o padre-empreiteiro

Post on 26-Jun-2015

428 Views

Category:

News & Politics

0 Downloads

Preview:

Click to see full reader

DESCRIPTION

Solidariedade, Abril de 2006, pág. 6-7. Site oficial de Dinis Manuel Alves: www.mediatico.com.pt Encontre-nos no twitter (www.witter.com/dmpa) e no facebook (www.facebook.com/dinis.alves). Outros sítios de DMA: www.youtube.com/mediapolisxxi, www.youtube.com/fotographarte, www.youtube.com/tiremmedestefilme, www.youtube.com/camarafixa, http://videos.sapo.pt/lapisazul/playview/2, http://videos.sapo.pt/lapisazul/playview/3 e em www.mogulus.com/otalcanal Ainda: www.mediatico.com.pt/diasdecoimbra/ , www.mediatico.com.pt/redor/ , www.mediatico.com.pt/fe/ , www.mediatico.com.pt/fitas/ , www.mediatico.com.pt/redor2/, www.mediatico.com.pt/foto/yr2.htm ,www.mediatico.com.pt/manchete/index.htm , www.mediatico.com.pt/nimas/ www.mediatico.com.pt/foto/index.htm , www.mediatico.com.pt/luanda/, www.slideshare.net/manchete/ , www.slideshare.net/dmpa , www.panoramio.com/user/765637, http://torgaemsms.blogspot.com

TRANSCRIPT

6

Reportagem

O Padre-Empre i te i ro JOSÉ ANTÓNIO ALMEIDA, PÁROCO DE S. JOÃO DE AREIAS

"É raro haver uma semana em que eunão esteja envolvido com obras. Setivesse dinheiro ia ser uma desgra-ça!".Íamos num quarto de hora de conver-sa e já lhe tínhamos desenhado o per-fil: um padre-empreiteiro. JoséAntónio Almeida anui ao epíteto:"Às vezes chamam-me isso. Porvezes alguns colegas, em sentidopejorativo. Sabe, gosto muito deobras. Quando andava no semináriotrabalhava nas obras, sem qualquerpejo, a carregar baldes de massa, noduro. Numa paróquia onde estive háanos atrás remodelámos todo o telha-do da igreja. Não há nenhuma telhadaquele templo que não me tenhapassado pelas mãos".

Hoje tem os jornalistas a bater-lhe àporta, jornais e também a televisão.Tudo por mor de uma iniciativa quenão jura ser inédita no país, mas quetalvez o tenha sido mesmo: os projec-tos "Casinhas" e "Vivendas".Os donos das casas oferecem-nas àigreja, esta trata de as restaurar, paraalém de instalar equipamentos quemelhoram substancialmente o confor-to dos moradores. É o caso do aque-cimento central, ou das rampas paraacesso facilitado a deficientes.Em alguns dos casos, com a anuên-cia dos doadores, estes passam acontar com a companhia de outroscidadãos necessitados.Casinhas já lá vão seis: CasinhaSanto Cristo, Mãos Unidas - Padre

Damião, Casa da Aninhas, CasinhaSilveira Lopes, A Casinha da Julieta eCasinha José Rodrigues. Acrescente-mos-lhe duas vivendas.Alzira Matos e Henrique Teles vivemem Currelos (Carregal do Sal) hámais de 30 anos. A partir de Janeirode 2006 a "Vivenda Teles" passou aalbergar mais quatro habitantes. Estacasa é uma doação do casal Teles aoCentro Social e Paroquial de SãoJoão de Areias, após tomarem conhe-cimento das "Casinhas da Igreja". Acasa foi adaptada às necessidadesdos habitantes, melhorias que incluí-ram até um galinheiro.São projectos alternativos aos laresde idosos, um novo conceito de"família". Os moradores frequentam o

centro de dia, pernoitando depois nasua casinha. No caso das vivendas,os moradores passam o dia inteiro emcasa, apoiados por uma empregada.José António nasceu em Sintra, masveio para o distrito de Viseu com seteanos. Leva 40 de idade, um quartodedicado a S. João de Areias, ondepreside ao Centro Social e Paroquial,uma Instituição Particular de Solida-riedade Social de apoio à Terceira I-dade. Tem as valências de Centro deDia, Apoio Domiciliário, Apoio Domici-liário Integrado, Lar e Centros de Noi-te. O Centro iniciou a sua actividadeem Outubro de 1997.No conjunto das valências prestaapoio a 130 pessoas, apesar do acor-do com a Segurança Social não ultra-passar as 60. O orçamento anual dainstituição atinge o meio milhão deeuros por ano (cem mil contos namoeda antiga). Da Segurança Socialrecebe 180 mil euros."Ficam a faltar 320 mil euros, é muitodinheiro. Vamo-lo conseguindo comdonativos, com actividades que orga-nizamos, almoços de benfeitores,cortejos de oferendas, até uma feirada ladra. Todos os anos fazemos umafeira da ladra. E também temos osconvívios dos Josés, das mulheres�"- adianta o pároco, lembrando a dívi-da que ainda resta da construção doLar:"São 250 mil euros. Resolvi criar oClube dos Últimos Mil, para ajudar apagar esta dívida. Em 2006, todos osindivíduos ou famílias que derem mileuros têm direito a uma placa com oseu nome".A instituição já tem algumas placasnomeando benfeitores: "No início daconstrução, os que deram cinco mileuros ficaram com o nome num dos

quartos do Lar. Outros, como oPresidente da Câmara e o arquitectoresponsável pelo projecto, não deramesse valor, mas achámos que mere-ciam também uma placa".Há ainda o apoio que vem dos EUA,ou que se vai lá buscar: "Temos umagrande comunidade nos Estados Uni-dos. Fui lá três vezes. Numa das via-gens consegui arrecadar 20 mil euros"- conta-nos José António.A obra custou um milhão de euros, oEstado entrou com 340 mil.S. João de Areias é um meio pobre, eé com os pobres que José Antónioconta mais: "Benfeitores são mais osmais pobres. Vieram-me as lágrimasaos olhos quando uma velhinha meveio entregar um mês da sua parcareforma, poupança que tinha feitodurante um ano. Houve mais que umcaso desses. Outros ofereceram o seusubsídio de férias".O padre José António tem uma filo-sofia que trata de incutir aos paro-quianos: "O meu lema é fazer as pes-soas felizes enquanto estão vivas".Detalha: "Revolta-me ver os caixõescheios de coroas de flores oferecidaspor pessoas que nunca foram capazesde dar uma flor ao defunto quandovivo. Durante a vida foram maltrata-dos, depois gastam-se rios de dinheiropara calar o remorso com coroas deflores. E o mesmo digo quanto aosmausoléus. Não é que eu não gostede ver o cemitério bonito, arranjadinho,é claro que gosto. Do que já não gostoé que se faça uma cultura desenfreadada morte. É só naquele bocadinho,enquanto o morto vai a enterrar. Nomesmo dia, por vezes no fim do fune-ral já estão a discutir por causa daspartilhas. É uma manifestação de hipo-crisia que detesto. Daí que eu tentefazer passar a mensagem, segundo aqual à medida que nasce a soli-dariedade diminui a hipocrisia. E istonão é uma posição tomada pelo factode eu ser padre. É verdade que os

padres têm muito peso nestes meios.Há muita gente que pensa que eu façoisto por ser padre, mas não. É umapostura que tomaria enquanto cida-dão, mesmo que não fosse padre.Devemos tratar de fazer as pessoasfelizes enquanto estão vivas".No Centro de Dia, José António tratade ir apresentando os utentes, um aum. Os que ali casaram, a senhoraque resolveu "adoptar" um deficienteprofundo, o velhinho que pede para opadre lhe contar os anos, e talvez nãofiquem todos bem contados porque o

bilhete de identidade ficou nem elesabe bem onde. Os casos-limite:"Aqueles ali viviam como uns sel-vagens, em condições miseráveis, in-descritíveis. Quando lá fui buscá-los,tive que sair da casa mais do que umavez para vomitar! Um caminhava coma cabeça encostada aos pés, babava--se o tempo todo. Pessoas que tinhamuma fortuna e a desbarataram toda!"Depois damos uma volta de carro,para ver as casinhas e as vivendas.Tira uma foto com a "madrinha"Otília, fala à janela com a velhinha

que habita na Vivenda Ana do CéuNeves, reprimenda-a por não lhe terdito nada no dia dos anos, e parterumo à Vivenda Sobral. A dona dacasa viu morrer-lhe marido e filho, hojepartilha o lar com mais três pessoas,todas apoiadas por uma funcionária doCentro Social. Por vezes a famíliaaumenta, aparece por lá um pequenitofilho de um trabalhador da instituição.E há alguns animais de companhia,outros de criação. A cadela Joiinhaensaia morder-nos as canelas,enquanto a funcionária conta a boanova ao padre: "O Romeu e a Julietativeram filhinhos, agora temos quelhes dar nome, porque aqui todos osanimais têm nome". O Romeu é umcoelho, a Julieta uma coelha.Mostra-nos um jardim arranjadinho,obra da iniciativa do Centro Social masque se encontra em local público e,naturalmente, à disposição de todosos habitantes da freguesia.Já há casinhas com telefone, quer quetodas o tenham. E todas vão ter umalarme daqueles que serve para avisarem caso de aflição.Lamenta as dificuldades de enquadra-mento da sua iniciativa: "Para as ca-sinhas e vivendas não temos qualqueracordo com a Segurança Social. Nãopode ser Centro de Dia porque estãolá de noite. Não pode ser ApoioDomiciliário porque de dia eles vãopara o Centro, para estarem na com-panhia dos outros utentes...".O padre-empreiteiro não descansa, osolhos chispam de alegria quando falados novos projectos. Por exemplo, umà beira do rio, para a última doaçãoregistada: "Sonho com umas suites,uma sala envidraçada, um jardim deInverno, três ou quatro bungalows...".Na empreitada da solidariedade, JoséAntónio vai trilhando o seu caminho.Percebe-se que é feliz argamassandofraternalmente a vida dos desvalidos.

7

Reportagem

DMA, texto e fotos

Abril 2006

top related