e distribuio do infiltrado
inflamatrio sofre alteraes ao longo do tempo. H autores que referem a
dificuldade da classificao das paniculites em septal ou lobular, por, na maioria
dos casos, estas apresentarem um padro misto. (7)
Com efeito, estes padres podem sobrepor-se, particularmente em estdios
mais avanados da doena. Comprometem assim todas as reas do panculo
adiposo que, por isso, se denomina paniculite mista ou difusa. (5)
Num estudo de caso, Ball et al. (10) propem um modelo de evoluo da
paniculite pancretica, a qual se iniciaria como uma paniculite septal, adquirindo
depois um padro marcadamente lobular de necrose gorda, terminando numa
paniculite lobular granulomatosa seguida de fibrose.
Figura 4: Infiltrado lobular, (5)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 14 -
Por ltimo, deve-se identificar a natureza das clulas presentes no infiltrado
inflamatrio e olhar para outras caractersticas histopatolgicas que permitem um
diagnstico especfico da doena, envolvendo a gordura subcutnea.
Actualmente sabe-se que a melhor forma de classificar as paniculites atravs
da histologia. Dependendo da localizao inicial, do processo inflamatrio e do tipo
do seu infiltrado e do atingimento ou no dos vasos sanguneos, assim se
classificam as respectivas leses. (5)
2.1.3. Necrose Gorda
A necrose celular corresponde ao conjunto de alteraes morfolgicas que se
seguem morte celular, num tecido ou rgo vivo, resultante de aco degradativa
por parte de enzimas que provocam edema mitocondrial, floculao nuclear, lise
celular e morte celular, sobre uma clula letalmente agredida. (15)
As causas de necrose celular podem ser classificadas em cinco categorias:
i) isqumia ou anxia;
ii) agentes fsicos;
iii) agentes qumicos;
iv) agentes biolgicos;
v) hipersensibilidade.
Como consequncia da necrose tecidular ocorre inflamao nos tecidos
adjacentes. Durante este processo inflamatrio acumulam-se leuccitos na
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 15 -
periferia do tecido lesado, os quais libertam enzimas teis ao processo de digesto
das clulas necrosadas. (15)
O aspecto morfolgico da necrose resulta da digesto das clulas necrticas
pelas suas prprias enzimas (autlise) ou por enzimas derivadas dos leuccitos
(heterlise).
Microscopicamente, percebemos alteraes citoplasmticas e nucleares. As
alteraes citoplasmticas consistem em aumento da acidofilia, retraco e
vacuolizao, depois das enzimas terem digerido os organelos citoplasmticos. As
alteraes nucleares consistem em cariopicnose (retraco e aumento da basofilia
nucleares, com cromatina firmemente compactada), cariorrexis (fragmentao do
ncleo) e carilise (dissoluo nuclear). Normalmente o ncleo desaparece.
Macroscopicamente, s comeamos a ver necrose 12 a 24 horas aps a morte
celular. (15)
Morfologicamente distinguem-se diversos tipos de necrose: (15)
1) Necrose de coagulao ou isqumica: caracterizada pela desnaturao das
protenas celulares, devido queda do pH celular durante o processo de leso por
hipxia ou isqumia. Consequentemente, o citoplasma torna-se eosinoflico e como
a maioria das enzimas autolticas foram desnaturadas, a clula mantm a sua
arquitectura.
2) Necrose de liquefao: Associada a infeces bacterianas ou fngicas
provocando o aparecimento de um processo inflamatrio devido ao recrutamento
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 16 -
de leuccitos. Neste caso pode ocorrer leso e morte celular mediada por toxinas
ou, ento, devido ao processo inflamatrio. A digesto do tecido necrosado resulta
na formao de pus. Ocorre principalmente no SNC.
3) Necrose caseosa: um tipo de necrose de coagulao na qual existe uma
mistura de protenas tecidulares coaguladas com lpidos. Ocorre devido a um
mecanismo de hipersensibilidade e frequentemente observada na tuberculose.
Macroscopicamente, o tecido torna-se esbranquiado, granuloso e amolecido
(aparncia de queijo fresco).
4) Necrose gangrenosa: No um tipo especfico de necrose contudo utilizada
para descrever um tipo de necrose de coagulao que afecta principalmente as
extremidades dos membros (superiores e inferiores) por perda da irrigao
sangunea. Este tipo de necrose designada gangrena seca. Quando se associa a
uma infeco bacteriana, a necrose ocorre por liquefaco e denomina-se
gangrena hmida.
5) Necrose gorda (ou enzimtica): Caracterizada por extravasamento de enzimas
lipolticas para o tecido adiposo. Desta forma ocorre a liquefaco dos adipcitos e
a ruptura das ligaes dos triglicerdeos, libertando cidos gordos livres que se
combinam com ies clcio, formando reas esbranquiadas no tecido adiposo.
Ocorre principalmente em casos de doena pancretica.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 17 -
2.1.4. Classificao
Tabela 1: Classificao das Paniculites.
Adaptado de REQUENA L.: Normal Subcutaneous Fat, Necrosis of Adipocytes and Classification of the
Panniculitides; Semin Cutan Med Surg, 2007, 26:66-70 (7)
Paniculite maioritariamente septal
Paniculite maioritariamente lobular
Com vasculite
Tromboflebite superficial Eritema indurado de Bazin
Poliartrite nodosa cutnea Eritema nodoso leprtico
Fenmeno de Lcio
Sem vasculite
Eritema nodoso Paniculite esclerosante
Necrobiose lipidica Calcifilaxia
Esclerodermia localizada Esclerema neonatal
Granuloma anular subcutneo Necrose gorda subcutnea do
recm-nascido
Ndulo Reumatide Paniculite ps-corticoterapia
Xantogranuloma necrobitico Lpus eritematoso profundo
Paniculite fria
Paniculite pancretica
Paniculite por dfice de -1 anti-
tripsina
Paniculite infecciosa
Paniculite idioptica (Pfeiffer-Weber-
Christian)
Lipodistrofia e lipoatrofia
Necrose gorda lipomembranosa
Paniculite traumtica
Sarcoidose subcutnea
Paniculite histioctica citofgica
Paniculite tipo linfoma subcutneo
Paniculite esclerosante ps-radiao
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 18 -
2.2. PANICULITE PANCRETICA
2.2.1. Noes gerais
A paniculite pancretica uma afeco rara, onde ocorre necrose da gordura
subcutnea despoletada por doena pancretica de causa inflamatria, traumtica
ou neoplsica. Est associada a pancreatite ou carcinoma do pncreas, 80% a
100% dos casos. (1)
Clinicamente, as leses cutneas de paniculite pancretica manifestam-se como
ndulos subcutneos com dimenses que variam entre poucos milmetros e cerca
de cinco centmetros de dimetro (2), de consistncia firme-elstica, dolorosos, com
uma colorao eritemato-azulada da pele suprajacente (16, 17), podendo o seu
centro ter uma consistncia mais amolecida (flutuante) e ser coberto por pele mais
fina. (1) Podem aparecer isoladamente ou em grupos. O perodo de regresso das
leses varia entre as duas e as oito semanas formando habitualmente cicatriz
atrfica e pigmentada. (18)
Figura 5: Ndulos eritematosos na paniculite pancretica, (6)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 19 -
Caractersticamente, na necrose gorda intensa os ndulos ulceram
espontaneamente e drenam uma substncia oleosa acastanhada e viscosa que
resulta da necrose de liquefao dos adipcitos. (1, 4, 17, 19, 20) Com excepo da
paniculite por dfice de 1 anti-tripsina, esta caracterstica no aparece noutro
tipo de paniculites. (1)
A localizao mais frequente destas leses nas pores distais das
extremidades inferiores, principalmente volta do tornozelo e do joelho (11, 21), mas
tambm foram descritas em raras ocasies na regio gltea, nos membros
superiores, no tronco e no couro cabeludo. (17)
Foram igualmente referidos casos de paniculite pancretica com apenas um
ndulo. (11, 22)
Figura 7: Ndulos ulcerados na paniculite
pancretica, (6) Figura 6: Ndulos ulcerados e a drenar
substncia oleosa, (6)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 20 -
2.2.2. Epidemiologia
A paniculite pancretica ocorre em 2-3% de todos os doentes com doenas
pancreticas (4, 11, 18), estando mais frequentemente associada a pancreatite ou
carcinoma pancretico. (10, 16, 19)
Mullin e colaboradores em 1968 (in Dahl et al., 1995) (1), demonstraram a
raridade desta afeco num estudo retrospectivo onde identificaram apenas um
caso de paniculite pancretica, numa amostra de 893 doentes com doena
pancretica de vrias causas.
Quando associada a pancreatite foi descrita como sendo secundria ingesto
crnica de lcool em 40% dos casos, ao traumatismo em 10% e a clculos
pancreticos tambm em 10%. (20)
A idade mdia de aparecimento deste tipo de paniculite de 46 anos quando
associada a pancreatite e de 62 anos quando associada a carcinoma
pancretico.(23) mais frequente no sexo masculino, sendo a relao homem-
mulher no carcinoma pancretico de 5:1 e na pancreatite de 3:1. (21)
A paniculite pode ser o sinal de apresentao de doena pancretica. (17) Esta
afeco pode manifestar-se em 40% dos doentes com pancreatite e estar
associado ao carcinoma do pncreas em cerca de 68% dos casos. Pode preceder a
deteco da doena pancretica entre um a sete meses, pelo que o seu
reconhecimento de importncia crucial. (4, 18)
Hughes et al., 1975 (in Dahl et al., 1995) (1) num estudo retrospectivo de 53
casos concluiu que 40% dos doentes com necrose gorda secundria a pancreatite
e 80% dos doentes com doena secundria a carcinoma do pncreas no
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 21 -
apresentavam sintomas abdominais, sendo os ndulos cutneos o nico sinal de
envolvimento pancretico.
A artrite associada a doena pancretica resulta de necrose gorda periarticular
ou de trajectos fistulosos situados entre a articulao e os locais adjacentes onde
decorre a necrose. O lquido sinovial semelhante ao do exsudado das lceras de
pele, revelando elevada concentrao de cidos gordos livres. (1)
Conclui-se pelo estudo bibliogrfico que as manifestaes articulares esto
presentes em 54% a 88% dos doentes com necrose gorda disseminada,(1) mas
raro, a artrite anteceder o diagnstico de doena pancretica assintomtica.
2.2.3. Etiologia
A associao entre necrose gorda subcutnea e pancreatite aguda foi
primeiramente descrita por Chiari em 1883 e logo depois por Hansemann em
1889. (1, 18, 24, 25)
Mais tarde, em 1946, Blauvert relacionou necrose gorda com pancreatite
subaguda. (25)
Em 1908, Berner relatou uma sndrome similar, porm associada a doena
neoplsica do pncreas. (17)
A partir dai, seguiram-se diversas referncias deste tipo de associao: Hegler e
Wohlwill em 1930, Titone em 1936, Auger em 1947, Osborne em 1950, Belsky e
Cornel em 1955, Szymanski em 1959 e Bluefarb em 1959 (in Lucas and Owen,
1962). (25)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 22 -
Durante anos a paniculite pancretica foi classificada como variante da doena
idioptica de Weber-Christian (Weber, 1925; Christian, 1928). (21,26)
Esta uma afeco caracterizada por leses clnica e histologicamente
semelhantes s da paniculite pancretica. Normalmente estas so s detectadas
na autpsia, sendo mais aparentes a nvel de rgos internos, e das articulaes.
No foram descritos casos de doentes com sndrome Weber-Christian associada a
doena pancretica (Steinberg, 1953 in Dahl et al., 1995) (1), sendo a maior parte
das mortes de doena Weber-Christian devido a infeces ou doenas
concomitantes.
Assim em 1961, Szymanski e Bluefarb afirmaram que este tipo de paniculite
patognomnica de doena pancretica. (1)
A pancreatite ocorre mais frequentemente em indivduos novos,
comparativamente com os casos de carcinoma pancretico. Os casos de
pancreatite podem ocorrer secundariamente ingesto crnica de lcool em 40%
dos casos, a traumatismo em 10% e a litase biliar em 10%. (20) pois de extrema
importncia suspeitar de doena pancretica como causa de paniculite,
principalmente em homens com hbitos alcolicos. (2, 26)
O carcinoma pancretico acinar, que corresponde a 10% de todos os carcinomas
pancreticos est associado a 84% dos casos de paniculite (19), mas tambm se
descreveram casos de carcinoma ductal (21) e o tipo menos frequentemente
associado a paniculite foi o carcinoma das clulas dos ilhus pancreticos. (11)
O carcinoma pancretico associa-se frequentemente a eosinofilia.(4, 17, 18, 19, 24)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 23 -
Tm sido descritas outras patologias associadas a paniculite nodular
pancretica, tais como: pncreas divisum, pseudoquistos pancreticos, fstulas
pancreto-vasculares, pancreatites ps-traumticas, pancreatites txicas, tumores
neuroendcrinos, tumores intracaniculares (23) e frmacos (corticides,
sulfasalazina, tiazidas, anticonceptivos, sulindaco, azatioprina, furosemida,
ciclosporina, antimoniato de meglumina). (21)
A paniculite associada a doena pancretica tambm tem sido descrita em
doentes com lpus eritematoso sistmico (LES), transplantados renais e num
doente com infeco por HIV e sindroma hemofagoctico (ou sindroma de activao
macrofgica). (Martnez-Escribano et al., 1996 in Fernndez-Jorge et al., 2006) (21)
2.2.4. Patogenia
De uma forma simplista, a definio de necrose gorda ajuda a entender o
mecanismo da paniculite pancretica, mas, na verdade, este processo muito
mais complexo, no estando ainda bem esclarecido. Esta necrose observada em
casos de alteraes pancreticas, nas quais as enzimas lipolticas activadas,
extravasam os cinos pancreticos e caem no parnquima pancretico e na
cavidade peritoneal ou entram na circulao sistmica, atravs do canal torcico
e/ou circulao portal, passando para outros locais, ricos em triglicerdeos. Desta
forma ocorre a hidrlise da gordura em glicerol e cidos gordos livres. (2, 22) Foi
constatado que mais de 50% dos doentes com fistulas pancretico-portais
desenvolvem paniculite, apoiando a afirmao de que as enzimas pancreticas
circulam na corrente sangunea causando necrose gorda. (24)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 24 -
A vulnerabilidade do adipcito necrose neste contexto foi estudada
principalmente a nvel da susceptibilidade da membrana leso.
O adipcito apresenta uma ultraestrutura nica, com clulas dos capilares
endoteliais adjacentes, estando em comunicao com o lmen capilar por uma
membrana contnua (27). As lipoproteinas so degradadas no endotlio por lipases
ligadas membrana e os produtos hidrolisados so transportados para o interior
do adipcito e reesterificados. cidos gordos livres atraem as enzimas lipolticas,
podendo provocar concentrao de lipases no interior do adipcito levando lise
celular. (27)
Os tecidos ricos em tecido adiposo so especialmente vulnerveis aco
enzimtica podendo a necrose gorda ocorrer em locais tais como o epplon e o
peritoneu assim como na gordura periarticular e gordura intramedular (1), incluindo
o SNC, causando focos de desmielinizao predominantemente perivasculares. (21)
Como j foi repetidamente referido, quando a necrose ocorre na pele aparecem
ndulos subcutneos inflamatrios.
Apesar de estar descrito na literatura que a hidrlise da gordura a principal
causa da necrose gorda subcutnea, o aparecimento destas leses subcutneas
pouco frequente, comparado com a incidncia de pancreatite. (1) A raridade do
aparecimento dos ndulos subcutneos, associada a uma falta de correlao entre
as concentraes enzimticas e o aparecimento das leses cutneas leva a
questionar o papel das enzimas pancreticas na patognese da necrose gorda
subcutnea.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 25 -
Berman e colaboradores em 1987 (27) apresentam um caso fatal de pancreatite
com ndulos dolorosos subcutneos na face anterior das extremidades inferiores.
Numa investigao, o soro deste doente utilizado em estudos in vitro
juntamente com enzimas pancreticas humanas purificadas para evidenciar a
paniculite pancretica. A incubao da gordura subcutnea no revelou qualquer
alterao, apesar das concentraes de amilase e lipase estarem muito
aumentadas. Mesmo aps a introduo do soro do doente a esta experincia, no
se verificou necrose gorda. Esta evidncia experimental sugere que a necrose
subcutnea de liquefaco no consiste apenas numa relao causa-efeito com as
enzimas pancreticas. necessrio outro factor ou factores que no estaro
presentes no soro normal, possivelmente apresentando labilidade ou necessitando
de activao.
Por outro lado Mourad e colaboradores (2) numa publicao recente, apontam o
dfice de 1 anti-tripsina como o outro factor necessrio, no como causa directa
de paniculite mas agravando e provavelmente disseminando as leses, hiptese
igualmente confirmada por Rubinstein et al., em 1977 (31).
Outro mecanismo possvel e estudado, foi a diminuio da 2-macroglobulina. A
tripsina circula predominantemente ligada a esta protena inibidora de proteases,
que rapidamente eliminada pelo sistema reticuloendotelial. (3) Uma correlao
inversa entre 2-macroglobulina e nveis aumentados de tripsina num doente com
paniculite associada a pancreatite foi recentemente demonstrada, implicando que
estas molculas formam complexos que so retirados do plasma. Desta forma, em
doentes com baixas concentraes de 2-macroglobulina, a pancreatite pode
estar associada a altas quantidades de tripsina que induz a liplise. Contudo no
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 26 -
h estudos suficientes que comprovem a relao dos nveis de 2-macroglobulina
em doentes com pancreatite e com ou sem paniculite. (2, 3)
De qualquer forma, apesar dos inmeros estudos revelando um factor
desconhecido para despoletar a paniculite pancretica, esta afeco tem relao
com as enzimas pancreticas, logo, o papel destas demonstrado em todas as
referncias bibliogrficas, como causa da paniculite pancretica.
J foi evidenciada a libertao das enzimas pancreticas despoletando a
paniculite atravs do efeito benfico do anlogo da somatostatina, octeotrido. A
administrao deste a um doente com carcinoma pancretico acinar preveniu o
crescimento de novos ndulos. (2, 3)
O octreotido um octapeptdeo de aco prolongada, anlogo da somatostatina.
A somatostatina por sua vez, segregada pelas clulas D das ilhotas.
responsvel pela inibio local de libertao de insulina e glucagon no interior das
ilhotas, e tambm diminui a aco secretora excrina do pncreas. (24, 32)
O achado imunohistoqumico com anticorpos (Acs) monoclonais anti-lipase de
lipase nas reas de necrose gorda, corrobora tambm, esta hiptese. (4, 11) Popper
e Necheles em 1940, demonstraram em animais que a obstruo do ducto
pancretico provoca um aumento da amilase e da lipase na veia porta e no canal
torcico. (20)
Tambm foram encontrados nveis elevados de lipase no soro, na urina, em
leses cutneas e no aspirado dos lquidos pleural, pericrdico e asctico, mesmo
na ausncia de doena pancretica. (21)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 27 -
Panabokke e Hallberg e Theve (in Berman et al., 1987) (27) sugerem que a
necrose da clula gorda pode ser o resultado da activao das lipases
intracelulares e possivelmente de outras enzimas, aps dano da membrana da
clula gorda ou atravs de estmulo hormonal da lipase devido baixa
concentrao de insulina e diminuio de norepinefrina srica que ocorrem
habitualmente na pancreatite aguda.
Embora a paniculite pancretica tenha como causas a aco da lipase,
fosfolipase A, tripsina e amilase no tecido subcutneo, j foram reportados casos
de paniculite com nveis de lipase e amilase normais. (1, 17, 18, 21)
A aco da lecitinase tambm foi avanada como hiptese etiopatognica. (27)
Outro mecanismo fisiopatolgico, mencionado pela equipa de investigao de
Dauendorffer em 2007 (33), consiste na interveno das citocinas pr-inflamatrias
(factor de necrose tumoral , interleucina I ) induzidas pelas leses pancreticas.
O mecanismo de activao das enzimas pancreticas percursoras no bem
conhecido, supondo-se que o aumento das enzimas pancreticas na circulao
aumenta a permeabilidade vascular, permitindo a entrada destas enzimas nas
clulas gordas e, consequentemente, o desencadear da necrose. (10, 19)
Alguns autores sugeriram, ainda, uma aco sinrgica entre a lipase e a tripsina.
A tripsina aumenta a permeabilidade dos vasos sanguneos e a lipase penetra nos
tecidos e hidrolisa os cidos gordos. (4) Dahl et al, 1995 (1) e Fernndez-Jorge et al.,
2006(21) so os investigadores que consideram a tripsina como a enzima
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 28 -
responsvel pela alterao da permeabilidade vascular, podendo tambm a estase
venosa favorecer este mecanismo, devido a um aumento do tempo de contacto da
parede do vaso com as enzimas pancreticas (explicando assim a maior frequncia
das leses nas extremidades dos membros inferiores).
Outros admitem que o dano endotelial provocado por estas enzimas origina
isqumia e enfarte das zonas afectadas levando a necrose. (30)
Em casos raros pode no ser demonstrada doena pancretica, apesar dos
nveis sricos elevados de lipase pancretica, cuja origem nestes casos
desconhecida. (4, 11)
Foram tambm referidos casos bem documentados de paniculite pancretica
em doentes com nveis sricos das enzimas pancreticas normais. (27)
Higgins and Ive, em 1990 (28) apresentam casos clnicos em que, aps a
resoluo das leses cutneas, as concentraes sricas de enzimas pancreticas
permanecem elevadas mas, contraditoriamente, no aparecem novas leses,
implicando que as enzimas pancreticas no so exclusivamente responsveis
pela paniculite pancretica.
No seu trabalho, Durden et al, 1996 (17) mencionam um investigador que sugere
um mecanismo imunolgico para despoletar o aparecimento das leses cutneas.
A hiptese acerca deste mecanismo baseou-se no estudo de um doente com
carcinoma pancretico, necrose da gordura subcutnea, serosite e diminuio dos
nveis do complemento pleural com deposio de IgG.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 29 -
Zellman, 1996 (34) refere a necessidade de uma leso prvia da parede dos
vasos sanguneos por infeco, causando edema e inflamao, ou por um
mecanismo imunolgico mediado por imunocomplexos, o que provocaria alterao
vascular. Foi tambm Zellman (34) que em 1996 estudou um doente que teve um
episdio de celulite antes do aparecimento dos ndulos, o que poder ter causado
dano vascular atravs de inflamao ou mecanismo auto-imune com deposio de
imunocompexos antignio-anticorpo (Ag-Ac).
Em concluso:
No h critrios de referncia para a classificao da paniculite pancretica.
Sendo uma afeco rara, o seu reconhecimento clnico de extrema importncia
na medida em que pode ser o primeiro e nico sinal de doena pancretica grave.
Esta suspeita dever ser muito forte quando o quadro se apresenta da seguinte
forma: ndulos subcutneos dolorosos e mltiplos com aumento da lipase srica e
associados a doena pancretica.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 30 -
2.2.5. Diagnstico
2.2.5.1. Histria Clnica
Os doentes geralmente fornecem uma histria tpica com leses cutneas que
precedem muitas vezes qualquer outro sinal clnico, logo, importante saber
reconhec-las. Como so normalmente dolorosas, quando nos chegam estes
doentes no apresentam leses com muito tempo de evoluo.
Uma grande parte pode ter associada histria de dor epigstrica, sugerindo
patologia pancretica.
pois importante apurar nos antecedentes pessoais tais como, hbitos
alcolicos, hbitos tabgicos, a existncia de doenas prvias, nomeadamente
infecciosas, endcrinas, txicas, bem como antecedentes traumticos e histria
medicamentosa, porque nos podem orientar para a suspeita de uma patologia
pancretica.
2.2.5.2. Exame fsico
importante fazer um diagnstico baseado em dados clnicos e analticos
decorrentes da patologia de base existente mas nunca poderemos deixar de
realizar uma boa anamnese e adequada explorao fsica.
O diagnstico provvel de uma paniculite pode ser estabelecido com a
observao clnica, tendo em conta as caractersticas morfolgicas, distribuio e o
tipo de evoluo das leses. De qualquer forma, indiscutvel a necessidade de
uma grande competncia para diagnosticar um tipo especfico de paniculite com
base no exame clnico.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 31 -
Ao exame fsico, os doentes tm ndulos dolorosos, medindo entre um a dois
centmetros, eritematosos, mveis podendo surgir isolados ou difusos. Podem
ocorrer em qualquer parte do corpo, mas, frequentemente, aparecem nos membros
inferiores, sobretudo rea pr-tibial, e poro inferior dos joelhos. (18)
A dor abdominal, quando presente, caracteristicamente intensa, profunda e
alivia quando o doente faz flexo (se dobra sobre si prprio). Tipicamente a dor
mais intensa no epigastro, mas pode irradiar para os dois hipocndrios e regio
dorsal (dor em barra ou em cinto). (8)
A poliartrite uma rara complicao de pancreatite e de carcinoma pancretico.
O envolvimento articular varivel, podendo ser mono ou poliarticular, simtrico ou
assimtrico (30), manifestando-se em simultneo ou de forma diferida dos ndulos
subcutneos. Podem preceder a dor abdominal ou qualquer outra manifestao de
doena pancretica, mas raramente antecede o diagnstico desta. (18)
As manifestaes articulares esto presentes em 54% a 88% dos doentes com
necrose gorda disseminada. (1)
A pesquisa diagnstica deve, sempre que possvel, incluir exame do lquido
sinovial das articulaes comprometidas, como tambm bipsia do ndulo.
A artrite pode mimetizar a gota, febre reumtica, sarcoidose, artrite infecciosa ou
doenas do tecido conjuntivo. (18)
importante a determinao de enzimas pancreticas, ecografia abdominal,
principalmente em doentes dependentes do lcool, com conhecida doena
pancretica. (30)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 32 -
O comprometimento sseo pode ocorrer, relacionando-se com a extenso da
necrose da gordura intramedular e a destruio trabecular ssea, cujo aspecto
radiolgico corresponde a mltiplas pequenas leses na regio cortical de ossos
longos, sendo geralmente indolores. (18)
2.2.5.3. Histopatologia
A melhor forma de classificar uma paniculite do ponto de vista histopatolgico.
(5, 7, 10, 11,12)
A hipoderme o local de uma variedade etiolgica de processos inflamatrios e
a observao clnica desta patologia dificultada pelo facto da hipoderme ser
sobreposta pela derme e pela epiderme. O diagnstico provvel pode ser
estabelecido tendo em conta a observao clnica, distribuio das leses e
antecedentes da sua evoluo. Para estabelecer um diagnstico definitivo
obrigatrio fazer uma bipsia ampla e profunda da pele, que inclua epiderme,
derme, gordura subcutnea e em certos casos a fscia muscular.
A paniculite pancretica classificada como paniculite maioritariamente lobular
com necrose intensa de adipcitos, sem vasculite. Alguns autores propem que
inicialmente ocorre uma paniculite maioritariamente septal, dando-se
posteriormente a necrose dos adipcitos. (11, 19) Uma fase muito inicial, pode,
inclusivamente, no mostrar sinais de necrose mas apenas um infiltrado
perivascular linfocitrio anlogo ao do eritema nodoso. (17) certo, contudo, que as
leses totalmente desenvolvidas tm um padro lobular de necrose gorda. H,
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 33 -
portanto, evidncias suficientes que mostram que as alteraes histolgicas no
so estticas, correspondendo antes a um espectro evolutivo de diferentes fases.
Numa fase crnica da leso, as reas septais e paraseptais so fibrticas e
observa-se proliferao vascular semelhante a um tecido de granulao. (1)
As leses j bem desenvolvidas mostram tambm necrose de coagulao dos
adipcitos o que leva formao de clulas fantasma, que correspondem a
membranas residuais de adipcitos parcialmente digeridos pelas enzimas
pancreticas. Por um processo de saponificao d-se a deposio de clcio na
gordura originando a calcificao distrfica. (7)
As clulas fantasma perderam o ncleo e contm material basfilo e granular no
citoplasma devido calcificao. Normalmente estas clulas aparecem em grupos
no centro do lbulo de gordura, enquanto na periferia existe um infiltrado
neutroflico. As reas de necrose gorda esto livres, no centro, de clulas
inflamatrias mas esto rodeadas por coleces densas e difusas de linfcitos,
macrfagos, leuccitos polimorfonucleares, um nmero varivel de eosinfilos e
por vezes histicitos, que se podem estender at derme reticular profunda. (1, 20)
Por vezes observam-se focos de hemorragia. Quando presentes os eosinfilos
encontram-se desgranulados podendo observar-se tambm grnulos de eosinfilos
extracelularmente.
Para uma melhor compreenso da paniculite pancretica, apesar do
conhecimento actual sobre as alteraes histolgicas resultantes, novos estudos
sero necessrios para avaliar as transformaes sofridas pelas membranas dos
adipcitos na pancreatite e no carcinoma pancretico, transformaes estas que
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 34 -
estaro relacionadas com o aumento das enzimas pancreticas circulantes e a
activao intracelular da lipase e de outras hidrolases.
Por outro lado, j do conhecimento geral que as caractersticas histolgicas da
paniculite pancretica so praticamente diagnsticas da doena, pois no se
observam nem no eritema nodoso, na vasculite alrgica ou na doena de Weber-
Christian (doena de Pfeiffer-Weber-Christian). (27)
A observao microscpica de reas de gordura poupadas a este processo em
casos de pancreatite grave, ainda est por explicar.
2.2.5.4. Avaliao laboratorial
As alteraes analticas podem indicar se h suspeita de patologia pancretica
em casos de aparecimento de ndulos subcutneos sem outros sinais ou sintomas.
Contudo, no havendo valores de referncia, nem um padro patognomnico para
relacionar os nveis das enzimas pancreticas com as leses cutneas, haver
sempre um certo grau de empirismo nas concluses a retirar.
Dahl et al. num estudo feito com 11 doentes verificaram que a lipase e amilase
sricas estavam elevadas em nove dos dez doentes testados. Frequentemente,
uma das enzimas estava nos limites normais e a outra encontrava-se muito
elevada. (1)
Heykharts et al., 1999 (24) reportam o caso de uma doente do sexo feminino,
com ndulos dolorosos e quentes que, analiticamente, alm do aumento da
actividade da lipase e da tripsina tinha um aumento da velocidade de
sedimentao e leucocitose.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 35 -
Praticamente em todas as referncias bibliogrficas, foram encontrados nveis
sricos aumentados de enzimas pancreticas, mas foram Durden et al., 1996 (17)
que mencionaram um caso de paniculite pancretica com valores enzimticos
sricos de lipase e amilase normais.
A eosinofilia pode ocorrer associada a esta afeco cutnea (16, 17, 18, 20, 24), como
foi demonstrado por Beltraminelli et al., 2004 (4) num doente com artrite e
paniculite pancretica por carcinoma das clulas acinares do pncreas. O aumento
srico e urinrio dos nveis de lipase pode ocorrer associado a nveis normais de
amilase. A elevao enzimtica pode ser temporria, e a alterao da lipase e da
amilase pode ocorrer intermitentemente no decurso da doena. (26) Alm disso, foi
demonstrado por Higgins and Ive, 1990 (28), um caso em que aps a resoluo das
leses cutneas, as enzimas pancreticas se mantiveram elevadas.
2.2.6. Diagnstico Diferencial
H um conjunto de outras patologias a ter em considerao no diagnstico
diferencial destes ndulos subcutneos. Deve-se considerar outras paniculites,
principalmente o eritema nodoso, paniculite lpica, doena de Weber-Christian
(Pfeiffer-Weber-Christian) e paniculite histioctica citofgica. Outros diagnsticos
diferenciais incluem a poliarterite nodosa cutnea, a vasculite de Churg-Strauss, a
ganulomatose de Wegener e a tromboflebite migratria. (4, 8, 18, 30)
sobretudo atravs do exame histolgico que se distingue a paniculite
pancretica das afeces abaixo descritas.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 36 -
2.2.6.1. ERITEMA NODOSO (EN) (vasculite nodular, eritema contusiforme)
uma sndrome clnica aguda que corresponde a um processo inflamatrio da
hipoderme, caracterizada pela recorrncia de ndulos dolorosos, de colorao
vermelho violceo, quentes, afectando predominantemente a superfcie pr-tibial
dos membros inferiores de forma bilateral e simtrica, podendo no entanto
estenderem-se a outras zonas do corpo. (12, 30) Os ndulos, que oscilam entre os
meio e cinco centmetros de dimetro, regridem espontaneamente em vrias
semanas, sem deixar cicatriz residual, sendo o padro histopatolgico o de uma
paniculite septal sem vasculite. Por outro lado, na paniculite pancretica os
ndulos so mveis, podem ulcerar e a regresso das leses varia entre duas a oito
semanas, formando cicatriz atrfica e pigmentada. (17) O padro histolgico da
paniculite pancretica, o de uma paniculite lobular sem vasculite.
O EN provavelmente, a forma mais comum de paniculite (12).
Caracteristicamente mais frequente no sexo feminino, aparecendo entre os 15 e
os 30 anos.
Dentro das doenas sistmicas as causas mais frequentes so as infeces,
nomeadamente a estreptoccica, a tubercolose, a sarcoidose e a infeco fngica.
Pode ainda surgir como complicao de doena inflamatria do intestino ou doena
linfoprolifrativa, podendo preceder ou coexistir com esta. A associao com a
ingesto de frmacos est tambm descrita sendo os mais implicados os
anticonceptivos orais (ACO), os derivados da penicilina e das sulfamidas. (12)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 37 -
2.2.6.2. PANICULITE LPICA (lpus eritematoso profundo)
A paniculite lpica afecta a gordura subcutnea e faz parte do grupo de doenas
que caracteriza o lpus eritematoso cutneo. uma paniculite lobular crnica
caracterizada por ndulos profundos nicos, mltiplos ou confluentes, formando
placas infiltradas de bordos bem definidos. Tm um tamanho que varia entre um a
quatro centmetros, evoluindo para cicatriz atrfica. Este tipo de paniculite mais
caracterstico no sexo feminno, entre os 30 e os 60 anos de idade. Tal como na
paniculite pancretica, os ndulos so aqui firmes, mveis, podem ulcerar na sua
Figura 8: Ndulos inflamatrios no EN,
http://dermis.net/dermisroot/en/30437/diagnose.htm
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 38 -
superfcie, mas pode tambm surgir eritema ou ento apresentarem-se cobertos
por pele normal.
A sua localizao mais frequente a nvel da face, couro cabeludo, ombros,
regies glteas e a parte proximal dos membros superiores que so zonas pouco
envolvidas noutras variantes de paniculite. (5, 11) Ao exame histolgico encontra-se
na gordura subcutnea uma paniculite maioritariamente lobular com infiltrado
inflamatrio predominantemente constitudo por linfcitos, agregados linfocitrios
ou formao de folculos linfides (muito caracterstico de paniculite lpica),
calcificao e necrose hialina da gordura. (5, 11)
Quando ocorre nos membros inferiores, o diagnstico diferencial feito atravs
do respectivo exame histolgico. (6)
Figura 9: Ndulos subcutneos na paniculite lpica,
www.scielo.br/scielo
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0482-50042005000200008&script=sci_arttext
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 39 -
2.2.6.3. DOENA DE WEBER CHRISTIAN (paniculite nodular febril recidivante
no supurativa, paniculite idioptica, sndrome Pfeiffer-Weber-Christian)
Caracterizada primeiramente por Christian em 1928, manifesta-se como
episdios febris recidivantes, acompanhados pelo aparecimento, em surtos, de
ndulos inflamatrios subcutneos que se localizam na face, no tronco e nas
extremidades (superiores e inferiores), mas principalmente nas coxas. (35) A sua
etiologia desconhecida mas pode ser explicada, por vezes, como uma vasculite
afectando os vasos da hipoderme com necrose secundria das clulas adiposas,
da a paniculite pancretica j ter sido considerada como uma variante desta
doena. (21) O antignio agressor pode ser uma infeco recente, nomeadamente
por micobactrias atpicas, ou ter origem medicamentosa. Clinicamente o quadro
manifesta-se como leses nodulares subcutneas, inflamatrias, de um a dois
centmetros de dimetro que podem ser mveis ou aderentes aos planos
adjacentes. Laboratorialmente pode ocorrer leucocitose, porm, o mais comum a
leucopenia. (35)
As alteraes histolgicas iniciais so de degenerao de clulas adiposas
acompanhadas por um infiltrado inflamatrio composto de neutrfilos, linfcitos e
histicitos. Na segunda fase ocorre edema e necrose do tecido adiposo,
predominando os histicitos que invadem os lbulos e fagocitam as clulas
adiposas. Os histicitos de citoplasma espumoso, s vezes multinucleados,
acabam por substituir todo o lbulo. Na terceira fase (regressiva) h proliferao
fibroblstica substituindo os macrfagos. (35)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 40 -
H autores que defendem que o termo Doena de Weber-Christian deve ser
abolido da literatura, pois engloba caractersticas pouco especficas e abrangentes
a quase todos os tipos de paniculite. Existem casos descritos como uma afeco
tipo doena de Weber-Christian que se adequam tanto paniculite lpica, como
paniculite pancretica, ou paniculite por deficincia de 1 anti-tripsina, entre
outras. Tal como referiu Patterson: o diagnstico clnico de doena Weber-
Christian assinala o incio da pesquisa da verdadeira afeco (6)
2.2.6.4. PANICULITE HISTIOCTICA CITOFGICA
uma paniculite predominantemente lobular tal como a paniculite pancretica,
caracterizada por um infiltrado de histicitos citofgicos e est associada a uma
alta taxa de morbilidade e mortalidade. (6, 26) As localizaes mais frequente dos
ndulos inflamatrios subcutneos so os membros superiores e inferiores
podendo ocorrer noutros locais tais como na face e no tronco. Analiticamente
Figura 10: Ndulos na regio gltea,
na doena Weber Christian (Pfeiffer
Weber Christian),
elrincondelamedicinainterna.blogspot.
com
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 41 -
caracterstico ocorrer anemia, leucopenia, alteraes da coagulao e da funo
heptica. Ao exame histolgico observa-se inflamao da rea lobular com
expanso para os septos. Alguns casos apresentaram maioritariamente inflamao
septal (26), verificando-se mais uma vez, que a diviso entre paniculite septal e
lobular est ultrapassada. As clulas inflamatrias predominantes so os
histicitos, sendo caracterstico desta afeco uma actividade fagoctica intensa
onde tambm se podem encontrar linfcitos, eritrcitos e plaquetas. (6, 26)
Figura 11: Leses ulceradas e
hemorrgicas na paniculite histioctica
citofgica, (6)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 42 -
As vasculites sistmicas, so um grupo heterogneo de doenas caracterizadas
por inflamao e necrose de vasos. Comprometem vrios sistemas de orgos:
2.2.6.5. POLIARTERITE NODOSA
A poliarterite nodosa uma vasculite necrotisante sistmica que envolve as
artrias de pequeno e mdio calibre. Tem alta taxa de mortalidade e normalmente
os doentes aparecem com sintomas constitucionais como perda de peso, pirexia e
anorexia.(36) As leses cutneas tipicamente apresentam-se como ndulos
eritematosos subcutneos que podem ulcerar, sendo o local mais frequente para o
seu aparecimento os membros inferiores. Um livedo reticular muito caracterstico
pode ocorrer, preferencialmente nos membros inferiores. (12, 36) Em contraste com a
doena sistmica, na poliarterite nodosa cutnea no h evidncia de alteraes
imunolgicas. (36)
Histologicamente, os ndulos de poliarterite nodosa subcutnea mostram a
existncia de vasculite septal, tornando fcil a distino da paniculite pancretica
que tipicamente lobular. Os vasos da derme superior e mdia revelam um
infiltrado perivascular linfocitrio no especfico. (12)
Figura 12: Livedo reticular na poliarterite nodosa, (12)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 43 -
2.2.6.6. VASCULITE DE CHURG-STRAUSS (angete granulomatosa alrgica)
uma vasculite sistmica necrotisante que atinge vrios orgos, tipicamente
aparece em indivduos asmticos, sendo caracterizada por febre e eosinofilia. (6)
Este achado analtico tambm pode ocorrer na paniculite pancretica associada ao
carcinoma pancretico. (4, 17, 18, 19, 24) Para ser diagnosticada, a vasculite de Churg-
Strauss, tem de obedecer a determinados critrios, que, por si s, fazem distino
da paniculite pancretica e dos outros tipos de vasculite. Esses critrios so, a
asma, mononeuropatia, infiltrados pulmonares radiografia torcica, e
analiticamente encontra-se eosinofilia. Histologicamente, observa-se vasculite
necrotisante e granulomas extravasculares. O sintoma principal, que diferencia
esta doena das outras vasculites, a asma. (6)
O envolvimento cutneo ocorre em 70% dos doentes, aparecendo desde
ppulas a ndulos dolorosos nos membros inferiores e superiores mas podem
atingir outras zonas.
A histologia tpica de vasculite necrotisante de vasos de pequeno e mdio calibre
totalmente distinta da histologia de paniculite pancretica. (6)
Figura 13: Leses cutneas ulceradas caractersticas de vasculite sitmica,
http://www.scielo.br/img/revistas/jbpneu/v31s1/a04fig01.jpg
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 44 -
2.2.6.7. GRANULOMATOSE DE WEGENER
A Granulomatose de Wegener caracterizada por uma vasculite granulomatosa
das vias respiratrias superiores e inferiores juntamente com glomerulonefrite.
uma vasculite auto-imune e, a especificidade de anticorpos citoplasmticos anti-
neutrfilos (c-ANCA) para esta doena muito alta, especialmente se existe
glomerulonefrite. O envolvimento da pele ocorre em 46% dos doentes, e a biopsia
revela vasculite necrotisante distinguindo-se vasos de mdio calibre, com necrose
fibrinde, infiltrado neutroflico polimorfonuclear e detritos nucleares. (6, 8)
2.2.6.8. TROMBOFLEBITE MIGRATRIA
Afecta veias de mdio e pequeno calibre, sendo a etiologia desconhecida.
Caracteriza-se pelo aparecimento, em surtos, de ndulos cilndricos ou fusiformes,
dolorosos localizados principalmente nas extremidades inferiores, nos segmentos
Figura 14: Mltiplas mculas e ppulas na granulomatose de
Wegener,(6)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 45 -
das veias superficiais. (37) Estes ndulos podem ocorrer tambm nas paredes
abdominais, flancos, membros superiores ou qualquer outra regio.
Histologicamente, as paredes das veias apresentam-se espessadas, com
trombos ocluindo o lmen do vaso. As paredes so invadidas por clulas
inflamatrias e podem apresentar graus variados de fibrose. Ocorre inflamao
discreta ou nenhuma em torno das veias com ausncia de fibrose ou necrose do
tecido adiposo. Pode ser indicador de patologia grave sistmica como neoplasia
visceral. Quando ocorre a associao de neoplasia e tromboflebite migratria
chama-se sndrome de Trousseau. Distingue-se da paniculite pancretica
principalmente por ser uma afeco das veias superficiais e por no afectar o
tecido subcutneo. Ao exame fsico as leses podero apresentar semelhanas,
mas atravs do exame histolgico faz-se a distino entre as duas. (37)
Figura 15: Tromboflebite das veias
superficiais, (6)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 46 -
2.2.7. Tratamento
No existe tratamento especfico para esta afeco cutnea mas, como se
encontra inevitvelmente associada a patologia pancretica implica o tratamento
etiolgico, desta doena de base.
A neoplasia pancretica, na maioria dos casos, muito difcil de ser tratada. A
cura s possvel quando detectados precocemente, mas, pela ausncia de
sintomas na sua fase inicial, geralmente os tumores malignos do pncreas so
diagnosticados em fase avanada.
Nos casos de pancreatite aguda, a cura possvel atravs da administrao do
octreotido para inibir secreo pancretica e pela introduo de alimentao
parentrica.
Na pancreatite crnica poder optar-se pela administrao de enzimas
pancreticas e, nos casos mais graves, pela cirurgia.
A necrose da gordura subcutnea tem alta taxa de morbilidade e mortalidade,
especialmente em casos de neoplasias malignas do pncreas. (20) Segundo
Requena and Sanchez, 2001 (11), paniculite pancretica associada a carcinoma
pancretico tende a ser crnica e as leses mais persistentes, com recorrncias
frequentes, ulcerao e envolvimento de outras reas cutneas para alm das
extremidades inferiores. (11, 16)
O tratamento reside na eliminao da doena pancretica de base, que vai
originar a regresso das leses cutneas em duas a oito semanas. (18)
Normalmente so menos de dez leses e evoluem para cicatriz atrfica
hiperpigmentada (1, 33) no deixando manchas residuais de despigmentao como
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 47 -
no EN. (28) Por outro lado, Watts et al, 1993 (30) afirmam que as leses subcutneas
regridem sem deixar cicatriz, em dias ou semanas.
Na sua forma grave, podem tornar-se ulcerativas e flutuantes (4, 18) ou formar
abcessos estreis. (16, 20)
A cirurgia de resseco a nica teraputica eficaz no tratamento de cancro do
pncreas. (8, 11)
O tratamento depende fundamentalmente do estdio de evoluo do tumor e do
estado geral do doente. Infelizmente, esta cirurgia apenas possvel em 10-15%
dos doentes, normalmente em indivduos com tumor da cabea do pncreas, em
que a ictercia foi o sintoma de apresentao da neoplasia. Os doentes propostos
para esta cirurgia no podem apresentar metstases. (8)
A taxa de mortalidade associada a este procedimento superior a 15%, e a
sobrevida aos cinco anos apenas de 10%. (8) Contudo, os doentes que foram
submetidos a resseco tumoral e que eventualmente apresentaram recorrncia
da doena, sobrevivem trs a quatro vezes mais do que aqueles que no foram
submetidos a cirurgia, o que indica que este procedimento tambm tem um papel
paliativo. (8)
O carcinoma das clulas acinares do pncreas um tumor raro e o tratamento
dos doentes com este tipo de neoplasia ainda no consensual. (38) A paniculite
pancretica associa-se em 80% a este tipo de neoplasia pancretica. (38)
Curiosamente, este tumor corresponde apenas a 1% dos tumores excrinos do
pncreas.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 48 -
Sabbagh et al., 2008 (38) apresentam o caso de um doente do sexo masculino
com tumor das clulas acinares do pncreas, no qual a reseco pancretica do
tipo esplenopancreatectomia esquerda foi eficaz, resultando no desaparecimento
das leses cutneas algumas semanas aps esta cirurgia. Foi submetido a
quimioterapia com cisplatina e sobreviveu por 13 meses aps a cirurgia.
Em doentes com tumores irresecveis sem metstases o tratamento com
quimioterapia juntamente com radioterapia poder aumentar a sobrevida. (8)
Por outro lado, a aplicao de quimioterapia em doentes com doena
metasttica revelou-se desanimadora.
Dahl et al., 1995 (1) apresentam dois casos de pancreatite por clculos biliares,
que tiveram resoluo das leses cutneas e da doena pancretica aps
colecistectomia.
Segundo Lambiase et al., 1996 (3), quando o octeotrido foi administrado a um
doente com carcinoma pancretico acinar, foi prevenida a formao de novos
ndulos de paniculite, mas, nem todos os doentes respondem a este tratamento,
particularmente no caso de pancreatite crnica apresentado por Mourad et
al.,2001 (2).
Foi tambm Lambiase et al., 1996 (3) que referiram um doente com pancreatite
crnica com estenose do ducto pancretico proximal no qual o tratamento consistiu
na colocao de um stent pancretico. Como resultado, o valor da amilase desceu
para valores normais numa semana, e houve involuo total das leses cutneas
em cerca de um ms. A desobstruo de uma estenose levou resoluo da
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 49 -
doena pancretica, diminuio da libertao de enzimas pancreticas e
subsequente regresso da paniculite.
Pena et al., 1999 (20) preconizam teraputica paliativa como analgesia e
tratamento postural. Heykharts et al., 1999 (24) apresentam um caso em que se
tentou o tratamento das leses cutneas com amoxicilina, meias elsticas e
repouso que no provocaram melhoria. Corticosterides administrados ao mesmo
doente, tambm no melhoraram o quadro de paniculite pancretica. Foi tambm
Mourad et al, 2001 (2) que apresentaram um caso, que, aps tratamento com AINE
e corticosterides, no melhoraram as queixas de algia articular. A terapia com
AINE e agentes imunossupressores mostraram-se ineficazes no processo
inflamatrio, no interferindo na evoluo dos ndulos subcutneos, nem no
processo articular. (18)
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 50 -
2.2.8. Prognstico
2.2.8.1. Quanto sobrevida
A paniculite uma leso cutnea altamente especfica para doena pancretica,
particularmente para o carcinoma acinar do pncreas, e denota mau prognstico.
(18)
Este depende da doena de base e tambm da extenso da necrose gorda a
outros orgos e estruturas (articulaes, ossos, pleura). (21)
A taxa de mortalidade associada cirurgia de resseco de tumor do pncreas
superior a 15%, e a sobrevida aos cinco anos apenas de 10%. A sobrevida mdia
para doentes com tumores pancreticos no ressecveis de seis meses. (8)
Segundo Mourad et al., 2001 (2) esta afeco cutnea apresenta mau
prognstico com taxa de mortalidade que chega aos 40%, em doentes com
pancreatite com uma ou mais manifestaes extrapancreticas. O prognstico
agrava quando ocorre artrite como primeira manifestao de doena pancretica.
Na ocorrncia de serosites e derrames, associa-se tambm imediatamente um pior
prognstico. (10)
A trade necrose gorda, poliartrite e doena pancretica mencionada como
uma sndrome que ocorre em menos de 1% dos doentes com pancreatite aguda ou
carcinoma pancretico mas com altas taxas de mortalidade. (30)
A Trade de Schmid, que consiste na associao de paniculite pancretica,
poliarterite e eosinofilia, foi mencionada por Beltraminelli et al. (4) como sinal de
mau prognstico. Heykharts et al. (24) afirmam que, em alguns doentes, a
associao paniculte com doena pancretica, artrite, derrame pleural, ascite e
eosinofilia revela igualmente um mau prognstico.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 51 -
2.2.8.2. Quanto qualidade de vida
Considerando-se que na maioria das vezes enfrentamos um tipo de cancro
incurvel, muito importante que se evite ao mximo a morbilidade associada ao
tratamento sem comprometer o sucesso teraputico. Apesar de ainda no existir
uma cura definitiva, as opes disponveis permitem um bom equilbrio entre
eficcia e efeitos colaterais, o que possibilita melhor qualidade de vida.
O controlo da dor importante na melhoria da qualidade de vida dos doentes
com neoplasia do pncreas. Caractersticamente uma dor abdominal constante e
grave, necessitando de altas doses de analgsicos narcticos. (8)
A radioterapia em doentes com tumores irresecveis, sem invaso de outros
orgos alm do pncreas, no aumentou a sobrevida mas teve aco paliativa ao
diminuir o tamanho do tumor e consequentemente a dor. (8)
A quimioterapia com frmacos tais como a gemcitabina, mostrou melhorar a
qualidade de vida em doentes com neoplasia pancetica avanada. (8)
Acima de tudo, os tratamentos paliativos visam a melhoria da qualidade de vida
do doente principalmente naqueles com tumores irresecveis ou com invaso de
estruturas vizinhas.
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 52 -
Captulo 3
3.1. Descrio do caso clnico
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 53 -
3.1. DESCRIO DO CASO CLNICO
Os dados da Histria Clnica foram recolhidos atravs dos registos do processo
clnico do doente. A anamnese, foi baseada em registos das consultas de
Dermatologia e dos internamentos em Cirurgia e Gastrenterologia, por falta de uma
histria clnica completa do doente. No foi possvel apurar antecedentes
familiares, e, evidentemente, no foi possvel realizar exame fsico. Esta descrio
corresponde a um resumo da histria clnica do doente, no seu fim de vida.
IDENTIFICAO
Nome: J.L.
Sexo: Masculino
Idade: 84 anos
Data de Nascimento: 25/11/1920
Naturalidade: Covilh
Residncia: Covilh
HISTRIA CLNICA
O doente foi enviado consulta de Dermatologia do CHCB pelo Centro de Sade
da Covilh no dia 10 de Maio de 2005, por leses nodulares eritematosas a nvel
dos membros inferiores, com evoluo h cerca de um ano.
Nesse dia foi realizada bipsia de uma das leses nodulares. Na mesma
consulta, foi detectada uma mancha pigmentada na hemiface direita, muito
sugestiva de lntigo maligno, pelo que foi tambm feita uma bipsia desta leso. O
doente foi medicado com Indometacina (anti-inflamatrio no esteride AINE),
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
Estudo de Um Caso e Reviso da Literatura
- 54 -
para alivio sintomtico, ficando de regressar dai a 10 dias para conhecimento dos
resultados histopatolgicos.
Figura 16: Doente com ndulos subcutneos eritematosos no membro inferior no dia
10/05/05, Gentilmente cedido pelo Dr. Carlos Monteiro, CHCB
-
Ana Palhares Delgado
Paniculite Pancretica associada a Neoplasia do Pncreas
top related