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Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.
Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616
OS MURAIS DE POTY LAZZAROTTO NA CIDADE DE CURITIBA Luciana Ferreira1
lluasol@gmail.com Resumo: Este texto adota os murais de Curitiba como tema de estudo. Se propõe, a avaliar a importância de tais obras para a cidade e também para aqueles que as observam no dia a dia – moradores ou visitantes da cidade. Ao mesmo tempo, tenta compreender o complexo universo simbólico que “carregam” em si – afinal a leitura de um mural, como a de qualquer obra de arte, deve passar por vários enfoques como: o que a obra objetivamente exibe; quais as reações que ela é capaz de suscitar; qual a técnica utilizada; a qual contexto social e histórico ela está vinculada e quais as possibilidades de leitura de suas imagens, signos e símbolos. Como delimitação do estudo, recorre à reflexão sobre os murais produzidos por Poty Lazzarotto, uma vez que se deve a este artista, a grande maioria dos murais expostos em espaços públicos em Curitiba. Palavras-chave: Murais; Curitiba; Poty. Abstract: This paper takes the murals of Curitiba as the subject of its study. Proposes to evaluate the importance of such works for the city and also for those who observe them in their daily life, being they this citie’s residents or visitors. At the same time, we try to understand the complex symbolic universe that they "carry" themselves, looking at certain aspects and passing through various approaches such as: what do the works objectively display; what reactions they provoke; which are the techniques used; to which social and historical context are they bound; and what are the possibilities of reading their images, signs and symbols. The murals produced by Poty Lazzarotto and exposed in the walls of Curitiba are the universe of this study, because the vast majority of Curitiba’s mural art is due to this artist.
Keywords: Mural art; Curitiba-Brazil; Poty. OS MURAIS EM CURITIBA
Adotando os murais de Curitiba como tema, este estudo se propõe a avaliar qual a
importância de tais obras para a cidade e para aqueles que os observam no dia a dia, sejam
eles moradores da cidade ou visitantes e, ao mesmo tempo, compreender o complexo
universo simbólico que os mesmos “carregam” em si. Como delimitação do estudo, recorre-se
à reflexão acerca dos murais produzidos por Poty Lazzarotto, uma vez que a maioria dos
1Artista Plástica. Mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP. Doutoranda em Geografia pela UFPR. Professora
Assistente de Artes Visuais do Curso de Licenciatura em Artes da Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral. Coordenadora do Projeto de Extensão Laboratório de Criação e Produção Artística.
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murais de Curitiba foi criada por este artista: do Teatro Guaíra ao monumento do Centenário
do Estado; dos azulejos atrás da Catedral, às sedes de várias empresas públicas e privadas.
OS MURAIS DE POTY
Figura 1 – Mural “Imagens da Cidade”, Poty. Fonte: www. expiracaoeinspiracao.blogspot
Figura 2 – Mural “Largo da Ordem”, Poty. Fonte: www. ceramicanorio.com
Ao se observar a arte produzida por Poty, uma característica imediatamente parece se
destacar das demais: seu traço tem algo de rural, mas é moderno – seja pela distorção criativa
ou pelo uso de justaposições de espaços e tempo. Graças a esse traço peculiar, tipos de uma
Curitiba ainda ligada a hábitos agrícolas, mas flagrada por uma linguagem contemporânea,
surgem na forma de pessoas comuns, no exercício de usos, costumes, atividades e diversões
paranaenses. Cenas tão triviais do cotidiano humano foram expressas por um simbolismo
carregado de humildade e singeleza, que levam, possivelmente, aqueles que as veem a
identificar-se, mesmo que inconscientemente, pelo que é sugerido no contexto de sua obra.
Provavelmente, tal característica pode ter sido o dado decisivo para a presença maciça de seus
trabalhos em tantos espaços públicos e privados da cidade de Curitiba.
Durante uma de suas últimas entrevistas, ao jornal Estado de São Paulo, Poty afirmou
que tinha escolhido o mural como suporte, por ser este meio, em parte, mais democrático do
que as outras formas de arte. Em cinco décadas de atividades ininterruptas, a maior parte da
obra de Poty é representada pela arte pública – e se encontra, quase toda, em Curitiba. Até
1986, o artista plástico Poty Lazzarotto já havia assinado mais de vinte murais espalhados pela
cidade. É difícil ter acesso à localização de todos eles, mesmo porque nem o próprio Instituto
de Pesquisa e Palnejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) possui dados sobre a quantidade e a
localização deste acervo.
Muitos dos murais de Poty estão ligados a temas específicos, atendendo a projetos
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propostos por instituições públicas ou privadas, mas usam, praticamente, os mesmos símbolos
que reafirmam a identidade curitibana e paranaense. Poty colocou, na totalidade de sua obra,
a sua energia e seus traços vigorosos para retratar criativamente o perfil da cidade, de seus
habitantes e de sua história. Suas lembranças, sejam da sua infância ou da cidade, estão nos
murais: lá estão as pipas, as casas de madeira, os lambrequins, os trilhos de trem – do tempo
em que a cidade dependia de tal transporte para chegar a qualquer outro lugar do país –,
assim como a figura do ferroviário, do tropeiro, dos cavalos, dos índios e dos imigrantes, dos
homens que viviam da madeira, das desaparecidas carrocinhas e das “polacas” com suas
enormes cestas de verduras e lenço na cabeça e também do “ponto de encontro” da Rua José
Bonifácio, perto dos bebedouros de cavalos em frente à Igreja da Ordem – o único ainda
existente na cidade. Poty retratou também a Curitiba moderna, a Praça Tiradentes, os
Ligeirinhos (ônibus articulados e biarticulados, característicos da cidade), os novos materiais
usados em construções da cidade – como o aço, o metal, as transparências – os Faróis do
Saber, as Estações Tubo, sempre mantendo um cuidado minucioso com todas as épocas.
Em muitas dessas imagens, é possível fazer, também, uma interpretação ideológica da
cidade, pelo uso recorrente de símbolos e signos feitos pelo artista. Entretanto, apesar de ter
sido considerado o artista oficial da Administração Pública da cidade de Curitiba, os murais de
Poty, assim como quase toda obra de arte, possuem um significado mais profundo e latente
que não é apreendido, senão de modo muito vago, pela maioria das pessoas.
OS MURAIS E A PAISAGEM DA CIDADE
A paisagem de uma cidade caracteriza-se pela magnitude de seu ambiente, no qual se
destacam suas construções: prédios, casas, ruas, praças, bairros, centros comunitários,
hospitais, parques, obras de arte pública, entre outros. Cada um destes elementos se destaca
na cidade utilizando-se dos mais variados recursos: cores, escalas de tamanho diferenciadas,
diversificados tipos de construções. Além disso, cada cidade apresenta um fluxo diferente: seja
de comunicação, de tipos humanos ou de cultura, produzindo, desta forma, diferentes
imagens e significados para o espectador.
Curitiba é conhecida pelo uso em larga escala de murais. Estes se disseminaram por
esta cidade que dispensa grande cuidado aos seus logradouros públicos, o que ajuda a reforçar
uma proposta urbana que é reconhecida internacionalmente. Percebe-se, com facilidade, a
atenção dedicada a esses espaços: na imposição de limites para o uso de placas pelos
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estabelecimentos comerciais no centro da cidade; na proteção da arquitetura histórica; no
limite de anúncios em postes ou outros suportes, cuidados que criam não só beleza mas
também significado.
Em geral, as praças e ruas de Curitiba são alvos de proteção, estando sempre sob
manutenção. Foi nas praças que começaram a ser instalados os primeiros murais da cidade.
Enraizada na tradição curitibana, a maioria dos murais reúne, sobre seu “corpo”, símbolos –
símbolos que foram criados no início do século XX, durante o que se configurou como
Paranismo – e que acabou por criar uma identidade imagética paranaense.
Previamente à inserção de um mural em algum logradouro, são realizados estudos por
órgãos competentes da Administração Pública, como por exemplo, o IPPUC e a Secretaria de
Cultura. O local escolhido, salvo a exceção que confirma a regra, apresenta, entre as muitas
características que definem sua escolha, uma que pode ser a de maior peso: alto fluxo de
transeuntes ou de afluência de público. Os murais podem ser considerados monumentos –
definição que por si só já dimensiona seu potencial de visualização. Dotados de tal atributo,
pontos turísticos ou históricos oferecem o elemento que é a razão fundamental da instalação
de um mural: alta frequência de visualização. Os murais Largo da Ordem e Imagens da Cidade,
por exemplo, foram instalados no centro cultural e símbolo histórico do “nascimento” da
cidade: o próprio Largo da Ordem. Desta forma, ao estabelecer com o lugar uma relação de
identidade, direta e prática, mas sem descartar o fator emocional, os murais acabam
acrescentando valor de legitimidade ao local de inserção, conferindo ao espaço maior realce
de seus atributos, em escala suficiente para torná-lo objeto de visitação “obrigatória” e ponto
de referência.
Quando um mural é instalado, acontece, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, a
reunião de três campos distintos da arte: a pintura, a escultura e a arquitetura. Observando
cada campo, isoladamente, é possível chegar a algumas conclusões:
na pintura, os murais apresentam sua característica bidimensional, sendo a visão
responsável pela ligação com os “agentes da percepção”. Entretanto, apresentam uma
limitação: os olhos têm a sensação de volume, mas se mostram incapazes de constatá-
la como acontece, por exemplo, com o mural da Praça 19 de Dezembro,
confeccionado em azulejos;
na escultura, tanto a visão quanto o tato se incumbem da ligação com os “agentes da
percepção”;
a arquitetura se responsabiliza por reunir os “agentes de percepção” visual e tátil, em
um conjunto condicionado aos seus critérios (e utilizados em relação a qualquer
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edificação), numa tentativa de tornar os murais, elementos harmoniosos em relação
ao espaço em que serão instalados. Como se sabe, a inserção de um objeto
tridimensional, como é o mural, altera o cenário da cidade em volume, dimensão e
estética. E a arquitetura, que dispõe de meios para encontrar a solução mais
adequada, utiliza de seus recursos artísticos e técnicos, levando em consideração os
aspectos ambientais e estéticos. Como exemplo, temos o mural da Praça 29 de Março,
confeccionado em concreto armado.
Segundo Escobar (2000, p. 51), a instalação de um monumento (estátua, obelisco,
chafariz, mural, etc.), num espaço público, é feita com base em três conceitos: centralidade,
axialidade e excentricidade. Em entrevista informal, no departamento de Projetos, feita no
IPPUC, foi possível obter os seguintes dados a respeito dos conceitos e reflexões realizados por
Escobar.
Na centralidade, a instalação do monumento é feita exatamente no “centro
geométrico” de um determinado espaço (praça, jardim, parque, entre outros). Tal
posicionamento vem sendo usado desde os mais remotos tempos e está estreitamente ligado
ao desenho clássico. Um exemplo deste posicionamento é o conjunto de obras da Praça 19 de
Dezembro.
Na axialidade, a instalação do monumento é feita com base em um “eixo” (reta)
conseguido a partir de dois pontos relevantes, onde, segundo o IPPUC, o “ponto focal” está no
monumento e, na outra extremidade do “eixo” um ponto importante da cidade, como uma
edificação histórica, uma igreja ou uma característica geográfica, como a Serra do Mar, por
exemplo. O conceito de axialidade pode ser considerado moderno – se comparado ao da
centralidade – e surgiu como conseqüência da renovação urbanística européia, no século XIX,
generalizando-se no século XX. No Brasil, particularmente na cidade de São Paulo, a axialidade
passou a ser empregada, aproximadamente, a partir da década de 1940. Como exemplo deste
conceito pode ser citado o mural O Teatro e o Mundo, instalado na fachada do Teatro Guaíra,
que tem bem à sua frente, do outro lado da Praça Santos Andrade, a Universidade Federal do
Paraná (UFPR) (a mais antiga Universidade do país), com a qual forma o “eixo”, exigido pela
axialidade. Outro exemplo é o mural As Quatro Estações, instalado na fachada do Hotel Paraná
Suíte. Neste mural, a figura do Semeador homenageia a fertilidade do solo paranaense e
também o escultor Zacco Paraná, autor de escultura homônima situada defronte ao mural.
Na excentricidade, a instalação do mural é feita por critérios que não se enquadram
em nenhum dos conceitos anteriores. Nas palavras de Escobar (2000, p. 51), “é a antítese das
regras, fruto da espontaneidade e da descoberta de novas lógicas”. O exemplo de
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excentricidade pode ser observado na instalação dos murais “Largo da Ordem”, “Imagens da
Cidade”, “O Eterno Sonho” e “Evolução do Saneamento Básico”. Nestes exemplos, vemos os
murais serem “acomodados” em espaços já existentes (pois usam prédios antigos como
suporte e, claro, construídos muito antes de se imaginar a instalação do mural).
É, entretanto, muitas vezes impossível determinar os critérios adotados para a
instalação de monumentos sem dispor de dados objetivos sobre como a mesma se deu.
Quando da visita ao IPPUC, ao ser levantada essa questão, a própria instituição argumentou
que mesmo levando em conta a precariedade de dados disponíveis, nenhum monumento é
instalado de forma aleatória ou arbitrária.
À parte os conceitos adotados na instalação dos murais (e dos monumentos, por
extensão), é preciso ressaltar que a aplicação dos mesmos resultou também do aparecimento
de novos materiais e suportes que representam o notável aprimoramento técnico dessa área
artística. Tal aprimoramento pode ser observado nos mais variados murais onde se destacam o
concreto, o azulejo, o vidro e a madeira. As novas técnicas acrescentaram mais
espontaneidade, leveza e, sobretudo, mais liberdade aos conceitos de instalação dos
monumentos contemporâneos e produziram, ao mesmo tempo, o aumento de distinção e
autenticidade dos murais curitibanos.
MURAIS: SIMBOLIZAÇÃO E SIGNIFICAÇÃO
A leitura detalhada de um mural, como a de qualquer obra de arte, deve passar por
vários enfoques: o que a obra objetivamente exibe; quais as reações que ela é capaz de
provocar no espectador; qual é a técnica utilizada pelo artista; a qual contexto social, poliítico,
histórico a obra está vinculada; se faz parte de um determinado movimento artístico; o estilo
do artista que a criou; e, as possibilidades de leitura que suas imagens oferecem.
Como linguagem artística, a arte mural, especialmente aquela realizada por Poty em
Curitiba, constitui uma expressão semiótica, pois, segundo Langer (1989), toda expressão
semiótica carrega um pensamento que designa alguma coisa que se situa fora dela. As
imagens que esses murais apresentam estão relacionadas ao Estado do Paraná ou à cidade de
Curitiba, em suas características urbanas ou rurais, assim como ao homem paranaense, suas
atividades e qualidades.
Essas obras foram “encomendadas” pela Administração Pública e produzidas para
atuar como objetos de publicidade do Governo, são símbolos da riqueza e “enfeite” da cidade
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em que atuam. São objetos de conveniência prática, que denotam poder político e econômico,
servindo também como ostentação da beleza da cidade. Como objetos, que “acomodam” em
si uma obra de arte de um artista famoso, podem ser, entretanto, a qualquer tempo, trocados
por outros objetos de “melhor conveniência” para a Administração Pública.
De modo geral e visto como objeto, o mural acaba, muitas vezes sendo somente
encarado como um fundo colorido, sem um significado particular, precisando sempre de festas
para ser “visto”, assim como de datas específicas para ser criado e inserido no espaço urbano.
Caso contrário “morre” visualmente na velocidade do dia a dia e na disputa com as outras
construções, diversões e pontos turísticos da cidade. Pode-se dizer, portanto, que os murais,
em Curitiba, se tornaram “famosos” e “conhecidos” mais pela relação com o poder que a
cidade pode transmitir, do que pelas suas qualidades estéticas. Talvez, por isso, a grande
maioria dos espectadores passe indiferente a eles, sendo vistos, mas não contemplados, pois,
é claro, a verdadeira contemplação estética só começa quando se supera essa visão
“coisificada” que aparentemente se tem a respeito da arte pública. Desde quando foi erguido
o primeiro mural até a instalação dos murais atuais, o que está em questão é o “valor” que a
cidade e o Estado precisam deixar transparecer que possuem. Este valor precisava e precisa de
um suporte “estético”, e assim o mural foi escolhido, como poderia ter sido outro suporte
qualquer. Ele é, portanto objetivamente, um objeto ideológico, assim como o são suas
imagens.
Segundo Chauí (1981):
Em toda sociedade dividida em classes, na qual há uma cisão entre o objeto e o sujeito (propriedade e não propriedade, consumo e produção, abundância e miséria) existe uma sociedade dominada por uma ideologia, que se determina como o pensamento da classe dominante, e, em uma sociedade dividida em classes, a ideologia forma o significado manifesto da maioria dos bens culturais, inclusive da arte pública, constituindo-se num pressuposto do próprio conhecimento.
Existe aparentemente o consenso de que os murais levam para a rua a arte que muitos
não conhecem ou à qual não têm acesso, podendo com seus signos enriquecer culturalmente
as pessoas; assim como existe o consenso de que eles enriquecem visualmente a cidade,
tornando-a mais agradável. Do ponto de vista estético e ideológico, os murais de Poty são
realmente belos. Mas, ideologicamente, são belos não por refletirem a realidade, mas porque
partem da premissa de que a própria realidade é bela em si mesma, convertendo os atributos
das obras em atributos da realidade, não ultrapassando nunca a esfera da aparência.
Como se sabe, a Administração Pública sempre produziu uma massa de objetos
ornamentais urbanos, como é o caso do mural em Curitiba. Essa intensa produção deixou clara
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a versatilidade e a eficiência estética, levando à “necessidade” de repetir o mesmo objeto e os
mesmos signos. Modernamente, a necessidade de repetição dos signos provocou, como é fácil
notar, a estilização de certas imagens fora dos murais: como por exemplo, o “pinhão”, a
“polaca-verdureira” e o “pinheiro”. Após a estilização, veio a esquematização destas formas e,
à medida que foram sendo necessárias mais e mais imagens esquematizadas, estas chegaram
à abstração estereotipada, como se percebe nos desenhos das calçadas e faixas de pedestres
em forma de pinhão, ou nos cartões postais com imagens estilizadas e estereotipadas da
“polaca-verdureira”. Todas as imagens que Poty produziu foram multiplicadas muitas e muitas
vezes.
Assim, estas imagens que um dia tiveram grande valor simbólico, poderiam ter-se
tornado vazias, uma vez que, aparentemente, desapareceu seu conteúdo simbólico e
permaneceu apenas, seu conteúdo ideológico. Entretanto, as imagens e os murais de Poty se
diferenciaram, não por sua magnitude ou objetividade, mas porque Poty, antes de ser um
grande muralista, financiado pela Administração Pública, foi um grande artista, criando
imagens que foram além dessa programação ideológica. Existem nelas um choque entre a
superficialidade ideológica e a profundidade da obra. Cada uma das imagens de seus murais
carrega uma história dentro de si, isto é, uma essência que permanece enquanto todo o resto
muda – neste caso, o compromisso ideológico que as originou.
Os murais de Poty “descrevem” a visão do artista do Paraná e de Curitiba. Na maioria
das obras murais, o elemento principal é o homem paranaense e o “fundo” destas imagens é o
“mundo” curitibano e paranaense em seus aspectos estruturais. As imagens dos murais são,
portanto, miméticas, e por esse motivo todas possuem um tema: Desenvolvimento Histórico
do Paraná, Alegoria ao Paraná, Tropeirismo no Paraná, As Quatro Estações, Café e Mate, Ciclos
Econômicos do Paraná, Largo da Ordem, Imagens da Cidade, O Teatro e o Mundo, O Tempo e a
Vida, O Eterno Sonho, A História de Curitiba, A Gralha Azul. Os títulos conseguem, na grande
maioria das vezes, exprimir o sentido ou o conteúdo das obras.
Desta forma, enquanto obras de arte, os murais operam com signos analógicos, não
sendo necessário ser um especialista para apreciar suas imagens. Os signos encontrados nos
murais substituem as palavras, eles “apresentam uma história” para os espectadores, que
podem ler e interpretar suas imagens assim como acontece com a linguagem verbal –
entretanto, é preciso frisar, todo signo permite uma variedade infinita de interpretações.
Quando vemos o signo “pinheiro”, vemos a força ou a austeridade do homem
paranaense, a força e a beleza da natureza e também os grandes desmatamentos que quase
causaram sua extinção. Quando vemos os “lambrequins”, vemos a colonização ou a
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arquitetura característica das primeiras moradas paranaenses, mas também a dificuldade pela
qual passaram os colonos. Da mesma forma, quando vemos a imagem do “bebedouro dos
cavalos” e das “polacas-verdureiras”, ou dos “tropeiros” e dos “ferroviários”, vemos o passado
ou o povo trabalhador que sempre existiu em Curitiba ou que a colonizou, mas também o
cansaço, a luta do povo, a indefinição do futuro, a pobreza e assim por diante. Desse modo, a
universalidade e a grandeza destas imagens são resultados diretos da universalidade e da
grandeza das experiências coletivas e da experiência particular do artista Poty. Assim, cada
signo observado isoladamente possui um significado objetivo que possui, por sua vez, em seu
interior vários significados e sentidos particulares, aí sua difícil definição teórica.
Segundo Langer (1989), todo signo analógico pressupõe um vínculo com a experiência
sensível da coletividade, sendo que é essa conexão com a práxis que permite que a imagem se
transforme em um signo. As imagens podem refletir a realidade porque elas já fazem parte da
realidade concreta: o signo apresenta o real porque é um momento do real.
Cada signo criado por Poty exibe uma faceta da realidade e de sua obra. Juntos, os
signos resultam num princípio de composição, que é fruto do estilo do artista, que em “seu
mundo” ditou as regras. Além disso, apesar de toda complexidade de significações contidas
nas imagens dos murais, Poty as criou de forma singela, retratando o homem, as atividades e
os costumes comuns e que serviram e servem como espelho do cotidiano. Estes signos são
fontes de conhecimento da história curitibana e paranaense e foram recuperados entre
experiências próprias do artista, lendas, cotidiano e símbolos paranistas. Com isso, o artista
conseguiu deixar explícito o significado implícito da conduta da coletividade, sendo que a
beleza estética dessa arte está justamente em expressar uma coletividade historicamente
determinada.
O que definirá a quantidade de interpretações e significações de cada signo, será a
quantidade de informações que possui o espectador a respeito dos signos ali dispostos e a
respeito da história de vida de Poty Lazzarotto, o criador, assim como o conhecimento que
tem sobre a cidade de Curitiba e o Estado do Paraná, pois, segundo Lévi-Strauss (1975), as
unidades pictóricas adquirem significado à medida que estão ancoradas na experiência
sensível dos indivíduos. Se, de um lado, ao repetir os mesmos signos, os murais conseguem
despertar nos espectadores o sentimento agradável do reconhecimento – mesmo que estes
nada signifiquem para o espectador –, de outro, podem arrancar significações mais profundas
– mas isso dependerá das experiências de cada espectador. Assim, é fácil massificar os signos,
mas é difícil massificar o conteúdo que eles encerram.
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Os murais, desta forma, carregam em si um significado prático – que no mínimo
suscita nos espectadores algum tipo de sentimento – mas, em sua complexidade, são
portadores de pensamentos que revelam sua utilidade e seus fins.
CONCLUSÃO
Este texto teve como principais propostas avaliar a importância que os murais têm
para a cidade de Curitiba e também compreender o complexo do universo simbólico que os
mesmos “carregam” em si.
Os murais, em Curitiba, servem como objetos de mediação entre as diferentes
instituições e a comunidade. Servem também como um suporte diferenciado, que oferece
uma forma pictórica de interpretação da história local, informando e relacionando fatos da
cidade e do Estado do Paraná. Entretanto, o universo do qual o mural faz parte é muito mais
vasto e complexo do que se pode, à primeira vista, imaginar. Ele engloba uma infinidade de
áreas que envolvem ao mesmo tempo as relações humanas, sociais e políticas: relações
inevitáveis e que modelam não só as cidades, como também seus cidadãos, seus objetos e
consequentemente sua arte pública.
Durante o levantamento de quais murais serviriam para esta análise, acabou-se
delimitando o estudo aos trabalhos de Poty Lazarrotto – pela presença expressiva,
característica e famosa de seus monumentos; por suas obras efetivamente “contarem” as
histórias da cidade e; por ser Poty um artista reconhecido nacional e internacionalmente.
Os signos apresentados nos seus murais são aparentemente simples e objetivos –
não existem signos obscuros nas obras de Poty, ao contrário do que acontece em obras
abstratas, por exemplo. Eles refletem o homem e o mundo, centrando-se no cidadão.
Expressam não só a subjetividade do artista, mas a subjetividade dos espectadores – e,
provavelmente, foi essa ligação tão profunda das imagens com os espectadores que passou a
ser o ponto decisivo que fez com que o artista fosse o escolhido, não só pela Administração
Pública, mas por um grande número de espectadores que se tornaram admiradores da sua
obra.
A simplicidade/complexidade encontrada na obra de Poty, a tornou, de outro lado, um
“modelo”, um “padrão de perfeição a ser seguido”. Assim, existem até hoje diversas tentativas
de copiá-lo. A Administração Pública tentou algumas vezes, usar outros artistas na produção
de murais na cidade, sem muita sorte. Os que mais se aproximaram da “padrão/modelo”
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esperado, imitaram de alguma forma os murais de Poty ou seus signos-símbolos. Nesta
tentativa frustrada de repetição, produziram-se formas desgastadas e de pouco interesse por
parte da crítica e do espectador curitibano. Portanto, pode-se perceber que, até mesmo após a
morte do artista, foram criados murais com suas imagens, assim como, percebe-se também
que a Administração Pública entrou em aparente desinteresse pela produção de murais.
Desinteressou-se, provavelmente, porque existia a expectativa de que novas obras
“surgissem” com a essência que era encontrada na obras de Poty.
Essência que só pode ser entendida se for considerada a devoção que o artista
demonstrava ter em observar as reações provocadas pelos seus signos nos espectadores,
assim como da soberania que possuiu sobre seus meios, suportes e signos e o domínio entre a
técnica e o planejamento consciente de cada obra. Características que conferiram, com
certeza, ao grafista e muralista, lugar de destaque e que possibilitaram a expansão de sua
obra, não só em Curitiba, mas por todo Brasil e pelo mundo. Enfim, sua capacidade de ser
individual e coletivo ao mesmo tempo.
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