o ensino de matemÁtica no colÉgio concÓrdia: 1902...
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XV Seminário Temático
Cadernos escolares de alunos e professores e a história da educação matemática,
1890-1990
Pelotas – Rio Grande do Sul, 29 de abril a 01 de maio de 2017
Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889
Anais do XV Seminário Temático – ISSN 2357-9889
O ENSINO DE MATEMÁTICA NO COLÉGIO CONCÓRDIA:
1902 A 1942
Graciela Texeira1
Andréia Dalcin2
RESUMO
Este artigo tem o propósito de divulgar uma pesquisa que resultou em um Trabalho de
Conclusão de Curso que teve o propósito de investigar como era o ensino de Matemática
na Escola Luterana Concórdia em Porto Alegre, nos seus primeiros quarenta anos.
Buscamos identificar quem foram os professores que nela atuavam, quais materiais
didáticos eram utilizados para o ensino, e como era a rotina de sala de aula, incluindo
avaliações, temas de casa e exames. Com a pesquisa percebemos que o principal objetivo
da comunidade escolar foi a formação humana dos descendentes alemães que viam a
escola como uma forma de ascensão social. Para os membros da comunidade era essencial
oferecer aos seus filhos uma escola que, tivesse em primeiro lugar princípios cristãos e que
garantisse uma educação que os tornasse preparados para enfrentar o mercado de trabalho.
O ensino de matemática se dava neste contexto, por professores, na sua maioria
normalistas, com uma rotina rígida e disciplina.
PALAVRAS CHAVE: Ensino de Matemática, História da Educação Matemática, Escola
teuto brasileira
1 _ INTRODUÇÃO
Desde os primeiros anos do século XIX até os primeiros anos do século XX
algumas famílias alemãs, que tinham como fundamentos cristãos os preceitos luteranos,
imigraram para o Estado do Rio Grande do Sul, e se instalaram nas cidades de São
Leopoldo, Pelotas e Porto Alegre. Este grupo de luteranos cresceu consideravelmente ao
1 Licenciada em Matemática (Colégio Concórdia)
E-mail: elitexeira@hotmail.com 2 Doutora em Educação Matemática (UFRGS)
E-mail: andreia.dalcin@ufgrs.br
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longo dos anos, e apesar de não ser um grupo muito expressivo na sociedade, foi de grande
importância sociocultural e até política. À medida que o grupo aumentava em número,
estas famílias começaram a se sentir desamparadas do ponto de vista religioso e
educacional. Por isso, solicitaram ajuda ao Sínodo de que faziam parte para a criação
destas instituições.
Este artigo que tem como referencia o Trabalho de Conclusão de Curso O ensino de
Matemática no Colégio Luterano Concórdia nas primeiras quatro décadas do século XX,
pretende discutir sobre como acontecia o ensino de Matemática neste período: que
conteúdos eram abordados, identificar os professores e sua formação, os materiais
didáticos e como eram utilizados em sala de aula e ainda como era a relação entre
professores e alunos em sala de aula, qual era a postura dos alunos dentro da escola e se
havia distinção no tratamento para meninos e meninas, luteranos e não luteranos.
2_ A PESQUISA
Entendemos a História da Educação Matemática como um campo de investigação
que dialoga com as três áreas: História, Educação e Matemática. Dentre outras coisas
investiga como as comunidades se organizavam para produzir conhecimentos matemáticos,
e como essas atividades nos ajudam a projetar o ensino do presente (GARNICA, 2012,
p.27).
O processo de investigação se dá no manuseio de documentos e produção de fontes
escritas, fotográficas e orais, de modo a possibilitar a escrita de uma história, no nosso
caso, de uma história sobre o ensino de matemática no Colégio Concórdia entre 1902 e
1942..
No ano de 1941, uma grande enchente acometeu a cidade de Porto Alegre, e um
dos bairros mais afetados foi o bairro Navegantes. Em poucos minutos a água subiu
rapidamente e apesar do esforço dos pastores residentes no prédio e vizinhos, muita
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documentação foi perdida. Fato este, que limitaria nosso trabalho de pesquisa.
Foram poucos os documentos escritos encontrados. Mesmo assim, localizamos
alguns boletins, recibos e diplomas, além de livros didáticos que nos ajudaram a
compreender melhor o contexto educacional, social e político da época. È importante
enfatiza que a maioria desses documentos está escrito em alemão, o que dificultou de certo
modo o trabalho, mas não o inviabilizou.
Foram localizadas fotografias, algumas delas encontradas nos arquivos do Colégio
e outras cedidas por alunos que frequentaram a escola no período pesquisado. As
fotografias nos trazem evidências de um passado que necessita ser interpretado e que
queremos conhecer. Neste sentido, ampliam o horizonte das fontes e trazem novas
possibilidades de pensar e entender a História da Educação Matemática. (DALCIN, 2012,
p.13)
Para entender o ambiente de sala de aula, foram realizadas duas entrevistas com um
casal de alunos que frequentaram a escola nos anos finais da década de 30, e o neto do
Diretor da Escola nessa mesma época. Para interpretar as informações utilizadas, fizemos
uso de alguns pressupostos da História Oral, como o cuidado no processo de escuta dos
depoentes e nos processos de transcrição das falas. Entendemos que as narrativas obtidas
nas entrevistas, “são uma forma de caracterizar fenômenos da experiência humana e, por
tanto, seu estudo é apropriado...” (GARNICA, 2002, p. 5)
Utilizando a história oral como metodologia, o pesquisador ouve e participa, invade
de certa forma, a história de vida do entrevistado, mas como coadjuvante. Em nossa
pesquisa, utilizamos a entrevista como uma fonte que se revelou importante e
esclarecedora no diálogo com fotografias e outros textos escritos.
Como referencial para o estudo da história de uma instituição escolar utilizamos
textos de Paolo Nosella e Ester Buffon, que nos ensinaram que, ao fazer este tipo de
pesquisa devemos prestar atenção a certos detalhes:
“(...) normas e práticas, que variam no espaço e no tempo e que
podem até coexistir mantendo suas diferenças, aninham-se na
instituição escolar e é possível evidenciá-las com base nos
seguintes tópicos que funcionam como categorias de análise:
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contexto histórico e circunstâncias específicas da criação e da
instalação da escola; processo evolutivo: origens, apogeu e
situação atual; vida escolar; o edifício: organização do espaço,
estilo, acabamento, implantação, reformas e eventuais
descaracterizações; alunos: origem social, destino profissional e
suas organizações; professores e administradores: origem,
formação, atuação e organização; saberes: currículo, disciplinas,
livros didáticos, métodos e instrumentos de ensino; normas
disciplinares: regimentos, organização do poder, burocracia,
prêmios e castigos; eventos: festas, exposições, desfiles.”
(NOSELLA, 2013, p. 20)
Ainda são poucos os estudos sobre as escolas luteranas no Rio Grande do Sul, nos
pautamos nos estudos de Lúcio Kreutz (1994) e René E. Gertz (2001). Destacamos o artigo
de Malcus Cassiano Kuhn intitulado “O contexto escolar teuto – brasileiro no Rio Grande
do sul e o Ensino de Matemática” que traz detalhes sobre as escolas luteranas nos
primórdios da imigração alemã no Estado. O autor apresenta um estudo específico sobre o
Ensino de Matemática no início do século passado, foco principal da nossa pesquisa.
Também utilizamos o livro Comunidade Evangélica Luterana Cristo (1902-2002): 100
anos, de Valter Kuchenbecker publicado pela Comunidade, por ocasião da comemoração
dos cem anos de sua fundação. Este livro traz aspectos relevantes sobre a história da
comunidade, que evidentemente, se misturam com a do Colégio, já que, foram fundadas no
mesmo ano, com apenas dois meses de diferença.
“... os pioneiros da Comunidade Cristo fundaram uma escola
paroquial, mesmo antes de organizar a comunidade. Ambos
centenários, a Comunidade Cristo e o Colégio Concórdia marcham
unidos com o mesmo objetivo: ensinar a Palavra de Deus....”
(KUCHENBECKER, 2012, p. 6)
Cabe ressaltar a importância que a comunidade escolar representava para estas famílias
alemãs, já que a fundação da escola acontece cronologicamente antes mesmo que a própria
igreja.
3_ AS ESCOLAS LUTERANAS NO RIO GRANDE DO SUL
Desde meados do século XVIII predomina na cultura alemã a união do ensino
religioso e a educação do povo. Segundo Kreutz, “apenas nas regiões onde Igreja e Estado
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estivessem unidos, e onde a Igreja desejava realizar algum plano de educação, é que o
Estado tinha condições de desenvolver o sistema de escolas públicas.” (KREUTZ, 1994, p.
15).
Nesta época, o ensino religioso ocupava o lugar principal da escolarização alemã.
No final do mesmo século é que começa a entender-se a escola do ponto de vista sócio-
político. Foi assim então que desde o início do século XIX, com esses ideais arraigados,
um número considerável de famílias, boa parte delas luteranas confessas, tentando escapar
dos efeitos da Revolução Industrial, se instalaram em vários estados do Brasil, inclusive o
Rio Grande do Sul. Estas famílias se dividiram em dois grandes grupos: os pequenos
proprietários rurais, e os chamados luteranos urbanos (KREUTZ, 1994, p. 18).
O currículo das escolas fundadas por imigrantes alemães estava organizado de
forma que os alunos aprendessem o necessário para o desenvolvimento da comunidade,
cuidando dos aspectos religiosos, sociais e de trabalho, seja dentro da cidade ou no campo.
A vida comum destes grupos girava entorno da Igreja. Cabia ao Pastor assumir varias
funções dentro da comunidade, ele era o guardião da ordem e dos bons costumes, era um
exemplo de vida . Segundo Kreutz, vem daí a concepção de que o magistério e o serviço
religioso são vistos como uma missão, um sacerdócio (1994, p. 23).
Neste mesmo período acontecem várias mudanças que revolucionaram a escola
Concórdia. A partir da década de 20, começa a ser implantado gradativamente nas escolas
de todo o país, o fenômeno da Nacionalização progressiva, iniciativa do Governo Federal
para atrair gradativamente a clientela das escolas particulares para as públicas. Este fato
obriga as escolas alemãs a mudarem o seu currículo de ensino, até então exclusivo em
alemão, e alfabetizar os seus alunos primeiro em português, e depois em alemão. Para
Kreutz, mesmo que não produzisse o fechamento das escolas, provocou uma acentuada
queda no nível de ensino, já que trouxe dificuldades de adaptação. (1994, p. 31).
A partir de 1938, o impacto foi bem maior, com uma série de decretos estaduais e
federais, disciplinando a licença dos professores, o material didático que podia ser
utilizado, e o principal: tornando o português a língua nacional obrigatória para o ensino.
Também se torna obrigatório o ensino de História e Geografia, assim como formação
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cívica.
Até 1939, o currículo da escola alemã era direcionado ao interesse das comunidades
em que a escola estava inserida. A ligação era tal que as punições escolares poderiam
afetar a vida religiosa da família. O currículo das escolas e os métodos utilizados eram
exclusivos para preparar o aluno para ser cidadão. O objetivo era formar pessoas que
assumissem plena participação no processo de construção da comunidade onde moravam.
3.1 _O COLEGIO CONCÓRDIA
Sendo Pastor da Comunidade São João, o Pastor Carl Wilhelm Gustav Mahler, em
viagem missionária a Porto Alegre, conhece algumas famílias imigrantes e realiza o
primeiro batizado. Também toma conhecimento de que nessa freguesia vivia um grupo
grande de pessoas sem atendimento religioso e, praticamente sem escola
(KUCHEMBECKER, 2002, p.34). Logo após receber um pedido por carta destes
moradores, no dia 29 de setembro de 1902, o pastor Malher aluga uma fábrica desativada
na Rua Voluntários da Pátria, esquina com a Avenida Brasil, e com apenas dez alunos
inicia uma escola primaria cristã. Poucos dias depois do início já haviam 42 crianças
matriculadas.
O edifício da escola era “acanhado, velho e sujo” (KUCHENBECKER, 2002, p.
23). Porém, na sua simplicidade, satisfazia todas as necessidades de uma pequena
comunidade incipiente, cujo objetivo principal era “ter a disposição de seus filhos não
somente um bom educandário, mas, sobretudo, uma escola com filosofia e princípios
cristãos bíblicos.” (KUCHENBECKER, 2002, p. 35).
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A língua usada nos cultos e nas aulas era o alemão, ou o dialeto alemão pomerano,
facilitando a comunicação entre os missionários (professores) e seus alunos, já que não
precisariam aprender com urgência o português, e as famílias continuariam com o objetivo
de manter sempre presentes os seus costumes.
Com o passar dos anos, a comunidade escolar foi crescendo e o espaço ficou
pequeno, o que obrigou a comunidade a comprar um terreno e construir o primeiro prédio
da igreja, que servia durante a semana como escola, utilizando-se de biombos para fazer as
divisões de modo que uma turma não atrapalhasse o andamento da outra.
Em 1914 o Pastor Mahler, retorna aos Estados Unidos por problemas de saúde, e no
seu lugar assume a comunidade “Cristo” o Professor paroquial Neukuckatz, que também
ficou responsável pelo Seminário “Concórdia”. Com o passar dos anos, os vizinhos do
bairro deram o nome de “Colégio Concórdia”, nome que persiste até hoje. Em 1922, o
Reverendo Johannes F. Kunstmann se torna diretor do Colégio, este contava com 83
alunos distribuídos em 6 séries. Até o final do ano, já eram cento e quinze. O livro que
conta a história da comunidade apresenta o Reverendo como um Diretor e professor de
“incansável dedicação e „gênio pedagógico‟” (KUCHENBECKER, 2002, p. 37) que
trabalhou com abnegação junto com o corpo docente da escola. A isto, é atribuído o
crescimento da escola de forma quantitativa e principalmente de forma qualitativa.
Figura 1: Primeiro prédio alugado para ser sede da Escola (Fonte: Acervo do Colégio Concórdia)
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No ano de 1929, devido ao grande crescimento no número de matrículas, se fez
necessária uma reforma do Chalé da Av. Maranhão, para servir como prédio unicamente
escolar. Haviam turmas no horário da manhã e da tarde, os primeiros anos tinham
aproximadamente cem alunos. Estes eram alfabetizados em português e alemão pelo
professor Otto Magger.
Em 1932, nasce o Jardim de Infância, fato que agrada e muito a comunidade
(KUCHENBECKER, 2002, P. 38). Assim como também, em 1939 é inaugurada a
Biblioteca Escolar Brasileira do Colégio Concórdia.
Como o número de alunos continuava em crescimento, inclusive com uma lista de
espera para o ingresso na escola, se fez necessária à construção de um novo prédio. Como
a administração do Colégio tinha se separado da administração da Igreja, o Reverendo
Kunstmann fez um empréstimo pessoal para financiar a obra. O Sr. Adolfo Gliese, nosso
entrevistado, que estava presente na escola no dia citado, nos relatou que o Reverendo
subiu em um banco no pátio da escola e comunicou aos pais que tinha sido quitado o
empréstimo. Este episódio é tido para a comunidade luterana e para a família Kunstmann,
como exemplo de coragem, teimosia e muito amor pela instituição.
4_ O ENSINO DE MATEMÁTICA
Figura 2: Grupo de alunos com o Rev. J. F. Kunstmann no ano 1922 (Fonte: Acervo do Colégio Concórdia)
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Para investigarmos como acontecia o ensino de Matemática no Colégio Concórdia
no início do século XX, além do acervo documental procuramos localizar pessoas que
tivessem participação neste momento da vida escolar. A indicação da própria direção da
escola e de outros integrantes da comunidade nos levaram a contatar o Sr. Adolfo Gliesse e
sua esposa Anita, alunos do colégio no período estudado, assim como também o Sr. Paulo
Kunstmann, diretor do Instituto Histórico da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB).
Adolfo Gliese nasceu em 11 de novembro de 1930, filho de uma família alemã, foi
aluno do colégio a partir de 1938, e continuou até o término dos seus estudos. Fez parte da
Diretoria da Comunidade por 25 anos. Seu depoimento e o da sua esposa, foram ricos em
detalhes sobre as aulas de matemática, com destaque para o processo de disciplinamento
que caracterizou a escola. Paulo Udo Kunstmann, é neto do Reverendo Johannes
Kunstamnn e filho do Dr. Walter Kunstmann, ambos Diretores do Colégio Concórdia. O
primero desde 1922 até 1942, e o segundo o sucedeu. Desde 2007 trabalha como Diretor
do Instituto Histórico da IELB. Fez vários cursos sobre organização de museus e afins.
4.1_ O CURRICULO
Os estudos de Rambo, mencionados por Kuhn (2013) nos dizem que as escolas
paroquiais ou de comunidades teuto – brasileiras no Rio Grande do Sul, caracterizavam-se
por terem uma única turma em que o professor ministrava as matérias: Religião, Língua
alemã (leitura, memorização, ortografia, composição, caligrafia, noções de gramática),
Língua portuguesa, Aritmética e Cálculo e Realia (diz respeito às disciplinas Geografia,
Estudo da Natureza, História Natural, História na perspectiva). Quanto ao programa de
Cálculo:
Durante o primeiro ano insistia-se na visualização das relações
elementares entre os números... durante o segundo ano repetia-se e
fixava-se a pequena tabuada. Iniciava-se com o cálculo escrito
propriamente dito, compreendendo as quatro operações.... Durante o
terceiro ano começava-se o cálculo com números dados, sistemas
métricos, pesos, medidas, sistema monetário, etc., com ênfase na sua
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aplicação prática. No decorrer do quarto ano exercitavam-se cálculos
mais complexos, incluindo o mais essencial do cálculo decimal, das
frações e das formas simples de cálculo de juros. (RAMBO, 1994, p. 138
apud KUHN, 2013, p. 7).
Não localizamos documentos ou boletins anteriores a 1938 na escola ou com os
depoentes que pudessem revelar maiores informações sobre os conteúdos de matemática
ensinados. A enchente de 1941 destruiu quase totalmente estes documentos.
O ano de 1938, ano da instituição da “Campanha da Nacionalização” foi um marco
na educação do Estado do Rio Grande do Sul, como já mencionamos anteriormente. O
português era uma disciplina corriqueira dentro do currículo, mas não era a primeira língua
a ser ensinada. Desde o início os alunos eram alfabetizados em alemão. A partir de este
ano, o português passa a ser o idioma oficial, e o alemão a primeira língua estrangeira e o
inglês a segunda. Segundo o relato dos entrevistados, isto causo muita dificuldade para os
alunos que já frequentavam a escola, já que no bairro, na escola, nas casas o alemão era
praticamente a única língua falada, escrita e lida.
O currículo escolar estava dividido em duas etapas: os primeiros cinco anos eram o
ensino básico, e os últimos três integravam o “Curso Comercial”. Nesta etapa final, os
alunos tinham ensinamentos de matemática direcionados para as atividades comerciais.
Além disso, era oferecido um curso de estenografia e datilografia, como uma forma de
agregar conhecimentos ao currículo normal. Estas aulas eram ditadas pelo Dr. Walter
Kunstmann e pela senhora Érica Ruschel.
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Em relação a Matemática, os boletins localizados nos permitem compreender como
o ensino estava dividido. Em 38, com os boletins ainda em alemão, a matemática é
entendida somente como aritmética até o terceiro ano. Na Aritmética do terceiro ano,
também era ensinado medidas, frações e geometria plana e espacial.
No quarto e quinto ano foi inserido geometria e álgebra. Do sexto em diante
encontramos trigonometria e no oitavo a especialização em atividades comerciais com as
disciplinas de Contabilidade e Escrituração Mercantil.
Em relação aos conteúdos propriamente ditos de Geometria, Álgebra e
Trigonometria, não localizamos planos de ensino ou livros didáticos que nos permitissem
identifica-los com mais exatidão. Porém a fala dos entrevistados nos deu alguns indícios
interessantes:
GRACIELA: E a Geometria você se lembra como é que era? Era com desenhos, como era?
ADOLFO: Não, não. Desenho não. Eram só os cálculos. Desenho não. Geometria descritiva não tinha.
Tem porque eu sei certo, porque depois, mais tarde, quando já estava no colégio que eu estava trabalhando,
que ai depois eu continuei estudando, assim aqui ou ali, e ai eu aprendi, Geometria descritiva que é o que
(ficou pensando) depois eu precisei na profissão.
Figura 3: Recortes de boletins. Acima: boletim do 1º ao 3º ano. Embaixo (da esquerda para a direita): Boletim do 4º e 5º ano, boletim do 6º e 7º ano,
boletim do 8º ano (Fonte: Acervo pessoal do sr. Adolfo Gliese)
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ANITA: A gente só fazia os desenhos descritivos, quando era uma coisa ali, e botava os números que era o
que tinha que fazer. (desenhou um quadrado no ar e gestos como se inserisse números nos lados da figura)
ADOLFO: Mais ai era Álgebra.
ANITA: Não. Geometria. Se era quadrado!
ADOLFO: Mas eram figuras!
ANITA: Mais dai era só figuras, simples, e depois era na base do Cálculo.
ADOLFO: E ali terminou, e aquilo ali era aquilo ali. As aulas eram isso ai, o colégio ia só até ali, o mais
simples. E depois mais tarde quando eu trabalhei que fiz Desenho Técnico e coisa e tal. E ai bom ai eu
aprendi isso. (Fonte: Adolfo e Anita / Memórias)
Nos parece que, para os depoentes, a separação entre geometria e álgebra não está
clara. A experiência profissional do sr. Gliese e a formação complementar lhe permitem
dizer que não se tratava de Geometria Descritiva, não se trabalhava construções
geométricas, mas sim com cálculos a partir de situações que envolvessem conceitos
geométricos simples. Eles não fazem menção à trigonometria.
Todas as disciplinas eram ensinadas pela mesma professora, com exceção da aula
de Canto ou Música, Educação física, e para as turmas maiores, a aula de Religião
acreditamos era ditada pelo Pastor da Igreja.
Ao finalizar os estudos, os oito anos disponibilizados pela Instituição, os alunos
recebiam um diploma. Neste, em alemão, constavam a assinatura do Diretor e da
professora responsável pela turma. Também constam notas relativas ao comportamento e
aproveitamento do aluno.
4_2 SISTEMA DE AVALIAÇÃO
Ao longo do ano letivo, os professores utilizavam vários instrumentos de avaliação.
As primeiras avaliações aconteciam com a chamada “lição de casa”. Estas atividades eram
obrigatórias para todos os alunos, inclusive em período de férias de inverno. Os
entrevistados relatam que neste período, as professoras entregavam uma tarefa para cada
dia de férias.
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Além disso, eram realizadas provas mensais chamadas “sabatinas”. Estas provas
tinham por objetivo acompanhar o aprendizado dos alunos. Serviam, segundo Dona Anita,
para ver quantos alunos precisavam de aula de reforço.
Ao final do semestre aconteciam os “exames”, provas que abarcavam o conteúdo
do semestre inteiro. Em relação a Matemática, acreditamos que assim como nos boletins a
disciplina estava dividida, os exames também eram separados. As notas eram registradas
nos boletins e entregues aos pais de acordo com a seguinte classificação: 1: ótimo; 2: bom;
3: suficiente: 4: insuficiente; 5: ruim. Em relação a nota 3, a tradução exata do alemão
seria a palavra “sofrível”, mas no vocabulário coloquial dos alunos, se utilizava a palavra
“suficiente”. Analogamente acontece com a nota 4, que significa “insofrível”. Este tipo de
avaliação era mantido dentro da escola, já que era o sistema de avaliação europeu. Mesmo
que os boletins fossem escritos nas duas línguas, a forma de avaliar os alunos era ainda o
método alemão. Com tudo, a partir de 1939, o sistema de avaliação a ser utilizado passou
a ser o brasileiro, pela acumulação de pontos com no máximo 100.
Figura 4: Certificado de conclusão do curso do ano 1927 (Fonte: Acervo do Colégio Concórdia)
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4_3 OS PROFESSORES DE MATEMÁTICA
Buscando nos arquivos do Colégio, não localizamos registros sobre os professores
de matemática que atuaram naquela época. Porém, com as entrevistas e uma fotografia, foi
possível identificar alguns nomes a partir de 1938. Segundo o Sr. Paulo, as professoras
não tinham formação para o magistério: “Eram moças solteiras, de boas famílias”, e que
haviam estudado numa instituição chamada “Fundação Evangélica”.
Para que estas moças tivessem condições de ensinar os seus alunos, segundo o
depoente, eram instruídas depois do horário pelo Rev. Kunstmann. Ele organizava “mini
cursos” de dois ou três meses, duas ou três vezes por semana e ensinava para as
“professoras leigas”, como eram chamadas, os princípios que a escola defendia e os
ensinamentos que iam de acordo com a visão do Diretor para o colégio. Dentre estes
cursos estavam a língua francesa e a matemática.
4_4 OS LIVROS DIDÁTICOS
No período inicial, os professores não utilizavam um livro didático como referencia
para ministrar as aulas. Segundo o Sr. Paulo, os professores chegavam com antecedência e
colocavam a matéria no quadro, para logo na aula, dedicar-se exclusivamente a explicação.
Figura 5:Grupo de professoras e Diretor da Escola. Em pé: Joana Rauter, Agnes Damm, Iris da Silva, Elsa H. da Silva, Erna Blödow, Erna Borda. Sentado: Dr. Johannes Kunstmann (Fonte: Acervo do Colégio Concórdia)
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Ademais, sabemos que tinha uma série de livros de Aritmética, que eram utilizados pelas
escolas teuto-brasileiras, publicados pela Editora Rottermund. O sr. Adolfo lembra de ter
usado um livro de Álgebra. Pudemos encontrar esses livros no Instituto Histórico, o que
nos dá indícios de que realmente foram usados no Colégio Concórdia.
4_5 DINAMICA DAS AULAS
Ao iniciar as aulas, era realizada uma oração por parte da professora responsável,
como forma de abençoar o dia de estudos. Antes de terminar o dia escolar, era realizada
uma nova oração para o fechamento das atividades e despedida dos alunos.
No período em que o Presidente da República era Getúlio Vargas, era exigido para as
escolas rio-grandenses que tivesse a hora cívica diária. Este ato cívico consistia em, todos
os dias antes de entrar na sala de aula, entoar o Hino Nacional e o Hino do Rio Grande do
Sul, assim como também o Hino dedicado ao Presidente.
Segundo o Sr. Adolfo, a professora não levantava a voz, a não ser que fosse sumamente
necessário. Se alguém tinha dúvidas, deveria levantar a mão e esperar que lhe fosse dada a
oportunidade de falar. Todas as normas que a professora estipulava em aula deviam ser
Figura 6: Sala de aula, de inícios da década de 40 (Fonte: Acervo do Colégio Concórdia)
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XV Seminário Temático
Cadernos escolares de alunos e professores e a história da educação matemática,
1890-1990
Pelotas – Rio Grande do Sul, 29 de abril a 01 de maio de 2017
Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889
Anais do XV Seminário Temático – ISSN 2357-9889
respeitadas, e eram entregues aos alunos no momento da matrícula no início do ano. Conta
o Sr. Adolfo:
(…) naquele tempo o aluno não tinha muito que reclamar. Se a professora dizia que era assim, era
assim.(Fonte: Adolfo / Memórias)
Os professores registravam nos boletins o comportamento não só dentro da sala de aula, e
sim também a pontualidade e a higiene.
Quando os alunos não faziam a “lição de casa”, ficavam na sala durante o recreio para
fazer a tarefa que deviam ter feito em casa. A Dona Anita ainda relata que, a professora
ficava junto com eles, merendava na sala até que terminassem, e se fosse necessário
explicava o que não tinha sido entendido.
As turmas dos alunos eram mistas, não tinha separação entre meninos e meninas, fato que
não era comum nas escolas da época. Segundo o Sr. Paulo as turmas eram separadas entre
católicos e protestantes, para evitar conflitos durante as orações que eram diferentes de
uma religião para a outra.
5_ CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar esta pesquisa procurávamos entender o contexto em que o ensino de
Matemática acontecia no Colégio Concórdia, uma escola centenária de princípios
luteranos. Antes de iniciar o trabalho nos apropriamos do conhecimento que nos ajudasse
a entender o momento histórico que íamos encontrar, assim como os procedimentos
metodológicos para o desenvolvimento deste tipo de pesquisa.
Quando pensávamos estar prontos para iniciar o trabalho de levantamento de
documentos, visitamos o arquivo do Colégio. Neste lugar, encontramos documentos
escritos e muitas fotografias, mas a grande maioria não se enquadrava no período da
pesquisa. Nos chamou a atenção o fato de não ter registros dos professores. Por este
motivo, optamos por realizar as entrevistas com os ex-alunos e com o Diretor do Instituo
Histórico da IELB.
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XV Seminário Temático
Cadernos escolares de alunos e professores e a história da educação matemática,
1890-1990
Pelotas – Rio Grande do Sul, 29 de abril a 01 de maio de 2017
Universidade Federal de Pelotas ISSN: 2357-9889
Anais do XV Seminário Temático – ISSN 2357-9889
A partir do confronto entre as informações das diferentes fontes orais, fotográficas
e escritas, temos indícios de que o principal objetivo da comunidade escolar foi a formação
humana dos descendentes alemães que viam a escola como uma forma de ascensão social.
Para os membros da comunidade era essencial oferecer aos seus filhos uma escola que,
tivesse em primeiro lugar princípios cristãos e que garantisse uma educação que os
tornasse preparados para enfrentar o mercado de trabalho.
A rotina da escola era muito rígida. Os alunos participavam da hora cívica, depois
cada turma se dirigia para sua sala, faziam a oração para poder iniciar suas aulas. Logo do
tempo de aula, os alunos oravam novamente e se dirigiam a suas casas. Um destaque que
caracteriza a escola, principalmente na administração do Rev. Kunstmann é a disciplina
exigida em sala de aula, cujo lema era “Tudo tinha que ser respeitado”.
REFERENCIAS
DALCIN, Andréia. Fotografia como fonte para pesquisas em História da Educação
Matemática. Porto Alegre: UFRGS, 2012 (Comunicação Oral)
ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 10., 2013, Curitiba, PR. O
contexto teuto brasileiro no Rio Grande do Sul e o Ensino de Matemática, KUHN,
Malcus Cassiano, 2013.
GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. Elementos da História da Educação
Matemática. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.
GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. História Oral e História da Educação
Matemática: considerações sobre um método. 2002
KREUTZ, Lúcio. Material didático e currículo na escola teuto-brasileira do Rio
Grande do Sul. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994.
KUCHENBECKER, Valter. Comunidade Evangélica Luterana Cristo (1902 – 2002):
100 anos. Canoas: Ed. ULBRA, 2002.
NOSELLA, Paolo; BUFFA, Esther. Instituições escolares: porque e como pesquisar.
Campinas, SP. Editora Alínea, 2013.
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