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Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. 101 LEITURAS POSSÍVEIS DOS MURAIS CURITIBANOS DE POTY LAZZAROTTO Dranda. Luciana Ferreira 1 [email protected] Resumo Os murais produzidos por Poty foram um dos veículos de comunicação mais utilizados pela Administração Pública de Curitiba, principalmente entre as décadas de 1950 e 1990. Como arte pública, os murais deste artista estabeleceram um conjunto de símbolos que, ao longo do tempo, se ofereceram ao espectador como elemento identificador da cidade, ao mesmo tempo que tornaram evidentes as intenções da Administração Pública em realçar a perspectiva de Curitiba como cidade ideal. De outro lado, as imagens e os murais de Poty se diferenciaram e se sobressaíram diante dessas intenções porque, antes de mais nada, Poty foi um grande artista plástico, que produziu obras de arte de inestimável valor. E, enquanto obras de arte, toda sua produção, inclusive a de murais, carrega em si infindáveis significados, assim como infindáveis possibilidades de leituras e análises. Este trabalho oferece possíveis leituras desses murais. Para tanto, apoiou-se em autores como Ostrower, Dondis, Arnheim e Pedrosa e, apesar de analisar brevemente um número grande de murais, se deteve com mais cuidado aos detalhes dos murais Imagens da cidade e Largo da Ordem. Palavras-chave: Murais; Curitiba; Poty; Leitura de imagens. Abstract The murals produced by Poty, were some of the means of communication most used by the Public Administration in Curitiba, mostly between the 1950s and 1990s. As public art, this artist’s murals established a set of symbols that, over time, the viewer is offered as the city’s identity element, while the intentions of Public Administration in enhancing the prospect of Curitiba city as ideal became apparent. Moreover, Poty’s images and murals differentiated and stood beyond these intentions because, first of all, Poty was a great artist who produced works of art of inestimable value. And as works of art, all his production, including murals, carry with them endless meanings, as well as endless possibilities of readings and analysis. This research presents possible readings of these murals, taking as base some thoughts of authors like Ostrower, Dondis, Arnheim and Pedrosa. And despite briefly analyzing a large number of murals, we examined more carefully details of the murals Images da Cidade and Largo da Ordem. Keywords: Murals; Curitiba; Poty; Reading images. 1 Artista Plástica. Mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP. Doutoranda em Geografia pela UFPR. Professora Assistente de Artes Visuais do Curso de Licenciatura em Artes da Universidade Federal do Paraná Setor Litoral.

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Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013.

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LEITURAS POSSÍVEIS DOS MURAIS CURITIBANOS DE

POTY LAZZAROTTO

Dranda. Luciana Ferreira1 [email protected]

Resumo Os murais produzidos por Poty foram um dos veículos de comunicação mais utilizados pela Administração Pública de Curitiba, principalmente entre as décadas de 1950 e 1990. Como arte pública, os murais deste artista estabeleceram um conjunto de símbolos que, ao longo do tempo, se ofereceram ao espectador como elemento identificador da cidade, ao mesmo tempo que tornaram evidentes as intenções da Administração Pública em realçar a perspectiva de Curitiba como cidade ideal. De outro lado, as imagens e os murais de Poty se diferenciaram e se sobressaíram diante dessas intenções porque, antes de mais nada, Poty foi um grande artista plástico, que produziu obras de arte de inestimável valor. E, enquanto obras de arte, toda sua produção, inclusive a de murais, carrega em si infindáveis significados, assim como infindáveis possibilidades de leituras e análises. Este trabalho oferece possíveis leituras desses murais. Para tanto, apoiou-se em autores como Ostrower, Dondis, Arnheim e Pedrosa e, apesar de analisar brevemente um número grande de murais, se deteve com mais cuidado aos detalhes dos murais Imagens da cidade e Largo da Ordem. Palavras-chave: Murais; Curitiba; Poty; Leitura de imagens.

Abstract The murals produced by Poty, were some of the means of communication most used by the Public Administration in Curitiba, mostly between the 1950s and 1990s. As public art, this artist’s murals established a set of symbols that, over time, the viewer is offered as the city’s identity element, while the intentions of Public Administration in enhancing the prospect of Curitiba city as ideal became apparent. Moreover, Poty’s images and murals differentiated and stood beyond these intentions because, first of all, Poty was a great artist who produced works of art of inestimable value. And as works of art, all his production, including murals, carry with them endless meanings, as well as endless possibilities of readings and analysis. This research presents possible readings of these murals, taking as base some thoughts of authors like Ostrower, Dondis, Arnheim and Pedrosa. And despite briefly analyzing a large number of murals, we examined more carefully details of the murals Images da Cidade and Largo da Ordem. Keywords: Murals; Curitiba; Poty; Reading images.

1Artista Plástica. Mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP. Doutoranda em Geografia pela UFPR.

Professora Assistente de Artes Visuais do Curso de Licenciatura em Artes da Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral.

Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013.

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POTY E OS MURAIS CURITIBANOS

Reconhecido nacional e internacionalmente, o artista plástico e ilustrador

paranaense Poty Lazzarotto ficou conhecido por ter se dedicado à criação de

inúmeras obras de arte, que vão dos desenhos às gravuras e pinturas. Foi também o

responsável pela criação das imagens de grandes obras da literatura, colaborando

com autores brasileiros e estrangeiros, como Guimarães Rosa, Machado de Assis,

Jorge Amado, Graciliano Ramos, Gilberto Freire, Euclides da Cunha, José de Alencar,

Gorki e Tchekhov; sendo mais frequente sua colaboração com outro paranaense:

Dalton Trevisan. Entretanto, em cinco décadas de atividades ininterruptas, a maior

parte da obra de Poty é representada pela arte pública – e se encontra, quase toda,

em Curitiba – cidade conhecida pelo uso em larga escala dos murais.

Os murais produzidos por Poty foram um dos veículos de comunicação mais

utilizados pela Administração Pública de Curitiba, principalmente entre as décadas de

1950 e 1990 e, por isso devem ser analisados sob vários aspectos. Como arte pública,

os murais deste artista estabeleceram um conjunto de símbolos que, ao longo do

tempo, se ofereceram ao espectador (habitante ou visitante) como elemento

identificador da cidade. Ao mesmo tempo, a sistematização destes símbolos como

conjunto representativo da terra paranaense tornara evidentes, por exemplo, as

intenções da Administração Pública em realçar a perspectiva de Curitiba como cidade

ideal.

De outro lado, as imagens e os murais de Poty se diferenciaram e se

sobressaíram diante destas intenções. Isto porque, antes de ser “apenas” um grande

muralista financiado pela Administração Pública, Poty foi um grande artista plástico,

que criou imagens que foram além da pretensa e intencional “programação ideológica”

existente. Na verdade, existe em suas imagens um choque entre a superficialidade

ideológica e a profundidade de sua obra: cada uma das imagens de seus murais

carrega uma história dentro de si, isto é, uma essência que permanece enquanto todo

o resto muda – neste caso, o compromisso ideológico que as originou (FERREIRA,

2012). Segundo Ehrenzweig (1977), a essência só se reproduz se encontrar uma

forma na qual ela possa se mover. No caso de muitas das imagens de Poty, foi na

forma de aparência ideológica.

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OS MURAIS DE POTY – UMA DAS MUITAS LEITURAS POSSÍVEIS

A arte de Poty surgiu da análise do cotidiano. Esta análise migrou para uma

finalidade ideológica e a partir desta, acabou por produzir conhecimento. Suas obras

de arte, portanto, carregam infindáveis significados, assim como infindáveis

possibilidades de leituras e análises.

Como monumento, o mural curitibano é um bem da coletividade, uma entidade

simbólica tridimensional, uma obra de arte pública que cria uma atmosfera

característica para a cidade, acentuando sua singularidade. Conforme explica Argan

(1998), o que diferencia um objeto artístico dos outros objetos produzidos por uma

determinada cultura urbana é o valor que lhe é atribuído pela comunidade.

Os murais de Poty refletem e descrevem, em sua maioria e de forma bastante

peculiar, a cidade de Curitiba e o Estado do Paraná. A história empregada visualmente

e os símbolos da cidade contidos nos murais situam o homem no tempo/espaço,

tocando suas raízes e referências, dando-lhe um conhecimento experimental, direto,

imediato, numa extensão simbólica de si mesmo. Coube ao muralista, neste caso, a

criação de imagens que pudessem ser compartilhadas pelo espectador (habitante-

visitante), humanizando e democratizando os espaços da cidade.

O QUE PODE SER LIDO E ANALISADO NOS MURAIS

As superfícies de um mural se enquadram dentro das artes bidimensionais,

como o desenho, a pintura ou a gravura. Até mesmo obras na técnica concreto

armado, como é o caso de A História de Curitiba, As Quatro Estações e O Teatro e o

Mundo ou, em técnicas de madeira gravada, como é o caso do mural Café e Mate,

que possuem altos e baixos relevos e que se assemelham mais a esculturas, pode-se

encontrar as caracteristicas das obras bidimensionais quando considerados os

aspectos essenciais para sua completa leitura. Isto por permitirem, a disposição de

vários elementos em suas superfície e uma narrativa feita a partir de seus signos,

como se estivéssemos vendo as figuras em diferentes fases de um processo, como

numa história em quadrinhos. Essas imagens simplificadas e próximas da realidade

“contam” histórias e perpetuam ideias – elas despertam o reconhecimento e arrancam

significações mais profundas, dependendo da experiência de cada espectador.

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TOTALIDADE E PARTE; FIGURA E FUNDO

De maneira geral, um mural, assim como toda a obra de arte, será sempre,

num primeiro momento, observado em sua totalidade. Segundo Arnheim (1980, p. 44),

a percepção do todo precede a percepção das partes. O todo é composto por várias

partes e as imagens dos murais, assim como as de outras obras de arte, são divididas

em figuras e fundos. Nem sempre é fácil definir, nos murais de Poty, quais são as

figuras e qual é o fundo. Em murais como Tropeirismo no Paraná, Café e Mate, Largo

da Ordem ou Gralha Azul, é fácil definir estes conceitos. São imagens simples com

uma figura grande e definida ocupando o centro da superfície. Para Arnheim (1980, p.

89), logo que alguém desenha, nem que seja a forma mais simples, num pedaço de

papel, o espaço vazio adquire uma função espacial distinta: transforma-se no ‘fundo’,

em frente do qual se estende a forma desenhada como ‘figura’. O fundo dessas

imagens se torna, então, uma cor, um espaço contínuo atrás da figura ou imagens

menores e visualmente sem destaque.

No entanto, em murais como Desenvolvimento Histórico do Paraná, Alegoria

ao Paraná, As Quatro Estações, Evolução do Saneamento Básico, Ciclos Econômicos

do Paraná, O Tempo e a Vida, A História de Curitiba e Imagens da Cidade, fica mais

complicado definir o que é figura e o que é fundo, por ser toda a extensão destes

murais repleta de signos que podem ser definidos como figuras (imagens que se

movimentam, agem e transformam a realidade) centrais, maiores, bem estruturadas e

bem localizadas. Outras tantas figuras, entretanto, podem ser consideradas como

fundo (por estarem aparentemente “sofrendo” com estes movimentos, com estas

ações, isto é, parecendo estar passivas, estáticas). São imagens periféricas, muitas

vezes menores e intensamente mais repetidas que as prováveis “figuras principais”,

sendo também menos estruturadas, como que girando em torno das imagens centrais,

complementando-as em sua evolução e história.

Como a leitura dos murais de Poty é feita geralmente da esquerda para direita

– como a de qualquer imagem na tradição ocidental – em murais mais complexos,

como os citados acima, existe uma sequência que permite uma leitura quase que

inevitável, sendo geralmente a figura humana a imagem central, aquela que,

aparentemente, domina o mundo ao seu redor, assim como aquela que domina as

técnicas e as atividades de trabalho às quais está ligada e, junto a essas figuras

humanas “principais”, existe sempre a natureza.

Tomando como exemplo o mural Imagens da Cidade (Figs. 1-3) – em azulejo e

que possui sua extensão total dividida em duas partes separadas por um retângulo

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estreito, na técnica do concreto aparente – veremos a seguinte evolução: o ciclo do

pinhão, em que a semente que cai renasce e gera uma nova árvore, madeira para as

casas e para seus lambrequins, comida de milhares de gralhas-azuis. Em seguida,

continuando a “história”, aparecem cenas/locais da Curitiba moderna: a Ópera de

Arame, o Farol do Saber, o Jardim Botânico, a Rua 24 Horas. E também: um homem

portando um relógio de areia, uma casa de madeira, um trabalhador braçal, que pode

ser qualquer cidadão trabalhador da cidade, construindo um tubo do ônibus Ligeirinho.

Este tubo do Ligeirinho reflete em seu vidro circular, imagens do passado, como

tropeiros, índios, Zepelins e igrejas. O que une as duas etapas do mural são as

gralhas azuis com o pinhão na boca, imagem que se repete várias vezes, em vários

tamanhos e em vários sentidos. Parece ser possível ver o tempo passando, a cidade

crescendo, os habitantes mudando, o esforço e trabalho do homem curitibano e o

sentido de ideia de conservação dos pinheirais. É possível também perceber que a

parte superior da imagem é mais valorizada do que a parte inferior.

Fig. 1 - Mural Imagens da Cidade, Poty Lazzarotto Fonte: www.gazetamaringá.com.br

Fig. 2 - Mural Imagens da Cidade, Poty. Fonte: www. expiracaoeinspiracao.blogspot

Fig. 3 - Mural Imagens da Cidade, Poty Lazzarotto. Fonte: www. expiracaoeinspiracao.blogspot

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Conforme explica Arnheim (1980), essa maneira de “preencher” uma pintura,

isto é, dando preferência à parte superior, pode ser considerada uma regra geral. O

autor afirma que essa forma de “agir” dos artistas, dentro do espaço pictórico, está

ligada à localização, definida em eixo vertical e horizontal, dos elementos da imagem

e, dentre os dois eixos, o horizontal e o superior predominam, porque acompanham a

ordem de leitura da imagem.

O USO DAS CORES

O fundo de qualquer mural não deve ser desprezado em sua leitura, uma vez

que é ele quem determina a força da(s) figura(s). No mural Imagens da Cidade (Fig.

4), vemos o fundo mais claro que é capaz de existir: o branco. Segundo Arnheim

(1980), o branco representa a vida, os seres divinos, a inocência, a pureza, a

simplicidade e, ao mesmo tempo, em contraste com as demais cores, denota o vazio,

a ausência. Assim, os elementos distribuídos sobre o branco, possuem espaço para

existir e total nitidez de contorno. O espectador pode sentir a amplitude e a

luminosidade que poderiam ser representados pela livre, clara (enquanto óbvia) e

translúcida ascensão da sociedade curitibana, espelho da realidade que se quer

retratar. Basicamente, sobre o branco, as cores deste mural adquirem força, forma e

luminosidade.

Fig. 4 - Mural Largo da Ordem, Poty. Fonte: www. ceramicanorio.com

A luz é o fundamento da cor e, se considerarmos o espectro solar, poderemos

dividir as cores em quentes e frias. O laranja, o vermelho e o amarelo são matizes

quentes, enquanto o verde, o azul e o violeta são mais frios. Entretanto, as cores

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conservam em si mesmas um significado maior. Segundo Ostrower (1984, p. 234),

estes significados

se originam de experiências humanas elementares e imemoriais. Assim o vermelho e o amarelo são espontaneamente associados a calor, fogo, sol, enquanto o azul se associa ao céu, ao gelo e ao frio. Do mesmo modo, se deduz imediatamente seu teor expressivo: as cores quentes conotando proximidade, densidade, opacidade, materialidade e as frias, distâncias, transparências, aberturas e imaterialidade.

Dondis (1998, p. 64) explica que as cores oferecem um vocabulário enorme e

de grande utilidade para a linguagem visual. Elas constroem uma nova informação e

têm maiores afinidades com as emoções, provocando, portanto, uma reação diferente

daquela provocada por uma obra sem cores.

Usando predominantemente as cores quentes e as cores primárias e

secundárias, Poty intensificou os efeitos das figuras dos murais Imagens da cidade e

Largo da Ordem, observando a predominância ou destaque do vermelho e do verde.

Conforme explica Pedrosa (1989),

o vermelho e o verde denotam a autonomia dos elementos de uma imagem. Os dois espelham atividades realizadas pelo homem, seja para conquistar, seja para preservar. O vermelho é ativo, voltado para o mundo, visando incorporá-lo. O verde reflete uma práxis passiva, denota a vontade de preservar a própria existência diante das ameaças do mundo. Essas atribuições de significados das cores não é acidental, mas se baseia na experiência concreta de toda sociedade.

Portanto, pode-se entender que, com o uso da cor vermelha, Poty expressou o

impulso do homem paranaense em vencer, dominar, de alcançar o sucesso agindo de

forma reta e objetiva para a realização do trabalho, para participar da competição e da

luta pelos seus ideais. Com a cor verde, houve a tentativa de expressar a constância,

a resistência, o orgulho, o poder sobre os acontecimentos, a vontade diante do

mundo, a natureza, a liberdade e a juventude. Com o azul, vestiu os operários, e

deixou transparente o tubo do ligeirinho que reflete o passado, numa associação direta

à meditação, à reflexão e à nostalgia. Já com o amarelo, trouxe calor, alegria e

energia, associando-a à riqueza do tempo, às brincadeiras e à excitação infantil junto

à brincadeira da pipa, à prosperidade da casa dos primeiros colonos. Com o

alaranjado, mistura do vermelho com o amarelo, encontrado na torre do farol do saber,

revelou as necessidades daquele que aqui vive, de conhecer, aprender e de ter

proteção. Camuflou, entretanto, nestes dois murais, Imagens da cidade e Largo da

Ordem, o uso de cores passivas, frias e cheias de “segredos” como o violeta ou as

derivadas, advindas de misturas com o preto ou o branco. De outro lado, estão

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também presentes, nestes murais, o sentido tradicional, humilde e resistente

conseguido a partir do uso da cor marrom.

De fato, sabe-se que o uso da cor – mesmo que sem objetivos pré-

determinados pelo artista – tem uma importante função visual em comunicação,

fazendo parte integrante do esquema de composição dos murais.

A AUSÊNCIA DAS CORES, AS TEXTURAS, OS VOLUMES E AS ESCALAS

No entanto, é fácil perceber a ausência das cores em praticamente todos os

murais de Poty realizados até a década de 1980. Na verdade, tal ausência foi uma das

principais características dos seus murais, no período. Esses primeiros murais tiveram

como base a técnica do concreto armado, técnica que não permite o uso da cor. Em

murais como os da Praça 19 de Dezembro, 29 de Março, do Teatro Guaíra, da

entrada do Clube Curitibano, da Sede do Instituto Tecnológico Simepar, da Torre da

Telepar, da fachada do Hotel Paraná Suíte ou do Palácio Iguaçu, os elementos

principais são a dimensão e a textura visual e tátil, isto é, apreciam-se estas obras por

meio da visão e a partir da sugestão do tato que os altos e baixos-relevos permitem.

Ao lado das cores, as texturas provocam grande interesse visual. No caso de

suas obras em concreto aparente, são trabalhados os altos e baixos relevos, dando a

impressão de que as figuras fazem parte natural das pedras, “brotando” delas. As

texturas advindas destes trabalhos criam interessantes efeitos de sombreamento,

deixando todo mural claro e escuro, cheio de luzes e sombras, sendo que,

dependendo do ângulo do qual se observa o mural, algumas partes ficam menos ou

mais indefinidas. Denotam também irregularidade, desordem e um certo caos nas

formas. Essas características envolvem e interessam o olhar do espectador por criar

um espaço visual com volume e profundidade. As figuras e o fundo dessas obras são

“opacos”, “ásperos”, “duros”, “grossos”, “surdos” e “secos”, o que passa uma aparência

de rusticidade – “sente-se” isso com os olhos.

No caso das texturas, conforme explica Dondis (1998) “O julgamento do olho

costuma ser confirmado pela mão. (...) A textura é o elemento visual que com

frequência serve de substituto para as qualidades de outro sentido, o tato” (DONDIS,

1998, p. 70). Assim, as texturas englobam diversas associações, como o tato, a

audição, o paladar, mas, sobretudo, conseguem sugerir a impressão de volume,

podendo ser as texturas grossas, como no caso dos exemplos citados acima, ou finas,

com no caso dos murais Evolução do Saneamento Básico, O Eterno Sonho, Imagens

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da Cidade e Largo da Ordem, denotando tranquilidade e suavidade. Trazem à tona

também, o brilho, o frio, a umidade e a superfície lisa dos azulejos. Com estas

características, denotam ordem e racionalidade.

O volume pode ser, portanto, conseguido por meio das texturas ou dos relevos

ou ainda mediante gradientes de cor, claros e escuros, sombras e iluminação,

transparências e opacidades, pontos e linhas, figuras dispostas em planos diferentes e

sobreposição de elementos. Com estes elementos, fundamentais para uma leitura de

imagens, os murais passam a carregar cargas maiores de dinamismo, criando muitas

vezes contradições visuais. É possível perceber estas contradições naqueles murais

que são, por exemplo, lisos, confeccionados com azulejos. Nestes, as figuras

bidimensionais se tornam “tridimensionais”. Para Arnheim (1980, p. 237), imagens

bidimensionais parecem tridimensionais quando seus volumes aparentes saltam aos

olhos do observador a partir de técnicas e elementos criados pelo artista. A mera

sobreposição de duas figuras já é suficiente para criar uma tensão espacial.

Outro aspecto dos murais de Poty é o fato de quase todos eles terem sido

realizados sobre superfícies retangulares ou quadradas, com algumas poucas

exceções como a do mural que está instalado na fuste da Torre da Telepar e que

possui a forma circular, acompanhando o movimento da torre. Neste caso específico,

para que a imagem possa ser observada, em sua totalidade, é preciso ao mesmo

tempo olhar e andar. Só assim consegue-se criar continuidade na imagem e na

análise que advém de sua observação. Este formato “cilíndrico”, aparentemente

aumenta a subjetividade da obra. Os murais Imagens da Cidade e da Evolução do

Saneamento Básico possuem formatos irregulares, entretanto, não fogem do caminho

entre o quadrado e o retangular.

Levando em consideração os suportes dos murais e a totalidade de conteúdo e

formas que encerram, encontramos outra determinação fundamental dos murais – a

escala da imagem em relação ao espectador (ARNHEIM, 1980). Dondis (1991, p.73)

explica que, no estabelecimento da escala, o fator fundamental é a medida do próprio

homem. Um suporte é grande quando as figuras da imagem são maiores do que os

contempladores; é de tamanho médio quando as figuras são aproximadamente do

mesmo tamanho que os indivíduos e, é pequeno quando elas são menores.

Segundo Arnheim (1980),

O homem é a medida de todas as coisas, e é em função dele que medimos as dimensões de uma obra pictórica. Esta dimensão constitui um espelho da dimensão do sujeito configurado. Assim se a obra é maior do que o contemplador, ela busca, sobretudo espelhar o sujeito coletivo – aquilo que inclui e supera o individuo isolado. Porém, se a obra é menor do que o homem, ela tende a expressar aquilo que diz respeito a cada pessoa enquanto singularidade e individualidade.

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Pode-se, neste sentido, fazer uma relação direta entre esta citação, a

totalidade da obra mural de Poty e o significado que a Administração Pública quis

transmitir e preservar. De um lado, o tamanho de todos os murais gera uma

imobilidade que caracteriza a função pública a que se destina – o mural é um bem da

coletividade e não pode ser vendido ou trocado de lugar. Da mesma forma, reflete a

grandiosidade do Paraná e de Curitiba. De outro lado, o uso da escala pode ser

observado nas figuras dos murais. A figura humana é sempre, do mesmo tamanho ou

maior que as atividades e os bens materiais e ambientais. Pode-se observar esta

característica em todos os murais de Poty. Por exemplo, nos murais Desenvolvimento

Histórico do Paraná, Tropeirismo no Paraná, Café e Mate, Alegoria ao Paraná,

Evolução do Saneamento Básico, as figuras humanas, em sua maioria são maiores

que as montanhas, os cavalos, as plantações, os tubos de concreto, os pinheiros, as

estações-tubo, as casas. Isto denota sentimentos de força e superação do homem

sobre o ambiente em que vive, assim como superioridade e magnitude nas ações que

produz o meio – uma relação de força: do homem sobre a natureza.

Ao mesmo tempo, as figuras em escalas diferenciadas criam vários centros de

força para os diferentes murais. Quando as figuras são pequenas, como no caso das

imagens das gralhas-azuis, do mural Imagens da Cidade, ou das plantações, dos

cavalo” e dos pinheiros, de vários outros murais, indicam provavelmente

subordinação. Tornam-se, também, por serem pequenas, pontos que atraem o olhar

do espectador. São figuras sintéticas, muitas vezes repetidas, concisas e que formam

nichos de observação e profundidade, perspectiva e temporalidade, uma vez que

ligam, geralmente, uma cena do mural a outra. O uso dessa alternância entre figuras

grandes e pequenas dá às cenas um grande dinamismo visual dentro do espaço

estático em que foram confinadas. Isso porque, com a multiplicidade de figuras

grandes e pequenas, são geradas linhas dinâmicas imaginárias de definição de

direção do olhar, criando com isso, diferentes volumes, perspectivas e principalmente

movimentos.

Conforme Dondis (1998, p. 80),

a sugestão do movimento nas manifestações visuais estáticas é mais difícil de conseguir sem que ao mesmo tempo se distorça a realidade, mas está implícita em tudo aquilo que vemos e deriva de nossa experiência completa de movimento na vida (...) essa ação implícita se projeta, tanto psicológica quanto cinestesicamente, na informação visual estática (...) o movimento não se encontra no meio de comunicação, mas no olho do espectador.

Isto pode ser observado em vários murais: Tropeirismo no Paraná, As Quatro

Estações, Imagens da Cidade, Largo da Ordem, Café e Mate, Imagens da Cidade,

Desenvolvimento Histórico do Paraná etc. Nessas imagens, vemos os garimpeiros

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limpando o ouro achado, a felicidade dos colonos na rica terra paranaense, os cavalos

se alimentando, o tropeiro carregando suas mercadorias. Os espaços vazios destas

obras ganham, então, um grande peso, uma vez que refletem o espaço social no qual

os elementos se movimentam. Conforme explica Arnheim (1980, p. 32), a

representação espacial consiste essencialmente em uma primeira coordenação

introduzida entre os dados da experiência sensível.

Assim, a luz, a cor, a textura, o ponto, a linha, a superfície, o volume e o

suporte formam os elementos fundamentais de todos os murais.

Toda obra de arte necessita de elementos visuais específicos a fim de expressar sua função comunicativa. Ela precisa de uma técnica e dimensão pré-estabelecida, de uma forma, de cores, de contrastes, de texturas, sejam elas visuais ou táteis, equilíbrio, simetria ou assimetria, unidade, espontaneidade, previsibilidade, profundidade, sequência. Tudo faz parte da sua comunicação visual, cujo resultado é um conjunto elaborado onde todos estes elementos se encontram combinados e cumprindo uma função: informar uma mensagem. Os resultados das decisões compositivas determinam o objetivo e a significação da manifestação visual e tem fortes implicações com relação ao que é recebido pelo espectador. É nessa etapa vital do processo criativo que o comunicador visual exerce o mais forte controle sobre seu trabalho e tem a maior oportunidade de expressar, em sua plenitude, o estado de espírito que a obra se destina a transmitir (DONDIS,1998, p. 29).

A ESTÉTICA DE POTY

Como qualquer artista, Poty passou por várias fases. Passou, segundo Adalice

Araujo, pelas fases nativista, fantástica, religiosa, expressionista. Especificamente no

contexto de seus murais, Poty pode ser considerado expressionista, ou seja, focado

para a temática social e para a produção de imagens irregulares, assimétricas e

complexas. Irregularidades, assimetrias e complexidades que fazem parte do próprio

mundo.

O artista pintava o que via, o que sentia e experimentava. Portanto, suas

imagens são de natureza reflexiva, refletindo o homem e seu mundo, bem como a

sociedade e suas relações com o estado, a economia, a natureza, sendo tudo isso

espelhos para o espectador ou ainda reflexos do pensamento e do olhar do artista. O

prazer estético que sua arte permite, ocorre porque é fácil se reconhecer nessas

imagens, identificar-se com elas. Não numa estrutura particular, mas sim enquanto

coletividade, comunidade. Suas figuras fazem parte da vida, do mundo e da natureza.

E essas verdades sobre a humanidade fazem parte de suas obras e revelam em seus

signos o verdadeiro valor artístico das mesmas. Segundo Bakhtin (1986, p. 58),

todo signo, qualquer que seja sua natureza, banha-se em signos interiores, na consciência. Ele nasce nesse oceano de signos interiores e aí continua a viver, pois a vida do signo exterior é constituído por um processo sempre renovado de compreensão, de emoção, de assimilação, isto é, por uma integração reiterada no contexto interior.

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Por fim, os signos apresentados nas obras murais de Poty possibilitam

inúmeras leituras e se modificam conforme aquele que os observa, ou conforme as

transformações que ocorrem no interior de cada espectador, quando o próprio sujeito

as vivencia. Portanto, esses signos refletem não só os objetos que representam, mas

também a relação do espectador com esses mesmos objetos, comunicando

significados diversos, expressando soluções diferentes. Entretanto são signos, por

resultarem de um consenso social que expressa a estrutura da qual surgiram e que só

continuam a existir porque expressam um significado de importância geral. Assim,

tanto o mural tornou-se objeto de significação quanto os signos que apresenta. Ou

seja, ambos explicitam algo que, de certo modo, já era vivenciado, mesmo que de

modo inconsciente, por toda uma comunidade.

Os murais serviram, e provavelmente continuarão servindo, como objetos de

mediação entre a Administração Pública de Curitiba e a sociedade. Eles englobam

uma infinidade de áreas que envolvem ao mesmo tempo as relações humanas, sociais

e políticas. Relações inevitáveis e que modelam não só as cidades, como também

seus cidadãos, seus objetos e consequentemente sua arte pública.

REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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