o ensino de fraÇÕes equivalentes na modalidade de …
Post on 16-Oct-2021
1 Views
Preview:
TRANSCRIPT
O ENSINO DE FRAÇÕES EQUIVALENTES NA MODALIDADE DE
ENSINO REMOTO EMERGENCIAL – RELATO DE EXPERIÊNCIA
Jecy Jane dos Santos Jardim1
Resumo:
Este relato tem por objetivo mostrar como o conteúdo referente às frações equivalentes foi
trabalhado durante as aulas de Matemática ministradas para duas turmas do 5º ano do Ensino
Fundamental, na modalidade de Ensino Remoto Emergencial – ERE. Como recurso didático
foram usados roteiros de atividades, livro didático, sites da Internet e materiais como papel
sulfite, lápis colorido e régua. As aulas aconteceram via Google Meet e a abordagem do
conteúdo sofreu alguns ajustes devido aos percalços que surgiram e afetaram o planejamento.
Ao longo de cada aula foi possível perceber que as crianças conseguiam lidar com bem com os
recursos do Software Geogebra e a manusear o material concreto, o que lhes deu condições de
compreender o conceito de frações equivalentes e realizar operações. Destes resultados
podemos concluir que, embora estivessem na modalidade de ensino remoto, o ensino de frações
equivalentes tornou-se significativo para os alunos.
Palavras-chave: Frações Equivalentes; Ensino de Matemática; Ensino Remoto Emergencial.
1. Introdução
As aulas presenciais na Universidade Federal de Goiás estão suspensas desde março de
2020 devido a pandemia do COVID-19. O Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação
– CEPAE/UFG, contexto deste relato de experiência, atende aos alunos da Educação Básica e
aos alunos da especialização lato senso e stricto senso. As atividades no CEPAE foram
retomadas em 31 de agosto de 2020, por meio do Ensino Remoto Emergencial - ERE
obedecendo a Instrução Normativa Nº 01/2020.
As aulas para a Educação Básica no ERE iniciaram de modo assíncrono, com roteiros
de atividades distribuídos mensalmente. Ao longo do primeiro semestre letivo, tentativas de
atendimento síncrono foram realizadas, mas devido à impossibilidade de 100% de acesso, esse
atendimento aconteceu apenas com as turmas de 4º e 5º ano e com as turmas do Ensino Médio.
No segundo semestre, após ter-se comprovado que todos os alunos do 4º e 5º ano dispunham
de um computador ou celular com acesso à Internet, a coordenação da 1ª fase do CEPAE optou
1 Universidade Federal de Goiás – UFG, jecyjane@ufg.br
por montar o horário de aulas síncronas que contemplasse todas as disciplinas na semana e
colocassem os alunos, minimamente, em contato com a rotina escolar.
As aulas de Matemática foram ministradas por meio da plataforma do Google Meet, em
dois dias diferentes, totalizando três aulas semanais. O estudo de frações equivalentes ocupou
seis aulas, ou seja, duas semanas e foi realizado com os alunos das turmas do 5º ano do CEPAE.
Os alunos do 5º ano são crianças de 10 e 11 anos de idade, participativos e com muita
disposição para o aprendizado. Eles se adaptaram rapidamente a esse novo contexto, o que
contribuiu para que tivessem bons resultados ao final das seis aulas.
O relato dessa experiência visa mostrar os caminhos que percorri para ensinar frações
equivalentes aos alunos, de modo síncrono e sem os materiais que seriam usados caso
estivéssemos no ensino presencial. O resultado dessa experiência mostra que, apesar das
circunstâncias, as crianças compreenderam o conceito de frações equivalentes e que o desafio
dessas aulas foi um grande aprendizado para mim e para as turmas.
As aulas de Matemática durante o ERE
Os alunos do 5º ano do ensino fundamental do CEPAE tinham 3 aulas de Matemática
semanais, cada uma de 45 minutos. Essas aulas foram divididas em dois dias, um com uma aula
e outro com duas aulas separadas por um intervalo de 10 minutos. Cada professor criou uma
sala virtual no Google Meet e disponibilizou o link recorrente aos pais das crianças por e-mail
e através da página do CEPAE na Internet. Todas as aulas aconteceram nos mesmos dias e
horários, configurando assim, uma rotina minimamente parecida com a que as crianças tinham
antes da pandemia do COVID-19.
Os alunos lidavam muito bem com a sala virtual, conseguiam usar o chat e fazer
apresentações de suas telas quando solicitados. Os pais, na maior parte do tempo, deixavam as
crianças em aula e não faziam interrupções. Os alunos ficaram habituados a pedir a palavra
usando a ferramenta “mãozinha” e a colocar suas dúvidas e contribuições no chat. Todos os
alunos podiam deixar a câmera desligada caso desejassem. Todos podiam se manifestar usando
a ferramenta de áudio. Apenas o áudio das aulas foi gravado.
Os roteiros de atividades usados quando não havia aulas síncronas continuaram a ser
entregues mensalmente a todos os alunos. Eram roteiros semanais, então a cada entrega a
criança levava 4 ou 5 roteiros de cada disciplina, dependendo do mês, e devolviam os roteiros
estudados no mês anterior. A frequência às aulas estava diretamente relacionada à devolução
dos roteiros para correção.
Os alunos estavam estudando a representação de frações por meio de diagramas e
estabelecendo relações de comparação entre o todo e a parte. Eles também estavam associando
a representação pictórica à representação numérica e iniciando a resolução de problemas
envolvendo frações. Eu estava introduzindo o tema com as turmas e procurei retomar, com um
pouco mais de profundidade, as noções que os alunos traziam do ano anterior. Sendo assim,
nesta unidade de ensino, além das ideias de fração, o conteúdo contemplou: frações
equivalentes, números mistos, frações decimais, porcentagens e operações com frações. Este
relato de experiência é sobre as aulas de matemática síncronas cujo conteúdo ministrado foram
sobre frações equivalentes.
A abordagem do conteúdo
No início do ERE os professores não tinham nenhum contato com as crianças e elas
precisavam ler e compreender o conteúdo que estava contido no roteiro e realizar as atividades
solicitadas no livro didático. Embora os roteiros de atividades fossem muito bem planejados e
a sua escrita procurasse estabelecer um diálogo com os alunos, a ausência do professor como
mediador do processo de aprendizagem, tornava tudo ainda mais difícil para os alunos e,
também para os pais quando estes não sabiam como ajudar seus filhos. Isso é compreensível,
afinal “palavras não alcançam o mesmo efeito que conseguem os objetos e imagens, estáticos
ou em movimentos. Palavras auxiliam, mas não são o suficiente para ensinar”. (LORENZATO
2008, pág. 17)
Com as aulas síncronas foi possível pensar em novas estratégias para o ensino do
conteúdo e isso facilitou o processo de aprendizagem dos alunos. De um modo geral, a
coordenação dos Anos Iniciais orientou que os pais ajudassem seus filhos a montar um
cronograma de estudos e sugeriu que os roteiros do mês fossem organizados de acordo com a
rotina de aulas síncronas. Seguindo essa logística, pela manhã os alunos frequentavam as aulas
e no período vespertino deveriam fazer a leitura do material e realizar as atividades. Durante as
aulas pelo Google Meet eu usava a mesa digitalizadora para escrever no roteiro que estava
sendo explicado aos alunos e, também para ajudá-los nas atividades realizadas no livro didático.
Nesta primeira etapa da abordagem do conteúdo eu usei apenas o roteiro de atividades
e o livro didático. O conteúdo do roteiro era referente à unidade do livro didático que estava
sendo estudada. O roteiro tinha a pretensão de levar ao aluno algo que se aproximasse bastante
da explicação do conteúdo tratado no livro, por isso o texto propunha um diálogo com as
crianças. Entenda como funcionava:
O livro didático que usamos no CEPAE apresenta o conteúdo e exercícios intercalados.
Na ilustração abaixo trago o exemplo de um exercício sobre frações equivalentes.
Figura 1 – Atividade no livro didático Fonte: Dante, 2017, p.140.
Embora pareça simples, a lógica desse exercício precisa ser explicada para a criança,
principalmente se ela não teve a oportunidade de manipular objetos que a ajudassem a
compreender essas divisões em partes iguais. Sendo assim, por estarmos no ERE, o roteiro
trazia atividades semelhantes às atividades do livro didático, com o objetivo de contribuir para
que as crianças fizessem as conexões necessárias para o entendimento da equivalência entre
frações. Então, à medida que eu ia abordando o conteúdo, também fazia perguntas para que as
crianças respondessem enquanto iam lendo o roteiro.
Ao iniciar a abordagem das frações equivalentes fiz perguntas do tipo “Como você lê a
fração 1/2?”. Após a resposta, nova pergunta: “E o qual o significado de 1/2 para você? Você
consegue me explicar? Escreva exatamente como você entendeu.”, “Que tal fazer um desenho
do que você me explicou?”. Para cada pergunta havia espaço para resposta e o diálogo ia
avançando: “Agora vamos pensar na fração 2/4. O que significa 2/4 pra você?”, “E se você fizer
um desenho dessa nova fração?”, “Você percebeu alguma relação entre as frações 1/2 e 2/4 ou
entre os desenhos? Conte para mim o que você pensou sobre essa relação”.
O texto no roteiro era sempre recheado de espaços a serem preenchidos com respostas
às perguntas que eu faria se estivesse presente em sala de aula com os alunos. A tentativa era
de um diálogo, de uma interação com as crianças, ainda que de modo assíncrono.
O planejamento de cada roteiro visava a explicação cuidadosa do conteúdo, portanto,
havia uma organização gradativa das atividades. A intenção era que os conteúdos que já haviam
sido trabalhados antes fossem retomados e ajudassem os alunos a compreenderem o novo tópico
que estava sendo estudado.
No momento da aula síncrona eu procurei abordar o conteúdo considerando o roteiro de
atividade que já estava com as crianças. À medida que eu ia conduzindo a aula pude perceber
que as crianças davam respostas mais elaboradas ou mais pautadas em procedimento algébrico
e isso me intrigou, então, perguntei quem já havia resolvido todas as atividades do mês. Que
surpresa! Quase todos os alunos já haviam respondido a mais da metade do quantitativo de
roteiros que estavam com eles. Cheguei à conclusão de que um número significativo de alunos
leu o roteiro, observou o processo e repetiu os procedimentos descritos no livro, sem na verdade
entenderem o significado do que estavam estudando. Ou seja, no sentido atribuído por Ausubel
(1978 apud MOREIRA, 2006), ocorreu uma aprendizagem mecânica e isso não estava nos meus
planos!
A fim de confirmar minhas percepções, pedi que os alunos indicassem uma fração
equivalente a 2/6. Muitos responderam 1/3 e ao perguntar como encontraram a resposta, eles
disseram que dividiram o numerador e o denominador por 2. Como os alunos ainda estavam
realizando associações entre as representações numéricas e as pictóricas, pedi que todos
desenhassem a representação de uma fração equivalente a 2/6 que fosse diferente da resposta
dada anteriormente. Os alunos não sabiam por onde começar. Não sabiam em quantas partes
precisavam dividir a figura e nem qual figura deveriam usar na representação.
Nunes e Bryant (1997, p. 191) alertam que
Com as frações as aparências enganam. Às vezes as crianças parecem ter uma
compreensão completa das frações e ainda não a têm. Elas usam os termos
fracionários certos; falam sobre frações coerentemente, resolvem alguns
problemas fracionais; mas diversos aspectos cruciais das frações ainda lhes
escapam.
De fato, foi preciso cuidar para não me deixar enganar pelas aparências. Como os
roteiros de atividades eram mandados em blocos, eu sempre pedia que as turmas esperassem o
momento de estudar cada um deles, entretanto, talvez por curiosidade ou por ansiedade das
crianças e de seus pais, isso não aconteceu. É importante dizer que a resolução antecipada das
atividades não significava, em hipótese nenhuma, que eles haviam compreendido o significado
de frações equivalentes.
Pesquisas apontam que, em relação a outros conceitos matemáticos, as crianças
apresentam grande dificuldade na aprendizagem dos conceitos de fração e de fração equivalente
(BEZUK, 1988; CARRAHER e SCHLIEMANN, 1992; MERLINI, 2005; QUINTERO, 1987).
O ensino de frações que dá ênfase apenas à dupla contagem (todo e parte) de forma
descontextualizada, contribui para que os alunos não assimilem o significado desse novo
número. Campos e Rodrigues (2007) apontam que um dos fatores que não favorecem a
compreensão desses conceitos está relacionado com a dificuldade de o professor ensinar como
estabelecer relações entre números naturais e números racionais. Como possível solução a esse
problema, os autores sugerem que os docentes enfatizem mais a aquisição do conceito de
número racional pelo aluno, considerando a unidade como peça fundamental para a construção
do conceito de número fracionário (RODRIGUES, 2005).
Assim, para “resgatar” meus alunos, precisei direcionar a aula para um diálogo sobre as
frações equivalentes que não estivesse explicitamente contido nem no roteiro e nem no livro.
Para isso, retomei a comparação entre frações. O fato de estar remotamente com os alunos
tornou inviável o uso dos kits de fração que temos no laboratório de matemática do CEPAE,
então, fiz uso da tecnologia e recorri ao Software Geogebra2 para facilitar a construção das
figuras. Compartilhando minha tela, desenhei um quadrado e perguntei às crianças como seria
possível representar a metade dessa figura. Pedi que os alunos indicassem três maneiras
diferentes de dividir o quadrado ao meio (Fig.1). Como no livro e no roteiro a divisão do
quadrado foi feita de modo tradicional, pedi que os alunos se concentrassem na 3ª sugestão de
divisão e disse que não usaríamos cores, mas a representação numérica de fração para cada
parte encontrada após a divisão. Seguindo adiante, solicitei a divisão ao meio de uma das partes
do quadrado escolhido. Este foi um momento de grande interação, pois eles não estavam
manipulando a tela, mas podiam indicar qual movimento eu poderia fazer a fim de dividir uma
parte do quadrado ao meio. Na figura 2, abaixo, temos as tentativas das crianças.
2 Software Geogebra: https://www.geogebra.org/classic?lang=pt
Figura 2 – Divisão do quadrado – Geogebra Figura 3 – Divisão: metade da metade – Geogebra Fonte: Acervo de aula Fonte: Acervo de aula
Na primeira e segunda tentativas (Fig.3), os alunos consideraram a metade do quadrado
e não a metade do triângulo. Então, assim que o desenho foi feito, vários alunos disseram que
essas figuras não estavam corretas e quando perguntei o motivo, eles responderam: “Porque
pegou as duas metades e você pediu pra dividir só uma metade.” E ainda, “Porque a linha não
dividiu o triângulo no meio, pra baixo tá maior”.
Após várias tentativas, um aluno pediu para eu traçar uma linha “de ponta a ponta, só
que do outro lado, igual a essa que tá aí no meio”. E alguém disse, “Mas tem que ser só em uma
metade!”, e o aluno disse que ele sabia, mas queria pensar. Eu desenhei o que ele pediu e assim
que terminei muitos alunos disseram: “Agora ficou igual!”, “Só que em quatro partes!”. E o
aluno que pediu o desenho disse: “Agora apague a metade da linha, professora.” Surgiu assim,
a figura final (Fig. 3). Eu perguntei aos alunos como escreveriam as frações na nova figura. Não
demorou para que eles concordassem que seria ½, ¼ e ¼. Quando eu perguntei como haviam
chegado a essa conclusão, eles usaram as seguintes figuras para me explicar a resposta:
Figura 4: Identificação da fração referente a cada parte da figura
Fonte: Acervo de aula
Neste momento, olhando a última figura montada, eu perguntei: “crianças, se temos ½,
¼ e ¼ aqui, então, que observação podemos fazer entre essas partes, vocês conseguem ver
alguma relação entre elas?”. As respostas vieram rápido também: “a metade da figura é igual
às duas metades da outra figura”; “uma parte é igual às duas partes”; “se juntar as duas de cima
vai dar a de baixo”. E eu pergunto: “O que significa juntar as duas de cima e igualar com a
debaixo? Ao que eles responderam: “Somar né professora, ¼ + ¼ vai dar a outra metade”.
Então, desse diálogo, foi possível formalizar que 1
4+
1
4=
1
2. Quando perguntei quanto é
¼ + ¼ , as crianças responderam que era 2/4 porque já tínhamos trabalhado adição de fração de
mesmo denominador, então, fiz a seguinte anotação: 2
4=
1
2 e disse que isso confirmava o que
eles haviam dito, ou seja, “se juntar as duas de cima vai dar a de baixo”. Optei por não falar que
2/4 e ½ eram frações equivalentes. Decidi reforçar essa construção na aula seguinte.
Ainda sem usar os exercícios do livro e do roteiro, pedi que os alunos pegassem uma
folha de papel, régua e lápis. Pedi que dividissem a folha ao meio e que marcassem bem a linha
de divisão. Feito isso, pedi que abrissem a folha, passassem o lápis na marcação e pintassem
com a cor preferida apenas a metade da folha. Pedi que abrissem as câmeras para mostrar o que
estavam fazendo. Para ilustrar esse momento, abaixo apresento algumas fotos de aula síncrona
e sem identificação das crianças.
Figura 5: Alunos mostrando seus desenhos
Fonte: Acervo de aula
Nessa aula os alunos dobraram a folha ao meio, pintaram e identificaram a fração
referente a cada parte da folha. Em seguida, dobraram a folha ao meio e depois ao meio
novamente, fizeram as marcações com o lápis e identificaram as novas frações de cada parte.
Fizeram isso até que não fossem mais dividir a folha igualmente. As frações encontradas para
cada parte após as divisões foram anotadas: ½, ¼, 1/8, 1/16, 1/32.
Depois que as crianças já haviam dobrado o suficiente as suas folhas, voltamos as
anotações para sistematizar o que eles observaram. Fomos refazendo os caminhos da dobradura.
Logo nas primeiras dobras os alunos conseguiram associar que ¼ + ¼ = 2/4 = ½ “igual ao
desenho da aula passada” . Quando dobraram a folha novamente perceberam que a folha ficou
dividida em 8 partes iguais. Eu perguntei: “O que aconteceu com a parte pintada em relação a
quantidade de partes que temos agora?” e alguns alunos responderam que correspondiam a 4
das 8 partes, ou seja, “metade da folha, professora!”. Perguntei como eles escreveriam a fração
correspondente à metade da folha usando as novas divisões encontradas. Eles responderam que
seria 4/8 porque 1/8 + 1/8 + 1/8 + 1/8 = 4/8 = ½
Então eu lhes disse que já tínhamos que: 2/4 = ½ e , também, 4/8 = ½. Quando os alunos
refizeram a dobradura seguinte e abriram a folha, puderam ver que havia 16 “pedaços” na folha.
E perguntei como seria a representação da metade da folha naquele caso e eles responderam:
8/16. Pedi que me dissessem as próximas representações sem usar a folha e só depois
confirmassem suas respostas. Eles responderam 16/32 e 32/64 e ao conferirem cada uma das
respostas ficaram encantados. Um aluno disse: “Que mágico! A parte pintada é sempre a metade
da parte branca!”. Devo dizer que nem todos os alunos conseguiram dividir tantas vezes a folha,
mas acompanharam bem o desenvolvimento da aula.
Garcez (2013) afirma que o conceito de equivalência é importante para comparar e
ordenar frações e para realizar operações. Segundo este autor, a compreensão do conceito de
equivalência ocorre quando os alunos são capazes de:
1. Compreender que duas frações são equivalentes quando representam a
mesma quantidade, isto é, se forem o mesmo número.
2. Compreender que ao se multiplicar e/ou dividir os termos da fração por um
mesmo número, diferente de zero, podemos encontrar uma fração equivalente
a inicial.
3. Compreender a propriedade principal que nos leva a reconhecer se as duas
frações são equivalentes. (GARCEZ, 2013, p.63).
Quando os alunos perceberam que sempre que dobravam a folha podiam encontrar novas
divisões para a folha e que a soma dessas novas partes indicavam a metade da folha, eu organizei as
frações encontradas e lhes disse que, por representarem sempre a mesma quantidade, elas eram
chamadas de frações equivalentes. Então, 2/4, 4/8, 8/16, 16/32 e 32/64 eram frações equivalentes a 1/2,
ou seja, representavam, naquele caso, a metade da folha.
Um ponto que eu gostaria de destacar nas interações com as crianças foi o comentário
de uma aluna enquanto conversávamos sobre as frações equivalentes. Em certo momento ela
disse: “Professora vai dobrando o valor, mas vai diminuindo o tamanho, sinistro!”.
Imediatamente eu pedi que ela explicasse seu raciocínio e ela disse: “é que a gente veio de 2
pra 4 e de 4 pra 8, na outra a gente foi de 4 pra 8 e de 8 pra 16. A gente tá dobrando os valores
de cima e de baixo, mas o tamanho das partes vai diminuindo cada vez mais!”.
A observação da aluna foi muito importante, pois ela demonstrou que compreendeu
através do recurso de dobrar a folha, que quanto mais o inteiro for dividido, menor será cada
uma das partes resultantes dessa divisão (PATRONO e FERREIRA, 2011) e isso não é assim
tão natural, é uma ideia que precisa ser construída.
A partir desse ponto voltamos às atividades do roteiro e do livro didático. Os alunos
conseguiram dialogar sobre as questões e quase não foi preciso recorrer aos desenhos.
2. Considerações Finais
A maneira como nós professores planejamos e conduzimos nossas aulas mudou
significativamente nestes tempos de Ensino Remoto Emergencial – ERE. As aulas de
matemática, especificamente, as aulas sobre frações configuraram-se em um grande desafio,
pois eu não tinha as crianças juntas presencialmente, manuseando os kits de fração e nem
agrupadas discutindo sobre situações de comparação ou de equivalência, por exemplo. Toledo
e Toledo (1997, p. 168) nos falam da importância de a criança ter contato com uma boa
variedade de materiais manipuláveis quando estão iniciando o estudo dos números racionais
para não ficar apenas colorindo figuras, pois poderá descobrir por seus próprios meios uma
forma de repartir quantidades discretas ou contínuas em partes iguais e poderá fazer suas
constatações por meio da comparação ou superposição das partes quando se tratar de grandezas
de natureza contínua, por exemplo.
A experiencia no ERE fez emergir outras demandas para o planejamento das aulas. O
uso do Software Geogebra e o trabalho com as dobraduras foram recursos que apaziguaram as
dificuldades que enfrentei ao ensinar frações equivalentes aos alunos. Embora, algumas
crianças tenham se antecipado na resolução dos roteiros, o trabalho com a comparação de
frações os ajudou a compreender o conceito de equivalência e a realizar as operações com
frações.
Este relato de experiência refere-se às primeiras aulas sobre as frações equivalentes e
seu objetivo era mostrar os caminhos percorridos de modo a proporcionar o aprendizado deste
conteúdo às crianças. Foi interessante ver os alunos desenhando, dobrando a folha, alguns foram
para o chão onde eu não podia mais vê-los, mas de repente surgiam mostrando sua folha na tela
e dando respostas às minhas perguntas. Interessante, também, foi poder conduzir as construções
no Geogebra porque eram eles que diziam como eu deveria cortar a imagem e entre eles
decidiam qual imagem estava mais coerente e o porquê.
As aulas de matemática, ainda que acontecendo remotamente, precisavam despertar os
alunos para a necessidade de explorar esse novo caminho trazido pelo estudo das frações. Eu
queria ver a inquietude, a curiosidade das crianças diante do novo.
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao
desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de
esclarecimento, como sinal de atenção que sugere e alerta faz parte integrante
do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move
e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos,
acrescentando a ele algo que fazemos (FREIRE, 2000, p. 35).
A curiosidade explícita das crianças diante da tela ou dobrando papel me dizia que meus
alunos estavam prontos para novas descobertas. A inquietação e curiosidade também estavam
presentes em mim e me fizeram perceber que era preciso transformar minha prática pedagógica
e adaptá-la ao formato do ensino remoto emergencial. Freire (2000, p.103) nos faz um aleta
quando diz que “O professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se
esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua
classe”. Sendo assim, busquei explorar novos caminhos metodológicos para o ensino das
frações equivalentes e coloquei à prova, tanto a minha quanto a de meus alunos, a capacidade
de conhecer e enfrentar novos desafios.
A experiência com o ERE só reforçou em mim a certeza de que “é pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE,
2000, p. 46). Sigamos em frente!
3. Referências
BEZUK, N. S. (1988). Fractions in the early childhood mathematics curriculum. Arithmetic
Teacher, 35, 56-60.
CARRAHER, D. W., & Schliemann, A. D. (1992). A compreensão de frações como
magnitudes relativas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 8, 67-78
CAMPOS, T. M. M.; RODRIGUES, W. R. A ideia de unidade na construção do conceito do
número racional. REVEMAT – Revista Eletrônica de Educação Matemática, UFSC, v. 2.4,
p.68-93, 2007.
CEPAE/UFG. Instrução Normativa Nº 01/2020. Disponível em
<https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/80/o/Instru%C3%A7%C3%A3o_Normativa_CEPAE_
__01_2020_SET.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2021.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 16. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2000.
GARCEZ, Wagner Rohr. Tópicos sobre o ensino de frações: Equivalência. [dissertação] Rio
de Janeiro, 2013. Disponível em: <https://impa.br/wp-
content/uploads/2016/12/wagner_rohr_garcez.pdf > . Acesso em: 15 Jun. 2021.
LORENZATO, S. Para aprender matemática. Campinas: Autores Associados, 2ed. 2008.
MERLINI, V. L. (2005). O conceito de fração em seus diferentes significados: um estudo
diagnóstico com alunos de 5a. e 6a. séries do ensino fundamental. Dissertação de Mestrado,
PUC-SP, São Paulo.
MOREIRA, M. A. A teoria da aprendizagem significativa e sua implementação na sala de aula.
Brasília: Editora UnB. 2006.
NUNES, T.; BRYANT, P. Crianças fazendo matemática, Porto Alegre, 1997.
PATRONO, Rosângela Milagres.; FERREIRA, Ana Cristina. Uma proposta para o ensino de
frações no 6º ano do Ensino Fundamental. Produto Educacional desenvolvido a partir da
pesquisa realizada no Mestrado Profissional em Educação Matemática. Ouro Preto, MG. 2011.
QUINTERO, A. H. (1987). Helping children understand ratios. Arithmetic Teacher, 34, 17-21.
RODRIGUES, W. R., Números Racionais: um estudo das concepções de alunos após o estudo
formal. Dissertação de Mestrado em Educação Matemática. PUC-SP, 2005.
TOLEDO, Marília; TOLEDO, Mauro. Didática da matemática: como dois e dois: a construção
da matemática. São Paulo: FTD, 1997.
top related