o que restou do rio comprido?

Post on 18-Dec-2014

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O que restou do Rio Comprido (parte 1/2)

Bairro nobre no passado e de influência inglesa, o Rio Comprido hoje é uma das

regiões mais degradadas do Rio. No início de agosto recebeu uma unidade da UPP

no Morro do Turano. Será que a situação vai melhorar?

AVENIDA Paulo de Frontin, segunda-feira, dia 30/08/10: a antiga avenida chique do Rio

Comprido hoje é uma das mais degradadas da cidade.

Era uma vez um bairro chique e bucólico, repleto de chácaras suntuosas e invejáveis

ajardinados. Endereço de famílias abastadas - assim como de ingleses recém-chegados à

Corte - o Rio Comprido era mais conhecido nas colunas sociais por seus bailes e saraus

promovidos pelo pessoal elegante dali. Isso lá para a 2ª metade do século XIX, de acordo

com o livro "O dia-a-dia no Rio de Janeiro, segundo os jornais: 1870-1889", de Delso

Renault. Botafogo, Santa Teresa, Catete e Rio Comprido figuravam como os bairros

aristocráticos e badalados da sociedade fluminense. A proximidade com a montanha e

com o Centro fazia do Rio Comprido um lugar privilegiado, com clubes, escolas e

hospitais tradicionais. Sem falar nos parques. Brasil Gerson, autor de "História das Ruas

do Rio", afirma, neste livro, que era na Rua Santa Alexandrina, no Rio Comprido, onde

morava o Marechal Floriano quando foi chamado a assumir a Presidência da República,

em 1891.

O TÚNEL Rebouças, na vertente norte.

Foto: O Globo

Os anos se passaram, a urbanização foi se intensificando no Rio Comprido com a

canalização do rio de mesmo nome e com a abertura da Avenida Rio Comprido (atual

Paulo de Frontin), em 1919. Símbolo de progresso, a Paulo de Frontin era a avenida das

belas residências. O bairro, então nobre até meados do século XX, recebeu um presente

especial em 1967, no governo Negrão de Lima: a abertura do túnel-siamês Rebouças, em

3/10/67. O túnel, que conecta o bairro do Rio Comprido à Lagoa Rodrigo de Freitas,

passando pelo bairro do Cosme Velho, foi o segundo túnel construído na cidade - e de

grande porte. Para escoar o tráfego no lado norte do túnel, construíram também um

elevado - o Elevado Engenheiro Freyssinet - que percorre toda a extensão da Avenida

Paulo de Frontin. Construção tumultuada, não só pela demora em finalizá-lo, mas também

pelo motivo de parte da sua estrutura ter desabado em 1971, mais especificamente na

esquina com a Rua Haddock Lobo, deixando muita gente ferida além de 29 mortes.

HABITAÇÕES ANTIGAS e modernas: na pista sentido Praça da Bandeira da Av. Paulo de

Frontin, um palacete está em ruínas. Do outro lado da calçada, constrói-se um condomínio de

prédios que pretende revolucionar o mercado imobiliário do bairro.

Pronto. O Rio Comprido virou, apenas, um bairro de passagem entre as zonas Norte e

Sul. O bairro assistiu de camarote à aceleração do processo de favelização nas suas

encostas. Quem tinha grana foi saindo, as casas bonitas começaram a enfeiar-se pela

falta de manutenção, o rio da Paulo de Frontin virou um córrego de esgoto. A própria

Paulo de Frontin tornou-se escura, barulhenta e extremamente poluída. Pichações.

Degradação. Queda no preço dos imóveis. Trânsito caótico. A ascensão do tráfico nas

favelas. Tiroteios. Mortes. Aumento do índice de criminalidade. O Rio Comprido, dos anos

2000, nada se parece com o mesmo do passado. De classe média-alta e alta, hoje é um

bairro de classe média-baixa e baixa. Definitivamente, ele é um dos bairros mais

decadentes do Rio de Janeiro.

ACIMA, o panorama da Paulo de Frontin com a Rua Barão de Itapagipe: as

pichações dominam as fachadas dos edifícios. Observe, também, que as

antigas muretas da avenida permanecem, ainda que em estado de

calamidade.

Em 10/08/2010, o governo do Rio de Janeiro instalou a sua 12ª Unidade de Polícia

Pacificadora (UPP) no morro do Turano, uma das principais favelas do bairro. A UPP é,

hoje, uma das novas esperanças do carioca de rever o Rio de Janeiro menos violento.

Com mais qualidade de vida. Em muitos bairros que já contam com a UPP, percebeu-se

uma certa elevação de auto-estima, não só dos que moram no asfalto, mas também

aqueles que moram nas favelas. Botafogo, Leme e Copacabana sorriem após a ocupação

da polícia. O bairro vizinho, a Tijuca, está sendo beneficiada também com o programa. E

sorri. Bairros da classe média, mais visados pelo Estado. A pergunta que me martela é:

terá o Rio Comprido fôlego suficiente para se reerguer como as outras áreas? Ou será

que ele está destinado à morte, como vem sendo?

O que restou do Rio Comprido (parte 2/2)Continuação...

AS PRINCIPAIS vias

do Rio Comprido, por mapa.Eu fui ao bairro na manhã da última segunda-feira, dia 30/08. Tentei registrar alguns

pontos especiais da região, embora o ato de portar uma câmera fotográfica pelas ruas do

Rio Comprido ainda seja um tanto quanto inseguro. Iniciei a caminhada pela Rua Batista

das Neves, perto da Haddock Lobo. Fui observando, principalmente, o legado nobre do

bairro, que são as casas. É preciso ajudar aos olhos, para que eles possam enxergar as

construções além das pichações e da sujeira das fachadas. Usar a imaginação é

fundamental nessas ocasiões. E eu usei bastante; consegui ver cada casa daquela limpa

e pintadinha, bem-tratada. Pela Rua Barão de Itapagipe, próximo à Aristides Lobo, tem

um edifício de tirar o fôlego. Antigo e charmoso, mas muito maltratado. Voltei caminhando

pela Paulo de Frontin, ao lado de "buracos" que viraram espaço para ferro-velhos. Me

atrevi a passar a mão por uma das pilastras do Elevado e o resultado foi um dedo cinza.

O rio cheira muito mal e não há proteção alguma entre ele e o pedestre. Qualquer um

pode cair em falso ali, se não forem os carros, que estacionam todos na calçada que beira

o rio Comprido.

MORAR NO Rio Comprido: o bairro conta com uma variedade de tipos residenciais - na grande

maioria antigos. Na primeira foto, em sequência, o edifício Cavaliere - bonito, mas pichado - fica

na Rua Sampaio Viana, ao lado de uma vila, com entrada em forma de portal. O edifício Irene, na

Japeri, representa bem o quão charmoso foi o bairro e o grau de decadência atual. Já na última

foto, o edifício Alameda das Acácias, na Rua do Bispo, é uma das poucas construções modernas

voltadas para a família de classe média.

A RUA SAMPAIO Viana,

com o Morro do Turanoao fundo.

Entrei numa bifurcação à direita, que dá acesso à Rua Sampaio Viana. Mais imóveis de

arquitetura considerável, embora tudo muito destruído. O edifício Cavaliere, de janelas

verde-água, tão bonito e totalmente atacado por vândalos. Ao andar por ali, ocorreu-me a

idéia de pesquisar sobre o preço dos imóveis no Rio Comprido. Algo mais sintetizado,

como a ADEMI sempre faz em relação à situação do mercado imobiliário dos bairros mais

populares. Não encontrei informação alguma. Visitei então o site de uma famosa

imobiliária do Rio e procurei por apartamentos à venda na região, de 2 quartos. Selecionei

os treze imóveis listados e fiz uma média simples dos valores. O resultado saiu em cerca

de R$ 176.153 para um imóvel nestas condições. Fiz o mesmo com outros treze imóveis,

de dois quartos, nas ruas bem próximas ao Rio Comprido, porém já pertecentes ao bairro

da Tijuca. A média sobe para R$ 336.538. É claro que essas comparações precisam ser

mais detalhadas, há fatores que influenciam e muito nos valores, mas a essência está aí.

Dois apartamentos iguais na Rua Barão de Itapagipe, por exemplo, que começa no Rio

Comprido e termina na Tijuca, podem ter valores totalmente diferentes dependendo do

trecho.

REFERÊNCIAS HISTÓRICAS: nas imediações das ruas Sampaio Viana e Barão de Sertório é

bem fácil de dar de cara com sobrados antigos, como os das fotos acima. Uns mais bem

preservados do que outros, esse tipo arquitetônico é de um valor histórico importantíssimo para

o Rio de Janeiro.

A UNIVERSIDADE Estáciode Sá, na Rua do Bispo.

As ruas transversais à Sampaio Viana são uma grande surpresa. A Rua Japeri,

pequenininha, guarda resquícios de um Rio Comprido nobre e relativamente bem

preservado. A fachada das casas indica o quão modernista foi o bairro no passado. A

outra transversal, Barão de Sertório, traz sobrados simpáticos e coloridos, ao redor dos

espigões da Rua do Bispo - são prédios mais recentes, de classe média, constituído de

apartamentos com varandas. Uma das subidas para o Morro do Turano é pela Rua do

Bispo, quase em frente à Sampaio Viana. O cenário da favela deixa um certo impacto,

enquanto o formigueiro humano desce e sobe as ladeiras. Neste mesmo miolo, a

Universidade Estácio de Sá, que ficava à mercê dos tráfico no Turano. Foi ali aonde a

estudante Luciana Gonçalves de Novaes foi baleada, em 2003. Ela era aluna da

universidade. Outra instituição de ensino, o Colégio Sagres, ao lado do hospital Casa de

Portugal.

UM GRANDE ACHADO: a Rua Japeri resguarda o antigo charme do Rio Comprido pelo desenho

de suas casas e pela boa conservação em relação às outras ruas no entorno.

A BELEZA da Igreja de São Pedro.

As ruas do Citiso e Paula Frassinetti são aparentemente simpáticas e cenário de um luxo

que ficou no passado. Entretanto, andar por ali requer um certo cuidado. Virando à direita

na esquina da Rua do Bispo com a Paulo de Frontin, é possível encontrar a Igreja de São

Pedro, um monumento intocável instalado em um dos bairros mais interferidos do Rio. Se

você seguir o fluxo da Rua do Bispo, ela passa a se chamar Rua da Estrela e abriga a

Praça Condessa Paulo de Frontin. Suja, infelizmente, mas com um chafariz lindo, que

merece e é preservado, apesar de tudo. A praça é o centro comercial do bairro:

supermercados, camelôs, hospitais públicos, farmácias, pastelarias. Mais adiante fica a

Rua Itapiru, que liga o bairro ao Cemitério do Catumbi. Tudo muito confuso e pouco

agradável de se caminhar. A sensação de insegurança é constante para quem é de fora.

À ESQUERDA, o cruzamento da Rua do Bispo com a Avenida Paulo de Frontin. Observe como o

Elevado deixa sombria a avenida. Em seguida, a Praça Condessa Paulo de Frontin, com seu

chafariz.

Terminei o meu passeio um pouco desolado. Acostumado a visualizar o bairro através da

janela dos ônibus, tê-lo conhecido melhor a pé foi uma experiência bem diferente. Alguma

ou outra surpresa, mas no fundo bate uma certa tristeza. Independente de ter sido bairro

nobre ou não - isso é apenas um título comparativo -, o estado em que se encontra o Rio

Comprido é lamentável. Estamos numa fase onde dezenas de novas obras viárias estão

sendo implementadas como forma de acompanhar, mesmo que tardiamente, o

crescimento urbano. Penso que é bom que tomemos cuidado ao levantar novos viadutos,

elevados e pontes; não podemos correr o risco de criar outros "Rios Compridos" pela

cidade. É bom que a Prefeitura e a Secretaria de Urbanismo aprenda com os erros do

passado e que, claro, proponha melhorias para o Rio Comprido. Intervenções pouco

relevantes não funcionam - elas têm prazo (curto) de validade. Há de ser algo mais

efetivo, radical, algo no estilo Pereira Passos: bota-abaixo!

TERMINO O ESPECIAL com essa foto que eu achei no Skyscraper City da

Avenida Paulo de Frontin nos anos 20. Muita coisa mudou, não é mesmo? Um

abraço!

Avenida Paulo de Frontin remodeladaPor esses dias andei futucando o meu Photoshop, procurando por ferramentas, vendo o

que cada botãozinho fazia. O basicão eu sei, só que a coisa mais profissional ainda está

longe de se aproximar de mim. Mesmo assim, dei uma arriscada e com alguns palpites do

meu irmão arquiteto fui promovendo melhorias - fictícias - para aAvenida Paulo de

Frontin através de uma foto tirada por mim. Vejam o resultado da minha fértil

imaginação... :-)

COM A REPINTURA das pilastras do Elevado Engenheiro Freyssinet, a Paulo

de Frontin ficaria menos sombria e livre de pichações. Os vasos de plantas

deixaria o local mais agradável para se caminhar e com um aspecto mais

bonito, também.

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Utópico? Acho que é mais falta de boa vontade do Estado, mesmo...

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