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O conteúdo desta obra, inclusive revisão ortográfica, é de responsabilidade exclusiva do autor
Copyright: Todos os Direitos Reservados
Registrado: Sex Fev 11 22:04:31 UTC 2011
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Título: Andaluz
Descrição: Livro de Literatura Fantástica
Volume II
MCN: CKX2H-U37XE-KD9LH
Capa: Alan fotografias
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Isa Braga
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Sinopse
Melissa finalmente chega a Andaluz. E disposta a fazer o possível para libertar Jeziel, arrisca
sua vida numa jornada impossível e suicida na companhia de Ernest.
Os dois se aventuram pelas florestas até serem encontrados pelos soldados de Cordomad. E
numa luta em que quase perderam a vida, surge Aragorn, um guerreiro desertor do exército do
rei, que vendo os dois em perigo, resolveu ajudar.
Aragorn então derrota os soldados e salva Melissa e Ernest de um fim sangrento e certo.
Ernest o contrata como protetor para Melissa, mas se recusa a contar de onde ela é e o porquê
dos soldados do exército do rei estarem atrás dela.
Debaixo desse segredo os três seguem viagem até que em outro ataque, Ernest não teve tanta
sorte e perdeu a vida defendendo Melissa.
Ela então se vê sozinha, num mundo desconhecido e na companhia de um estranho que não sabe
nada da vida dela, mas se mostra interessado em continuar ajudando, já que ela não aceitou
voltar para casa sem antes realizar a missão secreta que a tinha levado até ali.
Seguem os dois então na jornada repleta de perigos e aventuras e por mais que Melissa não
quisesse admitir, seus sentimentos estavam ficando confusos demais para que ela os entendesse.
Aragorn se tornara seu único ponto de apoio e segurança, e a cada dia seu jeito atencioso, gentil
e protetor estava conquistando mais que a confiança dela.
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Dedico este livro a Sabrinna
Quando chegar o dia que tiver que escolher entre
o príncipe e o protetor
faça a melhor escolha.
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Capítulo 1
Agora sabendo que foi a bruxa da Raika que nos separou com suas teias eu estava
disposta a lutar. E nada nem ninguém iria me impedir. E como eu ansiava em estar frente a
frente com Raika para enroscar minha mão naquele cabelinho lourinho dela e arrastá-la por toda
Andaluz.
- Vamos para Andaluz! – Lancei a ordem sobre Ernest que me olhou admirado.
- Tem mesmo certeza?
- Temos outra alternativa?
Ele balançou a cabeça negativamente.
- Mas não será fácil, e quando passarmos pelo portal, por onde eu vim, é possível que
Cordomad esteja nos esperando do outro lado.
- Nós temos uma coisa que ele não tem – Ergui a coroa.
- Isso pode nos dar uma vantagem - Falou pensativo.
- Como ela funciona? Como eu pude ter a visão de onde Jeziel esta?
- Ela sempre obedece a seu dono. Quando você colocou sobre a cabeça seus
pensamentos queriam alcançar a ele e a coroa te levou até lá.
Coloquei novamente sobre minha cabeça.
- Mostre-me Jeziel.
A visão novamente se abriu, e ele ainda estava preso pelas mãos. Me surpreendi como
era clara a visão.
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- Jeziel... – Falei a ele que continuou de cabeça baixa. - Será que ele pode me ouvir ou
me sentir?- perguntei a Ernest.
- A distância é grande. Mas vezes ele acordava no meio da noite dizendo que podia
ouvir você o chamando.
O que Ernest me falou me deixou comovida. Mesmo tão distante ele ainda estava ligado
em mim?!
- Eu acordei por várias noites gritando o nome dele. – Recordei entristecida às inúmeras
vezes que acordava com uma dor cortante no peito de saudades.
A visão ainda estava aberta diante dos meus olhos.
- Jeziel, se você pode me ouvir só levante a cabeça. – Não houve reação.
- Não parece que ele me ouve - Disse a Ernest.
- Chame-o como você costumava chamá-lo. Talvez ele esteja pensando que esta
delirando. Ou sonhando.
- Meu Leo, não é delírio eu estou aqui com Ernest ele me contou o que aconteceu e nós
vamos te ajudar.
Leo riu sem humor.
- Ele riu - Falei para Ernest.
- Bom agora tenho certeza ele acha que esta delirando. Eu e você juntos? Ele pensa que
ainda estou nas masmorras.
- O que eu faço para ele acreditar que sou eu.
Ernest deu e ombros.
E eu fiquei olhando meu Leo que mesmo aprisionado por grilhões, ainda mantinha o
mesmo porte majestoso e a mesma beleza que tanto me encantava.
Não sei para onde foi toda minha resistência, ou toda a terra que eu tinha jogado sobre
meus sentimentos por Jeziel. Ao poder vê-lo, meu coração que há muito tempo mal batia
teimosamente para manter meu corpo vivo, deu um salto no peito reconhecendo Jeziel. Meu
peito se encheu de ternura. Eu não queria isso, mas não conseguia evitar. Era algo involuntário a
emoção que voltava a brotar em meu coração por ele.
Baixei a guarda.
- Leo... Mesmo pensando ser um sonho ou um delírio Ainda que você não acredite que
seja eu. Só responda. Você ainda me ama?
Eu sabia que precisava dessa resposta, ainda que não soubesse o que fazer com ela, mas
no momento parecia vital pra mim, principalmente diante do que eu estava prestes a fazer.
Ainda de cabeça baixa ele ficou parado. De repente ele se endireitou e olhou para frente.
- Se eu ainda te amo? Eu sempre te amo. – Ele me respondeu como no passado.
Ainda que ele achasse que fosse uma ilusão, ele podia me ouvir e eu podia ouvi-lo isso
era maravilhoso.
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E desenterrando o sentimento que eu forçava em sufocar e mesmo que sem permitir
com medo da dor, as palavras deslizaram por meus lábios.
- Eu te amo Jeziel... Meu Leo. Estamos indo te buscar. Eu estou indo para aí.
Ele não respondeu.
Outros homens entraram na sala procurando por algo que eles pareciam perceber mais
não ver.
Tirei a coroa interrompendo a visão.
- Será que outras pessoas lá podem me ouvir?
- Os dons deles são muito apurados, é possível que eles sintam alguma coisa. É melhor
ser cautelosa ao usar a coroa, pois eles podem usar isso contra nós.
- Ernest o que agente faz? – agora eu estava ansiosa para tirar Jeziel das mãos de
Cordomad.
- Onde esta sua mochila?
- No quarto.
Ernest se adiantou subindo as escadas até meu quarto.
- Jeziel colocou algumas coisas na sua mochila contra minha vontade é claro. Ele nunca
me dava ouvidos e hoje fico grato por isso.
Na mochila havia além das coisas que meu pai me dera, que joguei ali junto com o colar
que Jeziel me deu, algumas peças de roupas minhas que eu havia esquecido na casa dele, o
bastão que eu usava no treinamento, um pergaminho semelhante ao do meu pai só que maior e
que continha o mapa de toda Andaluz. E um bilhete de Jeziel.
Se algum dia você quiser rever seu pai ou conhecer Andaluz e
quem sabe me fazer uma visita. Será muito bem vinda. Sei que hoje
você deve estar com muita raiva de mim e vir aqui seria a última
coisa que faria, mas num futuro talvez as coisas mudem.
Esta com você algo que pensei que iríamos usar juntos e que nos
levaria ao lugar que eu escolhi para ser o primeiro em Andaluz que
você visse. A colina mais linda de toda Andaluz. Imaginei que quando
a visse iria se apaixonar por essa terra como eu, e iria parar de
chamar meu reino de “dimensãozinha”. É um lugar secreto e se você
não quiser que ninguém saiba que esta lá não haverá como saberem é
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um lugar protegido por magia. Meu pai reservou só para ele e para
minha mãe para algo muito especial. E que pensei que poderia ser um
lugar especial para nós também. Pena não ter saído como planejei. De
qualquer forma deixo esse lugar em Andaluz para você como um
presente. A caixa que eu te dei para guardar no dia em que te
entreguei o colar, contém a passagem direta para a colina sei que você
vai gostar.
Adeus.
Jeziel
Ao terminar de ler o bilhete que eu nunca tinha visto, meu coração novamente saltou.
Fiquei olhando com saudade sua letra enquanto Ernest reagia de uma forma curiosa.
- Não acredito! - Ernest falou entusiasmado.
- O que foi?
- Ele deixou com você o portal que leva direto para a Colina secreta do rei. - Pela
primeira vez ele estava animado. - Nem Erkas poderá saber quando chegarmos lá! Isso é muito
bom. Vai nos dar uma vantagem e um tempo para planejarmos a estratégia para libertarmos
Jeziel.
Apesar da animação de Ernest eu estava intrigada com outra coisa.
- Ernest, porque ele deixaria o portal dessa colina comigo se é tão especial? Porque me
daria de presente sabendo que eu jamais iria até lá?
Ernest me olhou com um sorriso no rosto.
- Melissa, O seu Leo, é um romântico incorrigível. Essa colina foi o lugar onde o rei e a
rainha passaram sua lua de mel. Leo havia planejado cada detalhe nesse lugar especial para você
e pelo que conheço dele, ele não conseguiria estar ali de outra forma, então resolveu deixar para
você.
- Ainda não entendi. - Falei aérea.
- Vou falar de uma forma que você vai entender perfeitamente. – O sorriso dele
aumentou. – Esse garoto... - Ele ria meio constrangido.
- Fala Ernest, esta me deixando ansiosa.
- Melissa, o seu Leo planejou esse lugar para vocês passarem sua lua de mel, assim
como os pais dele.
Senti meu rosto arder e percebi que eu devia estar vermelha de vergonha.
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Ernest riu mais um pouco. Principalmente da minha cara.
- Nem mesmo Raika com toda sua feitiçaria o faria levá-la até lá. Mas é tão providencial
esse romantismo dele que nos fará chegar a Andaluz em segredo. – Ele estava realmente
confiante. - Onde esta o portal?
- A caixa que ele me deu... Onde esta? - Eu andava de um lado para o outro tentando me
lembrar. - Eu não sei. Ele me falou para escondê-la e mantê-la segura eu nem sabia o que tinha
nela.
- Espera – Falou Ernest – Relaxe que eu encontro ela em sua mente.
Ele olhou para mim por alguns segundos
- Esta numa caixa de sapatos dentro do seu guarda-roupa.
- Como fazem isso? - Falei admirada querendo ter esse poder também.
- Não sei é como você não sabe. – Replicou.
Enquanto retirava as coisas do guarda roupa procurando pela caixa pensava no que
Ernest me falou. Quantas vezes eu tinha sonhado em ter meu Leo por completo comigo. Ter seu
coração sua mente, seu corpo... E ele sempre fugia de mim. Mas ele tinha preparado algo
especial para o momento mais especial de nossas vidas. Isso me aqueceu o coração.
Encontrei a caixa e logo entreguei a Ernest que abriu retirando o baú. Quando ele
levantou a tampa três pedras de cristal exatamente iguais numa esfera perfeita estavam ali.
- Bom, é bem diferente do que eu pensei, é por isso que ninguém encontra a localização
da colina - Ele falava pensativo. - O portal não toca o chão sendo assim não deixa marca nem
pistas ele é que se move e leva a pessoa para o local exato. Sem deixar rastros. – Ele se voltou
para mim - Eu vou até minha antiga casa buscar algumas coisas e você se prepare Melissa. Esta
noite vamos fazer uma longa viagem.
Estava preparada para enfrentar qualquer coisa agora que havia decidido ir. Mesmo que
não pudesse saber o que me aguardava lá. Mas a visão de Leo aprisionado me motivava a
prosseguir. Arrumei algumas coisas que achei que seriam necessárias numa mochila e deixei um
recado na secretária eletrônica para minha mãe e para Biel quando eles ligassem. Sabia que eles
iriam enlouquecer se me ligassem e não conseguissem falar comigo.
Após o sinal deixe sua mensagem. A voz gravada me dava à deixa.
- Biel, Mamãe, não estou em casa agora, e é provável que vocês não me encontrem por
algum tempo. Estou indo fazer uma viajem. Sei que parece loucura, mas não quero que vocês se
preocupem. Pela primeira vez estou tendo coragem para fazer algo que acredito ser certo. Biel,
eu menti para você, me desculpe, naquele cofre de banco havia uma carta de nosso pai para
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mim, ele me dizia algo que esta me encorajando a fazer o que estou prestes a fazer. Numa
parte da carta ele dizia:
“E sei do seu potencial. Basta você também acreditar nele. E lutar até o fim pelo que
acredita.” Mamãe vê se não surta... E não ponha a polícia atrás de mim. Vai ficar tudo bem.
Torçam por mim. Nos veremos em breve. Amo vocês.
Com tudo pronto Ernest e eu já estávamos dispostos a partir.
- Precisamos de um lugar com mais espaço. Esse portal pode destruir sua sala
- Podemos ir ao jardim nos fundos da casa – sugeri.
No jardim Ernest teve o cuidado de se posicionar bem no centro mantendo uma
distância segura das paredes da casa.
- Espero que eu esteja correto no que penso ser a forma de abrir esse portal. Venha
Melissa fique bem junto a mim.
Eu me aproximei dele enquanto ele segurava as três pedras de cristais juntas nas mãos.
- Não tem como saber o que esse portal fará, mas em hipótese nenhuma se afaste de
mim. Esta bem?
Concordei com um frio na barriga.
- Bom se ele não pode tocar o chão então é provável que ele venha do alto.
Ernest lançou as três bolas com força para o alto e elas começaram a brilhar rodopiando
em espiral no céu. A luz foi se intensificando a tal ponto de nos ofuscar, e numa explosão de luz
as esferas se romperam formando uma parede de luz curva que agora giravam se unindo em
blocos formando o que me pareceu um grande cilindro luminoso.
Sim, reconheci espantada que eu já conhecia aquele cilindro, Leo já havia me mostrado
num sonho.
A hora tinha chegado e enquanto o cilindro ainda girava no ar, algo dentro de mim me
dizia que a partir de agora minha vida iria mudar radicalmente.
O cilindro desceu sobre mim e sobre Ernest nos envolvendo em sua luz e em seu giro
senti meus pés saindo do chão sendo sugada para dentro do portal e em menos de um minuto fui
colocada novamente com os pés no chão e o cilindro retornou ao ar agora na forma inversa para
se refazer novamente em três esferas de cristais retornando as mãos de Ernest.
Quando minhas vistas se recuperaram da luz pude então contemplar aonde o portal tinha
nos levado.
Nem o dia mais claro de verão poderia servir para ser comparado à luminosidade
daquele lugar.
Sobre minha cabeça o infinito céu de um esplendoroso azul e sob meus pés um verde
sublime da relva que se estendia além de onde meus olhos alcançavam.
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Árvores imensas de espécies desconhecidas, algumas que se assemelhavam a salgueiros,
só que mais refinado, Pequenos e grandes arbustos de flores em tão variadas cores que seria
difícil numerá-las. Tudo muito claro. Tudo parecia ter uma luz própria numa existência
imponente e sem comparação.
Ouvi o canto de pequenos pássaros aninhados nas árvores. Outros pequenos voadores
que se pareciam com borboletas florescentes voavam de um lado para o outro colorindo ainda
mais aquela paisagem. A brisa suave que balançou meus cabelos trazia um perfume semelhante
ao sândalo só que mais suave. Ao longe, um grande rio que serpenteava todo o vale aos pés de
montanhas que colaboravam ainda mais na composição daquela obra prima da natureza.
Impossível ser indiferente diante de tanta beleza. Tive a impressão de ter chegado ao paraíso.
Tudo era inacreditavelmente perfeito.
- Bem vinda a Andaluz. – Ernest me saudou orgulhoso.
Leo tinha razão em imaginar que eu iria gostar daqui. O lugar mais lindo que vi em toda
a minha vida.
Sorri para Ernest maravilhada o que colocou no rosto dele um sorriso que dizia: “Eu te
falei que era lindo”.
Imaginei se a viagem teria sido mais longa do que realmente pareceu a mim por termos
saído na madrugada do jardim de minha casa e chegado aqui no meio do dia.
- Questão de fuso-horário - respondeu Ernest ao meu pensamento - Venha precisamos
preparar algumas coisas. Sairemos ao anoitecer.
Me virei para o que estava as minhas costas e não muito distante uma casa feita em
pedras de cor clara com portas e janelas em vidro se destacava no alto da colina. No pano de
fundo o céu sem nuvens passava a impressão de estarmos no topo do universo.
Ernest caminhava a minha frente sempre olhando para trás como se ainda duvidasse que
eu estivesse ali. E de certa forma eu também estava me esforçando para acreditar que não era
um sonho.
Passamos pela porta da casa e me admirei com sua estrutura e decoração. O cômodo que
entramos com certeza seria a sala, muito ampla e com poltronas espalhadas em pontos
estratégicos formando vários ambientes no mesmo lugar. Tudo era em material natural, mas
nada rústico. O que mais me chamou a atenção foi o teto da casa que era todo azul, o mesmo
tom de azul do céu lá fora. Só que... Não... Não era pintura como no quarto do chalé, o telhado
era transparente em cristal e permitia que todo o azul do céu fosse visto dali de dentro.
Tirei a mochila das costas e andei explorando a casa enquanto Ernest saía por outra
porta ao fundo.
Passei por um quarto imenso com uma cama centralizada e visivelmente confortável e
mantos em veludo que pendiam de hastes na cabeceira da cama que se amontoavam no chão.
Continuei minha exploração e descobri um banheiro que me surpreendeu por ser idêntico aos
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que eu conhecia. Lousa, pia, espelho, algo que devia ser um chuveiro e uma banheira do
tamanho de uma piscina. Saí rindo daquele lugar. O povo de Andaluz também tinha suas
necessidades.
A cozinha era clara e espaçosa com uma enorme janela que dava visão para um grande
vale. Prosseguindo minha excursão cruzei um corredor que me levou a outra sala com uma
enorme estante repletas de livros aparentemente antigos, vários objetos formando uma
requintada decoração e uma pintura em tela de um casal tomava boa parte da parede ao fundo. O
homem num traje em cor de bronze com detalhes em preto sentado numa cadeira de encosto alto
em madeira esculpida de um rosto belo e olhos escuros que mesmo na descontração transmitida
na tela representava muita autoridade. E a mulher sentada ao chão junto ao homem debruçada
sobre as pernas dele com um sorriso suave e tranqüilo de olhos claros, tão linda quanto o pintor
poderia ter se inspirado para retratá-la. A mão direita do homem segurava a mão direita da
mulher delicadamente e a esquerda dele pousava sobre o ombro esquerdo dela. A orla do
vestido claro em detalhes dourados da mulher se espalhava ao pé dos dois. A intimidade
daquele casal mesmo através de uma pintura expiravam grande compromisso e amor.
- Os pais de Jeziel – Ernest falou por trás de mim. – Rei Jeriel e rainha Adria. Esta com
fome?- Ele me perguntou estendendo sua mão com uma fruta roxa como uma ameixa.
Agora que olhava com mais atenção para a pintura dava para identificar os traços de
Jeziel em cada um dos dois. Os olhos castanho-escuros do pai o sorriso da mãe e a presença
marcante dos dois. Peguei a fruta da mão de Ernest.
- Seria uma pêra? – Perguntei me deixando influenciar pelo formato da fruta.
- É mais para um caqui – Afirmou ele.
Dei uma dentada na fruta roxa e suculenta e Ernest tinha razão, o sabor era de caqui só
que menos doce. Eu adorei.
De volta a sala Ernest e eu retiramos os mapas da mochila para traçar a rota que
faríamos ao sair dali a noite.
- Hoje teremos que viajar a noite e não será seguro, mas será mais discreto. E não
poderemos parar por toda a noite até chegarmos aqui. – Ele apontava o dedo numa parte do
mapa que atravessava, segundo o desenho, um grande rio. – Do outro lado do rio encontraremos
uma forma de encontrar seu pai. Mas temos que ser cautelosos.
- Na carta de meu pai ele falava para procurarmos por uma mulher chamada Thiouryna.
- Então procuraremos por ela. – Ernest me olhou de cima a baixo. - Teremos que ser
absolutamente discretos ao andarmos pelo vilarejo, o que acho não ser muito possível com você
vestindo essas roupas.
Olhei para baixo sondando minhas roupas. Meu tênis velho preferido uma calça jeans
batida, uma camiseta de manga longa branca e uma regata preta básica por cima. O que poderia
ser mais discreto que isso?
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- Vamos ter que encontrar roupas normais para você. No quarto quem sabe. Espero que
a rainha Adrià tenha deixado algumas roupas aqui.
Chegando ao quarto Ernest revirava alguns baús repletos de roupas, mas ao que parecia
ele não se agradava de nenhuma. Um vestido vermelho de aparência pesada muito rebuscado
em detalhes de pedras foi erguido na minha frente.
- Lindo, mas nada prático. – Avaliou.
Depois de várias roupas espalhadas pelo chão Ernest já estava impaciente.
- Gostei desse – Disse a Ernest suspendendo uma peça um vestido de cor verde água em
várias camadas de um tecido extremamente fino e leve.
- Não durará dois dias da nossa jornada na floresta.
- E que tal esse? – Ergui um vestido preto com mangas que me pareceu discreto.
- Para um baile real esta ótimo, mas se quisermos chegar vivos e despercebidos até seu
pai é melhor encontrar algo mais plebeu. O que esta sendo difícil no guarda roupas de uma
rainha.
Ele olhou para todas aquelas peças espalhadas e um brilho lampejou seu olhar. – Já sei.
– Ele tomou o vestido de minha mão e rasgou a saia do pobre vestido pelo meio sem a menor
cerimônia ou pena por destruir algo tão lindo. Arrancou as mangas e me entregou – Segure. –
Andou pelo quarto vasculhando as peças caídas e me jogou um corpete cheio de tiras, um cinto
largo em couro curtido, uma manta escura que me pareceu uma capa e um par de botas longas
em couro cru que passariam dos meus joelhos. Uma bainha para espada que ele tirou
dependurada da parede. Olhei para aquilo tudo em minhas mãos e não quis acreditar no
modelito que Ernest estava planejando para mim.
- Tire suas roupas e vista esse corpete por cima do vestido e calce as botas. Deixe o
resto comigo.
Ele se retirou do quarto e eu fiz o que ele me pediu sem ter muita escolha. O mundo era
dele, ele devia saber o que estava fazendo.
- Pronto – Dei o sinal para que ele pudesse retornar ao quarto.
Mais eu ainda não estava pronta. O sinto largo Ernest fez se encaixar sobre meus
quadris, atrelando nele o bastão que Leo deixara na minha mochila. A capa que dava até meus
tornozelos foi lançada sobre meus ombros, a bainha ele atravessou em meu peito encaixando
uma espada em minhas costas. Ele estava com certeza esperando por uma guerra.
Ernest deu dois passos para trás e sorriu para mim. Estiquei o olhar para um espelho a
minha direita e tive um choque ao ver minha imagem refletida. Me aproximei para ter a certeza
de que era eu mesma. Me olhei de alto a baixo estarrecida.
- Eu não posso andar vestida assim em nenhum lugar do universo - Exclamei perplexa
ainda olhando meu reflexo no espelho.
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- Esta ótima Melissa. Bem comum na verdade e muito bonita também. - Ernest falava
satisfeito com seu trabalho.
- Vai me dizer que as pessoas andam assim por aqui? – Só podia ser uma piada.
- Você esta em outro mundo agora. – Ele tentava me lembrar do que eu ainda não tinha
esquecido principalmente com essas roupas.
- Mesmo assim ainda não quero andar por aí vestida assim. Estou me sentindo uma
figurante de filme épico.
A cara que fiz para mim mesma no espelho fez Ernest sorrir.
- Se Jeziel te visse vestida assim... - Ele estava apelando para minha vaidade - Duvido
que ele te achasse uma figurante.
- Tudo bem Ernest, mais eu vou cair pra cima de você se alguém rir de mim. – Ameacei
– E se Leo me achar ridícula você vai ter que se ver comigo.
Já estava escurecendo e Ernest já tinha preparado nossas mochilas. Ao mesmo tempo
em que eu estava ansiosa também estava preocupada. Não sabia o que nos aguardava fora
daquele lugar tão magnífico, mas não poderia mais adiar a jornada. Leo estava precisando de
mim.
Enquanto Ernest trocava sua roupa abri a mochila em couro que ele me deu e peguei nas
mãos a coroa. Eu precisava ver Leo antes de sair.
- Mostre-me Jeziel. – E a visão se abriu.
Ele estava sozinho na grande sala, ainda preso pelos pés e pelas mãos e o arco que o
impedia se usar seus dons ainda estava sobre sua cabeça.
- Leo – O chamei amavelmente.
- Minha doce ilusão. – Seu tom de voz foi um eco do meu. – A loucura até que não é tão
má. Serve para aliviar a dor constante que minha mente e meu coração me causam todos os dias
pelo arrependimento e pela... saudade.
- Leo estou aqui com você. É real. Lembra de como você entrava em meus pesadelos
me trazendo conforto e segurança? – Ele não respondeu - Agora é a minha vez. Estou aqui para
ajudar você.
- Só que infelizmente o que estou vivendo não é um pesadelo e não há conforto para a
minha realidade. E nunca haverá.
- Melissa esta na hora de irmos. – Falou Ernest já parado me esperando na porta.
- Eu te amo. – Falei sem perceber. Mas o fato de estar sob o mesmo céu que meu Leo,
tirou uma sensação de oco do meu peito. – Retirei a coroa da cabeça e a visão se foi.
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Me virei para Ernest e me irritei novamente com minhas roupas. Ele tinha pego algumas
roupas do rei e apesar de não ser tão convencional quanto as roupas de minha dimensão, ele
estava até elegante. Não parecia sair de um filme do século I. Como eu.
Ele sorriu sabendo o que eu pensava.
- Melissa, sei que será difícil, mas você não poderá entrar em contato com Jeziel quando
sairmos dessa campina ou eles nos encontrarão. Nem deixe sua mente aberta e não use o
bloqueio com o rosto dele ou nossos inimigos identificarão você. Não confie em ninguém. E se
alguma coisa acontecer a mim, não desista, Jeziel e Andaluz precisam de você. As pedras do
portal da campina estão na sua bolsa e deixei outras preparadas aqui para você, que te lavarão de
volta a sua dimensão. Se tudo der errado volte para a campina e retorne para sua casa.
- Esta pronta? – Ele me perguntou vendo o medo em meu rosto.
- Não. Mas vamos assim mesmo.
Depois de mais de uma hora de caminhada sentimos como se tivéssemos atravessado
uma parede invisível e ao olhar para trás o chão que antes estava debaixo de nossos pés havia
desaparecido. A visão de um enorme precipício substituiu o que à poucos segundos atrás era a
campina.
- Agora sei por que ninguém jamais encontrou a campina secreta do rei. – Exclamou
Ernest.
Ele pegou uma pedra e atirou no precipício nos mostrando não ser uma ilusão de ótica.
Era realmente real e se alguém tentasse passar por ali teria uma queda livre e apavorante.
Por toda a noite atravessamos a floresta em silêncio. Meu corpo estava cansado e eu
estava com sono, mas tínhamos que seguir o plano. Nada de descanso antes de atravessarmos o
rio. O que parei para pensar em como isso seria possível. Da campina tinha visto a extensão do
rio e não era possível atravessar a nado. A não ser que Ernest fosse abrir as águas ou nos fazer
caminhar por cima dela. Estávamos em Andaluz, então nada devia ser impossível.
Ernest sorriu.
– Bloqueie sua mente Melissa. Não me faça rir. Meus poderes não chegam a tanto. Tem
que ser mais que um Andaluziano para uma proeza dessas.
Já estava surgindo um amanhecer glorioso no horizonte quando nos aproximamos do rio
com uma neblina densa que pairava sobre as águas calmas e cristalinas. Paramos na margem e
avistei uma jangada vir flutuando nas águas rompendo a neblina e atracando na margem.
Um homem velho de cabelos tão alvos e finos e de olhos esverdeados e gentis estava
sobre ela e foi a primeira pessoa que vi em Andaluz. O homem me olhou com uma curiosidade
evidente.
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Ernest na embarcação me ajudou a subir. Navegamos por entre a neblina que se
esvanecia a medida que o calor do sol aumentava. Apesar da extensão não demoramos muito
para chegarmos ao outro lado.
Ernest entregou algo nas mãos do homem que devia representar a moeda local e o velho
retribuiu, o que me pareceu ser uma grande generosidade, com um largo sorriso.
- Ainda bem que o rei Jeriel deixou uma boa quantia de dinheiro na casa da colina. – Ele
riu - Tão boa que eu poderia me aposentar, e a esse pobre velho também.
Alguns passos a frente pela floresta eu estava quase me arrastando. Já eram duas noites
sem dormir recheadas de estresse e ansiedade.
- Só mais um pouco – Disse Ernest se compadecendo do meu cansaço.
CAPÍTULO 2
O sol já estava bem alto devia estar marcando o meio do dia quando chegamos a um
vilarejo.
As construções eram basicamente em pedra e o verde e a natureza mesmo ali ainda
predominavam. Algumas das construções tinham sido feitas em largos troncos de árvores
gigantescas e ainda vivas, outras embaixo das grandes raízes expostas. Algumas das árvores de
andaluz eram tão grandes que me faziam sentir uma formiguinha.
O movimento das pessoas circulando era bem comum a um lugar de comércios e teria
sido como passar feito turista por ali se o fato de todos os olhares se voltarem para mim não
estivesse me deixando incomodada.
- Eu disse que essa roupa não ia dar certo – Reclamei constrangida - Esta todo mundo
me olhando.
- Eles não estão olhando sua roupa. – Ernest abafava um sorriso, cumprimentando com
a cabeça algumas pessoas que passavam por nós me encarando.
- E estão olhando o que então? – Aproveitei para conferir as vestes dos outros, o que me
fez perceber que realmente não estaria tão diferente delas ou deles.
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- Estão olhando você. Essas roupas aqui são perfeitamente comuns. – Ernest lançou o
braço protetoramente sobre meu ombro me juntando ao seu lado – Sua beleza aqui é que não é.
Pisquei assustada ao passar por um homem que podia bem sem um astro de cinema,
olhando com a boca entre aberta para mim como se visse uma miragem.
- Meu plano de passarmos despercebido vai pro espaço. – Ernest murmurou
desanimado.
Abri um largo sorriso. Nunca fui o centro das atenções em lugar algum. Com a
declaração de Ernest e com os olhares admirados de todos que passavam por mim me senti o
máximo.
- Vê se não deixa isso subir a sua cabeça. Já me basta Jeziel ser tão convencido. Ou
Andaluz será pequena para comportar o ego da família real.
E os olhares continuavam. Eu poderia ter curtido mais se não estivesse exausta.
Chegamos a um estabelecimento que em Andaluz devia ser um hotel ou uma pousada.
Sua estrutura toda em pedra acinzentada do piso ao teto, se dividia em dois andares. Grandes
janelas que davam plena visão da rua movimentada lá fora. A mobília seguia o mesmo padrão
da casa da colina. No balcão um casal jovem nos recepcionou.
- Precisamos de um quarto. – Ernest falava ao rapaz que me olhou malicioso - Com
duas camas. Ela é minha filha. – Ernest eliminou assim a desconfiança do rapaz.
- Garray, mostre o quarto a eles. – O jovem falou à garota que estava ao seu lado.
Passamos por um longo corredor e por várias portas de madeira escura. Quando
chegamos ao quarto a garota abriu a porta para nos acomodar.
- Se precisarem de algo é só chamar. – Gentilmente ela nos falou fechando a porta atrás
de si.
- Espero que não se importe em dividirmos o mesmo quarto. Andaluz costumava ser um
lugar seguro antes do bando de Cordomad se espalhar pelas cidades. Só que agora Prefiro que
você esteja por perto.
- Não me importo. – Joguei a mochila de couro no chão de olho na cama.
- Tome um banho e descanse um pouco, eu vou comprar comida. Não abra a porta para
ninguém e só desbloqueie sua mente se precisar de mim.
- Você vai me deixar sozinha? – Perguntei temerosa.
- Você não corre perigo agora. E preciso tentar encontrar alguma pista sobre essa tal
Thiouryna. Não podemos perder tempo. Só paramos aqui para você poder descansar. Não
vamos progredir muito na estrada se você cair exausta e eu ter que te carregar. Então aproveite e
durma.
Pensei ser a melhor coisa que ouvi por todo aquele dia. E antes mesmo que Ernest
passasse pela porta já estava deitada. Em muito pouco tempo caí na inconsciência de um sono
pesado e sem sonhos.
21
Quando acordei a noite tinha chegado e Ernest estava recostado na cama absorto em
pensamentos com o mapa na mão.
- Ernest. – Chamei sua atenção.
- Melissa - Ele me respondeu imediatamente.
- Que horas são?
- Estamos no meio da madrugada. Esta com fome? – Ele se levantou e pegou um prato
de cima de uma mesinha no canto do quarto me entregando em seguida.
Estava mesmo com fome e me pus a comer sem perguntar o que era o cardápio.
A comida estava deliciosa. Ou talvez fosse a fome, pois eu não reconhecia nada do que
estava naquele prato a não ser uma coxa grande do que supus ser de galinha.
- Ernest – Falei ainda mastigando. - Descobriu algo sobre a Thiouryna?
- Sim, descobri que ela mora em Fastatur, uma vila que fica a alguns dias de viajem
daqui. Na verdade cinco dias e cinco noites inteiras. Seria fácil chegar lá se pudéssemos usar
algum portal, mas teremos que ir andando e o único caminho é por uma vicinal vigiada pelos
soldados de Cordomad. Então teremos que encontrar uma rota alternativa, aumentando mais
dois a três dias de viajem.
- Dias? - Falei desanimada - Não podemos ir de carro?
- Você viu algum carro por aí? Se tiver visto podemos dar um jeito. – Ele respondeu
impaciente.
Realmente não havia visto nenhum carro.
- Nosso transporte daqui é mais prático – Ele olhou para um conjunto de pedras que
saíam de sua mochila caída ao pé da cama. - Não temos problemas de estacionamento. Mas nós
infelizmente não poderemos usá-lo.
- Quem é essa Thiouryna? Porque meu pai nos mandou procurá-la?
- Ainda não sei. Teremos que descobrir ao chegar lá.
- E quando vamos partir? - Perguntei enquanto colocava o prato agora vazio ao lado da
cama.
- Assim que amanhecer. Então se você quiser durma mais um pouco. O dia será bem
longo.
Me pareceu uma boa idéia já que eu ainda me sentia cansada.
- Ernest, você acha realmente que conseguiremos vencer Cordomad? - Perguntei entre
um bocejo.
- Espero que sim. Estou apostando minha vida nisso.
E eu adormeci.
Minha consciência me dizia que era um sonho. Mas tudo era tão nítido e colorido. Uma
atmosfera sinistra pesava sobre o lugar em que eu estava. Uma sala de paredes muito altas todas
cobertas por grandes cortinas num tecido pesado na cor vinho. Não havia portas nem janelas,
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não sabia como tinha entrado ali. O teto e o piso me pareceu feito de granito branco, e
exatamente no centro daquela sala um pedestal esculpido em ouro de aproximadamente um
metro e meio sustentava um globo negro do tamanho de uma bola de handebol.
Tentei me aproximar do globo para observá-lo mais de perto, mas ao meu primeiro
passo a atmosfera ao meu redor reagiu magneticamente impedindo minha aproximação como
um campo de força. Tentei mais uma vez forçando contra a barreira invisível, e avancei um
pouco, mas um som de corrente elétrica e uma força em forma de raio laser saiu do globo me
jogando contra a parede.
Ainda caída, vi uma mulher surgir do nada diante do globo e com olhos grandes e
negros como petróleo vasculhou a sala procurando algo. Fiquei imóvel já que me pareceu que
ela não podia me ver, mas não deixei de reparar o quanto era linda apesar dos olhos
assustadores. Seus cabelos tão negros como a noite sobre uma pele tão branca caía
delicadamente em ondas sobre os ombros. Seu rosto em traços perfeitos e delicados. Ela usava
um longo vestido totalmente prateado que parecia ser feito de espelhos sobre o corpo escultural,
decotado e com fendas laterais que se estendiam até os quadris. Ela ainda procurava algo com
os olhos e fiquei feliz por ela não poder me ver. Ela estendeu uma das mãos sobre o globo que
respondeu com um nevoeiro sombrio que encheu toda a sala. Então eu acordei assustada.
O sol entrava pela janela e Ernest já estava de pé.
- Tive um sonho estranho – Falei olhando Ernest.
- O que você viu? - Perguntou interessado.
Ao descrever o sonho e a mulher que vi, Ernest arregalou os olhos perplexo.
- Isso não foi um sonho. Você entrou na sala das almas. O lugar onde a Feiticeira Erkas
esconde as almas dela e de Cordomad longe do ataque de inimigos. Dizem que eles não podem
ser vencidos enquanto esse globo que as contém não for destruído. E a mulher que você
descreveu é a própria feiticeira. Ela deve ter sentido a presença de alguém apesar de não ver.
- Feiticeira? – Falei espantada - Ela não devia ser feia, desgrenhada e ter um nariz
enorme e verruguento como toda bruxa?
- Você conheceu a filha dela não foi?
- É. Raika realmente teve a quem puxar.
- Se prepare para sairmos. Te espero na recepção.
Ernest me deixou sozinha no quarto enquanto me preparava. Tínhamos que encontrar a
tal mulher chamada Thiouryna, mas o que meu coração mais queria é que tudo chegasse logo no
momento em que eu encontraria com Leo. A visão dele preso me angustiava e era o que me
impulsionava a ir adiante. Queria poder vê-lo, entrar em contato novamente, mas tinha que
seguir as instruções de Ernest. Peguei a mochila e lancei nos ombros. Respirei fundo e saí pela
porta rumo à recepção.
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Ernest estava sentado a uma mesa com o mapa aberto demarcando o caminho que
deveria ser percorrido. Até mesmo o risco no mapa me parecia extremamente longo, com rios
montanhas e florestas. Um trajeto no mínimo desanimador. Mas teríamos que fazê-lo.
Saindo do vilarejo abandonamos a estrada de chão que se seguia diante de nós entrando
floresta dentro. Fiquei feliz por Leo ter me obrigado as trilhas que fazíamos tanto de bicicleta
como de a pé. Se não fosse sua persistência em me ensinar a me adaptar a natureza creio que
seria bem mais difícil agora. O solo irregular não me cansava tanto agora. Tive um ótimo
professor de caminhadas.
Ernest por todo o caminho me falava de cuidados que teríamos na viajem. Eu estava
impressionada com a dimensão gigantescas das árvores. O tronco de muitas delas eram tão
extensos como de edifícios, sem falar na altura. Ele me contava dos animais da floresta que
eram os mesmos da minha dimensão só que maiores e mais poderosos em força, como
leopardos, cobras, aves, insetos e algumas plantas venenosas que deveríamos manter distância.
Ele me alertava novamente que ninguém poderia saber quem eu era de verdade.
Ele havia comprado comida no vilarejo para nossa viajem. E pretendia caçar se
precisássemos para não entrarmos em nenhuma das vilas do caminho. Quanto menos pessoas
nos vissem, melhor.
À noite Ernest acendeu uma fogueira e improvisou um acampamento. O céu era tão
cheio de estrelas que me impressionou.
- Aqui tudo é tão lindo. – Deitei-me sobre uma manta aberta no chão fitando o céu.
- É – Ernest suspirava – É bom estar em casa e saber que vou poder ficar aqui depois de
todos esses anos.
- Onde é sua casa Ernest?
- Minha casa mesmo fica na cidade que esta localizada ao pé da montanha do castelo.
Foi lá que passei boa parte da infância de Jeziel. E ele adorava aquela casa. E como me deu
trabalho aquele garotinho. Ele sempre sumia e quando ia atrás dele ele já tinha subido toda a
montanha e sempre estava tentando escalar o muro do castelo. – Ele falava num tom saudoso e
se divertindo com as lembranças. – Você não tem idéia de quanto ele era impulsivo e teimoso.
Não é a toa que ele é assim desde criança só faz o que quer, cheio de vontades e cabeça dura.
- Você o criou sozinho, nunca se casou?
- Não me casei, meu tempo era tomado para concertar suas travessuras. - Ele sorriu –
Certa vez ele quase inundou toda a cidade junto com alguns amiguinhos. Ele andava com uma
turma da pesada. – Acrescentou - Subiram até a represa com a intenção de liberarem as águas e
derrubarem os muros do castelo para ele e sua tropinha de rebeldes mirins invadirem. – Ele riu
novamente - Eles não tiveram força para remover todos os troncos da represa. Ainda bem, mas
arrancaram o suficiente para provocar um lamaçal memorável na cidade. Coisa de criança. Mas
enfim, sobrou para mim a reforma da represa.
24
Eu sorri.
- E não sente falta de ter uma companheira ou família?
- Quem sabe depois que tudo isso acabar eu possa voltar para casa e com você e Jeziel
ocupados governando o reino eu consiga um tempo para isso. Mas agora me cabe dormir e a
você também. Precisamos estar descansados para continuar a viagem amanhã. – Ele se enrolou
em sua capa se virando de costas para dormir.
Eu e Jeziel governando Andaluz? A frase de Ernest nos unindo como um casal me
surpreendeu. Será que depois de todo o acontecido seriamos capazes de ficarmos juntos
novamente? Eu estava ali para ajudar na libertação de Jeziel. Eu o amava, não podia negar. Mas
ficarmos juntos novamente? Eu não queria ter esperanças para depois sofrer novamente.
Eu também me enrolei em minha capa e aproveitei as estrelas para devanear. Quantas
vezes Leo me contara do céu de Andaluz e quantos projetos ele fazia para quando estivéssemos
aqui juntos. Me deu saudades do meu Leo. Uma lágrima rolou pelo meu rosto. Saudades de seus
abraços, de suas brincadeiras, da sua forma de falar, da forma como ele brincava com meus
cabelos até eu conseguir dormir, e dos seus beijos. Sem perceber exatamente a que horas, eu
dormi. E como que se meu subconsciente quisesse amenizar a saudade como acontecia antes
enquanto estava em casa, Leo apareceu em meus sonhos.
Na manhã seguinte acordei com os cantar dos pássaros e com Ernest me entregando
uma xícara de chá quente.
- Dormiu bem?
- Na verdade, muito bem sim – Respondi bocejando e esticando os músculos
endurecidos pela primeira noite em minha vida que dormi deitada no chão. – Sonhei com Leo.
- E sobre o que se tratava o sonho? - Ernest perguntou cauteloso. Para Ernest um sonho
raramente era apenas um sonho.
- Nada de mais. Estávamos em minha casa juntos, foi como relembrar o passado.
- Que bom. – Falou aliviado - Então tome seu chá e vamos continuar.
Andamos por todo o dia novamente passando por árvores de folhagens incomuns, pelo
menos para mim. Atravessamos um riacho que serviu para nos refrescar. Ernest colheu algumas
frutas pelo caminho e estava particularmente tagarela por toda viajem me contando mais das
travessuras de Leo e eu me divertia com as histórias. Me servia para conhecer mais o homem
que eu amava. Pelo jeito Ernest também estava com saudades dele.
Anoiteceu e descansamos sob as raízes suspensas de uma gigantesca árvore. Eu devia
estar muito cansada. Pois dormi profundamente.
De manhã nossa cruzada continuou. Minhas pernas já estavam cansadas. Eu não
reclamava, mas Ernest notou.
- Hoje vamos parar um pouco mais cedo. Não quero que você fique exausta temos
muito que andar ainda.
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- Não precisamos parar eu agüento até a noite.
- Você agüenta hoje, e amanhã não vai conseguir dar um só passo. É melhor
descansarmos. - Disse decidido. - Amanhã teremos que subir essa montanha.
Ele apontou o dedo a nossa frente após passarmos por um arbusto enorme de folhagens
densas. E uma cachoeira surgiu como um grande véu branco caindo numa piscina natural e um
arco-íres de cores vivas decorava de uma ponta a outra a linda paisagem.
Fiquei maravilhada.
- Acampamos aqui. - Anunciou Ernest colocando as bolsas no chão.
Aproveitei que não íamos a lugar algum até o dia seguinte para tirar as botas e parte das
peças do modelito medieval.
Ernest foi colher madeira para a fogueira. E eu me sentei na beira do rio.
Por algumas vezes olhei para trás na impressão de que não estava sozinha. Aquela
sensação estranha de estar sendo vigiada.
- Ernest? – Chamei, mas ele não respondeu. Devia estar muito para dentro da floresta.
Coloquei meus pés na água e me surpreendi em como a água estava morna e me animei
a entrar. E como estava agradável. Foi realmente uma ótima idéia de Ernest parar ali. Eu ficaria
com certeza revigorada depois deste banho.
Minutos depois a sensação de que eu estava sendo observada voltou. Olhava para todos
os lados e não via nada. Apreensiva saí da água olhando desconfiada para trás das árvores,
voltando para onde estavam nossas bolsas.
- Ernest? – Chamei novamente e ele respondeu.
- Aqui Melissa. - Ele atravessava o arbusto com os braços cheios de madeira e gravetos.
– O que foi? – Ele perguntou preocupado com o som da minha voz.
- Nada. – Não quis preocupá-lo com minhas impressões infundadas.
Me sequei ao sol e me vesti novamente. E sentada vendo Ernest arrumando o
acampamento ainda não conseguia me livrar da mesma impressão. Mas como Ernest estava
bem a vontade não devia ser nada, com certeza ele perceberia alguma coisa no ar se houvesse.
A fogueira estava preparada. E já havia anoitecido. As estrelas do céu de Andaluz já
brilhavam na imensidão. Ernest me contava mais algumas das suas experiências como pai me
fazendo sorrir. E me contando mais algumas histórias de sua dimensão. Ele jamais se cansava
então vi que ele realmente amava esse lugar e também amava Jeziel.
Andei em volta do acampamento esperando que as horas passassem para podermos
dormir. Ernest preparava algo que seria o nosso jantar. Quando o som de um graveto se
quebrando na floresta fez Ernest se levantar sobressaltado colocando a mão na bainha da
espada.
- Melissa - Ele sussurrou e fez um gesto com a cabeça para que eu fosse para o lado
dele.
26
Eu caminhei devagar alguns passos, mas de repente oito homens saíram de trás dos
arbustos gritando e com armas em suas mãos em nossa direção.
Ernest correu para meu lado, mas antes que ele se aproximasse dois homens começaram
uma batalha de espadas contra ele.
Num reflexo arranquei o bastão que estava preso ao meu cinto apertando ele pelo meio
fazendo-o se estender me defendendo de outro homem que me atacava com uma espada. Não
era como o treinamento, este homem realmente queria me ferir. Ao primeiro golpe de sua
espada contra meu bastão fez com que ele trepidasse em minha mão. Segurei firme e me
concentrei em cada movimento dele me defendendo de um segundo homem que chegou por
trás.
Já estava me sentindo numa arena e ainda um terceiro veio correndo em minha direção
seguido por mais dois armados até os dentes. O da frente trazia um machado enorme e uma face
cruel o que me fez tremer de medo, mas antes que ele pudesse me alcançar seu rosto mudou de
feroz para perplexo. Ele colocou as mãos para trás e despencou com a cara no chão com uma
lança cravada nas costas. Os outros dois seguiram caindo antes de chegarem a mim também
cravados desta vez com flechas. Continuei minha defesa contra os dois que ainda me
cercavam, mas olhei para Ernest que permanecia ocupado na batalha ainda com os outros três e
olhava para mim surpreso. Evidentemente não tinha sido ele a acertá-los em minha defesa.
Em um golpe brutal um dos homens que lutavam comigo me desarmou lançando meu
bastão a metros de distância, me fazendo cair de joelhos ao chão.
Enquanto meus olhos fixaram na grande espada que refletia o brilho na direção da
minha cabeça, uma sombra passou sobre mim arrancando a espada que estava embainhada em
minhas costas e dando um golpe fatal no homem que estava preparado para me decapitar. O
outro também foi atingido tão rápido que nem se deu conta de onde veio o ataque. Caiu bem ao
meu lado com os olhos arregalados e... morto.
Me arrastei de costas para longe daquele corpo caído. Apavorada. Me sentei encolhida
ao pé de uma árvore. Ernest e outro homem agora lutavam juntos dando um fim aos últimos três
que ainda restavam.
Quando a luta finalmente acabou eu olhava desorientada para todos aqueles corpos que
jaziam no chão. Um mar de terror diante de meus olhos. Corpos perfurados por espadas e
lanças, sangue, olhos esbugalhados sem vida que pareciam olhar diretamente pra mim. Uma
imagem terrível e traumatizante. Mas enquanto eu ainda olhava incrédula a cena, em poucos
segundos, o que eram corpos se tornaram em fumaça, se dissipando no ar.
Sumiram... os corpos daqueles homens sumiram diante de meus olhos. Se esvaeceram
na fumaça.
Eu ainda estava em estado de choque quando o homem que pelo jeito nos ajudou se
posicionava diante de mim estendendo sua mão para me ajudar a me por de pé. Eu me encolhi
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ainda mais e abracei minhas pernas debruçando a cabeça sobre os joelhos escondendo meu
rosto.
Ernest correu até mim e me abraçou paternalmente e um soluço começou a surgir dentro
do meu peito. Finalmente meu emocional aterrorizado não suportou a pressão e foi liberando
um choro compulsivo.
Ernest me embalava tentando me fazer acalmar.
- Tudo bem... Já acabou. – Ele falava numa voz afável.
Alguns minutos de choro e ainda estava me sentindo chocada. As imagens da luta não
saíam da minha cabeça, e dos mortos que... espantosamente desapareceram em fumaça. O que
teria acontecido?
Acolhida pelos braços de Ernest depois de um tempo me senti melhor para abrir os
olhos e olhar aquele estranho homem que ainda se encontrava parado de pé na minha frente e
para Ernest abraçado comigo. Ernest sangrava, e fazia pressão com a mão por baixo da costela o
que me fez esquecer de tudo que vi e levantar automaticamente.
- Ernest você esta ferido! – Falei desesperada.
- Não é grave, apenas um corte, não é muito profundo.
Afastei sua mão para ver o ferimento e senti vertigem ao ver a carne aberta por um corte
horrível feito pela espada. Ernest não parecia bem, coloquei minha mão sobre o corte e ele
gemeu.
O homem a nossa frente se agachou me afastando de Ernest.
- Pegue água no rio. Eu cuido dele. – Sua voz era suave mais firme e obedeci de
imediato. Preocupada por não saber quem ele era mais, grata por sua ajuda.
Enquanto estava no rio apanhando água ouvi Ernest dar um longo grito de dor o que me
fez voltar correndo até eles. O desconhecido tinha improvisado uma sutura no corte de Ernest,
ele estendeu a mão pegando a vasilha com água das minhas mãos lavando o corte agora
fechado. Ernest arfava de dor.
- Quem é você? - Ernest perguntou ao homem forte de olhos dourados e cabelos
castanho claro que o ajudava.
- Meu nome é Aragorn. E não sou seu inimigo. Pode descansar, que é o que você
precisa agora.
- Posso ver em sua mente que você não é inimigo e foi uma sorte realmente você estar
passando por aqui tão longe da estrada. Se não fosse a sua ajuda era capaz de estarmos mortos
agora. – Ernest falava agradecido.
- Quando vocês chegaram à cachoeira eu já estava aqui descansando e me escondi para
que vocês passassem, mas como resolveram acampar eu passei a observá-los escondido
esperando que anoitecesse para prosseguir viajem.
Ele estava nos observando. Por isso a sensação de estar sendo vigiada.
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- Quando vi o ataque me surpreendi. Na verdade não iria interferir, vocês podiam ser
dois fugitivos rebeldes que foram encontrados pelos ratos de Cordomad. Mas a garota não sabia
lutar, então vi que ela não devia ser uma guerreira. E não iria compactuar com a covardia
daqueles bárbaros. E pela expressão dela quando viu eles mortos ao chão, me pareceu que ela
nunca tinha visto uma luta como essa.
- Você tem razão jovem viajante. Ela não é guerreira e nunca viu uma luta dessas. –
Ernest falou com dificuldade.
- E porque vocês estão viajando escondidos pela floresta? É muito perigoso andarem
por aqui sozinhos. – Ele falava desconfiado. - Ao que me pareceu o alvo do ataque era
exatamente ela.
- Me desculpe Aragorn, somos gratos por sua ajuda realmente preciosa, mas não
podemos dar detalhes do que estamos fazendo aqui. Somente queremos chegar a Fastatur sem
sermos descobertos.
- O que pelo jeito vocês não conseguiram. Quando os Drevors de Cordomad que
destruímos aqui não voltarem. Eles irão enviar outros e em maior quantidade. Para fazer o
serviço.
Ernest respirou com dificuldade fechando os olhos preocupado.
- Eu não simpatizo muito com Cordomad, mas você deve tê-lo irritado de verdade
garota para que ele mandasse seus soldados de elite contra você.
Eu fiquei calada e imóvel enquanto ele olhava para mim curioso. E me admirei pela cor
ouro de seus olhos. Ele notou, e algo além da curiosidade surgiu em seus olhos e ele me encarou
por um tempo em silêncio até que eu incomodada reagi.
- Porque esta me olhando desse jeito?
- Tem alguma coisa em você garota... – Ele me fitava com atenção.
- Meu nome é Melissa.
- Melissa? – Repetiu admirado. - Um nome bem incomum, assim como algo que esta
em você... - Ele se aproximou me encarando bem de perto.
- E para onde esta indo jovem Aragorn? – Ernest falou para tirar a atenção dele de mim.
- Vou para Vanderlest. – Ele respondia a Ernest ainda olhando para mim.
- Fica bem na divisa de Fastatur. Não gostaria de nos acompanhar nessa viajem?
- Não obrigado. Pretendo chegar vivo até lá e vocês dois pelo jeito são chamariz para
encrenca.
- Eu pagarei bem se vier conosco. Eu preciso levar Melissa sã e salva até Fastatur e
depois de hoje vi que estou muito velho para defendê-la sozinho.
- Meu caro, nem um exército seria capaz de defendê-la se Cordomad a quer morta.
Ao ouvi-lo dizer isso minhas pernas bambearam e eu cambaleei rumo ao chão, mas
Aragon me segurou pelo cotovelo.
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– É melhor sentar garota. Você não me parece bem.
- Por favor Aragorn, eu lhe dou o que você quiser. – insistiu Ernest angustiado.
- Então desbloqueiem suas mentes para que eu possa saber quais suas reais intenções.
- Não podemos. Você precisa confiar em nós.
- Já passei por muitas coisas meu caro para saber que não devo confiar em ninguém.
- Peça o que quiser. – persistia Ernest.
- O preço pode ser muito alto para você.
- Não importa – Ernest me pareceu desesperado.
- Não sei se me arriscar numa viajem as cegas sem saber quem são vocês e o que
querem, seja uma boa idéia. E mais, porque esta insistindo tanto? Eu posso não ser uma boa
pessoa. Como pode confiar em mim?
- Melissa precisa de um protetor e você luta bem e pela tatuagem em seu braço vejo que
já foi um... e também soldado do exército.
- Desertor na verdade. E todos sabem que não se confia num desertor.
- Eu não tenho escolha. Preciso confiar em você.
Ele parou olhando fixamente para Ernest e depois para mim. Pensativo, se virou de
costas para nós e fitou a cachoeira que descia tranquilamente pela montanha. Se virou
novamente e me encarou com um olhar indecifrável. Oscilou e hesitou por mais um tempo
pensando se deveria atender ao pedido de Ernest e finalmente respondeu.
- Esta bem. – Suspirou - Eu vou com vocês. Agora descanse, você esta a ponto de
desmaiar.
- Obrigado – Ernest expressou lassidão.
Ele ajudou Ernest a se levantar e o deitou junto à fogueira. A noite já tinha chegado e eu
também estava exausta.
CAPÍTULO 3
Aragorn sentado do outro lado da fogueira me fitava enquanto Ernest dormia.
- De onde você é? – me questionou curioso.
Eu não sabia o que responder então fiquei calada.
- Tudo bem garota. Você não vai me contar mesmo não é?
Por alguns minutos só o estalar do fogo na madeira quebrava o silêncio.
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- Eu queria saber o que tem de especial em você? Além de ser bonita. Muito bonita na
verdade. E posso dizer com certeza porque já andei por toda Andaluz e vi muitas mulheres
lindíssimas, mas tem algo diferente em você. Algo que nunca vi...
- Porque viaja sozinho?- Perguntei para distraí-lo de suas especulações.
- Não tenho mais ninguém, nem casa, então viajo.
- Você não tem família?
- Eles se rebelaram contra Cordomad e foram todos executados. Meus pais e irmão,
todos eles – Ele olhou distante - Quando fiquei sabendo resolvi abandonar o exército. Não
poderia mais lutar a favor de quem destruiu toda a minha família. E desde então eu viajo de um
lado para o outro.
Eu bocejei esgotada pelo dia estressante.
- É melhor você dormir garota.
- Meu nome é Melissa. - Falei irritada.
- Eu sei seu nome garota. Agora durma.
Me enrosquei abraçando minha capa me deitando de costas para ele. Fiquei pensando
em que coisa estranha vi hoje. Homens morrendo e desaparecendo como num passe de mágica.
Eu queria perguntar a Ernest o que era aquilo. Mas além de Ernest estar cansado demais havia
agora um homem que não poderia saber que eu não sabia dessas coisas. Para ambos o
acontecido foi natural. Então devia ser assim que as coisas aconteciam por aqui.
Absorta em meus pensamentos adormeci num sono superficial e atribulado. Cansada
pelo dia traumático e assustada pelas imagens horríveis da luta.
Acordei várias vezes durante a noite. E em todas elas Aragorn estava sentado ao lado da
fogueira olhando para mim.
- Seu sono esta muito agitado. - Ele me relatou o óbvio.
- E você não vai dormir? - Perguntei azeda.
- Já que tenho que te manter viva, é melhor ficar acordado. Enquanto ele descansa. –
Aragorn apontava com a cabeça para Ernest dormindo profundamente. – Ele perdeu muito
sangue. É bom que durma e se recupere.
Perdi o sono e não estava a fim de conversa. Levantei-me para andar e esticar as pernas,
mas não me atrevi a ir muito longe só até onde a luz da fogueira alcançava.
Encostei o ombro numa árvore de costas para o acampamento tentando imaginar como
seria o dia amanhã. Olhei para o céu e ele permanecia tão lindo quanto a noite de ontem como
se nada tivesse acontecido.
- Acho melhor pegarmos a rota da próxima vila amanhã. - Aragorn falou atrás de mim
me fazendo saltar de susto. Ele estava tão próximo que quando me virei esbarrei nele.
- Seu amigo precisa de cuidados e temos que sair da floresta, pois eles virão atrás de
vocês aqui.
31
- Ernest não quer viajar pela estrada. – falei aborrecida com o susto que ele me deu.
Aragorn já estava começando a me dar nos nervos. Enquanto eu andava de volta ao
acampamento ele andava como uma sombra atrás de mim.
- Se ele não for tratado logo ele pode não agüentar o resto da viajem.
Eu não queria conversa. E como fala esse tal de Aragorn...
Me enrosquei novamente em minha capa cobrindo a cabeça esperando que ele pensasse
que eu estava dormindo. Mas fiquei preocupada com o que ele disse e não dormi e quando o sol
apareceu no horizonte atrás das montanhas eu já estava de pé.
O acampamento já estava desmontado e para minha surpresa Ernest concordou com a
idéia de Aragorn de entrar na próxima vila. Então saindo da floresta fomos pela estrada de
pedras caminhamos a maior parte do tempo em silêncio.
Ernest caminhava de vagar enfraquecido pelo ferimento e perda de sangue, e Aragorn se
mostrava prestativo ajudando Ernest a se apoiar e levando a maior parte da bagagem.
Ele era um homem intrigante. E por vezes nossos olhares se cruzavam no mesmo grau
de curiosidade. Ele era forte, não tão forte como Biel, mas me passava a mesma sensação de
proteção.
Nossa caminhada dessa vez foi curta e antes de acabar a manhã estávamos entrando na
vila Passuir.
- Erzoul é um curandeiro muito bom e também é meu amigo. Ele vai nos receber e nos
dar pousada até você estar bem para sairmos. – Falava à Ernest.
A minha passagem na vila não foi diferente da primeira. As pessoas me olhavam e
comentavam umas com as outras. O que estava me deixando constrangida.
Ernest suspirou fundo diante da reação das pessoas. Pelo jeito não era só Aragorn que
notara algo de diferente em mim.
- Agora sei por que vocês preferiram ir pela floresta. – Disse Aragorn divertido.
Algumas ruas adiante estava a casa do tal curandeiro. Uma casa de pedras marrons,
muito alta. Aragorn chamou pelo nome e um homem de cabelos grisalhos de semblante suave e
de olhos marmóreos nos recebeu.
- Aragorn! – O homem gritou em satisfação abrindo os braços.
- Erzoul! – Respondeu Aragorn abraçando alegremente o curandeiro.
- Que bela surpresa meu amigo, é muito bom te ver aqui... E pelo jeito inteiro dessa vez
- Erzoul examinava Aragorn.
- Sim meu amigo eu estou inteiro, mais ainda assim precisamos dos seus cuidados. –
Aragorn olhava para Ernest.
Erzoul olhou para mim de relance e pousou seus olhos em Ernest estendendo a mão
indicando que entrássemos.
32
- Sim vamos entrando. Vamos entrando, e fiquem a vontade.
- Ele esta ferido a espada – Falou Aragorn a Erzoul.
- Deixe-me ver – Erzoul aproximou-se de Ernest que desenrolava a capa de si. –
Hummm, parece muito feio esse corte. Quem suturou?
- Eu. – Respondeu Aragorn.
- Não esta de todo mau, mas se você tivesse feito com fogo teria sido melhor.
O homem pressionou a ferida fazendo Ernest gemer. – Esta iniciando uma infecção. É
melhor eu cuidar disso logo. Tire essa roupa e Deite-se ali.
Ernest se deitou numa cama coberta por pele de animais. O homem pegou vários
instrumentos desconhecidos a mim e alguns vidros com o que deviam ser remédios.
- Não acho que Melissa vá se sentir bem vendo o procedimento que vou usar. Que tal
dar uma volta com ela Aragorn. – Erzoul falou me surpreendendo por saber meu nome.
Aragorn colocou as mãos nas minhas costas me empurrando porta a fora.
- Como ele sabe meu nome? – Perguntei a Aragorn intrigada.
- Ele viu em minha mente.
- Ah! – Exclamei – Você não bloqueia sua mente?
- Não tenho o que esconder dele. Vamos, vou te levar para beber alguma coisa, vai te
fazer bem.
Olhei para porta atrás de mim sem querer me afastar de Ernest.
- Venha, ele vai ficar bem. E se bem conheço Erzoul ele dará a Ernest uma quantia
enorme de remédios que o fará dormir por várias horas.
- Vocês se conhecem há muito tempo?
- Desde o tempo em que minha família... Bom faz muito tempo sim. Ele me encontrou
caído às margens de uma estrada. Eu tinha sido atacado por mercenários que ao pensar que eu
estava morto me deixaram caído ao chão. Eles não esperaram para conferir. O que foi a minha
sorte. E algumas horas depois Erzoul me pegou na estrada me trouxe a sua casa e cuidou de
mim até eu estar bem. Sou muito grato a ele.
- Quando se morre... A pessoa simplesmente desaparece? – Eu tinha que perguntar.
- Simplesmente... Como assim, Você nunca viu alguém morto antes de ontem?
- Desse jeito não.
- E de que jeito então. Há outra forma de morrer? – Ele perguntou me olhando com
olhos confusos o que me lembrou que eu estava falando demais.
Abaixei os olhos e continuei andando pelo caminho que ele nos guiava.
Chegamos a uma construção interessante. Duas gigantescas colunas com uma passarela
no meio que ligavam as duas formando um grande “H”. Lá dentro várias mesas e cadeiras me
lembravam um bar, e mulheres lindíssimas andando com bandejas servindo as mesas. Outras se
recostavam nas paredes fazendo charme e se insinuando para os homens que ali estavam.
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- É, muita coisa mudou por aqui. – Sussurrou Aragorn sorrindo para uma mulher
encostada num balcão que sorria para ele.
Sentamos numa mesa e logo uma... que devia ser... Garçonete, trouxe o que devia ser...
o cardápio.
As coisas aqui em Andaluz não eram muito diferentes do que eu conhecia. Pelo que eu
tinha notado só alguns nomes mudavam. E a escrita. Olhei aquele papel em minha frente e não
podia ler nada.
- Eu quero um rubor do castelo. E você garota?
- Não quero nada. Obrigada. – O que eu iria pedir? Não conseguia saber o que tinha ali.
- Nada, Você não bebe então?
- Nada que seja alcoólico.
- Alcoólico... - Ele repetiu sem saber o que era. – Que tal trazer algo mais parecido com
a delicadeza dessa garota – Falou a garçonete. – Acho que é isso que ela quer dizer. Nada forte.
A garçonete sorriu para ele. E a mulher do outro lado no balcão continuava se
insinuando para Aragorn.
- As coisas aqui não são bem como me descreveram. – Falei num tom de surpresa-
quero dizer, nessa vila. - Tentei concertar.
Ele seguiu meu olhar até o balcão.
- Está se referindo a essas mulheres? – Ele pegou a essência do meu comentário. - É,
muita coisa mudou desde que Cordomad tomou o poder. Os valores foram perdidos e as ordens
que antes para o povo de Andaluz eram lei foram mudadas. Mas não posso dizer que foi uma
mudança ruim. Agente se diverte bem mais agora. – Ele sorriu interessado para a mulher.
Me lembrei das conversas que tive com Leo me contando dos relacionamentos das
pessoas daqui. Aquelas mulheres se oferecendo para outros homens não me parecia com o que
ele me contava.
- E aquela história de único amor, um feito para o outro, alma gêmeas?
- Quem te contou essas histórias? - Ele riu - Ah claro, deve ter sido seu amigo Ernest.
Isso acontecia no tempo dele. As coisas aqui não são mais assim faz muito tempo. Ninguém
mais acredita nessas histórias.
A garçonete chegou com nossas bebidas. Olhei para meu copo sem coragem de prová-
lo.
- Pode beber - Incentivou Aragorn – Não vai te fazer mal algum. É uma bebida que se
serve até para crianças.
Tomei um gole e era cítrico e agradavelmente doce. Tomei um gole maior deixando
escorrer um pouco no canto da boca. Aragorn me olhou me deixando sem graça. Eu limpei a
boca com as costas da mão.
- É muito gostoso – Falei timidamente.
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- Eu vi que gostou. – Ele me olhou numa tal intensidade que seus olhos em mim me
fizeram baixar os meus para a mesa. Ele se recostou na cadeira deixando o corpo escorregar sob
a mesa me encarando.
- Quem é você garota? Seu jeito não é como o de ninguém daqui. Eu vejo como você
fala e como olha para as coisas. - Ele ficou pensativo - Como se tudo fosse novidade para você.
É como se você não pertencesse a esse mundo.
Como eu não falei nada e ele percebeu que eu havia ficado encabulada, ele se endireitou
na cadeira tomando mais um gole de sua bebida. Eu bebi mais um pouco da minha e ali percebi
que não iríamos esconder dele por muito tempo quem eu era.
- Bom, já que você não quer conversar... Se importa de eu te deixar na mesa sozinha um
pouco?
- Não, pode ir. – Fiquei feliz em ficar longe de suas especulações por um tempo.
- Se quiser qualquer coisa é só pedir.
Se levantou e foi até o balcão onde a mulher sorridente esperava por ele.
Fiquei observando a forma galante que ele conversava com ela e ele era mesmo muito
charmoso. Ela parecia se derreter quando ele falava alguma coisa ao seu ouvido. E a mulher
também muito bela não ficava atrás em seu charme.
Ela saiu andando rumo a uma escada com ele a seguindo. Ele ainda me deu uma
olhadela piscando para mim antes de subir os degraus.
Homens – Pensei – São iguaiszinhos em qualquer lugar do universo.
Estar ali de certa forma sozinha era bom. Tive tempo de pensar. – Será que Biel e minha
mãe já telefonaram lá para casa? Com certeza sim, eles devem estar loucos. Eu não dei nem o
rumo para onde iria. Mas também sei que eles confiam que eu não faria nenhuma loucura. –
Bem... Loucura na concepção deles na verdade, porque acho que não tem algo mais louco que
eu estar numa outra dimensão enfrentando guerreiros inimigos arriscando minha vida a cada
segundo.
- O que faz uma linda menina como você estar sentada aqui sozinha?
A voz grave de um homem debruçado sobre mim me tirou dos pensamentos.
- Eu não estou sozinha – Disse assustada.
- Ah não? Pois eu não vejo mais ninguém aqui. – Falou afetado.
- Meu amigo vai voltar logo - Minha voz estava falhando e eu olhava para a escada por
onde Aragorn subiu.
O homem acompanhou meu olhar.
- Ele esta se divertindo. Quem sabe podemos nos divertir também?! – Ele passou sua
mão áspera por meu braço com olhar malicioso.
Eu puxei meu braço rapidamente e me levantei da cadeira tentando me afastar.
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- Aonde você vai lindinha – Ele me segurou pelo antebraço comprimindo seus dedos
com força fazendo meu braço doer me puxando para si. – Você não vai fugir de mim. – Ele me
empurrava para uma porta nos fundos e eu procurava com os olhos pela ajuda das pessoas que
ali estavam que não pareceram se importar com o que ele estava fazendo a mim.
Ele me empurrou porta a fora e o pavor começou a crescer. Me preparei para gritar e
antes que o primeiro som saísse da minha garganta a voz forte e bravia de Aragorn soou atrás de
nós.
- Solte a garota.
- Quem é você, o protetor dela? – O homem falou sarcasticamente.
Aragorn virou-se como se fosse embora, mas num giro lançou sua perna no ar
golpeando o homem com um chute na cabeça fazendo-o cair como um saco de batatas no chão.
- Você acertou em cheio. – Disse Aragorn ao homem desmaiado no chão.
Eu tremia tanto. Não podia me mover.
- Pelo jeito não vou poder sair de perto de você um minuto. Porque não se defendeu?
- Meu bastão ficou na mochila. – Respondi ainda tremendo.
- Sua espada esta em suas costas.
Coloquei as mãos por trás do ombro percebendo que ele tinha razão.
- Eu não lembrei dela... Eu não... Sei... Não sei usar uma espada.
- Então porque carrega uma? - Ele perguntou confuso.
- Ernest colocou em mim.
- E ele não te ensinou a usar? - Falou descontente.
Acenei negativamente a cabeça.
- Bom pelo menos você é boa com o bastão. Vê se aprende isso. Andaluz ultimamente
se transformou num campo de guerra a qualquer momento você pode precisar usar sua arma,
nunca, eu disse, nunca saia sem ela garota. - Ele pareceu nervoso.
Eu me abracei sentindo um frio estranho, não era causado pelo tempo, era pelo medo
que senti à pouco.
- Me desculpe – Falei baixo e com a voz tremula e meus olhos estavam marejando.
Ele me olhou desarmado, sua raiva se transformou em compaixão.
- Não tem que me pedir desculpas, você não fez nada. Só acho que não foi bem
preparada para essa viajem que esta proposta a fazer.
- Não mesmo. – Falei concordando com o evidente fato.
- Venha vamos sair daqui. Eu te pago outra bebida.
Ele mantinha a porta aberta para mim enquanto eu pulava o homem desmaiado no chão.
De volta ao salão das mesas as pessoas continuavam bebendo e conversando sem dar a
menor importância ao ocorrido. Sentamos a nossa mesa de volta e a garçonete trouxe mais
bebidas ainda sorrindo para nós.
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Minha cara de assustada intrigou Aragorn.
- Você esta bem?
- Não sei. – Falei aérea. - Como podem... essas pessoas viram o que aquele homem
estava prestes a fazer e não me ajudaram?
- Os corações dos homens mudaram muito desde que seu contador de histórias andou
por aqui. Eu não sei o que vocês pretendiam encontrar pelo caminho, mas com certeza, ajuda é
que não vai ter.
- Mas você nos ajudou.
- Ainda estou tentando me convencer de que não foi um erro.
- Como pode ser um erro ajudar alguém?
Ele olhou me sondando.
- Você não é uma dos rebeldes, é?
- O que? – Perguntei confusa.
- Aquele povo de um exército falido que guarda as leis de um rei morto esperando um
dia poder derrotar Cordomad. – Ele me encarava tentando ver algo em meus olhos. – Foi por
isso que toda a minha família morreu. Uma causa perdida. É bom que não seja um deles. Não
quero pensar que meu trabalho seja em vão. Pois ninguém jamais derrotara Cordomad. Ele tem
força, poder e magia ao seu favor. E não está sozinho. A feiticeira Erkas tem muito poder.
Ninguém pode detê-la.
Eu bocejei apesar de estar interessada no que Aragorn me falava.
- Estou cansada. – falei providencialmente me esquivando da resposta.
- Vou te levar para dormir.
Voltando para casa de Erzoul, as ruas, Apesar de já ser noite, Estavam repletas de
pessoas. Um casal passou por nós de mãos dadas e Aragorn os olhou pensativo.
- Você não tem alguém de que goste? – Perguntei movida pelo olhar dele sobre o casal -
Quero dizer, alguém com quem queira ficar? Parar de viajar tanto e construir uma família?
Ele olhou para mim surpreso.
- Não.
- Aquela garota do bar era muito bonita.
- Bar? – Ele expressou sem entender - A sim, aquela garota. – Ele riu – Não. Ela é
bonita realmente, mas gosto da minha vida assim como é.
Desviando seu olhar do meu apressou seu passo me fazendo acelerar também para
acompanhá-lo.
Na casa de Erzoul Ernest estava dormindo profundamente com algumas pedras que
emanavam luzes de diversas cores flutuando sobre ele.
Ele vai ficar bom de manhã. – Falou Erzoul diante de meus olhos preocupados. - Estou
preparando o nosso jantar.
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Olhei admirada para as coisas sobre a mesa que me pareciam apetitosas, mas nada era
familiar.
- Mais alguma novidade descoberta garota? - Aragorn falou diante da minha surpresa
olhando a comida.
- Porque não me chama pelo meu nome? – Falei irritada.
- Porque gosto de ver essa cara que você faz.
- Alguém já te disse que você é irritante?
Ele me olhou com um sorriso no canto dos lábios.
Um sorriso lindo e travesso.
- Eu já disse – Falou Erzoul brincalhão – Ele é realmente irritante. Mas depois de um
tempo agente acostuma. – Venha Melissa faça um prato, alimente-se bem.
Fiz meu prato enquanto Erzoul e Aragorn travavam uma conversa em absoluto silêncio
que era quebrado somente com algumas risadas soltas no ar. Eles conversavam mentalmente e
de vez em quando Aragorn olhava para mim furtivamente. Talvez tentando saber por que eu não
entrava na conversa.
Me sentei numa poltrona grande e confortável e com todo aquele silêncio acabei
adormecendo rápido me sentindo segura debaixo de um teto amistoso.
De manhã ao acordar notei que estava deitada numa cama e bem acomodada. Com
certeza alguém me carregou até lá. Foi difícil não me lembrar do que Jeziel costumava fazer
comigo. Estendi meus olhos pela casa e vi Aragorn dormindo sentado na poltrona em que antes
eu estava.
- Bom dia – Falou Ernest se aproximando ao meu lado.
Me alegrei ao vê-lo bem e recuperado.
- Ernest! Que bom que já esta bem.
- Aragorn tinha razão. Erzoul é um excelente med.. Quer dizer, curandeiro. – Ele piscou
para mim. - Vou arrumar nossas coisas e você se prepare. Ernest saiu para outro cômodo.
Me levantei calçando as botas que haviam sido tiradas por alguém e andei pé ante pé até
a poltrona onde Aragorn dormia. Queria pegar minha capa sem acordá-lo. Ao me aproximar me
curvei por cima dele e observei seu rosto dormindo. Ele tinha o rosto sereno e jovial de uma
beleza firme.
Seu sono estava tranqüilo e me deu segurança de estender a mão para pegar a capa no
encosto da poltrona. Num reflexo ele segurou meu braço me fazendo arfar de susto e abriu seus
olhos cor de ouro bem diante dos meus.
- NUNCA chegue perto de um guerreiro sorrateiramente assim. Mesmo que ele esteja
dormindo. Talvez você não tenha tempo de se assustar. – Ele pegou a capa com a outra mão por
cima de sua cabeça e me entregou.
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Sem jeito eu peguei a capa lançando-a sobre meus ombros. E mesmo de costas sentia
que ele me acompanhava com o olhar.
- Podemos ir? - Ernest perguntou quando voltou ao cômodo em que estávamos.
- Claro. - Respondeu Aragorn já de pé.
Erzoul veio até o portão da casa se despedir.
- Muito obrigado Erzoul pela sua ajuda – Falava Ernest – Estou me sentindo um novo
homem.
- É, mais não abuse, continue tomando o chá das ervas que te dei. Esse ferimento tem
que cicatrizar por dentro. - Falou Erzoul como um médico. – Melissa, espero poder te ver
novamente - Eu sorri amigavelmente. – E você meu amigo – Ele abria os braços para Aragorn.
Também espero te ver em breve... – Falou enquanto o abraçava.
- De preferência inteiro – Brincou Aragorn.
- É, e com isso inteiro também. – Erzoul batia com o indicador no peito de Aragorn. E
olhou para mim novamente.
Aragorn deu um olhar repreensivo para o amigo.
- Não tenho tempo para essas coisas Erzoul.
- Claro que não... Claro que não. – Erzoul dava tapinhas nas costas de Aragorn o
acompanhando até a rua.
Alguma coisa foi dita de Erzoul a Aragorn em pensamento, pois Aragorn pareceu
irritado enquanto Erzoul sorria.
De volta a estrada Ernest parecia muito animado e andava ao meu lado com Aragorn
atrás de nós. Ernest me falava de canções antigas e me dava o nome de cada árvore diferente
que passávamos, de cada pássaro e fruta que encontrávamos pelo caminho.
Aragorn que já estava cismado da minha falta de conhecimento das coisas daqui devia
estar mais desconfiado ainda. De vez em quando eu olhava par trás para vê-lo, mas ele não
demonstrava nenhuma expressão suspeita.
Caminhamos o dia inteiro e o sol já estava se pondo.
- Vamos acampar aqui mesmo na floresta, pois a próximo vilarejo está a dois dias de
viajem daqui. – Ernest falava olhando o mapa.
Entramos uns quatro quilômetros para a floresta Aragorn me ajudava afastando as
folhagens densas de arbustos enormes pelo caminho e me apoiando pela mão para cruzar as
imensas raízes suspensas no meio da mata. Encontramos uma clareira e montamos
acampamento.
A noite estava um pouco fria e estava agradável ficar a beira da fogueira. Aragorn
afiava sua espada cuidadosamente. E eu o observava, para meu próprio espanto, interessada no
que ele estava fazendo.
Ele olhou para mim curioso fazendo desviar meu olhar.
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Ernest trouxe meu jantar e se sentou ao meu lado.
- Depois da próxima cidade estaremos a três dias de Fastatur.
- Nunca fiz um percurso tão longo a pé. – Disse a Ernest.
- E esta se saindo muito bem. Você esta me surpreendendo.
Aragorn olhou furtivamente para nós. Embainhando sua espada. Deitou-se cruzando os
braços sob a cabeça e olhou para o céu.
Também me deitei e adormeci olhando as estrelas.
De manhã o cantar dos pássaros me despertou. Ernest e Aragorn estavam sentados sobre
uma pedra comendo seu café da manhã. Quando me sentei, Ernest se dirigiu a mim me trazendo
uma fruta de cor verde e um copo com chá quente.
Olhei para Aragorn que agora não olhou para mim. Pensei ter tido a impressão que ele
estava me escondendo alguma coisa. E foi assim por todo o dia. Aragorn que sempre que eu
olhava estava me encarando agora mantinha seu olhar desviado do meu. Aquilo me incomodou.
O que poderia ter acontecido durante a noite? Será que ele tinha descoberto algo sobre mim?
A noite montamos o acampamento a beira de um rio. Ernest como sempre preparou a
fogueira e o jantar. As águas do rio eram mornas como o outro e aproveitei para um banho
noturno. Aragorn se sentou sobre uma raiz exposta de uma grande árvore e se colocou de
guarda.
Quando saí da água a brisa da noite fria em contraste com a água morna do rio me fez
tremer. De cabeça baixa torcendo com as mãos meus cabelos encharcados, eu ia andando para o
local aonde havia deixado minhas roupas quando Aragorn se aproximou de repente de mim. Ele
estava com a espada segura pelas duas mãos se movendo de costas e lentamente. Aragorn se
colocou bem a minha frente como um escudo.
- O que est...
- Shhh... – Ele me fez calar antes que te terminasse a frase. – Não. Se. Mova. -
Sussurrou entre dentes.
Olhei para Ernest que também estava imóvel do outro lado e fiquei apreensiva
imaginado o que poderia ser. Seriam os Drevors novamente?
Mas de entre as árvores uma enorme criatura aparecia. Um gigantesco tigre branco que
daria uns três dos que existia em minha dimensão.
Quando ele apareceu totalmente em nosso campo de visão Aragorn abaixou devagar sua
espada até o chão e se ergueu novamente aproximando de mim colando seu corpo ao meu
puxando meus braços de suas costas até cruzarem em seu corpo e segurou-os bem firme em
volta de si.
O animal, de patas enormes e com a respiração quente que formava uma leve bruma a
sair de sua boca, andou até Ernest que estava imóvel e o cheirou várias vezes dos pés a cabeça
depois veio andando graciosamente até nós.
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Eu estava apavorada e se não fossem as mãos firmes de Aragorn me segurando em sua
volta teria com certeza, saído correndo.
O grande tigre encostou em Aragorn e o cheirou também dos pés a cabeça voltando no
processo e parando com o focinho frio sobre meu braço que devia ter um cheiro diferente do de
Aragorn. O tigre deu a volta por nós e se afastou.
Ouviu-se um urro alto e gutural do tigre me fazendo tremer dos pés a cabeça e ele sumiu
do outro lado da floresta. Depois disso Ernest relaxou e Aragorn também. Ele se afastou
observando o lugar onde o tigre andaluziano tinha sumido, mas eu continuava imóvel rígida e
tinha me transformado numa batedeira. Tremia tanto que sentia como se minhas juntas
estivessem se deslocando.
Meu Deus. Estava horrorizada. Nunca tinha visto uma criatura daquelas e tão perto de
mim. Ele poderia ter nos devorado. Na minha imaginação pude ver a sua boca enorme se
abrindo e suas presas ferozes e afiadas faiscando se preparando para me mastigar.
Ernest correu até mim me cobrindo com sua capa. Eu queria falar alguma coisa, mas
quando tentava meus dentes batiam uns nos outros.
- Ei, garota controle-se – Disse Aragorn perturbado com minha tremedeira. – Porque ela
não consegue se controlar? – Perguntou para Ernest que friccionava minhas costas com a mão.
- Ela não sabe dos animais da floresta. Ela nunca viu um Atreio antes. – Ernest
respondeu preocupado.
- Como é? – Falou espantado – Ela vai entrar em choque. Como não pode saber uma
coisa dessas?
- Tem muita coisa que ela não sabe - Ernest falou irritado. – Muita coisa...
- E você não vai me contar o porquê não é?
Ernest tentava me fazer andar, mas minhas pernas estavam travadas. Não tinham forças
nem mesmo para o primeiro passo.
Aragorn então me pegou nos braços e me levou até a fogueira me sentando no chão.
- Agora olhe para mim garota. Ele já foi e não queria nada conosco. Só queria saber se
éramos perigosos a ele e ao seu bando. Como não representamos ameaça, ele foi embora e não
voltara mais. Você esta segura agora. – Aragorn me falou tentando me acalmar. Mas ele tinha
razão eu estava tão assustada que era provável entrar em choque. Ou já estava.
Eu ouvia e via, mas não encontrava minha voz para responder.
- Você é um louco em trazê-la para uma viajem dessas. – Aragorn discutia com Ernest. -
No que estava pensando?
- Eu não tenho escolha. Nós não temos escolha – Ernest agora gritava com Aragorn
irritado e angustiado.
Meus olhos permaneciam vidrados em um ponto invisível a minha frente.
Aragorn abaixou se colocando diante de meus olhos.
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- Garota olhe para mim – Ele estava a minha frente, mas meus olhos não o focava. –
destrave sua mente agora que eu vou te ajudar.
- Não Melissa! - Ernest protestou.
- Você quer que ela fique assim? – Argumentou Aragorn. – Não vou me aproveitar
disso. Só vou entrar e acalmá-la.
Mesmo sabendo que precisava de ajuda não me senti a vontade para desfazer meu
bloqueio.
- Eu prometo que não verei nada que você não queira que eu veja. – Sem entender
porque a voz dele me passou confiança e já que Ernest não protestou novamente. Aos poucos
fui desfazendo a imagem do céu azul e poucas nuvens brancas que eu usava como bloqueio.
- Não precisa temer, só quero te ajudar. – Ouvi a voz de Aragorn na minha cabeça –
esta tudo bem. - Ele falava com a voz calma. Uma sensação já conhecida por mim começou a
aparecer aos poucos. Uma paz carregada que me dava sonolência fez meus olhos pesarem e
minha respiração voltar ao normal a tremedeira parou e eu já me sentia bem melhor.
- Pronto garota, – Falava Aragorn suavemente em minha mente. - Você esta bem agora.
Foi tão agradável a voz dele em minha cabeça. Algo que me trouxe uma sensação boa...
tão reconfortante.
- Melissa. – Me chamou Ernest aflito e quando respondi com o olhar a ele Ernest
respirou aliviado.
- Viu. Não roubei nenhum de seus grandes segredos em sua mente indefesa.
- Me desculpe Aragorn – Falava Ernest – Você tem se mostrado um bom homem, mas
até para sua segurança é melhor mesmo que não saiba de nada.
- Tudo bem. Não quero mais saber. Fizemos um contrato e vou cumprir a minha parte.
Vou levar essa garota sã e salva até Fastatur.
- Melissa... - Falei saindo do transe.
- O que? - Os dois perguntaram juntos.
- Meu nome é Melissa. – Falei emburrada.
Os dois riram de mim.
- Mel você é inacreditável – Ernest agora ria aliviado.
Quando ele me chamou de Mel me veio a voz de Leo na memória e meu coração saltou
me lembrando do motivo por eu estar passando por tudo aquilo. Era por causa dele. Nunca
pensei em lutar ou enfrentar tantos perigos. Quanto mais enfrentar um tigre pré-histórico. Mas
também o que eu podia fazer? Estava em outra dimensão.
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CAPÍTULO 4
Na manhã seguinte acordei com Ernest sentado ao meu lado estudando o mapa e
Aragorn mergulhando no rio de águas mornas. A manhã estava fria, me enrosquei mais em
minha capa que me cobria. Desejei estar na minha cama quentinha sem precisar sair de casa.
- Então Mel, esta se sentindo bem para prosseguirmos a nossa jornada? – Ernest
sondava meus olhos.
- Estou – Menti descaradamente. Eu só queria ficar deitada.
- Que bom – Ele assentiu. Com certeza sabia que eu estava mentindo. - Agora deixe-me
marcar nosso trajeto. Até a vila Barock.
Me vesti de todos meus artefatos medievais, e ergui a mão por cima do ombro para
retirar a espada da bainha em minhas costas. Uma mão grande e quente segurou a minha com
urgência.
- Se você tirar a espada desse jeito acabara se decapitando. – Falou Aragorn por trás de
mim.
Quando me virei para vê-lo ele estava com os cabelos molhados e com o peito nu. Me
senti estranha ao olhar para ele daquela maneira.
- Primeiro segure firme o punho e eleve o braço em linha reta até perceber que a espada
saiu da bainha. - Ele deu a volta por trás de mim e segurava minha mão sobre a espada me
ensinado - Depois puxe-a para frente por cima da sua cabeça. Assim você não vai se ferir.
Olhei para Aragorn e o vi desviando o olhar de mim novamente. Então soltou minha
mão.
- Venha cá. - Ele desembainhou sua espada e se posicionou em minha frente – Deixa eu
te mostrar uma coisa. – Levante a espada – Me ordenou. – A espada serve tanto para você se
defender quanto para você atacar. Dá para usar algumas técnicas que você sabe do bastão.
Como por exemplo: Se eu te atacar por cima - Ele ergueu a espada - Você faz? – Eu ergui
minha espada em diagonal sobre minha cabeça. Se eu vir por baixo? – Desci a espada em
vertical a minha frente. – Ótimo! - ele exclamou – Vamos fazer um exercício simples. Eu irei te
atacando com a espada por cima por baixo a sua direita e a sua esquerda e você defende.
Concordei com a cabeça.
- Devagar para começar. Flexione as pernas, concentre-se e...
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Cima, baixo, direita, esquerda. Consegui defender de todos os golpes leves que ele deu.
Repetimos esse exercício várias vezes.
- Um pouco mais rápido agora. Ele bateu com mais força e mais rápido na minha espada
fazendo-a tilintar. Repetimos outras várias vezes.
- Mais rápido agora. – Novamente defendi seus golpes - Ótimo você aprende rápido.
- Esta na hora de irmos! – Gritou Ernest do outro lado do acampamento.
- Agora para você recolocar a espada na bainha sem arrancar a própria orelha, jogue sua
mão por trás do ombro e é só encaixar com cuidado. Ele acompanhou meu braço com a mão.
Me senti estranha com o toque dele, mas disfarcei e andei até Ernest.
Por todo o dia caminhando para Barock. Ernest estava muito ocupado fazendo planos de
viajem e Aragorn então se posicionou ao meu lado para me dar segurança, pois ainda estava
cismada com a figura do grande animal que tinha visto na noite anterior. Ao menor barulho feito
na mata por um roedor ou por um pássaro me fazia tremer de terror.
No momento em que um galho caiu de uma árvore próxima a mim, num salto me
agarrei ao braço forte de Aragorn que de certa forma não se importava de me servir de escudo.
- Desculpe. – Pedia a Aragorn no momento em que pulei novamente em sua direção me
escondendo atrás de suas costas, quando um bichinho menor que um coelho passou correndo em
nossa frente.
- Tudo bem. Estou aqui para isso não é? – Ele falou tranquilamente.
- Você deve estar me achando ridícula. – Falei constrangida.
- Não. Você tem o direito de estar assustada já que nunca tinha visto os animais da
floresta.
- Quero te agradecer por ter me acalmado. Eu não iria conseguir sozinha.
- Tudo bem garota. Não tem que me agradecer.
- Você tem sido muito legal com agente.
- Estou sendo pago para isso.
- Eu sei que não é só pelo pagamento.
- Não?! – Ele disse surpreso.
- Você tem um bom coração. Por isso tem nos ajudado.
- Como pode saber disso?
- Me sinto segura ao seu lado. Sei que posso confiar em você.
E era verdade. Havia algo em Aragorn que me transmitia segurança. E o estranho era
que eu não sabia o porque.
Ele me olhou indefinidamente.
- Mesmo assim não me conta seus segredos.
- Na verdade não são meus segredos. Por isso não posso contar. Mas fico feliz por ter
você conosco nessa viajem.
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Num passo em falso atravessando a raiz de uma árvore enorme a nossa frente
escorreguei e Aragorn com um braço me cercou pela cintura para que eu não caísse. Meus
braços se agarraram em seu pescoço. Sorri para ele naturalmente. Feliz por ele ser ágil o
bastante para me livrar dos meus próprios desastres.
- Obrigada mais uma vez. Acho que você terá muito trabalho em me manter sã e salva
até Fastatur não é? – Falei enquanto me afastava dele.
Ele esboçou um sorriso cativante nos lábios, seu rosto se abriu de uma forma que me
alegrou. Tinha algo angelical e maroto em seu sorriso. Muito bonito na verdade.
- Será um prazer garota.
- Melissa. Meu nome é Melissa. Dá para decorar? – Falei emburrada.
- Claro garota. – Seu sorriso ainda não tinha se desmontado. Ele estava se divertindo as
minhas custas.
Quando chegamos a vila Barock, tudo estava preparado para uma festa. Bandeirolas por
todos os lados e barraquinhas montadas por toda praça. O povo estava alegre e bem animado.
Andamos por várias pensões e, pelo que pareceu, todas estavam sem vagas por causa da
festa de aniversário da vila. Muitos tinham vindo de outros lugares se hospedando ali.
Depois de certo tempo encontramos uma pensão com vagas e eles tinham apenas um
quarto, mas Ernest até que gostou, ele não queria mesmo ficar distante de mim e queria vigiar
Aragorn.
Deixando a bagagem de viajem no quarto de pensão, fomos dar uma volta pela vila já
que só iríamos partir de manhã.
Ernest me fez andar por toda a vila me empapuçando com suas comidas típicas e
participando de brincadeiras no mínimo esdrúxulas.
Ernest se divertia, e bem até demais, depois de tomar umas oito canecas de uma bebida
forte que se assemelhava ao shop escuro por causa da espuma só que mais consistente.
Ele já não se firmava sobre as próprias pernas e falava coisas meio sem nexo.
De volta a pensão, Aragorn o apoiou até o quarto deitando-o na cama.
Eu estava rindo depois de tantos dias, me divertindo ao ver Ernest totalmente bêbado.
- Do que esta rindo? - Perguntou Aragorn.
- Ernest é sempre tão certinho. Essa bebedeira não combina com ele. É hilário.
Ernest começou a balbuciar palavras desconexas, mas que para mim tinha muito
sentido. Meu riso acabou na hora em que Ernest balbuciou o nome de Raika. Aragorn percebeu.
- Bom, se você ainda quer manter algum de seus segredos é melhor sairmos daqui. Ele
vai falar até dormir, e é provável que fale algo que eu não deva ouvir.
Olhei para Ernest balbuciando e concordei com Aragorn.
- Vamos, ainda deve ter alguma coisa que Ernest não me fez comer na festa.
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Ele riu.
A noite já vinha chegando e as luzes da festa eram de cair o queixo. Pedras coloridas e
iluminadas por todos os lados. Pessoas passavam por nós sorrindo, era uma festa muito bonita.
Nos sentamos numa mesa próxima a uma espécie de pista de dança. As pessoas
dançavam alegres em pares evidentemente se divertindo muito. Alguém nos trouxe dois copos
de bebidas e deixou sobre a mesa. Eu peguei o copo e desconfiada pelo estado de Ernest, cheirei
antes de dar um gole.
- Essa é fraca pode beber. - Olhei para Aragorn cismada - Se você cair te arrasto até o
quarto. - Ele colocou um sorriso no canto dos lábios.
Depois de alguns goles entendi porque todos estavam na festa animadíssimos. A bebida
provocava um pequeno grau de euforia. Eu também estava me sentindo alegre e com vontade de
dançar. Eu sabia que não era certo, mas a sensação era tão boa que bebi mais um pouco. E
quando chegou meu terceiro copo eu já estava bem animada. Sorrindo mais do que o necessário
numa conversa simples.
- Acho que essa bebida é forte demais para você - Aragorn falou puxando o copo da
minha mão.
- Eu estou ótima. – Tentava recuperar o copo da mão dele.
- Já chega por hoje. Vamos para o quarto. – Falou autoritário.
Eu pulei da cadeira.
- Não. Não quero ir pra quarto nenhum. - Falei protestando. - Aqui esta muito bom. Só
vou embora quando a festa acabar.
Depois de tanto tempo de depressão e sem saber o que era alegria, a bebida tinha me
despertado e me deixado mais leve. Eu queria aproveitar mais da sensação que a muito... muito
tempo eu não sentia.
Ele me olhou seriamente e se levantou segurando o meu braço.
- Não, me solta. Eu quero dançar. – Falei embolado.
Escapando da mão de Aragorn pulei para a pista de dança e ao som da música dancei
sozinha sob os olhares de todos inclusive de Aragorn.
Nunca tinha tido coragem de dançar na frente de ninguém. Foi por isso que abandonei
as aulas de dança. Assim que eles organizaram uma apresentação para um grande público eu
pulei fora. Mas ali estava me sentindo bem. Estava me sentindo livre, e depois de muito tempo
estava me sentindo viva.
De fora da pista Aragorn me assistia. As pessoas me admiravam e me aplaudiam e
quando alguns homens começaram a se aproximar de mim Aragorn entrou para me buscar.
- Já chega Melissa, vamos embora.
- Você falou meu nome! – apontei para o rosto dele.
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Ele puxou meu braço, mas me soltei e corri por trás dele. Ele me olhou mal humorado e
observava os homens que me cercavam.
Aragorn me alcançou novamente e deu uma olhada feroz para um homem que segurou
uma mecha do meu cabelo.
- Aragorn, dança comigo - Segurei sua mão dando um rodopio por baixo de seu braço.
Ele me puxou tentando me tirar da pista. Eu segurei a mão dele e o puxei fazendo-o se
virar para mim.
- Só se você dançar comigo que eu vou embora. – Propus.
Ele me olhou de mal humor. Eu fiz beicinho e balancei os braços esperando a decisão
dele. Uma música suave começou a tocar e eu peguei sua mão e coloquei em minha cintura.
Aragorn protestou no começo, mas se rendeu a minha vontade. Colocou sua outra mão em
minha cintura e dançou comigo debaixo da luz das estrelas.
- Não é tão ruim dançar comigo – Falei olhando seus olhos cor de ouro.
- Não. Não é tão ruim. - Ele me respondeu, mas tinha algo em seu olhar que era
indescritível. E não me deixava desviar os meus olhos dos dele.
Algo dentro de mim me falava que eu não devia estar ali tão próxima e tão íntima de
Aragorn, mas estava me sentindo tão bem que não conseguia saber o que poderia ser errado
naquele momento. Estávamos dançando. Vários outros casais bailavam ao nosso redor. Eu
estava desequilibradamente feliz nos braços de Aragorn. Livre, leve, segura e confiante.
Ele curvou a cabeça recostando em meus cabelos. E eu recostei em seu peito. Senti
quando suas mãos, que antes tensas em minhas costas, deslizaram me abraçando. Eu gostei
daquele abraço, me lembrou da forma carinhosa que Leo me abraçava e também o apertei contra
mim desfrutando da sensação. Mas foi por pouco tempo. De repente ele se afastou me
encarando.
- Vamos embora garota. Você esta sob a influência da bebida e não quero que faça nada
de que venha se arrepender amanhã.
- Eu não vou me arrepender de nada amanhã – Debilmente eu respondi sem saber do
que ele estava falando.
Aragorn, sob meus protestos, conseguiu me arrastar para o quarto onde Ernest jazia
bêbado. Aragorn me soltou sobre uma cama e eu estendi a mão para ele.
- Fica aqui comigo não quero ficar sozinha, estou cansada de ficar sozinha. – Depois de
tantos meses estava me sentindo bem por estar perto de alguém. Não queria que a sensação
acabasse.
Ele bufou impaciente, mas cedeu e segurou minha mão se sentando na beira da cama.
– Sabe que você é muito legal?! – Falei com a voz meio embolada. – Eu gosto de você.
Gosto mesmo de você.
Ele riu diante da minha notória bebedeira.
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- Eu não devia ter deixado você beber aquilo. – Ele falou agora bem humorado. Se
divertindo novamente as minhas custas.
- Não. Você é legal - Minha voz saía arrastada - E é muito bonito igual a um astro de
cinema - Vi ele arregalando os olhos pra mim. – E também é forte e musculoso, me salvou. E
dança bem... dança muito bem... Aragorn guerreiro, desertor do exército de Andaluz. - Passei a
mão na tatuagem em seu braço.
Ele seguiu com o olhar minha mão passear por seu braço forte e pelo desenho
desconhecido.
- Agora já chega garota. Vá dormir.
- Meu nome é Mel. Mel... Mel, Mel... Mel – Cantarolei.
- Então Mel, durma ou eu te ponho para dormir. – Havia um sorriso em seus lábios.
- Não quero dormir. – Ergui meu corpo da cama – Quero voltar lá e dançar de novo. -
Foi a última coisa que fiz. Tombei na cama e apaguei pra valer.
De manhã quando acordei minha boca estava seca, minha cabeça latejava e meus olhos
insistiam em não querer abrir. O pouco que consegui fazer minhas pálpebras levantarem deu
para ver Ernest na outra cama com metade do corpo caindo dela e a outra metade se
equilibrando em cima. Aragorn não estava no quarto. O que foi um alívio, pois não sabia como
iria encará-lo depois de ontem a noite.
Me lembrei de cada detalhe. E me senti ridícula. Eu estava de ressaca, mas onde estava
a parte de esquecer de tudo que se fez, a famosa amnésia alcoólica? Para meu constrangimento
eu lembrava de tudo com mais clareza do que queria, inclusive de flertar com Aragorn. Queria
que antes que Aragorn voltasse ao quarto, um buraco abrisse para eu cair dentro.
O que deu em mim ontem a noite? Que história foi aquela de chamar Aragorn para
dançar? E se ele interpretasse de outra forma? Que bebidinha ordinária. – Nunca mais bebo
nada aqui além de água. – Me bateu um remorso de repente em saber que Leo estava preso e eu
dançando em festas. Me senti desleal.
Olhei para Ernest desmaiado, quase sobre a cama, e puxei minha mochila para meu
colo. Quando a abri coloquei a mão por dentro para pegar a coroa. Eu precisava ver Leo, Mas
quando ia tirando Aragorn abriu a porta do quarto me fazendo esconder a coroa novamente.
- Bom dia Mel. – Ele enfatizou o apelido que cantarolei para ele ontem.
Olhei para ele sem graça.
- Aragorn, sobre ontem a...
Ele me interrompeu.
- Se tentar concertar fica pior. É melhor você deixar como esta e esquecer. Temos coisas
mais importantes em que nos preocupar. E foi bom conhecer esse seu lado... digamos...
divertido. Você esta sempre tão séria e distante. Agora eu sei que há outro lado seu.
- Ai – Gemi com uma pontada na cabeça ao tentar me levantar.
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Ernest também gemeu do outro lado segurando a cabeça.
- Quando os dois se sentirem prontos para sair me chamem. – Aragorn saiu novamente e
Ernest me olhou atravessado.
- Você bebeu?- Ele perguntou cético.
Estiquei meu sorriso típico e sem graça.
- E o que aconteceu? - Ele me perguntou preocupado. - Você não falou nada que não
devia?
- Eu dancei – Não quis dar mais detalhes, mas Ernest pareceu ler em meus olhos.
- Só isso? - Me perguntou desconfiado.
- Com Aragorn - Falei timidamente.
- E? - Perguntou preocupado de novo.
- E mais nada. Ele me arrastou até aqui e me fez dormir.
Ernest respirou aliviado.
- Cuidado Melissa, as bebidas daqui são perigosas. Nos levam fazer coisas sem pensar
nas conseqüências. É melhor que não beba mais nada a partir de agora. E ... - Ele hesitou -
Aragorn é um bom homem, de caráter, mas não tem os costumes corretos. Um ex-soldado de
Cordomad doutrinado em sua nova filosofia e não nos valores antigos pelos quais lutamos.
Coisas que para nós é lei para ele é conto de fadas. Esta me entendendo?
Assenti com a cabeça.
- Tome – Ernest me estendeu uma folha tirada de sua mochila. – Mastigue.
- O que é isso?
- Vai te fazer sentir melhor. Digamos que é um antiácido.
Mastiguei a folha amarga e em poucos minutos estava me sentindo melhor.
Pegamos nossas coisas e ao sairmos da pensão, Aragorn estava nos esperando do lado
de fora.
A estrada de mais três dias de viajem se estendia a nossa frente e eu estava satisfeita em
saber que agora faltava pouco para chegarmos a Fastatur.
Aragorn andava atrás de nós mantendo certa distância se aproximando quando outro
viajante passava por nós pela estrada.
- Se eu tivesse acreditado em Jeziel poderia tê-lo ajudado a treinar você a desenvolver
seus dons. – Falava Ernest frustrado – Essa viajem não seria tão difícil para você. Mas eu estava
cheio de mais com minhas ideologias. E descrente por ver suas fraquezas. - Ele sorriu sem graça
para mim. Olhou para trás para ver se a distância de Aragorn lhe permitia continuar a conversa.
- Hoje vejo que estava totalmente enganado. Confundi fragilidade com fraqueza. Você é
sensível, delicada. Talvez lhe falte um pouco mais de confiança. Mas nunca foi fraca. As
mulheres daqui com todos seus poderes não se arriscariam a fazer o que esta fazendo. - Ele
sorriu amavelmente para mim - Jeziel tem sorte de ser você. – Ele riu consigo mesmo - O
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problema é que vou ter que ouvir pelo resto da vida quando vocês estiverem novamente juntos,
Jeziel me falar: “Eu te disse.” Talvez eu me mude para o outro lado do mar de Andaluz.
Eu e Jeziel juntos novamente? Outra vez Ernest nos colocava “juntos”. Me pareceu
uma utopia, mas não quis dizer nada.
- E quem vai me ajudar a controlar o gênio dele? – Falei agarrando seu braço – Você
não pode nos deixar.
- Ninguém controla aquele gênio. Ele só faz o que quer. Isso desde criança. Se você não
conseguir dar um jeito nele, ninguém mais dará.
- Agente amarra ele - Planejei maquiavélica.
Ernest sorriu alto me abraçando pelo ombro. Finalmente depois de tanto tempo agente
estava se entendendo.
CAPÍTULO 5
No meio da tarde Ernest quis parar e montar acampamento. Estava cansado, ainda
não tinha se recuperado bem da luta e nem da ressaca.
Sentados debaixo de uma árvore Ernest se colocou a minha frente enquanto Aragorn
estava sentado do outro lado do acampamento.
- Melissa, seus poderes como você já sabe estão em você. E quando você coloca a coroa
o que acontece é que eles são intensificados. Mas ainda que não possa usá-la, pode usar os
poderes que há em você.
Ele passou horas me explicando como trazer meus poderes e me fez experimentar usá-
los ali mesmo sob os olhares atentos de Aragorn.
- Uma coisa eu percebi em você, suas emoções te fazem reagir intensamente trazendo
seus poderes à tona. Mas nem sempre isso é bom. Pode te fazer perder o controle. As coisas que
fazemos irracionalmente nos levam a conseqüências muitas vezes desagradáveis. Sem contar
que você perde muita força desgastando seu físico e mental. Como Jeziel naquele episódio do
ônibus. Ele agiu por impulso e colocou toda sua força no que estava fazendo e quase morreu por
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causa disso. E todo resto da história aconteceu. Talvez não precisássemos estar aqui agora se ele
tivesse agido racionalmente.
E sob a orientação de Ernest eu tentava aprender algumas coisas, como levitar pequenas
pedras e algumas folhas, mas era inútil, eu não conseguia. Ele tentava e tentava, ao menos era
mais paciente que Jeziel, e mesmo assim eu não conseguia. Eu já estava ficando com dor de
cabeça de tentar e envergonhada. Aragorn me olhava e com certeza devia estar se perguntando
como eu não sabia fazer coisas tão simples como aquelas.
A noite chegou e Ernest acendeu a fogueira.
- E então Aragorn, faltam dois dias para chegarmos a Fastatur e sua missão ser
cumprida. Você vai poder ir para Vanderlest. O que tem por lá? – Ernest perguntou interessado.
– Alguma mulher?
Aragorn olhou para mim de soslaio.
- Nenhuma que me interesse.
Baixei a cabeça cutucando a terra com uma vareta. Algo em seu olhar me perturbou.
- Então o que é? Se puder nos contar.
- Negócios. Tenho umas contas para acertar.
- Pagar? – Ernest especulava.
- Não. Receber. Algumas pessoas ali me devem favores.
- E o que pretende fazer depois?
- Vou comprar a ilha Marfim com meu pagamento e morar lá até morrer velho e farto de
dias.
Ernest riu.
- Pensei que gostasse da sua vida cheia de aventuras.
- Já estou nisso à muito tempo. Até as aventuras nos enche de tédio.
- Onde fica essa ilha?
- A oeste da costa de Vernon. É uma bela ilha. Pequena, deserta e longe de tudo. Há
somente um portal que leva até ela e esse portal esta a venda junto com a ilha. Só que o homem
que a esta vendendo quer muito por ela.
- Por isso aceitou minha proposta?
- Exatamente por isso. Depois de passar por Vanderlest vou direto para ilha Marfim.
- E vai sozinho para uma ilha deserta? – Ernest perguntava enquanto se deitava
embrulhado na capa para dormir.
Aragorn cruzou seu olhar com o meu novamente.
- Ainda não sei. – Respondeu.
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Ernest encerrou suas perguntas e adormeceu. Depois de um longo tempo em silêncio,
Aragorn se deitou com os braços sob a cabeça olhando as estrelas. Cantarolando em sussurros
uma música desconhecida para mim que falava de amor e sonhos. Agradável na sua voz.
Me deitei também olhando o céu e minutos depois um sono leve me pegou. Ao fundo
ainda ouvia Aragorn cantarolar e me deixei envolver pela canção. Minha mente ficou leve e de
repente estava num sonho iluminado e alegre.
O som da voz de Aragorn agora se transformava numa grande orquestra que tocava a
música com tanta vida que me alegrou de tal forma que comecei a dançar.
Luzes ao meu redor bailavam e eu estava muito a vontade. Girando entre as luzes num
vestido claro que esvoaçava aos meus movimentos. Após um tempo percebi um par de olhos cor
de ouro me observando. Me aproximei daquele par de olhos e uma luz amarelo ouro iluminava
todo seu rosto. E quando os vi mais de perto reconheci de quem eram e sorri para eles. Acordei
no meio da noite com uma sensação agradável de liberdade e estava brilhando em minha luz
azul. Ela nunca mais havia surgido assim voluntariamente.
Olhei para Ernest deitado ao meu lado dormindo e Aragorn estava de pé encostado
numa árvore próxima a mim me observando.
Nossos olhares se cruzaram. Era ele no meu sonho. Senti um impulso tão forte de me
levantar e ir até ele que estranhei em mim esse sentimento. E ele me olhava esperando algo.
Como se também esperasse que eu fosse até ele.
Confusa, me virei para o outro lado tentando disfarçar a surpresa que senti por ele estar
em meu sonho. E recolhi a luz que emanava para dentro do meu peito.
Ele se moveu de volta a seu lugar e se deitou dessa vez em silêncio.
CAPÍTULO 6
Uma manhã fria e nebulosa nos encontrou na floresta. Estava tão frio que a minha
respiração formava fumaça saindo da minha boca.
Desmontamos nosso acampamento e retornamos a estrada. Me pareceu que nem os
pássaros tiveram coragem de sair de seus ninhos. Estava tudo quieto.
Um trovão ensurdecedor rachou o silêncio. Senti o chão tremer sob meus pés.
Ernest e Aragorn olharam para o céu e acompanhei seus olhares. Uma nuvem negra e
carregada navegava rapidamente sobre as árvores encobrindo todo o céu azul.
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- Temos que procurar um abrigo. – Falou Aragorn – Vem tempestade grande por ai.
- Por ali. - Apontou Ernest de volta ao seio da floresta guiado pelo mapa - Tem uma
caverna por ali.
Entramos na floresta andando apressados e a cada estouro do trovão a tempestade
parecia estar mais perto.
Um quilômetro á frente a chuva começou a cair grossa e ensopava nossas roupas e
enlameava todo o caminho dificultando a caminhada. O vento começou a soprar mais forte
chicoteando meu cabelo.
Estava sombrio e frio na floresta, mas não foi o último trovão que me fez tremer. Uma
figura amedrontadora surgiu em minha frente com uma longa capa negra molhada pela chuva
com o capuz cobrindo seu rosto expondo somente um sorriso maligno estampado em seus
lábios. Mais quatro homens surgiram atrás dele, Vestidos da mesma maneira. Ernest e Aragorn
se posicionaram um de cada lado com as espadas em punho. E os cinco homens
coreograficamente desembainharam suas espadas ao mesmo tempo e vieram andando para cima
de nós.
Peguei meu bastão colocando a minha frente como escudo. Aragorn retirou a espada de
minhas costas empunhando assim duas espadas. Os homens encapuzados não se intimidaram e
continuaram vindo para cima de nós.
- Dê-me garota. – Gritou o homem que estava ao meio - E vocês podem ir para casa
vivos.
- Só por cima do meu cadáver! - Gritou Ernest se atirando sobre os homens travando
uma batalha assustadora. Aragorn se colocou em minha frente lutando com os outros que
tentavam se aproximar de mim. Quando um dos homens encapuzados me surpreendeu por trás
meu bastão girou quase que por vontade própria me defendendo de sua espada. Me concentrei
na luta e no que Ernest me disse ontem de que meus poderes poderiam ser usados a todo o
momento. Eu já tinha descoberto o dom que tinha com o bastão então parti para o ataque.
O som metálico das armas se misturava aos lampejos dos trovões e a cada minuto a
chuva caía mais forte. O céu totalmente negro transformou a floresta num cenário assustador
onde a luta por nossas vidas crescia a cada golpe.
Ernest lutava bravamente, Aragorn ágil e concentrado parecia prever antecipadamente
os golpes de seu oponente, e eu usava tudo que podia para me defender enquanto percebia que
aqueles homens queriam me capturar a todo custo, mas não fazia diferença a eles se eu estivesse
viva ou morta.
Com alguns golpes de sorte consegui desarmar meu inimigo e jogá-lo ao chão.
Enquanto ele tentava se recuperar me deu tempo de olhar para Ernest e para Aragorn que já
tinham se livrado de dois Drevors.
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Andei apressada para tentar me aproximar de Ernest e de Aragorn onde estaria mais
segura, quando o homem que eu havia derrubado se levantou, pegou sua espada e disparou
contra mim.
Olhei assustada vendo ele a cada momento se aproximar correndo em minha direção e
faltando segundos para me atingir Ernest veio gritando e pulou em minha frente sendo atingido
em cheio pela espada que iria me acertar.
O ar me faltou quando vi a ponta da espada ensangüentada saindo pelas costas de
Ernest, mas o homem a puxou rapidamente e preparou-a novamente para mim. Só que outra
ponta de espada rompeu do ventre dele o fazendo cair de joelhos. Era Aragorn que o golpeou
mortalmente pelas costas.
Aragorn sustentou Ernest que tombava ferido para frente. Me aproximei de Ernest
enquanto Aragorn o colocava sentado no chão.
Os cinco corpos dos homens estirados no chão se desvaneceram como fumaça. E Ernest
respirava com dificuldade com uma expressão de dor nos olhos.
Havia muito sangue em suas roupas e em suas mãos que cobriam o ferimento.
- Melissa... – Ele falou com dificuldade – Lembra da nossa conversa na campina?
Assenti com a cabeça.
- As pedras estão na sua bolsa. – Ele estava se despedindo.
- Não Ernest. Nós vamos conseguir. Você vai ficar bem.
- Não Mel. Eu não vou.
- Podemos te levar a Erzoul. – Falei angustiada.
Ele tentou sorrir para me acalmar, mas provocou em si uma tosse dolorida. - Pegue a
minha bolsa. – Ele pediu com dificuldade.
Apanhei aonde ele havia jogado. E entreguei a ele.
- Aragorn. - Ernest se esforçava para falar. – Tome. – Entregou a bolsa a ele – Aqui esta
seu pagamento. Tudo que esta aqui é seu. Leve Melissa para Fastatur e deixe-a em segurança. –
Ele tossiu novamente - Cuide dela. É muito importante que ela fique bem. E se não tiver como
mantê-la segura aqui mande-a de volta para casa. Ela só tem você agora.
Ernest me olhou ternamente.
- Eu poderia ter convivido mais com você Melissa. Você é uma menina maravilhosa e
muito corajosa. Mas esse tempo foi bom. Só me perdoe por não conseguir te acompanhar no
resto dessa jornada. Mas fico feliz por não estar te deixando sozinha. – Ele olhou para Aragorn
depois passou a mão em meu rosto me olhando novamente - Diga ao meu filho que eu o amo.
Ele deu mais uma respirada forçada e fechou os olhos.
- Ernest! – Eu gritei desesperada – Ernest! – peguei o rosto de Ernest que estava gelado.
Meus olhos derramavam uma quantidade louca de lágrimas que se misturavam as gotas de
chuva que caíam implacáveis sobre nós.
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Aragorn me puxava pelos ombros, mas eu me agarrava as roupas ensangüentadas de
Ernest.
– Não Ernest! – Não!
Aragorn conseguiu me arrancar de cima do corpo de Ernest e me arrastava para longe.
Ainda olhava desesperada para Ernest caído no chão lamacento quando uma fumaça branca
substituiu seu corpo se dissipando no ar.
- Não, não, não! – Em desespero era só o que eu conseguia falar.
- Vamos Melissa, temos que sair daqui agora.
Os trovões aumentavam e Aragorn corria me puxando pela mão e eu olhava para trás na
esperança de que um milagre acontecesse e Ernest aparecesse.
Alguns galhos enormes caíam ameaçadoramente do alto das árvores, o vento
multiplicou sua força. Um raio atingiu uma árvore atrás de nós a partindo pelo meio e Aragorn
continuava me puxando desviando dos galhos quebrados e me protegendo do que o vento
raivoso atirava sobre nós.
Chegamos a tal caverna e Aragorn me colocou sentada no chão enquanto ele rondava o
lugar. Me encolhi abraçando minhas pernas chorando compulsivamente.
Aragorn fez um monte com pedras e acendeu com elas uma fogueira de pedras
iluminando as paredes escuras da caverna.
Ele ficou um tempo vigiando a entrada para ter certeza que não havia mais soldados
atrás de nós.
Quando se deu conta que estávamos realmente seguros, se virou pra mim e me olhou
preocupado.
- Melissa. Você precisa tirar essa roupa molhada. – Eu devia estar tremendo, mas não
percebi.
Ele se abaixou perto de mim desamarrando minha capa e retirando meu vestido
encharcado. Ele tirou minhas botas e eu devido ao choque não me importei de estar seminua.
Ele jogou outra capa mais seca sobre mim que tirou de sua mochila e pendurou minhas roupas
sobre uma pedra perto da fogueira.
A tempestade que dava para ver pela entrada da caverna era apavorante. O vento
arrancava árvores inteiras e o estrondo dos trovões e raios eram aterradores, mas eu estava
mergulhada na minha própria tempestade particular para me importar com que acontecia lá fora.
Ernest havia morrido. Leo preso. Eu sozinha num mundo desconhecido escondida numa
caverna com um homem que eu mal conhecia. Sendo perseguida por quem queria minha morte,
e não me parecia que esta história estivesse chegando ao fim.
O que eu iria fazer? O mais lógico seria ir embora agora mesmo para casa. Mas como eu
poderia deixar Leo aqui?
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Quando parei de chorar um soluço ainda sacudia meu peito. Me senti tão cansada e tão
sozinha.
Aragorn ficava de pé na entrada da caverna olhando a tempestade passar. A chuva
passava mais o frio aumentava. E mesmo com a fogueira ainda acesa não conseguia me aquecer.
Depois de algumas horas Aragorn se sentou ao meu lado. Eu ainda permanecia
encolhida na mesma posição.
- Não tenho poderes para arrancar essa dor e o medo que esta sentindo agora Melissa,
mas você não esta sozinha. – Sua voz era calma. - Não vou me afastar de você enquanto não
estiver segura. Como prometi a Ernest.
Eu queria ter algo a dizer a ele pela sua solidariedade, mas minha mente estava vazia de
qualquer coisa que não fosse a visão da espada transpassando o corpo de Ernest.
Não dormi a noite inteira e também não disse uma só palavra. Aragorn também não
dormiu passou a maior parte da longa noite indo e vindo da entrada da caverna preocupado com
a nossa segurança.
Quando o dia finalmente clareou podemos ver os estragos causados pela tempestade,
mas o estrago maior foi causado dentro de mim e não fora.
Aragorn se aproximou com minha muda de roupas secas e me entregou para que eu me
vestisse. Como um autômato peguei as roupas e as vesti.
- Nós vamos ficar aqui hoje. Não quero arriscar que outra tempestade dessas nos pegue
sem abrigo. O céu não esta totalmente limpo. – Relatou Aragorn.
O fogo da fogueira de pedras ainda ardia, mas o frio que estava em mim não passava.
Aragorn abriu a bolsa que Ernest entregara a ele e fez um inventário do que tinha lá.
Entre muitas coisas, outra bolsa menor que foi aberta por Aragorn e estava, pelo que me pareceu
devido a reação dele, com uma boa quantia em dinheiro.
- Nossa! - Exclamou espantado - O que vocês fizeram, roubaram a sala do tesouro de
Cordomad? Por isso ele esta atrás de vocês?
Ele desenrolou o pergaminho que era o mapa do castelo.
- O que vocês fazem com o mapa do castelo? – Me perguntou assombrado – Sabe que
os rebeldes matariam para ter esse mapa? Aqui mostra todas as entradas e saídas secretas. Só os
reis e o general da guarda do rei possui um desses. – Ele me fitou curioso, mas estava triste
demais para me preocupar com suas especulações.
Vendo-o mexer nas coisas que eram de Ernest me angustiei ainda mais. Eu tinha que
aceitar que ele se fora e isso me fazia querer chorar. Aragorn guardou as coisas na bolsa de novo
quando viu meus olhos lacrimejando.
Por todo o dia ficamos na caverna com exceção de quando Aragorn saiu para apanhar
comida e água. As frutas que ele apanhou para mim eu recusei, não estava com vontade de
comer. Ele insistiu algumas vezes, mas depois de um tempo desistiu. Ele mesmo não comeu.
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Parecia preocupado demais. Andava de um lado para o outro na caverna. Às vezes expressava
um ou outro comentário sobre a continuidade de nossa viajem, mas como eu não respondia, ele
logo se calava.
A noite chegou e eu continuava enraizada no mesmo lugar. Meu corpo endurecido por
ter passado tanto tempo na mesma posição. E a mente ainda não tinha digerido todos os últimos
acontecimentos. Aragorn me olhava do outro lado da fogueira. Agora já não desviava o olhar
como antes. Seus olhos eram firmes em mim e preocupados. Mas não me incomodavam.
O vento fazia um som lúgubre ao passar pelas árvores e pela entrada da caverna.
Tentei me levantar já que minha consciência estava voltando ao normal. Eu tinha que
reagir uma hora. Não podia ficar enfurnada naquela caverna para sempre e ao me esticar todas
as minhas juntas doeram. Algumas partes de meus membros estavam dormentes, mas me forcei
a levantar e fiquei de pé.
Os olhos de Aragorn me acompanharam em cada movimento. Curiosos com minha
súbita reação. Mas eu não estava mais disposta a ficar de luto. Ernest tinha morrido lutando para
libertar Jeziel e ele acreditava que eu poderia fazê-lo, então eu tinha que fazer alguma coisa.
Tinham pessoas querendo me matar, e eu ainda não havia esquecido o que tinha ido fazer
naquela dimensão. Havia duas escolhas. Ou eu desistia de tudo e voltava para casa, deixando
Jeziel aprisionado para sempre, ou continuava minha jornada. Mesmo sem Ernest. Até encontrar
meu pai.
- Aragorn, me ensina a usar a espada? – Foi à primeira frase que falei depois de vinte e
quatro horas.
Ele se levantou perplexo com minha fala, mas disfarçou bem na hora da resposta.
- Posso tentar. Mas você não me parece o tipo de garota que teria coragem de cravar a
espada em alguém.
- Mas eu posso aprender. – Falei decidida - Se eu não fosse tão ridiculamente incapaz
Ernest não teria morrido.
- Não foi por sua causa que ele morreu.
- Ele se atirou na minha frente porque eu não sabia me defender. E se eu não aprender a
me defender agora, você será o próximo.
- Não se preocupe comigo, preocupe-se com você.
- Não quero ver mais ninguém morrer por minha causa.
- Melissa, é normal você se sentir assim, mas não se culpe. Ele fez o que tinha que fazer.
- Ele sacrificou sua vida por mim – Falei com os olhos cheios d’água. Pegando
determinadamente minha espada que estava encostada numa pedra.
- Ele sacrificou sua vida pelo que ele acreditava. Ele acreditava em você garota, agora é
a sua vez de acreditar em si mesma.
Aragorn desembainhou a espada.
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- Você tem razão. – Falei decidida - Ernest não morreu em vão.
Por várias horas da noite treinamos com as espadas o que Aragorn me ensinava. Depois
de que de tão cansada não conseguia mais erguer a minha, me sentei recostada numa pedra.
- Descanse. Tente dormir um pouco. Eu também preciso descansar - Falou Aragorn
sentado recostado na parede da caverna. Ele estava mesmo muito cansado.
Ao me deitar num canto da caverna, olhei para Aragorn recostado na abertura dela. Eu
estava com medo. Medo de tudo que ainda me esperava. Tinha tomado a decisão de ir até o fim
dessa jornada, mas não tinha certeza se conseguiria.
- Aragorn... – Chamei sua atenção que me olhou imediatamente. - Você acha que eles...
conseguirão me pegar?
- Eu não sei o que eles querem com você, mas enquanto você estiver sob a minha
proteção, prometo que Cordomad jamais porá as mãos em você.
Havia uma verdade insondável nas palavras de Aragorn e me senti mais confortada.
Eu estava assustada, mas Aragorn me passava segurança. Mesmo sem nenhuma
garantia.
Com o silêncio e o cansaço, acabei dormindo rápido, mas um pesadelo horrível
perturbou meu sono. Uma grande sombra negra sobrevoava o céu de Andaluz e me perseguia.
Eu corria tentando encontrar refúgio, mas não encontrava e então a sombra se materializava
num homem de rosto deformado e horripilante a minha frente e quando ele estendeu a mão para
me pegar eu acordei apavorada.
Quando abri meus olhos ainda dentro da caverna, um estranho pavor me assolou. Era
tão real o sonho que temi que a sombra estivesse lá fora esperando por mim.
Eu estava muito perturbada e as sombras das árvores iluminadas pelo brilho da fogueira
de pedras formavam imagens pavorosas diante de meus olhos.
Levantei de meu lugar e andei sorrateiramente até onde Aragorn dormia me lembrando
do que ele disse sobre chegar perto demais de um guerreiro sem avisá-lo. Só que a única coisa
que eu tinha para me dar segurança e espantar o medo que estava sentindo naquele lugar frio e
escuro era Aragorn. E eu precisava desesperadamente sentir a confiança que ele me transmitia.
Ele estava muito cansado, provavelmente não notaria minha aproximação. E eu estava
apavorada para conseguir ficar sozinha.
Já que estava tão longe de casa para correr para a cama de Biel, me sobrara Aragorn.
Sem querer acordá-lo me aproximei e deitei ao seu lado sem fazer movimentos bruscos.
Mesmo assim ele abriu seus olhos e me pegou de surpresa. Pensei que ele fosse me repreender,
mas depois de avaliar minha proximidade se afastou um pouco de sobre a manta em que ele
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estava me dando espaço para deitar-me ao lado dele. Ali não senti mais medo e consegui
dormir.
Quando acordei um cheiro agradável de carne assada enchia a caverna. Percebi o quanto
estava com fome. A capa de Aragorn estava sobre mim Me aquecendo, pois ainda chovia muito
lá fora. Aragorn estava molhado e sua camisa pendurada sobre uma pedra próxima à fogueira.
Ele estava de costas para mim e desenhei com os olhos cada linha de seus músculos. Ele
era bonito e atraente. Era difícil ficar perto dele e não notar, ainda mais com ele daquela forma.
Me senti estranha e antes que ele percebesse me virei para o outro lado.
Fiquei analisando minha reação. Porque estava admirada com a beleza de Aragorn? Eu
amo Leo, e ele á a criatura mais linda que já vi na vida. Seus olhos, sua boca, seu corpo, tudo
em Leo é perfeito. Eu não tenho que ficar olhando Aragorn desse jeito – me repreendi.
Depois de espantar os pensamentos confusos de minha mente, me sentei espreguiçando
e bocejando. Meu corpo estava todo dolorido. Que saudades da minha cama.
- Preparei uma alimentação mais forte para você. Já que pretende ser uma guerreira tem
que se alimentar melhor – Aragorn falou quando percebeu que eu estava acordada.
Estiquei meu sorriso selado e me levantei rumo ao cheiro maravilhoso de carne.
- Você caçou na chuva?
- Quando saí não estava chovendo. Ela me pegou no caminho. - Ele cortou um pedaço
do que pareceu ser uma ave e me entregou.
- Hum... Tem gosto de frango.
Ele me olhou confuso levantando uma sobrancelha.
Eu coloquei a mão na boca segurando um sorriso. É claro que ele não sabia o que era
frango. Mas não me fez perguntas.
- Se a chuva cessar vamos sair hoje mesmo. Talvez tenhamos que viajar a noite, mas
você parece bem descansada para a viajem. Quanto mais rápido chegarmos a Fastatur melhor.
- Esta com tanta pressa de se livrar de mim assim? – Falei pesarosa. Mas depois me
arrependi de ter dito isso.
Aragorn ficou surpreso com o tom da minha voz. E eu também. O que estava
acontecendo comigo? Abaixei os olhos dando mais uma dentada na carne.
- Não. Estou com pressa de te ver segura.
Pelo resto da tarde que a chuva não cessou e não pudemos sair da caverna, ele
continuou me ensinando a usar a espada.
Era cansativo, mas eu estava obsessiva e queria aprender a todo custo.
- Você é boa aluna. Dedicada. Isso te ajuda a aprender rápido.
- Vou ser a melhor aluna que você já teve. – Falei entusiasmada.
- Considerando que é a única. E espero que seja a última. É... Acho que tem razão.
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Já era bem tarde da noite, já havíamos conversado muitas coisas. Na verdade eu falava
mais do que ele, usando minha tagarelice para bloquear meus medos e dúvidas, mas só falava
sobre o que eu pensava não ser perigoso nem revelador. Se bem que não me lembrava de ter
falado tanto assim com mais alguém. A tensão e os acontecimentos dos últimos dias haviam me
transformado numa espécie comunicativa. Falar muito agora e coisas sem sentido me ajudava a
não pensar e a não ter real consciência do que estava acontecendo.
Eu falava sobre coisas que não tinham nada a ver com o que eu estava vivendo agora, E
ficava mais atenta quando percebia que uma palavra ou uma expressão era estranha a Aragorn,
então me continha e prestava mais atenção ao que dizia. Ele também paciente em me ouvir
colaborando com minha estratégia me contava algumas histórias de sua vida me ajudando a
esquecer da minha própria e isso era muito bom ainda que suas histórias se resumiam em lutas e
mais lutas, não me pareceu que ele tivesse alguns momentos normais ou felizes. Felicidade para
ele se resumia em sair vivo de uma boa batalha.
Aragorn me contou que foi mandado muito novo para o campo de treinamento do
exército de Andaluz então não teve tempo de ter uma vida normal como outros jovens que
tiveram oportunidade de ter outra vida. Por isso não tinha se casado.
- O exercito é o pai a mãe e a esposa de um soldado. Não pensávamos em nada além do
nosso treinamento e da nossa missão.
- Parece uma vida muito solitária. – Falei solidaria.
- Agente se acostuma.
- Mas e agora – Bocejei – Você não faz mais parte do exército e pode levar outra vida
na ilha em que vai morar.
Ele se deitou com os braços sob a cabeça olhando para o alto da caverna. E ficou
pensativo. Eu me deitei de lado com o rosto voltado para ele tentando ler suas expressões.
- No que esta pensando? – Perguntei curiosa pelo seu olhar distante.
Ele virou o rosto olhando para mim. Seus olhos de ouro estavam indecifráveis.
- Porque não acompanha meu pensamento? – Falou naturalmente.
- Não posso ler. Não é um dom que eu tenha. – Contei.
- Se eu te contar no que estou pensando, quando eu fizer a mesma pergunta a você
quando te ver pensativa, vai me dizer? – Brincou.
Me calei. Com certeza não diria a ele.
E Aragorn voltou a olhar o alto da caverna.
Fiquei ali olhando para ele enquanto ele olhava o teto. Não parecia se incomodar com
meu olhar e para mim era reconfortante olhar para ele. Era tranqüilo. E assim adormeci.
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CAPÍTULO 7
Mais uma manhã em Andaluz nasceu e dessa vez o sol veio com ela.
Os pássaros cantavam novamente anunciando que a tempestade havia passado. E
Aragorn esperava só que eu acordasse para iniciarmos nossa viajem até Fastatur.
Uma tristeza me veio quando me lembrei que agora éramos Aragorn e eu. Ernest tinha
encerrado sua viajem.
Aragorn agora não andava atrás de mim, andava ao meu lado substituindo a posição que
antes era de Ernest.
O dia estava lindo, ignorando tudo por que eu havia passado. Tudo muito verde regado
pela chuva de três dias seguidos.
Aragorn estava tenso e não relaxou um só minuto ao meu lado. Seus olhos varriam cada
parte da estrada. Ele andava tão próximo de mim que podia sentir sua respiração pesada. Mesmo
com ele preocupado me sentia muito segura ao lado dele.
Andamos vários quilômetros e ele ainda não havia relaxado e a tensão dele estava me
incomodando e começando a me deixar tensa também. Desde que saímos da caverna ele não
havia dito uma só palavra. E o silêncio já estava me fazendo pensar no que não queria. Não
queria ver em minha memória Ernest pulando a minha frente e sendo golpeado mortalmente,
não queria me lembrar o quanto estava longe de casa, nem mesmo de que Jeziel ainda
permanecia preso.
Eu me conhecia muito bem e sabia que fugir desses pensamentos, me esquecendo da
realidade que era tão dura e incerta seria a única forma de me manter no foco e andando.
- Aragorn, - Chamei sua atenção para ver se ele relaxava um pouco – Você sabe a
diferença entre o porco espinho e o arame farpado?
Ele pensou um pouco.
- Não sei o que é porco espinho e nem arame farpado. Como vou saber a diferença entre
os dois? - Ele falou muito sério sem entender que era uma piada.
Eu explodi em um riso olhando a cara dele que me olhava evidentemente pensando que
eu havia surtado.
- O porco é um animal gorduchinho e baixinho de rabo enroladinho e um nariz que
parece uma tomada. - Eu tentava explicar fazendo gestos exagerados com as mãos.
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Ele me olhou ainda mais sério sem entender do que eu estava falando. Eu ainda ria, mas
olhando a cara que ele fazia sem humor me controlei antes que ele pensasse mesmo que eu
havia pirado.
- Perdi a graça. Deixa para lá. – No resto do trajeto permaneci calada.
Andamos até chegar ao alto de uma montanha e de lá vimos às luzes de uma grande
cidade.
- Fastatur – Falou Aragorn parecendo aliviado. – Cordomad não se atrevera a mandar
seus soldados atrás de você no meio da cidade em que moram os súditos que ele engana fazendo
papel de bom moço.
Descemos pela estrada rumo à cidade e lá Aragorn nos hospedou numa pensão.
- A noite não vai ser fácil encontrar essa mulher que você procura. Hoje você dorme e
descansa numa cama quente e amanhã vamos atrás da tal Thiouryna.
A pensão em que estávamos era bem melhor que as anteriores, as camas espaçosas e
com banheiro no quarto. Meus olhos se iluminaram quando vi a possibilidade de um bom banho
quente.
- Eu vou dar uma volta enquanto você toma um banho e depois vamos sair para jantar.
Aragorn saiu. No banheiro me olhei no espelho e vi meu rosto depois de muitos dias.
Meu cabelo era um emaranhado. Nem acreditei que eu estava andando a dias desse jeito.
Preparei um banho e mergulhei na banheira de água quente. Fiquei ali por pelo menos
quarenta minutos me esforçando para não pensar nos últimos acontecimentos e nem nos
próximos.
O banho conseguiu realmente me relaxar. Penteei meus cabelos e saí me enrolando
numa toalha felpuda.
Fora do banheiro vi sobre a cama um vestido longo de cor azul claro e um par de
sapatos delicados colocados ali com um bilhete. Aragorn providenciara roupas limpas e as
colocou sobre a cama sem que eu percebesse. Abri a porta do quarto verificando se ele ainda
estaria por perto e nada. O bilhete, eu não podia decifrar aquela escrita, mas fiquei feliz em
poder vestir outra coisa que não fosse meu modelo épico.
Quando acabei de me vestir, peguei o bilhete e desci até a recepção. Pedi para a moça
que andava com lençóis em seus braços que lesse para mim.
- Aqui diz que seu amigo te espera para jantar bem ali na frente. – Ela apontou para
outro estabelecimento que ficava na frente da pensão. Saí de lá atravessando a rua e entrei no
que seria um restaurante na minha dimensão.
Vasculhei com os olhos o salão encontrando Aragorn encostado no balcão. Ele também
havia se vestido para o jantar e uma camisa branca transpassada semi-aberta estava
simplesmente divina sobre o peito escultural dele. Quando ele me viu percebi o olhar de
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admiração que nenhuma mulher confundiria. Ele andou até mim me estendendo a mão e me
guiou até uma mesa.
- Pensei que já que essa é nossa última noite juntos, poderíamos ter um jantar especial.
De despedida.
Os olhos de ouro dele estavam extremamente intensos em mim, mas também tristes.
- Amanhã cedo te levo até a mulher chamada Thiouryna e você estará livre de mim.
- Você não precisa ir embora – Falei sentindo o pesar da despedida.
- Segundo o que Ernest disse, você não vai mais precisar de mim.
Não precisaria dele como um defensor, protetor ou guia, mas já tinha me acostumado
com sua companhia. Seria difícil me despedir, mas eu estava sendo egoísta. Ele tinha seus
planos e não era de ficar colado em mim a vida inteira. Até porque eu era para ele um grande
problema.
- E será que vamos nos ver algum dia? – Perguntei esperançosa.
- Você sabe onde vou estar.
- Mas não sei como chegar lá.
- Você gostaria mesmo de me ver novamente? – Os olhos dele estavam intensos outra
vez.
Fiquei com medo de dar a resposta que eu queria e em como ele poderia interpretar.
Ernest me orientou a ter cuidado.
- Claro. Você é o único amigo que tenho aqui. – Esclareci.
Ele me olhou parecendo ter visto algo a mais na minha resposta. E me preocupei em que
tivesse visto mesmo, porque eu estava sendo traída pelos meus próprios sentimentos. Amava
Leo, estava ali por causa dele e no entanto ao pensar em não ver mais Aragorn algo dentro de
mim protestava.
- O que querem beber? – Uma simpática garçonete de sorriso largo interrompeu nosso
olhar.
- Hoje é melhor não bebermos nada. – Ele falou se divertindo com certeza lembrando-se
da minha última experiência com bebidas. – Traga, por favor, algo leve para nós.
O jantar foi agradável, Aragorn foi especialmente cordial e sutilmente galanteador e eu
passei o tempo todo me culpando por estar gostando tanto de suas investidas.
Ele me segurou pela mão me fazendo levantar e ir com ele até a pista de dança do
restaurante.
Dançamos várias músicas. Ele mantinha sua mão entrelaçada na minha e gentilmente
me conduzia aos passos. As luzes ao nosso redor, várias luzes coloridas, davam a impressão do
sombreamento da luz de velas. Uma atmosfera romântica e nostálgica.
- Você dança bem melhor quando não esta sobre o efeito de bebidas – Brincou.
- Não é justo. Você disse que não era tão ruim dançar comigo naquele dia.
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- Não foi ruim, mas hoje esta melhor. Eu não tenho que te segurar para não cair.
Dei um tapa em seu braço em protesto.
- Fico feliz em ver que esta bem. Me preocupei com você por causa de Ernest.
- Foi terrível realmente. Mas tenho que ser forte. Estou cansada de me deixar ser
influenciada pelos acontecimentos ao meu redor.
- Eu acho que você é uma garota muito forte.
Olhei admirada para ele.
- Todo mundo sempre me disse o contrário.
- E você acreditou neles?
Dei de ombros.
- Tem pouco tempo que te conheço. E o que vejo é que você é uma garota sensível, mas
não fraca.
- Você acha mesmo?! – Perguntei surpresa.
- Acho. Você é especial.
Fiquei vidrada em seus olhos dourados, alegre com o que ele havia me dito. Fora a
primeira pessoa que teve essa impressão de mim.
Ao sairmos do restaurante ele me levou por um passeio noturno pela cidade.
- Amanhã definitivamente você vai estar em segurança. Na casa de Thiouryna.
- Preferia não precisar me despedir de você – fui sincera.
- Talvez não precise haver uma despedida. – A forma como ele me olhou ao me falar
me constrangeu. E ele percebeu – Talvez só um até logo. – Tentou me deixar mais a vontade.
- Talvez. Eu não sou uma pessoa muito comunicativa e não faço amizade com
facilidade. E tem muito tempo... Muito tempo mesmo que não me sinto tão bem com alguém ao
meu lado. – Desabafei.
Ele não falou nada. Só se aproximou mais de mim e continuamos andando.
E eu começava a me preparar para a despedida de amanhã. Quando eu chegasse a casa
de Thiouryna ele iria embora e eu seguiria os planos que me fizeram vir até aqui.
Não sabia o que me esperava amanhã, mas estava otimista de que pelo menos as coisas
se tornariam mais fáceis a partir dali. Ernest se fora, Aragorn iria embora, e eu tinha a missão
de encontrar meu pai e libertar Jeziel.
A noite estava linda. Milhares de estrelas cobriam o céu de uma forma exuberante. O
céu de Andaluz era realmente deslumbrante. Podia entender perfeitamente porque Aragorn
sempre adormecia observando o infinito.
Paramos sobre uma ponte de pedras que arqueava sobre o rio que cortava o meio de
Fastatur.
Eu olhava as águas que passavam silenciosamente sob a ponte e cintilavam um brilho
vindo das pedras que iluminavam a cidade e refletiam o brilho das estrelas.
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Olhei mais uma vez para o céu em admiração.
- As estrelas de Andaluz brilham tanto... São tão lindas. – Exclamei extasiada.
Aragorn segurou minha mão de uma forma calorosa.
- Nenhuma delas brilha tanto quanto você. E nem conseguem ser tão lindas. – Ele disse
numa voz rouca e sedutora entrelaçando seus dedos nos meus me fazendo tremer. Eu iria tirar
sua mão da minha por puro moralismo, mas não era isso que eu queria realmente. Meus sentidos
reagiram, para meu espanto, a favor de Aragorn, e estava gostando mais do que devia daquele
gesto.
Aragorn me virou de frente a ele e minha cabeça estava baixa. Ele com sua mão ergueu
meu queixo e nossos olhos se encontraram. Havia uma frase escrita naquele olhar. Algo que
com certeza eu gostaria de ouvir só por vir acompanhado da luz que eu via através de seus
olhos.
Sua mão acariciou meu rosto e eu sabia o que viria em seguida. Sua mão quente que
desenhava as linhas em minha pele me contava o que ele faria. Mas antes que eu pudesse ser
subjugada por seu toque, coloquei minha mão sobre a sua e baixei os olhos novamente. Ele
hesitou por segundos, mas cavalheiramente se afastou me dando espaço, me olhando
intensamente.
- Vamos voltar à pensão? – Ele mantinha um tom de voz ameno apesar do que eu fiz –
Você precisa estar descansada para o grande dia de amanhã.
Seguimos até nosso quarto em silêncio.
Minha cabeça fervilhava de contradições entre o que era certo e errado, entre o que eu
sentia e queria. Aragorn estava aparentemente tão tranqüilo que me deixava constrangida.
Não, Não era ele que me deixava constrangida, era minha consciência me acusando de
um débil arrependimento por ter negado o beijo que ele me daria.
Eu me preparei para dormir tentando esquecer e apagar de minha mente outros desejos
que não fossem encontrar Jeziel.
Aragorn se sentou numa poltrona virada para a janela. E olhava o céu. Um costume dele
que eu já havia aprendido. Aragorn gostava de olhar as estrelas. Talvez ele conseguisse ver algo
lá que mais ninguém pudesse.
Eu estava num conflito grande demais comigo mesma para conseguir dormir.
Me revirei várias vezes inquieta na cama e passei a prestar atenção na voz de Aragorn
que novamente cantarolava sua canção preferida que agora não era mais desconhecida a mim e
em poucos minutos sua música me envolveu me fazendo mergulhar num sono tranqüilo e
iluminado.
Novamente sua melodia me inundou no sonho e dancei livre de todos os medos e regras
sob um par de olhos de ouro.
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A manhã em Fastatur foi intensa. Primeiro por estar tão próximo de chegar a algum
lugar que me levasse a Jeziel, segundo por estar tão confusa em relação ao que estava sentindo
naquele momento, e terceiro por saber que depois que encontrasse com Thiouryna Aragorn iria
embora para sempre.
- Bom dia - Aragorn me saudou animado.
- Aragorn, ontem a noite no sonho era você? – Eu sabia a resposta, mas precisava ter
certeza. Sempre que ele cantarolava sua música minhas noites eram mais tranqüilas e meus
sonhos mais alegres.
Ele colocou um sorriso discreto nos lábios.
- Um dos poucos dons que tenho. Ele coloca os nervozinhos ou agitados para dormir e
sonhar. Um dom pouco útil na verdade já que não posso simplesmente largar a espada e cantar
para meus inimigos caírem dormindo no chão. Mas serve às vezes.
- Você faz a pessoa sonhar com o que você quer? – Perguntei intrigada me lembrando
dos sonhos que Jeziel sempre me levava a ter e levantei da cama.
- Não. Só às vezes. O que dou a elas é a liberdade de fazerem o que querem. Qualquer
coisa. Até um pesadelo apavorante.
- Você me induziu a esse sonho? – Me lembrava do par de olhos dourados me
observando.
- Não exatamente, mas gosto de te ver dançar. – Seus olhos estavam intensos em mim
de novo – Você fica tão livre e tão alegre que me trás felicidade.
Normalmente eu ficaria sem graça, mas não fiquei. Pelo contrário, fiquei feliz em saber
que era capaz de provocar um sentimento tão agradável em alguém.
- Eu sei fazer outras coisas também - Brinquei com ele para disfarçar minha satisfação
de tê-lo em meu sonho. – Sei contar piada.
- Piada? – Ele não sabia o que era.
- É. Estórias engraçadas para fazer os outros rirem.
- Como aquela do porco de arame?
- Porco espinho e arame farpado - Tentava corrigi-lo.
- Você não é boa para contar estórias.
- Ah, fala sério! Minhas piadas são ótimas. Quer ver?
Ele arqueou as sobrancelhas aceitando o desafio.
- Você sabe por que o coelho usa óculos verdes?
- Primeiro me diga o que é um coelho e o que é um óculos.
- Tudo bem. Coelho é, um bichinho orelhudo e dentuço que anda pulando e óculos é um
objeto que usamos para enxergar melhor quando temos problemas de vista. – novamente fiz
gestos bem exagerados para ver se ele entendia.
- Hummhumm... – ele fingiu ter entendido.
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- Bem então você sabe por que o coelho usa óculos verdes?
Ele balançou negativamente a cabeça.
- É para ver de perto - Eu ri sozinha – entendeu? Verde, ver-de perto...
Ele me olhava sério.
- Tá bom. E que tal essa? Sabe por que ele usa óculos marrom?
Ele só me olhava pensando profundamente.
Eu gargalhei mais uma vez sozinha da minha própria piada, que em minha opinião, era
ótima.
- Pra ver marromenos! Marrom... mais ou menos... marromenos... – Eu me acabava de
rir sozinha olhando a cara perplexa que ele fazia.
- E para que ele usa óculos vermelhos?!
Ele cruzou os braços sobre o peito com uma cara... Com certeza me achando maluca.
- Para vermelhor!! – lancei animada e risonha e ele continuava a me olhar surpreso.
- Eu só queria entender porque um animal... esse tal de coelho, precisaria usar um...
óculos?
- Mas é exatamente aí que esta a piada.
- Garota, definitivamente, você não é boa para contar piadas.
- Eu? Sou ótima para contar piadas, mas não adianta contar para quem não tem cabeça
para entender.
- Agora eu que não entendo?
- Você é burro de mais para entender uma piada.
- Eu sou Burro?! – ele veio andando ameaçadoramente para o meu lado - Espero que na
sua linguagem isso seja um elogio porque senão, vou te pendurar de cabeça para baixo pela
janela.
Eu fugi da brincadeira e ele me perseguiu pelo quarto ameaçando me pegar.
- Não. - Eu corri - É um elogio. É um elogio lindo...
- Assim esta melhor. – Ele parou sorrindo - O que mais sabe fazer?
Pensei em algo que ele entendesse.
- Bom. - Peguei uma vareta que estava sobre a mesa dentro de um vaso e estendi a ele –
sei fazer fogo. – E coloquei fogo na vareta.
- Isso não tem graça. Quem é que não sabe fazer isso? – Ele pegou outra vareta e ateou
fogo nela.
- Poxa essa é minha maior proeza. – Falei fingindo decepção.
- Formamos uma bela dupla. Eu canto até o adversário dormir e você ateia fogo. Isso
pode nos ser muito útil.
Eu ri da idéia dele.
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- Eu não preciso atear fogo, eles vão morrer de tédio te ouvindo cantar e virarão fumaça
mesmo.
Aragorn parou sério avaliando o que eu disse me olhando de soslaio. Mas abriu um
sorriso em seguida.
- Essa sim é uma boa piada. – Ele ria animado - Eles viram fumaça... Morrem de tédio e
viram fumaça. – sorriu mais um pouco.
Agora eu que não estava entendendo. Talvez tivesse encontrado uma veia para o humor
negro. Mas estava satisfeita em vê-lo alegre. Nunca o vi sorrir assim desde que o conheci e o
sorriso dele iluminava todo aquele quarto. Ele estava muito a vontade comigo, especialmente
neste dia.
- Vamos Melissa esta na hora de irmos.
Vesti minha roupa antiga e fomos embora da pensão. Aragorn entrou em alguns lugares
tentando encontrar informações sobre Thiouryna e depois de vários lugares descobrimos que
morava ao norte da Fastatur e com um endereço que nos deram chegamos até lá.
Depois da ponte de pedras sobre o rio raso, numa casa de aparência simples e
construção aparentemente antiga com algum tipo de planta trepadeira que quase a cobria por
inteiro, era onde o endereço dado mostrava.
Pelo lado de fora chamei pelo nome incentivada por Aragorn.
Uma jovem de cabelos pretos e longos surgiu surpresa na janela.
- Olá... – Limpei a garganta para falar mais alto - Meu nome é Melissa e vim falar com
Thiouryna.
A garota da janela me olhou atônita. Mas saiu pela porta e veio nos receber.
- Quem você disse que é?! – Ela me perguntou perturbada.
- Sou Melissa – confirmei.
A garota colocou a mão no peito como se tivesse levado um grande choque e deu um
passo para trás me olhando alarmada. Me assustei com a cara que ela fez ao me encarar e
Aragorn também. Logo ela inspirou fundo e fez uma leve reverência com a cabeça para mim.
Aragorn me olhou desconfiado.
- Por favor, entre minha senhora - Ela ficou muito nervosa e agitada.
Dentro da casa as coisas eram muito simples mais graciosas. Ela nos fez sentar em
poltronas enquanto fechava as cortinas nas janelas pra manter a nossa privacidade.
- Onde esta Thiouryna? - Perguntou Aragorn.
- Ela já partiu à alguns anos.
- Ela morreu? – Agora quem estava alarmado era Aragorn.
- Mas ela me deixou encarregada de passar o que estava esperando pela minha senhora.
- Por favor, me chame de Melissa. – O olhar de Aragorn para mim já estava me
deixando aflita.
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- Me desculpe à falta de jeito. Por anos ouvi minha mãe falar que você viria e sempre
achei que era um delírio dela. E antes de morrer ela me fez jurar que esperaria por você e daria a
você algo que esta aqui por muito tempo te esperando. – Ela se comoveu e seus olhos se
encheram de lágrimas. - A coisa que ela mais queria na vida era ver seu rosto. Ela sonhava com
isso todos os dias.
Como alguém que até poucos dias eu nem sabia que existia, podia ter um desejo desses
em relação a mim?
- Mas ela não conseguiu esperar. Por causa da idade.
- Você é muito nova para ter perdido uma mãe pela idade. – Aragorn falou desconfiado.
- Ela me criou desde que meus pais morreram vítimas de Cordomad.
- E onde esta o que você disse que ficou esperando por mim?
- Esta lá dentro, vou pegar para minha senhora.
Quando ela saiu da sala Aragorn me bombardeou de perguntas.
- Que negocio é esse dela te chamar de minha senhora? Porque ela esta te tratando como
uma miragem? E agora que Thiouryna morreu o que você vai fazer? Para onde vai?
Eram tantas perguntas que eu preferi não responder a nenhuma.
A garota voltou com um pequeno baú em suas mãos e me entregou reverentemente. Ela
não se sentava, não me olhava diretamente. A cada gesto reverente da garota Aragorn ficava
mais nervoso.
- Isso não esta me cheirando bem. Hã, hã, não mesmo. – Ele falava ansioso – Sente-se
garota você esta me deixando nervoso. - Aragorn falou à garota que olhou para mim.
- Sente-se - Falei a ela que obedeceu prontamente.
Aragorn olhou para mim e para ela aturdido.
- Vamos abra logo esse baú. – Aragorn falou apreensivo.
Eu abri e ali estavam uma carta com meu nome. Pedras que me pareceram a chave de
um portal e dois braceletes com o desenho de uma rosa que se assemelhava a rosa que o pai de
Leo esculpira para dar a sua esposa a mesma que Leo me deu.
Aragorn tomou os braceletes das minhas mãos.
- Eu conheço esse brasão. É a rosa que deu nome a Andaluz a rosa Andaluz estava
esculpida em todos os utensílios do palácio. E em todas as bandeiras e no escudo do exército no
tempo do antigo rei. Esses braceletes são reais, usados com certeza por alguém que fazia parte
da guarda real. Melissa, de quem são esses braceletes?
Ignorei a pergunta de Aragorn e abri a carta que tinha meu nome escrito na minha
escrita que meu pai havia deixado.
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Olá minha filha, se você chegou até aqui é um bom e um mau sinal. Bom porque você
esta bem e chegou aqui viva. Mau porque se você precisou das coisas dessa caixa é que Jeziel
não esta com você.
Sei que deve estar assustada e com medo, mas logo tudo será resolvido. Essas pedras
são a chave de um portal que te trará direto a mim, mas elas não podem ser usadas em
qualquer lugar. Pois se for aberta fora do local determinado vai levar quem quer que tente a se
perder definitivamente pelo espaço. É uma proeza da profetisa Tamala para burlar os homens
de Cordomad e manter o exército do rei Jeriel seguro esperando o retorno do filho do rei.
Ninguém além de nós poderia ler essa carta. Ninguém conhece essa escrita como você não
conhece a escrita daqui, então por isso deixei com sua tia Thiouryna minha irmã para lhe
entregar quando chegasse. Sabia que estaria segura. Use o mapa que te dei e encontre a
montanha Mayata que na sua linguagem significa lenda. Pois muitos nem acreditam que ela
exista. Por isso foi escolhida por ser quase invisível, mas pelo mapa você a encontrará. No topo
da montanha virada para o sul, choque as pedras uma na outra para que elas se espatifem e o
portal se abrira e se fechara assim que você passar por ele. Ninguém conseguira te seguir.
Os braceletes que você encontrou no baú foram usados por mim durante anos e quero
que você os dê a quem quer que esteja te acompanhando nessa viajem. Semelhante a coroa ele
tem certos poderes e pode ajudar em sua defesa. Espero que nosso encontro seja em breve.
General Euri.
Seu pai.
Enquanto eu lia a carta Aragorn esperava olhando-me atentamente
- O que esta escrito aí?
- Que eu devo ira à montanha Mayata. – Falei pensativa.
- O que?! – Bradou Aragorn – Essa montanha fica no outro extremo de Andaluz. Nós
viemos até aqui para descobrir que seu destino esta do outro lado? Quem é o louco que esta te
mandando para lá?
- Meu pai.
- Essas coisas são do seu pai? - Ele falava colocando os braceletes em minha frente.
Assenti com a cabeça.
- Ah não, me diga que eu estou enganado. – Ele estava irritado – Me diga que você não
é filha de um soldado do exército rebelde.
- Não. Eu não sou filha de um soldado do exército rebelde.
- Ufa! – Respirou aliviado.
- Sou filha do general.
Ele me olhou atordoado se deixando cair na poltrona e segurando a cabeça preocupado.
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- Eu sabia. Eu pressentia que estava me metendo numa confusão. Eu soube desde o
começo, mas ao invés de ir embora... Não... Eu tinha que ficar, tinha que me meter nessa
história. As coisas vão bem para mim. - Ele falou num tom irônico - Além de ser um desertor
agora me tornei aliado do exército rebelde. – Ele suspirou - Cordomad vai colocar minha cabeça
a prêmio.
E agora? – Eu pensei - Sem Ernest, e tendo que ir para o outro lado de Andaluz. Como
eu iria chegar lá? Essa missão estava se tornando impossível para mim. Eu imaginava que
quando chegasse aqui a situação melhorasse, que ficasse mais fácil. Mas pelo que vejo...
O que vou fazer?
- Como é seu nome? – Perguntei a garota que nos recebeu, mas ainda não tinha se
apresentado.
- Meu nome é Yarrit, minha senhora.
- Yarrit, Me chame de Melissa. – Estava me sentindo desconfortável com a
demonstração de submissão dela. - Thiouryna disse mais alguma coisa a você?
- Não. Ela só me deu esse baú para te entregar e que você seguisse as instruções que
estão dentro dele.
- O que pretende fazer? – Perguntou Aragorn.
- Não sei, mas acho que não tenho escolha. Terei que ir até essa montanha.
- Ei garota, essa não é uma boa idéia. Deve ter outra coisa a fazer.
- Não há nada que eu possa fazer, tenho que encontrar meu pai.
- E pode me dizer como fará isso sem poder usar um portal? São dias incontáveis de
viagem por lugares desertos e para você, muito perigosos.
Eu percebi onde Aragorn queria chegar. Ele estava me dizendo que não me
acompanharia, ele já tinha se envolvido demais e também tinha outros planos.
- Não sei, mas eu tenho que tentar.
Ele me olhou e tenho certeza que viu que eu não iria desistir.
As horas se passaram e Yarrit muito prestativa nos serviu o jantar. Eu iria passar a noite
ali para partir no outro dia de manhã. Estava do lado de fora da casa olhando o movimento das
pessoas na rua quando Aragorn se aproximou e carregava consigo a bolsa que Ernest havia lhe
dado. Ele iria embora.
Aragorn se aproximou e sua mão correu do meu ombro até minha mão e a segurou
firme.
- Vou para Vanderlest. – Ele falava como se estivesse se desculpando.
- Você não precisa ficar. Seu contrato foi cumprido estou sã e salva na casa de Thiouryna.
- E seria bom que você ficasse aqui, sã e salva. Ou se quiser pode vir comigo.
- Eu preciso encontrar meu pai, Aragorn.
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- Como pode ter certeza que o encontrara? A carta que ele te deixou tem mais de dez anos.
A própria Thiouryna já esta morta. Talvez você chegue naquela montanha e não encontre ninguém.
Ele estava certo. Mas o que eu poderia fazer?
- Volte para sua casa então. Melissa você não pode lutar contra Cordomad. Eu não sei o
motivo pelo qual ele te quer, mas nunca vi ninguém vencê-lo. Não se mate. Tenho certeza que não
era isso que seu pai queria. Você deve ter pessoas esperando por você. Volte para eles.
O rosto de Biel e de minha mãe romperam em minha mente. Mas eu não podia desistir.
Aragorn viu isso em meu rosto.
- Obrigada por tudo. – Falei em despedida.
Ele alisou meus cabelos da raiz até as pontas em um olhar terno, soltou minha mão e passou
por mim.
Fiquei olhando ele se afastar até sumir das minhas vistas. Aragorn partiu sem olhar uma só
vez para trás.
Passei a noite na casa de Thiouryna na companhia de Yarrit que me tratou muito bem.
Era bom não ter que fingir ou me preocupar com cada palavra para esconder de onde eu era
ou quem eu era. Ela sabia muito bem. Yarrit fazia muitas perguntas sobre meu mundo e eu
pacientemente respondia a todas com certo ar de nostalgia, pois estava com saudades de casa.
Parecia ter se passado mais de um século que eu havia partido do gramado do meu jardim.
Não consegui dormir, não tinha mais a Aragorn para me acalmar e estava ansiosa com
minha viagem para a montanha.
De manhã me preparei e me despedi de Yarrit.
Saí da vila Fastatur pelo mesmo caminho que tinha entrado, e com o mapa na mão segui a
estrada de volta já que a montanha Mayata ficava no caminho inverso do que eu estava.
Preferi seguir o conselho de Ernest e não andar pela estrada. Segui floresta adentro e desta
vez sozinha. Temi pelos perigos que podiam me encontrar, mas preferi me focar no objetivo
principal que era encontrar meu pai e torcer para que nenhum dos Drevors de Cordomad me
encontrasse ou minha viajem seria bem curta.
Eu olhava o mapa e me desanimava. O caminho que ele mostrava de onde eu estava até a
montanha mesmo num pergaminho na minha mão parecia extremamente longo.
Andei toda a manhã e boa parte da tarde. A floresta estava tranqüila e o silêncio que às
vezes era rompido somente pelo canto de um pássaro ou pelos meus passos sobre folhas secas, me
mostrava que minha viajem seria bem tediosa sem ninguém para conversar.
O fim da tarde estava chegando e eu não poderia andar a noite, e com a experiência que tive
nos últimos dias sabia que precisaria preparar um acampamento. Resolvi escolher um local seguro
antes que escurecesse e juntei alguns gravetos para uma fogueira.
72
Consegui estar com tudo preparado quando a noite chegou e no começo da noite não
pareceu ser tão difícil quanto eu pensava. Sentei me aquecendo ao lado da fogueira que eu tinha
feito, mas quando o meio da noite chegou vi que aquilo era uma loucura.
A solidão me pegou, e sem perceber comecei a chorar. Eu estava sozinha numa floresta e
com medo, e aquela seria só a primeira noite. Muitas ainda viriam e eu não estava preparada para
enfrentá-las sozinha.
Eu sabia que não iria dormir, meus olhos passariam a noite abertos esperando ver algo de
assustador como um animal ou os soldados de Cordomad. E para piorar os gravetos finos, secos e
poucos da minha fogueira já tinham se queimado praticamente num todo. A fogueira não duraria a
noite inteira. As feras da floresta não seriam espantadas e eu seria um alvo fácil.
Enquanto eu tentava conter o pavor, algo me fez tremer mais ainda. Um ruído de passos
sobre folhas secas se aproximava de onde eu estava. A fogueira já era só um amontoado de brasas,
e não iluminava a floresta para que pudesse ter uma visão do que estava vindo ao meu encontro.
Puxei a espada das minhas costas e me posicionei para a luta. Se fossem os soldados de
Cordomad não me entregaria sem lutar, se fosse um animal eu tentaria me defender. Mas o medo
era tão grande que a espada tremia em minhas mãos.
Tentei me concentrar nos ensinamentos de Aragorn, mas uma parte do meu cérebro não
queria lutar, queria correr, dificultando assim minha concentração. E quando do meio da escuridão
saiu uma figura, vi que não precisaria ter uma luta com algum animal. Era um homem que surgia
entre as árvores, e ainda assustada vi seus olhos brilhado com o pouco de luz que vinha do
amontoado de brasas. Seus olhos de ouro.
- Aragorn! - Gritei feliz e aliviada.
Ele lampejou um sorriso maroto para mim. Seu sorriso que o deixava com o rosto de anjo
levado.
Soltei a espada e corri até ele o sufocando num abraço que misturava agradecimento, alívio,
felicidade e afeição.
- Não consegui ficar longe de você. – Ele falava num tom de insatisfação de quem admite
uma fraqueza. - Eu definitivamente tenho um gosto por problemas.
- Você veio. Obrigada Aragorn.
- Isso não quer dizer que concordo com essa loucura.
Eu sorri para ele. Estava tão feliz em vê-lo, era muito bom estar com ele novamente.
- Vamos fazer o seguinte - Ele falava desfazendo-se do meu aperto - Eu levo você a essa
montanha se você me der algumas coisas.
- Eu não tenho como te pagar. – Falei decepcionada.
- Não é pagamento que quero.
- O que quer então?
73
- Respostas. – Ele me olhou fixamente - Eu vim até aqui sem saber quem é você, de onde
você é, e o porquê você esta nessa viajem maluca. Você me dá as respostas e eu a levo à montanha.
Ernest tinha dito para que eu não contasse nada. Mas ele achava que quando chegássemos
aqui não precisaríamos mais dele. Só que eu preciso, ou nunca chegarei a essa montanha. Não
posso andar por Andaluz sozinha. Eu teria que concordar com suas exigências.
- Eu te darei algumas respostas. – Negociei - Algumas não envolvem só a mim. O que você
perguntar de minha vida eu responderei esta bem? O que envolver outras pessoas não.
Ele não ficou satisfeito. Mas concordou.
- Tudo bem. Temos um acordo. Então, primeira pergunta. Quem é você?
- Meu nome é Melissa Sater, filha de Eliana e do general Euri, ex-general do exército do rei
Jeriel e agora líder do exército rebelde.
- Muito bom Melissa. - Ele continuou - Porque Yarrit te chamou de minha senhora e
reverenciava você o tempo todo?
- Isso envolve outras pessoas. Não posso responder.
Ele me olhou fixamente e contrariado.
- De onde você veio?
Respirei fundo pensando que seria tão difícil para ele quanto foi para mim acreditar quando
Jeziel contou que era de outra dimensão. E o pior, não tinha nada que eu pudesse fazer para
convencê-lo, como me acender feito uma lanterna. Isso não era novidade para ele.
Talvez eu pudesse ficar parada a sua frente fazendo cara de trouxa e papel de idiota. Isso
tinha que ser o suficiente para provar que eu falava a verdade. Ele ia acabar pensando que eu era
completamente louca. Mas fazer o que?
- Eu vim de outra dimensão. Outro mundo fora de Andaluz.
Ele parou me olhando calado. O silêncio e os olhos dele me sondando me fizeram pensar
que talvez estivesse examinando minha sanidade mental. Esperei que ele caísse na gargalhada, mas
não aconteceu.
- É. – falou finalmente - Você não podia mesmo ser desse mundo. – Ele pareceu aceitar
mais fácil do que pensei. Fiquei surpresa. Nenhum riso, nenhuma dúvida, nem um olhar de
desconfiança.
- O que veio fazer aqui?
- Isso envolve outras pessoas.
- Certo. Então como chegou aqui sem Cordomad ou a feiticeira Erkas descobrirem você?
- Através de um portal que me levou a um lugar protegido por magia.
- Que lugar é esse, Como se chega lá?
- Há uma chave desse portal em minha mochila, só se chega lá através dele. – Eu não iria
dizer qual era o lugar e ele percebeu.
Ele andou pelo meu acampamento com a mão puxando o cabelo para trás.
74
- Acabaram as perguntas? – Indaguei.
- Por agora sim, se quero tirar informações de você tenho que formulá-las melhor. - Ele
olhou para o amontoado de brasas – Primeiro vou ter que te ensinar a fazer uma fogueira decente.
Pela primeira vez naquele dia estava me sentindo bem e com esperanças. Não sabia o
que o destino me reservava, mas enfrentá-lo com Aragorn ao meu lado seria bem mais fácil.
Ele refez a fogueira e podemos então nos aquecer.
- Você foi a Vanderlest? – Perguntei.
- Fui, e resolvi o que precisava por lá. Agora sou um feliz proprietário da minha própria
ilha. - Fiquei feliz por ele – E depois que tudo isso acabar... Se conseguirmos sair dessa vivos,
vou te levar para conhecê-la.
Já era bem tarde. Me enrolei em minha capa me deitando sobre uma cama improvisada
ao lado da fogueira. Aragorn estava do outro lado. As chamas da fogueira davam um brilho de
sépia em seu rosto e um calor especial a seus olhos. Era reconfortante olhar para ele. Estava me
sentindo tão segura que naquela noite facilmente caí no sono.
CAPÍTULO 8
Por dias viajamos sem o menor sinal de perigo. Aragorn com seu jeito sempre muito
atencioso e cordial estreitava cada dia mais nossa amizade. Agora que ele sabia de onde eu
vinha as nossas conversas ficaram ainda mais interessantes. E suas perguntas bem mais
formuladas. Mas eu sempre dava um jeito de dar-lhe somente as respostas que não revelariam
realmente minha intenção aqui. Não queria envolve-lo mais do que já estava. Poderia ser
perigoso para ele ou para mim.
Ele estava mais animado e mais a vontade ao meu lado. Por esses últimos dias o vi
sorrindo mais, e já o estava conhecendo melhor. Ele não era como os bárbaros guerreiros que
estava acostumada a ver em filmes épicos. Aragorn era gentil, especialmente educado,
cavalheiro, protetor, inteligente e muito sexy.
Nossos dias se passavam com nossa caminhada pela floresta e minhas aulas de espada e
de luta corporal na qual sentia ele mais perto.
Numa noite ao redor da fogueira, Aragorn distraído cuidando de suas armas chamava a
atenção do meu olhar.
- Aragorn, desde que você saiu do exército, como tem conseguido fugir de Cordomad?
75
- Eu não sou ameaça para ele. Ele tentou me encontrar algumas vezes, mas não sou
prioridade. Com certeza ele deve imaginar que eu esteja morto. Tinha bastante tempo que não
precisava enfrentar seus soldados. Você tornou minha vida um pouco mais movimentada.
Sorri sem graça para ele.
- Me desculpe.
- Não se preocupe com isso. Foi até bom. Eu estava ficando um pouco ocioso e um
tanto quanto enferrujado. Além do mais, sua companhia é um prazer.
- Também estou contente por ter sua companhia.
- Isso é verdade, ou é só o fato de ter alguém para te manter viva?
- Gosto mesmo da sua companhia. – Revelei.
Ele se levantou vindo a minha direção se abaixou a minha frente, estendeu seu braço
para trás do meu pescoço deixando seu rosto a centímetros do meu me encarando
profundamente fazendo meu corpo todo gelar. Ao se afastar a espada que estava em minhas
costas agora estava em sua mão. Ele me entregou e se sentou ao meu lado me dando também
uma pedra de amolar.
- Segure. Você precisa aprender a cuidar da sua espada. – E passou a me ensinar a afiá-
la.
Sentado ao meu lado, especialmente nesse momento, eu estava altamente consciente da
nossa proximidade. Mais até do que devia.
Pelos dias ainda pela floresta, Aragorn e eu estreitávamos ainda mais nosso convívio.
E o olhar dele quando não estava vasculhando a floresta em vigília estava furtivamente
em mim. Cada passo, cada mergulho em um rio, cada gesto meu era observado por ele que às
vezes desviava o olhar quando eu me virava. Eu devia, mas não me aborrecia com isso, era na
verdade muito lisonjeiro. Ele era um gentleman em tudo.
Eu também passei a observá-lo mais. Seu rosto muito bonito, seu sorriso maroto e
encantador que de tão belo me dava vontade de provocá-lo com minhas piadas e brincadeiras
que a maioria ele não entendia, mas pelo menos o fazia sorrir.
Seus olhos sempre claros e penetrantes sempre pareciam que viam além de mim quando
me olhava, e me passava uma confiança incondicional. Mesmo comigo notando seus olhares e
suas investidas ele jamais avançava além do que eu permitia.
Seu corpo moldado de um guerreiro era agradável de se ver. E sua voz firme e
melodiosa preenchia nossas noites enquanto ele cantava para as estrelas até que eu adormecia.
76
Fazendo o caminho de volta chegamos à vila Passuir onde havia conhecido o
curandeiro. Aragorn quis passar na casa de seu amigo já que teríamos muitos dias ainda de
viagem.
Erzoul ficou surpreso em nos ver e triste com a notícia da morte de Ernest, mas nos
recebeu com a mesma hospitalidade de antes. Por todo o dia Aragorn e Erzoul brincaram como
velhos amigos e muitas vezes conversavam em silêncio. O que fazia Aragorn olhar de cara feia
para Erzoul e eu tinha a impressão que era sobre mim que falavam.
Quando bateram na porta eu me preocupei com quem poderia ser, mas Erzoul abriu a
porta tranquilamente.
- Lariana! – Exclamou Erzoul.
- Oi pai - Uma voz feminina e docemente delicada vinha da porta.
Ao entrar uma ruiva de cabelos curtos olhou diretamente para Aragorn que estava de pé
na sala.
- Aragorn que surpresa! – Ela saltou para Aragorn num abraço. Muito satisfeita em vê-
lo.
- Lariana – Aragorn falou animado – Como é bom te ver.
Os dois se encararam por uma fração de segundos. Tempo suficiente para eu perceber
algo a mais no sorriso dela.
Lariana olhou para mim sentada na poltrona.
- Esta é Melissa – Apresentou-me Aragorn.
Quase tive a impressão de ver o sorriso dela diminuir.
Com seu sorriso simples me cumprimento. E voltou seus olhos para Aragorn.
- O que ouve Lariana, você nunca vem aqui, algum problema? - Perguntou Erzoul.
- Eu só vim ver meu velho pai. Estava com saudades. – Ela o abraçava.
- Que bom minha filha, estou feliz que tenha se lembrado de seu pai.
- Pai, você sabe que não me esqueço de você. – Ela justificava – Só não ando tendo
muito tempo livre.
- O que anda fazendo?- Aragorn perguntou curioso.
- Estou tomando aulas com um curandeiro na vila Vitocarpa. Quero me tornar uma
curandeira tão boa quanto meu pai.
- E porque não esta tomando aulas com seu pai? Vitocarpa fica muito longe.
- Ele não tem muita paciência para ensinar e eu não tenho muita paciência com as
rabugices dele. E é bom estar longe desse lugar que me trás algumas lembranças que eu devia...
esquecer. – Lariana olhou para mim novamente.
- Estou levando Melissa até a montanha Mayata. – Ele respondeu a uma pergunta a
Lariana não feita com os lábios. Então ela sorriu para ele novamente.
77
No decorrer do dia eles conversaram animados sobre assuntos que eu desconhecia, mas
Aragorn sempre tentava me deixar a par da conversa.
- ...Bom então teremos uma noite bem divertida. Que tal sairmos para beber? – Sugeriu
Erzoul.
- Ótima idéia – Disse Aragorn.
Fomos até o bar onde muitas pessoas já estavam bem animadas regadas pela bebida. A
música alegre mantinha a todos eufóricos. Desta vez preferi não me ariscar em nenhuma bebida
já que tinha lembrança ainda da minha última experiência. Mas Erzoul, Lariana, e Aragorn
estavam bem animados.
Lariana contava velhas lembranças de Aragorn fazendo com que todos rissem e Erzoul
a ajudava tentando fazer com que Aragorn ficasse mais constrangido. Eu ouvia meio que alheia
a conversa porque a intimidade que Lariana expressava ter com Aragorn me incomodava.
- Você lembra dessa música? - Perguntou ela para Aragorn enquanto a banda mudava os
acordes. – Você gostava de dançar comigo. Vamos! – Ela segurou a mão de Aragorn tentando
levá-lo para o meio do salão.
- O que me Lembro é que você tinha dois pés esquerdos, e sempre pisava nos meus
quando tentava dançar.
- Pare com isso – Protestou Lariana. – Venha, vou te mostrar que está enganado.
Ela o arrastou e os dois dançavam animadamente.
- E você Melissa, Não vai dançar?
- Ah não... Obrigada. – Respondi a Erzoul olhando furtivamente para Aragorn que
sorria para Lariana.
- Eles se conhecem à muito tempo? Parecem muito amigos – Perguntei a Erzoul
querendo saber qual o grau de envolvimento dos dois diante de tanta intimidade.
- Quando trouxe Aragorn ferido para casa, Lariana ainda estava comigo. Ela me ajudou
a cuidar dele. E pelo tempo que ele ficou aqui se tornaram grandes amigos. Posso dizer que até
um pouco mais que isso, e eu até faria muito gosto que desse certo, mas Aragorn é impulsivo.
Faz o que quer e na hora que quer. E se achava muito jovem para se prender a alguém. Queria
viajar, viver aventuras... E então partiu. – Ele olhou para os dois e eu segui seu olhar. - Ela
sofreu um pouco, mas superou. É assim que os amores são, eles vêem e vão quando agente
menos espera.
Aragorn olhou sorrindo para mim enquanto dançava.
- Ele gosta de você. – Falou Erzoul me surpreendendo. O que ele disse me chocou de
imediato. Vi em seus olhos o que ele estava querendo dizer. – E você gosta dele.
- Não... – Respondi apressadamente – Quer dizer, gosto dele, mas como amigo.
- A amizade pode ser só um começo. Já vivi tempo o suficiente para reconhecer um
olhar como o que vocês trocaram.
78
- Não. Você esta enganado, eu não posso gostar dele... Eu... Tenho...
Ele me interrompeu.
- Quem somos nós para dizer ao coração o que pode ou o que não pode fazer, de quem
pode ou não pode gostar. – Ele segurou uma das minhas mãos que estavam sobre a mesa -
Melissa tire a culpa, tire o medo de seu coração e ouça o que ele esta te dizendo. Ouça ele te
dizendo que quem devia estar ali dançando com Aragorn era você. Ou também estou enganado
em pensar que esta com ciúmes? – Ele deu um meio sorriso - E olha só para ele dançando com
Lariana, não tira os olhos daqui preocupado se não te deixara chateada.
As coisas que Erzoul disse estavam martelando na minha cabeça.
- Aragorn sabe que você gosta dele. Ele só esta esperando sua decisão.
- Não. – Falei tirando minha mão da dele irritada. – Você não sabe do que esta falando.
- Eu sei o que vejo. Um dos meus dons é interpretar as pessoas mesmo que não possa ler
seus pensamentos, ou não poderia ser um curandeiro. O que eu faria quando alguém chegasse
desmaiado até mim? E o meu dom me diz que você Melissa esta lutando para esconder de si
mesma o que sente por Aragorn. - Enquanto Aragorn e Lariana voltavam a mesa Erzoul colocou
sua mão sobre a minha. – Essa conversa fica só entre nós, eu sei que você não gostaria que
Aragorn soubesse do que falamos.
Aragorn e Lariana sentaram-se a mesa trocando ironias um com o outro sobre a dança.
Tentei disfarçar meu desconforto da conversa, mas Aragorn percebeu que algo estava me
incomodando.
- Melissa, tudo bem? - Ele me perguntou olhando desconfiado para Erzoul que
permanecia com seu semblante tranqüilo.
- Só estou cansada. – Menti.
- Se quiser podemos ir dormir, já esta bem tarde e amanhã saímos cedo.
- Sim, eu quero. – Respondi.
- Você se importa Erzoul... Lariana?
- Claro que não, vão descansar, e não esperem por nós. – Falou Erzoul.
Lariana acenou com a mão nos despedindo, evidentemente descontente por Aragorn
querer se retirar.
No caminho para casa de Erzoul eu estava em silêncio.
- O que esta te incomodando garota?
- Nada. – Respondi.
- Erzoul falou alguma coisa que te aborreceu?
- Não. – Menti.
- Eu sei que falou, só não sei o que foi, ele bloqueou a conversa.
Aragorn se posicionou em minha frente me fazendo parar e segurou em meus ombros
me fazendo olhar para ele.
79
- Melissa, confia em mim, eu quero que você saiba que eu jamais te magoaria. Não
precisa me esconder nada, seja o que for estarei do seu lado.
Eu estava me sentindo péssima com toda aquela demonstração de afeto depois do que
Erzoul me disse. Aragorn não queria me magoar, mas eu sabia que ele sairia magoado se eu lhe
contasse tudo como ele gostaria que eu fizesse. Não tive mais coragem de olhar em seus olhos e
prossegui andando.
Na casa de Erzoul Aragorn preparou uma cama para mim na sala.
- Eu vou tomar um banho - Disse ele – Você pode se deitar. Amanhã bem cedo nós
partimos.
Enquanto ele tomava seu banho, eu me revirava sob o cobertor. Não era possível o que
Erzoul me dissera. Ele estava enganado em seu dom. Eu ainda amo Leo, estava ali por ele.
Mesmo que ele tivesse partido me deixado para trás sofrendo e mesmo que entre nós tudo
tivesse terminado. Estava ali por Leo. Aragorn é uma pessoa encantadora, é bonito, difícil não
se admirar com ele, mas era só isso. Admiração. Eu amo Leo. Ele me fez sofrer, mas tinha sido
enganado. Eu sabia disso. - E tentava me convencer mesmo disso.
Angustiada em meus pensamentos me levantei pegando a coroa que estava em minha
mochila. Me certifiquei se Aragorn ainda estava no banho e mesmo me lembrando das
recomendações de Ernest para que não a usasse, coloquei-a sobre a cabeça. Eu tinha que ver
Leo, eu precisava vê-lo e perceber que meu sentimento por ele não havia mudado.
- Me mostre Leo – Sussurrei segurando a coroa em minha cabeça e a visão que era
esperada não aconteceu. – Mostre-me Jeziel – Tentei, mas mesmo assim nada apareceu –
Mostre-me a sala do rei – A visão se abriu no lugar exato onde Leo estava preso a última vez
que o vi. Mas não havia ninguém. Não estava entendendo porque não conseguia vê-lo e insisti
mais uma vez. – Quero ver Leo agora sua coroa estúpida. – Falei irritada e preocupada, mas
tudo que vi foi uma nevoa escura se formando no centro da sala do rei.
Quando Aragorn saiu do banheiro se movendo para a sala secando os cabelos. Retirei
apressadamente a coroa e guardei novamente na mochila.
- O que foi, Perdeu o sono?
Confirmei com a cabeça feliz por ele não ter visto nada.
Aragorn se sentou na poltrona a minha frente. Eu sabia que ele não iria dormir antes de
mim, então me deitei novamente e cobri minha cabeça tentando escapar de qualquer outra
pergunta. E pensei, no porque não consegui ver Leo. Mas mesmo sem vê-lo imaginei que Ernest
se precaveu demais quanto a usar a coroa fora da colina do rei. Nada que ele temia aconteceu.
Os soldados de Cordomad não apareceram. Tudo estava perfeitamente normal. Ou talvez
levasse algum tempo para eles aparecerem. Eu ficaria alerta.
De manhã partimos sem nos despedir para continuarmos nossa viagem.
80
Depois da conversa com Erzoul, os olhares de Aragorn em mim tinham outra
conotação. Eu já havia percebido que ele não era indiferente, mas saber que ele gostava de mim
era diferente. Eu não sabia o que isso poderia significar, principalmente por eu gostar tanto da
companhia dele e saber agora que toda sua gentileza, todo seu cuidado e todas às vezes que ele
se aproximava de mim podia ser por esse fato. Mas eu não conseguia ficar incomodada com
isso. E nossa viajem pela floresta continuava muito agradável. E eu continuava tentando fazê-lo
entender minhas piadas.
Caminhando a beira de uma montanha, onde Aragorn ia alguma distância a minha
frente, num passo em falso escorreguei por uma ribanceira quando pisei em um monte de folhas
secas e escorregadias.
- Aragorn! – Gritei assustada para ele que se virou imediatamente correndo em minha
direção. E antes que eu deslizasse montanha abaixo ele me segurou pela mão me puxando para
cima.
- Pronto garota, você esta segura agora. – Falou quando me colocou sentada em
segurança perto dele. Eu segurava tão forte sua mão que ele teve que olhá-la na indicativa de
que eu poderia solta-la agora.
Quando soltei sua mão ele olhou para mim e sorriu.
- Do que esta rindo? – Perguntei ainda com a voz trêmula pelo susto.
- Seu cabelo. – Ele ergueu a mão retirando algumas folhas secas que tinham se
emaranhado na minha queda.
Imaginei que eu devia estar ridícula. Tentava arrumar o cabelo enquanto ele ainda
retirava algumas folhas.
- Você esta linda como... uma estrela. – Falou docemente.
- Uma estrela Cadente. – Ironizei.
- Que caiu aqui para dar brilho em minha vida.
Não havia mais nada o que dizer. Os olhos de ouro de Aragorn nos meus refletiam que
eu estava feliz com o que ouvi.
Ele se levantou e me deu a mão para me apoiar a levantar e caminhou comigo por toda a
encosta da montanha de mãos dadas, talvez para que eu não caísse de novo ou por pura vontade
de segurar minha mão.
81
Capítulo 9
Depois de mais de duas semanas viajando, a preocupação em relação a coroa já tinha
desaparecido e não voltei a usá-la só para que Aragorn não a visse.
Estava tudo tão calmo e sem surpresas que quase me esquecia do objetivo da viajem.
Estar ao lado de Aragorn era muito bom. Na verdade ele fazia a viajem se tornar
agradável a cada momento.
Minhas aulas com a espada e com a luta corporal já tinham avançado alguns níveis.
Nossa amizade também já tinha subido alguns degraus. Ele era uma pessoa maravilhosa,
espontânea e muito divertida apesar da sua maturidade que às vezes me deixava sem graça. Ele
não parecia se importar com minhas meninices mesmo quando me recusava a treinar fazendo
beicinho e cruzando os braços em birra.
Ele era extremamente paciente comigo e carinhoso. Os cuidados, a atenção que ele
dispensava a mim, e cada noite que ele me fazia dormir ao som da sua melodia me aproximava
mais dele. Com Aragorn eu me sentia muito a vontade. De uma forma que eu não havia sido
com ninguém. E apesar dos segredos que tinha que esconder dele, conseguia ser eu mesma ao
seu lado.
Chegamos num campo aberto e lindo e vários arbustos de rosas delicadamente coloridas
enchiam o lugar de beleza. Fiquei maravilhada com a vida daquele lugar. Estava tão acostumada
a paisagem verde e marrom da floresta que meus olhos festejaram ao ver as cores. Aragorn
passou por uma roseira arrancando uma das rosas e me ofereceu. Meu coração se alegrou e
retribui seu gesto com um sorriso.
- Que tal acamparmos aqui hoje? – Sugeriu.
- Mas ainda esta cedo. – Estranhei.
- Eu sei que você esta com pressa de chegar a montanha. Mas algumas horas não fará
diferença. Ela não vai sair de lá. – Brincou.
- Aragorn, você tem algum plano para mim? – Desconfiei. Sempre que ele parava nossa
caminhada mais cedo era para algum tipo de treinamento.
- Não. Hoje vou te dar uma folga.
Fiquei surpresa.
82
- Tem certeza? Não vai me fazer subir em árvores para pegar frutas nem me fazer
pescar?
- Não.
- Nada de espadas? Ou de bastão?
- Nada.
Me aproximei dele colocando minha mão em sua testa simulando medir sua
temperatura.
- Esta doente? – Brinquei.
Ele segurou minha mão descendo meu braço suavemente e me olhando de uma forma
indescritível.
Seus olhos de ouro conseguiram brilhar ainda mais. E me paralisaram. De repente o ar
que era de brincadeira entre nós, ganhou outra entonação. Eu não me movi porque não tinha
vontade de sair daquela atmosfera.
Por segundos ficamos ali nos olhando, sem ter o que dizer ao outro. A presença dele tão
perto não me constrangida, não me dava nenhum tipo de reação contraria. Só era bom, muito
bom ficar perto dele.
A noite chegou extremamente quente e acampamos na beira do rio que banhava o
campo. A noite estava linda e clara. Mergulhei nas águas frescas e cristalinas sob o olhar atento
e protetor de Aragorn. Enquanto nadava jogava água para alcançá-lo provocando-o. Ele só fazia
uma careta me repreendendo, mas não parecia se chatear com minha brincadeira infantil.
Quando saí da água sacudindo meus cabelos molhados sobre ele. Ele me segurou pelos
braços e me jogou novamente no rio.
- Se fizer isso de novo te amarro numa árvore de cabeça para baixo. – Ameaçou.
- Você não tem coragem – Desafiei.
- Quer apostar? - E deu as costas voltando para o lugar que estava.
Saí do rio de novo, tentada a jogar água nele novamente, mas não me arriscaria, ele
geralmente cumpria o que falava mesmo quando estava brincando. Não queria ficar de cabeça
para baixo pendurada numa árvore a noite toda.
Me dirigi na sua direção me sentando ao seu lado e desta vez me comportei. Ele me
olhou desconfiado em que eu estivesse planejando um ataque surpresa.
- Esta com medo de mim?- Falei brincando.
- Agora não.
- Agora não?! Quer dizer que tem momentos que você tem medo de mim?
- Somente em alguns momentos.
- Quando estou com a espada em nossos treinamentos? – Perguntei ainda que duvidasse
disso. Ele era tão ágil que parecia ser inatingível.
- Sua espada? É mais fácil ferir a você mesma do que a mim. – se gabou.
83
- Então quando? – Eu queria mesmo saber como um homem forte como Aragorn
poderia temer a mim.
Ele respirou fundo e se levantou para sair dali sem dar a resposta.
Sua fuga atiçou ainda mais minha curiosidade.
Me levantei rapidamente e corri atrás dele. Pulei em sua frente fazendo-o parar com
minhas mãos em seu peito.
- Agora você vai ter que me dizer quando é que você sente medo de mim. – Falei
brincalhona.
Sua mão desceu por meu cabelo e ajeitou minha franja. Esse simples gesto tinha um
peso tão grande sobre ele que eu daria tudo para entender seu significado. E ainda esperava
ansiosa por sua resposta.
- Em momentos como esse em que você esta tão perto de mim, eu sinto medo. Não
medo de você exatamente, mas do que pode, ou do que não pode acontecer.
Ele tinha um jeito especial de falar de seus sentimentos, e eu sabia do que ele estava
falando porque às vezes eu também tinha esse mesmo medo. Estávamos muito juntos nesses
últimos dias, e cada proximidade nossa gerava em mim a sensação de que alguma coisa estava
por acontecer. E agora eu sabia que esse sentimento não era só meu.
Ele se esquivou de mim e continuou andando até a fogueira. O segui e me sentei
próxima ao fogo para que minhas roupas se secassem. E dei assim como ele, o assunto por
encerrado.
Do outro lado da fogueira ele cuidava de suas armas em silêncio. Mesmo o silêncio da
noite, cortado somente pelo crepitar do fogo, não parecia realmente mudo. Havia um som, um
som no silêncio. Um som que viajava de onde Aragorn estava até mim. Como ondas sonoras
sem ruído. Como ondas que se moviam entre as moléculas do ar e me envolviam de forma que
me deixava ligada a presença de Aragorn nessa noite, mais do que as outras. A única
comparação que eu conseguia obter era de uma mudança drástica no clima como se saíssemos
de um lugar frio e turbulento e entrássemos de repente num lugar aquecido e tranqüilo. Era
assim... tranqüilo, acolhedor, quente... era... Aragorn.
Quando ele notou que eu o olhava, me lançou um sorriso perfeito.
- Você esta muito calada. Ainda não me contou nenhuma de suas piadas.
- Não seja por isso – lhe sorri de volta – Você conhece aquela dos dois fanhos que
queriam roubar um pato no quintal do vizinho e...
Ele gargalhou por antecipação. O bem da verdade era que para ele entender as piadas
sem compreender os elementos nela seria impossível achar graça, mas me parecia que ele se
divertia só por me ver representando os personagens. E eu me divertia também. Provocar o
sorriso de anjo levado dele era a recompensa por me esforçar tanto fazendo com certeza papel
de boba para que ele entendesse.
84
Aquela noite estava longa. Conversamos muito, rimos bastante e brincamos. Jantamos e
mais tarde Aragorn foi se deitar do outro lado da fogueira como sempre, com os braços sob a
cabeça, sua posição preferida, para ver o céu. E eu me deitei também para dormir.
Aragorn nunca dormia antes de eu ter pegado no sono. E nesse dia eu estava
especialmente agitada, talvez por causa do calor que estava sentindo. Não entendia o porquê
apesar de ter passado boa parte da noite dentro d'água.
Vi que não iria dormir muito fácil. Rolei algumas vezes sobre a cama improvisada, e
desisti. Me virei para Aragorn e ele estava tranqüilo como sempre e na mesma posição.
- Aragorn – Chamei sua atenção.
Seus olhos de ouro viraram para mim esperando que eu falasse.
- Estou sem sono.
- Percebi.
- Você é sempre tão tranqüilo.
- Porque sempre estou onde quero estar.
- Você queria estar no meio dessa mata? – Falei confusa - Não queria estar em sua ilha,
em sua casa?
- Estou muito bem aqui. – Ele estava se referindo a algo que eu não podia captar.
- E quando for para sua ilha, vai mesmo morar sozinho lá?
- Não sei.
- Teria alguém que você quisesse levar?
- Talvez.
- Lariana, por exemplo?
Ele não respondeu.
- Ela ainda gosta de você.
- Foi isso que Erzoul falou a você?
- Ele me falou que vocês já foram bem íntimos. E que ele faria muito gosto que tivesse
dado certo.
- Não daria certo.
- Porque não?
- Ela é muito parecida comigo.
- E isso é problema?
- No nosso caso era.
- Você já gostou de alguém?
- No passado?
- Sim, você nunca encontrou alguém que te fizesse querer estar com ela para sempre?
- Já, mas não esta no meu passado.
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A forma como ele me olhou e o tom de sua voz foi um sinal para eu não insistir nessa
conversa que estava caminhando para outro rumo que eu não estava preparada para enfrentar.
Me calei e mais uma vez rolei de um lado para o outro tentando dormir sem conseguir.
Estava ansiosa sem motivo, pois estava tudo tranqüilo. Nervosa sem razão. Agitada ao extremo.
Alguma coisa estava me incomodando naquela noite perfeita e de céu exuberantemente
estrelado.
- Aragorn – Chamei sua atenção novamente e novamente ele me fitou serenamente com
seus olhos dourados. - Canta para mim.
Sem dizer uma palavra ele voltou seu rosto para o céu, respirou fundo e começou a
cantarolar sua música. Cantar para Aragorn era algo tão natural como respirar. Sua voz macia e
agradável completava a noite.
Fiquei olhando o movimento de seus lábios enquanto ele admirava as estrelas que
pareciam brilhar mais em resposta a sua canção. A agitação em mim sumiu e fechei meus olhos,
mas me neguei a dormir. Queria ouvi-lo mais. E assim fiquei de olhos fechados ouvindo sua
voz.
Depois de um tempo acabei adormecendo e a música continuava a soar dentro de mim e
o sonho chegou.
Iluminado como sempre, novamente dancei, mas havia uma diferença desta vez. Eu
percebia estar no controle agora. Eu pensava numa cor enquanto dançava e a luz brilhava como
eu queria, acrescentei as flores que vi no campo e elas giravam ao meu redor. Eu sabia que era
um sonho e isso me dava ainda mais liberdade. Aí é que esta a magia do sonho, o dom de
Aragorn. Podemos fazer tudo que quisermos.
Não sei por quanto tempo dancei sem sentir cansaço ou vontade de parar, e chamei por
Aragorn. O par de olhos dourados me apareceu. Eu estava sonhando então não precisava
reprimir a vontade que estava de me aproximar dele. Fui andando em sua direção olhei seus
olhos e ali em meu sonho o abracei. Um abraço terno que a muito queria coragem para dar.
Seus braços se demoraram a me envolver, talvez esperando ter certeza do que eu estava
fazendo. Mas recostei meu rosto em seu peito e pude ouvir seu coração que batia forte. Ele
então me envolveu em seus braços e dançou comigo por um longo período de tempo. Não
dissemos uma palavra, mas sabia que estava dizendo mais a ele em silêncio em seus braços do
que uma frase pudesse.
Eu podia sentir o perfume suave de sua pele e o calor de seu corpo, o toque de suas
mãos em minhas costas e nos meus cabelos. Um sonho tão cheio de detalhes que abrilhantava
ainda mais minha fantasia.
Nos braços de Aragorn eu estava livre e segura. No meu sonho sem medo e sem culpa.
E ele estava feliz. Era quase palpável a felicidade que estava em seu coração. As batidas
de seu coração me comoveram de tal forma que me questionei do porque não tinha me
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permitido ouvi-las antes. Não era um simples pulsar... Eram minhas, eu sabia, cada uma
daquelas batidas... cada uma delas... minhas.
Quando paramos nosso bale, ergui meu rosto para o dele admirando o brilho
incandescente de seus olhos de ouro. Viajei em cada traço seu e na serenidade de sua expressão.
Ele estava especialmente belo em meu sonho. E com a cumplicidade do seu olhar no
meu, lhe sorri.
Aragorn passou a ponta de seus dedos em minha franja. Ela estava um pouco crescida e
me cobria de leve os olhos. Ele fazia isso talvez querendo que eu pudesse ver melhor seus
sentimentos. Um gesto em metáfora. Uma linda metáfora... Depois deslizou carinhosamente
seus dedos por meu rosto e o segurou com as mãos. Aproximou seus lábios a centímetros dos
meus. Eu poderia ter me afastado, e era exatamente o que ele esperava que eu fizesse, como
sempre. Mas era um sonho e eu não queria me privar do que estava sentindo.
Insanamente não me afastei, e Aragorn tocou meus lábios com os seus delicadamente.
Quando se convenceu que eu não lhe negaria o beijo me tomou mais em seus braços.
Na medida da minha entrega ele depositava mais paixão e eu correspondia depositando
todo o sentimento que eu sufocava, e me surpreendi ao perceber a quanto tempo eu ansiava por
esse beijo, por sentir o calor a doçura e o sabor dos seus lábios.
Seu beijo foi tão voraz como delicado. Como se ele tivesse o poder de prolongar o
momento por toda a eternidade sem nunca diminuir-lhe a importância e a necessidade. Não
havia pudor nem dúvida, era puro, certo e sagrado. Um beijo apaixonado... Absurdamente
perfeito e desejável.
Quando ele se afastou lentamente, ainda sentia suas mãos no meu rosto a doçura de seus
lábios e o calor agradável do seu hálito, então enlevada abri os olhos, mas não havia um sonho.
Eu estava de pé no campo de flores com Aragorn a minha frente sob a luz das estrelas
segurando meu rosto em suas mãos me olhando intensamente. Eu havia andado de onde estava
deitada até ele e não sabia como, mas estava ali.
E o beijo...
Não foi um sonho.
Seu rosto nunca esteve tão glorioso e sua presença nunca fora tão potente. As enormes
árvores... todas as enormes coisas em Andaluz que nos cercavam pareciam agora tão
insignificantes diante da presença dele, diante do sentimento que emanava dele.
Ainda envolvida pelas suas mãos e pelo desejo que me dominava de mais uma vez
provar seu beijo lancei-me novamente aos seus lábios, e com ternura ele correspondeu ao meu
beijo e numa intensidade maior que antes me deixei ser levada pelo que estava sentindo. Eu
estava completamente entregue em seus braços. Subjugada a ele.
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O beijo se tornou mais exigente, insistente, e eu tive a impressão de poder sentir
Aragorn em todo seu ser naquele instante. O medo se fora e um êxtase indescritível pareceu
encher todo aquele campo.
– Minha estrela – Aragorn deixou escapar entre nossos lábios e me beijou mais
impetuosamente que antes como se quisesse afastar qualquer distância que ainda pudesse
existir. E me entreguei delirantemente.
Senti que estava sendo levada a esquecer de tudo que estava ao meu redor e apagar tudo
o que já tinha acontecido em minha vida. Como se uma página enfadonha em minha vida
tivesse sido virada. Aquele beijo estava me mudando... me moldando... me sarando. Aquele
beijo parecia ser a cura para toda a minha dor.
De repente uma cachoeira de sentimentos caiu sobre mim. Surpresa, alegria, medo,
confusão, satisfação, reprovação e culpa... Uma sufocante sensação de culpa.
Me afastei bruscamente de Aragorn. Ele me olhou confuso e apesar de assustada não
podia negar que queria estar ali. Mas eu não podia.
- Melissa o que foi? – Perguntou numa voz suave.
Eu balançava freneticamente a cabeça não querendo acreditar no que eu havia feito.
Queria brigar, bater nele e culpá-lo, mas sabia que tinha sido eu a dar o primeiro passo. Minha
mente me acusou. Eu estava controlando o sonho eu o chamei para ele, eu o atraí. Ele me deu
tempo para voltar atrás, mas eu queria aquele beijo. E agora uma mistura de satisfação e culpa
estavam me sufocando.
- Melissa – Aragorn segurou minhas mãos descobrindo meu rosto. – Me diz o que há?
- Eu não podia ter te beijado.
- E por que não? – Ele me fez olhar para ele. - Eu estava esperando por isso há tanto
tempo. E você também.
- Você é meu amigo – Arfei.
- Eu vejo a forma que me olha, que sorri para mim, a forma como me toca e como me
beijou agora. Isso não é sentimento de amizade.
- Foi só desejo, atração, agente tem ficado muito próximos e sozinhos é normal – Eu
tentava achar uma explicação.
Ele sorriu irritado.
- Aceite Melissa, deixe de ser infantil e assuma que também gosta de mim como eu
gosto de você.
- Pare com isso! – Falei aturdida.
- Esta vendo, você não quer ouvir porque sabe que estou certo. Enfrente a verdade. - Ele
me segurou pelos ombros – Diz pra mim olhando em meus olhos que não queria esse beijo.
Então te deixo em paz. Diz para mim que não gostou. E eu nunca mais te beijarei.
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Não havia resposta em mim. As emoções eram tão confusas e tão inebriantes, estava
perdida em cada risco de meus sentimentos. E ele estava próximo novamente e tão meu... e seus
lábios tão próximos e... Eu não podia dizer que não havia gostado, não podia dizer que não
queria o beijo. Eu podia mentir. Eu queria mentir, se pudesse, mas não conseguiria.
- Melissa... – Sua voz era apreensiva. Aragorn esperava algum tipo de reação de minha
parte. Eu podia sentir que cada célula do corpo dele esperava por isso. Mas estava perdida de
mais em minhas dúvidas para reagir de alguma forma.
Deixei-o em pé no meio do campo e corri de volta a fogueira. Eu não conseguia parar
de pensar no que tinha feito. E em Leo.
Eu tinha beijado outro homem. Será que não amava Jeziel tanto como eu pensava? Biel
teria razão quando disse a minha mãe que eu só precisava de um tempo? Será que era uma
fixação de primeiro namorado que me trouxe aqui ou eu ainda pensava que o amava por nunca
ter conhecido outro alguém? Alguém como Aragorn?
Eu sabia agora que sentia algo muito forte por Aragorn. Ou seria a pressão de estar num
lugar desconhecido e perigoso me sentindo sozinha que me levou a me apegar a ele? Eu
precisava encontrar uma resposta coerente que me fizesse ver que eu não era o mostro que
estava me sentindo. Uma ordinária, uma traidora, uma devassa... E tudo que Leo me disse sobre
nós dois termos nascidos um para o outro seria ilusão? Ou o amor não me deixaria imune a
outros sentimentos? Não é isso que aprendemos, que quando se ama alguém temos olhos só
para a pessoa amada? Que espécie de sentimento era esse então que estava nutrindo por
Aragorn? Eu estava horrorizada comigo mesma.
E de repente Aragorn me tirou dos pensamentos.
- O que eu precisava saber já sei. Você gosta de mim. Mas vejo que esta confusa e não
vou te forçar a nada. Queria que você confiasse em mim. Diga-me o que te deixa tão angustiada
por me querer? – Ele me puxou pelo braço me virando para ele – Melissa será que você amou
alguém que te fez sofrer e agora tem medo de se entregar... Medo de amar? Se for esse o
problema, se é medo, deixe-me curar seu coração. Eu jamais te faria sofrer, eu jamais te
magoaria.
Me afastei novamente. Eu não teria coragem de falar-lhe a verdade de que a suposição
dele estava meio correta. Eu realmente amei muito alguém que me fez sofrer, mas esse não era o
fato. O fato é que eu ainda amava aquele alguém. Ou pelo menos pensava que sim. E estava
arriscando minha vida e a de Aragorn para salvá-lo.
Aragorn se aproximou por trás de mim sem me tocar.
- Enquanto você não decidir ficar comigo sem medo e sem reservas, não tocarei mais
em você. Esperei até hoje, posso esperar mais. Só quero que se lembre que pode confiar em
mim. E quando resolver me contar o que te impede de estar comigo. Eu estarei aqui para você.
Disposto a lutar e a não desistir de você. Pois sei que você também me quer.
89
Ele voltou a se deitar do outro lado da fogueira.
Eu deitei também sobre minha capa querendo que o céu caísse sobre minha cabeça. Mas
as estrelas brilhavam no mesmo lugar. Testemunhas oculares da minha loucura.
Enquanto Aragorn permanecia deitado, imóvel, absorto em seus pensamentos, peguei
minha mochila e procurei por algo que há muito tempo não via. Minha mão vasculhou os
objetos pequenos que estavam no fundo da bolsa e com o tato encontrei meu colar com a rosa de
Leo. Ao vê-la em minha mão recordei cada uma das palavras que Leo me dissera e do que senti
quando ele me presenteou com aquele pingente. Também me lembrei do brilho em seus olhos e
de seu beijo. As lágrimas corriam por meu rosto num choro silencioso e sentido. Eu queria
desesperadamente tudo àquilo de volta. E por mais que eu não pudesse negar a atração que
sentia por Aragorn não era amor. Não como o que sinto por meu Leo. E estava com medo que
aquele beijo tivesse estragado tudo.
Apesar de não me sentir digna, coloquei o colar em meu pescoço, provando a mim
mesma que eu sabia o que queria. Era Leo que eu queria, e não me esqueceria disso. E enquanto
isso em meu coração não mudasse não me permitiria jamais outro tipo de sentimento. Por mais
ninguém.
Abracei minha capa como um travesseiro e me forcei a dormir ainda sentindo a pressão
dos lábios de Aragorn nos meus.
De manhã ao me levantar Aragorn já estava de pé com tudo preparado para seguirmos
viajem. Ele notou meu novo adereço no pescoço, mas não fez comentários nem do adereço nem
da noite passada. Tive a impressão que ele estava sendo cuidadoso para não me deixar mais
constrangida do que estava. Eu mal podia olhá-lo nos olhos. E por todo dia da viagem pensei se
seria melhor que eu contasse de uma vez toda a verdade de que eu tinha vindo a Andaluz
resgatar meu amor. Seria melhor realmente, assim ele não nutriria mais esperanças em relação a
mim. Mas ele poderia me achar uma vadia. Por que eu não dissera logo ao invés de beijá-lo? Eu
não estava com coragem de confessar minha fraqueza.
Era melhor não falar nada. Não queria dar uma de Madalena arrependida. E logo tudo
isso iria acabar quando chegássemos à montanha Mayata. Ele poderia ir embora para sua ilha
Marfim e longe dele eu teria minha sanidade moral de volta.
90
CAPÍTULO 10
Durante mais vários dias por todo o caminho ele permaneceu gentil e atencioso como
sempre. A única mudança era que ele mantinha agora uma distância maior nas caminhadas e
evitava me tocar. Só quando o obstáculo era realmente difícil ele segurava minha mão, mas
deixava claro que era meramente uma ajuda.
O comportamento dele só piorava as coisas para mim. Pois me mostrava que ele jamais
teria avançado se eu não tivesse permitido. – Corrigindo – Se eu não tivesse avançado. Ele
estava cumprindo a risca o que se determinou a fazer. Sua maturidade em lidar com isso tudo
me surpreendia a cada instante. Enquanto eu estava prestes a surtar a cada hora, ele estava
seguro, sereno.
Nos dias que decorreram, aparentemente normais, nosso relacionamento voltou a ser
como antes do beijo. E neles Aragorn me ensinava arco e flecha. No momento em que ele me
orientava por trás de mim segurando minha mão na posição correta, eu sabia que ele não estava
tirando proveito, mas ainda assim a proximidade dele me deixava insegura. E dava a impressão
que ele percebia, pois se afastava ao menor sinal.
Mais dias de viagem. E passando por uma região pantanosa encontramos uma trilha que
passava pelo meio de duas rochas no formato de duas grandes cabeças de aves.
- Bom, agora falta pouco, mas o caminho daqui para frente não é tão seguro. – Disse
Aragorn parando de frente a trilha. – Vamos precisar ter mais cuidado.
Entramos na trilha estreita e prosseguimos. O terreno era irregular, muito rochoso não
tinha tanto verde e até o clima mudou radicalmente de uma hora para outra ao atravessarmos as
duas aves. O lugar árido destoava totalmente de tudo que já tinha visto em Andaluz. Parecia
realmente outro lugar.
- Já esteve aqui antes? – Perguntei curiosa pela familiaridade de Aragorn.
- Sim. Há alguns anos. – Ele hesitou, mas continuou – Ainda pertencia ao exército de
Cordomad e fomos designados para uma batalha neste lugar contra o exército rebelde que se
escondia aqui. – Ele olhou para mim - O exército de seu pai.
- O que aconteceu?
91
- O exército de Cordomad estava forte e mais preparado. – Ele me olhou sondando
minha reação.
Ele parecia não querer me contar o que tinha acontecido. Mas esperei olhando
ansiosamente para ele.
- O que aconteceu Aragorn? - Insisti.
- Todo o exército rebelde foi dizimado. – Ele não estava orgulhoso disso. – Me
desculpe.
- Você acha que o general estava entre eles?
- Eu não posso te dizer, mas o exército de Cordomad não é misericordioso e não faz
prisioneiros. Se ele estava neste campo de batalha... – Ele se calou.
Um frio percorreu minha espinha.
Eu não podia pensar em meu pai morto. O que faria se ao chegar à tal montanha e ao
atravessar o portal não encontrasse ninguém? Quem me ajudaria a resgatar Leo. Eu estava
contando com um exército. Então preferi me apegar no que ele dissera.
- Há possibilidade dele não ter estado aqui?
- Sempre há. O exército rebelde se espalha por toda Andaluz em pontos estratégicos. Ele
podia não ser dessa companhia. Mas não se iluda. Estamos muito próximos da montanha aonde
seu pai diz estar te aguardando. O exército que enfrentei aqui pode ter sido o dele. Ou outro que
estava vindo se juntar a eles.
Ele me olhava preocupado e eu sabia bem por que. Ele temeu ver minha reação diante
do homem que pudesse ter contribuído para a morte de meu pai. E alguma coisa ele notou. Pois
seus olhos de ouro se estreitaram enquanto fitava os meus.
- Não se preocupe – Falei para tranqüilizá-lo – Você estava cumprindo seu dever.
- Não esta aborrecida?
- Na verdade não. Não acho que ele esteja morto. – Estiquei meu sorriso tradicional –
Eu o conheço pouco, mas me parece que ele é esperto de mais para morrer tão facilmente.
- Me desculpe, mas você não me parece muito apegada a ele. Não ficou nem abalada
com o que eu disse.
- E não sou.
- Quando seu pai voltou da sua dimensão para Andaluz ele te deixou ainda pequena não
foi? Deve ter sentido muita falta dele.
- Eu era apenas um bebê de poucos meses. Nem me dei conta da presença dele para
sentir falta.
- Não sente falta de um pai?
- Não. Meu irmão nunca deixou que eu sentisse falta de um pai. Ele sempre fez o papel
do homem da casa. E minha mãe me educou muito bem.
92
- Mas você veio até aqui para encontrá-lo... Não veio? – Ele pareceu pegar algo no ar
formulando melhor as perguntas como ele mesmo tinha planejado.
-É... foi. – Respondi passando a sua frente para que ele esquecesse esse assunto e não
quisesse entrar em mais detalhes.
- Ei garota! Onde esta indo com tanta pressa?- Ele acelerou o passo me alcançando.
- Esse lugar é tão quente e não tem uma árvore para fazer sombra. – resmunguei
olhando para o sol sentindo queimar meu rosto - não tem um rio por aqui?
- logo atrás daquelas montanhas tem uma vila. Agente descansa lá.
- Ainda bem. E... Aragorn – chamei sua atenção. – numa tarde quente como essa, dois
peixinhos se refrescavam no mar quando um tubarão enorme apareceu indo na direção deles.
Sabe o que um peixinho disse para o outro?
Ele me olhou com a mesma cara de sempre quando eu fazia uma charada.
- Nada! – respondi animada.
Ele me fitou confuso.
- Não entendeu? Presta atenção... o tubarão vindo e o peixinho falou para o outro
“nada...” viu?! Peixe... nada... peixe nada!
Ele balançou a cabeça em negativa tentando esconder um sorriso.
- Quer primeiro me dizer o que é um tubarão?
Eu saí correndo a sua frente sem lhe dar a resposta, rindo da minha própria piada mais
uma vez. Contar piada para Aragorn que não entendia nada era a coisa mais divertida pra mim.
O sol estava realmente incomodo. Arranquei a capa de meus ombros e prendi o cabelo
no alto tentando aliviar o calor. Aragorn para meu deleite e desespero retirou a camisa expondo
seus músculos perfeitos e dourados ao sol. A imagem de Aragorn com uma espada na cintura e
só o couro do alforje das flechas cruzando o peito era perturbador.
Ele continuava caminhando sem ter noção do quanto eu ficava sensível quando ele agia
tão naturalmente perto de mim e expunha seu corpo como se não tivesse o direito de poupar
meus olhos de tudo aquilo. E era tão difícil evitar de perceber o quanto todo ele era perfeito.
Mesmo assim eu fazia todo o esforço possível para impedir meus olhos de ficarem se mantendo
sobre ele o tempo todo antes que ele percebesse.
- Lá esta!- ele apontou para o vale quando chegamos no alto da última montanha que
subimos aquela tarde, me mostrando a vila que nos aguardava lá em baixo.
Felizmente civilização.
Descemos a montanha e chegamos a vila Onoiriono.
- Como é que é?! – perguntei mais uma vez o nome da vila para Aragorn que não
entendia o porquê de eu ficar tão impressionada com o nome da vila.
- Já reparou que tanto de frente para trás ou de trás para frente a palavra é a mesma?
93
- Há um significado para isso.
- E qual é?
- No meio da cidade existe uma fonte e dizem que a magia da água dela desvenda a
quem bebe, a verdadeira intenção de seu coração, ainda que quem beba tenha seus segredos
mais profundos. Tudo vem à tona, mesmo que pra isso a pessoa tenha que ter seus sentidos
virados de trás pra frente.
- Como assim?
- Aquilo que você nega a si mesmo vem com toda força do mais íntimo do seu ser e é
revelado.
- Tem certeza?
- Ah sim, eu tenho. Eu mesmo já tomei dessa. Quer experimentar?
- Ah não – me esquivei – de jeito nenhum. – É claro que eu não arriscaria ter meus
segredos revelados por um elixir da verdade.
- Mas eu quero. Estou com sede e a água da fonte é gelada e revigorante.
Ao chegarmos ao centro da vila, Aragorn não só bebeu como molhou a cabeça se
deliciando na água cristalina da fonte. Pelo jeito ele não tinha medo de que algo dentro dele
fosse revelado.
Para ter certeza do que ele me disse sobre a água ser gelada não contive a curiosidade e
mergulhei a mão provando que realmente era geladíssima aquela água.
Não me sentia com coragem para beber, mas não resisti a lavar meu rosto queimado
pelo sol com aquela água refrescante.
Enquanto ainda me lavava na fonte uma voz feminina me tirou da tranqüilidade quando
ouvi o nome de Aragorn. A surpresa foi tanta que acabei me engasgando e acabei engolindo
algumas gotas. Mas a hora não era de me preocupar com o elixir da verdade.
Me virei para ver quem chamava por Aragorn e uma garota morena de cabelos
castanhos repicados na altura do ombro e corpo escultural estava sorridente diante de Aragorn.
- Aragorn?! É você mesmo? – ela falava surpresa.
- Soleh – Aragorn cumprimentou também surpreso – o que faz por aqui?
- Eu que devo lhe fazer essa pergunta já que eu moro aqui, e você é o visitante.
Ele se aproximou e a abraçou.
- Como você cresceu!
Eu não a conheci antes, mas ela realmente devia ter crescido um bocado, já que perto de
Aragorn alguns míseros centímetros não a deixavam na mesma altura que ele.
- Mais de dez anos que não nos vemos Aragorn. Não esperava mesmo que eu ainda
fosse aquela garotinha magricela e sem graça que queria casar com você.
Ele sorriu saudoso se desvencilhando dos braços dela.
- Você era tão chata.
94
- E você era tão implicante, e não queria nada comigo com aquela idéia fixa de se tornar
soldado de Cordomad.
O sorriso dele se desfez.
- Foi uma grande tolice.
- Qual delas?! Não querer se casar comigo ou querer ser um soldado de Cordomad?-
falou num tom de ironia – Você sempre foi mestre em péssimas idéias – ela afirmou – Onde já
se viu! Deixou sua família e amigos aqui e foi para o campo de treino se tornar um Drevors.
- Arahm-rham – limpei minha garganta para lembrar Aragorn que eu existia e estava
ali... bem ali ao lado deles.
- Esta é Melissa – Aragorn me apresentou.
E pela primeira vez aquela beldade colocou seus olhos violeta sobre mim num sorriso
sufocante e sincero.
- Bem vinda a Onoiriono.
- Obrigada.
- Que bom que vieram para festa de aniversário de meu pai. – ela falou animada se
virando para Aragorn - Ele vai ficar louco quando souber que respondeu seu convite.
Ele olhou para mim raciocinando rápido sobre o que deveria responder.
- Pois é... como eu poderia deixar de vir.
- Ele esta há meses se comunicando com seus antigos amigos. E como você é o único
filho vivo de seus melhores amigos, Tessa e Maduque, ele iria ficar decepcionado se você não
viesse.
- Por isso estou aqui!
- Então vamos – disse Soleh – vou levar vocês para casa. Ainda se lembra onde fica
minha casa Aragorn?
- É claro – ele segurou minha mão me puxando para seguirmos a garota.
- Já estão quase todos aqui – Soleh contava animada – todos nossos amigos vão ficar
surpresos ao verem você.
Ao chegarmos a casa de Soleh, um alvoroço de pessoas andando com vasilhas cheias de
frutas e comidas se espalhava para todos os lados. Todos falavam alto e ao mesmo tempo
tentando organizar os arranjos e enfeites para a festa.
- Não... não! – gritou Soleh para dois rapazes que carregavam uma mesa pelo jardim. –
leve essa mesa para os fundos... para os fundos.
Ela se afastou de nós para orientar os rapazes nos indicando com o olhar para ficarmos a
vontade.
- Porque você disse a ela que tínhamos vindo para festa?
- Era isso, ou contar que estamos numa viagem clandestina para Mayata.
- Você não bebeu a água da revelação? Como conseguiu mentir para ela?
95
- Eu nasci aqui Melissa, essa água não tem poder nenhum sobre mim. Ela é eficaz nos
novatos.
- Não queria estar aqui. – falei nervosa.
Levei o dedo até a boca e comecei a roer a unha irritada. Droga... – pensei - essa
montanha parece ficar cada dia mais longe.
Aragorn se aproximou e retirou minha mão da boca. Toda vez que minha ansiedade me
levava a roer as unhas Aragorn me impedia tentando me acalmar. Ele olhava para as pontas dos
meus dedos avaliando os estragos e descia delicadamente meu braço para que eu não me
tentasse novamente a roê-las. Eu não sabia se ele entendia esse meu ato angustiado, mas como
ele era super protetor, protegia até minhas unhas e cutículas dos meus dentes inquietos.
- O que foi? – questionou curioso – não gostou da vila? Foi aqui que eu cresci.
- Não tem nada a ver com a vila – resmunguei.
- Então... – ele me sondou intrigado.
Nesse momento Soleh passou por nós carregando uma cesta cheia de flores e sem que
eu percebesse meus olhos se estreitaram rumo a ela.
- É Soleh – Aragorn desvendou – não gostou dela.
- Não é nada disso – me defendi sem graça.
Os olhos dourados dele me encararam tentando ir mais fundo em suas descobertas já
que ele não tinha acesso a minha mente.
De repente um sorriso iluminado e contente desenhou seu rosto.
Uma voz eufórica interrompeu as conclusões de Aragorn que mesmo sem ter dito nada
me deixou bem sem graça.
- Aragorn!
Uma mulher jovem de cabelos negros e cacheados de pele mulata vinha em nossa
direção caminhando elegantemente num balanço que mais parecia uma dança.
Ela era tão linda e tão feminina que me constrangi só por estar no mesmo universo que
ela. Seu sorriso deslumbrante entre os lábios cheios e rosados era uma afronta a qualquer mulher
dessa dimensão.
Acompanhei seus braços de pele radiante quando se enroscaram no pescoço de Aragorn
que automaticamente reconheceu aquelas curvas.
- Ciara... – ele a saudou no mesmo grau de empolgação.
- Pensei que nunca mais iria colocar meus olhos em você! – ela disse enquanto se
afastava e o observava.
- Pois estou aqui.
- Quando Soleh me disse que tinha chegado, tive que ver pessoalmente.
Aragorn lhe sorriu amigavelmente.
96
Ela se virou para mim com o mesmo sorriso e caminhou em minha direção com seus
olhos verdes iluminados e sem cerimônia me abraçou como se fossemos velhas amigas.
- E você é Melissa. Soleh me contou que Aragorn trouxe uma convidada.
Quando ela me soltou de seu abraço consegui mesmo surpresa colocar um sorriso
amigável no meu rosto, ainda que não muito espontâneo.
- Vocês são muito bem vindos. Meu pai vai ficar muito feliz com a chegada de vocês.
- Obrigada.
Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, uma tropa de mulheres belíssimas nos
alcançou no jardim e entre abraços e saudações eu não tirava os olhos de Aragorn que parecia
muito a vontade entre aquele harém.
Todas falavam ao mesmo tempo, o que deixava o ambiente confuso. Até que depois de
eu imaginar que aquela vila devia ser uma espécie de lugar proibido ao sexo masculino, alguns
rapazes surgiram se juntando aquelas garotas a cumprimentar Aragorn.
- Quando nos disseram que você estava aqui, largamos tudo para te ver. – um dos
rapazes falou a Aragorn enquanto o abraçava.
- Então você veio mesmo!- disse outro batendo em seu ombro.
- Pois é! – Aragorn tentava manter a farsa.
- Ficamos sabendo que conseguiu sair do exército de Cordomad. Não esperávamos que
ainda estivesse vivo. Cordomad não poupa desertores.
- Ele bem que tentou me pegar.
- Mas continua sendo mais astuto – disse um homem negro de voz grossa e potente
abrindo espaço entre todos até chegar a Aragorn.
- Naske – Aragorn exclamou contente.
- Aragorn! – o homem falou exultante. – É tão bom que esteja aqui.
E o abraçou paternalmente.
- Você se tornou um homem. E é tão parecido com Maduque, seu pai.
Naske com certeza era o pai de Soleh e Ciara.
- Mas o que estamos fazendo aqui fora?! Vamos entrem, entrem!
Naske lançou o braço por cima do ombro de Aragorn e o arrastou para dentro da casa
enquanto as garotas falando todas ao mesmo tempo novamente, também me conduziam para
dentro.
Quando chegamos a sala, Naske e Aragorn se sentaram e eu me sentei numa cadeira
próxima a janela. Numa espiada rápida lá fora enquanto as garotas saíam para retornarem a
arrumação da casa para a festa, notei que os amigos de Aragorn se amontoavam na janela me
encarando.
Completamente sem graça me movi na cadeira tentando uma posição que me deixasse
fora do foco deles e Naske e Aragorn perceberam.
97
- Mas o que é isso?! – Naske censurou-os pela janela, enquanto eles surpreendidos se
atrapalhavam tentando disfarçar. – Vocês não tem o que fazer?! A festa começa só a noite. Vão
pra casa e voltem mais tarde.
Aragorn me sorriu, mas logo sua atenção se voltou para Naske que voltava para seu
acento depois de fechar a janela.
- Não fique chateada com esses pobres coitados – Naske falava sorrindo para mim –
eles só não estão acostumados a ver uma garota tão bonita quanto você.
- Não tem... problema – eu ainda não estava acostumada aos olhares curiosos e
interessados que a maior parte dos andaluzianos colocavam sobre mim quando me viam, mas
andar com Aragorn me dava certa proteção. Só não ali que seus amigos de infância pareciam
confiar o bastante em sua antiga amizade contando que Aragorn não fosse capaz de lhes
arrancarem as cabeças com sua espada.
- Já mandei preparar os quartos de vocês e espero que aceitem minha hospitalidade já
que sua casa Aragorn, foi totalmente destruída quando os Drevors atacaram sua família.
Aragorn me pareceu desconfortável com a notícia.
- Sim, eu sei – Aragorn respondeu pesaroso.
- Então... resolveu voltar para ficar? – Naske questionou esperançoso.
- Desculpe amigo, mas não. Estamos de passagem por Onoiriono. Eu não conseguiria
mais viver aqui.
- Eu sabia que foi uma coincidência sua vinda para cá. Quando as meninas me disseram
eu já suspeitei, porque por mais que eu esteja feliz em te ver bem e com saúde Aragorn, não
tentei entrar em contato com você. Não tinha como saber se ainda estava vivo.
- Desculpe esse tempo todo sem notícias, mas foi para sua segurança.
- Sim eu sei.
- Mas fico feliz por ter chegado bem no dia da sua festa.
- No dia não, nos dias. Faremos três dias de festa. E vocês são meus convidados de
honra.
Aragorn tentou protestar.
- De maneira alguma você vai sair daqui e me fazer uma desfeita dessas. Você é o filho
do meu melhor amigo. E vendo você aqui é o mesmo que vê-lo ao meu lado.
Aragorn olhou para mim quieta em minha cadeira estofada e com o olhar me explicou
que não teríamos escolha.
Eu tinha pressa de chegar a montanha Mayata, mas como Aragorn falou que era
ficarmos ou ter que revelar nosso destino. Concordei com meu sorriso tradicional sem poder
contrariar Naske o amigo de Aragorn.
Os dois continuaram conversando sobre os últimos acontecimentos da vila e das filhas
de Naske. Enquanto isso eu observava a sala nada convencional da casa. Uma pilha de vasos se
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equilibrava ao lado da mesa que estava repleta de objetos estranhos e o que mais me chamou a
atenção foi uma escultura em pedra que por mais que eu tentasse entende-la não tinha forma ou
lado ou começo ou fim. Acabei me lembrando de meus antigos trabalhos de artes na escola.
Achei aquela coisa horrível.
De repente a porta da sala se abriu e uma mulher que puxava uma criança pela mão e
trazia mais uma em seu braço, se aproximou feito um furacão.
- Eu não consigo fazer nada com essas crianças no meu encalço.
Ela entregou o maiorzinho para Naske e colocou o bebê de colo nos braços de Aragorn.
- Oi Aragorn!- ela o saudou como se só agora tivesse se dado conta de quem era o
individuo que ela depositou a criança.
- Zama – Aragorn a cumprimentou tentando ajeitar no colo aquele projeto de
andaluziano.
- Eu preciso organizar algumas coisas para a festa, e você ajude papai a cuidar de seus
netos, já que se você não tivesse fugido de Onoiriono esses filhos seriam seus.
Eu arregalei os olhos espantada para a mulher que se virou e me sorriu
hospitaleiramente.
- Não se preocupe Melissa, Aragorn sabe muito bem lidar com crianças. Ele adora essas
coisinhas babonas e incompreensíveis.
No mesmo furacão que entrou, Zama saiu pela porta deixando as crianças sob a
supervisão daqueles dois homens que pegos de surpresa nem puderam protestar.
Olhei para o menino de aproximadamente três anos que agora brincava com a barba do
avô que sorrindo não se importava que o pestinha se pendurasse nela sem cerimônia, e depois
olhei para o bebê de mãos gorduchas que com dedos cheios de covinhas agitava os braços no ar
tentando se comunicar com Aragorn que o olhava para com ternura.
Foi interessante ver Aragorn daquele jeito. A única coisa que eu já o tinha visto segurar
com tanto comprometimento fora sua espada. E eu nunca imaginaria que ele teria jeito com
crianças.
- Zama então esta casada?- Aragorn perguntou sacudindo seu pacotinho nos braços.
- Eu fico com pena do marido, mas pelo que percebo ele não se importa com o gênio
tempestuoso dela. É um bom homem.
- Porque ela disse que Aragorn podia ser o pai dessas crianças?- minha veia ciumenta
estava latejando em minha cabeça.
Naske deu uma risada gostosa que alegrou até as crianças.
- Zama, assim como cada uma das minhas outras filhas nutriam uma paixão platônica
por Aragorn. Cada uma delas queriam se casar com ele. Eu até hoje penso que foi por isso que
ele fugiu de Onoiriono. - Ele riu olhando para Aragorn – imagine oito criaturas semelhantes a
estas que você já conheceu atrás dele.
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Ele ria achando o cúmulo da comédia. Eu não estava achando graça.
- Você tem oito filhas?! – perguntei espantada.
- Cada uma mais linda e mais louca que a outra. Ainda bem que o criador me deu dois
netos. – ele olhou amorosamente para o pequeno que puxava incansavelmente sua barba
enquanto Aragorn parecia absorto na brincadeira de ter seu dedo segurado pela mão gorducha
do bebê de uns dez meses.
A ternura com que ele admirava aquele bolinho de gente em seus braços estava me
dando um nó no estomago. E o pequenino parecia muito feliz e seguro no colo de Aragorn.
O outro abandonou a barba do avô e se aproximou de Aragorn para brincar com o
irmãozinho. E Aragorn agora cercado de crianças me pareceu ainda mais forte e protetor. Como
se algo vindo dele envolvesse aquelas crianças num halo de aconchego e abrigo invisíveis, mas
palpável.
- Aragorn é um protetor. Nasceu com esse dom. As crianças sentem isso e são atraídas
pela segurança que ele transmite. – Naske respondeu a meu espanto.
- É que eu nunca o vi com crianças antes, não sabia que ele tinha tanto jeito com elas.
- Quer segurar? – Aragorn me perguntou vendo meus olhos vidrados no bebê.
- Ah não... eu... nem me lembro se algum dia na vida já segurei um bebê. Eu sou a
caçula da minha família e não tenho costume com crianças.
Ele se levantou e andou até mim colocando em meu colo o bebê que pareceu feliz em
poder fazer uma nova amizade.
Apesar de me sentir desajeitada e com medo de machucá-lo de alguma forma, aquele
corpinho quente e roliço cheirava tão bem e era tão macio que me deu vontade de apertar como
a um ursinho de pelúcia. Ainda meio sem jeito o coloquei confortável entre meus braços e ele
esticou sua mãozinha até minha boca. Instintivamente lhe dei um beijinho na palma de sua
gorduchinha mão e ele deu uma gargalhada gostosa e infantil que alegrou meu coração.
- Ele gostou de você. – Naske confirmou.
Eu sorri agradecida pelo afeto para o tiquinho de gente no meu colo enquanto o irmão
dele agora puxava a barra da minha saia exigindo também um pouco de atenção.
Enquanto eu brincava com as crianças ainda sem muito jeito, Aragorn me olhava de
forma curiosa. Ele parecia querer avaliar minha reação com aquelas coisinhas. O que eu pude
fazer foi imitar minha mãe e começar a falar forçadamente errado e fazendo cócegas nos
pequeninos que se divertiam e riam gostosamente com minha atuação.
Já que estão se divertindo com as crianças, vou verificar se tudo esta correndo bem com
a arrumação da festa – disse Naske saindo e deixando eu e Aragorn de babás.
- Estou começando a pensar que não foi uma boa idéia ter vindo até aqui. – Aragorn
falou pegando de volta o bebê do meu colo colocando ele com o irmão sobre o tapete e se
sentando junto a eles.
100
Fez alguns objetos voarem de sobre uma mesa, oferecendo as crianças para brincarem.
- Você cresceu mesmo aqui? – perguntei.
- Nasci e cresci em Onoiriono.
Eu ri.
- Fale esse nome rapidamente quatro vezes e te dou um prêmio. – desafiei - Ainda não
tinha me acostumado com o nome nada comum da cidade natal de Aragorn.
Aragorn não pareceu me ouvir. Estava entretido com os pequenos.
O maior tomou um objeto que estava na mão do bebê que fechando a cara bochechuda
firmou os olhos no brinquedo que voou de volta a sua mão.
- Meu Deus – exclamei espantada – você viu aquilo?! – perguntei a Aragorn que não
parecia nenhum pouco surpreso com a peripécia de um pimpolhinho daqueles ter o poder de
mover objetos pelo ar.
O grandinho então revoltado abriu o bocão a chorar fazendo birra para que lhe fosse
devolvido o objeto de seu interesse.
Aragorn se aproximou da criança lhe entregando outra coisa para que ele pudesse
brincar.
Interessado o pequeno cessou o choro e pegou o brinquedo se distraindo.
- Você será um ótimo pai um dia – falei admirada com a facilidade que Aragorn tinha
em se entender com as crianças.
- Aragorn sempre quis uma família grande.
A voz doce de uma linda morena que agora entrava na sala e caminhava elegantemente
na direção de Aragorn me deixou preocupada. Realmente preocupada.
Não foi difícil, apesar dos cabelos dela serem acaju, cheios e cacheados e os de Raika
lisos e platinados, fazer a comparação entre as duas. Havia uma áurea de perfeição que pousava
sobre ela e que parecia se intensificar com o brilho do vestido prateado e ousadamente decotado
que ela usava.
Ela se aproximou e o abraçou tempo demais para minha paz. E comecei a me incomodar
com essa naturalidade que o povo de Andaluz tinha em abraçar todo mundo.
- Senti tanto sua falta. - ela falou de forma comprometedora.
- Hanna – Aragorn cumprimentou com um sorriso alegre no rosto.
Olhando a tal da Hanna e seus cabelos, e a alegria de Aragorn em reencontrar a antiga
“amiga”, lembrando de Lariana, desconfiei que a preferência de Aragorn devesse ser as ruivas.
Incomodada e insegura, passei a mão discretamente por meus cabelos que deviam estar
um ninho. Dias andando na floresta sem um espelho e sem me preocupar com a aparência, eu
devia estar um lixo se comparada a Hanna. Na verdade eu devia estar horrível ainda que fosse
comparada aquela escultura horrorosa ali no canto.
101
Quando Hanna se virou para me olhar, achei que estava ficando louca. Me pareceu que
todo aquele brilho e confiança que emanavam dela se abalaram por alguns segundos.
- Olá Melissa – ela me saudou.
- Oi – respondi quase sem voz.
- Meu pai me mandou te levar até seu quarto para que você possa descansar um pouco e
se preparar para a festa.
- É que estou... cuidando das crianças.
- Ah não se incomode com isso. Eu e Aragorn damos conta desses dois. Não é mesmo
Aragorn? – a voz dela era inquietante.
Olhei para Aragorn. Claro que eu não admitiria para ele ou para mais alguém, mas
deixá-lo ali com ela não era algo que eu quisesse fazer.
- Vá Melissa, e tente dormir um pouco. As festas de Naske são famosas por durarem a
noite toda. Você vai precisar de energia.
Tentei disfarçar, mas olhei brava para ele.
Aragorn estava me dispensando?! Me dispensando para ficar com Hanna?!
- Venha. – Hanna enlaçou meu braço me puxando porta a fora enquanto eu olhava
desolada para Aragorn que me via sendo arrastada sem protestar. – Eu mostro onde é seu quarto.
Andando por um longo corredor Hanna me guiava.
- Você é amiga de infância de Aragorn?
- Amiga de infância? - Ela riu – foi isso que ele te contou?
- Ele não me contou nada. Então vocês já foram... Namorados?
Ela riu de novo.
- Há quanto tempo esta com Aragorn?
- Bem... nós não estamos exatamente... juntos. – porque a pergunta?
- Porque você não parece saber muita coisa da vida dele.
- Somos amigos e... não fico me intrometendo na vida dele. –falei irritada e na
defensiva.
- Acha que perguntar se eu já fui namorada dele não é se intrometer?
- É que não falo dessas coisas com ele.
- Você não precisa falar. Nunca conheci alguém mais transparente que Aragorn. A
mente dele esta sempre aberta. Claro, a não ser agora. Mas me parece que ele bloqueou mais
para proteger você do que seus próprios pensamentos.
- Aqui esta – ela abriu uma porta – seu quarto. A festa começa ao anoitecer.
Ela se virou e voltou pelo mesmo caminho e eu sabia que iria direto a sala onde estava
Aragorn.
Entrei e fechei a porta atrás de mim.
102
- Mas que garota insuportável – resmunguei – “você não parece saber muita coisa da
vida dele” – imitei a voz dela. - “me parece que ele bloqueou mais para proteger você do que
seus próprios pensamentos. - Quem ela pensa que é?” A dona dos pensamentos de Aragorn? O
que ela quer? Ele é meu amigo. É bom ela não se aproximar dele senão...
Enquanto andava de um lado para o outro no quarto como uma fera enjaulada, dei de
cara com um espelho da parede ao teto. Olhei minha imagem no espelho e quase tive vontade de
chorar ao ver meu modelito épico e meu cabelo emaranhado.
Como competir com as mulheres de Andaluz?
- Porque elas têm que ser tão lindas? – choraminguei – também, nenhuma delas tem que
atravessar Andaluz a pé no meio do mato. Elas tem o dia inteiro para cuidar da pele e do
cabelo...
Desiludida me joguei na cama de casal de dossel em bronze e sem ter mais nada para
me consolar, passei a roer a unha pensando em que Aragorn podia estar conversando com a
miss ébano.
Por isso ele não se esforçou para irmos embora. - pensei aborrecida - Claro que ele não
iria perder a oportunidade de ser adorado por cada uma delas.
Depois de horas de mau humor e lamentações sobre a cama, resolvi me levantar e fui
para o banheiro tomar um banho.
Mergulhada nas águas mornas, uma batida leve e a porta se abrindo chamou minha
atenção.
Uma das filhas de Naske entrou.
- Aragorn me pediu para vir ver como você estava e me pediu para lhe entregar isso.
Me enrolando na toalha saí da banheira e fui até ela.
- Obrigada Soleh. O que é isto?
- Não sei, mas Aragorn passou a tarde fora para comprar isso para você.
- Ele não ficou com Hanna... é... cuidando das crianças?
Ela tilintou uma risadinha.
- Não. Hanna se ofereceu para cuidar das crianças junto com Aragorn, mas logo ele
conseguiu escapar dela para ir a vila atrás desse pacote. E ela ficou lá com cara de boba
cuidando dos sobrinhos birrentos. E ela não tem o menor jeito com crianças.
Tentei disfarçar, mas um sorriso vingado escapou em meus lábios.
Peguei o embrulho das mãos de Soleh e quando o abri meu coração se comoveu com a
atenção e o cuidado de Aragorn mais uma vez. Ele saiu para comprar uma roupa para mim. Eu
ainda tinha na mochila o vestido azul que ele me deu da última vez e era o que eu pretendia
usar, mas ele se adiantou e me comprou outro ainda mais belo. O gesto dele me deixou
encantada.
Me senti culpada por ter praguejado ele por algumas horas nessa tarde.
103
O vestido era salmão e dourado e num corte e tecidos tão delicado como o outro. E eu
tinha que assumir para mim mesma o quanto gostava das escolhas de Aragorn para mim. Eu
gostava de ser protegida por ele. Eu gostava da sensação de ser cuidada por ele nesses pequenos
detalhes, eu gostava de saber que ele passou a tarde pensando em mim e comprando presentes
para mim. E o melhor de tudo, eu gostei da sensação que me inundou ao saber que ele não tinha
dado a mínima para a tal Hanna.
Soleh me olhou curiosa.
- Você esta feliz não é?
- Gostei do vestido.
- Se isso ajuda em alguma coisa, conheço Aragorn desde que nasci, e ele sempre foi
gentil, mas não costuma agir assim com qualquer uma. Se ele se deu ao trabalho de comprar
algo para você é porque realmente se importa.
- Porque esta me dizendo isso?
- Porque gosto muito de Aragorn. Agente brinca com essa coisa de casamento, mas ele é
quase um irmão pra mim e o que mais quero é vê-lo feliz. E pelo que vejo nos olhos dele. Ele
esta feliz se você esta feliz. E eu não preciso ler a mente dele para saber que ele te ama.
Ela deu alguns passos em direção a porta e se virou bruscamente.
- Só um conselho, se você tem algum interesse em Aragorn, não facilite para Hanna. Eu
vejo ele como irmão, mas minha irmã e mais da metade das mulheres dessa vila estavam
esperando a mínima chance de chegar até ele.
Era só o que eu precisava para acabar com minha alegria. A ameaça de alguém querer
tirar Aragorn de mim.
Epa! – me recriminei – ninguém pode tirar Aragorn de mim. Ele não é meu.
- Ele é meu amigo – repeti para meu reflexo no espelho. – amigo.
E passei então a me arrumar. Peguei na mochila a bolsinha que eu trouxe da minha
dimensão com minhas maquiagens e que servia para guardar todo o resto das bugigangas que
qualquer garota precisa. Até hoje não havia usado maquiagem por não achar necessário no meio
do mato. Mas se Hanna estivesse apostando em sua beleza para encantar Aragorn, hoje ela iria
ter muito trabalho.
Depois de uma hora de espelho, olhei o resultado e gostei. Até meu cabelo cooperou
com o visual. Não tinha um secador a mão, mas fiz algumas tranças depois da franja deixando a
parte de trás solta e frisada e até que ficou bem legal.
Me sentindo confiante saí do quarto percorrendo o grande corredor para o jardim onde
as luzes, as flores, davam um ar místico aquele lugar.
Era uma festa bem grande. Centenas de pessoas já estavam ali conversando sob a trilha
sonora de uma banda que tocava animada sobre um palanque de cristal. Algumas pessoas
passavam por mim me cumprimentando e outras me olhavam admirados.
104
Era lógico que esses olhares me animavam já que a intenção era prender a atenção de
Aragorn de tal forma que ele nem se desse conta de Hanna ou de qualquer outra ali.
De repente esse pensamento me confundiu. Porque eu queria isso? Por quê? Eu não
tinha que chamar a atenção de Aragorn. Nossa relação já era bem confusa para eu colocar mais
esse peso nela.
Num rompante de sanidade e já que não tinha visto Aragorn, resolvi que poderia voltar
bem rápido ao meu quarto e desmontar essa armadilha.
Quando me virei esbarrei num peito forte e acolhedoramente conhecido.
- Onde vai com tanta pressa?! – Aragorn me barrou.
- Eu ia até o quarto me... arrumar mais um pouco.
Ele me olhou fascinado.
- Se arrumar mais um pouco? Acha mesmo que precisa?
Questionou enquanto me estabilizava no meu próprio eixo já que eu tinha quase caído
com o encontrão. Meus olhos também passaram pela figura deslumbrante de Aragorn.
Foram raras às vezes que vi Aragorn fora de suas roupas de guerreiro e sem sua capa
longa e quando isso acontecia eu sempre me surpreendia. Ele também conseguia ficar ainda
mais bonito e me revelar o quanto fora da floresta, ele era vaidoso. As roupas que ele escolhia
sempre o deixavam com aparência admirável.
- Aragorn, você esta aí! – Hanna andava confiante para Aragorn e eu irrefletida e
possessivamente segurei a mão dele.
Ela olhou de relance para minha mão, mas não deu a mínima. Enlaçou Aragorn pelo
pescoço como se fosse a primeira vez que eles se viam no dia.
- Hanna, onde esta seu pai? – Aragorn de forma educada se desfez do abraço dela e sem
largar minha mão deu um passo casual para trás ganhando distância da garota.
- Ele esta por aí, mas... deixe ele para lá, esta muito ocupado recepcionando seus
convidados. Eu queria falar com você.
Aragorn olhou para ela esperando que ela começasse a conversa.
- É particular – ela olhou para mim sugestivamente – e gostaria de privacidade.
Aragorn deu alguns passos comigo me colocando sentada numa cadeira de uma mesa
próxima.
- Você me espera aqui. Prometo não demorar.
Olhei para ele com meu olhar pidão e ele me sorriu daquela forma angelical que só ele
sabia. Ajeitou minha franja duas vezes e se foi. Mesmo de longe pude ver um olhar cínico e um
sorriso malvado no rosto de Hanna. Ela estava feliz por ele ter caído na conversa dela.
Eles caminharam alguns metros e pararam debaixo de uma árvore para o tal papo
particular e privado.
105
Ela usava de tantos trejeitos, caras e bocas que era patético. Acabei me lembrando de
Letícia. Era assim que ela agia quando estava interessada em alguém. Mas eu não podia negar.
Ela era mesmo muito bonita.
Um rapaz elegantemente vestido me ofereceu um copo com bebida.
- Olá, meu nome é Fredcow.
Aceitei o copo e lhe presenteei com meu sorriso tradicional.
- Obrigada.
- Posso me sentar com você?
- Ah... claro.
Aragorn me olhou de onde estava para a inspeção de minuto e se voltou novamente para
Hanna que tagarelava sem parar.
- Então... é... Fredcow... gostando da festa?
Evidente que eu ia puxar conversa com o garoto só para Aragorn perceber que ele já
estava se demorando demais com Hanna.
- É a melhor festa da cidade. Todo ano Naske faz de seu aniversário o evento mais
importante daqui.
- Ele é muito querido na cidade?
- Ha sim. Ele é muito admirado e respeitado por todos. Assim como era o pai de
Aragorn. Pena que... bem, ele morreu com toda sua família acusados de traição e... você sabe.
- É eu sei.
- Nós ficamos sabendo da deserção de Aragorn quando os Drevors vieram aqui em
Onoiriono atrás dele. E foi uma surpresa para todos nós vermos ele aqui e vivo.
Enquanto Fredcow falava, eu não tirava os olhos de Aragorn.
Aborrecida por estar esquecida, achei que devia ter alguma coisa para tirar Aragorn
daquela conversa.
- A história de Aragorn eu conheço. Quero saber a sua Fredcow. O que faz? Mora aqui
desde que nasceu?
A forma ridícula de flertar com o Andaluziano na minha mesa era só uma maneira de
chamar atenção de Aragorn.
O rapaz educadamente me respondeu a pergunta enquanto eu enrolava uma mecha do
meu cabelo tentando ser charmosa e sexy.
A pobre cobaia não se dava conta de que eu não lhe estava dando a mínima atenção.
Mas acho que ele desconfiou depois que eu dei uma gargalhada alta e desconecta da conversa
dele para atrair a atenção de Aragorn. E funcionou.
- Rá rá... Você é muito engraçado. – continuei com a encenação da garota mais alegre e
descolada da festa.
106
O sorriso de Aragorn dessa vez me pareceu mais com o sorriso que ele dava diante das
minhas piadas.
- Eu sou?! – Fredcow perguntou confuso.
- É! É sim. Me conte mais. - Descansei meus cotovelos na mesa apoiando o rosto nas
mãos me aproximando de Fredcow como se estivesse muito... mas muito deslumbrada com a
história de vida dele. Que na verdade era um tédio.
O cara era caçador. De pedras. Andava pelos bosques e florestas cachoeiras e
montanhas em busca de pedras com poderes para vender aos curandeiros e para quem precisasse
construir um portal. Fiquei imaginando Fredcow andando com uma bolsa a tiracolo com os
olhos voltados para o chão fazendo a seleção. “Essa pedra ãhmm... não. Essa não. Essa...
também não...” que trabalho chato.
- Sua vida é muito... interessante. – menti.
- Você acha?! - falou chocado.
- É claro que eu acho. Andar por toda Andaluz procurando por... é... pedras. Isso é
fantástico!
- Mas são só pedras. – ele tentou me fazer ver a realidade – só estou nesse ramo porque
é um negócio de família.
- Não, não diga isso. São pedras que curam pessoas, pedras que levam as pessoas a
qualquer lugar que queiram. – agora eu estava tentando fazê-lo se sentir prodigioso.
- Você é... diferente das garotas daqui. Em Onoiriono nenhuma delas enxerga meu
trabalho dessa maneira.
Agora me senti mal. Principalmente com o olhar grato de Fredcow. Era como se eu
tivesse lhe dado outro ânimo de vida.
- Essas garotas não sabem de nada. Você é um aventureiro. Desbravando os lugares
mais distantes de Andaluz em busca de um bem maior – agora me sentia na obrigação de
continuar deixando o coitado animado.
Olhei para Aragorn que agora parecia impaciente com a tagarelice de Hanna. E me
olhava preocupado.
- Então... é... Fredcow você é casado? Ou tem alguma namorada?
A pergunta para ele caiu como se eu estivesse abrindo caminho para algo mais íntimo.
- Claro que não – ele respondeu eufórico – quer dizer... não. Estou tão livre como um
Fotarur galopante.
Hem?!
- Ah... é... Um Fotarur galopante. – respondi alienada. O que afinal de contas seria um
Fotarur galopante? Um sapo? Um canguru? Um cavalo? Uma coisa eu já tinha percebido dos
animais de andaluz. Eles não eram tão diferentes dos da minha dimensão, se diferenciavam além
dos nomes, mais no tamanho. Ou eram absurdamente grandes como o Atreio, o tigre pré-
107
histórico que quase me devorou um dia, ou eram insignificantemente pequenos como os Pafis.
As criaturinhas da floresta que tinham o tamanho de uma formiga e a aparência de um iguana.
Eu já tinha me acostumado a encontrar com alguns pela floresta e já nem corria para me
esconder atrás de Aragorn quando eu via algum bicho.
- Mas e você... Melissa – Fredcow fez uma pose charmosa na cadeira – você e
Aragorn...
Agora quem estava flertando era ele. Eu sabia que não podia culpá-lo já que eu mesma,
nessa idéia idiota de provocar Aragorn, estava lhe dando esperanças.
Olhei para Aragorn que agora estava de costas pra mim. E Hanna muito... mas muito
sorridente mesmo.
- Eu e Aragorn... – as palavras morreram nos meus lábios. O que eu diria a ele? Que nós
não tínhamos nada? Que somos apenas amigos? Que Aragorn e eu não... que eu não...
Enquanto tentava encontrar uma resposta para Fredcow, meus olhos encontraram
novamente Hanna e seu charme se lançando para cima de Aragorn. Uma percepção estranha fez
meu corpo gelar e meu estomago revirar. Eu não podia ver a expressão de Aragorn, mas não me
agradou pensar que ele pudesse estar gostando da companhia e da conversa com ela.
Uma curiosa sensação de já ter passado por aquilo me deu um nó na garganta. Eu não
conseguia me lembrar onde já tinha visto aquela cena, isso porque um alarme de perigo
disparado dentro de mim me fazia zumbir os ouvidos e o coração disparar expulsando de forma
violenta o ar de meus pulmões me deixando zonza. Era algo familiar ver aquela mulher bela e
sedutora, sorrindo e olhando nos olhos de Aragorn.
E eu me levantei.
- Foi muito bom conversar com você Fredcow. – E saí andando deixando Fredcow sem
entender porque o deixei sozinho.
Enquanto eu caminhava, era como se entrasse num túnel do tempo. E a imagem de
Hanna e de Aragorn foi se transformando a minha frente. Passo a passo a paisagem se
modificava em meus olhos. A árvore em quem os dois estavam debaixo sumiu, o chão se
transformou em água, uma margem de um rio apareceu, os dois agora estavam dentro desse rio
e brincavam... então eu soube o que aquela cena me fazia lembrar. E como se estivesse presa
aquela lembrança, continuei andando devagar e me preparando para ver mais uma vez a cena
que havia me destruído. Ver os dois se beijando e devastar meu coração.
Aragorn e Hanna não pereceram notar minha aproximação.
- ...agente pode ao menos se divertir, como fazíamos antes. Lembra?! – pegar a
conversa no meio do caminho não foi bom pra mim. Tão pouco ouvir e sentir no tom da voz de
Hanna a malícia e o erotismo implícito.
E o que eu estava fazendo ali? O que eu queria ver de perto?
- Isso não será possível – Aragorn respondeu secamente a ela.
108
Hanna então percebeu minha presença e me olhou desgostosa.
Aragorn se virou e me olhou surpreso. Esticou o olhar por cima da minha cabeça vendo
o pobre Fredcow abandonado na mesa. Me olhou novamente tombando levemente a cabeça de
lado me questionando com os olhos: “O que aconteceu?”
- Você demorou. – falei tentando explicar o que estava fazendo ali. Nem eu sabia.
- Nós ainda temos muito que conversar – Hanna falou na intenção de que eu me
retirasse. Os olhos dela em mim me desconcertaram e me fizeram sentir um pequeno e
dispensável ser. – há muita coisa que precisamos colocar em dia já que Aragorn sumiu por
tantos anos. – ela olhou para ele e sorriu.
Eu me recolhi na minha insignificância me sentindo além de intrometida, indesejada.
Não devia ter ido interromper a conversa dos dois.
Olhei para aquele monumento de mulher a minha frente e ameacei voltar para o meu
lugar. Aragorn segurou minha mão.
- Hanna... Acho que você não entendeu. Tudo que tinha pra me dizer já foi dito.
Ela olhou para ele confusa e frustrada.
- O que você esta me dizendo Aragorn?
- Esta vendo esta garota aqui? – ele se posicionou atrás de mim segurando em meus
ombros. – ela... Melissa. A garota que esta a sua frente, é por causa dela que nós não temos mais
nada a dizer.
- Mas... vocês nem estão... juntos e...
- É verdade. – ele a interrompeu - Não estamos. Mas isso não muda nada.
Hanna olhou para ele tão desapontada que quase me deu pena.
Sentia as mãos firmes de Aragorn sobre mim e eu estava em tal estado de choque que
nem piscava.
Ele tinha acabado de dar um fora em Hanna na minha frente. O fim que eu esperava
naquela cena não aconteceu. Ele não se deixou seduzir, não a beijou... não caiu nos encantos
dela.
Não sabia se me sentia feliz com isso, ou triste por imaginar que assim como Aragorn
foi capaz de dizer não a Hanna por mim, se Jeziel tivesse agido assim, as coisas poderiam ser
diferentes hoje.
As mãos protetoras de Aragorn ainda me firmavam, e neste momento... nesta hora em
que Hanna quis me fazer sentir um nada, assim como naquele dia em que Raika me mostrou o
quanto eu era insignificante e dispensável, esse ato de Aragorn foi tão valioso pra mim... Eu não
me senti envaidecida, nem vingada... eu me senti abrigada.
Hanna ainda me olhou enraivecida por alguns segundos, depois se virou e marchando
saiu bufando indignada.
109
Eu permaneci parada e sentindo as mãos de Aragorn deslizar por meus braços
delicadamente.
Não tive coragem de me virar e ver seu rosto. Fiquei completamente abalada com
aquela declaração pública de afeto e pela surpresa do desfeche de tudo. A surpresa foi tão
grande como no dia em que vi Jeziel e Raika só que de uma forma avessa. Se Jeziel naquele dia
havia me abatido, hoje Aragorn me fez sentir especial. Era tão fácil para ele demonstrar e
expressar por mim seus sentimentos que me constrangia. E me constrangia ainda mais o fato de
eu perceber o quanto gostava disso.
- Garota... – ele falou e me girou para estar de frente a ele. – eu falei dessa forma a
Hanna para que ela entendesse que não adiantaria perder seu tempo comigo. Não esqueci que
prometi não te tocar antes que me diga que eu posso.
- Ahrãn... – falei sem ainda me recuperar do choque. Eu precisava usar monossílabas
para não demonstrar o quanto estava exultante. Feliz.
- Você esta tão corada – ele sorriu angelicalmente passando os dedos em minhas
bochechas.
Claro que eu estava corada. Estava morrendo de vergonha por Hanna e de alegria por
Aragorn. Por dentro estava em uma festa particular pelo alívio de saber que o que aconteceu na
fazenda de Maxuel não tinha sido culpa minha. E por muito tempo eu me culpava. E finalmente
descobrir que eu não poderia ter feito nada, que a reação de Jeziel que devia ter sido diferente,
assim como a de Aragorn hoje, que fez meu sangue correr mais rápido em minhas veias.
- Você não devia ter feito isso Aragorn. Ela vai me odiar. –falei buscando uma forma de
esconder meus sentimentos, levando para outro lado.
- Não vai não. Hanna vai odiar a mim.
Ele sorriu despreocupado.
- Venha, vamos comer alguma coisa. – E caminhamos até a mesa da comida.
Músicas, danças, risos, brincadeiras, flores, muita comida, muita bebida... os
convidados animados, a decoração iluminada, perfeita, um céu marchetado de diamantes
celestiais e Aragorn ao meu lado, tão a vontade, tão seguro, tão tranqüilo, ali no meio de toda
aquela gente que ele conhecia desde criança, ele estava tão ele mesmo. Admirável, belo,
espontâneo. E olhando para ele descobri que Hanna estava completamente enganada e certa ao
mesmo tempo, em relação ao meu conhecimento da vida de Aragorn. Certa porque ela tinha
razão em dizer que ele era a pessoa mais transparente que pudesse existir. Não é preciso ler a
mente dele para saber o quanto ele é verdadeiro, confiável, sincero... e completamente errada
em dizer que eu não o conheço. Esse é Aragorn. Esse mesmo que esta a minha frente
conversando com seus amigos e sorrindo de forma a iluminar o mundo. Esse mesmo Aragorn é
o que viaja comigo me protegendo, me alimentando, me fazendo dormir enquanto canta. Eu o
conheço.
110
Ele me olhou conferindo se eu estava gostando da festa. Seus olhos nunca ficavam
longe de mim por muito tempo, e eu adorava isso. Lhe sorri confirmando.
Hanna parecia ter entendido o recado de Aragorn mais cedo e nem sequer olhava para
ele quando passava por nós. Ele tinha razão. Ela iria odiá-lo a partir daquele dia.
Aragorn me deixou numa mesa sob um poste iluminado enquanto ia acompanhar Naske
pela festa.
Numa serenidade e confiança que a muito eu não sentia, de paz comigo mesma e com o
mundo, eu olhava distraída e admirada para o alto do poste que continha uma pedra que
emanava luz. Aquilo para mim era fascinante. Em andaluz não havia eletricidade gerada por
redes de energia ou hidroelétricas. O jardim estava mais claro que um estádio de futebol com
todos aqueles holofotes, e sua iluminação provinha das pedras. Algumas pedras especiais como
as que Fredcow encontrava. E essas pedras-lâmpadas em especial, sabiam a hora exata que
deviam se ascender. Quando a noite chegava automaticamente elas passavam a iluminar
qualquer ambiente onde estavam, e a beleza delas é que cada uma tinha uma cor diferente
deixando o ambiente além de iluminado, adornado graciosamente.
- Melissa! – Soleh me saudou e sentou a minha mesa com dois copos de bebida gelada
me entregando um. – o que esta achando?
- Esta tudo muito bom. – respondi dando um gole pequeno na bebida.
- Conseguiu botar Hanna pra correr?
- Bem eu não fiz nada. Aragorn que...
- Ela não desiste nunca.
Aproveitei o copo e tomei mais um gole, dessa vez mais longo, do suco que ela me
trouxe.
- Ele e Hanna já...
- Ah sim, Hanna já nasceu interessada em Aragorn. – ela riu – eles tiveram um namoro
adolescente, mas nada muito sério, para ele pelo menos.
- Toda mulher que eu conheço nessa dimensão parece querer Aragorn. – Eu disse e
rapidamente num tom irritado tapei a boca com a mão surpresa com o que eu falei.
Soleh sorriu.
- E você também. – ela afirmou – não é?
- Isso não é da sua conta! – resmunguei e tapei a boca novamente.
- O que você acha de Aragorn? Realmente?
- Aragorn é tão sexy e tão perfeito, as mãos dele são tão fortes e quentes a voz dele é tão
envolvente e o olhar de ouro dele é tão caloroso e único e seu corpo é... – assustada me forcei a
calar. O que eu tinha que falar essas coisas a Soleh? Nem eu mesma admitia isso para mim. Era
perigoso andar sozinha com Aragorn por toda Andaluz pensando nessas coisas.
111
- O que não entendo é o que você esta esperando para ficar com ele se ele mesmo já
disse que quer você.
- Eu tenho coisas mais importantes para fazer aqui do que ter um romance. Não é que eu
não o queira, só que não posso... é que preciso... – assustada larguei o copo sobre a mesa e tapei
a boca com força antes de falar mais alguma coisa que não devia.
Soleh sorriu travessa.
- O que você fez comigo?! – perguntei assombrada.
- Eu? Nada! A água da fonte de Onoiriono é que esta me ajudando a descobrir seus
segredos.
- Eu não tomei essa água.
Ela olhou sugestivamente para o copo de suco a minha frente.
- Suco feito da mais doce apeliay com a mais fresca e gelada água da fonte.
- Droga! – reclamei. – você me dopou com essa água esquisita?
- Eu só quero saber quem é você, e porque esta andando com Aragorn e porque ele faz
tanto segredo sobre você. Me preocupo com ele.
Senti uma compulsão incontrolável de abrir a boca e revelar na mais pura sinceridade,
todas as perguntas dela.
- Aragorn! – gritei a ele que a poucos metros de mim veio ao meu auxílio
imediatamente.
- O que foi garota?
- Ela me envenenou! – apontei revoltada para Soleh que deu de ombros para Aragorn.
Ele olhou para o copo e entendeu tudo.
- Soleh... porque não deixa Melissa em paz. – ele pegou o que sobrou do meu suco e
jogou na grama.
- Eu só queria descobrir algumas coisas.
- Porque não vai descobrir se tem alguém querendo sua companhia bem longe daqui?!
- Aragorn... Você cresceu e ficou chato. - ela levantou e saiu me acenando naturalmente
e sem nenhum remorso.
Aragorn sentou.
- O que ela conseguiu arrancar de você? – ele perguntou preocupado.
- Acabei contando a Soleh o quanto acho você sexy e perfeito e que suas mãos são
fortes e quentes e sua voz envolvente e seu olhar de ouro é tão caloroso e único e seu corpo é...
– Gritei cobrindo o rosto tentando sair do efeito revelador da bebida. – que droga... o que eu
estou dizendo?!
- Ual!! – Aragorn suspirou. Assobiou. – nossa... – ele parecia perturbado com minha
revelação nada espontânea, mas totalmente verdadeira.
- Ai!! O que eu estou fazendo? – falei angustiada.
112
- Eu só precisava saber se ela descobriu sobre você ser de outra dimensão. Ou sobre
para onde estamos indo.
- Não consigo me dar bem com essas bebidas de Andaluz. – reclamei.
- O efeito passa.
- Quando?
- Amanhã.
- Amanhã?! Quer dizer que até amanhã eu vou revelar para todo mundo que me
perguntar alguma coisa, toda a verdade?
Ele me olhou confirmando.
- E você, não vai aproveitar e me perguntar tudo o quer saber sem eu ter como não
responder? – falei inquieta e apreensiva.
- Eu não faria isso. Não com você. Quando você quiser me contar a verdade estarei aqui
para ouvir. Mas não dessa forma.
- Mas eu quero contar... contar tudo... quero contar porque nunca te contei a verdade
toda da minha presença em sua dimensão, quero contar que eu vim aqui para...
Ele se levantou e tapou minha boca.
- Não... não garota. Você não pode, não sobre o efeito dessa água. Eu quero e preciso
saber a verdade, mas não assim. Não posso permitir que você faça isso.
Sob a mão dele que pressionava meus lábios eu murmurava e balbuciava querendo ter
liberdade para falar tudo de uma vez. Mas ele como sempre estava certo. Se eu fizesse isso sob
o efeito da bebida, acabaria me arrependendo amargamente.
Parei de tentar falar e agradeci com um sorriso o fato de Aragorn não se aproveitar do
meu momento de fraqueza.
- Esta melhor agora.
- Não. Mas não me pergunte nada ou eu respondo.
- O melhor é levar você para o quarto. Você dorme e amanhã tudo terá voltado ao
normal.
- E você vai ficar sozinho na festa rodeado por essas mulheres lindas, loucas para
agarrar você a todo custo?
Ele sorriu.
- Tô falando de mais... de novo. – virei o rosto totalmente sem graça.
- Venha. Vou te colocar para dormir.
Ele me guiou para o quarto e por todo o trajeto eu forçava minha boca a ficar fechada.
Meus lábios já estavam doendo de tanto forçar os dentes sobre eles.
Aragorn ia rindo da minha cara pelo caminho.
Quando entramos no quarto, arranquei as sandálias, e me atirei sobre a cama.
- Agora seus segredos estarão seguros.
113
- Você não vai voltar para festa, vai?!
- Não é bom que eu fique com você. Agora.
- Por favor. Eu quero que fique. – falei manhosa.
- Garota...
- Fica comigo... agente pode conversar.
- Confie em mim, pode não ser uma boa idéia.
- Porque não? – perguntei confusa.
Como não poderia ser uma boa idéia se tudo que eu mais queria agora, e com toda força
dentro de mim, era Aragorn ao meu lado e poder tocá-lo.
Ele me olhou pensativo.
Me levantei e fui até ele.
- Você não quer ficar comigo? – minha voz fez um som dengoso e sensual.
Lancei meus braços ao redor do pescoço de Aragorn e aproximei meu rosto do seu.
Ele fechou os olhos e respirou fundo me puxando pela cintura até sentir seu corpo.
- Garota... não faz isso comigo. – ele falou. Perecia torturado.
- Fazer o que? – segurei seu rosto tentando ver seus olhos.
- Eu prometi não te tocar, mas só se você não quiser. E a água que você bebeu esta me
revelando o que você quer. Posso aceitar esse convite.
E mirei seus lábios. Nossa proximidade me permitiu sentir o coração dele quando
passou a bater mais forte.
- Você sabe o que esta fazendo? – ele me perguntou com a voz rouca.
- Eu sei.
- E o que é?
- Estou impedindo que você saia e acabe ficando com alguém na festa.
- Por quê?
- Porque eu... eu ... não sei.
- Não sabe por que não quer me ver com ninguém?
- Só quero você comigo. Agora.
- Agora? – ele me perguntou se aproximando dos meus lábios.
- Agora... – respondi já sentindo o calor nos lábios dele alcançar os meus.
- Melissa... me diga... gosta de estar comigo?
- Sim...
- Quer mesmo que eu fique?
- Quero... mesmo...
- E o que vai fazer comigo aqui?
- Vou beijar você. – falei deixando que meus lábios tocassem os dele de forma quase
imperceptível.
114
- Você se lembra que esta sobre o efeito da água da fonte daqui?
- Lembro.
- E que tudo que esta me dizendo agora é verdade. E que eu não vou me esquecer disso.
- Não precisa esquecer. Ela revela nossos mais profundos desejos e... Só o que quero
agora é que você me beije.
- E?...
- E você esta se aproveitando do meu estado para me ouvi dizer o que estou sentindo.
Não esta?
- Estou... só um pouco. É bom saber o que há em seu coração.
- Só quero um beijo. Seu beijo me faz bem. E se quer mesmo saber o que há, eu...
Aragorn não me deixou contar. Colou seus lábios nos meus num beijo forte e quente,
prendendo meus cabelos entre seus dedos e me fazendo esquecer o que eu compulsivamente
sentia necessidade de falar. Novamente me sentia sendo levada para um mundo onde não havia
dor nem medo nem dúvida. Era como entrar no mundo tranqüilo e confiável de Aragorn
sabendo que haveria para mim eterna proteção e conforto sem nunca mais precisar me lembrar
do que me tinha causado tanta dor.
Quando o beijo cessou, Aragorn me abraçou carinhosamente. E eu me enrosquei em
seus braços querendo nunca mais precisar sair dali.
- Eu não preciso da água da fonte pra te dizer Melissa o quanto te quero e o quanto teu
beijo... teu calor me faz bem. E eu queria muito... muito que você me dissesse isso de novo
quando estiver sem esse elixir correndo em seu sangue. Mas eu sei que você ainda não esta
pronta pra isso.
- Você tem razão. Ainda não estou.
- Mas quando estiver... e quando quiser me contar a verdade estarei aqui pra você.
Sempre.
- Obrigada.
- Agora vá dormir. – me ordenou.
- Só se você ficar aqui.
Ele me guiou até a cama, puxou o cobertor me fez deitar e me cobriu. Se sentou numa
poltrona ao lado da cama e passou a me olhar.
Eu também olhava para o rosto sereno de Aragorn que conseguia de uma forma
inexplicável me transmitir tanta paz. E era por isso que essa viagem maluca por andaluz não
havia me levado a desistência ou a loucura. Olhar para ele me dava a confiança que tudo iria
acabar dando certo.
- Posso te fazer uma pergunta?- falei curiosa.
- Depende.
115
- Eu faço uma troca com você. Se me responder sinceramente, você pode me fazer uma
que eu responderei sinceramente.
- Como se você tivesse escolha. Mas tudo bem. O que quer saber?
- Você sempre me olha dessa forma como se não acreditasse no que vê. O que pensa
quando me olha assim?
Ele respirou fundo. Percebi que ele não queria me contar, mas ele sempre cumpria sua
palavra e havia aceitado responder sinceramente. Ansiosa esperei por sua resposta.
- Em o quanto você me tem para si. E nem sabe disso. E o quanto dói te ter tão perto e
tão distante ao mesmo tempo.
Meu coração parou e em seguida disparou. Enquanto eu via seus olhos brilharem não
conseguia desviar os meus. E como eu queria poder corresponder a esse sentimento.
- Agora é a sua vez. – ele disse tentando quebrar o clima que havia se formado com sua
resposta sem eu ter a reação que talvez ele esperasse.
- Quer saber o que eu penso quando olho pra você?
- Não garota. Minha pergunta é mais complicada porque eu sei e sinto que você confia
em mim. Sinto que você sabe que pode contar comigo para qualquer coisa e que você sabe que
não precisa me esconder nada. Mas esconde, e sei que isso te faz sofrer. Então... a minha
pergunta é: porque até hoje você não conseguiu me contar toda a verdade?
- Você não quer saber a verdade?
- Não agora. Só quero saber por que não me conta.
Eu respirei fundo me sustentei sobre um braço e olhei diretamente em seus olhos
dourados. E a verdade que estava em mim veio a tona.
- Porque tenho medo que você vá embora.
Seu sorriso de anjo levado desanuviou uma sombra de preocupação em seus olhos.
- E se eu prometer que jamais te deixarei.
- Não aposte nisso antes de saber a verdade.
- Então aposte você. Aposte no que sinto e creia que só se você me disser que não me
quer por perto que eu irei embora.
Ele afirmou com tanta certeza. Mas eu não apostaria nisso. Apostei em palavras
semelhantes a essa uma vez e perdi. Não faria isso de novo.
Quando acordei na manhã seguinte, e abri os olhos Aragorn ainda estava sentado ao
meu lado em sua poltrona me olhando.
- Você não saiu daqui? – perguntei surpresa.
- Você não quis que eu saísse.
- Vai sempre fazer o que eu pedir?
- Se você pedir com muito jeitinho... – brincou.
116
- Esta me deixando mal acostumada.
- Então... vai me contar agora toda a verdade da sua estada aqui em Andaluz?
- Vai tirando seu cavalinho da chuva. – me sentei na cama resmungando com ele. - O
efeito da água passou.
Ele sorriu.
- Que pena, eu poderia aproveitar e perguntar o que é um cavalinho.
Eu ri da brincadeira. Devia estar constrangida pela noite de ontem e pelo beijo que fiz
ele me dar, e de ter forçado ele a perder a festa só por que eu estava com ciúmes, mas não
estava. Aragorn tinha o poder de me fazer aceitar as tolices que eu cometia sem me condenar
quando ria assim pra mim. Era como se tudo fosse natural. Tudo entre nós.
Quando saímos do quarto a festa continuava no jardim da casa de Naske. Alguns
pareciam que nem tinham ido em suas casas. As crianças corriam brincando e todos ainda
estavam bem animados.
Quando nos sentamos a mesa, Naske apareceu e se sentou conosco.
- Escute Aragorn – ele sorria de uma forma estranha e sussurrava. – você é filho do meu
melhor amigo que foi morto pelos soldados de Cordomad. E eu nem sei por que eles ainda estão
atrás de você. – ele sorriu novamente olhando para os lados como se a conversa não fosse
aquela.
- O que esta acontecendo Naske? – Aragorn perguntou cismado.
- Eles estão na vila e procuram por você e por Melissa. É claro que ninguém disse nada,
mas é só uma questão de tempo para eles chegarem até aqui.
- Melissa, vá até seu quarto e pegue suas coisas. Precisamos ir embora – Aragorn me
falou apreensivo.
- Vamos dar cobertura a vocês. – Naske disse ainda disfarçando enquanto Aragorn
também se levantava rumo a seu quarto.
Discretamente fui até o quarto trocar de roupa e pegar minha mochila.
Quando havia tirado a roupa me preparando para colocar meu vestiário mais adequado
para cruzar Andaluz pela floresta, uma nuvem negra se formou dentro do quarto.
Eu gritei assustada e um homem se materializou a minha frente. Ele me olhou satisfeito
com o que viu e sorriu malicioso.
Estendeu a mão e andou em meu rumo. Dei alguns passos para trás até encostar na
parede. E sem ter para onde ir o homem me viu encurralada e se preparou para me capturar.
Atrás do Drevors a porta se abriu violentamente e Aragorn entrou com a espada em
punho já se lançando contra o soldado.
117
Pela porta também passaram Soleh, Hanna, Naske e alguns dos amigos de Aragorn para
ajudá-lo em minha defesa. Todos armados.
Enquanto Aragorn lutava com aquele soldado, Soleh me alcançou e Hanna pegava
minhas coisas espalhadas. Ambas me tiraram do quarto acompanhadas por uma comitiva de
homens e mulheres todos preparados para uma guerra.
- Aragorn! – eu gritei preocupada enquanto Soleh e Hanna enfiavam minhas roupas em
mim enquanto me empurravam para fora.
- Vá com elas! – ele gritou de volta – estou bem atrás de você.
Entramos em uma sala e ali pude respirar um pouco, mas Aragorn ainda não tinha
chegado e elas continuavam me vestindo. Quando finalmente estava vestida e pude pegar meu
bastão me senti mais segura, e uma nuvem entrou pela janela da sala deixando Soleh e Hanna
alertas.
Vários homens se materializaram. Quatro ou cinco, não deu para saber direito, pois eles
vieram para cima de nós tanto em forma de fumaça quanto em matéria, e não era possível contá-
los.
As garotas lutavam com agilidade. Eu tentava também fazer alguma coisa com meu
bastão e em nossa luta fomos levadas para fora da sala alcançando o jardim.
As crianças que antes brincavam foram recolhidas as pressas por seus pais e por adultos
que pegos de surpresa não sabiam o que estava acontecendo.
E finalmente Aragorn veio correndo para meu lado.
Uma verdadeira guerra se iniciou no jardim que à poucos minutos atrás era palco para
festa de aniversário de Naske que também lutava contra os Drevors.
Aragorn pegue Melissa e vá. Ocuparemos eles aqui para dar vantagem a vocês.
Aragorn me puxou pelo braço.
- Aqui Aragorn!... aqui!- uma das filhas de Naske acenava nos chamando para trás da
casa.
Aragorn precisou se livrar de dois Drevors que nos perseguiram, só então chegamos até
a garota.
- Vou abrir um portal para vocês. Não vão conseguir ir muito longe, mas será o
suficiente para que os Drevors não os rastreiem e não os alcancem.
- Milla, e vocês? – Aragorn se preocupou em deixar seu amigo e sua família.
- Aragorn... não se preocupe. Esqueceu que fomos nós que te ensinamos a usar a
espada?
Ele sorriu preocupado.
Ela bateu duas pedras que estavam em suas mãos, uma na outra provocando um
pequeno lampejo de luz e uma fissura se abriu no ar.
- Vão!
118
Aragorn me empurrou fissura adentro e agradeceu a sua amiga antiga com um sorriso e
entrou em seguida.
Do outro lado do portal. Estava tudo calmo e só o som de águas correndo se era ouvido.
Me senti desnorteada ao sair de um campo de batalha onde os sons agudos de espadas se
chocando e de pessoas gritando davam a impressão de que nunca acabariam e de repente me vi
num lugar que de tão calmo estava me dando nos nervos.
CAPÍTULO 11
Enormes paredões de rochas nos cercavam que de tão altos apenas uma estreita faixa
azul se podia ver do céu de Andaluz.
- Onde estamos? – perguntei um pouco alto de mais e o eco da minha voz ressoou nas
paredes rochosas.
- Seguros – Aragorn respondeu sem fazer eco. – Milla nos mandou para o vale do
encontro.
- Sei! Quer dizer então que esse é mais um daqueles lugares da sua dimensão onde
alguma coisa esquisita acontece?
- Esquisita? Como assim?
- Igual à fonte de água da verdade...
Ele sorriu.
- Não, é só um lugar deserto e de difícil acesso onde as pessoas vêem aqui para refletir e
encontrar respostas.
- Existe algum oráculo ou coisa parecida por aqui?
- Não que eu saiba. Nós costumávamos brincar aqui quando criança. É um lugar ermo
aonde os Drevors jamais viriam atrás de alguém.
Ele começou a andar e eu o segui.
- Para onde vamos agora?
- Encontrar um lugar para ficar até amanhã.
- Vamos ficar aqui até amanhã?
119
- Os Drevors desistirão de nos procurar se não nos encontrarem hoje na trilha mais
óbvia.
Aragorn andava rápido e eu sentia que ele estava inquieto e preocupado.
- O que foi Aragorn, porque esta nervoso?
- Eu não podia deixar Naske lutar sozinho. Sua família corre perigo, principalmente
agora que eles sabem que estivemos lá e que ele não nos entregou.
- Me desculpe.
- Sabe o que eu queria?!- Ele se virou bruscamente me encarando. – queria saber por
que Cordomad esta tão interessado em você! Já quebrei minha cabeça tentando descobrir o
motivo por trás dessa sua viagem... dessa perseguição incansável de Cordomad. O rei não age
assim. Até mesmo quando eu fugi. Ele me perseguiu por um tempo e logo desistiu de mim.
Nunca fui ameaça suficiente para ele me procurar como procura por você.
- Eu sei que tudo isso é culpa minha. Eles não teriam ido até lá se não estivessem atrás
de mim. – falei com remorso.
Baixei meu olhos para o chão rochoso sob meus pés. Aragorn tinha razão de estar
chateado. Alguns dos amigos dele poderiam estar mortos agora, e por minha causa.
O ataque dos Drevors na vila Onoiriono me fez lembra que eu não estava em Andaluz a
passeio, e que minha presença ali só estava causando morte e dor aos outros.
Aragorn parado a minha frente depositava seus olhos em mim e eu me sentia tão
culpada... tão responsável pelo infortúnio dos que acabaram pagando um preço alto pela minha
visita a essa dimensão. Ernst foi o primeiro. Aragorn sempre correndo perigo ao meu lado e
Naske que foi tão hospitaleiro... às crianças as filhas dele. Alguns deles poderiam não ter
escapado no ataque.
Um soluço rompeu em meu peito e de repente eu estava chorando.
Aragorn soltou ao chão sua espada e me puxou para seus braços.
- Me desculpe Melissa – ele me embalava – me desculpe. Só estou preocupado. Não
queria te fazer chorar. Por favor, não chore.
Ele ergueu meu rosto e enxugou com as mãos minhas lágrimas.
- Estou me sentindo tão culpada.
- Não. Nada disso é culpa sua.
- Eu nunca devia ter colocado meus pés nessa dimensão.
- Não diga isso. Esse mundo nunca teve valor sem você aqui.
- Não Aragorn...
- O único culpado é Cordomad. Nada justifica um ataque como esse numa vila inteira só
por causa de uma garota chorona como você.
Eu ri, mas as lágrimas ainda caiam por meu rosto. E ele as enxugou novamente.
120
- Esquece isso esta bem. Naske sabe se cuidar e as filhas dele também. Milla não estava
brincando quando disse que eu aprendi a usar a espada com eles. Todos estão bem e você esta
bem. Isso é o que importa.
- Eu só trago confusão para sua vida. Se eu não estivesse aqui você poderia estar agora
em sua ilha.
- E fazendo o que? Garota... não posso negar que sem dúvida, ao seu lado é uma
confusão atrás da outra, mas você trouxe muito mais que confusão pra minha vida. Você trouxe
luz, uma luz que emana de você e que me ilumina por dentro.
Me afastei dele e me sentei numa rocha. Ele expressava seus sentimentos mais uma vez
de forma a me constranger e eu não sabia lidar com isso.
Ele se aproximou se ajoelhou a minha frente, retirou o cabelo que cobria meu rosto.
- Sabe o que eu fazia aqui em Andaluz antes de você chegar?
Olhei para ele admirada em como ele era capaz de me tratar de uma forma tão carinhosa
apesar de eu ser um estorvo na vida dele.
- Não. - Respondi entristecida.
- Esperava por você. – me deu o sorriso que eu já amava e ajeitou minha franja.
Baixei os olhos constrangida.
- E já que esta aqui, não quero te ver chorando, nem com essa carinha triste. – ele se
levantou me puxando com ele.
- Aragorn... Você não existe. – falei agradecida pelo consolo.
- É bom que eu exista, ou você estará perdida com Cordomad atrás de você.
Passei a andar ao seu lado, e até me sentia melhor com o carinho de Aragorn, mas uma
coisa não saia da minha cabeça. Era sim minha culpa tudo que estava acontecendo, e o pior,
além de ser culpa minha a perseguição de Cordomad, era também culpa minha em que Aragorn
não sabia de nada e por isso me tratava dessa forma.
Eu estava tão cansada de ter que esconder a verdade. Aragorn podia ter sido tão menos
nobre ontem e arrancado toda a verdade de mim. Eu sei, ele me poupou de fazer algo que eu
não queria realmente, mas estava impulsionada a fazer sob efeito da bebida, e ele temeu que eu
me arrependesse, ou que ficasse com raiva dele por ter se aproveitado de mim, e as duas
opiniões dele estão certas, mas hoje eu teria um peso a menos para carregar. Talvez sozinha...
poderia estar sozinha agora, mas não estaria com esse peso no coração por estar enganando
Aragorn que é uma pessoa extraordinária, e me trata de uma forma que eu não mereço.
Ele deixou seus amigos, amigos de infância. Pessoas que cresceram com ele... E ele os
deixou para trás para me manter em segurança. E eu sabendo de tudo, sabendo o quanto eu não
devia deixar agir assim comigo.
121
E o que foi aquilo ontem? Que história foi aquela de dizer a Aragorn que queria beijá-
lo?! Como eu posso ser tão cruel assim. Não posso ficar com Aragorn e ainda assim deixo meus
confusos sentimentos dar esperanças a ele.
Aguazinha ordinária. E ele ainda me afirmou que não iria esquecer o que eu disse. E
com certeza não esqueceria mesmo.
- ...O que acha?
- O que? – perguntei surpresa já que não tinha ouvido Aragorn falar comigo.
Ele parou e me encarou.
- Não ouviu nada do que eu disse, não foi?
- Estava distraída.
- Pensando em...
- Em ontem à noite Aragorn, com o que eu disse e no b...
- Vai querer tentar se explicar? Não há nada que você diga que mude o fato de que você
queria me beijar ontem à noite.
- Seu sei mas...
- Mas você não pode... não deve... não é certo... Já ouvi isso garota.
Ele andou até mim me sufocando com seu olhar.
- Porque você não para de lutar contra si mesma?
- Eu...
Ele se aproximou mais e tudo em mim se abalou.
- Você?!
- Eu...
- Estou esperando...
Com dificuldade consegui passar por ele.
- Estou com fome.
Ele deixou percebendo que eu estava fugindo dele e do assunto que eu mesma tinha
começado. Respirou desgostoso e voltou a caminhar.
- Vou preparar algo para você.
Agradecida por ele não insistir, caminhei ao seu lado até a beira do rio.
Quando a noite chegou, ao redor da fogueira, eu via Aragorn cuidando de suas armas.
Seu arco, suas flechas, sua espada. Seus olhos estavam distantes ainda que olhassem para o
brilho do metal. Seus pensamentos também.
Ele não estava no seu normal. Estava ansioso e preocupado e com certeza chateado
comigo por ter fugido do assunto mais cedo.
Ele mesmo me disse que queria ouvir de mim, no meu normal, o que tinha dito para ele
ontem à noite sob o efeito da água do poço.
122
Eu sabia que se eu fizesse isso faria dele o homem mais feliz de Andaluz. Mas, eu não
podia.
E não podia ver ele chateado desse jeito.
- Aragorn você sabe o que é feito pra comer mais não se come?
Sem mover a cabeça ele ergueu os olhos para mim já sabendo que eu iria bombardeá-lo
com minhas piadas até fazê-lo rir.
- Não.
- O talher.
Ele continuou afiando sua espada.
- Sabe por que o trem apita na estação?
Ele nem ergueu o olhar.
- Porque o maquinista puxa a cordinha.
Ele não me deu bola.
- Sabe qual a diferença entre um gato e um sabonete?
Esperei.
- Tome banho com os dois. O que te deixar todo arranhado é o gato.
- Melissa... – ele embainhou a espada e me olhou sério. – eu não entendo as piadas que
você faz com as coisas do seu mundo. Não sei como são as coisas por lá. Nada é familiar para
mim. Nem os sentimentos do seu povo eu conheço. Por isso estou quieto. Pensando... tentando
desvendar você. Tentando descobrir porque você foge tanto.
- Aragorn, eu só quero que você sorria um pouco. Fico apreensiva quando te vejo com
essa cara. Você é sempre tão tranqüilo.
- Quer me ver sorrir? É só me falar o que quero ouvir.
Ele caminhou até mim, me puxando pelo braço a me levantar e estar a centímetros dele.
Eu podia sentir o calor do seu hálito doce.
- Você pode garota... eu ouvi desses mesmos lábios que estão a minha frente ontem...
ouvi você dizer que... eu sei que é verdade. Então porque não diz?
- O que o cavalo foi fazer no orelhão?
- Melissa! – ele falou indignado me soltando e voltando para seu lugar, irritado.
- Desculpe... eu só não posso.
Me sentei novamente agora procurando minha capa para me deitar e deixar Aragorn em
paz. Tentando melhorar o clima entre nós eu estava piorando tudo. Ele devia pensar que eu
estava brincando com os sentimentos dele.
Demorei em dormir, pensando em que essa situação já tinha ido longe demais. Eu tinha
realmente que dar um jeito nisso. E o melhor a fazer seria contar de uma vez a verdade. Eu já
tinha planejado isso. Já tinha decidido isso. E era isso que eu iria fazer.
123
Me virei para ele na intenção de esclarecer tudo logo de uma vez, e quando vi que ele
me olhava já sem nenhum traço de irritação ou magoa, perdi a coragem. Como eu poderia
magoá-lo assim?
- Já sei garota. Você ainda quer saber se eu sei o que o cavalo foi fazer no orelhão?
Sorri aliviada. Pelo menos por essa noite eu ainda teria a companhia dele sem me odiar
ou tentar me matar.
- Você sabe?
- Não.
- Foi dar um trote.
- Me diga uma coisa. Alguém em sua dimensão conseguia rir disso?
- Na verdade só minha mãe e meu irmão.
E me lembrei do dia em que adquiri essa mania boba.
Minha mãe e Biel estavam preocupados comigo me achando muito deprimida, então
para fingir que estava tudo bem eu começava a contar as piadas que eu já tinha ouvido por aí.
Assim como Aragorn eles riam mais da minha cara do que da piada em si, e isso me ajudava a
esquecer meus problemas... minha dor. A me esquecer que eu nunca tinha contado uma piada
ridícula como essa para Jeziel. E pensar nele agora me deprimiu.
Me virei de costas novamente e me cobri com a capa.
Porque mesmo depois desse tempo todo, eu ainda sofria quando me lembrava dele?
De manhã quando acordei, estava me sentindo muito mal. Mal com toda aquela
situação. Com todo segredo, com todas às vezes que eu deixava Aragorn pensar que eu poderia
querer algo com ele. Mal pelo fato de Aragorn ser o que era, e eu, mesquinha e vil
aproveitadora. Mal também por ter demorado a dormir já que Aragorn não cantarolou sua
música e eu agitada passei boa parte do tempo pensando em tudo que passei com Jeziel. Tanto
os momentos bons quanto os ruins. E por sentir que ainda faltava muito para toda essa história
se desenrolar de fato, e eu finalmente poder ter paz e voltar para casa.
Desmontamos acampamento e prosseguimos a viagem.
O caminho era horrível. Pedregoso, irregular, em declive, pouquíssimas árvores e
pouquíssimas sombras. E nessa manhã nenhuma conversa entre mim e Aragorn. Ele ainda
estava chateado. Paciente e cuidadoso comigo como sempre, mas ainda chateado.
E aquilo estava partindo meu coração.
Continuamos andando e calados por todo o caminho até que de repente ele parou.
- O que foi? - perguntei surpresa.
Ele largou a mochila que carregava nos ombro no chão e me encarou.
124
Estava apreensivo e seus olhos de ouro pareciam querer ver minha alma. E eu podia ler
em seus olhos sua alma dizendo: “Faça alguma coisa Melissa... eu não agüento mais.”
Então eu soube mais uma vez o quanto estava fazendo mal a ele. Deixando ele esperar
por mim.
E o mal estar que me perseguia por toda a manhã chegou a seu ápice. Olhar para
Aragorn esperando algo de mim, e eu ali sem reação querendo criar coragem para fazer o que
ele esperava, me fez me revoltar contra mim mesma.
E ele ainda esperou por algum tempo, e então desistiu.
Sem falar nada, no mesmo rompante que ele largou a mochila, ele a pegou e jogou sobre
seus ombros e voltou a andar.
E eu cheguei ao meu limite. Não podia de maneira alguma deixar as coisas como
estavam. Precisava também aliviar a dor de Aragorn e contar de uma vez por todas, a verdade.
Era a oportunidade que ele me deu. A parada dramática dele foi a minha deixa. Mas
como sempre ele achou que eu iria continuar calada ou fazer alguma piada e fugir do assunto.
Não dessa vez. Não era justo com ele deixá-lo daquela maneira.
Já estava decidida que iria lhe contar o meu real motivo para estar em Andaluz e esse
me pareceu o momento ideal.
Andei adiantando o passo pelo piso de cascalho irregular para alcançá-lo.
- Aragorn, preciso falar uma coisa. – lhe chamei.
Ele se virou para mim e pela expressão que viu em meu rosto, sabia que finalmente o
mistério iria chegar ao fim.
Capítulo 12
Enquanto caminhava decidida até Aragorn, me lembrava que foi exatamente
isso que eu odiei em Jeziel sobre Raika. Ele me iludiu. Me deixou acreditar que estava tudo bem
e não me contou a verdade, que ele e Ernest acreditavam de que ela era a sua escolhida e não eu.
Eu o critiquei por não ter me contado a verdade. E agora estava agindo da mesma forma com
Aragorn.
125
Aragorn esperava eu me aproximar mais, e meu coração se angustiava na
expectativa de como seria sua reação ao me ouvir. E eu estava com medo.
Ele estava ansioso por me ouvir e eu estava apavorada por ter que falar. Ele iria
provavelmente me odiar. Eu sabia disso. Ele iria me considerar uma criatura desprezível, ele iria
se sentir usado, e com razão. Mas se ele me desse a chance de explicar meus motivos, ainda que
eu não conseguisse pensar em nenhum que fosse realmente forte agora para ter escondido dele
por tanto tempo...
E quando a poucos metros de Aragorn dei um passo mais ativo em sua direção,
para que eu conseguisse alcançá-lo antes da minha coragem ir embora, uma pedra solta rolou
me desequilibrando e fazendo que meu pé esquerdo entrasse numa fissura entre cascalhos. A
dor aguda que vinha de minha perna me fez cair e Aragorn me socorreu.
Delicadamente ele retirou meu pé dentre as pedras. A dor era muito forte.
Ele me examinou.
- Você torceu o tornozelo – Disse.
- Ah não... ai... - choraminguei pela dor - E agora?
- Vamos ter que arrumar um lugar para você descansar, não pode andar desse
jeito.
Ele me suspendeu no colo preocupado, se esquecendo totalmente que eu queria
lhe falar a verdade, e minha deixa se foi, e o cuidado dele comigo espantou minha coragem
também. Eu teria que esperar por outra oportunidade.
Aragorn andou comigo durante horas nos braços. Meus cinquenta e quatro
quilos não pareciam estar o incomodando. Meu tornozelo latejava.
Avistamos uma pequena casa no alto de uma montanha e Aragorn subiu comigo
até lá. Ao chegar no alto ele me colocou sentada sobre uma pedra e foi até a casa verificar se
havia alguém.
Uma mulher de cabelos brancos tão longos que mais pareciam suas vestes abriu
a porta surpresa com a inesperada visita. Mesmo distante eu podia ver seu rosto envelhecido
pela idade, mas muito agradável. Aragorn lhe falou algo que não deu para eu ouvir pela
distância, mas ela abriu um largo sorriso e olhou para mim solidariamente. Gesticulou falando
com ele e Aragorn veio até a mim me pegando no colo novamente e me introduzindo na casa da
velha senhora.
- Olá linda menina, seja bem vinda em minha casa. Ela é simples, mas abrigara
muito bem os amigos.
- Obrigada – Respondi sinceramente diante da cordialidade da senhora.
- Meu nome é Luna e vocês podem ficar aqui pelo tempo que precisar – Ela
estava alegre com nossa presença. Feliz em receber visitas naquele ermo lugar.
126
Aragorn me sentou numa banqueta enquanto a Sr. Luna trazia uma lata
enferrujada com uma papa escura de cheiro forte.
Aragorn se ajoelhou na minha frente tirando minha bota com cuidado e meteu a
mão na papa estranha aplicando uma boa quantidade sobre meu tornozelo inchado.
- Isso vai ajudar a tirar a dor e o inchaço e depois de um bom repouso você vai
estar boa novamente. – Aragorn estava excessivamente atencioso e preocupado. Cada gemido
que eu dava me olhava como se tivesse culpa pela minha dor. Envolveu meu pé numa atadura
improvisada e me carregou até uma cama que Sr. Luna preparara para mim.
- Deite-a aqui – Disse a Sr. Luna – Ela precisa descansar agora.
- Obrigado por nos receber. – Disse Aragorn.
- Ah meus queridos eu queria poder recebê-los bem melhor mais uma mulher
velha como eu já não tem a disposição de outrora. Eu poderia fazer um belo almoço, mas só
tenho verduras, a tempos que não caço. – Ela se lamentava de uma forma exagerada.
Aragorn revirou os olhos para mim teatralmente com o sorriso maroto que já me
agradava de uma forma tão familiar.
- Eu vou caçar então. Já que a senhora esta nos ajudando tanto, terei uma forma
de agradecer.
- Ah meu, filho você faria isso para essa pobre velhinha? – Ela se animou – Já
que vai mesmo caçar pode me trazer um Caiutu. Carne de Caiutu, é a minha preferida. Eles são
muito velozes não conseguiria nem que tentasse, mas você é um jovem forte e ágil. – ela
cutucava os braços musculosos dele. – E sei que consegue.
- Caiutu?- Aragorn parecia se sentir explorado – Certo.
Ele apanhou suas armas que havia deixado na entrada da casa e me deu mais
uma olhada e saiu para caçar.
Fiquei deitada olhando Sr. Luna andar agitada de um lado por outro falando
sobre o almoço, mas não me pareceu que ela falava realmente comigo. Já estava ficando tonta
de vê-la girar como um redemoinho dentro da minúscula casa que abrigava tanta tralha.
Eu não saberia dizer para que servia nem duas ou três das coisas que vi naquele
lugar, mas ela manuseava muito bem tudo aquilo. O cheiro que vinha das panelas começou a
encher a casa me lembrando que eu estava com fome.
- O seu amado se preocupa muito com você – Ela se sentou na beira da cama
me entregando uma fruta.
- Ele não é meu amado, é meu amigo. - Peguei a fruta.
- Mas você é a amada dele. Sabe disso não sabe? – Ela me olhou
profundamente. Claro que sabe.
- Ele é só meu amigo – Reforcei.
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- Grandes amores começam das amizades. E você não me parece ter tanta
certeza de que ele é só um amigo.
Olhei meio confusa para aquela mulher. Porque todo mundo agora tinha se
determinado a me fazer pensar em Aragorn como alguém mais que um amigo?
- Porque esta dizendo isso?
- Porque se você tivesse tanta certeza do que esta me dizendo já teria contado a
ele a verdade.
Aquela mulher estava me confrontando num momento estranho. Ela não tinha
como saber a verdade. Ou de que verdade ela estava falando?
- Você sabe que vai partir o coração dele. Por isso não fala. E se você se
importa é porque o sentimento já passou da amizade. Amigo agente não perde quando fala a
verdade. Pelo contrário. A amizade se fortalece. Você tem medo de perdê-lo.
- Não. Eu iria falar tudo para ele a horas atrás mas a maldita pedra que tropecei
me atrapalhou. – De repente entrei no clima da conversa como se ela pudesse realmente saber
do que eu estaria falando.
- As pedras do caminho nem sempre são para atrapalhar. Se um atirador de
funda encontra pedras em sua estrada ele as usa para se defender. Se a pedra for grande serve
para se esconder.
- Mas eu tropecei por acaso, se não fosse isso eu teria falado tudo a ele.
- Talvez o destino tenha te dado mais uma chance de pensar direito no que vai
dizer.
- Se a Senhora soubesse o que tenho para contar...
- Que você tem outro amor em seu coração? - Ela me interrompeu me
assombrando com sua revelação. – Menina. Eu sei mais do que você possa imaginar.
Olhei para ela espantada.
- O que a senhora sabe?
- Sei quem é você, sei de onde veio, e o que esta fazendo aqui. Futura rainha de
Andaluz.
- Como pode?! - Perguntei assustada. Quando me movi meu pé doeu
novamente.
- Meu dom é entrar em qualquer bloqueio mental. Não há segredos para mim. -
ela me acomodou novamente sobre o travesseiro.
- A senhora consegue ver minha mente?! - perguntei perplexa.
- A dele também. E de qualquer pessoa que se aproximar de mim.
- Por favor não fale nada a ele. – Supliquei.
- Não vou falar. – Ela sorriu gentilmente.
128
Ela podia ler meu pensamento. Não estava muito a vontade com isso. Que dom
mais inconveniente. E ela percebeu.
- Por isso me isolei neste lugar. – Ela se justificava - As pessoas que me
cercavam não tinham... Digamos, pensamentos muito bons a meu respeito, e então depois que
meu marido morreu preferi viver sozinha a ter que ver todos os dias os pensamentos dos outros
sobre mim.
- Desculpe, eu não quis te aborrecer eu só...
- Não se preocupe, eu sei que você não pensou por mau.
Admirada quis saber mais detalhes.
- Mas porque eles pensavam mal da senhora?
- Porque eu ousei amar. – Meus olhos nos dela perguntavam sobre o que ela
estava falando.
- Menina, quando eu era jovem como você, meus pais tinham grandes planos
para mim. Havia uma profecia na minha vida assim como há na sua, mas eu queria ser dona do
meu destino. E viver por minhas próprias escolhas e não pelo que estaria determinado a mim
antes de eu nascer. – Ela olhava um ponto fixo na parede sobre minha cabeça e me contava sua
história - O tal do meu amor prometido era uma pessoa boa, trabalhadora e bem bonito até. Não
podia dizer que não gostava dele quando estávamos juntos éramos como um só, mas eu nunca
havia conhecido mais ninguém além dele, então estava já conformada que ele seria o homem da
minha vida. E antes de chegar a idade de me casar. Eu conheci um rapaz que veio de viagem do
outro lado do mar de Andaluz. E ele era tão lindo e fazia meu coração bater forte quando se
aproximava. Eu não entendia porque, afinal eu já tinha o amor para vida toda. Mas algo nele me
inspirava. Então depois de um tempo tive que tomar uma decisão. De ficar com quem eu devia
ou com quem eu queria. E depois da decisão meus pais jamais olharam para mim de novo.
Toda a cidade me tratava com desprezo. Eu fui um escândalo para todos. Eu
quebrei as regras. Hoje é normal você poder escolher com quem quer ficar, mas no meu tempo
era como uma blasfêmia. Enxotaram-me da cidade, mas todos os povoados das outras já sabiam
o que eu tinha feito e cada pensamento deles era uma acusação a mim.
Mas não me arrependo de nada. Vivi pouco tempo com meu amado, mas foram
os anos mais felizes da minha vida.
- Sr. Luna, como teve a certeza de qual escolher? Pois a Sra. Disse que gostava
do seu prometido.
- É verdade, Mas, O amor tem que vencer o amor. O amor tem que vencer a si
mesmo. Para se ter o que é verdadeiro tem que se escolher entre os outros.
- Outros amores falsos? - Eu estava confusa.
- Não querida, os amores nunca são falsos. Só mudam de intensidade.
- Mas eu acredito num amor só, um único amor verdadeiro.
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- Para se saber o que é verdadeiro tem que se provar o que não é. Todos somos
capazes de amar várias pessoas em graus diferentes, não existe só um amor... Dizer que um
amor é verdadeiro ou não é um pouco presunçoso. Mas podemos escolher entre o que fala mais
alto em nossa vida.
- Isso não parece ter razão alguma.
- A razão pode ser pura loucura - Ela dizia abrindo os braços para o céu.
- Eu prefiro ouvir meu coração – Disse querendo parecer poética.
- O coração nem sempre esta certo, ele muitas vezes se deixa levar pelo que a
razão louca nos diz.
- Então podemos amar mais de uma pessoa?
- A cada uma delas entregamos uma porção desse amor que esta em nós até
escolhermos quem merece tê-lo por inteiro.
- Eu vim pelo Leo – Falei sem perceber que estava falando de meus sentimentos
a uma estranha. – Eu vim à Andaluz para encontrá-lo.
- Tem certeza disso? Quem sabe o destino não te pregou uma peça. Te trouxe
aqui por um caminho para te levar a outro.
- Você acha que eu teria vindo de outra dimensão para salvar o Leo e me
encontrar com Aragorn e me apaixonar por ele? Que sentido teria isso tudo?
- Aragorn não iria lá te buscar, iria? – Ele não sabia de você nem dessa outra
dimensão. Para se chegar a algum lugar há vários caminhos e cada uma das estradas trás uma
paisagem diferente. Talvez Jeziel tenha sido um caminho de paisagem diferente para te levar no
lugar correto.
Ouvi-la falando o nome dele depois de tantos dias sem ouvir mais ninguém
dizê-lo me doeu o coração.
- Eu amo Jeziel.
- Claro. Eu vejo que o ama, mas também ama Aragorn.
Toda aquela conversa estava me deixando ainda mais confusa.
- É um amor diferente que sinto por Aragorn. Não é como o que sinto por Jeziel.
Com Aragorn me sinto protegida, confiante, segura. Mas Jeziel me faz sentir como se minha
vida dependesse dele. Minha alegria, meu respirar, o bater do meu coração anda no compasso
do dele. Jeziel é... parte de mim.
- Mas tem outra parte em você que quer o que esta em Aragorn. São
sentimentos diferentes. E tão confusos, e tão fortes. Eu posso ver isso em você minha pequena.
- O que eu faço? – Perguntei angustiada tapando o rosto com as mãos.
- O que se sente aqui na pele... – Ela esfregava sua mão sobre a pele de meu
braço - É tão forte como a própria vida. É difícil de resistir a essas vontades. E se entregar a elas
pode te fazer a pessoa mais feliz ou a mais infeliz de todo universo. Por hora o que te faz feliz,
130
depois pode ser sua maior fonte de infelicidade. Você terá que ouvir a voz que falar mais alto
em você.
- Sra. Luna, meu coração fala uma coisa minha razão fala outra. Eu não sei a
quem ouvir.
- A algo mais forte que a razão e o coração. Quando ambos parecem não ter
sentido, quando o coração parar de bater, Quem respondera pelos dois? Só aí terá a resposta
certa para todas as escolhas. Ouça além do coração, além da razão.
- Mas eu sou feliz com Leo e me sinto tão bem com Aragorn. É tudo muito
confuso.
- A nossa felicidade o nosso bem estar não prova o amor. O nosso empenho em
fazer o outro feliz, em querer vê-lo feliz é que é a prova de que amamos verdadeiramente.
Mesmo que precisamos deixá-lo partir e ser feliz em outro lugar sem nós.
Aragorn entrou pela porta. Trazendo vários animais mortos pendurados em uma
grande vara encerrando nossa conversa. Sr. Luna pulou animadíssima da cama.
- Meu filho você deve ter caçado todos os Caiutus dessa região. Isso é bom,
teremos carne boa por vários dias. - Ela pegou a vara se retirando para fora. - Faça companhia a
Melissa enquanto eu limpo eles.
- Esta melhor? – Ele me perguntou num tom carinhoso.
- Parou de doer - Respondi a ele num tom de voz mais doce do que o de
costume, sensibilizada com seu cuidado. Ou pela conversa que tive com Sra. Luna.
- Fico feliz com isso. Você dança muito bem para ficar com o pé machucado.
Ele se sentou ao meu lado na beira da cama e olhou para meu pé.
- Isso vai nos atrasar alguns dias. - Eu falei preocupada.
- Você estava mesmo precisando de um descanso. E de uma companhia além da
minha. Já devia estar cansada.
- A Sra. Luna é gentil, mas sua companhia nunca me foi cansativa. A minha é
que já deve estar te cansando.
- Você sabe que eu quero mais do que só sua companhia.
- Aragorn eu...
- Tudo bem, - Ele me interrompeu - Só quero que você não esqueça que ainda
estou esperando por sua decisão. E cada dia de espera é uma eternidade para mim. Imagino que
você iria me contar alguma coisa antes de se machucar, e quando estiver pronta para me falar...
- Me dê mais um tempo. – Eu pedi.
Eu estava decidida à algumas horas atrás, mas depois da conversa com Sra.
Luna já não sabia o que dizer.
- o tempo que você quiser. – Ele arrumou minha franja daquele jeito especial e
saiu me deixando sozinha na casa.
131
Eu precisava mesmo pensar no que era certo, no que eu estava sentindo e no que
eu queria fazer. O que não estava sendo fácil de decidir.
Capítulo 13
Nos dias seguintes enquanto Aragorn andava pela propriedade da Sra. Luna
eu tinha tempo de conversar com ela. Muito sábia, ela me ajudava a decifrar meus sentimentos e
pouco a pouco eu percebia que ela tinha razão. Aragorn era muito importante pra mim e eu não
podia mais ignorar isso. Aragorn nesse momento era como o céu sobre minha cabeça, firme,
infinito e estaria ali sempre que eu olhasse para ele. Não importa se de dia ou de noite, se
quando tudo vai mal ou quando tudo vai bem, ele sempre esteve ali desde que entrou em minha
vida. Meu esteio.
Aragorn nesse momento da minha vida era meu céu. E diante de toda a minha situação
nessa dimensão, nessa complicada história, eu precisava desse céu, mesmo que fosse só para
olhar para ele, e com certeza não podia me ariscar a perdê-lo.
Cada momento na casa de Luna, os momentos em que ele não estava fazendo algum
tipo de serviço para a sábia senhora, ele ficava perto de mim me animando e sempre com o rosto
preocupado.
- O que há Aragorn? Você parece chateado.
Ele olhou para meu pé descansando sobre uma banqueta.
- Ainda esta doendo?
- Você não esta com essa cara por causa do meu tornozelo, esta?
- Eu devia ter te ajudado a caminhar naquele terreno pedregoso.
- Aragorn, é só uma torção. Logo estarei bem.
- Não tenho palavras pra te explicar o quanto não quero que nada te faça mal.
Meu Deus... Ele era tão sincero e profundo em seus sentimentos que me perturbava. E
os olhos dele tão cheios de zelo e de verdade que me sufocavam.
- Aragorn, você não pode me proteger de tudo. – brinquei tentando disfarçar o quanto
a frase dele mexeu comigo.
- Eu vou. Vou te proteger de tudo garota. Sempre.
132
Vários dias esperando que meu pé melhorasse na companhia atenciosa da Sra. Luna
com Aragorn servindo de escravo sem reclamar. Concertando o telhado, buscando água no poço
e reformando algumas das mobílias velhas.
Antes do fim daquela tarde já estava sentindo meu pé bem melhor. Já tinha
desinchado, eu estava podendo apoiá-lo um pouco e a noite nos sentamos na varanda olhando a
noite nublada. Algo diferente do céu sempre estrelado e claro de Andaluz.
Por todos esses dias tinha evitado olhar muito para Aragorn, mas depois da conversa
que tive com a Sra. Luna não podia parar de observá-lo e analisar para chegar a uma conclusão
do que estaria sentindo por ele.
Me lembrei de que ele sempre observava as estrelas a noite e andei com dificuldade
até a amurada de madeira da varanda sob a companhia do olhar de Aragorn.
Ultimamente ele sempre disfarçava quando olhava para mim. Me dando o tempo que
eu lhe havia pedido. Mas ainda assim senti seu olhar nas minhas costas.
- Você não cantou mais antes de dormir. - Falei observando o céu de nuvens. Sem ver
as estrelas.
- Você não precisou que eu cantasse.
- Só vai cantar se eu precisar de um calmante para dormir? - Falei brincando.
- Ou se você pedir.
- Queria ouvir você cantar. – pedi - Sem me fazer dormir. – Completei.
- Quer me ouvir cantar... Para você? – Sua voz era de surpresa. Ele deve ter imaginado
que meu pedido seria um convite ou um sinal do que ele esperava que eu decidisse em relação a
nós.
Dei um passo girando meu corpo para vê-lo e o pé doeu me fazendo gemer. Ele num
átimo me sustentou com a mão. Nossos olhos se cruzaram e pararam ali por alguns minutos
enquanto estávamos em silêncio.
Eu já estava disposta a sentar novamente quando ele brincou suavizando o clima.
- Tem certeza que não vai morrer de tédio?
Eu sorri me virando para o parapeito novamente.
- Antes disso ateio fogo em você.
Aragorn sustentou meu corpo colado de costas ao dele e com uma mão me abraçou
pela cintura tirando o peso do meu pé. Recostei-me tranquilamente em seu peito. Era muito
agradável estar tão próxima a ele novamente. Ele entrelaçou a outra mão na minha e nossa...
Estava muito bom ficar ali.
Ele começou a cantarolar a música que já me era tão familiar e reconfortante. Ao som
da sua música eu sempre me sentia livre e forte. Mesmo acordada eu sentia que poderia fazer
qualquer coisa. Não era como uma indução para que eu fizesse algo que me mandassem, era
mais como uma chave para abrir e liberar o que estava dentro de mim.
133
E eu quis aproveitar esse momento. Não neguei a nenhum dos meus sentidos o prazer
de vivenciar o que eles estavam querendo. O bem estar, o aconchego, a segurança, e o prazer de
estar nos braços de Aragorn. E me permitir sentir também o calor e o desejo que irradiava do
meu corpo. E fiquei por bastante tempo assim, aconchegada em seus braços ouvindo sua
canção.
Pela primeira vez tive desejo de que ele visse um pouco do que estava pensando.
Desbloqueei minha mente para ele. Eu sabia que ele não usaria isso contra mim, não rastrearia
meu passado nem minhas lembranças por curiosidade. Confiei que ele somente veria o que eu
queria que ele visse. Eu sabia que ele merecia e ficaria feliz em saber que estar com ele agora
era o que eu queria. E ele viu. E com os dois braços me apertou carinhosamente. Beijou o alto
da minha cabeça. Encaixei meus braços junto aos dele e me deixei embalar.
Ele não cantava mais com os lábios, mas a voz dele estava em minha mente. E quando
ele me girou no laço de seus braços para que eu ficasse de frente, seus olhos de ouro intensos
nos meus completou a frase que o ouvir recitar em minha mente.
- Eu te amo Melissa. – Sua voz ecoava em minha mente - Encontrar você foi a melhor
coisa que aconteceu em toda a minha vida. E também estou feliz por estar aqui com você.
Houve uma comoção em meu coração. Era tão mágico ouvi-lo falar dessa maneira. Eu
senti um prazer imensurável em ouvi-lo. Eu sabia desse amor, e sentir amada é maravilhoso.
Então percebi o que me atraía nele. O seu amor por mim me atraía. Por ele me amar me fazendo
sentir bem, querida e protegida como se nada pudesse me atingir junto a ele. A meu céu infinito.
Estando com ele, queria ficar exatamente onde eu estava. Suas mãos deslizaram pelos
meus cabelos, e eu vi a admiração que ele olhava meu rosto e sentia o calor emanar da palma de
suas mãos, bastava uma só coisa, eu sabia que ele esperava por isso, bastava eu fechar meus
olhos e seus lábios encontrariam os meus, eu poderia fazer isso. Eu queria fechar os olhos, mas
continuei olhando para ele.
Seus dedos correram carinhosamente por minha franja e em minha mente ele viu que
eu sempre questionava esse ato.
- É só mais uma forma de dizer... Te amo – confessou me esclarecendo.
Meu coração reagiu. Ergui minha mão e desenhei os traços perfeitos de seu rosto na
ponta de meus dedos. Aquele rosto de homem era tão suave ao toque e ao mesmo tempo tão
firme, tão jovem, tão belo. Aragorn fechou os olhos se entregando ao meu carinho e então
sucumbi ao seu amor. Adorei seu rosto de anjo e o quis para mim. Quis mesmo Aragorn para
mim.
Neste momento, enquanto me apossava dele com a ponta de meus dedos, as nuvens
que cobriam o céu se dissiparam revelando o infinito da noite, e pela primeira vez desde que eu
havia chegado a Andaluz a lua apareceu no céu. Linda, branca e resplandecente como nenhuma
lua além daquela poderia ser.
134
O colar de Leo acendeu em meu peito e percebendo seu brilho azul refletir no rosto de
Aragorn, num pulo que fez meu pé doer novamente me afastei dele, levantando novamente o
meu bloqueio mental.
Ele ainda segurou minha mão. O olhar dele em mim me fez sentir horrível. Seu olhar
misturava decepção, desapontamento e tristeza. Sra. Luna tinha razão eu iria partir o coração
dele. Não era isso que eu queria... Não mesmo. Não era justo com ele.
- Melissa, o que foi? Você estava comigo agora e se fechou de novo – Ele não pareceu
unir o brilho do colar a minha reação. - Me fala de uma vez porque você sempre foge. Eu sinto
que não sou indiferente para você, mas você esta sempre voltando atrás. Não vê que esta
acabando comigo?
Abaixei meus olhos. Num silêncio sem resposta. Fechei o pingente na mão tentando
abafar seu brilho tentando com isso abafar a dor que me assolou ao me lembrar de Jeziel.
- E se não quer nada porque me dá esperanças? - Ele parou me olhando e se
aproximou de mim segurando-me pelos ombros. Havia uma mistura de suplica e raiva em seus
olhos. – Sabe, eu já lutei muito e já fui ferido várias vezes, mas nenhuma dor causada por uma
espada pode se comparar com a dor que você me faz sentir quando age assim. – Ele largou
bruscamente meus ombros e se virou de costas. - Não sou seu brinquedo garota – falou nervoso.
- Não estou brincando com você – Soltei o colar segurando seu braço.
- Então o que é? - Ele se voltou para mim irritado – Quando chegamos aqui você iria
me dizer alguma coisa. Fale-me de uma vez.
Era o momento. A oportunidade que eu esperava. Eu iria contar-lhe tudo desde o
começo. E sabia que ele iria me achar uma devassa, uma sem caráter, mas eu teria que enfrentar
isso. Ele provavelmente me deixaria prosseguir sozinha a viajem, mas tudo bem, eu merecia
isso.
Só que eu não conseguia falar. Eu não poderia magoá-lo assim. Não queria vê-lo
sofrer. E me calei novamente.
Quando ele percebeu que eu não contaria nada a ele mais uma vez, arrancou seu braço
da minha mão e saiu andando pela montanha no meio da noite.
- Aragorn! – Gritei para ele tentando me apoiar no corrimão da pequena escada para o
alcançar.
- Deixa querida – Falou Sra. Luna por trás de mim com a mão sobre meu ombro. – Ele
precisa pensar e você também.
- Sra. Luna eu não sei o que esta acontecendo comigo. – Sentei- me na escada
apoiando a cabeça sobre os braços cruzados em cima do joelho.
- Ah querida, você sabe, só não aceita. – Ela se sentou ao meu lado nos degraus.
Levantei minha cabeça olhando para ela angustiada. Ela segurou o colar de Leo que
balançava no meu pescoço brilhando com a luz da lua.
135
- Tenho que admitir que não sou indiferente a Aragorn. Porque então algo dentro de
mim grita ainda por Leo? E me diz que não viverei sem ele? – Fiquei com raiva de mim mesma
- Estou me tornando uma leviana.
- Não vulgarize seus sentimentos. O amor nunca é leviano, nem seus atos.
- Eu queria contar a verdade para Aragorn, não acho justo o que estou fazendo a ele.
- Então conte – Disse-me tranquilamente.
- A Senhora tem razão ao dizer que tenho medo de se eu contar, ele se afaste de mim
ou fique com raiva ou me deixe sozinha.
- Dê a ele o direto de escolha. – Ela me encarava – Se o amor dele for tão forte como
eu penso que seja, ele vai fazer a escolha certa. E vai te ajudar na sua escolha também.
- Não sei, acho melhor eu não falar nada. Daqui a alguns dias estarei na montanha
Mayata e passarei o portal sozinha e ele vai para sua ilha e tudo será esquecido.
- Não acho que o que se deixa para traz sem ser resolvido como se deve, seja
esquecido.
- Não tenho muitas opções - Disse a ela me colocando de pé apoiando-me no
corrimão.
O destino sempre nos dá oportunidade de resolvermos nossos problemas e quando não
aproveitamos o que ele nos dá ele acaba arrumando um jeitinho, digamos, diferente para
resolver. Mas nada fica inacabado. Ou esquecido.
- Leo precisa de mim.
- E Aragorn também – Ela falava olhando para as grandes rochas distantes a nossa
frente.
- Já que o destino, como você diz, resolve tudo, porque permitiu que eu conhecesse
Aragorn? Ele não sabe o que vim fazer aqui?
- Claro que sabe. Você pensa que teria chegado até aqui sem Aragorn?
Suspirei irritada.
- Melissa, todas as pessoas que entram em nossa vida fazem parte de um quebra-
cabeças que nos ajudam a montar nossa história. Jeziel, Aragorn e até mesmo eu, estamos como
peças em sua vida e somente depois dele todo montado é que saberá realmente para onde o
destino esta te levando.
Estava tão irritada comigo mesma e com tudo ao meu redor. Todo mundo parecia
culpado aos meus olhos agora. Porque Leo tinha que ter caído na armadilha de Raika? Porque
Ernest morreu? Porque Aragorn não foi embora para sua ilha me deixado seguir sozinha?
Porque Sra. Luna ficava me falando essas coisas? Porque as coisas complicaram tanto para mim
desde que cheguei aqui, será que a vida toda pensei ser alguém que não era? Quem é a
verdadeira Melissa? A de lá, certinha e tímida ou a daqui, Instável e confusa? Não estava me
136
reconhecendo. E o que estava sentindo era confuso demais para se ter uma única opinião, ou
para se confiar em destino.
Depois que Sra. Luna entrou ainda fiquei na varanda esperando por Aragorn. Não
poderia dormir sem falar com ele. Doía pensar que ele estivesse com raiva de mim. Eu teria que
acertar as coisas. Conversar. Mas não iria contar a verdade, não agora. Eu não estava preparada
para vê-lo decepcionado comigo. E nem vê-lo magoado. Eu já o tinha magoado o suficiente por
hoje. Mas já tinha me decidido que antes do portal eu contaria tudo e lhe pediria mais um tempo
para que eu pudesse avaliar meus sentimentos. Eu poderia fazer isso, claro que sim, um tempo
para me certificar de quem eu gostava realmente.
Pareceu tão mesquinho e infame meu pensamento que senti vergonha de mim.
Após algumas horas meus olhos avistaram Aragorn saindo da escuridão e andando em
minha direção.
- Não foi dormir? – Ele perguntou secamente.
- Estava esperando você. – Respondi.
- Para que? – Perguntou num tom irônico com um sorriso forçado.
- Aragorn... – Falei suplicante.
- Não sei qual o problema com você garota. – Seu sorriso se desmanchou e sua face se
endureceu - Se você não me quer porque não me deixa em paz? E se me quer porque não quebra
essa resistência agora e fica comigo?
- Não é tão simples – Falei angustiada.
- Porque não? - Perguntou irado. Pela primeira vez o vi sem paciência comigo.
Me virei de costas para ele.
- Quem é? – Sua voz era dura.
- O que?! - Me virei o encarando assustada.
- Quem é o homem que esta entre nós dois? – Havia uma fúria encoberta em seus
olhos - Quem ele é, e onde ele esta? É da sua dimensão? Você me fala e eu sumo da sua vida
para sempre agora mesmo.
Seus olhos de ouro estavam em mim esperando a verdade que pelo jeito ele já
suspeitava. Vi que ele estava me pressionando a falar me ameaçando a lhe contar a verdade.
Mas eu sabia olhando para ele que realmente ele iria embora assim que eu lhe contasse o que
realmente havia.
Sra. Luna tinha razão mais uma vez. Eu devia contar-lhe tudo e lhe dar o direito de
escolha. Mas, e se ele escolhesse partir, o que eu faria? Droga, eu não queria que ele se
afastasse.
- Não há ninguém. – Menti descaradamente com a respiração suspensa. Não podia
deixá-lo partir. E me senti péssima.
137
Ele suspirou fundo jogando seus cabelos para trás com as mãos. Não sei se ele
realmente acreditou no que disse ou se só aceitou por hora. Sabia que iria me arrepender pelo
que falei. Eu menti para ele me relação à Jeziel? Mas que espécie de pessoa eu estava me
tornando?
- Quando estava andando sozinho pensei em não voltar. – Ele retirou do bolso uma
pedra pequena lapidada em formato quadrado, esverdeada, a chave do portal para sua ilha – A
montanha já não esta tão longe e a Sra. Luna poderia te ajudar de alguma forma. Não consegui
pensar em simplesmente te deixar. Eu sei que se eu ficar vou me machucar ainda mais. Só que
não estou acostumado a desistir do que quero e no momento em minha vida o que mais quero é
você. – Ele guardou a pedra no bolso novamente. - Eu não conseguiria ficar longe, assim como
vejo que você também não quer ficar de mim. Então vou me arriscar um pouco mais, e retirar a
promessa que fiz de não te tocar. Vou lutar por você com todas as armas que eu tiver.
O que eu estava fazendo? Deixaria ele se iludir mais ainda mesmo sabendo que eu não
poderia ficar com ele? Eu tinha que falar agora mesmo... Eu tinha que contar a verdade...
Vamos Melissa deixe de ser uma criança mesquinha. Você não pode enganá-lo desse
jeito. Abra sua boca agora mesmo e conte a verdade. Sua falsa, sua garota mimada... quer tudo
para você... quem você pensa que é?...
Ele se aproximou erguendo meu queixo com a mão enquanto eu me torturava em
pensamentos.
- Enquanto você não me disser para ir embora eu não vou. Enquanto você me quiser
por perto vou estar ao seu lado, e enquanto ainda houver dúvida no seu coração é porque ainda
tenho chance de te conquistar e enquanto eu ver que tenho essa chance de te ter para mim, vou
lutar por isso. Seja contra quem quer que seja, mesmo contra um exército ou mesmo o exército
de seu pai. Se você quiser... Enquanto você quiser, nada vai tirar você de mim Garota. Nada
nem ninguém.
Nunca havia visto ele falar com tanta determinação.
Segurou meu rosto entre suas mãos me fitando.
- Eu quero você para mim, custe o que custar – Ele aproximou seus lábios nos meus
selando-os possessivamente. E entrou para casa de Luna.
Fiquei ali atordoada, sem reação, enquanto o brilho do colar de Leo diminuía a medida
que a lua desaparecia nas nuvens.
Com a mentira que contei a Aragorn tentando evitar um problema arranjei um maior
ainda. Agora ele iria lutar por nós.
No outro dia de manhã Aragorn se despediu de Luna não antes de abastecer a dispensa
dela com mais caças, verduras, legumes e frutas, e se distanciou permitindo que eu me
despedisse dela com mais privacidade.
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Num abraço carinhoso ela se despedia.
- Lembre-se Melissa, quando o coração se confunde e a mente perde a razão quando a
vida se acaba, ainda há algo mais forte que responde por todos eles. É a única coisa que tem a
resposta certa para todas as suas dúvidas.
- Eu não sei o que pode ser mais forte que tudo isso.
- Você vai saber, e sua escolha vem dela. Está impregnado nela.
- Obrigada por tudo Sra. Luna até pelas palavras que não compreendi - Sorri
- Você vai compreender... E depois venha me visitar assim que puder.
- Eu prometo. - E realmente queria poder vê-la novamente. Desde que cheguei a
Andaluz ela foi á pessoa com quem mais me identifiquei.
Capítulo 14
Aragorn e eu continuamos nossa jornada seguindo pelo caminho árido e
irregular a nossa frente. Parando sempre um pouco mais cedo para montar acampamento e para
prosseguir com meu treinamento que agora estava mais leve. Ele preferia que treinássemos
pouco e tivéssemos mais tempo para conversarmos antes de dormir.
Ele continuava me tratando com todo o cuidado mesmo porque meu pé ainda
doía um pouco, mas agora ele não mantinha distância e eu já estava me preocupando com suas
investidas. Ele não disfarçava mais o olhar e me tocava sempre que podia exageradamente e
desnecessariamente só para que o sentisse bem perto.
139
Durante a caminhada eu tentava conversar com ele sobre outras coisas que não
fosse nós dois e até sobre garotas que ele havia conhecido. Sobre Lariana, filha de seu amigo
Erzoul. Ele não desconversava e não se sentia desconfortável em me falar delas como se ele
realmente quisesse que eu conhecesse sua vida regressa.
- Lariana foi uma pessoa especial em minha vida, mas acabamos nos tornando
amigos. – Ele falava naturalmente e detalhadamente de seu relacionamento com ela o que me
gerou uma curiosidade.
- Você ficou com ela, Digo... Intimamente? – Perguntei sem querer parecer
intrometida, mas evidentemente curiosa.
- Somos adultos... É natural que isso aconteça – Ele respondeu com a
naturalidade de sempre.
Senti um amargor na boca e um frio no estomago em lembrar o quanto ela é
linda e ele tão... Bem, ele ficou com ela e isso me incomodou.
Ele olhou meu rosto e sorriu.
- Esta com ciúmes? – Ele falava satisfeito.
- Não. - Tentei disfarçar, mas meu tom de voz me entregou.
- Esta sim - Ele sorriu – Mas se isso te serve de consolo, nunca senti por ela o
que sinto por você.
- Se não a amava porque ficou com ela? – Perguntei azeda não mais disfarçando
o ciúme.
- Ora, o amor tem várias faces. Quem disse que não a amei? Só que não foi forte
o suficiente para nos manter juntos.
- Então você confessa que a amou? – falei confusamente aborrecida. Saber que
ele tinha ficado com ela e quem sabe com quantas mais, me deixou profundamente enciumada.
Algo ele viu em meu rosto que o fez parar e se aproximar.
Ele me segurou pela cintura se curvando sobre mim.
– Eu confesso que amo você mais do que amei qualquer outra pessoa.
Eu tentava me esquivar mais o sorriso maroto dele me prendia. E quando eu
pensava que ele ia me beijar ele se afastava me deixando com cara de boba.
Ele estava me mostrando outro lado de sua personalidade. Um lado brincalhão e
sedutor. Mas sem se perder em seu lado forte, cavalheiro e protetor.
À noite nosso acampamento foi montado no alto da montanha.
Olhei para o céu contemplando as estrelas. Um costume adquirido de Aragorn.
Ele tinha tanta intimidade com elas que à medida que a noite avançava parecia que elas
intensificavam seu brilho só para chamar sua atenção. No alto daquela montanha era como se
fizéssemos parte daquele imenso infinito.
140
Aragorn se levantou e subiu sobre um galho grosso da árvore atrás de nós
enquanto meu olhar acompanhava sua agilidade.
- Venha – Ele estendeu a mão pra mim.
- O que? Você quer que eu suba aí? – perguntei assustada.
- Quero te mostrar uma coisa.
- Não muito obrigada. Tudo que você tiver para me mostrar prefiro ver daqui
mesmo.
- Anda garota, deixe de ser tão medrosa.
- Não é medo. É que eu conheço bem a lei da gravidade e é bem mais seguro
permanecer com os pés onde eles estão. No chão firme e confiável.
Ele me olhou fixo e determinado.
- Ah não, não olhe pra mim assim. Você não vai me convencer a subir nessa
árvore.
- Se você vier te garanto que não vai se arrepender.
- Duvido muito disso.
- Confia em mim. Eu nunca deixaria que nada te acontecesse.
Ele falou tão amável que acabou me convencendo. Segurei em sua mão e ele me
apoiou a subir. Quando cheguei ao seu lado no galho me agarrei tão firme em seu pescoço que
ele riu um pouco sufocado.
- Você não vai cair Melissa acalme-se.
- Ta... Tá bem... Estou bem... – Eu tentava me convencer.
Ele se soltou do meu aperto e subiu mais um galho me puxando com ele.
Quando eu percebi que a intenção dele era ir até o topo. Fechei os olhos apavorada. Aragorn não
se comoveu com meu desespero e continuou me levando cada vez mais alto.
- Eu não vou cair... Eu não vou cair... Eu não vou cair... – Sussurrei como um
mantra. Arrisquei uma olhadela para baixo fechando os olhos apavorada em seguida - Ai meu
Deus eu vou acabar despencando daqui!
Ele sorriu da minha insegurança.
Quando chegamos ao topo ele me apoiou de costas em seu corpo me
sustentando pela cintura. Os galhos da árvore eram bem largos, mas eu não sentia a segurança
que Aragorn tinha em estar ali.
- Pode abrir os olhos agora.
De vagar com medo de entrar em pânico quando eu visse a altura em que estava
abri meus olhos e me deparei com a paisagem mais perfeita que tinha visto até agora.
Dava pra ver todo vale lá em baixo. As águas do rio que brilhavam iluminadas
pelas pedras de cristais ao fundo, e o balé suave das árvores que se moviam pelo vento faziam
que elas parecessem estar dançando. A luz natural que emanava de todas as coisas de Andaluz
141
dava um colorido especial no ar, o que não dava para ser visto da terra. Uma nuvem de luz
pairava como a áurea boreal sobre todo o vale.
Voltei meu rosto para Aragorn maravilhada com a visão.
- Eu disse que você não iria se arrepender. Olhe! – Ele apontou para o céu me
fazendo voltar os olhos para o infinito. E uma estrela cadente riscou o céu de ponta a ponta.
- Faça um pedido. – Falei me virando a ele.
- O Que? – perguntou confuso.
- No meu mundo quando vemos uma estrela cadente fazemos um pedido a ela
para que seja realizado.
- Não me parece que uma estrela que esteja despencando do céu em alta
velocidade, sendo consumida em fogo e que vai desfazer-se em mil pedaços quando se chocar
ao solo possa fazer alguma coisa por mim.
- Aragorn... – resmunguei - Só faça o pedido.
- Então... – Ele fechou os olhos por um instante, mais que foi tempo suficiente
para que eu pudesse admirar seu rosto sereno e encantador sombreado pela noite. Quando
ele abriu seus olhos incandescentes para mim todo seu rosto se iluminou.
- O que pediu? – Perguntei curiosa.
Vi quando seus lábios se moveram delicadamente e seu rosto se aproximou do
meu enquanto sua mão encaixada por baixo do meu rosto aproximava nossos lábios.
Ao respirar fundo senti todo meu corpo tremer e antes que o beijo acontecesse
me virei de costas novamente para escapar de sua investida.
- Estrelas cadentes não realizam desejos. – Falou monótono.
- Aragorn... – Falei sem graça.
- Tudo bem... Quem sabe a próxima.
Voltamos a observar o céu marchetado de estrelas e o vale que parecia
adormecido e tranquilo.
Não quis dar atenção ao que aconteceu, pois ele mesmo havia me dito que
usaria suas armas para me conquistar. Eu é que teria que saber lidar com esses momentos e
burlar suas estratégias.
Descemos novamente para perto da fogueira, e Aragorn estava em silêncio. Não
sabia se ele tinha ficado aborrecido comigo por ter lhe negado o beijo, e então deitei me
enrolando em minha capa para tentar dormir.
Só o estalar do fogo quebrava o silêncio daquela montanha. E passei a pensar no
que eu poderia fazer para que Aragorn desistisse de mim. Cada dia de viajem nos
aproximávamos mais da montanha Mayata e também da nossa despedida.
Não podia deixar que ele alimentasse ainda mais o amor que sentia.
142
Eu menti em relação a Jeziel. No momento em que ele me exigiu uma resposta
eu simplesmente não consegui dizer a verdade. E eu estava me odiando por causa disso.
Primeiro por que sentia como se estivesse abrindo mão do amor de Jeziel. E segundo porque eu
sabia que a minha mentira iria magoar, decepcionar e ferir a Aragorn assim que ele soubesse a
verdade. Ele não merecia isso.
Mas e se quando eu chegasse até Jeziel às coisas tivessem mudado... Se meu
coração tiver mudado, meu sentimento por ele tiver mudado? Nesses últimos dias eu o sentia
tão distante. Aragorn estava tão mais perto. Tão mais presente. Jeziel era uma lembrança no
passado maculada por todo um tempo de sofrimento que passei por tê-lo perdido. Mesmo que
hoje eu soubesse que tudo não passou de uma trama maligna de Raika, não apagou todos os
momentos de dor que eu tive que viver. E o primeiro beijo que Aragorn me deu tinha tanto
amor, parecia ter a força capaz de me imunizar contra qualquer dor. Seria verdade?
Aragorn se moveu levantando-se. Fiquei observando ele caminhar até a beira da
montanha e fitar o horizonte. Vê-lo tão calado me deixou angustiada. Sabia que o motivo do
seu silêncio era eu. Ele estava sofrendo. Fiquei imaginando que por ele me amar, devia ser duro
me ter sempre por perto e longe ao mesmo tempo. Mas eu não tinha o que fazer. Sabia que se
me levantasse e fosse até ele, poderia dar uma impressão errada. E isso não seria bom nem pra
mim nem para ele.
Na manhã seguinte quando o sol resplandeceu sobre a montanha, abri meus
olhos para mais um dia de jornada. Me desanimei a me lembrar que ainda faltavam muitos e
muitos dias e noites até chegar ao meu destino. A ilha Mayata ficava no outro extremo de
Andaluz, e nós não tínhamos avançado nem a metade.
Quando me virei procurando por Aragorn não o vi em lugar algum da
montanha. Me levantei e caminhei ao redor do nosso acampamento mas não o encontrei.
- Aragorn?! - Gritei seu nome sem ter resposta.
Dei uma volta pelo acampamento chamando por ele e nada.
O tempo foi passando e Aragorn não aparecia. Comecei a me preocupar em que
ele estivesse tão chateado comigo que resolveu então partir para sua ilha.
Sentei-me no chão triste e apreensiva e meu coração começou a se angustiar.
Me senti tão vazia e sozinha naquele momento.
Eu estava certa em pensar que não conseguiria deixar Aragorn partir. Pelo jeito ele
havia partido chateado com o que fiz ontem, e agora eu começava a me desesperar e não só com
o meu destino numa viagem sozinha, também por pensar que não iria mais vê-lo. Com certeza
ele percebeu que era uma perda de tempo ficar comigo já que eu só iria o fazia sofrer.
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Mas era melhor assim. – tentei me convencer - Um soluço magoado quis
romper meu peito e quando pensei que iria começar a chorar, Aragorn surgiu a minha frente
sem imaginar que teria me deixado tão ansiosa.
Quando olhei para ele com os olhos mareados ele colocou no rosto uma
expressão de surpresa.
Ele se abaixou se colocando a minha frente. Se aproximou com as mão em
consolo e pousou em meu rosto.
- O que Foi? Porque esta com essa cara?
- Você... Eu não sabia onde você estava... Pensei que tivesse me deixado. –
solucei sentida.
- Por que chegou a essa conclusão? – falou carinhosamente.
- Porque pensei que estivesse chateado comigo por ontem.
Me olhou de forma indecifrável.
- Você ainda não entendeu não é? Eu não vou embora. Não antes de você disser
que eu deva.
Sorri aliviada limpando os olhos com as costas da mão. Eu podia ver nos olhos
dele que era verdade.
- Aonde você foi?
- Conferir se esse mapa estava correto. - Ele abriu o mapa a minha frente. - Aqui
diz que no pé dessa montanha esta situada uma vila e estava planejando que nós pudéssemos
passar por ela.
- Não seria melhor continuarmos viajando pela floresta?
- Acho que esses próximos dias poderão ser bem cansativos para você.
Principalmente porque seu pé ainda não esta totalmente bom e se continuarmos pela floresta
vamos ter que subir e descer muitas montanhas. E de lá nós podemos pegar uma embarcação
que nos leve até o vale de Gaya. São cinco dias pela água o que nos poupara uma semana de
caminhada.
- Que saudade do meu mundo! – Exclamei já pensando nos dias cansativos que
me aguardavam.
- Porque essa saudade repentina agora?
As viagens lá são bem mais fáceis. Agente pega um avião e “Vupt” chegamos a
qualquer lugar.
- Não sei o que seria um avião mais se eu pudesse usar um portal com você, sem
a preocupação de Cordomad nos encontrar, já estaríamos em Mayata.
Concordei com Aragorn. Com certeza os portais daqui eram bem mais rápidos
que os aviões de lá.
144
Descemos a montanha rumo à vila e conseguimos chegar até ela no começo da
tarde. Quando chegamos a baia, fomos informados que uma embarcação já havia partido e a
próxima partiria somente em dois dias. Aragorn ainda tentou negociar com o homem dono da
embarcação que apesar de ficar interessado na quantia em dinheiro que Aragorn oferecera não
cedeu.
- Meu jovem, essa quantia que me oferece daria para comprar meu barco, mas
são ordens do rei Cordomad. Só de dois em dois dias podemos levar passageiros para outras
localidades pelas águas. Medidas de segurança.
- Gostaria muito que repensasse na proposta. Estamos com pressa de chegar ao
vale de Gaya. – Falou Aragorn tentando negociar.
- Se esta com tanta pressa porque não utilizam um portal? Essa embarcação é
bem lenta para quem esta com pressa e serve mais de passeio do que de meio de transporte. A
não ser que vocês estejam tentando escapar das tropas de Cordomad que rastreiam cada portal
aberto e identificam cada um que passam por eles. Vocês não são fugitivos, são? – Falou o
homem desconfiado.
Aragorn sorriu providencialmente lançando seu braço sobre meus ombros.
- Claro que não. Somos recém casados. – arregalei meus olhos surpresa para
Aragorn - E estamos querendo iniciar nossa lua de mel o mais rápido possível, e um passeio
pelas águas do rio Destor, seria muito romântico. Sempre foi o sonho de Melissa. Não é mesmo
querida?- ele falou olhando para mim e o dono da embarcação também.
Sem poder contestar, o Máximo que pude fazer foi esticar meu tradicional
sorriso pela cara enquanto o homem nos cumprimentava entusiasmado, nos abraçando como
velhos amigos.
- Meus parabéns. – Ele nos dizia empolgado. – E você meu rapaz... Quanta sorte
teve em conquistar o coração de tão bela jovem.
- Foi mesmo uma grande sorte ela ter vindo para minha vida. – Aragorn falou
me encarando.
- E você minha jovem, também é uma garota de sorte. Pelo brilho que vejo no
olhar dele, creio que não haveria nada nesse mundo que ele não fizesse pra te fazer muito feliz.
Sem graça eu estava com tal comentário e sem graça fiquei. O que eu poderia
fazer, desmentir Aragorn?
- Então, não tem mesmo como o senhor nos ajudar? – Aragorn tentou mais uma
vez.
- Infelizmente não meu caro, mas posso providenciar a melhor hospedagem para
que essa noite seja especial para vocês. Minha irmã é a dona da melhor da cidade. Os
comerciantes e até os governadores de Andaluz se hospedam lá. Hoje mesmo terá uma grande
145
apresentação no salão de eventos. Um cantor foi convidado para entreter os hóspedes. Vocês
podem ficar lá esses dois dias e depois terei o maior prazer em levá-los até o vale de Gaya.
Aragorn me olhou querendo avaliar minha decisão. Dei de ombros. Afinal era
esperar pela embarcação ou voltar para a floresta e enfrentar montanhas e mais montanhas.
- Então vamos ficar na hospedaria da sua irmã. – Aragorn concordou.
- Ótimo – Exclamou o homem – Sei que vocês se divertirão muito.
O homem que se chamava Dumbar nos acompanhou até nos deixar na
hospedaria de sua irmã. Uma senhora bem interessante. Eu não sabia qual era a media de vida
do povo de Andaluz, mas ela me pareceu ter uns cento e tantos anos pela sua fisionomia. Seu
cabelo amarrado num coque no mínimo desafiador, lançava várias camadas de cabelo em forma
decrescente rumo ao infinito.
Ao me olhar ela conciliou um sorriso simpático com um comprimento de
parabéns pelo meu “recente casamento”. E não só ela, mas todos os funcionários e até alguns
hóspedes passavam e nos cumprimentavam me deixando pouco a vontade em ter que sustentar a
mentira de Aragorn. Ele no entanto estava bem a vontade. Ou ele mentia melhor que eu, ou
estava satisfeito por sua mentira dar a ele mais uma oportunidade de me abraçar
desnecessariamente só para manter a farsa que ele mesmo montou.
O quarto que nos foi oferecido era reservado exatamente para momentos em que
os amantes queriam privacidade e intimidade. Muito luxuoso e requintadamente decorado. Uma
única cama de casal que estava centralizada no quarto decorada com seda vermelha e várias
almofadas brancas, rosas perfumadas espalhadas pelo quarto em vasos de cristais e o piso era
todo revestido com peles macias e claras de animais. Um quarto feito para uma inesquecível lua
de mel. E aquele ambiente estava me deixando ansiosa e Aragorn percebeu.
- Não se preocupe. Eu só falei que éramos recém casados para acabar com a
especulação de Dumbar. Se ele continuasse desconfiado iria acabar nos denunciando aos
soldados de Cordomad que por não ter nos encontrado na floresta devem estar revirando cada
vila a sua procura.
Respirei fundo tentando controlar a ansiedade.
- Tudo bem. – Respondi. Eu já estava acostumada a estar sozinha com Aragorn
em vários lugares inusitados e a diferença agora eram os olhares dos outros em nós. E o que eles
estariam pensando que poderia estar acontecendo dentro daquele quarto. Isso era o que estava
me deixando incomodada.
- Vou providenciar algumas roupas para nós podermos assistir a apresentação
do cantor essa noite. Já que temos que ficar aqui, acho que você vai gostar.
Quando ele saiu me deixando sozinha no quarto, passei meus olhos mais uma
vez por todo aquele ambiente e pensei jamais ter estado em um quarto tão bonito. Toda a
mobília era de tanto bom gosto que impressionava. Mamãe que era experiente em quartos de
146
hotéis com certeza chegaria a mesma conclusão que eu. Dificilmente se encontraria um quarto
de hotel ainda que cinco estrelas em nosso mundo que tivesse tanta beleza. Eu estava me
sentindo perdida e até com receio de tocar na mobília. Tinha estado entre árvores, encostas de
montanhas, dormido entre raízes e caverna... Aquele lugar mais parecia um palácio dos contos
de fadas e eu me sentia a Cinderela depois do badalar da meia noite.
Quando Aragorn voltou trazendo uma muda de roupas novas para mim, lhe
agradeci, mais não deu para esconder que eu estava com saudades do meu velho tênis All Star e
meu jeans batido.
- Não gostou da roupa que te trouxe?
- Não é isso. É só que as roupas daqui parecem sempre tão formais, eu queria
poder vestir algo mais parecido comigo, como o que eu usava em minha dimensão.
- Não sei o que você vestia em sua dimensão, mas quando vi esse vestido achei
a sua cara.
Olhei mais uma vez para o vestido lilás em seda que Aragorn me trouxe
tentando me ver dentro dele. Aragorn tinha um jeito especial de me ver. Mais uma vez ele
escolhia uma roupa para mim, e nas outras ocasiões ele me escolheu vestidos em tecidos
delicados de cores suaves e em cortes perfeitos. E acertava em cheio o meu tamanho.
Quando a noite chegou, eu e Aragorn descemos elegantemente vestidos para o
salão das apresentações e Aragorn estava divinamente vestido num traje preto como um Conde
dos tempos antigos. O que me fez pensar que era um desperdício ele estar se embrenhando em
florestas às escondidas privando Andaluz de vê-lo daquela maneira. E me fez pensar também
que eu entendia muito bem porque Lariana tinha se apaixonado por ele.
Havia uma mesa reservada a nós, “o casal da noite” que era a primeira de frente
ao palco.
Quando o cantor alto de cabelos castanho claro e de olhos acinzentados subiu ao
palco iniciando suas canções todos os demais convidados estavam deslumbrados com o seu
desempenho. Eu não me impressionei tanto. Pra mim a voz de Aragorn era mais bonita. Talvez
ele devesse pensar na carreira de artista já que um homem com a voz tão simples fazia tanto
sucesso, com certeza ele faria muito mais.
- Não esta se agradando da apresentação querida? – Me perguntou a dona da
hospedaria ao se sentar conosco a mesa. Ela estava fazendo um passeio de mesa em mesa de
seus convidados e tinha chegado nossa vez.
- Não... Esta muito agradável.
- Agradável? Não é bem isso que eu gostaria de ouvir. – Aragorn continuava a
prestar atenção ao cantor sem dar atenção a senhora da hospedaria - Weimar é um dos melhores
cantores de Andaluz. Todos o adoram, por isso mandei trazê-lo de tão longe para cantar aqui
esta noite.
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Um riso quase debochado escorregou de minha boca sem que eu percebesse.
- Você conhece um melhor?! – Ela perguntou curiosa diante da minha
indiferença ao cantor.
- É que acho que Aragorn canta melhor que ele. – Falei sinceramente.
A mulher sorriu.
- Claro. Para uma mulher apaixonada tudo que seu amado faz é sempre melhor
e perfeito.
Com o que ela disse Aragorn tirou sua atenção do cantor e voltou-se para nós.
Eu me senti congelada na cadeira. Ela pensava que éramos casados, era natural
tirar a conclusão de que eu estava apaixonada. Mesmo assim senti-me estranha.
- Gostaria muito de ouvi-lo cantar. – A mulher dirigiu-se a Aragorn que
expressou surpresa.
Ele balançou a cabeça negativamente.
- Ah, vamos! Sei que sua amada vai ficar feliz em te ver cantar já que ela não
gostou muito do cantor que eu trouxe, e faço questão que todos meus hospedes fiquem
satisfeitos com tudo que proporciono e vejo que ela só ficara satisfeita se te ouvir cantar esta
noite.
Aragorn olhou repreensivamente para mim. Com certeza não gostou que eu
tivesse contado que ele cantava.
- Não será possível, desculpe.
- Não vou aceitar um não como resposta.
Ao ver o desconforto de Aragorn fiquei empolgada em pensar que poderia
descontar o fato dele ter dito para todos que éramos recém casados. E com um brilho de
vingança nos olhos o incentivei.
- Gostaria mesmo de te ver cantando... Benzinho. – Sorri malvadamente para
ele.
Ele entendeu o que eu estava fazendo.
- Então esta resolvido – Disse a mulher animadamente – vou providenciar para
que se apresente especialmente para sua Melissa esta noite.
A mulher se levantou e eu satisfeita que a minha vingança tivesse dado certo,
tentava reprimir um riso. Aragorn me olhava insistentemente. Acho que ele queria falar uma
porção de coisas mal humoradas para mim, mas manteve-se calado.
Depois da apresentação do cantor Weimar, a dona da hospedagem apareceu no
palco.
- Essa noite, teremos também mais uma apresentação especial. – Ela falava de
forma solene - Um jovem casal que esta entre nós nessa noite, comemora o início de uma vida à
dois cheia de paixão. E o jovem Aragorn nos presenteara com sua bela voz com uma canção que
148
ele dedicara especialmente a sua amada. E para que todos os outros casais apaixonados possam
também se deliciar nas asas da paixão vamos receber em nosso palco o jovem Aragorn.
Ela estendeu a mão rumo a nossa mesa apontando para Aragorn que me olhou
de soslaio. Quando uma explosão de palmas encheu todo o ambiente Aragorn se viu obrigado a
se levantar e andou até o palco.
Já no palco ele não me pareceu nenhum pouco constrangido. Se chegou até os
músicos que estavam ao fundo e os instruiu. No centro do palco debaixo das luzes que eram
direcionadas a ele, estava perfeitamente a vontade e parecia mesmo um artista. Ouvi alguns
murmúrios atrás de mim de algumas mulheres evidentemente encantadas com a presença
imponente de Aragorn.
Quando os instrumentistas começaram a tocar, Aragorn entoou uma canção
desconhecida para mim, não era a que eu estava acostumada a ouvir, mais era perfeita em sua
voz. E com uma letra igualmente perfeita.
No decorrer da canção as mulheres atrás de mim suspiravam, a senhora da
hospedaria estava sentada ao meu lado com os olhos marejando de lágrimas, alguns casais se
abraçando se beijando embalados pelo romantismo da canção e Aragorn encheu todo aquele
ambiente com sua voz perfeita.
Eu também já estava me sentindo envolvida pela canção. E em pensar que
apesar de estar diante de dezenas de pessoas o admirando, era para mim que ele cantava, me deu
uma pontada de vaidade.
Do palco ele olhava para mim e seus olhos de ouro nos meus me fascinaram.
Aragorn estava especialmente atraente e a letra da sua canção mexeu comigo. Por mais que eu
me esforçasse para ficar indiferente, não estava conseguindo, e ele percebeu. Estendeu a mão
para mim do palco enquanto os instrumentistas solavam a canção, esperando que eu me juntasse
a ele.
- Vai querida! Ele esta te chamando. - A mulher falava me erguendo da cadeira.
Constrangida fui andando motivada pelas pessoas que falando emocionadas me
mandavam ir de encontro a Aragorn.
Quando me aproximei e segurei em sua mão ele me fez subir e ficar ao seu lado
enquanto ele cantava. A canção era bonita, mas vê-lo cantar tão próximo e com seus olhos tão
intensos em mim gerou outra conotação.
Meu coração reagiu acelerado. As pessoas agora estavam caladas nos
observando. Aragorn ergueu uma mão acariciando meu rosto, e eu estava ali vidrada como
espectadora vendo-o cantar pra mim. Quando sua canção encerrou e somente os músicos ainda
tocavam os últimos acordes, Aragorn se aproximou e delicadamente afastou meus cabelos do
rosto e ternamente me beijou enquanto aplausos entusiasmados acompanhavam o desfecho da
música. O mundo sumiu sob meus pés.
149
Quando abri meus olhos novamente, Aragorn me olhava com tanta veneração
que foi difícil me lembrar que não estávamos sozinhos.
Segurando-me pela mão e debaixo de mais aplausos ele me guiou de volta a
nossa mesa e eu me sentei meio catatônica na cadeira.
- Foi lindo... Perfeito... Você tinha razão minha querida - exclamou perplexa a
dona da hospedaria - Aragorn canta divinamente bem. Todos adoraram. Que talento... E que
amor...
Ela saiu me deixando paralisada em minha cadeira enquanto Aragorn se sentava
ao meu lado.
Algumas mulheres vieram cumprimentá-lo e também a mim por ter a sorte de
ter alguém tão apaixonado e amável comigo. Em algumas pude sentir a pontada de inveja que
sentiram. Muita delas, quem sabe a maioria, melhor dizendo... Todas elas queriam estar em meu
lugar. E eu me sentia sem forças, queria era estar bem longe dali para não sucumbir ao amor
dele.
Eu não podia deixar Aragorn continuar tentar me conquistar nem deixar que ele
ficasse me beijando toda hora. Da próxima vez que ele tentasse teria que evitá-lo, ou ele
continuaria nutrindo esperanças.
De volta ao quarto eu me sentia além de cansada, muito sem graça por causa do
beijo que Aragorn me dera.
Ele como sempre fazia quando percebia que eu estava constrangida, não tocou
no assunto.
Se acomodou num grande sofá ao lado da enorme cama e fechou os olhos. Eu
sabia que ele não estava dormindo, talvez só um ato deixando claro que ele não iria invadir mais
meu espaço por hoje.
Me troquei e deitei na cama para dormir, e por um bom tempo incomodada na
cama me virei de um lado para o outro várias vezes, mas dessa vez não queria pedir a Aragorn
que cantasse para mim. Estava me sentindo sensível demais a ele para me arriscar a viajar em
sua canção.
Numa das vezes que me virei para o lado onde ele estava deitado, vi que ele
ainda permanecia de olhos fechados. Sereno como sempre.
Me detive observando seu rosto e o admirando quase que sem perceber. Como
se meu olhar o chamasse ele abriu os olhos diretamente nos meus e por segundos ele sustentou
150
meu olhar. Sorri a ele um sorriso amigável e disfarçado e me virei para o outro lado cobrindo
minha cabeça.
- Boa noite Melissa. – Me falou de forma natural.
- Boa noite. – Respondi tentando imitar sua naturalidade. Claro que não
consegui. E mesmo me sentindo sufocada pela coberta sobre minha cabeça não me atrevi tirá-la
temendo que minha reação ao vê-lo novamente me traísse e me fizesse cometer um ato
impensado.
No outro dia Aragorn e eu permanecemos no quarto. Nossa alimentação era
entregue no quarto e ninguém achou estranho ficarmos ali o dia todo já que supostamente
estávamos em “lua de mel”.
O clima entre nós estava estranho.
Entre nós não... Aragorn sempre permanecia tão seguro de tudo ao seu redor
como sempre. Eu é que ficava com uma sensação estranha de estar sendo estrangulada sempre
que algo como o que aconteceu na noite passada acontecia entre nós. Eu que ficava me
culpando, me recriminando e tentando me convencer que o que aconteceu não devia ter
acontecido e tentava me convencer que era errado. Aragorn sem saber nada disso só estava
cumprindo com o que havia falado. Não desistiria de mim e iria lutar para me conquistar. Como
impedi-lo?
- Tem certeza que não quer dar uma volta pela vila? Serão cinco dias pelas
águas a partir de amanhã quando entrarmos naquela embarcação e acho que você vai se sentir
entediada. – Falou Aragorn quando anoiteceu.
- Prefiro mesmo ficar aqui e, se conseguir, quero dormir cedo.
- Quer que eu te ajude a dormir cedo?
- Não precisa. Estou me sentindo mesmo cansada. Acho que não será difícil
dormir.
- Se importa então se eu sair um pouco?
Não gostei da idéia que me sombreou por segundos a cabeça de que em algum
lugar que eu não estivesse com ele alguma das lindíssimas mulheres de Andaluz pudesse ter a
oportunidade de se insinuar.
- Aonde vai?- Perguntei possessiva.
O sorriso maroto dele reapareceu em seu rosto. Ele adorava quando eu agia
assim.
- Só vou dar uma volta, estou me sentindo enferrujando aqui dentro.
- Tudo bem então – Falei conformada. Afinal, que espécie de pensamento era
esse?
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Quando Aragorn saiu peguei minha mochila buscando pela coroa. Da última
vez que a usei nada aconteceu como Ernest temia e eu podia aproveitar e tentar entrar em
contato com Jeziel. Com certeza se o visse muitas das minhas dúvidas em relação ao que eu
estava sentindo cairiam por terra.
Ao colocar a coroa sobre minha cabeça, tentei mais uma vez sem sucesso
encontrar Jeziel.
- Ernest me disse que a coroa era capaz de me mostrar o que eu mais queria ver.
Será que não ando conseguindo ver Jeziel porque esse desejo mudou em mim? Será que vê-lo
não é mais tão importante? – Falei em voz alta conversando comigo mesma.
Impossível – Pensei – Eu sei que ainda o amo. Eu sinto que ainda o amo. Se
algo tivesse mudado eu saberia... Não saberia?
- Talvez essa porcaria esteja com defeito. – Falei de implicância com a coroa.
Vou fazer um teste – Pensei.
- Onde esta Aragorn? – Perguntei a coroa que automaticamente me abriu a visão
de Aragorn recostado numa cerca branca olhando as estrelas. Eu podia vê-lo nitidamente e
percebi seus olhos distantes.
Fiquei o observando por alguns minutos e apesar de seu semblante sempre
sereno eu sabia que ele estava perturbado com alguma coisa.
- Queria saber o que ele esta pensando. – Sussurrei desatentamente. Mesmo sem
ser uma ordem a coroa abriu a mente de Aragorn a mim rompendo suas barreiras e pude ouvir
seus pensamentos.
Garota... você sempre tão perto e tão longe ao mesmo tempo... Ah Melissa,
como eu vou chegar ao seu coração?...
Ao perceber que eram os pensamentos dele que eu estava ouvindo me senti uma
invasora. Imediatamente retirei a coroa da cabeça certa de que nela não havia defeito. Irritada
enfiei ela novamente na mochila.
Senti-me tão mal por ter invadido a privacidade de Aragorn, mas me senti feliz,
tão incontrolavelmente feliz em saber que ele estava pensando em mim...
Mais uma vez me aborreci com meus próprios pensamentos e sentimentos, e me
deitei para me obrigar a dormir.
Naquele quarto, perfumado pelas flores, horas depois que as luzes se apagaram
a porta se abriu cuidadosamente. Eu pude ver Aragorn entrar tentando não me acordar, mas
meus olhos estavam abertos e meu coração velava esperando que ele chegasse.
Quando ele entrou pela porta me sentei na cama e ele se surpreendeu por eu
ainda estar acordada, mas não disse nada.
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Eu ainda não tinha conseguido esquecer que tinha invadido seus pensamentos e
descoberto que eles me pertenciam. Talvez pelo fato da mente dele ser a primeira que eu
consegui ver, não sei... Mas eu tinha que confessar; ver por mim mesma quanto ele pensava em
mim e com tanto carinho, mexeu comigo.
Quando se aproximou do sofá aonde ele iria dormir eu me pus de pé e andei até
ele. Aragorn me olhou surpreso, mas seus olhos estavam radiantes.
Eu lhe sorri e estendi a mão que ele prontamente segurou. Puxei-o pela mão até
ele estar a distância de milímetros de mim.
O mesmo gesto que ele havia feito ontem a noite no palco de acariciar meu
rosto, afastar minha franja dos olhos e aproximar seus lábios dos meus me beijando com ternura
foi repetido. Só que dessa vez enlacei seu pescoço num abraço me entregando. Eu queria sentir
novamente seu beijo forte e seguro, queria sentir cada célula dele vibrando recostado em meu
corpo, queria de novo o sabor de seus lábios e o calor excitante de suas mãos em mim e ansiava
por mais de seu amor que tanto me cativava e perturbava. Ele soube o que eu queria e não me
privou nenhum segundo dele mesmo se entregando a minha vontade e me tomando com
volúpia. Vibrei em seus braços. Era uma sensação tão nova e poderosa sentir o quanto ele me
desejava. Meu corpo se abandonou entregue a violência dos meus sentidos. Senti minhas pernas
fraquejarem e mesmo assim algo em mim pedia mais de tudo aquilo.
Aragorn passou seus braços fortes por mim me segurando no colo me
carregando até a cama. E quando de uma forma viril ele me deitou sobre ela mantendo meu
corpo sob o dele beijando minha boca, meu queixo, meu pescoço me provocando uma sensação
no mínimo inebriante, comecei a ofegar. Todo meu corpo parecia estar mergulhado num rio de
fogo que ardia sem queimar. Me entreguei calorosamente aos seus braços e mais ainda aos seus
beijos. Não existia mais nada além de seu toque em mim.
Estreitamente ligada a ele senti que não precisava me preocupar com nada mais,
somente me deixar levar pelo êxtase daquele corpo, daqueles braços e de seus lábios, ora
percorrendo minha pele, ora colados nos meus. E no momento em que suas mãos percorreram
meu corpo com ousadia, deixando um lastro de brasas por onde passava, abri meus olhos para
ver os dele. Queria ver o brilho incandescente do ouro de seu olhar. Queria ver o poder de sua
paixão irradiando em fogo... queria ver por mim mesma o amor que ele me oferecia e que eu
estava tão inclinada a receber agora.
Só que me vi sozinha sobre a cama. Com todas aquelas sensações,
inacreditavelmente sentindo o sabor dos lábios de Aragorn nos meus e ainda com meu corpo
ardendo, percebi que era um sonho.
Um sonho... - Pensei aturdida.
Despertei suando, ofegante e pousei a mão sobre o peito tentando abafar o
coração disparado. Transtornada por um sonho.
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Olhei todo o quarto procurando por Aragorn que podia ter me induzido a esse
sonho, mas ele ainda não havia chegado. Ele não tinha nada a ver com isso. Minha mente
sozinha tinha projetado aquele sonho. Talvez motivada pelo ambiente romântico em que eu
estava, ou... ou... - Eu não sabia o que pensar.
Enquanto eu tentava organizar minhas emoções a porta do quarto se abriu
devagar como em meu sonho e Aragorn entrou me olhando surpreso. Por impulso me coloquei
de pé de frente a ele. Todos os meus sentidos ainda estavam em atividade. Numa febril e
desconcertante atividade.
E enquanto ele me olhava esperando saber por que eu havia me levantado da
cama ao vê-lo, eu lutava contra a atração do seu olhar e contra a lembrança do sonho, e contra o
desejo absurdo de me atirar em seus braços.
Meu coração disparado em meu peito tornava minha respiração difícil. Minhas
mãos estavam suando e havia algo em meu rosto que eu não podia saber o que era, mas Aragorn
me olhava com seus olhos de ouro como se esperasse por mim.
Um só passo... eu sabia que se um único passo meu fosse dado em sua direção o
sonho se tornaria em realidade.
Mas resisti, e no mesmo impulso que usei pra levantar, pulei sobre a cama e me
enrolei debaixo da coberta implorando para que ela fosse forte o bastante para me manter presa
ali.
Aragorn mesmo surpreso com minha reação continuou calado. Se deitou em seu
sofá e mesmo que eu estivesse toda enrolada sob as cobertas como dentro de um casulo podia
sentir seus olhos em mim.
Debaixo daquela coberta eu suava e sabia... sabia que ele sabia que a poucos
segundos atrás eu tive que fazer um esforço sobre humano para não ir até ele.
Aragorn estava ganhando terreno... Isso era um absurdo pra mim, mas ele
realmente estava ganhando terreno.
Por toda a noite eu não consegui dormir. Com medo de sonhar com ele
novamente.
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Capítulo 15
De manhã quando nos levantamos o homem Dumbar já estava nos
aguardando para que pudesse nos levar até o vale de Gaya em sua embarcação.
Ele nos acomodou também em uma cabine separada para casais em lua de mel e
como eu não tinha dormido o resto da noite aproveitei a viajem sobre o rio de águas tranquilas
para dormir um pouco enquanto Aragorn fazia companhia a Dumbar e a alguns outros viajantes.
Quando mais tarde me levantei fui procurar por Aragorn no convés.
De longe avistei Aragorn tão envolvido numa conversa animada com vários
homens e mulheres que me detive no meio do caminho para não interferir. Fiquei a observar sua
forma tão natural e como ele conseguia prender a atenção de todos, como os outros sorriam com
seus comentários e como ele sorria espontaneamente dos comentários dos outros.
Como a tarde já estava declinando, o sol refletia uma luz alaranjada sobre as
águas do rio que iluminava a todos de uma forma que os fazia parecer estar sob uma película
fina de luz. Essa luz se destacava ainda mais sobre Aragorn e o ouro de seus olhos ficavam
ainda mais radiantes.
Um dos homens que estavam ao seu lado notou minha presença e falou algo a
ele que o fez olhar diretamente em minha direção. Seu rosto que já estava iluminado por um
sorriso informal me deslumbrou quando a me ver seu sorriso de anjo se destacou. Minha
respiração ficou suspensa por segundos presa por aquele sorriso.
E eu não sei por que, mas tive a impressão que aquele sorriso era só meu. Que
ele não sorria assim para mais ninguém. Só pra mim.
Ele andou até onde eu estava e quando chegou bem perto eu ainda estava presa
por seu olhar. Aragorn arrumou minha franja olhando indefinidamente meu rosto e me puxou
pela mão.
- Venha, você que gosta de estórias engraçadas vai achar bem interessantes
algumas das que eles estão contando.
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Aragorn me conduziu até a roda de pessoas em que ele estava me sentando ao
seu lado. Cada um alternadamente contava alguma coisa que devia ser engraçada, por que todos
riam animadamente, mas devido a minha falta de informações e de familiaridade com algumas
expressões de Andaluz acabava sem entender. Aragorn no entanto sorria bastante, não sei se das
estórias ou da cara de alienada que eu fazia quando todos me olhavam esperando que eu
reagisse a alguma das supostas “piadas”. E como me olhavam. Na verdade os olhares de todos
em mim já estava me aborrecendo tanto homens como as mulheres me olhavam
incansavelmente. Depois de certo tempo já incomodada me levantei na intenção de sair do foco
dos olhos de todos. Aragorn me seguiu.
- O que foi, se cansou de ouvir as estórias?
- Não. O que me cansou foi os olhos de todo mundo em mim. Tô me sentindo
uma aberração. Todos não param de olhar para mim. – Resmunguei.
Ele deu um passo a minha frente me fazendo parar fitando meus olhos
intensamente. Por segundos sustentou meu olhar.
- Você é absurdamente linda. Impossível não querer que os outros não se
deslumbrem com sua presença.
Como não falei nada ele continuou.
- Você tem consciência disso não tem? De quanto seus olhos brilham, de como
seu sorriso cativa, de como cada gesto seu é delicado e atraente... De como a maneira em que
seus lábios se movem enquanto você fala é bela e entorpecente, de como sua voz macia
encanta... E de como a tua simples presença vicia?
Ouvi-lo falar dessa maneira acelerou o ritmo do meu coração.
Aragorn era sedutor, mas a sinceridade em sua voz e em seus olhos a me dizer
tudo aquilo era totalmente verdadeira. Ele não estava me elogiando, não estava me cantando,
estava descrevendo como ele me via. Aquilo me desconcertou.
Aragorn segurou minha mão e levou-a aos lábios num gesto tipicamente
galanteador, e mais uma vez senti uma emoção estranha.
Foi com alívio como nos tempos em que eu estava na pizzaria e o sinal tocava
me tirando de situações difíceis que o senhor Dumbar tocou um sino anunciando que o jantar
seria servido.
Todos seguiram o senhor Dumbar até uma instalação preparada como um
restaurante. Sua embarcação era bem grande e confortável como um luxuoso e enorme iate.
Várias instalações e acomodações como um hotel sobre águas. Na verdade estar ali me fazia
sentir desfrutando de um cruzeiro só que em águas doces. O rio Destor era bem largo, me
lembrava a extensão dos rios da Amazônia que mais parecia um grande mar. E deviam ser bem
profundos também pois as águas se mostravam bem escuras naquele ponto de nossa viagem.
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No jantar mais pessoas sentaram-se conosco em nossa mesa. Duas moças
evidentemente encantadas com Aragorn, mas que se mantinham comportadas por pensar que ele
era meu marido. Pelo menos na minha frente. E um rapaz que devia ter a mesma idade que
Aragorn que me pareceu sentar ali só por causa de uma das moças.
A conversa era informal a mesa e até estava sendo divertida.
Todos combinaram que mais para dentro da noite iriam se reunir no convés para
continuar a conversa e após o jantar cada um foi para seus respectivos interesses.
Aragorn e eu fomos para nossa cabine e como não estávamos andando entre
vales e montanhas eu aproveitaria cada momento para me deitar sobre a cama macia me
lembrando de como é agradável ser civilizada.
Na cabine deitada na cama me dei conta de algo que tinha passado despercebido
antes. Não havia um sofá. Não havia uma poltrona. Só havia a cama de casal onde Aragorn e eu
teríamos que dormir juntos durante cinco dias.
Eu já estava acostumada a estar perto dele. Na verdade ele não dormia muito
distante de mim nos últimos dias na mata. Mas depois do meu sonho de ontem me senti
desconfortável. Fiquei imaginando depois da estória do casamento que ele contou para driblar a
desconfiança de Dumbar, não daria para ir dormir em outra cabine. Poderia levantar suspeitas.
Aragorn de uma forma muito natural despiu sua camisa e se deitou ao meu lado
tranquilamente. Ele também estava acostumado a nossa proximidade. Aquilo não era novidade
para ele. E com a naturalidade que ele deitou na cama se virou para meu lado procurando
conversa.
- Esta gostando da viagem?
- Melhor que caminhar floresta adentro. – Respondi tentando também ser
natural.
- Melhor não se acostumar à facilidade, ainda teremos vários dias para caminhar
pela floresta. Mas é bom te dar um descanso e você recupera de vez esse tornozelo.
- O descanso é bem vindo.
- Ainda dói?
- Bem pouco na verdade. Só se eu pisar em falso.
- Como vocês viajam em sua dimensão?
A conversa superficial de Aragorn me deixou mais a vontade. Passei horas
contando-lhe dos meios de transporte da minha dimensão e ele parecia muito curioso. Não sei o
que ele imaginava quando eu descrevia algo como um carro ou uma moto, mas ele pareceu
bastante interessado no que eu falava. Apesar de meu corpo esta super consciente da presença
dele tão próxima a mim, com a naturalidade dele foi fácil esquecer de meus temores vencer
meus sentidos e depois de um tempo já não me preocupava mais por ele estar ali.
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- Tudo parece tão diferente de Andaluz. Seu pai deve ter ficado muito espantado
quando se viu numa outra dimensão tão diferente do que ele estava acostumado.
- Não sei o que ele achou. Ele voltou para cá antes que eu pudesse conhecê-lo
de verdade. Mas pelo que sei ele não me pareceu ter tido muita dificuldade para se adaptar. Ele
tinha um bom emprego, e se casou com minha mãe, parecia ter uma vida feliz até o dia que
sumiu sem deixar rastro.
- E como sua mãe reagiu?
- Ela era completamente apaixonada por ele. Eu ainda era pequena demais para
me lembrar mais creio que ela deve ter sofrido muito. Mesmo depois de anos ás vezes a pegava
chorando no quarto, escondida de nós. Até hoje acho que ela o ama. Nunca mais conseguiu se
envolver com mais ninguém.
- Você acredita que um amor possa durar toda uma vida? – Me sondou.
Afastei o meu olhar do dele. Me pareceu que ele estava formulando mais uma
de suas perguntas para descobrir algum de meus segredos.
- Não sei. - Eu não seria a pessoa mais indicada para dar essa resposta a
Aragorn. Não diante do que eu havia passado e do que eu estava vivendo agora. - O que você
acha?
- Acho que passamos a vida aprendendo a amar. Amando as pessoas que nos
cercam de formas e intensidades variadas até que no dia em que alguém consegue despertar em
nós a perfeição do amor nos arrebata por inteiro.
- Isso não garante que seja para toda vida. – Falei num sentimento de amargura
por minha mãe e por mim.
- Talvez seu pai amasse a sua mãe muito mais que a ele mesmo para conseguir
deixá-la.
- Ou talvez ele só tivesse outras prioridades e interesses. – Falei por minha mãe
e por mim novamente.
A imagem de Jeziel me abandonando por causa de Raika e de Andaluz me fez
sentir dor e percebi que meu coração ainda não estava curado.
Alguma expressão em meu rosto chamou a atenção de Aragorn.
- Você sempre me diz que não se importa com a partida de seu pai, mas quando
você toca nesse assunto, se perturba. Posso ver a dor e a tristeza em seu rosto.
Fechei meus olhos antes que ele pudesse ver neles que não era por causa de meu
pai que eu sentia dor.
- É por causa dele que você tem medo de me amar? Medo que eu faça a você o
que ele fez a sua mãe?
- Aragorn por favor...
158
- Tudo bem... Se você não quer falar nisso. Mas saiba que eu jamais faria algo
assim.
- Jamais acredite num “jamais” saído da boca de um homem. Eles não têm real
dimensão do que essa palavra significa. Por isso a usa sem medida. E quando menos se espera lá
estão eles fazendo tudo que prometeram não fazer. – Me lembrei das vezes que Jeziel me
prometia que “jamais” me abandonaria, e quebrou sua promessa assim que beijou Raika diante
de meus olhos.
- Você deve ter razão. Mas enquanto o homem acredita no que ele prometeu o
“jamais” dele permanece firme.
- Vai defender sua classe agora? – Resmunguei.
- Não. Vou defender a mim mesmo. Eu sou diferente.
- Os homens são todos iguais, em qualquer lugar do universo. Inclusive quando
dizem ser diferentes.
Ele sorriu.
- Essa conversa esta ficando meio chata.
- Também acho.
- Que tal nos encontrarmos com os outros no convés?
- Boa idéia.
Ao subir para o convés notei a noite como estava fria. A embarcação deslizava
tranquilamente sobre as águas escuras e me encantei em ver o reflexo das estrelas no espelho do
rio. Como se estivéssemos navegando no próprio céu.
As pessoas se dividiam em blocos conversando, alguns músicos tocavam
músicas alegres enquanto alguns dançavam. Eu estava recostada no parapeito da embarcação e
Aragorn na proa desligado de tudo admirando suas estrelas. Ele tinha um caso antigo de amor
com elas. Eu sempre tinha a impressão que ele as ouvia, por isso lhes dava tanta atenção. E
quando por algum motivo ele não conversava ou cantava para elas, enciumadas elas brilhavam
ainda mais tentando atraí-lo. Ele também era o céu daquelas estrelas.
Pela primeira vez desde que essa jornada havia começado eu me sentia
realmente segura. Não sei se por estar em meio ás águas tinha a impressão que os soldados de
Cordomad não poderiam me alcançar ali ou se por ver Aragorn tão relaxado e a vontade me
transmitia segurança. Eu me sentia mais num passeio do que numa missão impossível. Num
passeio agradável e em boa companhia.
O povo de Andaluz era um povo cordial em sua maioria, é claro que tive alguns
dissabores com alguns daqui como o homem no bar e os Drevors de Cordomad querendo me
matar. Lariana amiga de Aragorn que tenho certeza, não foi com minha cara, nem eu com a
dela, e com a peste mentirosa da Raika. Mas em compensação teve Erzoul, a família de Naske,
159
a Sra. Luna, a dona da hospedaria, o Sr. Dumbar e especialmente Aragorn. Não devia ter pessoa
melhor nessa dimensão que ele. Eu tive muita sorte em encontrá-lo.
Nunca fui boa em relacionamentos em minha dimensão, mas conversar com as
pessoas aqui era tão fácil, e Aragorn então me cativou de uma forma tão mágica. Ele era meu
amigo. A única pessoa que mereceu esse título além dele era Biel meu irmão. Mesmo sabendo
que Aragorn desejava mais que ser meu amigo eu poderia deixar que ele ocupasse a difícil
posição de ser meu melhor amigo. Assim era fácil entender porque eu o admirava tanto. E
comecei a pensar novamente em quanto sentiria sua falta quando chegasse a montanha Mayata e
atravessasse o portal sozinha.
E se eu nunca mais o visse? E quando eu voltasse a minha dimensão? Pensar em
nunca mais vê-lo me dava um frio na alma. Será que eu conseguiria mesmo me afastar dele
quando chegasse a montanha? Talvez não. Mas talvez ele mesmo se afaste de mim quando eu
lhe contar toda a verdade antes de atravessar o portal. Tenho certeza que ele não me perdoara
por ter mentido e por tê-lo usado. Mas eu tentaria fazê-lo acreditar que eu realmente precisava
dele, e que não foi por maldade, foi por desespero. Só tenho a Aragorn nessa dimensão. Mais
ninguém. Ernest morreu e nem Jeziel nem meu pai sabem que estou aqui. Então é só ele que eu
tenho.
Quando voltamos a cabine para nos deitar, muitos ainda ficaram no convés
dançando e conversando. Estava bem animado lá em cima, mais a cama macia e quentinha
estava muito mais atrativa.
Deitei-me enrolando numa coberta felpuda e Aragorn se deitou ao meu lado.
passamos boa parte da noite desfrutando do conforto da cama e fofocando sobre os três que
tinham almoçado conosco e a noite estavam também no convés. Aragorn com seu dom para ver
o que se passa na mente dos outros me passou em primeira mão as dificuldades que o rapaz
estava encontrando para se chegar até a garota. Eu me diverti com aquilo tudo, em toda aquela
conversa. Me senti uma mexeriqueira, mas era bem interessante porque Aragorn fazia tudo ficar
mais engraçado do que devia ser me contando o que se passava na mente dela e na dele.
O tempo passou e nem percebi que devia ter deixado Aragorn falando sozinho e
adormecido. Quando o sol entrou pela escotilha me despertando Aragorn ainda dormia ao meu
lado. Ele já não acordava repentinamente quando eu me movia perto dele enquanto dormia. E
lentamente me levantei da cama para não lhe perturbar o sono. Saí da cabine e me dirigi
descalça para o convés. Pelo jeito devia estar ainda muito cedo. Nenhum dos viajantes estava
ali, somente o Sr. Dumbar coordenava a direção da embarcação. O chão estava frio, uma
sensação bem agradável sob meus pés.
- Bom dia Melissa, vejo que acordou cedo. – Me cumprimentou o Sr. Dumbar.
- Ontem dormi cedo e já me sinto bem descansada.
160
- Bem diferente dos meus outros passageiros que foram se deitar quando o sol já
despontava no horizonte.
- Tenho certeza que eles aproveitaram bem a noite em seu convés.
- Claro. As minhas viagens sempre ficam na recordação de quem as faz. Espero
que sejam boas recordações para você e seu amado.
- Com certeza serão.
- Aceita tomar café comigo já que Aragorn ainda dorme?
- Seria uma honra capitão Dumbar.
- Capitão Dumbar... Gostei disso. Todos agora me chamarão de Capitão
Dumbar.
Depois de tomar café com o capitão Dumbar voltei a minha cabine.
Aragorn continuava dormindo tão tranquilamente que antes de me deitar ao seu
lado observei ainda seu rosto. Ele era todo anjo agora que eu o observava com mais cuidado.
Cada traço do seu rosto apesar de ter linhas firmes eram tão bem desenhados, o tom claro de sua
pele de seus cabelos. Seu peito nu tão bem moldado por seus músculos nada exagerado, ele só
era forte naturalmente. Seu ventre desenhado e marcado por algumas cicatrizes de batalhas
vencidas que o deixavam ainda mais atraente. Cada momento eu entendia mais o fascínio que
ele exercia sobre as mulheres que olhavam para ele.
Quando me deitei ao seu lado seu sono estava mais leve e ele acabou
acordando.
- Onde você estava?
- Tomando café com o capitão.
- Com o capitão? – Perguntou confuso.
- Com o capitão Dumbar. – esclareci.
Ele esboçou um sorriso.
- Quer dizer que você deu mais um motivo para Dumbar se orgulhar de si
mesmo.
- Acho que combina com ele.
- Também acho.
- O que vamos fazer hoje?
- Já esta entediada?
- Antes eu só via árvores agora só vejo água, água e mais água.
- Ainda faltam quatro dias.
- Já estou entediada agora.
- Posso te colocar para dormir o resto da viajem.
- E você ficar solto aí para essas mulheres te atacarem? Não querido não ficara
bem para a reputação do nosso casamento. – Brinquei.
161
Ele riu.
- A quem você esta se referindo?
- Aquela uma que não tirou os olhos de você desde que embarcamos.
- Não sei de quem você esta falando.
- Ah, deixa de ser cínico. Você sabe melhor do que eu. Aquela que almoçou
conosco outro dia. Com certeza você deve ter visto os pensamentos dela.
- Você é tão ciumenta.
- Toda esposa é.
- Você não é minha esposa de verdade.
- Mas já que você começou com essa estória é melhor entrar no papel. E ai de
você se te ver de conversinhas por ai com ela.
- Nunca gostei de mulher ciumenta.
- Casou comigo porque quis, agora aguenta.
Ele riu sonoramente.
Quando me joguei ao seu lado na cama ele se virou me encarando.
- O que eu posso fazer para acabar com seu tédio?
- Isso é quase impossível.
- O que costumava fazer em sua dimensão quando estava assim?
- Me entupia de bolo de chocolate na frente da minha TV.
- E resolvia?
- Nunca, mas pelo menos tinha um gosto melhor.
- Em Andaluz não tem chocolate nem TV, então teremos que arrumar outra
distração.
- Como o que?
Aragorn fez duas conchas com as mãos e as uniu em alguns segundos. Depois
quando ele as abriu uma estrela de fumaça surgiu de entre suas mãos flutuando no ar vindo até
minha mão. Quando a toquei ela dissipou.
- Que lindo. Como você fez isso?
- Eu já fui um Drevors lembra? Fazer fumaça não é tão difícil para mim.
- Você era como eles... Se transformava como eles?
- Até hoje eu posso se quiser.
- Isso é bem estranho.
- Te incomoda?
- Não sei bem. Me parece obra do mal.
- Um tipo de feitiço que a rainha Erkas lança sobre seus soldados.
Ouvir o nome dela me deu calafrios.
- E porque nunca te vi se transformar?
162
- Não quero mais nada que me faça lembrar quem eu fui. Quero uma nova vida.
E quando me transformo sinto como se ainda fizesse parte do esquema deles.
- Mas essa fumaça que você fez é tão branquinha. E a deles é negra.
- Porque eu me libertei da influência de Cordomad. Hoje não há mais nada dele
em mim.
Ele uniu as mãos novamente e formou um animalzinho. E foi me distraindo
criando várias formas.
Depois de um tempo sem perceber que já estávamos a horas dentro da cabine
conversando alguém bateu na porta. Aragorn foi abrir.
- Senhor desculpe incomodá-lo, mas vamos passar por um cardume de Urrels e
o capitão Dumbar solicita a sua ajuda. – Falou um dos outros passageiros.
- O que são Urrels? – perguntei.
- São peixes extremamente grandes, mas não é temporada de Urrels nesse rio. -
Aragorn pegou sua camisa e saiu vestindo.
Eu saí atrás dele para ver do que ele estava falando. Ao passar pela proa, pude
ver no rio um animal que parecia um leão marinho, mas que devia ter o tamanho de uma baleia
fazendo um arco enquanto nadava ao lado da embarcação.
- Aragorn, venha para o leme, eu vou para a proa te dando a direção. Teremos
que passar por esse cardume com cuidado ou eles podem virar o barco. Disse o capitão.
- Mas não é época deles subirem o rio.
- Com certeza não, mas eles devem estar fugindo de alguma tempestade, por
isso estão subindo o rio.
Aragorn foi para o leme e o capitão para a proa. Aragorn guiava a embarcação
na direção que o capitão lhe dava indicando com a mão desviando dos enormes peixes. Cada um
deles era tranquilamente do tamanho do próprio barco. A medida que íamos navegando a
quantidade de peixes aumentava.
- Melissa, quero que você volte para a cabine. Não é seguro você ficar no
convés agora. – Aragorn me ordenou.
Enquanto eu caminhava de volta a cabine, um solavanco de baixo para cima
atingiu o barco, eu me desequilibrei e me apoiei na murada para prosseguir meu caminho.
Menos de dois passos adiante outra pancada fez com que o barco balançasse desgovernado e eu
fui lançada por cima do parapeito para o rio.
Ouvi a voz de Aragorn gritar meu nome e algumas pessoas se apoiando no
parapeito estendendo a mão para mim. Mas um peixe enorme passou por mim me afastando
para longe do barco. Eu tentei nadar de volta mais outro peixe passou por cima de minha cabeça
me fazendo afundar e beber muita água. Ao sentir a pele lisa fria e escorregadia do peixe eu me
assustei ainda mais.
163
Quando voltei a superfície para tentar respirar vi que Aragorn havia pulado no
rio e nadava em minha direção. Outros dois peixes passaram lado a lado de mim me fazendo
girar sem direção e me lançando novamente para o fundo do rio. O movimento das águas estava
intenso por causa do cardume e eu não conseguia nadar de volta para cima.
A quantidade de peixes aumentou e eu já estava sendo espremida entre um e
outro, meus braços já não tinham força para nadar e meus pulmões já estavam cheios de água.
Num último fôlego para buscar a superfície impulsionei meu corpo para subir e uma pancada
forte na cabeça provocada por outro peixe me desorientou. Senti que meu corpo ia afundando
sem resistência e sem consciência me deixei levar.
Tudo ficou escuro.
Pelo tempo que minha consciência não me permitiu mensurar tudo estava em
silêncio e depois a voz de Aragorn surgiu distante chamando meu nome. Sentia que sua boca
soprava uma quantidade de ar exagerada pela minha forçando meus pulmões a reagir. Numa
reação involuntária meu pulmão expeliu pela boca e pelo nariz a água que ele tinha absorvido.
Uma tosse que fazia arder todo meu peito veio em seguida e Aragorn me abraçou forte contra
seu peito.
- Você me assustou garota. – Ele falava aliviado.
Quando abri meus olhos estava de volta a embarcação e todos os passageiros
estavam ao meu redor fazendo sombra sobre mim.
- Vamos, vamos... Cada um vai cuidar da sua vida. Ela já esta bem e o cardume
já passou. Não há mais perigo. – Falou o capitão dispersando os curiosos.
Aragorn tirou o cabelo molhado do meu rosto.
- Você esta bem garota? Fala comigo.
Busquei força em minha voz, mas não encontrei. Como percebi que se eu não
respondesse Aragorn ficaria ainda mais angustiado respondi em pensamento.
Estou bem eu acho. Só estou cansada.
Tudo bem, vou te levar pra descansar.
Seus braços passaram por baixo de mim me erguendo do chão e me levando até
a cabine.
Ele me colocou sobre a cama me enrolando numa toalha. Quando abri
novamente meus olhos vi seu rosto aflito em mim.
- Estou bem Aragorn.
- Só vou descansar quando te ver sorrindo de novo.
- Pensei que seria devorada pelos peixes.
- Isso não iria acontecer. Eles se alimentam exclusivamente das plantas que
nascem no fundo do rio. Se algum deles te devorassem teriam uma terrível indigestão.
Meus lábios esboçaram um sorriso fraco.
164
- Agora sim vejo que esta melhor.
- Obrigada. Salvou minha vida mais uma vez. – finalmente consegui falar.
- Já esta se tornado um costume.
- Espero que eu possa parar de ter essas experiências. Você já deve estar se
cansando.
- Também espero que não precise te salvar a cada dois dias somente para sua
própria segurança, mas não me canso de cuidar de você.
A ternura na voz e nos olhos dele me deixaram comovida. Ergui minha mão até
seu rosto e me aproximei dele selando carinhosamente seus lábios.
- Mesmo assim obrigada novamente.
- Se essa for sua reação a cada salvamento prefiro então que você sofra algum
tipo de acidente a cada dez minutos. Eu mesmo posso providenciar alguns.
Empurrei seu ombro em protesto, e mesmo com a piada eu sabia que ele tinha
ficado feliz com meu gesto. E ele merecia isso. Por arriscar sua vida pulando naquelas águas
para me salvar.
Me acomodei mais sobre o travesseiro. Estava me sentindo muito cansada e
Aragorn puxou o cobertor para cima de mim para me aquecer. Ele ficou ali sentado ao meu lado
segurando minha mão enquanto eu descansava e assim debaixo de seus cuidados acabei
adormecendo.
Acordei somente no outro dia de manhã e Aragorn estava deitado ao meu lado,
mais não tinha largado minha mão. Quando abri meus olhos e me movi um pouco ele abriu os
seus em seguida. Havia tanto cuidado, tanta devoção naquele olhar que senti como se eu não
merecesse tudo aquilo. E não merecia mesmo.
O amor de Aragorn me comovia, me emocionava, mas também me deixava com
uma sensação de culpa. Não era certo deixar que ele me amasse dessa forma. Eu sabia muito
bem a dor que um amor desses causaria a ele, como o meu amor por Jeziel me causou uma dor
irremediável. Eu iria acabar ferindo Aragorn da mesma forma que Jeziel me feriu. E ele não
merece isso. Assim como eu também não merecia.
- Que bom que despertou. – Aragorn falou aliviado.
- E você não saiu daqui esse tempo todo?
- Só para abrir a porta para o Sr. Dumbar que estava preocupadíssimo com você.
Ele conseguiu vir aqui umas vinte vezes desde ontem.
- Capitão Dumbar, não se esqueça.
Ouvi batidas na porta.
- Vinte e uma.
Aragorn se levantou e foi abrir a porta.
- Como ela esta? – O capitão perguntou da porta.
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- Acabou de despertar.
- Posso vê-la?
O capitão entrou na cabine com os olhos preocupados.
- Minha querida, você nos deu um susto tremendo ontem e depois que dormiu
esse tempo todo, estava realmente preocupado com você.
- Estou bem capitão, obrigada pela sua preocupação.
- A minha tripulação e eu queremos dar uma festa esta noite para
comemorarmos seu salvamento e recuperação.
- Não sei se seria...
- De jeito nenhum eu vou deixar de dar essa festa em sua homenagem. Todos
estávamos muito preocupados, e para espantar esse clima de tristeza vamos ter uma linda festa.
- Não se preocupe capitão, prepare a festa para essa noite, Melissa também vai
comemorar. – Aragorn falou por mim.
- Ótimo, teremos uma festa tipicamente náuticaluziana.
Pelo sorriso de Aragorn me pareceu que não seria uma festa comum.
- O que é uma festa náuticaluziana?
- É uma festa onde os homens ficam de um lado e as mulheres do outro, elas
ficam juntas participando da festa sem aproximar dos homens, enquanto todos bebem e
conversam até que chega o momento da dança onde todas elas dançam com todos os homens do
barco até se encontrar com aquele que lhe agrada. E depois bem... Cada um faz o que achar
melhor.
- Então é uma forma de provocar um encontro.
- Com certeza.
- Bem, vai ser uma experiência nova. - Falei cismada.
Ele me olhou sem que eu conseguisse descrever o que tinha em seu olhar.
Bateram na porta mais uma vez.
Quando Aragorn abriu, uma avalanche de mulheres entrou eufórica pelo quarto.
Aragorn se encostou com os braços para cima na parede enquanto elas me arrancavam da cama.
- Vamos Melissa não temos muito tempo.
A ação delas foi tão rápida que nem tive tempo de reagir, só vi por cima de o
meu ombro Aragorn me dar adeus com um sorriso nos lábios.
- Para onde estão me levando?
- Nós temos que nos arrumar para a festa e logo anoitecera.
Me introduziram numa cabine onde outras garotas nos aguardavam, todas
estavam muito eufóricas e na expectativa de que a festa fosse um sucesso.
Elas se moviam em grupos arrumando umas as outras, e comentando sobre os
rapazes que elas queriam dançar. Era tão tipicamente adolescente a empolgação que acabei me
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animando com elas. Aragorn também estaria lá para me ver e isso dava um tom especial aquilo
tudo.
Participei com elas na arrumação de cada garota, usando um pouco dos meus
conhecimentos em maquiagem e em penteados, elas adoraram as novidades e também
arrumaram meu cabelo e me vestiram um vestido de tecido leve em cor dourado. Era um pouco
revelador nas costas e no decote do busto, mas não estava vulgar. Na verdade me senti mais
bonita naquela roupa. Todas elas estavam lindíssimas também, verdadeiras ninfas do rio.
Quando anoiteceu e todas fomos para o convés, estava ansiosa para ver
Aragorn, o barco tinha todo sido decorado com luzes e flores e todos os homens também
estavam ali num lugar reservado para eles. Procurei por Aragorn que se recostava
tranquilamente no parapeito do barco tão divinamente trajado e atraente que fiquei feliz em não
poder ter que ir até ele.
Com a chegada das mulheres a festa deu início e os homens da lá bebiam e
conversavam no clube do bolinha e nós mulheres também do lado de cá, nos ocupávamos em
nossas conversas.
A festa na verdade era uma vitrine onde cada uma expunha suas qualidades e
seu charme atraindo para si o olhar de algum pretendente. Vez ou outra eu dava uma espiada em
Aragorn que conversava tranquilamente com os outros homens, mas sempre que eu olhava ele
cruzava seu olhar com o meu.
Me sentei um pouco já que a festa iria provavelmente durar a noite toda. Depois
de um bom tempo todos já estavam ansiosos para que a segunda parte da festa iniciasse e a
música começou a tocar. Os homens então saíram de seus lugares e vieram tirar as damas para
dançar. Eu já esperava por Aragorn, mas quando uma mão se estendeu para mim, não era a dele.
Um homem de cabelos negros caídos sobre os olhos me tirou para dançar. Me coloquei de pé a
dançar com ele já que tinha sido instruída a não recusar nenhum convite já que a dança era um
jogo e todos precisavam participar.
Enquanto eu rodava com meu par pelo convés busquei encontrar Aragorn
dançando com alguém, mas não o encontrei. Depois da primeira dança fui convidada por outro
par e também dançamos. Meus olhos não cansavam de procurar por Aragorn que não estava no
convés. Mas eu não podia sair para procurá-lo.
Cinco pares depois, o Capitão Dumbar me tirou para dançar, ele estava bem
animado e feliz.
- Capitão o senhor viu Aragorn?
Ele ergueu seus olhos para cima onde ficava o leme e eu segui seu olhar. Lá
estava Aragorn com o leme nas mãos guiando a embarcação.
- Ele se ofereceu para levar o barco para que eu pudesse dançar com vocês,
afinal ele já tem você, e eu preciso encontrar alguém que queira acompanhar esse navegador.
167
O Capitão esticou o olhar para uma das mulheres que estava dançando ao nosso
lado com seu par. Ela também esticou o olhar para ele. E eu fiquei feliz em saber que
provavelmente o capitão poderia encontrar sua companheira já que enquanto nos arrumávamos
na cabine ela esboçou a vontade de ficar com ele.
- Mas vou pedir para que alguém o substitua para que vocês possam dançar
também.
O melhor par de danças foi sem dúvida o capitão. Ele era divertido falador e
dançava bem. E não tirava os olhos da mulher ao lado.
- O senhor devia chamá-la para dançar logo.
- Você acha?
- Ela não tira os olhos de você. E ela vai acabar se cansando se tiver que dançar
com mais meia dúzias de homens te esperando.
- Você tem razão, assim que essa música acabar vou até ela.
Demos mais algumas voltas e quando a música parou ele me cumprimentou e
caminhou até ela sob meu olhar distraído.
Uma mão quente e suave pousou em minha pele nas costas que estavam a
amostra pelo vestido me fazendo arrepiar.
- Agora é minha vez. – Aragorn sussurrou em meu ouvido.
Quando ele me fez girar, e me enlaçou pela cintura, não sei se pela surpresa ou se
pelo toque das suas mãos em minha pele nua, todo meu corpo estremeceu. Quando vi seus olhos
me fitaram e pude sentir que seu corpo também reagiu a mim.
- Você esta linda.
- Você também. – Elogiei com sinceridade ele estava esplêndido com aquela
camisa clara destacando seu peitoral.
- O que esta achando da festa?
- Acho que muita gente vai sair desse barco casado.
Ele riu.
- Esse é o real motivo de cada um deles estarem fazendo essa viajem de barco.
Fora nós dois, nenhum deles tem a necessidade de viajar assim. Essa viajem é uma forma das
pessoas se aproximarem. E começarem uma história de amor.
- Porque não havia me dito antes?
- Não achei necessário.
- Então estamos no barco do amor?
- Pode se dizer que sim.
Sorri. Agora entendi porque todos estavam tão animados.
- Mas cinco dias não é pouco tempo para se conhecerem?
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- Quando atracarmos com certeza os que se apaixonarem não vão desembarcar;
Farão a viajem de volta com o capitão. E os que não tiveram sorte vão esperar a próxima
embarcação.
Continuamos dançando e passei a observar os casais que bailavam ao nosso
redor. Vendo alguns, já podia notar quem seriam passageiros do capitão Dumbar na viajem de
volta. Outros, no entanto, ainda estavam a procura de seu par no barco do amor.
Um rapaz passou por nós me olhando e pelo jeito ele estava esperando que a
música acabasse para substituir meu par.
- Se importa de passar o resto da noite dançando comigo? – Aragorn propôs,
- Não. Porque essa pergunta?
- Sei que tem outros querendo a oportunidade de dançar com você.
- Esse é o jogo não é? – Brinquei.
- Não gostei de ver você em outros braços. – Ele me apertou ainda mais
possessivamente e meu corpo enrijeceu com medo do seu toque que estava me causando novas
sensações.
- Eu só estava participando da brincadeira, e você não estava aqui para dançar
comigo. – Me afastei um pouco de seus braços.
- Sabe o que não entendo? Você é tão minha quando esta longe de mim. Eu vi
seu olhar me procurar quando subiu ao convés, vi você me procurando enquanto dançava. Sei
que sente minha falta quando me afasto por alguns minutos de você, e sei o quanto me espera
chegar, mas quando estou assim, próximo, você fica forçando uma barreira entre nós.
Me soltei de seus braços e andei rumo a popa me segurando no parapeito vendo
as águas tranquilas iluminadas pelas luzes do barco. Eu precisava respirar um ar puro que não
tivesse impregnado com a atmosfera inebriante de Aragorn.
Aragorn me alcançou e se aproximou mais de mim de forma intimativa.
- Não fuja... Olhe para mim Melissa.
- Não... Por favor. – Eu estava me sentindo sensível demais para encarar seus
olhos.
- Olhe-me, quero ver seus olhos agora. Porque eles não mentem, e sei através
deles o que você nega que esta sentindo.
Senti que não poderia ceder ao pedido dele. Mantive meus olhos no chão
balançando negativamente minha cabeça, mas ele não se deu por vencido.
- Olhe para mim Melissa.
A sua voz veio de forma doce mais tão autoritária que não pude mais impedir
que meus olhos encontrassem os dele.
Por um instante de nosso olhar tudo ao nosso redor pareceu desaparecer,
somente o ouro dos olhos de Aragorn iluminava o universo.
169
- É disso que estou falando. Quanto tempo ainda vai negar... Quanto tempo
ainda vai me fazer esperar e sofrer por te querer? Por quanto tempo ainda vai me privar de tê-la
em meus braços?
Eu não tinha essas respostas. Não sabia quanto tempo mais eu poderia resistir,
mas ia continuar enquanto pudesse. Mas ficava bem difícil... muito difícil mesmo quando ele
me olhava assim.
Aragorn com seus olhos firmes nos meus, encaixou suas mãos em meus cabelos
se aproximando para me beijar. Minhas mãos pousaram em seu peito para impedi-lo, e ele não
insistiu, apenas me soltou e num rompante de fúria se virou esmurrando o parapeito do barco
num grande estrondo.
Saí andando para longe de Aragorn enquanto ele debruçava aborrecido sobre a
murada.
Passei pelas pessoas que ainda dançavam e corri para minha cabine. Me lancei sobre a
cama desconsolada e chorei compulsivamente. A gama de sentimentos que estavam me
invadindo me deixou nervosa e vulnerável. Eu tinha que recarregar minhas certezas e meus
impulsos.
- Eu amo Jeziel... Amo o meu Leo... É por ele que estou aqui. – Eu falava
baixinho me recordando o motivo da minha viajem enquanto as lágrimas percorriam meu rosto.
Peguei a coroa em minha mochila e ao colocá-la sobre a cabeça, clamei pela
visão de Jeziel.
- Meu Leo, onde você esta? Preciso te ver... Preciso de você, do seu amor... Por
favor apareça a mim.
A coroa não me mostrava nada. E o choro se tornava ainda mais sentido.
Retirei-a e a guardei novamente.
Quando a porta da cabine se abriu e Aragorn entrou, escondi meu rosto entre os
travesseiros me virando de costas para ele.
Ele se sentou a beira da cama, e pousou a mão sobre meu ombro.
- Eu não tenho o direito de te fazer chorar. Me desculpe.
A voz dele sempre tão doce comigo carregava um extra de angustia. E saber que
ele estava sofrendo por minha causa me deixava louca.
Como não disse nada ele continuou.
- É só que cada dia que nos aproximamos da montanha Mayata, sinto que tenho
pouco tempo para conquistar seu coração. Penso que se chegarmos até lá você ira partir sem
mim e... eu não posso te perder.
Retirei meu rosto dos travesseiros e o fitei.
- Aragorn não insista nisso. Eu não posso corresponder ao que espera de mim
- Não pode ou tem medo?
170
- Você é meu amigo, o único amigo que tenho aqui, a única pessoa que confio,
e... não posso te amar.
- E você então esta me mantendo por perto só para chegar a montanha Mayata.
E depois vai partir sem mim?
- Não. Você esta me ajudando e é verdade que não conseguiria sem você, mas
não estou te usando se é isso que esta insinuando. Eu poderia ter vindo só. Como era meu plano
quando partiu me deixando na casa de Thiouryna.
- Você não estaria viva agora se eu não tivesse ido atrás de você. Eu tentei ir
embora, tentei esquecer que você tinha caído como uma estrela em minha vida, mais eu já
estava apaixonado. Desde o primeiro momento em que te vi quis ter você para mim. Me
apaixonei por você Melissa no primeiro instante em que coloquei meus olhos em você. E eu
lutei contra esse sentimento. Lutei contra essa paixão assim como você esta lutando agora. Só
que minhas forças foram vencidas pelo desejo de ter você comigo. E vou esperar até que suas
forças de lutar contra o meu amor também se acabe.
- Eu preciso de você Aragorn. Preciso da sua ajuda da sua amizade do seu
carinho. Me faz tão bem estar ao seu lado. Me sinto tão segura, tão protegida, e quero te ver
bem, te ver feliz, você merece toda a felicidade do mundo pela pessoa maravilhosa que você é.
E não quero te magoar, te ferir ou te ver sofrendo. Mas por favor, não me peça mais do que isso.
Meu coração esta trancado para qualquer outro tipo de sentimento.
- Seu coração esta trancado agora. Mas eu vou achar a chave desse seu coração.
Aragorn me olhou serenamente e se levantou da cama. Ele não teria mais nada a
falar a mim que eu já não soubesse.
- Vou voltar para a festa. Não quer vir comigo?
Eu sabia que ele só iria me deixar sozinha na cabine porque ainda estava
chateado.
- Depois eu vou.
Após Aragorn sair e fechar a porta atrás de si, repassei mentalmente toda nossa
conversa e percebi que as coisas estavam se complicando mais entre nós. Ele não iria mesmo
desistir até conseguir alcançar meu coração. Mas meu coração já tem dono. Assim pelo menos
eu penso. E foi só por isso ainda que eu não perdi a batalha para o amor dele. Cada dia que se
passa fica mais difícil, mas também estamos mais próximos dessa viajem chegar ao fim. Ele
tinha razão. Quando chegar a montanha Mayata eu iria me despedir dele para sempre e sei que
depois de lhe contar a verdade ele iria me odiar, mas eu devia a verdade a ele. E com certeza
uma pessoa tão maravilhosa como Aragorn encontraria alguém que pudesse lhe dar o amor que
ele merece. O amor que não posso dar. E que o faça feliz.
171
Fiquei imersa em meus pensamentos e não me animei a voltar a festa. Aragorn
devia estar dançando com alguma garota e isso faria bem a ele. Várias garotas o olhavam com
cobiça, quem sabe alguma delas lhe despertasse algum interesse. Essa idéia não me era
confortável, mas assim ele podia me esquecer.
Acabei adormecendo e acordando somente na manhã seguinte percebendo que
Aragorn não tinha dormido na cabine.
Isso não era um bom sinal. Ele devia estar chateado comigo e mesmo que ele
tenha me dito que não iria desistir, era capaz que ele se cansasse de mim e durante a noite na
festa viu que seria uma perda de tempo continuar investindo na Melissa estranha, e cheia de
segredos. A festa estava animada e várias garotas lindas disponíveis e bem menos complicadas
que eu e...
E se meu desejo tivesse se realizado? – pensei angustiada - E se realmente ele
encontrou alguém interessante e resolveu passar a noite com ela?
Meu coração se apertou e me lembrei que não tinha o direito de sentir ciúmes. Era o
que eu queria... Que ele encontrasse alguém. E é o que deve ter acontecido. Afinal estávamos no
barco do amor.
Depois de ficar quase maluca pensando nas possibilidades de comportamento
das garotas com Aragorn no convés, ou quem sabe em alguma cabine, me levantei e ponderei se
devia ir atrás dele ou não. Afinal ele era descompromissado, lindo de morrer, não era
propriedade minha e ele realmente merecia alguém que lhe desse o devido valor.
Mas, por mais que eu pensasse assim não conseguia realmente me convencer, e
acabei me lembrando que nós estávamos ali naquela embarcação encenando de casal
apaixonado, então eu... euzinha aqui tinha todo o direito de saber aonde meu suposto marido
tinha passado a noite.
Saí da cabine ainda com a roupa de ontem e procurei pelo convés onde alguns
sapatos haviam sido esquecidos algumas peças de roupa também estavam espalhadas pelo chão,
algumas garrafas de bebida e alguns homens jaziam bêbados deitados em pontos variados pelo
convés.
Avaliei que o restante da festa sem mim foi bem mais animada. E que Aragorn
também devia ter aproveitado muito mais. E que eu não tinha o direito de lhe cobrar nada e que
seria melhor eu voltar para a cabine e fazer de conta que ainda estava dormindo. Quando ele
voltasse não ia perguntar nada... não ia querer saber de nada do que ele fez a noite, ou com
quem... ele era responsável por seus atos e eu ficaria aliviada em saber que ele me tirou da
cabeça.
Um frio angustiado me surpreendeu no estomago.
172
Droga! Quem eu estou querendo enganar? - assumi meu ciúmes – mas eu vou
matar Aragorn quando ele aparecer... ah se vou! - Resmunguei em pensamento completamente
aborrecida. Já caminhando de volta a minha cabine para preparar minha espada ou quem sabe
alguma erva venenosa e socar na boca dele.
Dei alguns passos desiludidos e arrastados de volta e me lembrei do capitão
Dumbar ao leme. Resolvi lhe acenar um bom dia já que o meu começara péssimo e quando
olhei para leme procurando pelo capitão, Aragorn estava lá com suas mãos firmes guiando a
embarcação.
Um suspiro de alívio saiu involuntariamente pelos meus lábios. Toda aquela
angustia sumiu imediatamente. Com certeza Aragorn tinha substituído o capitão para que ele
pudesse ter mais da companhia de seu par de ontem na festa. E ele mesmo não tinha ficado com
ninguém.
Me senti egoísta. Mas não pude evitar o prazer de vê-lo ali sozinho.
Ele fez sinal para que eu me juntasse a ele. Subi as escadas e me aproximei.
- Esta mais calma essa manhã?
- Estou. – Respondi me perguntando se eu conseguiria lhe dar essa mesma
resposta se não o tivesse encontrado sozinho no leme.
- Só mais essa noite, e estaremos em terra firme.
- Estou ansiosa para voltar a dormir debaixo das árvores novamente. – Brinquei.
- Você dorme bem melhor debaixo de uma árvore do que em uma cama.
- Porque diz isso? – Falei intrigada.
- Na cama você fica muito agitada. Rola a noite inteira chuta e bate com os
braços como se estivesse lutando.
- Mentira. – Me defendi. - É por isso que não quis dormir comigo hoje?
- É difícil dormir ao seu lado com você me acotovelando a noite inteira.
Dei um tapa em seu ombro.
- Você esta inventando.
- E ronca também. Alto.
- Não ronco não. – Falei constrangida. Será que era verdade?
Ele sorriu se divertindo.
- Diga que você esta inventando isso, eu não rolo a noite inteira na cama.
- Tá, isso eu inventei.
- Eu sabia.
- Mas você ronca.
- Mentira... – Saí andando para deixá-lo, mas ele segurou meu braço.
- Estou brincando. Eu só queria quebrar o clima que ficou de ontem a noite.
Apesar de achar sua carinha de choro linda, prefiro te ver sorrindo.
173
- Você é irritante.
O sorriso de anjo maroto que eu aprendi a amar estava de volta em seu rosto.
Isso era sinal de que ele estava bem. E isso me deixou feliz. E eu tinha que assumir. Estava feliz
também por ele ainda estar só.
Ele me colocou para segurar o leme e ao meu lado ia me contando o que eu
havia perdido da festa de ontem. Me contou também que o capitão havia se dado muito bem. A
mulher que ele estava interessado já estava a um bom tempo tentando se aproximar dele, mas
como ele nunca tinha tempo por ter que cuidar do barco, nunca surgia uma oportunidade. E com
a presença de Aragorn e com a capacidade dele de guiar a embarcação o capitão pode
finalmente encontrar sua cara metade. O rapaz que tinha almoçado conosco noutro dia também
tinha conseguido ficar com a garota que ele queria e vários outros casais tinham se formado
naquela noite.
- É realmente um barco do amor. – Exclamei.
Por todo o resto do dia fiz companhia a Aragorn no leme até que o capitão
aparecesse feliz da vida com sua companheira ao seu lado.
O barco parecia ser só nosso. Ninguém saiu de suas cabines e os que dormiram
apagados no convés por causa da bebida iam se levantando um a um e cambaleantes andavam
até suas cabines. Quando voltamos para a nossa já estava escuro e essa seria nossa última noite
no barco.
De manhã atracaríamos no porto do vale de Gaya e prosseguiríamos nossa
jornada por terra. O que era um pouco mais cansativo e perigoso, mas eu já estava acostumada.
Deitei-me cedo para dormir e aproveitar mais um pouco do conforto de uma
cama quentinha e macia o que provavelmente levaria dias até encontrar outra novamente.
Aragorn voltou a fazer companhia ao capitão Dumbar e quando amanheceu nem
sei se ele dormiu na cabine, mas já estava de pé com tudo preparado para desembarcarmos.
Horas depois atracamos no porto do vale. Nos despedimos do capitão e somente
alguns poucos passageiros desceram conosco. Eles iriam embarcar no próximo barco, mas nós
iríamos continuar nossa viajem por terra seca.
O vale era um lugar mágico. Toda a vegetação, toda a sua extensão era
iluminada pelos raios do sol que tinham um brilho especial naquele lugar. A visão do vale era
como uma pintura viva. Cada planta parecia ter sido milimetricamente projetada como um
enorme jardim arquitetado. O brilho daquele lugar me lembrou a minha primeira impressão que
tive ao chegar a Andaluz, quando cheguei à colina do rei. E serviu também para me lembrar o
que eu estava fazendo neste lugar.
Aragorn e eu seguimos margeando o rio rumo ao norte. Meu coração bateu
acelerado quando nós demos nossos primeiros passos. Faltava muito pouco para que eu pudesse
174
atingir meu objetivo. Agora faltava bem pouco para chegarmos a montanha Mayata. Meu
coração acelerado me lembrava que agora estava mais perto do que jamais estive de Jeziel.
Faltava muito pouco para um possível reencontro.
Mesmo que eu não soubesse o que seria quando esse momento chegasse, meu
coração estava ansioso e me gerava expectativas.
Eu estava particularmente feliz por ter vencido tantos obstáculos e chegado até
ali. Feras, Drevors, montanhas e rios, e meu maior adversário... Eu mesma com meus
sentimentos abstratos e confusamente perturbadores.
Capítulo 16
Nessa noite procuramos um abrigo, a noite era extremamente fria como no
deserto. Entre rochas nos protegendo do vento e com o céu estrelado sobre nossas cabeças.
Aragorn já não se sentava do outro lado da fogueira como antes. Ele agora
ficava sempre ao meu lado. E eu tentava me distrair brincando com umas pedrinhas no chão.
Aragorn sem cerimônia pegou uma mecha do meu cabelo e a levou até seu rosto
para sentir o perfume. Aquilo foi parecido demais com o que Leo costumava fazer, o que me
deixou pouco a vontade.
Mas pensar na proximidade da ilha Mayata me dava a sensação de que tudo
estava para terminar. Alívio e angustia misturavam-se dentro de mim. Aragorn estava perto
agora de mim, mais alguns dias de viajem e o adeus então seria inevitável.
- Me conte sobre sua casa, você não sente falta? – Ele falou me tirando de meus
pensamentos.
- Sinto falta da minha mãe e de meu irmão.
- De ninguém mais? - Ele ainda tentava descobrir mais sobre mim com suas
perguntas “melhor formuladas”.
- Não tem mais ninguém que me interesse lá.
- Nem amigos?
- Não.
175
- O que você fazia lá?
- Nada.
- Nada? – Ele pareceu desapontado.
- Ao que parece, toda minha vida por lá foi esperar o dia para vir para Andaluz.
- O que você tem para fazer aqui?
- Vai ficar me interrogando agora? – Desconversei.
- Suas respostas são sempre superficiais mesmo.
- Aragorn, quero te dar uma coisa – Mudei o rumo da conversa de propósito.
Puxei minha mochila mais para perto e peguei os braceletes que meu pai havia deixado e estendi
a ele.
- Vai me dar os braceletes do antigo general da guarda real? – Ele falou
cismado. - Não quero um presente de despedida.
- Não é um presente de despedida. Recomendação de meu pai para que eu desse
a quem estivesse me ajudando na viajem. E nesse caso é você.
Ele os pegou nas mãos.
- Eu não estou aqui para te ajudar... Não mais... Agora estou fazendo a viajem
com você.
- É para você. – Insisti – Meu pai disse na carta que tem poderes especiais.
- Como o que? – Perguntou desconfiado.
- Não sei te dizer, mas acho que deve intensificar os seus dons.
- Que ótimo agora vou poder te colocar para dormir em dois minutos ao invés
de cinco. – Ironizou.
- Pare de brincadeira – Peguei os braceletes e coloquei em seus pulsos. – E
então, esta sentindo alguma coisa?
Ele me olhou curioso.
- Era pra sentir?
- Sei lá, você que é o Andaluziano.
- Até agora nada. – Ele girava os braços diante dos olhos examinando os
braceletes.
- Faça alguma coisa. – Sugeri.
- Como o que?
- Sei lá, faça um exercício com a espada – Se os braceletes funcionassem como
a coroa era capaz que Aragorn percebesse uma considerável melhora.
Aragorn se levantou e com sua espada simulou uma luta imaginaria e enquanto
dançava em sua coreografia eu o observava boquiaberta em ver tanta destreza e agilidade.
- Quer aproveitar e treinar um pouco comigo? – Me perguntou quando percebeu
meu interesse.
176
Eu me levantei e desembainhei minha espada. Ele já tinha me dado várias aulas
e segundo ele mesmo eu estava ficando muito boa.
- Tudo bem, se você quer apanhar? – Falei brincando.
- Até parece que vou apanhar de uma baixinha como você.
Eu comecei atacando nos métodos que ele havia me ensinado. Entre defesas e
ataques eu realmente estava muito bem e me surpreendia com meus acertos. Aragorn era
implacável e não facilitava para mim. Eu por minha vez não desistia de derrotá-lo o que fazia
com que ele se empolgasse mais.
De certo ponto de nosso treinamento ele abriu seu sorriso maroto, e de uma
batalha passou a ser uma brincadeira pessoal onde ele com a espada cortou sem encostar em
mim o cordão que prendia minha capa sobre meus ombros e ela caiu ao chão. Eu parti para a
defesa, mesmo assim noutro golpe ele fez uma fissura da barra da saia do meu vestido até meu
quadril. Ele acabaria me despindo se eu não fizesse nada.
Quando eu abaixava a espada para dizer que queria parar com a brincadeira ele
me atacava me obrigando a defesa e num desses ataques ele cortou uma mexa de meus cabelos
pegando-a no ar antes que pudesse cair ao chão. Ele levou a mexa em sua mão até seu rosto
cheirando-a. Eu fiquei como sempre fico quando estou assustada, parada e calada. Passei a mão
nos cabelos sentindo falta da mecha cortada. Num piscar de olhos ele girou sua espada contra a
minha me desarmado e devagar veio se aproximando.
Senti um medo estranho. Não era medo, era adrenalina, e ansiedade, assustada
com o novo olhar que Aragorn lançava sobre mim obstruindo minha paz de espírito. Enquanto
ele caminhava uma luz dourada começou a irradiar de sua pele. Sua luz me encantou, não o
tinha visto daquela forma ainda e ele era todo ouro agora.
Seu sorriso se desmanchou num olhar ousado e sedutor. Para mim
constrangedor. Se alguém pudesse literalmente devorar outra pessoa com os olhos, era o que ele
estava fazendo.
Dei dois passos para trás tentando me afastar desse novo Aragorn atrevido, o
que não adiantou. Ele estendeu as mãos para mim e sem nenhuma resistência fui atraída a ele
como a um imã. Em segundos meu corpo se chocou com o dele. Com nossa proximidade sua
luz brilhou mais forte e seus olhos faiscaram em brasas olhando para mim. Eu estava fascinada
e desconcertada, mas não havia nada que eu pudesse fazer.
- Se eu fosse um inimigo, você não teria nenhuma chance. - Falou numa voz
sedutora e rouca me segurando pela cintura enquanto eu tentava manter minha respiração
uniforme. - Essa mecha de cabelo poderia ter sido seu pescoço. Vai ter que fazer melhor do que
isso Melissa.
A voz dele, seu jeito de me segurar... Era algo novo que sentia. Ninguém jamais
me pegou tão dono de mim dessa maneira ou com tanto apelo. Nem Jeziel.
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Aragorn me olhou com os olhos ardentes sondando minhas reações esperando
ver em mim algo que o fizesse parar ou prosseguir, enquanto ele me olhava seu sorriso envolto
numa áurea dourada voltou a ser o sorriso maroto de homem com jeito de moleque que eu já
estava acostumada. Seu brilho foi esvanecendo e ele me largou em pé se sentando no chão
cravando sua espada no solo e deixando seu corpo cair deitado. Ele cruzou os braços sob sua
cabeça olhando as estrelas como sempre.
- Você tem razão esses braceletes dão uma precisão incrível no uso da espada. –
Ele falou divertido mudando de propósito o clima entre nós. – Posso cortar uma linha da sua
roupa sem te ferir.
Eu ainda estava regulando minha respiração.
- Tinha que ser eu a cobaia? – resmunguei tentando disfarçar minha surpresa
por ele ter me soltado.
- Não estou vendo mais ninguém aqui. Eu precisava testar.
- Eu só tenho essa roupa sabia? – Falei agora irritada vendo o estrago que ele
tinha feito.
- Ficou bem melhor assim. - Ele pousou seus olhos em meu novo decote. -
Tinha muito tempo que minha luz não brilhava por vontade própria.
- Você acha que foram os braceletes?- Perguntei curiosa com os poderes do
bracelete enquanto dava um jeito em minha roupa.
- Claro que não. A luz não tem nada a ver com o bracelete.
- Então o que a fez brilhar? – Perguntei curiosa.
E pelo olhar que ele me deu dos pés a cabeça, delineando cada uma das minhas
curvas, ruborizei, então preferi não prosseguir no assunto.
Mais um dia de viajem e chegamos a beira de um rio largo e de correnteza
- Vamos nadar? – Sugeriu Aragorn.
- Quer que nademos nessa correnteza? - Falei temerosa me lembrando da
última vez que entrei nas águas de um rio.
- Não é tão difícil como parece, e o rio é estreito e da para atravessarmos
tranquilamente. – Ele tentava me animar.
- Para um salmão acredito que não seja difícil. – Brinquei. Não achei que ele
soubesse o que era um salmão.
- É isso ou mais um dia de viajem até um povoado a oeste daqui.
- Então vamos para o oeste. - Não estava disposta a enfrentar um rio a nado.
178
Andamos por todo o dia as margens do rio.
Aragorn pescou com a lança e nos preparou um delicioso peixe para o almoço
em seguida voltamos a caminhar.
Aragorn sempre atencioso e muito próximo de mim. Por um bom pedaço de
nossa caminhada andamos de mãos dadas como um casal, mas estava começando a me
preocupar com isso. Aragorn estava realmente cumprindo sua promessa de lutar por nós.
Algumas vezes tentei soltar de sua mão, mas ele sempre a prendia. Ele não estava sendo
inconveniente... De maneira nenhuma. Ele era extremamente agradável mesmo com seu jogo de
sedução e suas investidas discretas. O fato é que estava preocupada em dar mais esperanças a
ele sabendo que não poderíamos ficar juntos. Sabendo que em pouco eu iria me despedir e me
preocupava em como ele iria se sentir.
A noite acampamos na beira do rio que nos serviu de paisagem por todo o dia.
Eu estava tão cansada de caminhar debaixo do sol escaldante que logo peguei no sono.
No meio da noite acordei e Aragorn não estava ao meu lado. Me levantei a sua
procura e o avistei mergulhando no rio. Andei em sua direção e quando ele percebeu minha
presença saiu da água e veio ao meu encontro.
Eu esquadrinhava cada músculo do seu corpo despido enquanto ele andava. Era
hipnotizante. Só percebi que estava de boca aberta quando Aragorn com a mão levantou meu
queixo fazendo meus dentes baterem uns nos outros. Ele reprimiu um sorriso para não me
deixar sem graça. Passou por mim e foi para nosso acampamento. Eu também voltei e me sentei
novamente em meu lugar.
Ele estava testando os poderes do bracelete e manejava sua espada no ar
redimensionando seus movimentos. A coreografia que ele fazia concentrado a minha frente o
deixava mais másculo. E seus músculos se contraindo em seus movimentos demonstravam sua
força.
Aragorn a minha frente era uma visão dos deuses. Eu tentava não olhá-lo, mas
meus olhos se recusavam a desviar daquela visão. Ele estava perfeito demais iluminado pela luz
sépia da fogueira e seu peito nu era provocante. Quando ele me olhava eu disfarçava sempre
atrasada e ele percebia meu olhar.
Aragorn numa dessas minhas disfarçadas me pegou pelo ombro me fazendo
levantar colada em seu corpo. Minha respiração falhou e meu coração disparou, eu estava
consciente de mais da presença e do corpo dele para me arriscar deixar que ele se colocasse tão
colado em mim assim.
Quando seus olhos de ouro encontraram os meus ele se curvou para me beijar,
mas eu virei o rosto. Ele tentou novamente e eu novamente recusei. Eu sabia que ele me olhava
embora eu estivesse de olhos fechados. Não queria, não podia vê-lo tão perto de mim, talvez eu
não resistisse.
179
Aragorn ainda segurava meus braços tão forte que senti que iria ganhar um
hematoma. Ele estava nervoso, podia sentir pela sua respiração. Ele aguardava que eu abrisse os
olhos e como não o fiz ele me largou de repente me fazendo cambalear para traz. Reclamando
irado.
- Estou perdendo meu tempo.
Passei as mãos onde ele havia me segurado com força observando enquanto ele
se deitava para dormir, dessa vez do outro lado da fogueira.
Não quis falar nada. Já que ele estava nervoso era melhor deixá-lo em paz.
Agradeci aos céus a impaciência dele comigo, pois se ele tivesse insistido um
pouco mais... E também era bom que ele percebesse que não devia mesmo nutrir nenhum tipo
de esperança comigo. Era melhor para nós dois.
Deitei-me enrolando na capa e dormi pesadamente.
No outro dia de manhã ele estava de muito mau humor, dava para ver em sua
face.
Continuamos nosso trajeto pelas margens do rio e Aragorn apesar de caminhar
ao meu lado, estava bem distante. Não dirigiu uma só palavra a mim por toda a manhã.
Incomodada quebrei o silêncio.
- Esta com raiva de mim Aragorn?
Ele não respondeu.
- Porque eu não quis te beijar? – Insisti.
Ele parou na minha frente com os olhos intimidadores.
- Não quis mesmo?! – Ele bramiu – Eu tenho certeza que você queria.
- Eu nunca disse que queria que você me agarrasse. – Falei na defensiva.
- Também nunca disse que não. Podemos acrescentar a lista das coisas que você
não me diz.
- Porque acha que eu queria te beijar? Se acha tão irresistível assim? – Falei
irritada. Quem ele pensa que é?
- Eu vejo que você me quer, e que me deseja tanto quanto eu te desejo. Só que
se esconde de seus sentimentos. Você quer se entregar a mim, eu sei disso.
A voz dele carregava uma certeza tão absoluta que fez meu corpo tremer.
- E como você pode saber uma coisa dessas?
- O calor da sua pele me confirma isso. Mesmo estando longe posso sentir seu
desejo.
- Você esta me confundindo com essas garotas que estiveram com você se
atirando aos seus pés. Eu não sou uma delas – Falei desdenhando.
- Elas pelo menos tinham algo que você não tem... Certeza do que querem.
- Eu sei o que quero.
180
- Ah não sabe não... Se soubesse já tinha tomado sua decisão.
- Eu sei sim – Resmunguei como uma criança de oito anos.
- Sabe? Então porque não me diz? – Ele se aproximava e eu ia perdendo o
fôlego.
- Não tenho nada pra te dizer.
- Tem sim... – ele afirmou.
- Você se acha não é mesmo Aragorn? - Falei querendo afastá-lo, mas enquanto
ele se aproximava e eu caminhava para trás tinha que reconhecer que o que eu disse era uma
idiotice.
- Porque não me diz de uma vez.
- O senhor irresistível quer que eu diga que quero você?! É isso?!
Ele sorriu do meu comentário.
- Quero que diga o que sente quando estou perto de você.
- Ora... nada... Não seja convencido.
- Nada? Então porque esta se afastando de mim?
Eu continuava caminhando de costas enquanto ele se aproximava. E parei.
- Porque você esta invadindo meu espaço.
Ele não se importou com o que eu disse, e continuou se aproximando.
O céu já estava nublado a algum tempo, e algumas gotas de chuva começaram a
cair sobre nós.
- Garota... só quero que você pare de lutar contra nós dois.
A chuva agora já caía mais forte e ele não parecia nem sequer ter notado que
estava chovendo.
- Pare com isso por favor... – supliquei.
- Com o que? O que estou fazendo?
- Esta me... me... – eu não tinha o que dizer a ele. Ele realmente além de estar
andando na minha direção não estava fazendo nada. Eu é que estava... vulnerável, altamente
sensível a presença dele, confusa e nervosa.
- Melissa... – meu nome na voz dele soou como música – você é tão teimosa...
A chuva já tinha nos molhado por inteiros, mas eu não conseguia sentir frio.
Minha pele queimava e minha luz... eu sentia que minha extinta luz azul queria brilhar
intensamente. Mas a mantive presa dentro do meu peito junto com todos os sentimentos e
emoções que eu julgava não serem corretos.
- O que eu preciso fazer Aragorn pra você me deixar em paz?! – falei irritada
subindo a voz para ser ouvida em meio a chuva.
- Você sabe o que tem que fazer. Mas duvido que o faça.
181
É... ele já havia me dito. Ele me deixaria em paz assim que eu lhe dissesse com
todas as letras que não o queria. Eu conseguiria fazer isso?
O olhar dele em mim me disse que ele estava vencendo.
A pressão dele me deixou surpresa, e parei de fugir.
Era difícil resistir á presença dele. Aragorn estava certo, ele iria me vencer ali
mesmo, vencer minhas resistências e derrubar as barreiras que eu tinha levantado para me
manter afastada dele.
Cada passo dele em minha direção eu sentia meu muro ruir. Eu vi pelo olhar
dele que ele sabia que tinha conseguido. Eu não aguentaria mais resistir, era evidente demais em
mim o que estava sentindo. Ele iria conseguir e eu sabia que se me entregasse agora não teria
mais volta.
Quando a centímetros de mim ele se encurvou para me beijar eu coloquei as
duas mãos em seu peito.
- Não – Falei com a voz falhando.
Ele tentou de novo.
- Aragorn - Protestei empurrando-o.
- Diz que não me quer, diz que não me deseja e que quer me ver longe.
Seus olhos se cerraram olhando os meus. Ele iria usar essa estratégia para eu
ceder. Ele tinha certeza que eu não conseguiria lhe dizer isso.
- Por favor Aragorn... não faça isso comigo.
- Só quero que você assuma de uma vez o que esta em seu coração.
Olhei para ele atordoada. Quando ele percebeu minha oscilação segurou meu
braço e me puxou para si enfiando seu rosto em meus cabelos.
- Não – Gritei empurrando – sua proximidade fez minhas pernas bambearem.
Só mais um pouco e eu me entregaria.
- Então diz que não me quer. É o que quero ouvir de você. - Agora ele falou
irritado. – porque se você não me disser Melissa, agora mesmo eu vou tomá-la em meus braços.
O que eu deveria fazer? Droga, eu estava encurralada. Aragorn estava me
pressionando. Pelo jeito ele tinha finalmente chegado a seu limite e não iria sair dali sem uma
resposta definitiva. E eu também estava no meu limite, mas não poderia de forma alguma ceder.
Ele selou meus lábios com os seus exigentes. Cumprindo a promessa de que iria
me tomar em seus braços se eu não lhe dissesse que não.
Mais uma vez escapei de seus lábios, e ele me olhou determinado.
- Você não vai se livrar tão facilmente de mim assim.
A chuva continuava tão insistente como Aragorn sobre mim.
- Aragorn...você não entende...
182
- Então me explica – seu tom de voz aumentou. Ele estava perdendo a
paciência.
- Nós não podemos... eu não... você não... – eu estava completamente
perturbada. Como era difícil deixar as palavras certas e verdadeiras saírem por meus lábios e
contar de uma vez o que precisava ser dito para acabar finalmente com essa tortura a ele...e a
mim.
Voluntariamente ele se afastou me olhando.
- Então me diz – Falou exacerbado – Quer se livrar de mim? Me diz agora.
- Não quero... – Eu não ia falar isso.
- Não quer o que? Fala garota!
Ele me pressionava e quando viu minha fraqueza se aproximou novamente me
beijando, explorando meus lábios, meu rosto, meu pescoço me fazendo oscilar e chegar próximo
a me render. Senti meu sangue ferver, ao seu toque, cada parte sensível de meu corpo respondeu
ao apelo de Aragorn como se tivessem vontade própria.
Eu não sabia mais onde buscar força.
- Aragorn por favor pare – tentei falar com autoridade, mas minha voz saiu
fraca o suficiente para ele não se sentir ameaçado.
- Vai ter que fazer melhor do que isso. Me convença.
Tentei mais uma vez empurrá-lo. Eu tinha sido forte até ali teria que resistir
mais um pouco.
- Não Aragorn. Me solte... – Eu ainda tentava afastá-lo, mas nada em mim
queria me ajudar a resistir.
- Porque quer que eu te solte? Me diga. Tenha coragem uma vez e me diga o
que realmente você quer. Diga que não me quer... Só assim você se livrará de mim.
Esse era o jogo dele. E se eu não jogasse pelas regras que ele impôs, com
certeza seria um jogo perdido, para mim.
Busquei dentro de mim a força que ainda me restava para conseguir me livrar
daquela situação. Eu poderia me arrepender, mas ultimamente tudo que eu fazia era digno de
arrependimento.
- Não quero você – Mesmo usando toda minha força minha voz soou falsa até
para mim mesma. Mas ele aceitou. Soltou-me bruscamente se endireitando.
Eu me surpreendi quando ele se afastou. No fundo eu não acreditava que ele me
largasse. Ou talvez não queria.
- Ótimo. – Ele falou secamente – Não foi tão difícil, foi?
Ele tentou disfarçar, mas eu vi a decepção e a tristeza em seus olhos.
- Ótimo! – Rinchei com raiva por ele ter me forçado a magoá-lo.
E sim... eu o magoei. Profundamente dessa vez.
183
Ele voltou a andar sem dizer uma só palavra. A chuva continuou e eu caminhei
pelo mesmo caminho que Aragorn mantendo distancia. E eu apesar da dor que sentia em saber
que ele iria me deixar assim que pudesse, tentava me convencer de que assim seria melhor para
todos.
Aragorn adiantou seu passo. Não quis mais ficar ao meu lado. Ele não me
olhava, eu não conseguia ver o seu rosto, e a forma como ele estava agindo me trouxe uma
enorme tristeza.
A chuva tinha deixado agora só lama sob nossos pés.
Chegamos ao pequeno povoado diferente dos que eu tinha visto até agora. Não
era tão organizado nem tão bonito quanto os outros. As pessoas continuavam olhando para nós
com curiosidade.
Aragorn perguntou a um vendedor com gaiolas de aves vivas aonde poderíamos
encontrar um lugar para passar a noite e o homem nos indicou uma pequena e quase
desmoronada pousada do outro lado da rua.
Lá Aragorn pediu dois quartos. Ou porque ele não sentiu que houvesse perigo
em me deixar sozinha naquele lugar ou porque ele estava querendo deixar bem claro que nossa
amizade e intimidade haviam acabado.
Fui para meu quarto sozinha, triste em ver que Aragorn tinha realmente ficado
desta vez chateado comigo. Não podia tirar a razão dele. Mais dois dias estaríamos na montanha
Mayata e ele poderia partir e esquecer de mim. Poderia encontrar uma pessoa que o merecesse e
o fizesse feliz. E eu teria que me concentrar em encontrar meu pai e resgatar Jeziel.
Também estava com saudades de casa e quanto mais rápido eu terminasse tudo
que vim fazer aqui poderia voltar para mamãe e para Biel. Não iria ficar aqui, não mesmo. Não
queria ser rainha nem nada disso. Eu só tinha vindo até aqui por Leo, mas depois de tantos
acontecimentos e de tantos sentimentos era melhor eu ir embora assim que o resgatasse. Não
seria uma boa rainha para Andaluz nem uma boa companheira para Jeziel. Aquela estória de
amor único e eterno que ele havia me contado era uma bobeira romântica, boa para contos de
fada, mais a realidade era diferente. Ele mesmo provou disso quando ficou com Raika. O mundo
que ele pintou para mim não existe. E a Andaluz que ele tanto ama também não.
Já estava cansada de estar ali sozinha e já que Aragorn não se importou com
isso, não precisava me preocupar. Mesmo eu em minha pouca experiência avaliei que naquela
vila decadente não havia perigo algum.
Resolvi dar uma volta. Já que Aragorn estava me ignorando deliberadamente...
que fosse, mas eu precisava de alguma coisa para me distrair antes que ficasse maluca sozinha
neste quarto.
184
Acabei entrando numa espécie de taberna. Músicas danças e um ar de
sensualidade regado pela bebida. Não era um lugar que eu entraria normalmente ou que meu
irmão ou minha mãe permitiria que eu entrasse. Mas tudo na minha vida estava tão diferente
mesmo que uma coisa a mais não faria diferença.
Um homem alto de barba rala me encarou na entrada. Passei por ele sem dar
importância. Me sentei numa mesa esperando ser servida e de lá avistei Aragorn. E não estava
sozinho.
Uma mulher com roupas decotadas e muito atraente estava com ele. Ele pareceu
estar cortejando ela que parecia muito interessada. Ele não se afastou quando me viu. Ao
contrário. Ele ficava cochichando coisas ao ouvido dela fazendo-a rir e se mostrando bem
animado e sedutor. Como se eu não existisse.
Trinquei os dentes de raiva. Estava revoltada com o que via. Não era ele que
disse me amar? Que tipo de amor é esse?
Fútil, falso, ordinário, dissimulado – Pensei alto demais e ele pareceu ter
ouvido meus pensamentos ou talvez fosse meu olhar o fuzilando.
Me olhou cheio de razões como se não tivesse que me dar satisfações.
Que raiva – Olhei para o outro lado ainda sentindo o amargo na minha boca
causado pelo ciúme que estava sentindo de Aragorn.
Vez ou outra meus olhos me traiam e me flagrava olhando Aragorn com aquela
mulher insinuante. Passei um bom tempo ali me convencendo que ele podia fazer o que
quisesse. E passei mais outro bom tempo tentando me esquecer que ele existia. Tentei
frustradamente não olhar de novo para Aragorn, mas eu sentia tanta raiva por ele estar fazendo
aquilo comigo que queria confirmar com meus olhos novamente se era real, que ele estava
realmente na minha frente com outra mulher.
Quando me virei, vi ele puxando aquela mulher mais para junto de si
segurando-a de uma forma sensual pelos quadris. Aquilo foi demais. Eu não iria ficar ali vendo
aquela pouca vergonha.
Me levantei da mesa e me dirigi a porta. O homem de barba rala me cercou
tentando uma conversa, falando alguma coisa inteligível. Não sei o que ele viu em meus olhos,
mas fez com que se afastasse me dando passagem.
Voltei para a pousada arrumando minhas coisas. Eu não ficaria ali nem mais um
minuto. Faltavam só dois dias de viajem para que eu chegasse a montanha Mayata. Não
185
precisava mais dele. Eu iria embora. Ele que ficasse com quem quisesse. E que me deixasse em
paz pelo resto da minha vida.
Passei as mãos pelo meu rosto e percebi que estava chorando. Limpei meu rosto
irritada e terminei de arrumar tudo para sair.
Eu estava furiosa, mas não sabia com quem afinal. Não era para eu estar desse
jeito. Eu mesma tinha falado para Aragorn que não o queria. O que eu esperava, que ele se
tornasse um eunuco por minha causa?
A porta se abriu atrás de mim.
- O que esta fazendo? - Aragorn falou vendo minha mochila nas costas.
- Estou indo embora – Falei azeda.
- Você não pode sair essa hora da noite sozinha – Falou autoritário.
- Posso sim... Tanto posso que vou.
- Não vai não.
- Você não manda em mim. - Falei birrenta.
- Melissa espere até o amanhecer – Seu tom de voz suavizou.
- Agora esta falando comigo?!... Não perca sua noite, ou melhor seu tempo...
Volte para a sua... Para aquela... – Eu estava possessa - Vá se divertir e me deixe em paz.
- Você esta com ciúmes?- Ele parecia espantado - Mas porque se não me quer?
Você mesmo disse que não me quer.
- Não estou com ciúmes... Estou enojada. - O sangue subia em minha cabeça -
Estou feliz de não ter ficado com você. Você é um calhorda. Conquistador barato.
- Esta feliz? - Ele usou de ironia - Então porque não te vejo sorrindo? Essas
lágrimas são o que, contentamento?
Andei na intenção de atravessar a porta. Mas ele me barrou.
- Porque não me deixa em paz droga?! - Gritei com ele.
- Porque eu te amo! – Gritou.
Aragorn me tomou em seus braços e dessa vez não esperou que eu desse algum
sinal. Me beijou abrasadoramente segurando meus cabelos pela raiz.
Eu não o rejeitei, correspondia ao seu beijo movida pela emoção tão a flor da
pele. A maneira como ele se entregava a mim a maneira como ele me mantinha colada ao seu
corpo era tão inebriante que eu não conseguia parar. Mas eu não podia fazer isso com ele, não
podia deixar que fossemos além dali.
Me afastei dele dando um fim a sua esperança.
- Não Aragorn. Eu não posso.
- Ah Melissa, porque você nega meu amor? - Sua voz se suavizou novamente –
Que tipo de reação é essa se você não me quer? Não consigo entender porque você continua
186
dizendo não. Não sou bom o suficiente para você? - Ele especulava - Ou você acha que seu pai
não vai gostar de nos ver juntos por eu ser um ex-soldado de Cordomad?
Eu ri sem humor. Com certeza meu pai não vai gostar disso.
- De onde você tirou essa idéia? Meu pai não manda em mim. Nem conheço ele.
- Falei ainda irritada.
- Como você não me diz nada eu tiro minhas próprias conclusões. Se você não
quer ficar comigo porque quer voltar a sua dimensão quando tudo isso acabar não tem problema
eu vou com você.
Ele me amava e o amor sincero e incondicional dele estava me ferindo.
Eu sou péssima, uma pessoa desprezível. Preciso sair daqui. - Forcei a
passagem por ele tentando enxergar a porta que estava ofuscada pelas minhas lágrimas. Mas ele
ergueu a mão e a porta se fechou. -
- Deixe-me tentar. – Ele falava comigo num tom ainda mais ameno mais ainda
assim desesperado - Não quero que você vá embora. É só o que te peço. Deixe-me tentar
conquistar seu coração. Eu prometo nunca te deixar sozinha e te fazer a pessoa mais feliz do
mundo. Dos dois mundos.
- Não posso – falei aturdida.
- Então me diga de uma vez porque não. – ele suplicou angustiado
- Quando eu te falar a verdade Aragorn, você vai me odiar.
- Eu não posso odiar você. Eu te amo.
- Não fala isso. Não sou digna do seu amor... Não sou digna do amor de
ninguém. – Falei me virando de costas para ele.
- Mas e eu... Sou digno do seu amor?
- Você merece alguém melhor do que eu Aragorn.
- Não importa Melissa, eu te amo assim do jeito que você é.
Abaixei meus olhos com vergonha de mim mesma. Eu tinha planejado contar-lhe a
verdade assim que eu fosse partir, mas percebi que não teria essa coragem.
- Eu só quero você. Do jeito que você é – ele reforçou.
- Não Aragorn, não posso fazer isso com você, não vou mais negar que não
sinto algo por você, mas não é amor, não o amor que espera de mim.
- Eu sei disso, mas posso fazer você me amar se me der uma chance.
- Uma chance... Eu sei que vou te decepcionar e depois você vai querer me
matar. Eu me mataria agora mesmo se tivesse coragem.
- Pare com isso você não pode se culpar de nada.
Ele segurou minha mão por trás e seu toque me aqueceu o coração. Eu
precisava sair agora. E deixá-lo para sempre. Não era justo com ele, eu já tinha sido
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inescrupulosa demais até aqui. Se quisesse sair com o que me restava de dignidade tinha que ser
agora. Não por mim, mas por ele. Ele não merecia alguém como eu. Nem o que eu estava
fazendo.
Dei alguns passos rumo a porta e ele me prendeu pela mão me fazendo girar
para ele.
- Não vou deixar você ir. Não posso ficar sem você. – Seus olhos eram
suplicantes.
Na minha mente ainda estava o desejo de partir. Eu não ficaria ali. Não mesmo.
Não permitiria que Aragorn se envolvesse mais comigo nem que sofresse mais por minha causa.
Se no coração dele minha crise de ciúmes era o início de tudo, no meu era uma despedida. Sei
que quando passasse por aquela porta o machucaria demais. Mas seria a última vez.
Respirei fundo como quem prepara para um mergulho me preparando para
partir. Ele pareceu pressentir que eu não ia ceder a sua súplica e apertou ainda mais sua mão na
minha.
Enquanto olhava para ele em despedida, a porta se abriu atrás de mim. Aragorn
olhou por cima de minha cabeça e num átimo se colocou em minha frente como escudo.
- Ora, ora. Desculpe incomodar o casal de pombinhos, mas estou com um pouco
de pressa e prometo não me demorar.
Reconheci de imediato a voz e me virei atordoada.
- Raika ?! – Falei atônita. Eu não podia acreditar no que meus olhos estavam
vendo.
- Espero não estar atrapalhando nada de muito importante irmãzinha.
Raika estava exatamente como me lembrava dela com seu rostinho de menina,
sua voz de sereia e seus olhos azuis puros e iluminados. Homens de longas capas escuras
estavam a sua retaguarda. E ela com um sorrisinho gentil nos lábios. Era incrível agora que a
conhecia realmente ver como ela mantinha a carinha de anjo sobre uma carcaça de demônio.
Todo o meu corpo tremeu internamente diante dela.
- Surpresa em me ver maninha?
- Como me achou aqui? - Perguntei alarmada.
- A coroa bobinha, quando você a usou em Andaluz para encontrar Jeziel,
encontramos você. Já estávamos esperando que você fizesse contato, e para chegar até aqui foi
só questão de tempo.
Me arrependi de ter desobedecido a ordem de Ernest.
- Mandei alguns de meus amigos antes, mas já que eles não deram conta do
serviço resolvi fazer eu mesma dessa vez.
- Você conhece a princesa Raika?! – Aragorn perguntou confuso.
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- Ah Mel, assim você me magoa. Quer dizer que não contou a seu novo
namorado nossa relação de irmandade. – Sua voz falsa estava me irritando.
- Ele não é meu namorado. E você não é minha irmã – Falei furiosa.
Ela colocou a mão sobre a boca teatralmente simulando espanto.
- Danadinha hem... Então estava só tirando uma casquinha? - Ela andou pelo
quarto andando ao nosso redor tocando no músculo do braço de Aragorn. - Ele é muito bonito
mesmo. Posso experimentar?
- Tire as mãos dele. – Falei irada.
- Ciumenta como sempre... Pensei que depois de Jeziel a essas alturas você
tivesse aprendido a dividir.
- Quem é Jeziel? – Aragorn perguntou.
- Ah... Pelo jeito tem muita coisa que ela não te contou não é mesmo Aragorn. –
Ela levantava o queixo dele com o dedo. – Ele sacudiu a cabeça meio desnorteado.
- Cale a boca! – Gritei.
- Não posso deixá-lo ignorante em relação a você. Ele tem que saber que
espécie de garota você é. Porque saiu de sua casa para outra dimensão para tentar resgatar
Jeziel, aquele que você dizia ser o amor da sua vida e agora esta sozinha com esse aí num quarto
barato de pensão.
Olhei assustada para Aragorn ele continuava a encarar Raika agora com os
olhos de admiração.
- Jeziel é o prometido de Melissa. - Ela fazia beicinho ao falar toda sedutora
para Aragorn - Ele seria o suposto futuro rei de Andaluz. Isso se eu não tivesse dado um jeito
antes – Ela enroscou uma mecha do cabelo de Aragorn em seus dedos enquanto ele parecia estar
sendo seduzido por ela. Eu sabia que ela fazia isso só para me irritar.
- Onde esta Leo?
- Pensei que não iria perguntar. Afinal parece estar tão entretida com esse... –
Ela olhava para Aragorn de cima a baixo maliciosamente. - Quer mesmo saber, ou ele não
importa mais?
Avancei para ela, mas Aragorn me segurou não como para me proteger, mas
para protegê-la. Ele estava seduzido e dominado.
- Quem é Leo? – Aragorn estava perdido entre a razão e a sedução de Raika. E
se esforçava para acompanhar nossa conversa.
- Melissa é uma arrasadora de corações Aragorn. Pelo que vejo tenho uma forte
concorrente aqui em Andaluz - Ela olhou para mim sorridente - Mas como eu disse certa feita,
você nunca vai me vencer. Sou melhor que você em tudo e tenho que te confessar que o seu Leo
também achou. Os meus beijos – Ela passou os dedos nos lábios de Aragorn e ele ofegou -
189
Meus carinhos – Aragorn estava se derretendo todo com os feitiços de Raika - Eu não precisava
ficar me guardando já que tinha tantos poderes quanto ele.
Sabe por que ele não te tocava mais intimamente? Porque tinha medo de
prejudicar você e seus poderes já que você não estava preparada e entrava em parafuso sempre
que sentia uma emoção mais forte. Ele preferia evitar. Mas ele tinha seus instintos como
homem... suas vontades e eu podia saciar cada uma delas. – Ela me olhou afetadamente - Não
precisávamos nos preocupar com nada, só em curtir o momento. E, quantos momentos curtimos
juntos. - Ela ria maliciosamente.
- Você o enfeitiçou sua bruxa.
- Mero detalhe... O que importa é que ele estava comigo e não com você. Pena
que acabou. Tudo que é bom dura pouco, não é mesmo? Mas como vejo, posso arrumar outro
brinquedinho para mim. – Ela piscou para Aragorn que sorriu com cara de bobo em resposta
sem nem perceber. – Não posso negar Melissa, você pelo menos tem bom gosto.
- O que quer de mim Raika?
- A coroa. Você sabe bem... Tenho certeza que aquele velho do Ernest te disse
direitinho o que eu queria. Tão bobão... achou mesmo que conseguiu fugir sozinho do
calabouço do castelo. Eu o deixei sair para trazer você até aqui. Era mesmo um retardado. Muito
fácil de enganar.
- Não fale assim dele. Ele esta morto.
- Eu já sei disso. Nada acontece aqui sem que eu saiba. Não foi uma grande
perda afinal. Ele era mesmo um idiota. Não sei por que você se importa, ele nem gostava de
você.
Raika deu uma jogada de cabelo e todos os homens de capa preta, inclusive
Aragorn, vibraram com seu movimento.
- Mas não vim aqui falar daquele imbecil. Vim aqui tratar de negócios com
você. Na verdade pensei que teria que te matar, mas acho que agente pode arrumar outra saída.
Já que seus interesses mudaram. – Raika olhou para Aragorn de uma maneira que envergonharia
uma meretriz. Pensei que ele saltaria sobre ela quando vi seus olhos famintos nela.
- Meus interesses não mudaram.
- Se não mudaram ainda sei que vai mudar depois da minha proposta.
- Não vou fazer nenhum acordo com você. – Brami.
- Claro que vai... – Ela falou mansamente me irritando mais ainda - Onde esta a
coroa?
- Coroa? – Aragorn sacudia a cabeça tentando se livrar das teias de Raika.
- Coitadinho. Estou ficando com pena dele Melissa... Vai me dizer que não
contou a ele que você tem a coroa do reino... Eu conto então – Ela se aproximou dele
novamente e eu percebia que ele ficava tonto e excitado com a proximidade dela.
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- Melissa estava destinada a ser a futura rainha de Andaluz assim que se unisse
com o seu Leo. Isso lógico, antes de eu aparecer e acabar com seus planos. – Ela parecia se
divertir – Pode me agradecer se quiser, pois ela só esta aqui com você porque eu tirei Jeziel
dela. Competir com um príncipe é meio complicado você não acha? Mas facilitei as coisas para
você. Agora ela não vai ser mais nada, porque o reino de Andaluz é meu e de meu pai.
- O Trono pertence ao herdeiro do rei Jeriel e esse é Jeziel. Você sabe que seu
pai matou o pai dele para ficar no trono, mas a profecia vai se cumprir e Leo e eu derrotaremos
você e a corja da sua família e ele se assentara no trono de Andaluz.
- E vocês viverão felizes para sempre, não é Cinderela? – Ela ironizava - Só que
nos contos de fadas tem que ter um príncipe para o final feliz e digamos que sem Jeziel não há
final feliz pra você, nem profecia.
- Sem Jeziel?! – Perguntei confusa com o ácido em sua voz.
- Ah irmãzinha. Sinto em ter que te dar essa noticia tão dura num momento tão
inoportuno, mas infelizmente acho que não tem ninguém apto para fazer isso agora. E como
parte da família, penso que poderei te amparar nesta hora tão trágica – O sarcasmo lúgubre dela
fez meu coração parar.
- Me diga de uma vez onde esta Jeziel.
- Jeziel esta meio... Como posso te dizer para que você entenda melhor... – Ela
piscou os olhos teatralmente - Morto. Sinto muito, mais ele esta mortinho, mortinho.
- O que você disse? – Perguntei atordoada.
- Que o seu Leo não existe mais. Ele esta morto.
A sensação de uma cachoeira de água gelada caindo sobre mim num peso
esmagador me tirou a razão. Não podia ser verdade o que ela me dissera. Leo, meu Leo morto?
Não. Ela estava mentindo. Mas minha alma pensou em sair do meu corpo morrendo mil mortes
com essa notícia e toda dor que alguém possa ser capaz de sentir de uma só vez me atingiu por
completo.
Então era por isso que eu não conseguia mais vê-lo através da coroa? Ele não
estava mais nesse mundo. Não tinha como encontrá-lo.
Olhei para ela em desespero e ela simplesmente deu de ombros indiferente
repetindo a palavra.
- Morto.
Saquei a espada das minhas costas e iria cravar nela, tamanha era a fúria e a dor
que sentia. Os homens de sua retaguarda avançaram contra mim e Aragorn tentou me ajudar,
mas com um olhar de Raika ele sorriu para ela se esquecendo do resto do mundo.
Enquanto eu travava uma batalha de vida e morte com aqueles homens, percebi
que eles não iriam me ferir só estavam impedindo que eu chegasse até Raika que me olhava
com a mesma carinha de anjo sem se importar com a batalha. Um dos homens me desarmou e
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eu lancei mão do meu bastão. Derrubando alguns de meus oponentes me aproximando mais de
Raika.
- Pare Melissa, isso não vai te servir de nada. – Disse ela calmamente.
Enquanto eu olhava para ela um dos homens me imobilizou por trás com meu
próprio bastão. Aragorn me vendo em apuros conseguiu se livrar do transe feito por Raika e
entrou em luta corporal com o homem que me segurava.
Raika olhava para Aragorn se deliciando com sua performance na luta mas deu
ordem ao homem que parasse e ele obedeceu se afastando de Aragorn.
Quando a luta cessou, a dor caiu novamente sobre mim
- Morto – Sussurrei - Não... Meu Leo não... Eu caí de joelhos segurando o
coração que parecia estar sangrando desesperado. Algo começou a queimar dentro do meu peito
e liberar o que estava sentindo. Um vendaval sacudiu todo o quarto fazendo as capas de todos
flutuarem. Coisas voavam para todos os lados. Eu não conseguia respirar, abria a boca para
puxar o ar para dentro, mais o ar entrava como agulhas dilacerando mais meu peito me dizendo
que minha vida tinha acabado.
Sem Jeziel, meu Leo não havia sentido em viver. Minha vida era ele se eu não
tinha mais ele, também não teria mais vida. Eu queria morrer. Eu queria morrer agora mesmo.
Não aceitaria um só minuto sem imaginar Leo vivo com seu sorriso de tirar o fôlego com sua
voz que me encantava e com seu jeito de me tocar, de me beijar, só ele tinha o que me
alimentava a vida. Eu não viveria sem ele.
- Sinto muito, mas você não achou mesmo que eu o deixaria vivo com a
possibilidade dele me tomar o trono, achou? - Falou Raika como se fosse natural o que ela
fizera.
- Você esta mentindo! Eu o vi através da coroa. – Eu segurava meus cabelos em
desespero sacudindo a cabeça tentando acordar desse terrível pesadelo. Eu queria gritar, mas
não tinha forças. Queria acordar, mas não conseguia. Sem perceber já estava orando para que
tudo não passasse de um pesadelo horrível.
Queria voltar ao primeiro dia em que cruzei com Leo a primeira vez na pizzaria.
E desta vez faria tudo diferente.
Aragorn ao ver meu desespero se agachou ao meu lado me amparando, mas a
dor era forte demais para que os braços dele tivessem força para me ajudar.
- Eu vi Leo na sala do rei e falei com ele. Eu disse que estava indo o buscar.
- Isso foi a muito tempo atrás, antes de você se apaixonar por esse bonitinho ai.
Mas veja pelo lado positivo, pelo menos você não terá que explicar a Jeziel o seu romance e não
ficara numa saia justa tendo que escolher entre um e o outro. Se não tiver mais ninguém que te
interesse você pode ficar com esse aí para você. – Raika ainda destilava seu veneno.
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O choro ecoava do mais fundo da minha alma, Raika me olhava fingindo pena e
Aragorn me apertava contra seu peito. Eu pensei que se Chorasse bastante poderia me exaurir
até não sobrar mais nada de mim. Era insuportável a dor. Eu queria a morte.
- Não fique triste. Antes de morrer eu lhe concedi seu último desejo. E sabe o
que ele me pediu? Ele queria ver seu rosto uma última vez. E eu como uma pessoa generosa
que sou concedi sua vontade. E sei que ele deve ter guardado uma boa lembrança de você. Pois
quando abri a visão para ele você estava bem animada numa festa dançando alegremente e
agarradinha com seu novo namorado. Até achei que você estava meio bêbada... Andou bebendo
Melissa?
Eu me lembrei do dia em questão. Ernest ainda estava vivo, ele havia bebido de
mais e nós o deixamos no quarto da pensão. E voltei com Aragorn para a festa. Eu tinha bebido
um pouco e acabei convidando Aragorn para dançar. Naquele dia Raika deu fim a vida de
Jeziel. Isso faz tanto tempo. E só agora fiquei sabendo da sua morte. Se eu soubesse antes já
poderia ter voltado para minha casa e morrido um pouco a cada dia. Mas Ernest ainda estaria
vivo e Aragorn estaria em sua ilha.
- E sabe uma coisa que me surpreendeu? Ele não pareceu ficar com raiva por te
ver em outros braços, era como se ele soubesse que merecia aquilo por ter te deixado. Lógico
que ele não conseguiu esconder a decepção em te ver tão alegre com outro e deixou que uma
lágrima caísse de seus olhos, mas acho que foi só ciúmes.
Meu coração partiu em mil pedacinhos em pensar que eu tinha magoado Leo. E
Raika se divertia em ver meu rosto dilacerado em dor.
Mesmo sabendo que eu sofria ela continuou.
- Sabe que me comoveu quando a última palavra que ele falou antes de morrer
foi seu nome? Como é lindo o amor... – ela olhou para cima de uma forma romanesca.
- Mas enfim – ela continuou - a coroa não tem mais sentido nenhum para você e
podemos fazer uma troca. Eu te deixo partir para seu mundo levando esse homem lindo contigo
se você me der a coroa agora mesmo. Ou posso matar seu novo namorado como fiz com o
antigo e te deixar presa sob tortura até que não aguente mais e me de a coroa. Daí mato você
também. Ou seja, de qualquer forma eu terei a coroa, mas depende de você o jeito que vou
adquiri-la.
- Você nunca terá essa coroa! – Falei com ódio nos olhos.
- Andaluz não significa nada pra você. Volte para sua casa, vá cuidar da sua
vida, aproveite que estou te dando a chance. E só faço isso porque gosto de você, gosto mesmo.
Acho você uma pessoa bem legal.
- Dispenso seus sentimentos – bradei revoltada.
193
- Ah, você esta assim por causa de Jeziel? Você nem gostava mais dele, e agora
esta com um bem melhor. Aragorn é muito mais bonito e másculo e forte. Um homem feito. -
Ela insinuou tocar nele.
- Se afaste de mim! – Disse Aragorn bravio.
- Nervosinho. E pelo jeito tão apaixonado quanto Jeziel era por você. Foi uma
boa troca essa sua. Você não vai ficar no prejuízo. Vai continuar tendo alguém para babar em
seus pés como Jeziel fazia.
Raika se aproximou de mim e eu ainda me sentia assombrada em como ela
conseguia manter o semblante tão meigo e um ar tão inocente enquanto falava aquelas palavras.
Era o mesmo que unir a imagem de uma criança feliz ao áudio de uma ameaça mortal de um
psicopata.
- Sabe que no começo quando Jeziel se mostrou arredio comigo eu pensei que
não iria conseguir trazê-lo a Andaluz? Ele era tão certo de que você era a escolhida dele e eu
não podia usar meus poderes abertamente, tinha que envolvê-lo aos poucos, tinha que afastá-lo
de você. O que não estava sendo fácil porque ele queria ficar contigo cada segundo. Mas
naquele dia do parque em que aqueles homens, pobrezinhos, apareceram no meio da mata foi
bem providencial. E olha o segredinho... Eu os provoquei, os seduzi. Eles não iriam fazer nada
comigo, e mesmo que tentassem eu poderia acabar com eles com meu dedo mindinho. Mas
sabia que a mania de herói de Jeziel iria falar mais alta e ele acabaria se envolvendo com uma
garota frágil e indefesa qual ele sempre tivesse que defender.
Não sei como não ri vendo a cara de vocês. Bobos sentimentais. Acreditar que
uma garota como eu estava fragilizada com o ataque?... Sempre se deixando levar pelas
aparências. – Ela se divertia contando os detalhes – Depois foi fácil, depois de tocá-lo aquele dia
a resistência dele se quebrou. O problema é que eu tinha que ir devagar para ninguém perceber o
que eu estava fazendo. Depois daquilo ele realmente achou que estava apaixonado por mim. Eu
me diverti realmente com os joguinhos de sedução. E me diverti ainda mais quando via você
fingindo que não via ele se derretendo todo por minha causa. Sabe quantas noites em que você
estava dormindo tranquilamente em sua caminha ele te deixava sozinha para ir ficar comigo?
Aquela revelação me deixou atônita. E Raika continuava seu relato indiferente a
minha angustia.
- Eu o provocava, eu o atiçava, despejava todo meu charme nele e ele ficava
louco me querendo, mas eu não deixava ele avançar, e pode ter certeza que se eu tivesse
permitido ele teria feito, mas eu queria que você estivesse presente quando ele não suportasse
mais de desejo e me tomasse em seus braços. Então antes de você acordar ele voltava para sua
casa.
Diante do que ela me falava, fiquei completamente incapacitada de poder reagir
de alguma forma. Ela iria me humilhar, desmerecer todo o sentimento que eu tinha por Jeziel.
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- Ele te enganou Mel, te traiu, e você tão bobinha... Se tivesse sido mais esperta
teria evitado. Mas você estava preocupada demais com minha saúde. Eu te agradeço. Você me
ajudou muito a tirar Jeziel do seu caminho.
Ela caminhava pelo quarto tocando o rosto dos homens que a acompanhava
fazendo eles delirarem para me mostrar o poder que ela exercia. Para me mostra exatamente
como ela agia com Jeziel. E continuava seu relato.
- Daí era só acabar com você. E no dia em que fui a sua casa em que você
estava arrasada por causa de Jeziel eu só não te matei porque ele estava te monitorando a
distância. Minha vontade era acabar com você ali mesmo. Mas depois dei um jeito daquele
Drevors idiota destruir você, mas ele incompetente não conseguiu e quase estraga tudo. Mas de
certa forma também foi providencial porque Jeziel havia dito que só voltaríamos a Andaluz
quando soubesse que você estava bem, e com o medo de que outros fossem atrás dele na sua
dimensão te colocando em perigo resolveu vir embora na mesma noite.
Coitado, fiquei com tanta pena dele quando chegamos aqui. Ele estava
desolado. Achando que nunca mais veria você. E eu não consegui ver a carinha dele daquele
jeito. Na mesma noite dei um consolo a ele para que ele te esquecesse e funcionou muito bem. –
Ela olhava maliciosa para mim e seus olhos revelavam de que consolo ela estava falando - E
posso te dizer que depois disso ele teve maravilhosos dias ao meu lado. Só acabou porque ele
não tinha a coroa para me dar. Ele me daria o céu se eu pedisse, mas só queria a coroa e ele
dizia não saber onde estava. Então acabei com a festa prendendo ele e Ernest até me disserem
onde estava a coroa. Depois descobri que estava contigo. E daí facilitei a fuga de Ernest, pois
sabia que ele iria buscar sua ajuda. Imagino que para se redimir por não ter acreditado que fosse
você a futura rainha. E o restante você já sabe. – O tom de voz dela mudou de um tom dócil
para intimidador. - Mas vamos acabar com essa conversa. Vamos Melissa, me de a coroa.
- Nunca! - Falei decidida. Ainda entre lágrimas.
- Eu posso pedir, ou usar de outros métodos.
Raika ergueu as mãos. para mim e antes que alguma coisa acontecesse comigo
Aragorn se atirou em minha frente bloqueando o poder de Raika e se expondo a ele.
Aragorn se contorceu em dor sem Raika colocar as mãos nele. Aragorn gemia
numa tortura invisível, mas que parecia ser letal.
- Da mesma forma que tenho poder para dar o maior prazer aos homens posso
provocar a mais insuportável dor.
- Pare com isso! - Eu segurava Aragorn que tombava para frente.
- Porque se importa seu tolo. Não vê que ela te usou?- Raika bradou - Melissa
não te contou a verdade porque precisava de você para levá-la ate a montanha Mayata. Quando
chegasse a intenção dela era te dispensar e correr para os braços de Jeziel. Você não tem
importância alguma a ela. É só um bom segurança, um protetor. Totalmente dispensável.
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A dor que Raika provocava em Aragorn foi mais forte ele abraçava seu ventre e
gemia angustiado.
- Certo, pare com isso que te dou a coroa! - Me angustiei com a dor de Aragorn.
Ela iria matá-lo.
- Boa menina. - Ela parou o que estava fazendo e Aragorn caiu aos meus pés.
- Você dá a sua palavra que quando te entregar a coroa poderemos partir? – Não
sabia se podia acreditar nela. Lembrei do que Ernest me disse que ela jamais iria me deixar ir
embora, mas tinha que arriscar.
- Claro, só quero a coroa. – Ela confirmou, mas não me passou nenhuma
segurança, só que não havia alternativa ou ela mataria Aragorn.
Puxei a mochila das costas e antes que eu pegasse a coroa Aragorn ainda fraco,
enfiou a mão em seu bolso pegando a pedra esverdeada atirando-a no chão aos pés de Raika e a
pedra se espatifou numa poeira verde criando uma barreira entre nós e ela. Um portal se abril
numa explosão de luz cegando a todos por hora com a intensidade de seu brilho e Aragorn me
puxou para dentro nos fazendo atravessar do quarto da pousada até a ilha Marfim. Vi quando a
poeira esverdeada se unia num pequeno bloco se transformando novamente na pequena pedra
esverdeada voltando para a mão de Aragorn antes que ele caísse desfalecido ao chão.
Tudo aconteceu muito rápido. Olhei para todos os lados assustada, preocupada
se algum dos soldados de Raika tivesse conseguido atravessar atrás de nós, mas vi que
estávamos sozinhos na ilha de Aragorn e me lancei no chão num choro compulsivo e
desesperado até não haver mais lágrimas nem forças em mim.
196
Capítulo 17
Amanheceu na ilha, e quando Aragorn voltou a si. Levantou assustado
procurando por mim que estava a alguns metros dele sentada abraçada em minhas pernas com
os olhos fixos em um ponto imaginário esperando que a morte tão merecida me alcançasse
agora mesmo.
Ele se aproximou de vagar. Me olhando da forma que temi por tantos dias, com
os olhos repreensíveis e de dor. Mas agora não importava mais. Nada mais importava. Não
importava se Aragorn estava decepcionado ou com raiva ou me achasse uma vadia. Tudo tinha
perdido o sentido, eu tinha perdido meu Leo para sempre. E me perdido também.
Ele me rodeou, creio que pensando em que palavras usar. Ele agora sabia tudo.
Sabia toda a verdade, sabia por que eu estava em Andaluz. Apesar de não olhar diretamente para
ele podia ver que ele estava surpreso e ao mesmo tempo furioso. Por vezes ele murmurava
algumas sílabas, mas desistia de falar sempre que olhava para mim.
Por fim ele se sentou ao meu lado.
- De certa forma estou mais conformado em saber que meu concorrente era um
príncipe. - Não olhei para ele, mesmo assim ele percebeu que estava sendo idiota. – Me
desculpe Melissa. Eu só estou tentando compreender tudo isso. – Ele respirou fundo - O que
pretende fazer agora?
Eu não estava em condições de responder nenhuma pergunta. Tudo que eu
queria na verdade era acordar desse sombrio pesadelo. Mas o sol que brilhava sobre o mar
cristalino a minha frente, refletindo faíscas de prata nos meus olhos ressecados de tanto chorar,
me relatavam o triste fato de eu estar acordada. Não era um pesadelo. E para minha surpresa a
natureza parecia não pactuar com minha tristeza. O dia estava claro, lindo e iluminado numa
linha de perfeição com a vegetação da ilha. Palmeiras, coqueiros, areia absurdamente branca, e
o verde que predominava atrás de nós. Era uma belíssima ilha agraciada com o capricho da
natureza.
- Venha Melissa – Aragorn se levantou me erguendo pelos ombros e me
amparando por um caminho entre as árvores. Andamos pouco tempo até avistar uma casa no
centro da ilha. Ela era toda feita em pedra de cor marfim e tudo ao seu redor tinha a mesma cor.
As pedras do solo, as flores silvestres, trocos das árvores e até algumas folhagens e arbustos
mantinham a cor.
Dentro da casa a cor marfim também predominava na mobília, nos objetos,
salvo alguns poucos utensílios, tudo era na cor marfim. Dando sentido ao nome da ilha.
197
Aragorn me sentou num enorme sofá coberto de peles e saiu por instantes.
Quando voltou trazia nas mãos um copo d'água que me recusei a beber. Não queria nada que
pudesse aliviar meu sofrimento. Ele pareceu entender, pois não insistiu, deixou o copo numa
mesinha ao lado caso eu mudasse de idéia.
Enquanto eu ficava paralisada no mesmo lugar, pensando em cada palavra que
Raika me dissera e me torturando com as lembranças que tinha de Leo comigo, Aragorn se
movimentava pela casa organizando suas coisas. Estava tranquilo. Ele mesmo disse que a ilha
era protegida por magia assim como a colina do rei que Leo havia me presenteado. Ninguém
nos encontraria ali.
Vi quando Aragorn passou por mim acendendo as luzes da casa. Tinha vestido
outras roupas sugerindo que havia tomado um banho.
Já havia anoitecido. Eu tinha passado todo o dia sentada no mesmo lugar e na
mesma posição. Olhei de lado e meu copo de água ainda estava lá. Tentei engolir minha saliva,
mas a boca e a garganta estavam secas de mais. Mais ainda não estava disposta a acabar com
meu sofrimento.
Aragorn se sentou a minha frente. Seus olhos fixos em mim buscavam respostas
a novas perguntas que surgiram com as atuais revelações. Mas ele não falou uma só palavra. Ele
lia em minha mente tudo que buscava saber já que derrubei meu bloqueio assim que chegamos à
ilha. Não era mais necessário. Não precisava esconder mais nada dele nem de ninguém. Por
vezes o via suspirando fundo um pouco incomodado e coincidia de ser exatamente no instante
em que eu tinha alguma lembrança do tempo em que estávamos juntos, Leo e eu. Aragorn ainda
com os olhos fixos em mim se cansou de minhas lembranças e entrou na minha mente com sua
voz forte e autoritária.
- Durma Melissa.
E eu dormi, sem o som da sua voz cantarolando, sem os sonhos bons me
trazendo alívio, somente dormi um sono duro e pesado, mas mesmo assim consciente. Não me
esquecia que tinha perdido meu Leo para sempre.
De manhã quando acordei me sentia estranha e vazia. Um oco, um vácuo dentro
de mim, tão palpável quanto tudo ao meu redor, e me sentia cansada como se tivesse carregado
algo enorme e muito pesado apesar de ter acordado na cama confortável para qual Aragorn me
carregou depois de ter adormecido em seu sofá.
Me sentei na cama tentando me situar sem perder o sabor ainda da dor que
sentia. Olhei uma cadeira ao lado da cama que tinha peças de roupas limpas e femininas com
certeza colocadas ali por Aragorn. Não me interessei em saber aonde ele as tinha encontrado
nem tão pouco me interessei em vesti-las. Andei descalça pela casa e encontrei Aragorn parado
de pé na sala. De costas para mim. Quando notou minha presença se virou me olhando e seus
olhos se estreitaram.
198
- Você não esta bem. – Ele falou assustado se aproximando de mim.
Não tinha o que contestar, acho que nunca me senti pior em toda minha vida,
nem mesmo quando Raika beijou Leo na minha frente na fazenda de Maxuel. E olha que eu
pensava que não podia existir dor maior.
Ele se aproximou de mim ajeitando minha franja sobre a testa e erguendo meu
rosto para examiná-lo.
- Seus olhos – Ele falou preocupado – Estão escuros. E sua pele esta meio sem
cor... sem vida. – Ele me arrastou até o sofá e me pôs sentada se agachando em minha frente me
examinando minuciosamente.
A cada segundo que passava me sentia pior. Era como se a vida aos poucos se
exaurisse de mim.
Aragorn tinha ido até outro cômodo e eu sequer percebi. Ele voltou com uma
tigela trazendo uma espécie de sopa. Colocou sobre meu colo para que eu comece. Acompanhei
a tigela com o olhar, mas não tive interesse nela.
- Vamos Melissa você precisa se alimentar. – Ele falou paciente.
Senti que algo quente e úmido rolava em meu rosto. E Aragorn passou seu
polegar enxugando a lágrima que caia involuntariamente.
Olhei para ele me perguntando por que ele ainda estava ali, porque ele ainda se
importava comigo já que sabia toda a verdade que eu tinha escondido dele? O meu amor por
Leo, e ele descobriu da pior forma que, mesmo sem intenção real, eu o estava usando. Natural
seria que ele estivesse com ódio de mim por ter lhe dado alguma esperança. Mas ele estava tão
preocupado como sempre e tão cuidadoso como só ele era comigo. Ele ergueu a colher até
minha boca, mas eu virei o rosto. Não estava sentindo fome nem vontade de comer nem de
viver.
Que minha dor se tornasse tão intensa que me tirasse à vida imerecida.
Aragorn se levantou com a tigela e me deixou sozinha.
As lágrimas continuavam caindo pelo meu rosto. Não me mexia, nem um só
suspiro saía dos meus lábios. Meu rosto paralisado era lavado por uma correnteza de lágrimas.
Quantas horas fiquei ali? Não sei.
No outro dia acordei novamente na cama e durante vários dias essa foi à rotina.
Me sentar no sofá e chorar até adormecer e ser levada nos braços por Aragorn. Ele tentava me
fazer comer ou beber algo, mais me recusava terminantemente.
Meu coração ainda batia em meu peito de teimoso. Sem direção, sem ter um
rumo pra chegar. Estava vivendo na escuridão que Aragorn havia visto em meus olhos. Me
afundando numa cripta pessoal e negra onde não havia mais a luz do amor de Leo para me
guiar. E ali descobri que o amava mais do que pensava ser possível e agora meus sonhos se
perderam. Só me restaram às lembranças.
199
Mesmo mortificada pela dor tinha total consciência do dia se arrastando
pavorosamente lento e da noite provocativamente fria. Por vezes acordava no meio da noite e
Aragorn estava sentado na cadeira ao lado da cama me velando.
Noutro dia de manhã sem ter noção de quantos dias eu estava ali, não consegui
cumprir minha rotina de ir até o sofá me colocar como um objeto imóvel e desagradável na sala
de Aragorn. Estava fraca demais para andar e como no horário de costume eu não tinha
chegado à sala Aragorn foi até o quarto. Tentei me levantar, mas acabei caindo e Aragorn me
amparou me segurando mais firme do que o necessário.
- Droga Melissa, você esta se matando! Não vou permitir isso. Cansei de ser
compreensivo, de ser pacifico, não vou deixar que isso aconteça. Chega de se torturar. – ele me
sacudia - Se ele morreu não foi culpa sua. E ele não vai voltar só porque você esta sofrendo.
Acorda, desperta, e aceite a realidade. Ele se foi Melissa, e você não pode fazer nada. E não
pode morrer por causa disso.
Eu estava num estado de choque que apesar das sacudidas frenéticas de Aragorn
não reagia.
Numa fúria irracional Aragorn me pegou nos braços me carregando até a praia,
entrou comigo nas ondas na intenção de que a água fria me despertasse e realmente funcionou.
A primeira onda que atingiu meu corpo foi como um choque gelado me tirando do torpor.
Minha reação foi involuntária, Aragorn me segurava, e com ira me atirei contra
ele socando seu peito com tanta força que meus punhos doíam. Não era dele que estava com
raiva, era de mim. Não era nele que queria bater, era no que tinha me causado tanta dor. Ele não
se afastou enquanto eu o atacava. Deixou que minha raiva acabasse com minhas forças e quando
sem fôlego e com as mãos doendo deixei meus braços caírem do lado do meu corpo, pela
primeira vez olhei para Aragorn o vendo realmente depois de todos esses dias. E seus olhos de
ouro preocupados e aflitos em mim só lembraram-me da pessoa nociva que sou. De como eu
menti para ele e de como eu não merecia todo o cuidado que ele estava dispensando a mim.
Soltei-me de seus braços chorando e corri entrando na mata da ilha. Estava
disposta a sumir da frente dele, estava me sentindo vil, enganadora e envergonhada. Não podia
encará-lo, não depois de tudo, e o pior, minha mente estava desbloqueada desde que tinha
chegado nesta ilha então ele já sabia de tudo muito além do que eu gostaria que ele soubesse. O
medo de ele me deixar sozinha e eu não conseguir chegar até a montanha, foi um dos motivos
pelo qual não lhe contei tudo antes, e não foi o único, usei seu sentimento ao meu favor mesmo
sabendo que poderia magoá-lo. Ele ficou sabendo dos meus planos de atravessar o portal da
montanha só, deixando ele e seu amor para trás.
Corri sem rumo caindo algumas vezes olhando para trás me certificando de que
não tinha vindo atrás de mim, e quando me cansei parei para pensar para onde eu estava
200
correndo. Era uma ilha e não haveria saída dali sem outro portal. Sentei-me desolada sobre a
raiz exposta de uma enorme árvore até escurecer e a noite fria me pegar.
Aragorn não apareceu, eu sabia que ele não viria, já o conhecia bem o suficiente
para saber que ele me deixaria pensar um pouco sozinha.
Por toda a madrugada que fiquei ali pensei que Aragorn tinha razão. Meu Leo
não existia mais. Eu queria morrer por isso, mas ainda respirava e o coração batia ainda que sem
meu consentimento. E não poderia procurar pela morte já que outras pessoas ainda esperavam
por mim. Eu tinha falhado com Leo, mas ainda tinha minha mãe e Biel. Eu prometi voltar, não
podia fazer como meu pai fizera abandonando a família deixando tanto sofrimento. Eu não
queria causar mais sofrimento à ninguém. Não podia ser tão egoísta assim. Ernest mesmo falou
“se alguma coisa der errado volte para casa”. Será que outra coisa poderia ter dado mais errado
que isso?
Ainda assim estava me sentindo egoísta. Como poderia voltar para casa
deixando tudo aqui como estava?
Andaluz estava nas mãos de tiranos sórdidos e cruéis como Raika e sua família.
Ernest morreu por Andaluz, Leo... Jeziel, morreu por Andaluz, meu pai tinha abandonado sua
família por Andaluz, Raika matou meu Leo pelo poder de Andaluz. Ela tirou o que era mais
preciso para mim por causa deste reino. E eu estava disposta a fazer algo que pudesse fazer
valer a morte dele. Se Leo morreu tentando impedir que seu trono permanecesse nas mãos
desses facínoras eu iria acabar com a festa deles.
Um sentimento de vingança estava substituindo a dor e o desespero do luto.
Eu não iria embora deixando o trono de Jeziel nas mãos de Cordomad e iria
fazer a família maquiavélica de Raika pagar caro pelo que fez ao meu pai a Ernest a família de
Aragorn e a Leo. Assim como eles transformaram minha vida num pesadelo eu seria o pesadelo
deles.
Uma nova motivação dentro de mim para viver e lutar. Iria vingar a morte de
Leo. Se o que Raika temia era perder seu reinado para ele, ela tinha encontrado agora uma coisa
bem pior para enfrentar. Alguém ferida querendo vingança, disposta a vencê-la a qualquer
custo. Raika me tirou Jeziel eu lhe tiraria Andaluz.
O sol já estava quase aparecendo no horizonte quando voltei até a casa da ilha.
Aragorn me esperava sentado numa espreguiçadeira na varanda. Quando me viu aproximando
ele se levantou. Eu parei bem a sua frente.
Parados, ficamos nos olhando até que finalmente encontrei em mim o que falar.
- Eu estou bem agora. – tentei convencê-lo.
Ele me olhou duvidoso.
201
Eu sabia que ele estava espantado com minha reação. Em Andaluz desenvolvi
uma forma estranha de enfrentar momentos difíceis em minha vida, como a morte de Ernest, e a
de Leo. Era mais fácil colocar tudo que me aborrecia dentro de uma caixa e escondê-la num
repartimento dentro de minha cabeça onde eu não precisasse ficar olhando toda hora e reagir da
forma que eu pensava ser madura do que ter que enfrentá-los. Já tinha muita coisa guardada lá.
Eu sabia que em algum momento a caixa não suportaria mais tanta pressão e arrebentaria. Mas
no momento ela ainda tinha espaço para guardar mais esse infortúnio.
Diante do olhar preocupado de Aragorn eu continuei falando como se os
acontecimentos dos últimos dias não tivessem me afetado.
- Muito obrigada por cuidar de mim, não só esses dias mais por tudo que você
fez até agora. Obrigada por me tirar das mãos de Raika.
Ele pareceu confuso me ouvindo falar depois de todos esses dias sem ouvir
minha voz. E eu falava com ele coerentemente. Me sentia lúcida e ...estranhamente calma.
- Ela iria te matar assim que você entregasse-lhe a coroa. – Ele respondeu
entrando no meu ritmo.
- Eu sei disso. Por isso tenho mais motivos para te agradecer. Você não
precisava fazer o que fez depois do que eu fiz a você.
Ele me sondou tentando compreender o fio da conversa.
- Você não fez nada a mim Melissa, eu escolhi me arriscar.
- Você não teria feito isso se eu tivesse sido sincera.
- Não podemos ter certeza disso, podemos?
Realmente não. Ele já sabia de tudo e, no entanto, ainda se importava comigo.
- O que vai fazer a partir de agora? Pelo que entendi você veio aqui para salvar
Jeziel. Mas agora ele esta... – Ele se interrompeu. - Bem, não há mais motivos para você ficar
aqui. O que pretende fazer?
- Eu tenho um motivo sim para ficar. – Falei fitando o horizonte.
E de repente toda calma que eu tinha reunido para me manter de pé esvaiu-se.
- E qual seria? – Seus olhos estavam em mim desconfiados novamente.
Ele já me conhecia bem demais para saber que aquela fachada de garota
centrada iria desmoronar em questão de segundos.
- Vou matar Raika e toda sua família ordinária.
Ele me olhou espantado com a fúria em minha voz.
- Quando foi que você deixou de ser uma garota dócil, meiga e indefesa para se
transformar numa exterminadora cruel e sanguinária?
- Não se ganha nada sendo boazinha. – Falei amarga.
- Esse tipo não combina com você.
202
- Sou filha de um general... De um guerreiro, esta no meu sangue. E sempre me
disseram que eu tinha que ser mais decidida, sair da defensiva e lutar pelo que quero. É o que
estou fazendo agora. Chega de garotinha indefesa, e tola.
- Quem você é não depende de quem é seu pai nem da sua linhagem ou do que
dizem de você. O que você realmente é vem de dentro de você.
Olhei para ele começando a me enfurecer, ele estava tentando obstruir meus
planos com suas filosofias dispensáveis.
- Não importa, eu posso ser o que eu quiser, e agora eu quero ser a pessoa que
vai mandar aquela bruxa de Raika para o inferno de onde ela jamais devia ter saído.
- Você quer vingança. Não é um sentimento nobre.
- Eu não ando sendo muito nobre em meus sentimentos ultimamente. Você
melhor que ninguém sabe disso.
Eu estava obstinada.
Aragorn olhava para mim como se olha para uma criança birrenta.
- Então me diga como pretende chegar até Raika para matá-la, já que você é só
uma e ela tem um exército preparado contra você. Antes que você possa colocar os olhos nela
você já era. – Ele simulou um corte no pescoço com a mão.
- Você vai me ajudar. – Joguei para ele.
- Eu vou?! – Ele rebateu.
- Você me ajudou até agora – Eu esperava isso dele. Era óbvio.
- Isso antes de saber que estava numa missão impossível- Desabafou.
- Você tem conseguido até agora.
- Eu não vou. – Sua voz e seu rosto se endureceram.
- Esta com medo? – Provoquei.
- É suicídio meu e seu. E eu pretendo completar meus vinte e cinco anos de
idade vivo.
- Eu dou o que você quiser.
- O que eu quero você não pode por em barganha.
- Qualquer coisa... – Não iria aceitar um não como resposta.
- O que você teria para me dar que pudesse me interessar?
- Você ouviu Raika, esse reino é meu por direito. Posso te dar qualquer coisa
que queira. Todas as ilhas de Andaluz se quiser.
- Não. – respondeu decididamente.
- Te faço um ministro de Andaluz... Toda riqueza, qualquer coisa. Te faço
general do exército. Você será o maior comandante de todos os tempos.
- Não quero nada disso. – Ele soletrou determinado.
203
- Te dou o trono de Andaluz, Assim que destruirmos todos, Andaluz precisara
de um rei e você será este rei. - Tinha que persuadi-lo.
- E você será minha rainha?
Epa!
- Eu voltarei para meu mundo assim que acabar com eles. - Falei seriamente
para tentar fazê-lo voltar as outras propostas.
- Então sinto muito, mas não há nada que você possa me oferecer que valha a
pena arriscar minha vida ou a sua. – Ele podia ser bem teimoso e irritante quando queria.
- Por favor Aragorn. Você tem que me ajudar – Falei mudando o tom da
conversa para a súplica.
- Não. – Ele estava irredutível - Eu não tenho que te ajudar a se vingar da morte
de alguém que não significa nada para mim. Alguém que cuja vida só me prejudicou.
- Como é? – Que colocação era essa?
- Por causa dele muitos foram mortos lutando para ver esse tal de Jeziel no
trono. Amigos meus que entraram na causa confiando nele, perderam suas posses, suas famílias,
meus pais meus irmãos morreram torturados esperando por ele e agora você quer se matar por
causa dele. Não. Raika na verdade fez um favor para todos. Ele esta bem melhor morto.
Com toda ira lancei minha mão em seu rosto lhe dando um tapa estalado na
face. Ele não tinha o direito de falar daquela maneira. Não do meu Leo.
- Pois fique sabendo que ele esta morto agora por causa de vocês, dessa maldita
Andaluz. - Bradei irada - Estávamos muito bem em meu mundo, mas cada dia ele se preparava
para voltar se preocupando com seu povo aqui. Se ele tivesse ficado comigo estaria vivo e feliz
ao meu lado.
- Você tem certeza? Pelo que vi ele voltou muito bem acompanhado, e segundo
os dados que recebemos ele não fez grande resistência para te deixar.
- Ele me amava. Só me abandonou porque acreditou que Raika fosse à rainha
que lutaria ao lado dele para libertar Andaluz. Ela mentiu dizendo que também era filha de meu
pai. Enganou a todos nós. – Quanto mais detalhes eu dava mais raiva eu sentia - Ele veio por
todos vocês. Pelos que morreram e pelos que ainda esperavam por ele.
- Ele te deixou. – Falou exacerbado - E agora esta morto. Ele era um tolo por
amar mais essa maldita dimensão, como você mesmo diz, do que a você. Não há razão para
querer lutar.
- Ele tinha amor pelo seu povo, por este lugar. Se preocupava em como estavam
sendo tratados por Cordomad e escravizados por ele. Ele era nobre, tinha honra, Coisa que você
não deve nem saber o que é.
- Melhor ser um desonrado vivo que um nobre morto. – Ele faiscou um sorriso
rabugento.
204
Não estava acreditando. Esse não era o Aragorn que conhecia. Tão mesquinho.
Onde estava o cavalheirismo que ele havia me mostrado antes?
– O que você vai fazer com toda a honra dele agora? Se ele tivesse sido um
pouco mais esperto estaria vivo e com você. Só que ele não tem mais nem uma coisa nem outra.
Eu no entanto...
Estava assustada com sua nova personalidade. Ele não estava demonstrando
nenhum tipo de compaixão pelo meu luto nem se importando com meus sentimentos.
- Seu patife! – Bradei – Não sei como eu pude...
- O que? - Ele me interrompeu bradando - Se apaixonar por mim?
Tomei fôlego diante da prepotência dele.
- Achar que podia confiar em você! – O corrigi.
Ele deu seu sorriso maroto me dizendo que não era aquilo que eu queria dizer.
- Você confia em mim. E sabe que o que eu disse é verdade e só que esta com a
consciência pesada e agora quer vingar a morte deste Jeziel para desencargo de consciência.
- Você não sabe o que esta falando – Ele estava totalmente enganado. Não era
esse o meu sentimento.
- Se não é, você não precisa de mim. Pode ir atrás do exército do seu pai e
invadir o castelo agora mesmo. Vá e se mate, e mate todos os outros tolos que caírem nessa sua
conversa. Eu. Estou. Fora. - Ele enfatizou cada palavra bem diante do meu rosto.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Lá estava indo embora minhas forças. Eu
estava nervosa e sem argumentos para convencê-lo a me ajudar já que ele estava deixando bem
claro que não iria ceder.
- Você me enganou. – Cruzei os braços no peito como uma criança magoada
virando de costas para que ele não me visse chorando.
- No que te enganei?- O tom de sua voz ficou insegura.
- Você disse que enquanto eu quisesse você por perto você estaria comigo e
nunca me abandonaria e que lutaria por mim. – Me virei para encará-lo.
- Peraí... Isso é jogo sujo! – Ele me olhou irritado - Quando te falei isso estava
preocupado em que você tivesse problemas em ficar comigo por seu pai ser do exército rebelde
e eu ser um ex-soldado de Cordomad, ou qualquer outra coisa neste estilo, eu não sabia que
você amava esse tal de Jeziel. Eu posso lutar com o mundo inteiro Melissa, menos com você. –
Ele se aproximou de mim. - Eu lutaria contra o exército de seu pai, contra o seu mundo, contra
Cordomad para ter você, mas meu oponente não esta aqui fora, esta aí dentro do seu coração.
Não há como vencê-lo.
Ele tinha razão. Seria mais fácil conquistar o mundo... Ou os dois mundos
inteiros do que tirar Leo de dentro de mim.
- Então eu vou sozinha. - Tentei persuadi-lo na marra fazendo manha.
205
- Dessa vez eu não vou atrás de você. – Ele sabia que eu estava blefando.
- Por favor, Aragorn, me ajude a derrotar Raika. – Eu tinha que implorar.
- Por causa de Jeziel?- Ironizou.
- Por ele e por todas as maldades que ela cometeu. Sua família esta morta por
causa deles. Podemos vingar todos aqueles que morreram pelas mãos dessa família de facínoras.
- Nada que eu fizer vai mudar a condição de quem já se foi. Eu já me conformei
com isso. Conforme-se também. – Ele não caiu na minha apelação.
Droga, como é que nas histórias e filmes que eu assisti era tão fácil fazer uma
vingança? Bastava uma razão e uma determinação.
- Não vou deixar isso assim. - resmunguei sem querer me dar por vencida.
- Então me de um bom incentivo, que eu posso pensar no seu caso.
Aragorn estava me dando uma brecha para aceitar me ajudar. Ou só estava
testando meus limites e saber o que eu era capaz de fazer para vingar a morte de Leo.
- Você se torna rei no lugar de Cordomad. Nunca pensou em ser rei de
Andaluz? – Eu estava negociando.
- E você se torna minha rainha. – Ele afirmou novamente.
Olhei para ele angustiada. Não tinha espaço em meus pensamentos agora para
aceitar ficar com Aragorn. O amor por Leo havia renascido em mim com tanta força que
qualquer atração ou interesse por ele havia sido sufocado. E o que eu queria era acabar com a
raça de Raika e voltar para minha casa, e esquecer de tudo isso.
- Isso não será possível Aragorn.
- Então não há acordo.
- Como pode fazer isso? Como pode querer trocar meu amor por sua ajuda?
- Eu posso fazer isso, porque sei que você não é totalmente indiferente a mim.
Você pode estar triste agora e magoada e desorientada, mas eu sei o que esta dentro de você, e
sei que quando essa dor passar você vai estar muito melhor e poderemos ter um começo.
- Aragorn, eu não posso fazer isso.
- Estou muito inclinado a aceitar sua proposta se aceitar minhas condições.
- Que condições?
- Se eu entrar nessa guerra com você, conseguir derrotar Cordomad, Erkas e seu
exército, se destruirmos Raika como é sua vontade... Alguém terá que assumir o trono de
Andaluz. Eu faço esse sacrifício. – ironizou – Desde que você se torne minha rainha.
- Agora eu que digo, isso não é seu tipo. Você não esta sendo cavalheiro.
- É como você mesmo disse: Não se ganha nada sendo bonzinho.
Bufei irritada.
- Esquece. – Eu não amo você – Falei com mais cuidado que o necessário para
não magoá-lo.
206
- Tudo bem. Eu só preciso que você me dê uma chance, a chance que nunca me
deu para conquistar seu coração. Tanto quanto ele conquistou.
- Não creio que isso seja possível. O amor que sinto por Leo é grande demais.
- Vejo que sim, mas o amor para continuar crescendo tem que ser regado. O
tempo dele já acabou. E eu estarei aqui para cuidar do seu amor.
Sacudi a cabeça freneticamente.
- Não era isso que eu esperava de você.
- E o que era então? Um tolo que fizesse tudo que você quer sem receber nada
em troca?
- Você esta sendo um aproveitador sem escrúpulos. Não pensa na minha dor,
nem no que sinto?
- Não pode me culpar por te amar.
- O amor não é assim.
Ele segurou-me pelos ombros firmemente.
- Eu posso estar sendo inescrupuloso, insensível, posso estar me aproveitando
da situação sim. E daí? Não muda o fato de que eu a amo e posso estar desesperado para fazer
de tudo para te manter ao meu lado. Já pensou nisso? Que o fato de você não estar
reconhecendo minhas atitudes agora é porque não há nada a meu favor? Eu preciso usar o que
tiver ao meu alcance para manter você comigo. Não é isso que os apaixonados fazem?
Havia realmente um clamor em seus olhos.
- Eu não pedi para me amar.
- Também nunca disse que eu não deveria. – Ele me soltou.
- Me perdoe, eu fui uma covarde. – Resolvi assumi minha culpa.
- Covarde? Você foi cruel. Me fez acreditar que eu teria você.
Abaixei meus olhos para o chão de mármore.
Ele se aproximou novamente.
- Me de uma chance, eu posso te fazer feliz. – Ele segurou meu rosto com os
olhos de ouro suplicantes nos meus. Sua mão estava tão fria e úmida em minha pele, como se
todo seu sangue e seu calor o estivesse fazendo suar frio. Ele estava tão afetado e sensível
quanto eu naquela conversa. Seu olhar me deteve por alguns segundos. Ele aproximou mais o
rosto do meu buscando meus lábios mais virei meu rosto antes que ele pudesse tocá-los. Suas
mãos resistiram ainda em meu rosto talvez planejando um beijo forçado e eu estava pronta a
reagir se ele tentasse. Mas seu lado cavalheiro voltou a falar mais alto e Aragorn tirou suas mãos
de mim delicadamente se dando por vencido.
- Agora me diz Melissa, o que vou fazer sem você? - Havia um peso na voz dele
que eu nunca ouvira antes. Um peso de dor de angustia e de verdade. Ele estava mesmo
desesperado.
207
Apesar da compaixão que senti, e da culpa, não podia fazer nada. Sei que agi
com crueldade como ele mesmo disse. Não pensei nas consequências, não pensei nele nem em
Leo só em mim. Meu egoísmo não tinha limites. E com ele estava ferindo Aragorn. Como eu
pude pensar em envolvê-lo na minha vingança contra Raika? Eu já não tinha causado estragos
de mais?
Quando levantei meu rosto para ele, ele já não me olhava mais. Estava de costas
para mim fitando o horizonte.
Talvez ele tivesse razão. Já não havia sentido em lutar. Pelo que lutaria, por
uma vingança que me levaria à morte? Colocaria mais vidas na mira dos meus inimigos?
Deixaria mais pessoas morrerem por uma utopia falida? Com qual objetivo? Eu não iria assumir
nenhum trono ali. Não era tão ambiciosa. A coroa? Poderíamos destruí-la ali mesmo e acabar
com os planos de Raika em assumir o controle total de Andaluz. Ela já tinha o suficiente e eu só
queria minha vida de volta.
Toda a minha raiva estava passando eu tentava agora ser racional. E resolvi
vencer minha covardia e fazer o que havia me prometido. Contar-lhe toda a verdade.
- Aragorn me desculpe, pelo que fiz ou pelo que deixei de fazer. Sei que você já
viu tudo em minha mente, mas eu preciso te falar o que eu já devia te dito a muito tempo.
Muita coisa aconteceu em minha vida desde que Leo me deixou. Uma fissura
abriu em meu coração por causa dele. Ele que dizia me amar e que nunca me deixaria e que tudo
que ele queria era me fazer feliz. Deixou todas suas promessas e todo o meu amor para trás.
Eu fiquei tão ferida, tão magoada, juro a você que pensei que iria morrer. Mas
não morri e o tempo se passou e eu esperava desesperadamente que o tempo levasse a dor e
trouxesse o esquecimento. E isso não aconteceu. Cada dia sem meu Leo era uma eternidade no
Hades. Eu tentei sobreviver já que não havia mais vida em mim, e a morte não chegava. Ele era
minha vida que me fora arrancada.
Mesmo com o passar do tempo, não posso dizer que estava bem. Tentava
sobreviver, e nem era mais por mim, era por minha mãe e pelo meu irmão.
Eu acordava escondendo os olhos inchados de tanto chorar na madrugada,
quando acordava sofrendo por ter sonhado com ele. Na verdade eu estava morrendo um pouco a
cada dia. Até que Ernest chegou a minha casa, todo Machucado, me contando o que realmente
tinha acontecido, sobre a estratégia de Raika de tirá-lo de mim para se unir a ele e conseguir a
coroa e o domínio total de Andaluz, de seus feitiços e que ele estava aprisionado por Cordomad
por causa da coroa. Naquele momento eu não pensei em nada. Só queria estar aqui e tentar
salvá-lo. E com esse propósito cheguei aqui.
E você apareceu na minha vida como um herói. Me salvou da morte várias
vezes, me defendeu dos meus inimigos, lutou por mim e desde que te conheci você tem me
acompanhado nos momentos mais difíceis da minha vida. Você é meu céu Aragorn, sempre
208
firme e ao alcance de meus olhos. Me dado o ombro quando preciso, me carregado no colo
quando não tenho forças.
Seu sorriso me faz sentir tão bem e com você ao meu lado me sinto segura e
protegida. Você é uma ótima companhia, um cavalheiro, um guerreiro excelente, um mestre
dedicado, me ensinou a usar a espada o arco e flecha me ensinou a lutar. Sem você Aragorn eu
não estaria viva agora.
Não posso negar que é difícil estar ao seu lado e não acabar se apaixonando.
Você é um homem envolvente, atraente. Muito bonito, sexy, charmoso... Tem uma voz linda e
quando canta, me faz sonhar. Mas você já sabe disso. Toda mulher que cruza seu caminho se
apaixona. E ainda que eu tenha me deixado envolver por você, não vai além.
Talvez se tivéssemos nos encontrado em outro tempo, em outro lugar, e se Leo
não existisse em minha vida, você seria a pessoa certa para mim. Mas Leo existe aqui dentro de
mim, ainda que esteja morto agora. E é de uma forma tão forte que supera todos os outros
sentimentos. Deixei minha mãe e meu irmão por causa dele, deixei meu mundo por causa dele.
Abri mão de tudo por causa dele porque sem ele não há nada para mim. Nem no seu mundo
nem no meu, não há nada que tenha valor sem ele.
Olhei para o céu azul brilhante fitando o infinito e continuei.
E eu ainda o amo, mais que tudo. E agora que ele se foi, por mais que eu queira
ser racional e dizer que tudo acabou, e que eu devo seguir minha vida, não vou conseguir me
convencer disso, porque não há mais vida para mim. Não me preocupo mais se vivo ou se
morro. Minha vida se foi com ele.
Me aproximei mais dele e segurei seu rosto para que ele olhasse para mim. Pela
primeira vez eu estava sendo totalmente sincera com ele e queria que ele visse isso em meus
olhos. Carinhosamente mantinha minhas mãos nele e continuei a falar.
- Eu reconheço seu amor por mim, e me constrange o fato de você me amar
tanto sem eu merecer. Se eu pudesse te dar alguma coisa de mim para merecer esse amor eu
daria. Mas não há nada em mim Aragorn. Tudo que era eu se foi com Jeziel. Todo meu eu se foi
com meu Leo.
Finalmente achei que tinha falado tudo que precisava. Suspirei aliviada por ter
conseguido depois de tanto tempo falar a verdade. Um peso havia evaporado do meu ser. Desci
as mãos e ele desviou o olhar do meu.
Aragorn atentamente ouviu cada palavra. Eu sabia que estava ferindo seu
coração, eu já havia previsto isto, que seria duro demais para ele ouvir a verdade da minha boca,
mas seria a última vez.
Por conseguir falar estava agora me sentindo mais leve e mais humana. E até
estava sentindo Aragorn mais perto de mim. A barreira tinha caído, eu podia ser eu mesma com
ele agora. Sem mentiras nem disfarce, nem segredos.
209
- Daqui posso te transportar direto para montanha Mayata. É o Máximo que eu
consigo fazer. E de lá você segue sozinha. – Sua voz trazia um pesar – Se é o que você quer, não
vou te impedir. Mas você deve esperar um tempo porque Raika deve estar atrás de você nesse
exato momento. Com todo seu exército.
Estranhei sua passividade repentina, mas um alívio me subiu. Ele não brigou,
não me praguejou, nem me desprezou como eu esperava. Mas percebi que minhas palavras o
deixaram infeliz.
Ele desceu a varanda me deixando ali sozinha e caminhou até a praia. Meu
coração reagiu ao vê-lo triste daquele jeito. E não aguentei. Corri pela areia e ao alcançá-lo
abracei-o pela cintura. Era um abraço de amiga. sei que ele não queria esse tipo de abraço.
Ele permaneceu com seus braços caídos ao lado do corpo e num turbilhão de
emoções comecei a chorar abraçada a ele.
- Não fica com raiva de mim – Falei chorando sem conseguir soltá-lo.
- Não estou com raiva. – Ele passou a mão pelos meus cabelos falando
mansamente – Quem consegue ficar com raiva desse seu jeito? Seus sentimentos são tão
intensos, essa sua maneira tão complicada e perfeita de ser que eu amo. Esse seu Leo teve muita
sorte de ter seu coração.
A maneira carinhosa que ele me falou me consolou.
- Vai continuar meu amigo?
- Não posso. - Ergui minha cabeça procurando seu rosto. Ele enxugou o meu
com o polegar. – Você diz que o que era você se foi com seu Leo. Eu acho que você esta
enganada. Acho que o que foi com ele era a Melissa fraca, covarde e sem vida e disposta a
aceitar tudo que os outros diziam dela. A Melissa que esta aqui é forte decidida, guerreira, e
pronta para conquistar o que quiser. Você não precisa mais de mim.
Ele estava enganado. Mas não poderia pedir que ele permanecesse ao meu lado.
Eu sabia como ele se sentia.
Quando o soltei ele foi rumo ao mar e mergulhou nadando até sumir das minhas
vistas. Me sentei na areia, tentando colocar em ordem meus pensamentos e meus sentimentos.
Aragorn tinha uma forma ímpar de me ver. Ele me via forte, e eu não me sentia forte. Ele me
via decidida e eu sempre cercada de dúvidas. Talvez agente não se vê claramente como os
outros nos vê.
A noite contemplando as estrelas sentados na varanda, Aragorn e eu quase não
falávamos. Minha mente não ficava mais bloqueada para ele e ele devia ver cada um de meus
pensamentos. E apesar da serenidade dele eu podia ver a dor em seus olhos de ouro.
210
Capítulo 18
Durante os dias seguintes em que esperávamos um bom momento para que eu
pudesse finalmente ir para a montanha Mayata. Aragorn mantinha meu treinamento. Ele queria
me garantir uma chance de escapar com vida já que eu estava disposta a lutar, mesmo que ele já
tivesse deixado bem claro que não me acompanharia.
Meu luto ainda não tinha acabado. Mas estar segura na ilha Marfim me dava
tempo para pensar e mesmo com Aragorn se mostrando resistente eu estava sempre correndo
para ele procurando consolo. Eu sabia que era duro para ele, mas eu me sentia sozinha e
desamparada, eu precisava desesperadamente do céu que ele era pra mim, dos braços dele, dos
braços de amigo que ele também não queria me dar, mas que acabava cedendo diante da minha
fragilidade emocional. Na maioria das noites eu dormia em seu sofá olhando para ele matar o
tempo modelando uma escultura ou lendo um livro. E depois de adormecida ele me carregava
até a cama e se dirigia para o outro quarto.
Por tantos dias que já estávamos ali, ele jamais tocou no assunto de seus
sentimentos por mim novamente. Ele aceitou minha decisão, e isso era reconfortante. Eu podia
conversar com ele, brincar com ele e contar minhas piadas que ele nunca entendia sem me
preocupar que ele levasse para outro caminho.
Na ilha os dias nunca eram tediosos, sempre tinha algo novo para explorar, e ao
lado de Aragorn estava descobrindo seus outros talentos. Ele era um excelente nadador e
mergulhador. Sempre me deixava preocupada quando entrava no mar e sumia por horas, mas
sempre voltava com algo bonito para enfeitar sua casa. Também era um ótimo cozinheiro. Eu
até que tentei cozinhar algumas vezes, mas meus dotes culinários que já eram uma negação no
meu mundo, ficaram piores diante dos ingredientes totalmente desconhecidos de Andaluz. Mas
pelo menos me deixavam ocupada. Como da vez que quis fazer uma surpresa para Aragorn
enquanto ele nadava, e fui para cozinha preparar o jantar. Cozinhei algumas verduras, que
depois descobri que eram frutas diante da gargalhada gutural que Aragorn deu quando viu a
mesa posta.
- Isso se come cru. – Dizia ele nitidamente se divertindo com minha
atrapalhada.
Mas ao menos me senti bem por vê-lo sorrindo de novo.
211
Ao passar dos dias não posso dizer que estava sendo mais fácil, mas pelo menos
era mais suportável a dor. Aragorn já não estava tão arredio comigo e nosso relacionamento
tinha voltado como era antes. A falta de segredos mantinha nossa amizade, e eu estava sendo eu
mesma pela primeira vez ao lado dele e o que me surpreendia é que ele não se mostrava
decepcionado com a Melissa que agora ele estava conhecendo. Ele era o mesmo Aragorn
confiável de sempre, e as semanas foram passando e estar ali com ele era um confortável
descanso.
- Erzoul quer falar comigo – Disse ele de repente numa noite em que estávamos
sentados no quintal da casa.
- Como sabe? – Perguntei curiosa.
- Posso ouvi-lo.
- O que ele quer?
- Saberei quando chegar lá – Ele se levantou e andou rumo a casa.
- Posso ir também? – Pedi.
- Você esta segura aqui.
- Por favor... – choraminguei.
Ele olhou para mim e eu fiz cara de manha. Já sabia que ele nunca me dizia não
se eu usasse essa estratégia.
- Esta bem. Vamos.
Me levantei animada com a possibilidade de ver outra coisa nessa noite além do
infinito céu estrelado.
Passamos pelo portal e chegamos exatamente no meio da sala de Erzoul que nos
esperava com um sorriso. Ele me olhou surpreso, mas manteve o sorriso.
- O que foi meu amigo? Esta precisando de mim? – Perguntou Aragorn
desviando os olhos de Erzoul de mim.
- Na verdade não sou eu. É Lariana que quer te falar. Ela pediu para que eu te
chamasse aqui. Em poucos minutos ela chegara.
- Você sabe o que ela pode quer comigo? – Perguntou Aragorn curioso.
- Se ela me contasse as coisas eu não seria o pai dela.
Aragorn riu.
Erzoul voltou seus olhos para mim novamente.
- É mesmo verdade? - Ele me perguntou.
Olhei para ele sem entender.
- Você realmente é a garota da profecia?
- Ele esta lendo sua mente. – Falou Aragorn diante da minha estranheza.
Havia me esquecido que ela não estava bloqueada. E a fechei na hora. Tarde
demais com certeza, porque ele agora me olhava como se já soubesse tudo.
212
- Não se preocupe. – Ele me tranquilizou. – Enquanto for necessário seu
segredo estará guardado comigo.
Lariana entrou pela porta. Ela olhou primeiramente para Aragorn depois para
mim.
- Queria falar comigo? – Falou Aragorn a ela.
- Sim, mas em particular. Podemos dar uma volta?
- Claro – Falou automaticamente. - Erzoul cuide de Melissa para mim?
- Ela esta segura comigo. – Respondeu Erzoul.
Ele me olhou enquanto saía pela porta atrás de Lariana. Eu sabia que Aragorn
não gostava de me deixar sozinha, mesmo que com seu amigo. Ou principalmente com ele.
- Isso é realmente interessantíssimo. – Falou Erzoul assim que a porta se fechou.
– bem que eu desconfiava de algo diferente em você.
- Desculpe não ter contado antes, você foi tão gentil com Ernest e comigo.
- Eu entendo que era um segredo. E deve realmente ser guardado. Você imagina
o quanto Andaluz ficaria em polvorosa se descobrisse sua presença aqui? Os jovens hoje, não
acreditam mais nas antigas profecias, somente os velhos como eu ainda espera o cumprimento
delas e claro, um povo rebelde que vive escondido que dizem, esperando o momento certo para
entrar em ação. Mas que devem ser bem poucos agora. Cordomad perseguiu e exterminou
durante anos todos aqueles que tivessem ligação com o exército rebelde resistentes do rei Jeriel.
Assim como aconteceu com os pais de Aragorn.
Ele me olhou curioso.
- Você veio mesmo de outra dimensão?
- Sim - Respondi prontamente.
- Uma rainha para Andaluz criada em outra dimensão. – Ele falou pensativo –
Como são as coisas por lá?
- Bem diferente daqui. –Falei com certa nostalgia.
- Imagino que seja.
- Quem sabe um dia possa me visitar e ver com seus olhos as diferenças.
- Te visitar? Você não vai ficar em Andaluz para regê-la?
- Não mesmo. - Fui categórica.
- Como não?
- O Príncipe Jeziel morreu. Eu não ficarei aqui sem ele.
Erzoul se calou. Eu não sabia o que ele poderia querer me dizer, mas um
lampejo de decepção fluiu em seus olhos.
- Desculpe Erzoul, mas eu não sou a rainha que Andaluz precisa.
- E vai deixá-la nas mãos de Cordomad?
213
- Não. Eu vou acabar com a raça dele e de Raika e toda sua corja. Depois eu
volto para minha casa.
- E quem ficara no trono?
- Já ofereci a Aragorn, mas ele se recusa.
Erzoul deu uma grande e espalhafatosa gargalhada.
- Aragorn, rei?! – Mais risos – Andaluz iria virar de pernas pro ar.
- Eu acho ele muito responsável – Falei em defesa.
Outra gargalhada.
- Só se ele mudou andando com você Melissa, pois se tem uma coisa que ele
nunca foi, é responsável.
- Você esta sendo injusto com ele. Ele foi muito responsável comigo até agora.
- Isso porque ele te ama. Era interesse dele te manter sã e salva.
Eu sorri.
Por mais algumas horas Erzoul me perguntou sobre a forma de cura em minha
dimensão e ficou espantado com as informações e mais espantado ainda em saber que os
curandeiros de lá não eram dotados de dons especiais que lhes dessem vantagens em seus
diagnósticos. Eles teriam que estudar e muito para serem bons médicos. Ele ficou admirado.
A porta se abriu e Aragorn e Lariana entraram. De mãos dadas. Não pude
deixar de notar. Havia um ar de satisfação no rosto dela. Aragorn estava como sempre sereno.
Me olhou vendo algo em meu rosto mas não soltou a mão de Lariana.
- Então, querem jantar agora? – Perguntou Erzoul ao entrar na sala com uma
panela de comida depositando-a sobre a mesa.
- Obrigado Erzoul, mas precisamos ir agora. – Respondeu Aragorn agora se
libertando da mão de Lariana e vindo até a mim. – Vamos Melissa.
Me levantei da cadeira em que estava e me posicionei ao lado dele.
- Você volta logo? – Perguntou Lariana se dirigindo a ele.
- Assim que eu puder – Respondeu. E abriu o portal para que passássemos.
Já na ilha a curiosidade me corroia. Eu queria saber o que ela tinha falado com
ele. Aragorn chegou muito pensativo e mal falou comigo. Nem minhas brincadeiras o tiraram de
seus pensamentos. Mas eu não iria perguntar. Devia ser bem particular. Eles demoraram
bastante tempo. E mesmo que eu perguntasse ele não iria me responder. Minha mente estava
aberta, ele sabia no que eu estava pensando. Se ele não se propôs em me contar é porque não
queria que eu soubesse.
No outro dia de manhã, quando me levantei Aragorn já estava de pé como
sempre e desta vez preparado para sair. Ele estava muito bem vestido e bonito.
- Aonde vamos? – Perguntei.
- Preciso resolver algumas coisas, mas você fica aqui.
214
- Tem a ver com o que Lariana te falou ontem?
- Pode ser.
- Vocês estão namorando de novo? – Ao perguntar me arrependi, não queria
saber a resposta. Eu era ciumenta e possessiva ao que se referia a ele. Mas não queria que ele
soubesse.
Ele não me respondeu. Só me olhou indiferentemente com seus olhos de ouro e
andou passando por mim para abrir o portal.
- Vai mesmo me deixar aqui sozinha? – O segui descendo as escadas da varanda
até a areia.
- Este é um lugar seguro.
- Somente contra os Drevors. Mas e se alguma outra coisa me acontecer?
Precisava convencê-lo a não me deixar sozinha.
Ele se virou para mim curioso.
- Como o que?
- Eu posso... me afogar por exemplo.
- Não entre na água.
- Eu posso cair de uma árvore.
- Não suba.
- Eu posso tropeçar em alguma pedra.
- Preste atenção por onde anda.
- Eu posso ser atacada por algum animal.
- Os animais dessa ilha não te farão mal. São muito pequenos.
- Tá, mais o sol pode ficar forte demais e eu ter uma insolação.
- Melissa! – Falou impaciente.
- Não quero ficar sozinha. – Choraminguei.
Cruzei os braços e fiz beicinho. Ele nunca resistia quando eu fazia essa cara.
Mas dessa vez ele estava imune. Me deu as costas e abriu o portal e passou por
ele sem me dar nem tchau.
- Droga – Chutei a areia. - O que eu vou fazer aqui sozinha?
Voltei para dentro da casa totalmente entediada. Deitei no sofá com a cabeça
para baixo e as pernas para cima. Depois me levantei e me arrisquei a mexer na figura que
Aragorn estava esculpindo e desisti logo depois que percebi que estava destruindo seu trabalho.
Minha capacidade artística não tinha melhorado só por que eu estava em outra dimensão.
Saí da sala e fui para seu quarto. Deitei em sua cama e fiquei jogando a almofada para
cima. Cansei daquilo e revirei os baús em seu quarto. Não encontrei nada de interessante.
Encontrei uma camisa dele pendurada num cabide e a vesti por cima da minha roupa. Enfiei os
pés em um par de botas dele que estavam ali, e saí pela casa arrastando-as até a cozinha.
215
Mordisquei algumas frutas sem comer nenhuma realmente. Depois me arrastei com as botas de
Aragorn até a varanda. Sentei ali e fiquei olhando as ondas no mar. Aquele lugar era muito
chato sem meu amigo Aragorn por perto.
O dia entediante finalmente passou e a noite chegou e Aragorn não havia
voltado. Me sentei impaciente na sala depois de ter pegado um livro naquela escrita totalmente
desconhecida para mim. E acabei adormecendo no sofá.
- Melissa? – A voz de Aragorn chamando me despertou.
Abri meus olhos sonolenta vendo os seus dourados.
- Você demorou muito. – Resmunguei.
- Posso saber o que faz com minha camisa, e... com minhas botas? – Perguntou
intrigado.
- Eu estava entediada. Não gostei de ficar sozinha aqui.
Ele se ergueu e deu uma espiada em sua escultura e me olhou de soslaio, mas
não reclamou.
- Eu sinto muito, mas amanhã você terá que ficar sozinha de novo.
- Ah não, por favor, me deixe ir com você.
- Você não pode ficar se expondo por aí. Cordomad colocou soldados em cada
vila atrás de você.
- Ele deve estar atrás de você também agora que sabe que esta comigo.
- É, mais eu consigo passar sem ser notado pelas cidades e você não.
- Como não?
- Esqueceu de como as pessoas te olham quando te vêem? Você é bonita demais
para passar despercebida.
- Isso só porque eu sou de outra dimensão. Uma alienígena. – falei aborrecida,
mas gostei do elogio.
- Vá para sua cama. – Ordenou.
- Não quero mais dormir. Perdi o sono. E também fiquei sozinha o dia todo sem
ninguém pra conversar.
Ele me olhou impaciente.
- Como foi seu dia? – Perguntei querendo iniciar uma conversa.
- Bom.
- Bom? Só isso?
- O que queria que eu dissesse?
- O que fez, aonde foi com quem falou... Em detalhes.
- Detalhes? – Falou cismado.
- Você foi a casa de Erzoul?
- Passei por lá.
216
- E Lariana estava lá?
- Ciumenta. – Ele lançou sobre mim se divertindo.
- Não é ciúmes, - Claro que era, mas eu não iria confirmar isso a ele. - Eu sei
que ela gosta de você e...
- E isso te incomoda. – Me interrompeu.
- Não. Eu só gostaria de ficar sabendo se vocês dois... Bem, se você e ela... Se
estão... Aragorn, você é meu amigo e eu quero poder participar de momentos felizes como esse
na sua vida. – Agora eu estava sendo cínica.
- Momentos felizes? Quer dizer que você ficaria feliz por mim se eu e ela
tivéssemos alguma coisa?
- Claro que ficaria.
- E se eu te falasse que me encontrei com ela hoje e passamos um dia
maravilhoso juntos e que amanhã vamos repetir a dose, e por isso não dá para você vir comigo
porque queremos ficar sozinhos. Você ficaria feliz por mim?
Não. Eu não ficaria feliz.
- Foi isso que fez o dia todo? Ficou com ela?
- Você não parece feliz?! – Ele me deu um olhar irônico.
- Mas você mesmo disse que não davam certo antes. O que mudou agora?
- Melissa vá para cama. – Falou querendo dar um fim no assunto.
- Não estou com sono. – Falei zangada e emburrada.
- Então boa noite – Entrou para seu quarto e fechou a porta.
Eu fiquei olhando para a madeira da porta do quarto dele, revoltada por ele ter
me deixado o dia todo sozinha para se encontrar com Lariana e amanhã iria vê-la novamente.
Por isso ele estava todo arrumadinho essa manhã. Isso não é papel de amigo. Deixar a amiga
sozinha para sair com namorada.
- “Você volta logo?” – Fiz uma imitação patética da voz de Lariana. - Por isso
ela estava tão satisfeita aquele dia. Eles tinham voltado.
Mas também era problema dele se ele queria ficar com aquela garota cabelo de
fogo. Garota sem graça, magricela, parece mais uma tabua de tão seca. Um palito de fósforos
com aquele cabelo vermelho. E a voz irritante parece uma corneta furada. Eu não tinha
gostado dela desde a primeira vez que a vi. Garota chata. Aragorn nem queria dançar com ela
e ela o obrigou. Quem ela pensa que é para ficar com meu amigo? Ele merece alguém muito
melhor que ela. – Bufei - Mas também o que eu tenho com isso? Ele é adulto e faz o que quer.
Não é da minha conta. Ele que fique com ela. Com a cabelo de fogo.
Arranquei as botas e a camisa de mim lançando-as no meio da sala, saí
marchando irritada para meu quarto e bati a porta. Forte. Sentei na cama de braços cruzados e
217
emburrada. Peguei o travesseiro e enfiei o rosto nele. Deixei meu corpo cair sobre a cama
tentando conter minha irritação.
Dormi depois de um tempo e de manhã quando me levantei Aragorn já tinha
saído. Prometi para mim mesma que não me deixaria ter um ataque de tédio nem de ciúmes.
Procurei preencher meu dia arrumando as coisas que eu mesma tinha bagunçado
no dia anterior e limpei a casa. Preparei um prato com frutos do mar. E fiz sozinha meu
treinamento de luta. Nadei, passeei pela ilha, colhi alguns frutos e assim o dia passou rápido.
Nos dois dias seguintes era sempre a mesma coisa, Aragorn se levantava cedo,
saía e eu ficava sozinha até de noite quando ele chegava. Eu sempre perguntava como foi seu
dia, e ele sempre desconversava.
Nesta noite quando Aragorn chegou, eu estava sentada na varanda pensando na
vida. E me sentindo triste, não por ele ter passado mais um dia fora, mas por eu ter tido tempo
suficiente para me lembrar de tantas coisas ruins que me aconteceram até aquele dia.
Senti saudades da minha mãe do meu irmão, até dos meus colegas de escola. E
de Jeziel. Estava me sentindo muito só. Ninguém que eu amava estava perto de mim.
Já faziam meses que eu estava naquela ilha, e com Aragorn comigo ocupando
meu dia com caçadas e mergulhos no mar, eu não parava para pensar. Mas agora, eu podia ver o
quanto o destino tinha contribuído para que eu estivesse hoje sozinha.
- Você esta bem? – Aragorn perguntou diante da minha expressão desolada.
Olhei para ele sem nada dizer. Tive a impressão que seu tentasse falar alguma
coisa cairia no choro.
- Quer conversar? - Me perguntou.
Balancei a cabeça negativamente.
- Não quer saber como foi meu dia?
Balancei a cabeça novamente.
Ele se sentou numa espreguiçadeira ao meu lado e ficou me fitando em silêncio.
Meus olhos focavam um ponto cego no chão e meu pensamento me torturava. E
me senti muito infeliz por ter a vida que eu tinha. Me sentia vazia, seca e sem alma. Da mesma
maneira que fiquei depois que meu Leo me deixou.
Eu iria embora agora mesmo para casa se soubesse que tudo isso iria acabar. Ou
entregaria a coroa para Raika hoje mesmo se tivesse garantia de alívio e de paz. Mas era uma
coisa que eu jamais teria. Nem alívio nem paz.
Me levantei sob os olhos atentos de Aragorn e fui para meu quarto. Ali deitei e
me forcei a dormir.
218
No meio da madrugada acordei chorando por algum mau sonho que tive, mas
não me lembrava. Um soluço e uma solidão cruel inflamaram meu peito. Tentei me conter ali
deitada , mas a dor era muito forte. E estava com medo de continuar sozinha.
Me levantei da cama e andei até a porta do quarto de Aragorn que estava
fechada. Girei o trinco e estava destrancada. Entrei silenciosamente em seu quarto e o observei
dormindo. Aragorn estava dormindo tranquilamente com o rosto sereno de sempre.
Tentando não fazer muito movimento na cama cheguei o mais perto dele
possível sem despertá-lo, mas ele abriu os olhos, como sempre.
- O que foi Melissa? – perguntou sonolento.
- Quando estava em casa e tinha um pesadelo, acordava assustada, eu corria
para o quarto do meu irmão para dormir com ele.
- E você teve um pesadelo?
- Você nunca mais cantou para mim.
- Desculpe, eu não ando com muita vontade de cantar ultimamente.
- Posso dormir aqui com você?
Ele suspirou fundo me olhando pensativo e após alguns segundos suspendeu sua
coberta para que eu entrasse debaixo. Disposto como sempre a cuidar de mim.
Me acomodei e ele fechou os olhos novamente.
Fiquei olhando seu rosto que era tão reconfortante pela serenidade que
transmitia, mas ainda estava me sentindo só.
Suavemente fui me chegando mais perto. Estava cismada em que ele me
repreendesse, mas estava precisando tanto daquela proximidade e de seu consolo que resolvi
ariscar e, como um animalzinho carente, recostei a cabeça em seu peito. Ele não pareceu
surpreso, nem hesitou a me dar o que eu precisava, como sempre. Delicadamente lançou seu
braço sobre mim e assim pude dormir protegida e segura.
De manhã estava sozinha na cama. Me levantei imaginando que Aragorn já
tivesse saído para seu encontro com Lariana. Mas para minha surpresa ele estava cozinhando.
Ele devia ter me achado deprimida demais para me deixar sozinha. E resolveu
ficar. E eu com certeza estava feliz com isso.
- Quer dar um mergulho? – Me convidou.
Fiquei feliz por ver nossa rotina voltando mesmo que fosse por um só dia.
- Mas você não vai se encontrar com Lariana?
- Você quer dizer, a cabelo de fogo? – Falou divertido.
Era de se esperar que ele tivesse lido meu pensamento. Mas ao invés de ficar
constrangida caí na risada.
- Como você pode pensar uma coisa dessas dela? – Me repreendeu, mas o tom
da sua voz me mostrava que ele não estava se importando nenhum pouco.
219
- Desculpe. Eu não queria ofendê-la.
- Como você passou a ser tão possessiva?
- Acho que foi depois de tirarem de mim as coisas e as pessoas que eu mais
amava. – falei deprimida.
- Ninguém me tirou de você.
- Ela tirou. Você agora só vive lá passeando pra cima e para baixo com Lariana.
- Eu não estava com ela. Na verdade nem a vi durante esses dias.
- Mas você falou que...
- Eu só falei aquilo porque você estava me dando nos nervos dizendo que não se
importava.
- Mas eu vi vocês de mãos dadas aquele dia na casa de Erzoul.
- Ela é minha amiga.
- Mas ela é apaixonada por você.
- E isso faz diferença? Você me considera seu amigo e confia em mim mesmo
sabendo o que sinto por você.
- É diferente. Nós nunca ficamos juntos de fato, mas vocês sim.
- Isso não muda nada.
- Não muda pra você. – Falei ranzinza.
- E muda para quem então? Muda pra você o fato de eu ter ficado com ela ou
não?
Me calei. Não queria uma discussão agora. Eu sabia que ele queria mexer com
meus sentimentos e me provar que eu gostava dele mais do que achava.
- Então se você não estava com ela o que estava fazendo?
- Naquele dia na casa de Erzoul Lariana veio me contar que alguns amigos meus
que também tinham desertado do exército de Cordomad estavam precisando de ajuda para se
esconderem, então me propus a ajudá-los a encontrar lugares seguros assim como minha ilha.
- E conseguiu?
- Consegui. Hoje eu iria fechar o último negócio, mas você estava muito triste,
então preferi te fazer companhia já que não poderia te levar.
- E como eles farão agora? Você precisa ir até lá.
- Levantei mais cedo e fui de encontro a eles para lhes dar o dinheiro que eles
precisavam. Eles mesmos fecharam o negócio.
- Você pagou para eles?
- Eles não tinham dinheiro e o que Ernest me deixou, é o suficiente para
comprar metade de Andaluz. Eu não preciso desse dinheiro todo.
- Então você é rico?
220
- Graças a Ernest. E eu sempre fiquei pensando o que eu poderia fazer com isso
tudo. É bom poder ajudar os amigos.
- Estou orgulhosa de você.
Falei com sinceridade era bom conhecer esse lado dele e eu também estava
intimamente e secretamente feliz por descobrir que ele não estava com Lariana.
Tomamos nosso café que ele havia preparado.
Por todo o dia Aragorn foi bem atencioso, um bom amigo. E fizemos tudo que
nos deu tempo para fazer naquela ilha cheia de atrativos. A noite tive outro pesadelo sem me
lembrar do que se tratava e corri para cama de Aragorn novamente.
Por mais de uma semana, todas as noites eu acordava chorando sem me lembrar
de nada do meu sonho. Nem Aragorn que podia ver em minha mente conseguia achar em meu
subconsciente o que estava me assombrando toda a noite. Algumas delas eu soluçava a noite
inteira envolvida nos braços de meu amigo sem conseguir dormir, numa tristeza tão profunda
sem saber o que causara.
Aragorn sempre me consolava. Não imaginava de onde ele tirava tanta
paciência comigo. Por várias vezes ele passava a noite sem dormir conversando, tentando me
fazer esquecer o que estava sentindo. Eu sabia que ele estava com sono, e por passar o dia
inteiro comigo ainda não sabia como ele encontrava assunto para me distrair, mas ele nunca,
nem por um segundo parecia estar cansado de mim ou sem vontade de me fazer companhia,
ainda que fosse pela noite inteira. Eu sabia que não podia ter encontrado alguém melhor que ele
nesta fase da minha vida.
Numa daquelas manhãs em que eu acordara angustiada, um desespero me
tomou. Sem saber o que era e o porquê, eu sentia que não dava mais para esperar, não dava mais
para eu ficar ali, mesmo que estivesse segura.
Meses se passaram desde que a primeira vez que eu tinha colocado os pés nessa
dimensão. E tantas coisas aconteceram e nenhuma delas saiu como eu tinha esperado. Ernest
estava morto e Jeziel também. E eu ainda estava ali e não devia ser por nada. Eu queria que o
que tivesse que acontecer comigo acontecesse logo. Eu queria poder voltar para casa. Ou dar
logo um fim nisso tudo.
Minha mãe e meu irmão ainda esperavam por mim, eu tinha que voltar, mas
sabia que se eu fosse embora Raika iria atrás de mim e poderia prejudicar minha família para
conseguir o que queria.
Se realmente a entrega da coroa a fizesse me deixar em paz eu faria. Juro que a
entregaria a ela, mas Ernest tinha razão e Aragorn também. Assim que ela colocasse as mãos na
coroa ela acabaria comigo. Não que a morte agora não fosse bem vinda, mas eu não descansaria
sabendo que dei a ela o que Leo morreu para evitar. Era hora de eu colocar meus planos em
221
prática e ir atrás de meu pai. A tantos meses reclusa na ilha, com medo de Raika, Cordomad e
seus soldados. Não estava certo. Eu tinha que continuar minha jornada.
- Preciso ir a montanha Mayata. – Falei a Aragorn quando o encontrei saindo do
mar.
Ele me olhou surpreso. Pelo tempo que estávamos ali e como eu nunca mais
tocara no assunto ele devia ter pensado que eu havia desistido dos meus planos.
- Esquece isso Melissa. Você jamais derrotara Cordomad. – Ele passou por mim
sacudindo os cabelos molhados.
- Eu tenho que tentar.
- Não. Você não tem. – Olhou para mim exasperado - Você pode voltar para sua
casa ou ficar aqui na ilha. Você tem opções Melissa. Não precisa acabar com sua vida.
- Se eu voltar para casa, eles irão atrás de mim. E se eu ficar aqui em sua ilha
me tornarei uma prisioneira deles assim mesmo, pois não poderei sequer dar um passeio fora
daqui.
- Mas você estará segura, viva, e comigo.
- Não posso. Eu preciso partir.
Ele ajeitou os cabelos molhados com a mão. Impaciente.
- Vem comigo?! – Clamei.
- Eu não vou ver você se matando Melissa. Você não tem idéia do que
Cordomad é capaz.
- Mas você tem, e pode me ajudar.
- Não Melissa. Minha opinião não mudou.
- Então cumpra o que me prometeu. Leve-me até a montanha e me atravesse
pelo portal e então você pode ficar livre de mim pra sempre. – falei nervosa.
- Pense bem Melissa, pode ser um caminho sem volta.
Havia dor em seus olhos, mas ele sabia que eu não voltaria atrás.
Olhei para ele triste por saber que não viria comigo, mas determinada a ir até o
fim dessa jornada.
Melancolicamente ele caminhou pelas areias sabendo que a hora da minha
partida havia chegado e ele não poderia fazer nada contra isso. Ele mesmo havia me dito que
quando eu resolvesse ir ele não me impediria.
Andamos de volta a casa e me preparei para partir. Aragorn me levaria através
de seu portal até a montanha Mayata e de lá usaria o portal que meu pai deixou com Thiouryna.
O que me aguardaria depois daquele portal é o que estava me causando um frio
na espinha. Eu não tinha idéia do que teria que enfrentar, e agora sozinha. Um mundo
222
desconhecido, não havia instrução nenhuma do que deveria fazer assim que atravessasse o
portal. Para que lado eu deveria ir ou quem procurar.
Aragorn me esperava na porta. Me olhando indescritivelmente. Se ele pudesse
me prender eu sei que faria isso. Mas ele sempre fazia o que eu pedia, ele respeitava minha
vontade. Por mais louca que parecesse.
Enquanto o vi parado na porta, algo invisível aconteceu, pois pude ver a
expressão de Aragorn mudar diante de meus olhos.
- O que foi? - Perguntei assustada. Ele ergueu a mão para que eu o esperasse.
Parecia estar ouvindo alguma coisa.
- O que? – Ele perguntou em voz alta, mas não falava comigo. Seus olhos
fitavam o vazio.
- Aragorn, esta acontecendo alguma coisa?
- Não estou entendendo. – Ele ainda falava em voz alta, mas não era comigo.
Fiquei parada olhando para ele e me pareceu que ele fazia esforço para se
comunicar com alguém.
- Sumiu. – Ele disse olhando para mim.
- O que sumiu?
- A voz... Tinha alguém tentando se comunicar comigo.
- E quem era?
- Não sei, era uma mulher e sua mente estava fraca e distante.
- O que ela disse?
- Ela disse o meu nome e o seu... alguma coisa sobre a coroa e o castelo e... –
Parecia haver mais coisas. Ele não disse. - Não consegui captar direito. Me pareceu que ela
estava sofrendo e fazendo muito esforço para falar comigo. De repente sua voz sumiu.
- O que pode ser?
Aragorn ficou pensativo por um tempo.
- Vamos embora.
- E a voz?- perguntei.
- Deixa para lá, pode ser uma armadilha. Não vou arriscar.
- Arriscar a que? – Ele estava se esquivando.
- Já disse, não deu para entender direito. – Ele desconversou – Vamos nos
apressar. Quero te fazer atravessar o portal o mais rápido possível.
De frente ao mar Aragorn lançou sua pedra verde ao solo e ela se despedaçou
em milhares de partículas de poeira a nossa frente. Aragorn estava preocupado e desembainhou
sua espada antes de segurar minha mão para atravessarmos. Por instinto segurei meu bastão na
outra mão e seguimos através do portal de poeira brilhante, passando da ilha Marfim para a
montanha Mayata.
223
Do outro lado as partículas iam se ajuntando novamente no formato da pedra
verde quadrada para as mãos de Aragorn.
Capítulo 19
Tivemos que andar um pouco para chegar ao topo e por todo o caminho
Aragorn andava ao meu lado em silêncio. Eu não podia ler seus pensamentos, mas podia ler em
seus olhos que ele me pedia desesperadamente que eu desistisse disso tudo. Eu não podia.
No topo observei toda Andaluz.
- Chegou a hora. – Falei olhando para os olhos dourados do meu amigo para
confiná-lo a memória. Talvez jamais veria aqueles olhos novamente. Ele parecia olhar para mim
da mesma maneira.
Cheguei até ele o abraçando em despedida e Aragorn me abraçou tão firme que
percebi que se ele pudesse jamais me soltaria novamente.
O dia tão temido por mim havia chegado. Eu teria que me despedir de Aragorn.
Teríamos que dizer adeus e seguirmos nossos destinos. Envolvida em seu abraço não pude
deixar de pensar no que seria de mim sem sua serenidade para me confortar, sem sua paciência
para aguentar minhas crises, sem seu sorriso pra me deixar segura, sem seu olhar compreensivo,
sem seu carinho, sem seu amor que me fazia tão bem. Sem Aragorn o que seria de mim?
Eu não queria soltá-lo. Delicadamente ele se afastou de meu abraço me olhando
ternamente. Ajeitou minha franja, coisa que ele fazia sempre que queria me dizer algo mais não
falava. Mas não precisava, o gesto de carinho dele sempre me falava o que eu já sabia e ele
evitava me falar para não me constranger. Que ele me amava.
Nos afastamos mais um pouco para nos posicionarmos para abrir o portal.
De repente uma nuvem densa e negra surgiu do nada em espiral. Ela se
aproximava. Girei o bastão me defendendo mais não havia nada para acertar. Era só fumaça.
Um círculo negro se formou ao redor de nós.
- Fica perto de mim – Aragorn bradou encostando suas costas na minha. – Eu
conheço isso. Pegue a chave do portal que seu pai lhe deu Melissa, agora. – Ele falava com tanta
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urgência que automaticamente desci a mochila das costas e apanhei as pedras. A coroa na pressa
caiu ao chão. Ao vê-la Aragorn pegou-a do chão e estendendo-a para mim e bradou.
- Coloque-a, você vai precisar dela agora. - Obedeci – Abra o portal Melissa -
Ele estava preocupado.
Outras nuvens negras e densas surgiram ao redor da nuvem de fumaça que nos
circulava e capas foram se formando daquelas nuvens e rostos amedrontadores apareceram nos
encarando ao redor do círculo.
- Melissa abra o portal agora e vá! – Ele gritou.
Uma voz surgiu no meio do círculo bem próximo a nós.
- É sempre bom esperar e jamais desistir.
Um homem surgiu de repente com um sorriso deslumbrante no rosto, ele era
jovem e muito bonito... Não na verdade foi o homem mais belo que vi em toda Andaluz. Havia
sobre ele uma capa vermelha em detalhes dourados, uma camisa preta que deixava seu peito
musculoso nu. Seu rosto devia ter sido esculpido a mão de tão perfeito e seus olhos radiantes
num brilho azul de tirar o fôlego. Aragorn era bonito, mas a beleza daquele desconhecido era
sobrenatural.
Perdi todo o medo ao ver aquele homem. Na verdade fiquei extasiada com sua
presença.
- Cordomad?! – A voz de Aragorn saiu surpresa. Mas não com tanta surpresa
quanto a minha.
- Ele é Cordomad?! – Olhava para ele sem querer acreditar que aquela
encarnação de Adônis era meu inimigo.
- Melissa... Que bom finalmente nos conhecermos. – A voz dele entrava em
meus ouvidos como música.
Ele era o pai de Raika, agora sabia de onde ela tinha puxado aquele jeitinho de
anjo sendo um demônio.
Cordomad andou alguns passos na minha direção e Aragorn saltou na minha
frente a me proteger.
- Afaste-se dela. – Aragorn falou ferozmente entre dentes.
- Aragorn... Meu mais excelente soldado. Desertor... O que fiz para você me
abandonar desse jeito? Você tinha um grande futuro em nosso exército.
- Para ter um futuro você tinha que destruir meu passado e acabar com toda a
minha família?!
- Sua família... Aquilo não foi pessoal Aragorn. Eles estavam contra nosso reino
e minha obrigação é defendê-lo. Como a sua também. Mas se esta chateado por sua família,
você pode construir uma. Saiba que minha filha gostou muito de você quando te conheceu.
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- Não seja ridículo. Jamais me associaria com sua família muito menos com
aquela bruxa da Raika.
- Ah... Não fale assim, você nem a conhece direito. Ela pode ser bem amável
quando quer. É difícil resistir aos encantos de nossa família. Não é mesmo Melissa?
Ele abriu um sorriso para mim me fazendo balançar nas bases.
- Não faça isso com ela. – Aragorn bloqueou meu olhar do de Cordomad. –
Melissa, concentre-se, ele esta tentando te dominar. Use a coroa.
- Ah... A coroa, um objeto tão pequeno e causador de tantos males. - Cordomad
falou.
Me concentrei na coroa bloqueando com mais eficácia a minha mente dos
sortilégios de Cordomad.
- Porque não acabamos com isso logo. Melissa me da a coroa e deixo vocês
partirem.
- Eu vou é acabar com você! – Gritei num tom acima da minha voz e com a
sede de vingança correndo em minhas veias.
- Temperamental... É isso que dá andar em más companhias. – Ele sorriu
olhando para Aragorn – O que aconteceu com aquela menina inocente e sensível que Raika me
mostrou? Uma das coisas que eu mais gostei quando minha filha voltou para casa era de ler em
sua mente as lembranças que ela tinha de você. Tão meiga, tão bobinha, nunca pensei que
existisse realmente alguém assim. Agora te ver assim querendo demonstrar ira... É bonitinho.
Uma birrazinha.
- Você vai ver a birra assim que minha espada cortar seu pescoço. – bradei.
Com essa até Aragorn olhou para mim.
Cordomad deu uma gargalhada espontânea. Subestimando minha coragem e
força.
- Bom apesar de eu gostar muito do meu pescoço, posso deixar que você tente.
Ele andou mais alguns passos em minha direção com os braços estendidos como
se estivesse se rendendo. Eu larguei o bastão e a pedra do portal para desembainhar a espada nas
minhas costas. Segurei-a à minha frente com as duas mão e Cordomad parou bem diante de
mim.
- Vamos lá, pode tentar. – Desafiou.
Lembrei-me das aulas que tive com Aragorn e me lancei num golpe que seria
certeiro se ele não tivesse desviado. Em todos os golpes que usei, de todos ele desviou com
facilidade. Parecia uma sombra.
Eu estava irada, tinha que atingi-lo de qualquer forma. Busquei ajuda na coroa e
minha destreza com a espada automaticamente aumentou, mas era em vão, nem sua capa eu
conseguia tocar. Ele estava se divertindo as minhas custas. E numa explosão de ódio avancei
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para cima dele com toda minha força. Ele segurou minha mão que estava com a espada
erguendo-a para cima fazendo-me aproximar dele a ponto de sentir sua respiração.
– Você fica linda quando esta nervosa – Falou sussurrando em meu ouvido.
Com o toque dele eu perdi o foco e a raiva. Seu toque era excitante e vicioso. Nunca tinha
sentido nada igual.
Sua mão desceu a minha com a espada e colocou encostada na pele de seu
pescoço. Ele mantinha um sorriso malicioso nos lábios e olhando fixo em meus olhos deslizou o
fio da espada em si mesmo. Eu podia sentir sua carne se abrindo pelo corte e olhei incrédula
para seu pescoço. Por onde a espada passava abrindo o corte, no mesmo instante ele se fechava
milagrosamente sem correr uma gota de sangue. Aquilo foi a coisa mais pavorosa que já tinha
visto. Quando a espada acabou de percorrer seu pescoço, ele me olhou satisfeito deixando
minha mão descer.
Assustada dei alguns passos para trás.
– Fica bonita também quando esta assustada. E só para constar. Sua vingança
não vai funcionar contra nenhum de nós, nem Raika nem minha linda esposa Erkas podem ser
feridas por vocês.
Eu fiquei paralisada.
- Bem, como você vê não é tão fácil nos matar. Já no seu caso... – Ele puxou
uma adaga por debaixo de sua capa.
Aragorn correu se jogando entre mim e ele me empurrando contra o chão. Eu
caí bem do lado de meu bastão.
– Deixe-a em paz. – Ele gritou para Cordomad.
Peguei as pedras do portal numa mão e o bastão na outra me pus de pé a tempo
de ver Cordomad cravar a adaga em Aragorn que soltou sua espada e caiu de joelhos no chão.
- Não! - Um grito apavorado surgiu na minha garganta. Corri até Aragorn não
me importando com Cordomad ali tão perto.
Abracei Aragorn tentando sustentar seu corpo que perdia as forças e se lançava
ao chão.
- Prendam-na - Ele falava limpando a adaga na orla da sua capa- Mas não a
machuquem, quero ter uma conversinha particular antes de acabar com tudo. Ela é bem bonita.
– Cordomad lançou a palavra com um sorriso malicioso para aqueles homens de rostos
assustadores que nos cercavam e eles vieram para cima de mim.
Levantei-me com meu bastão me defendendo como podia de cada um deles.
Aragorn estava agora caído ao chão, mas ainda percebi quando ele pegou a chave do portal de
meu pai e estendia a mão, num segundo de folga pude ir até ele.
- Aperte ele contra seu peito na altura do coração – Ele falou com dificuldade –
Ele levara você...
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Antes dele terminar tive que me por de pé para me defender de outros que
tentavam me agarrar.
Aragorn juntou forças se sustentando em sua espada e se colocou de pé lutando
ao meu lado. Ele estava muito fraco mais queria me dar tempo para poder acionar o portal.
- Vá agora! - Ele me entregou a pedra se colocando entre mim e os soldados de
Cordomad. Então percebi o que ele estava fazendo. Ele queria que eu passasse sozinha pelo
portal e o deixasse ali para morrer nas mãos dos Drevors.
- Eu não vou sem você! – Gritei - Como abro esse portal para nós dois?
- Eles irão atrás de você se o abrir de outra forma. – Ele gritava enquanto lutava
com um soldado duas vezes maior que ele. - Vá agora Melissa!
Cordomad havia sumido, com certeza confiou que seus soldados acabariam o
serviço.
O grandalhão que lutava com Aragorn o jogou no chão e ergueu sua espada para
lhe dar o golpe final. Eu não poderia permitir aquilo. Num salto me lancei com o bastão a toda
força posicionado a altura do queixo do gigantesco soldado o fazendo cambalear para trás.
Foi questão de segundos, peguei a pedra e coloquei na altura do meu coração.
Enquanto o homem tentava se recuperar corri até Aragorn e pulei sobre seu corpo. A pedra se
espatifou entre meu peito e o dele numa grande explosão fazendo que todos ao nosso redor
fossem lançados a metros de nós.
Tudo ficou negro de repente e quando a escuridão se foi estávamos deitados
sobre uma relva fina e longe da montanha. O portal havia nos transportado em segurança para o
outro lado.
Rolei de cima do corpo de Aragorn e vi todo o sangue que corria de seu
ferimento.
- Aragorn fala comigo! – Falei angustiada.
Ele gemeu baixinho.
- Não morra, não me deixe.
Ele abriu seus olhos de ouro com dificuldade e tentou esboçar um sorriso.
- Você é muito teimosa. Porque não me obedeceu?
- Eu não ia deixar você lá.
- Não vai fazer diferença. Eu vou...
O interrompi antes de ouvi-lo terminar sua frase.
- Não se atreva a morrer. Você é a primeira vida que salvei. Vou acabar tendo
que fazer terapia por sua causa.
Ele achou graça mais a dor não deixou que ele risse.
Seus olhos foram se fechando devagar e senti que ele estava partindo.
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- Não Aragorn... Por favor – Eu estava desesperada, as lágrimas inundaram
meus olhos – Fica comigo.
- Tudo que eu queria era ficar com você. – falou com voz fraca e arrastada.
- Aragorn... - Eu coloquei sua cabeça sobre minhas pernas dobradas. E um
choro compulsivo desencadeou no meu peito. Ele iria morrer por minha causa.
Ele não me respondia. Sua pele estava ficando fria e sem cor
- Não morra, não morra... Não...
Tocando em seu rosto tive a impressão que ele estava começando a sumir das
minhas mãos. Sua pele estava ficando instável. Ele estaria esvanecendo em minhas mãos?
- Não Aragorn, não faça isso comigo.
E ele ficou inconsciente.
Eu ainda estava com a coroa e não sabia o que fazer. Lembrei de quando Ernest
apareceu quase morto na porta da minha casa e usei o poder da coroa para dar força a ele. Me
concentrei em dar força para Aragorn e que sua ferida fosse curada. Percebi o brilho que a coroa
começou a emanar mais ainda assim Aragorn não reagia. Uma forma de vapor gelado começou
a subir da pele de Aragorn e eu me desesperei mais. Me lembrando do dia que vi Ernest morto
se esvanecendo diante dos meus olhos.
Me concentrei mais no poder da coroa. Essa coroa idiota teria que fazer alguma
coisa que prestasse.
Dentro do meu peito um calor irradiou e o brilho azul que a muito estava
adormecido, rompeu minha pele envolvendo Aragorn se misturando com o brilho da coroa.
Aquela luz que eu nunca tinha visto tão radiante, foi envolvendo Aragorn por inteiro e abafando
o frio e o vapor que vinha dele. A pele dele em minhas mãos ainda estava inconsistente, mas aos
poucos voltou a ter textura que eu já conhecia e o vapor frio desapareceu. Ele ainda estava
inconsciente, mas já respirava, e percebi que de alguma forma meu brilho e o da coroa,
conseguiram impedir que Aragorn me deixasse sozinha nesta dimensão.
Mas ele ainda não estava bem, não respondia aos meus estímulos nem aos meus
chamados e eu começava a me desesperar e me perguntar o que eu poderia fazer. Estava difícil
pensar em algo. Minha cabeça estava meio zonza. Usar dos meus poderes em conjunto com a
coroa acabou minando minha já tão escassa força. Me senti tão fraca que a luz, minha luz,
retrocedeu de uma forma que me causou dor. Só a coroa ainda brilhava.
Fiquei ali com a cabeça de Aragorn em meu colo tentando descobrir o que eu
devia fazer agora.
Aragorn, meu protetor, meu amigo estava ferido e ainda sangrando. Eu
acariciava seu rosto me esforçando para não deixar as lágrimas caírem. Não era hora de choro.
Eu tinha que abandonar o desespero e ter alguma idéia de como ajudar Aragorn.
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Depois de algum tempo, Aragorn ainda fraco finalmente abriu seus olhos para
mim. Ele não conseguiu dizer uma palavra, mas me alegrei em ver que o ouro de seus olhos
ainda estava ali. Pra mim.
E quando depois de todo aquele episódio desesperador, senti o mínimo de paz
por ver que Aragorn não iria morrer, uma voz grave soou atrás de mim.
- Melissa?!
Me levantei num salto segurando meu bastão para defender a mim e a Aragorn
de mais uma investida de Cordomad. Isso não iria acabar nunca? Mas quando olhei o rosto de
quem me chamava o reconheci de imediato. Era o rosto que eu estava acostumada a ver
espalhado em porta-retratos por toda a minha casa. O rosto de meu pai.
Ele me olhou surpreso e seus olhos cintilavam de alegria.
- Estávamos te esperando! – Ele disse com um sorriso nos lábios que me
lembrou o de Biel.
Olhei por cima do ombro dele e um exército com centenas de homens e
mulheres armados vinham marchando silenciosamente descendo uma colina.
General Euri olhou para Aragorn caído na relva.
E rapidamente se agachou ao lado dele.
- Jeziel?... – Ele não devia conhecê-lo depois de tantos anos.
- Não, esse é Aragorn – Esclareci – Cuide dele, por favor, ele esta muito ferido.
O general fez um sinal com a mão e dois homens idênticos vieram apanhar
Aragorn.
- E onde esta o príncipe Jeziel? – Ele perguntou confuso.
Eu tive que engolir um nó que se formou em minha garganta antes de
responder.
- Morto – Ele estava morto.
Alguns homens colocaram Aragorn sobre uma maca e o levaram. Agora eu
poderia ficar despreocupada. Aragorn receberia socorro e ficaria bem.
Enquanto eles se afastavam levando a maca nos braços, Aragorn ainda deu uma
última olhada em mim, para como sempre, saber se comigo estava tudo bem. Forcei meu
tradicional sorriso para que ele ficasse descansado, mas quando eles sumiram das minhas vistas
olhei novamente para o rosto do retrato que tinha ganhado vida a minha frente.
Ele me olhou numa mistura de prazer e incredulidade.
- Eu não entendi direito Melissa, você disse que o príncipe Jeziel esta...
- Sim... - o interrompi - Foi o que eu disse. O príncipe Jeziel esta... Meu Leo
esta morto.
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Dizer aquelas palavras foi como ouvi-las a primeira vez novamente. Uma
lágrima rolou por meu rosto e a dor voltou a rasgar meu peito. Um soluço subia pela minha
garganta e a tristeza me fez fechar os olhos. Braços me envolveram confortadoramente, e por
mais que eu estivesse achando estranho ser abraçada por um homem que só tinha visto em fotos,
me senti acalentada e protegida.
- Minha filhinha... minha princesinha. – Ele falou me envolvendo mais em seus
braços.
Chorei até minhas forças se exaurirem e emocionalmente derrotada,
completamente fraca por ter usado tudo que podia para salvar Aragorn, meu corpo e minha
mente não agüentaram e eu desmaiei.
Capítulo 20
No meio da noite acordei rodeada por almofadas numa cama larga e macia.
Me levantei e andei por aquele quarto cheio de coisas belíssimas. Uma foto de
minha família com o general Euri me segurando no braço ainda bebê. Colocada num porta-
retratos sobre uma cômoda que abri e estava repleta de roupas aparentemente no meu tamanho.
Abri uma porta a minha esquerda e era um closet com roupas e vestidos de
todas as cores todas pereciam ser exatamente do meu número. Aquilo era muito estranho.
Abri a porta do quarto e saí por um corredor com piso em taboa corrida as
paredes também eram em madeira, mas brilhavam tanto quanto um espelho, que me levou a
uma sala ampla com vários moveis e objetos de decoração, e ainda havia fotos da minha família
sobre um aparador de cristal. Aquilo ficava cada momento mais estranho e eu me sentia bem
estranha naquele lugar. Quando cheguei ao segundo ambiente da sala onde o general Euri estava
sentado numa grande poltrona, ele me recebeu com um sorriso. - Caramba... ele sorri igual a
Biel.
- Espero que tenha descansado bem. – Ele falou assim que notou minha
presença. – E espero que tenha gostado do seu quarto. Eu o preparei para você assim que
cheguei aqui.
Não sabia o que dizer. Aquilo tudo era muito estranho. Eu estava de frente ao
meu pai, que eu nem conhecia. O rosto dele era tão familiar, mesmo assim ele era um completo
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estranho. E me falava com tanta naturalidade que me chocou. Como se tivesse passado a vida
inteira ao meu lado.
- General Euri?! – Falei quase que para confirmar que ele era real.
Não sabia bem o porquê, mas todo aquele cenário não estava me fazendo bem.
- Sim minha filha, sou eu mesmo. E estou feliz que tenha chegado. Por muitos
anos espero sua vinda, agora só falta seu irmão e Eliana que em breve estará conosco aqui.
- O que te faz pensar que eles virão ate aqui?! – Falei exacerbada. Realmente eu
não estava me sentindo no meu normal. Ele respirou fundo me olhando. – Você acha que estou
feliz de estar aqui? Eu só vim por causa de Leo, só por ele... Não é por causa desse mundinho
tosco, nem desse exército de covardes, nem por sua causa. Eu vim por causa dele... E já que não
tenho mais motivos para estar aqui vou embora para minha casa e para minha família antes que
mais alguém saia ferido. – Eu estava completamente estressada, emocionalmente abalada e iria
com certeza descontar minha raiva nele.
- Você não pode ir embora. – Ele falou surpreso.
- Posso e vou. Eu ainda tinha a esperança de poder vingar a morte de Leo, e
estava disposta a dar minha vida nessa causa, mais adivinhe... Encontrei com seu arque inimigo
Cordomad e fiquei sabendo que ele não morre. Não posso matá-lo, você não pode, ninguém
pode. Como derrotar um homem que não morre?
- Ele morre sim. A sua alma e de Raika e de Erkas estão presas numa esfera
negra protegida por feitiço. Destruindo a esfera destruímos Cordomad e toda sua tirania.
Me lembrei da esfera que havia visto em visão.
- Só que esta esfera esta num lugar sem portas, sem janelas, protegida por uma
força maligna e pela própria bruxa.
- Você a viu?! – Ele falou espantado.
- Sim, num sonho.
Ele abriu um sorriso.
- Se você a viu é capaz de chegar até ela.
- Como assim?
- Se você entrou lá em visão mesmo que através de um sonho é sinal que existe
um portal para se entrar na sala das almas. Assim podemos destruir todos eles.
- Você só deve estar brincando. Acha mesmo que eu vou lutar por essa sua
causa perdida?
- Foi para isso que você nasceu Melissa. Por essa causa.
- Não. Esta enganado. A sua profecia é uma furada. Nada aconteceu até agora.
Onde esta a estória de que Jeziel lutaria comigo lado a lado?
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Esperei para ver o que ele responderia. Como ele permaneceu calado eu
continuei.
- Ele esta morto general. E eu... vou para casa.
- Reconheço que algo saiu errado. - se pronunciou finalmente - Mas você ainda
esta aqui, não esta? Sinal que ainda há coisas a se fazer.
- Não graças a você. Nem ao seu exército. Onde vocês estavam todas as vezes
que Cordomad me atacou? Onde vocês estavam quando Ernest foi morto para me defender?
Vocês estavam aqui protegidos e descansados enquanto eu e Aragorn corríamos todos os
perigos. Eu não sei nem o que estou fazendo aqui. Eu devia ter ido direto para casa.
- Melissa, os passos que você trilhou para chegar até aqui, tinham que ser feitos
por você somente. Eu não poderia interferir em seu destino.
- Que filosofia bonitinha, só que eu quase morri por causa disso. Ernest e Leo
morreram por causa disso. E Aragorn quase... – Me preocupei com ele e esqueci de todo o resto
– Onde esta Aragorn?
- Ele esta bem, esta descansando agora. Sua ferida foi muito profunda. Não era
para ele estar vivo. Mas tem resistido fortemente.
- Quero vê-lo agora. Me leve até ele.
- Deixe-o descansar.
- Você vai me levar ou eu terei que encontrá-lo sozinha? – Falei rispidamente.
Ele caminhou até a porta e segui atrás dele.
- Você tem todo o direito de estar aborrecida comigo Melissa, eu sei como se
sente.
- Não! Não sabe não. – Recalcitrei secamente me virando com o dedo na cara
dele.
Ele passou a minha frente para não discutir e eu o segui pelas ruas.
Caminhamos pela frente de várias casas e por onde íamos às pessoas
cumprimentavam o general e me olhavam com curiosidade. Algumas curvavam suas cabeças
me reverenciando quando eu passava outras batiam suas mãos em punho sobre o peito.
- Eles estão te reverenciando como a futura rainha de Andaluz – Me explicou o
general Euri.
- Então é melhor você dar a boa notícia a eles de que devem procurar uma nova
rainha. Já que eu vou para minha casa. Assim que Aragorn estiver bem. O cargo esta a
disposição.
O general me olhou incrédulo.
Chegamos a uma casinha de madeira não tratada e entramos no cômodo onde
Aragorn estava deitado sobre uma cama improvisada sendo observado por dois jovens e uma
garota um pouco mais nova. Os jovens eram gêmeos idênticos, ambos com os cabelos ruivos no
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mesmo corte arrepiado e o mesmo tom de castanho claro nos olhos, os mesmos que socorreram
Aragorn mais cedo.
Ambos sorriram ao mesmo tempo quando me viram o que me pareceu estar
vendo o reflexo de um espelho. A garota era mais alta que eu. Seu cabelo curto também
arrepiado para todos os lados eram brancos com a raiz preta e seus olhos acompanhavam a cor
da ponta de seus cabelos.
Os três saudaram ao general Euri e me cumprimentaram com mais zelo do que o
necessário. Mas me estenderam a mão como no costume da minha dimensão. Quando eu olhei
admirada a reação deles um dos gêmeos se movimentou para o lado do general.
- Seu pai nos ensinou algumas coisas do seu mundo.
Não quis ser grosseira, mas não estava interessada em seus conhecimentos sobre
minha dimensão. Me aproximei de Aragorn agachando ao lado da sua cama improvisada. Sob o
olhar de todos coloquei a mão em sua testa percebendo que o frio em sua pele já estava quase
desaparecendo. Uma sensação de alívio por ele estar realmente se recuperando me deixou mais
calma. Lancei um braço por cima dele tentando abraçá-lo deitando minha cabeça sobre o peito
dele e vi o olhar de reprovação do general ao meu ato. Mas não dei a mínima, se ele gostou ou
não, se estava com ciúmes ou qualquer outra coisa, Aragorn era meu salvador, eu só estava viva
e livre das garras de Cordomad por causa dele. Ouvi Aragorn gemer baixinho.
- Aragorn?! – Falei seu nome um pouco alto demais e entusiasmada demais ao
vê-lo reagindo.
- Melissa... – Ele respondeu baixinho.
- Sim Aragorn, sou eu.
- Pode... por favor, não... me apertar tanto. você sempre me abraça forte de
mais. – Ele sussurrou segurando outro gemido provocando risos nos gêmeos.
- Me desculpe. – Retirei o braço de cima de seu corpo.
Ele abriu seus olhos de ouro para mim e tive a impressão que nunca fiquei tão
feliz em vê-los. Nem quando ele apareceu do nada me salvando dos soldados de Cordomad,
nem quando eu pensava que iria ter que fazer a viagem até a montanha Mayata sozinha e ele
apareceu no meio da noite na floresta escura. Ele esboçou um sorriso ainda meio fraco, e encheu
de alegria meu coração.
- Garota, garota. Você salvou minha vida, como posso te agradecer?
- Não precisa fazer nada. Só me prometa que não vai morrer nunca e estamos
quites.
Ele tentou sorrir se abraçando, percebi que ele estava sentindo dor.
- Vai ser meio difícil cumprir essa promessa se eu continuar andando com você.
- Esforce-se mais, já que não vai se livrar de mim tão fácil.
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- Bem que eu tenho tentado, não é? - Brincou - Realmente não é fácil me livrar
de você.
Sorri para ele condescendente.
General Euri fez um ruído limpando a garganta chamando nossa atenção.
- Fico feliz que esteja melhor. – Ele falou formal de mais se dirigindo a Aragorn
– e agradeço por ter trago minha filha sã e salva até aqui.
- Eu que agradeço os seus cuidados senhor. – Aragorn respondeu no mesmo tom
de formalidade.
- Melissa você já viu como ele esta, agora é melhor voltarmos para casa e deixar
que ele descanse.
Olhei para o general nervosa.
- Eu não vou a lugar nenhum. Ficarei aqui mesmo com Aragorn.
O queixo do general enrijeceu.
- Você não pode ficar aqui não tem como acomodá-la neste lugar.
- Este lugar é mais do que confortável. - Ele me olhou cético. - Desde que
cheguei a Andaluz tenho dormido em florestas, em cavernas, debaixo de tronco de árvores ao
redor de fogueiras, a beira de rios. Não acho que aqui seja pior que um desses lugares. Este
lugar é um hotel cinco estrelas.
- Melissa... – O general estava começando a ficar nervoso.
Dei um olhar debochado para ele. Os outros que estavam na sala olhavam
espantados para minha rebeldia. E daí?! Eu era a filha e adolescente, tinha todo o direito de ser
rebelde se quisesse. Era bom que o general soubesse que não iria ceder as ordens de um pai que
conheci hoje. Poucas horas de convívio não substitui dezoito anos de ausência.
- Vá com ele. – Aragorn falou num esforço – Olhei para ele contrariada por ele
não ficar do meu lado. – Vá – Ele estendeu a mão organizando minha franja na testa.
Olhei suplicante para ele. Eu não queria mesmo deixá-lo ali.
- Eu vou com você – Ele deu dois toques na minha testa. – Bem aqui.
Me levantei a contra gosto e saí pela porta sem me despedir de ninguém.
O general me alcançou. Senti que ele estava inquieto demais ao meu lado.
Talvez quisesse me dar uma bronca ou me por de castigo, mas ele não tinha autoridade sobre
mim para fazer algo assim. Um homem que comandava um exército com milhares de pessoas
não conseguira a submissão da própria filha? Isso era interessante.
Ele respirou fundo ao meu lado.
- Como estão sua mãe e seu irmão? – Ele tentava uma nova conversa para
manter um diálogo entre nós.
- Bem. – Respondi secamente.
- O que eles disseram quando você disse que viria para cá?
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- Eles não sabem que eu estou aqui.
- E eles pensam que você esta aonde? – Falou preocupado.
- Não faço a mínima idéia.
- Eles devem estar loucos atrás de você.
- Eles superam. Superaram a sua ausência... Superarão a minha.
- Então esse é o problema, esta com raiva de mim porque tive que deixar vocês?
- Não estou com raiva, nem te conheço para poder sentir raiva. – Minhas
palavras falavam uma coisa, mas minha voz demonstrava o contrário.
- Eu não tive escolha. Jamais teria abandonado vocês se houvesse outra
alternativa. Eu precisava proteger vocês. Principalmente você Melissa.
- Agora vai colocar a culpa em mim?! - Bradei parando no meio da rua deserta.
- Não é culpa sua, mas se eu não tivesse partido Cordomad teria te encontrado
muito antes. E quem sabe o que ele teria feito para conseguir a coroa? Ele poderia ter pego seu
irmão, sua mãe. Tê-los torturados para que entregássemos a ele o que ele queria.
Fechei a cara e continuei andando. Mas vendo-o colocar dessa maneira minha
ira diminuiu. Eu também faria qualquer coisa para manter minha família segura.
- Vamos deixar claro uma coisa – Falei rispidamente – Não adianta você vir
querer fazer papel de pai agora, porque eu não vou aceitar. Aprendi a sobreviver sem você,
cresci sem suas ordens e quero que continue assim.
- Eu sou seu pai Melissa, queira você ou não.
- Meu pai esta numa foto pendurada no quarto da minha mãe. Imóvel e bem na
dele. Esse é o único papel de pai que eu aceito.
- Melissa vá com calma – A voz de Aragorn soou em minha mente me fazendo
perder a concentração. – Não estrague tudo entre vocês por causa dessa sua cabeça dura.
Respirei fundo querendo me concentrar.
- Você costuma se intrometer nas conversas alheias? – Pensei irritada, mas
feliz por estar ouvindo ele.
- Não. Só nas suas.
- Eu não pensei que você fosse dessa maneira. - disse o general - Pensei que
tivesse herdado a doçura da sua mãe. – ele parecia bastante surpreso.
- E não era. Saiba que Andaluz tem o poder de mudar as pessoas. Espero não
estar decepcionando demais o papai.
Chegamos à porta da casa do general Euri.
- E eu espero ainda poder ganhar se não o seu amor, ao menos sua confiança. –
Ele falava segurando a maçaneta da porta.
- Só tem uma pessoa que eu confio em toda Andaluz, essa pessoa é Aragorn.
Ele me entende, me aceita do jeito que eu sou cheia de defeitos e fraquezas, não espera que eu
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seja a salvadora do mundo, e não me quer só para resolver seus problemas ou os de Andaluz.
Pelo contrário. Eu só trago problemas a ele e ele continua me ajudando.
- Você prefere confiar num estranho que em seu próprio pai?
- Ele não é um estranho. É meu amigo.
- Seu pai não gosta de mim – Aragorn falou. Já tinha me esquecido que ele
estava conectado comigo.
- Tudo bem Melissa, é melhor irmos dormir. Quem sabe seu humor estará
melhor pela manhã. - Ele abriu a porta da casa para mim e me dirigi pelo corredor para o quarto
que ele dizia ser meu.
Ao fechar a porta me deixei cair de costas sobre a cama estranhando o conforto
sentindo falta da floresta, das fogueiras da ilha...
- Aragorn?
- Estou aqui.
- Como pode estar em minha mente se a estou mantendo bloqueada?
- Há um caminho que você deixa aberto a mim enquanto fecha aos outros.
- Não sabia que algo assim fosse possível.
- Só quando se confia muito em alguém.
Fiquei admirada. Meu subconsciente sabia que podia confiar em Aragorn.
- Quer dizer que você tem livre acesso a minha cabeça agora?
- Não só agora. Desde que chegamos à ilha sua mente nunca mais se fechou a
mim. Mas se te incomoda eu posso...
- Não... – o interrompi - não me incomodo. Não tenho mais nada pra esconder
de você.
- Fico feliz por isso.
- Então porque só agora você entrou em minha mente?- perguntei curiosa.
- Acho que prefiro ouvir sua voz me contando as coisas... ver em seu rosto as
expressões que você faz.
-A minha cara de palhaça. - falei brincalhona colocando na mente a imagem de
um palhaço para ele entender do que eu falava.
Mas ele não estava brincando.
- Não garota. Você sabe que não.
Ele tinha razão. Eu sabia.
Senti que ele ficou descontente com minha brincadeira. Ele não gostava quando
minhas atitudes desmereciam o amor dele por mim. Eu sempre tentava levar na brincadeira seus
olhares e na amizade seus carinhos. Mas eu sabia que, mesmo depois de descobrir toda a
verdade através de Raika, em momento algum ele deixou de me amar. E me tratava como uma
amiga porque eu exigia isso dele. Ele respeitou minha fraqueza e meu luto, entendeu meus
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medos, preservou todo meu espaço e nunca me exigiu nada. E agora estava numa cama se
recuperando de uma quase morte por me salvar da adaga de Cordomad. Ele literalmente
entregou sua vida por mim naquele dia, e graças a Deus que não morreu. E uma prova de amor
dessas... um amor dessa magnitude tinha que ser respeitado.
- Me desculpe, eu só estava brincando.
Ele ficou em silêncio. Eu também.
Depois de um tempo tedioso olhando o céu através da janela, eu seria capaz de
dar qualquer coisa para estar bem longe dali.
Já tinha perdido as contas de quanto tempo estava fora de casa. Dez meses? Um
ano? Eu não sabia. Apesar dos dias aqui serem iguais, com noite e dia, as horas pareciam mais
longas, as semanas mais curtas e os meses não eram de 30 dias. Ainda não conseguia
cronometrar meu tempo passado em Andaluz, Mas a verdade é que parecia uma eternidade.
Principalmente naquele arraial.
- Aragorn?
- Melissa...
- Fica bom logo. Quero ir embora daqui. – Falei aborrecida.
- Descanse, se acalme, e depois decida o que quer fazer. Você nem mesmo sabe
o que quer. Uma hora quer ir, outra quer ficar e lutar. Descubra primeiro o que realmente quer
depois agente resolve isso. Agora durma.
- Não vou conseguir. Estou muito agitada. E você porque ainda não dormiu?
Precisa descansar mais do que eu.
- Estava pensando...
- Em que?
- Eu ouvi novamente aquela voz antes de você chegar aqui. Eu estava dormindo
e ouvi quando ela me chamou.
- Quem pode ser?
- Não faço a mínima idéia, mas ela parece me conhecer e muito bem.
- O que ela disse dessa vez?
- Você não vai gostar de ouvir
- Ela falou de mim?
- Sim, falou que eu não deveria deixá-la ir embora.
- O que?
- Não se preocupe com isso. Ainda acho que seja uma armadilha.
Dei um grande bocejo, estava sentindo meu corpo cansado e todo dolorido.
- Você precisa dormir. – Disse Aragorn também cansado.
- Não sei se conseguirei dormir, estou me sentindo estranha neste lugar.
- Posso cantar para você se quiser.
238
Me acomodei mais na cama. A música dele invadiu minha mente e acabei
adormecendo embalada por sua canção.
Durante os dias seguintes eu passava o dia com Aragorn na casa dos gêmeos, e
a noite estava na casa do general Euri. Ainda não tinha me acostumado com ele, e estava
realmente pensando em ir embora assim que Aragorn melhorasse.
A recuperação dele era lenta. Os gêmeos curandeiros não eram tão bons quanto
Erzoul e Aragorn sempre reclamava pelo general não deixar buscá-lo. O general alegava que o
arraial devia permanecer escondido do conhecimento de estranhos.
- Então garota, já decidiu o que vai realmente fazer? – Aragorn me perguntou
enquanto eu estava sentada na beirada da sua cama.
- Só sei que não vou lutar contra Cordomad. Você tinha razão. Ele é invencível.
- Seu pai vai ficar muito decepcionado quando contar isso a ele.
- Minha única preocupação é minha família. Meu irmão e minha mãe. Mas
como eu posso voltar pra casa? Se eu voltar, eles irão atrás de mim.
- Ninguém jamais te encontrara na ilha.
- Mas quanto tempo eu conseguiria ficar ali sem poder sair? Eles estarão sempre
me esperando.
- Podemos dar um jeito nisso.
- Eu não quero viver fugindo Aragorn, e nem vou privar você de ter sua
liberdade e se tornar um fugitivo comigo.
- Eu já sou um fugitivo Melissa. Sou um desertor lembra? Pelo menos terei
companhia. – Ele arrumou minha franja.
Olhei para ele com ternura. Era difícil ser indiferente ao seu jeito carinhoso.
Sempre atento, paciente, e me entendia. E estava disposto a tudo para me ver bem. E me
defendia de todos até do general que vivia forçando uma conversa de guerra comigo.
“Melissa não vai participar disso. Ponha seus soldadinhos para trabalhar.” –
Aragorn disse ao general quando ele queria preparar uma estratégia de invasão ao castelo atrás
da esfera que eu tinha visto. Evidentemente o general ficou roxo de raiva, mas não pode fazer
nada. O general sabia que Aragorn se levantaria contra seu exército inteiro se eles tentassem me
convencer ou me obrigar. E eu ficaria do lado dele.
Passar os dias no arraial estava se tornando cansativos pra mim. Não agüentava
mais a insistência do general em querem que eu treinasse junto de seus soldados, nem da chatice
dele exigindo que eu me dedicasse mais a desenvolver meus dons e aquela conversa de que eu
teria que assumir o trono de Andaluz mesmo sem Jeziel.
Ele afirmava que o que estava determinado a acontecer teria que acontecer
através de mim. Cordomad seria destruído e o reino voltaria aos seus tempos de glória de
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outrora. Ainda que Jeziel não existisse mais, a profecia ainda vivia em mim e nada iria impedir
seus desígnios.
- Você tem razão general. – falei fingindo estar convencida – porque a profecia
não se cumpriria? Afinal aquela que nasceu para ser a rainha de Andaluz esta aqui e viva! Sou
eu!
- Isso mesmo minha querida... – ele falou sentindo como se finalmente eu
tivesse aceitado meu destino. – e nós estamos aqui para te ajudar. Um exército inteiro para lutar
por você... preparado para te colocar no trono. – ele falou empolgado.
- É!- falei no mesmo tom de empolgação dele. - E sabe de uma coisa... toda
rainha tem que ter um rei. E agora que você me convenceu a ser a rainha de Andaluz, vou ver se
Aragorn aceita o cargo de rei de Andaluz ao meu lado. – falei só pra implicar e ver a cara de
espanto e as veias da testa dele latejar de tanta raiva.
O rosto dele mudou de cor, e eu segurei para não cair na gargalhada. Me virei e
saí pela porta rumo a me encontrar com Aragorn antes de ver o general ter um enfarto.
Ele estava louco se por um segundo acreditou realmente que eu iria cair na dele
de ser rainha e tudo mais. Agora eu só queria ficar em Andaluz, única e exclusivamente para
proteger minha família.
Eu teria que me esconder eternamente da família real, e aceitar que talvez nunca
mais visse mamãe e Biel. Teria que começar a pensar em uma outra vida pra mim. Uma vida
numa dimensão distante, mas que manteria os que amo a salvo.
- Quando você fica bom para gente ir embora daqui? Já estou sentindo falta dos
nossos mergulhos na praia. – perguntei a Aragorn sentada a beira de sua cama.
- Vai mesmo comigo para a ilha? – perguntou esperançoso.
- Me deixe pensar mais um pouco. – falei de repente insegura. Sabia o que isso
passaria a significar para mim e o que significava para Aragorn. Eu não poderia em hipótese
alguma magoá-lo novamente. Precisava ter certeza da decisão a tomar porque essa decisão
mudaria a vida de Aragorn, a minha e nossa relação definitivamente.
Sabendo o quanto ele me amava, não seria justo querer forçá-lo a conviver ao
meu lado como amigo, eu seria mais que cruel, seria desumana. Então nesses últimos dias
pensava muito em finalmente aceitar o amor que ele me dedicava. E ele sabia disso. Via em
minha mente, mas não comentava. Estava deixando que eu por mim mesma escolhesse o
destino de nós dois.
- O Tempo que você quiser. - Me falou amavelmente.
240
- Você sabe que eu só dou problemas. E as pessoas que andam comigo tendem
a sofrer atentados contra a própria vida. - Falei tentando fazer piada da situação, mas
infelizmente era verdade.
- Eu nunca planejei morrer de velho mesmo. – Brincou. – Pelo menos ao seu
lado não há monotonia.
Eu sorri.
- Agora eu tenho que ir. – Falei – O general fica possesso quando me atraso. Ele
morre de ciúmes por eu passar o dia com você.
- Você teve a quem puxar.
- Esta dizendo que eu sou ciumenta?
-Você é ciumenta. E possessiva. – Completou.
Fechei a cara.
- E você é chato!
Ele sorriu.
- Eu vou embora – Falei emburrada.
- E Birrenta. – Salientou.
Me levantei para sair. Realmente embirrada.
- Antes de ir embora, você pode pegar um copo de água para mim?
- Não. Pegue você. Se já esta forte o bastante para me encher a paciência...
- Pode deixar.
Ele virou a cabeça para um dos gêmeos que estava entretido em alguma espécie
de fórmula medicinal.
- Mako, você pode pedir a sua irmã para me trazer um copo d'água? E me fazer
uma massagem nos ombros também. Estou com um pouco de dor nas costas.
- Não precisa, eu pego seu copo d'água – Falei azeda.
Quando eu lhe entreguei o copo seus olhos dourados me olhavam divertido.
Aquele sorriso de anjo maroto nos lábios me fez perceber que ele estava me provocando.
Rosnei baixinho irritada.
- Você é insuportável.
- E você é ciumenta.
Saí pela porta marchando nervosa. Mas ele tinha razão, eu era mesmo ciumenta.
A convivência com o general não tinha melhorado em nada. Cada dia que eu
passava no arraial, era mais um dia para eu inventar uma forma de deixá-lo maluco apesar de
Aragorn tentar o tempo todo fazer com que eu fosse mais tolerante. O que me deixava mais
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brava já que ainda que o general não dissesse claramente, eu sabia que ele mal tolerava Aragorn
ali, muito menos próximo a mim, e a defesa de Aragorn ao general me deixava contrariada.
- Ele não tem que gostar de mim garota. - Aragorn tentava me convencer
durante um passeio que dávamos a beira da colina. - Fui inimigo dele por muito tempo. Você
entende isso? Ele não esta acostumado a confraternizar com o inimigo.
Não quero você se indispondo com seu pai por minha causa.
- Não é só por você e... sei lá, ainda não me acostumei com essa coisa de pai.
Ele quer controlar meus passos. Até quando estou com você.
- Ele só esta preocupado.
- Preocupado com o que?
- Preocupado em que haja algo entre nós além da amizade, ou que venha haver.
- Essa história de poderem ler os pensamentos um do outro é tão... chata. -
resmunguei. - E você não se aborrece com o que ele pensa de você?
- Ele não esta errado de tudo. Esta?
Parei e me virei para olhá-lo. Desde que chegamos a ilha ele não tinha mais tocado
no assunto de seus sentimentos por mim ainda que eu soubesse que ele ainda me amava. Ele
sempre dizia isso sem palavras quando ajeitava minha franja, mas principalmente depois que
chegamos ao arraial, ele parecia até que estava me vendo com outros olhos.
- Aragorn... eu...
- Só estou falando o que esta evidente para todo mundo Melissa, só você ainda
parece que não vê.
- O que você quer que eu veja Aragorn?
- Veja que eu te amo. E que sou capaz de fazer você feliz.
- O fato não é você me fazer feliz... é você ser feliz comigo. Não sei se eu seria
capaz de fazer isso por você.
- Porque você não deixa eu descobrir isso por mim mesmo. Porque eu ainda
penso que ficar longe de você é que vai me fazer infeliz.
- Não faça isso comigo Aragorn...
- Fazer o que? Te amar? Eu não sei como não te amar garota.
- E se eu te fizer sofrer?
- Você tem pensado muito em nós dois. E eu fiquei quieto até agora, mas eu
preciso que você saiba que nada mudou. Continuo te amando... te esperando. E continuarei aqui
até você se decidir.
Ele se aproximou. Estávamos no alto da colina e longe de tudo e de todos. E
Aragorn me olhava com a ternura e a paixão de sempre.
E ele é tão perfeito. Porque eu simplesmente não conseguia aceitar esse amor?...
porque eu simplesmente não abria a minha boca e dizia sim?
242
- Eu amo você Aragorn...
- Eu sei – ele segurou meu rosto. A emoção na voz dele quase me quebrou.
Coloquei minha mãos sobre a dele.
- Mas não como você gostaria.
- Eu também sei disso. - Ele colou sua testa na minha.
- Não posso simplesmente ficar com você sabendo o tanto que você me ama, e
o quanto não conseguirei corresponder.
- Do que você tem medo? - ele ergueu meu rosto para olhar para ele novamente.
- De te magoar mais uma vez.
- É esse seu medo?
- Aragorn... você merece ser feliz.
- Então me faça feliz! Garota... eu só vou ser feliz ao seu lado.
- Meu coração é...
- Eu sei – ele não deixou que eu terminasse – eu sei que seu coração esta ferido,
decepcionado... machucado. Mas se você deixar... se me der uma oportunidade... eu posso... eu
farei de tudo para curar seu coração.
- Eu...
- Melissa, eu penso que seu medo real, não é me fazer sofrer. Você sabe que ao
seu lado serei o homem mais feliz que já existiu. Seu medo é de abrir seu coração e deixar que
outro tome o lugar de Jeziel. Mas eu não quero o lugar dele garota, eu quero conquistar um
espaço meu aí dentro – ele pousou a mão sobre meu peito.
Me afastei e me virei de costas para ele.
- Eu tenho razão, não tenho? Mas Melissa – ele me segurou pelos ombros –
você o amou. Eu entendo isso. E se ele ainda estivesse aqui e viesse reivindicar seu amor e eu
sabendo que isso te faria feliz, eu juro que iria embora e deixaria você para ser feliz com ele.
Mas garota... ele se foi. Ele se foi e nada vai mudar isso. Eu sei da sua dor e respeito isso. Mas
eu... eu Melissa – ele me girou de frente a ele – Eu estou aqui pra você.
- Porque você me ama Aragorn? – perguntei angustiada. Precisava entender o
porque desse amor de Aragorn. Precisava entender o que fazia alguém como ele se apaixonar
por alguém como eu.
Ele sorriu e eu amei aquele sorriso de anjo.
- Porque você é a garota mais perfeitamente complicada que eu conheço.
Porque você é tão possessiva, e ciumenta, porque você é tão frágil e forte ao mesmo tempo,
porque você é mentirosa, teimosa e cheia de segredos, porque você é tão difícil de interpretar,
mesmo agora que posso ler seus pensamentos, porque você é tão cheia de manha e de vontades
e birrenta e porque você é a única garota que consegue me tirar do sério e...
243
- Espera aí... - protestei - isso não são qualidades que leva ninguém a amar outra
pessoa... - falei confusa.
- Eu não terminei. – ele disse com os olhos brilhando pra mim. - Esses são seus
defeitos e eu amo cada um deles. Mas te amo também porque você é carinhosa, meiga,
dependente de um abraço, e não tem medo de assumir seus medos e corre para meus braços
quando tem um pesadelo. E é tão sensível, e tem o sorriso mais perfeito que eu já vi, e sua pele
é tão quente e suave e de um perfume doce que me entorpece, e é valente e... tão linda e eu te
desejo tanto minha estrela, que sua ausência chega a doer. E seus lábios... eu preciso deles para
continuar a viver.
Ele passou a ponta de seus dedos em minha boca e se debruçou delicadamente e
me beijou com ternura e desejo.
Não consegui negar. Não depois de ouvir tudo isso.
Ele me amava tanto que a atmosfera ao nosso redor mudava quando ele me
falava do seu amor. Me envolvia e me encantava. E eu amava esse amor, mesmo que eu não
conseguisse corresponder a ele.
Quando ele se afastou de mim delicadamente, eu olhei para ele procurando em
mim um motivo para dizer não. Mas não encontrava. Mas ainda não conseguiria dizer sim. Não
hoje pelo menos.
- Eu espero – ele respondeu a meu pensamento. - Continuarei a ser seu amigo
até que você resolva dizer sim.
- Quanto tempo Aragorn?... quanto tempo ainda terá paciência comigo?
- Por toda minha vida.
- E se eu disser não, vai deixar de ser meu amigo?
- Você só me disse não até agora garota. Alguma vez te deixei na mão?
Não. Mesmo depois de saber a verdade, mesmo depois de ser torturado por
Raika, apunhalado por Cordomad, e estar sendo maltratado pelo general... Ele nunca me deixou.
Lancei meus braços ao redor de sua cintura e o espremi num abraço. Ele ainda
não estava recuperado e gemeu de dor. Eu afrouxei um pouco os braços, mas permanecia ali
colada a ele sentindo suas mãos passear em minhas costas e em meus cabelos.
Me fazia bem ficar perto dele. Me fazia bem seus braços e eu me sentia acolhida,
me sentia amada. E ali comecei a gostar da idéia de ter essa sensação boa pra sempre. De ter
seus braços pra sempre. Essa paz que mesmo em meio a essa guerra eu conseguia sentir emanar
dele. E eu precisava mesmo disso. De paz.
- Melissa! - ouvi a voz do general gritar meu nome me fazendo afastar de
Aragorn.
Ele estava com aquele olhar de repreensão que eu detestava.
- Pois não general? - falei mal humorada.
244
- Estava esperando em casa. Você demorou muito. Fiquei preocupado.
- Como vê, não há motivos para preocupação. Estou com Aragorn.
O olhar dele me dizia que era esta mesma a preocupação dele.
- Vamos para casa – ele disse autoritário.
- Sim eu vou, com Aragorn. - falei decidida.
- Ele precisa descansar e você vem comigo. - o general marchou até mim na
intenção de me pegar pelo braço.
Aragorn se posicionou a minha frente.
- Ela vai quando ela quiser ir. - Aragorn falou educadamente, mas senti o tom
mordaz em sua voz.
- Melissa, estou falando com você! - ele resmungou como um pai dominador.
- Eu acho que você ouviu o que Aragorn disse – falei arrogante e altiva sabendo
que Aragorn me defenderia dele se ele tentasse alguma coisa.
- Você não entende...
- Não entendo mesmo. Porque não posso ficar com meu amigo?!
Ele deu uma risadinha sínica como se não acreditasse na palavra amigo. Aquele
risinho me incomodou. E a Aragorn também.
- O que te aborrece general? Porque é tão difícil aceitar que fiquemos juntos? -
Aragorn perguntou como se não tivesse visto uma centena de vezes na mente do general a
resposta, já que o general fazia questão de deixar bem claro que não estava satisfeito com nossa
amizade.
- Minha filha não nasceu pra você. Ela nasceu para ser a rainha de Andaluz, e
você não a deixa aceitar isso.
- Eu? - Aragorn perguntou inocente.
- Olha aqui general! – eu falei pulando a frente de Aragorn que segurou minha
mão. - Eu não vou ser rainha de nada. É melhor se acostumar com isso e procurar outra pra
profecia. Eu tô fora.
- Você não vai conseguir fugir disso Melissa. É seu destino.
- Meu destino eu determino. - ralhei.
- Quanto tempo vai brincar com ele Melissa?! Uma hora... a qualquer momento o
que esta dentro de você vais explodir, e se você não estiver preparada, você não vai aguentar.
Será que você não percebe que eu só estou querendo te proteger?
- Opa! Esse cargo já é meu – disse Aragorn brincalhão.
O general o fuzilou com os olhos.
- Isso mesmo. - eu disse – Aragorn é o meu protetor.
Aborrecido o general se calou. Fuzilou mais um pouco Aragorn com o olhar se
virou nos calcanhares, visivelmente contrariado, e se foi.
245
- Ele não vai mesmo com a minha cara. - Aragorn falou. Mas dava pra ver
nitidamente em seu rosto que ele não se importava nem um pouco.
- Ele é tão irritante... - resmunguei.
- Mas em uma coisa ele tem razão.
- Em que?
- Seus dons. Você precisa aprender a usá-los. Você é como uma criança em
relação a eles, e esses poderes que há em nós, quando não os controlamos, eles nos controlam.
- Bobagem. E não me venha você também com essa história de me desenvolver.
Já me basta o general todo dia me enchendo.
- Vai ser bom pra você garota.
- Eu não preciso de dons. Na verdade não os quero. Tenho me virado muito bem
sem eles até agora.
- Não sei se você conseguira se livrar assim tão facilmente.
- Porque não?
- Tanto os meus dons, os seus, ou de qualquer pessoa em Andaluz, aparecem
naturalmente. Enquanto crescemos eles desenvolvem em nós e nos dão força. - ele caminhou e
se sentou numa pedra.
Eu o segui.
- Tá... mas isso acontece com as pessoas daqui. Eu nasci em outra dimensão. Se
lembra? As coisas são diferentes lá. E...
- E é exatamente isso que esta preocupando seu pai.
- Como assim?
- Ele não te disse, mas teme que seu corpo não suporte os poderes de Andaluz.
- Não suporte? Eu vou o que? Explodir?! - falei já angustiada. Me lembrando
muito bem das poucas vezes que meus dons se manifestavam, e que eu realmente perdia o
controle.E das vezes que Jeziel tinha que ministrar força em mim depois de um treino por me
sentir fraca.
- Ei... - ele tentou me acalmar – nada disso vai acontecer. - bateu com as mãos
sobre a grama para que eu me sentasse ao seu lado.
Me deixei cair ali calculando se isso seria possível. Algumas vezes eu senti
mesmo tanto poder, como no dia em que Raika foi a minha casa depois de eu e Jeziel
terminarmos, que pensei que fosse capaz de causar um cataclisma. Mas nada aconteceu. A não
ser toda minha força ir para o espaço e eu me sentir a ponto de desmaiar.
- Você não vai deixar isso acontecer... Não vai deixar eu explodir nem nada
disso, Aragorn. – pedi desesperada.
Ele riu.
246
- Que idéia. É claro que você não vai explodir. O universo já tem buracos negros
suficiente.
- O que?! - perguntei sem entender.
- É isso que acontecera se você explodir, minha estrela.
- Ah droga... você esta fazendo piadas com a minha eminente destruição. -
resmunguei.
Ele riu novamente, mas parou quando olhou para minha cara de desolada.
- Vamos fazer o seguinte. Eu prometo que não deixo você explodir, nem nada
disso. Vou ficar de olho em você.
Nos dias seguintes continuei, mesmo sob protesto do general, à acompanhar
Aragorn por pelos passeios pelo arraial. Ele ainda caminhava com dificuldade, mas já estava
ficando mais corado. Nossos passeios eram curtos para que ele não se cansasse demais. E me
lembrava do tempo em que andávamos pela floresta.
E eu sentia falta disso. Sentia falta, por incrível que podia parecer, da nossa vida
de jornada pelos lugares mais inóspitos e de difícil acesso de Andaluz. Sentia falta também da
tranqüilidade da ilha Marfim e de não ter olhos curiosos e ansiosos sobre mim o tempo todo. O
povo do arraial me olhava esperando algo. Eu sabia o que era, o mesmo que o general esperava
de mim. Que eu me tornasse sua rainha. Eu detestava isso.
Aragorn sabendo disso me conduzia sempre a lugares onde podíamos ficar
longe dos olhares ansiosos.
Nesse dia em especial, em que eu sentia falta de muita coisa, sentia falta
também da minha mãe e do meu irmão. E meu coração se apertou ao pensar em como eles
deviam estar preocupados sem noticias minhas e que provavelmente, jamais teriam novamente.
Eu, assim como o general, não poderia entrar em contatos com eles, para sua própria segurança.
Aragorn cansado se sentou recostado no tronco de uma árvore. E eu, que só
tinha ele como refugio e apoio, deitei com a cabeça em seu colo. Suspirando fundo mordendo a
ponta da minha unha me sentindo ansiosa.
Aragorn puxou minha mão da boca.
- Esta aborrecida. – Ele afirmou.
Estou chateada e com saudades da minha família.
- Se eu pudesse fazer alguma coisa.
- É certo não é? Que se eu for até eles Cordomad vai atrás de mim e... só
Deus sabe o que fariam a eles para me obrigar a dar-lhe a coroa.
- Infelizmente, é sim. – ele confirmou.
247
- Nunca mais poderei vê-los?
- Não sei essa resposta garota. Só sei que é melhor para eles que você
permaneça aqui. Enquanto você estiver em Andaluz, Cordomad vai reunir forças para encontrá-
la aqui. Ele não vai perder tempo na sua dimensão.
- Eu nunca mais terei paz. Nunca mais terei minha vida de volta.
Ele suspirou me olhando preocupado.
- O que quer que eu faça? – me perguntou.
Era incrível como eu conseguia ver em seus olhos que ele era capaz de fazer
realmente qualquer coisa por mim. Mesmo que eu pedisse para ele destruir Cordomad. Isso se
destruí-lo fosse possível.
- Me leve desse lugar. Quero ir embora daqui.
- Precisamos ficar aqui por enquanto.
- Não gosto desse lugar. Não tem nada pra fazer aqui.
- Você esta viciada em aventura?
- Meus dias em sua ilha eram bem mais animados.
E eram mesmo. Ainda que fosse o lugar em que pranteei a morte de Jeziel e
vivi a maior e mais desesperadora parte do meu luto, ainda assim, a ilha marfim era um lugar
maravilhoso, e a companhia de Aragorn, excelente.
E no meio dessa loucura que estava a minha vida, não havia realmente outro
lugar que me encaixasse a não ser a ilha Marfim e a segurança dos cuidados de Aragorn.
E ele viu meus pensamentos e acompanhou meu raciocínio de que finalmente
aceitei que o melhor que eu tinha a fazer pela minha vida, pela de mamãe e de Biel e por
Aragorn, era aceitar a proposta que ele me fez e tentar um novo começo, uma nova historia.
Agora com ele.
- Já se decidiu?
Olhei para ele e seus olhos ansiosos brilhavam como ouro incandescente
esperando por minha resposta.
Por todo esse tempo eu havia pensado bastante. Claro que eu sabia o que
minha decisão faria a Aragorn e aos seus sentimentos. E aos meus... bom, eu não sabia. Mas já
tinha feito minha escolha.
- Vou ficar com você na ilha. Se você já não tiver se cansado de mim.
Seu sorriso triunfou em seu rosto.
Eu me sentei procurando ver seus olhos mais de perto.
- Mas Aragorn, você sabe que não posso te dar agora o amor que você quer e
que merece. Vai ter que ser paciente comigo.
- O que quero é você comigo. E o amor... quando ele chegar, estarei ao seu
lado para recebê-lo muito bem.
248
O abracei carinhosamente.
- Eu não mereço você. – Falei agradecida. – Fica bom logo para irmos
embora.
- Depois dessa resposta minha recuperação será prodigiosa só para poder ficar
logo com você.
Sorri para ele satisfeita por estar fazendo ele feliz, mas vi que o sol já estava
se pondo. Eu teria que ir pra casa do general antes que ele mandasse alguém atrás de mim.
- Preciso ir embora – reclamei.
- Tudo bem. Logo estaremos em casa. E ninguém mais vai colocar horário
para você chegar.
- Tá bom... fácil dizer já que não vou mesmo sair da ilha. – brinquei, mais para
esconder de Aragorn a sensação que me tomou quando ele disse: em casa.
O que seriamos quando voltássemos a ilha? Um casal?
Bem... era o que Aragorn esperava. E eu um dia teria que dizer sim.
Quando cheguei à casa do general ele já estava me esperando impaciente. Ele
não gostava mesmo que eu passasse o dia com Aragorn.
- Como esta Aragorn?
- Se recuperando bem.
- Que bom, logo ele vai poder voltar para casa.
- Esta com pressa que ele vá embora?
O general me olhou ranzinza. Evidente que ele tinha pressa.
- Melissa o que você faz ficando o tempo todo com esse rapaz e tão intima,
não é comportamento de uma rainha.
- Ele é meu amigo. E eu não sou rainha.
- Mas logo será.
- Não... Não serei. - falei revoltada - E se eu fosse você não ficaria tão animado
com a partida de Aragorn, pois assim que ele puder voltar para casa eu vou com ele.
- Você não pode fazer isso. Seu destino é governar Andaluz. Ele gritou.
- Meu destino era Jeziel. – gritei de volta - Mas ele morreu. Não tenho mais
destino. Nem vida... nem nada. O que eu posso fazer agora é tentar não magoar mais ninguém e
manter as pessoas que eu amo a salvo. E fazer as pessoas que me amam felizes.
Dei as costas para o general que me olhava exacerbado e fui para o quarto.
Eu estava nesse momento emocionalmente desequilibrada. Tinha passado uma
tarde tão agradável, mas ou ouvir o general falar de destino, me doeu tão forte ter que
reconhecer que eu não tinha mais o meu.
249
Não tinha mais minha vida, minha família, meu amor... meu Leo. Não tinha
mais nada. Só uma estúpida coroa que só servia para colocar a minha vida e a de todos que me
cercavam em perigo, e uma imaginaria ilusão de que algum dia as coisas poderiam mudar e eu
poderia ser feliz. Mas como?
Como alguém pode ser feliz vagando pelo universo seja em que dimensão for,
como uma alma penada, sem esperança, sem alegria, sem destino?
Meu destino? Onde estaria meu destino agora? Morto com Jeziel. Ele sim era
meu destino... Ele era a minha vida. E eu aqui agora, não passo de um espectro.
Deitei-me na cama me sentindo a mais miserável das criaturas vivas e demorei
a pegar no sono.
Era sempre assim. Enquanto eu estava com Aragorn de dia tinha pouco tempo
de pensar e de me aborrecer com minha vida. Eu passava o tempo todo dedicada a recuperação
dele, e ele a me distrair. Mas quando entrava nesse quarto sozinha, acabava dando uma espiada
na caixa de infortúnios dentro da minha cabeça e me lembrava muito bem de tudo que me fez
chegar até aqui. E de todas as coisas que tinham dado erradas. E das próximas que poderiam vir,
pois nem Cordomad, nem Raika esqueceriam de mim.
E eu temia em pensar o que eles poderiam fazer as pessoas que eu amava para
conseguir o que queriam. Mas eu sabia que a única coisa que manteria minha mãe e meu irmão
seguros era a coroa se ela continuasse em meu poder.
Já tinha me decidido a ir com Aragorn para ilha Marfim. Ali eu estaria segura,
longe das garras da família mortal.
Aragorn fazia questão de me ter ao seu lado e eu sabia que o amor o cuidado e a
dedicação dele me fariam bem ainda que não completamente por saber que sentiria falta de
minha mãe de meu irmão, de Jeziel... Mas Aragorn me amava a ponto de entender minhas
tristezas e de esperar que meu coração se cure para eu poder amá-lo como ele espera. Não seria
nenhum esforço dar-lhe a chance que ele tanto queria para alcançar meu coração. Eu iria sim
com Aragorn para ilha. Iria convencê-lo a irmos amanha mesmo embora. Poderíamos, já que ele
estava fraco para passar por um portal, e eu não conseguiria cuidar dele por desconhecer os
recursos médicos daqui, irmos direto para a casa de Erzoul e de lá depois dos cuidados do
curandeiro, que são infinitamente melhores que dos gêmeos, voltarmos para ilha. E eu ficaria
com ele. Ficaria com Aragorn para sempre.
E em meio a esses pensamentos adormeci.
Acordei angustiada no meio da madrugada. Estava chorando. Uma tristeza tão
profunda doía em meu coração e meu Leo era a única coisa que via em minha frente. Como a
imagem de um holograma que não saía dos meus olhos.
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Havia sonhado com ele e via seus olhos tristes. Sua dor, a dor que refletia em
seu olhar me feria porque a dor não era dele somente, era minha também... era nossa. E de
repente percebi que todas as vezes que eu acordava chorando, angustiada e desesperada era com
ele que eu sonhava. Agora eu me lembrava. Me lembrava de cada um dos sonhos. Essa dor
estampada em seu rosto era o que me fazia chorar. Esfreguei meus olhos secando as lágrimas e
espantando a visão.
Era duro demais ver sua imagem e pensar que não passaria de lembranças em
minha mente. Meses se passaram desde que fiquei sabendo de sua morte e cheguei a pensar que
tinha aprendido a suportar, mas não tinha. Ainda estava muito viva em mim a dor. Foi só ver o
rosto dele em meus sonhos como no passado para tudo... toda angustia e desesperança ganharem
uma força extra.
Por ter dessa vez me lembrado dos sonhos a dor rompeu absoluta. Me sentia
sufocada e desconcertantemente desnorteada. Eu olhava aquelas paredes ao meu redor e
pareciam que elas giravam e se estreitavam na intenção de me espremerem. E minha mente
perturbada só conseguia projetar a imagem de Jeziel.
Senti que minha carne começava a tremer junto com cada membro de meu
corpo. Algo no meu peito ia me dilacerando de dentro para fora. Uma dor ainda mais forte que
de quando ouvi Raika dizer que Jeziel havia morrido. E eu não conseguia acreditar que poderia
existir dor maior que aquela. Mas existia. E era essa que eu sentia agora. A dor duplicada em
sentir que Leo não estava somente morto, mas que ele estava fora da minha vida. Para sempre. E
era como se alguém enfiasse a mão em meu peito fazendo um buraco em meu corpo para
arrancar meu coração ainda pulsante e vivo de mim e assim finalmente arrancar tudo que me
sobrava de Jeziel. Eu não poderia suportar isso.
Me esforçando para respirar, tentava engolir um bolo de desespero que
insistia em subir do peito para meus lábios. Senti que a luz de dentro do meu peito buscava uma
forma de se libertar como se também se sentisse sufocada dentro do pequeno espaço ao qual
estava confinada em meu ser, mas doía insuportavelmente. A sensação era de um milhão de
agulhas acidas tentassem sair de mim, então fiz força para controlá-la e extingui-la de volta ao
meu peito antes que eu desmaiasse de dor. E quando finalmente consegui, me sentia além de
fraca, ainda mais angustiada do que antes.
Eu não estava entendendo, me parecia estar sendo comprimida por algo
invisível, mas tão real que me fazia arfar e abrir os lábios para tentar respirar pela boca. Se eu
não gritasse imaginei que iria explodir.
Me lembrei de Aragorn me falando sobre a preocupação do general com meus
dons. Seria isso que estaria acontecendo comigo? Eu estaria sendo dominada pelos meus
poderes? Eu iria agora explodir como uma estrela e formar, como Aragorn brincou; um buraco
negro?
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Não. Isso seria impossível. Nenhum buraco negro seria mais poderoso que o
buraco que havia se formado na minha alma pela falta de Jeziel. E esse buraco já estava em mim
há muito tempo. Não só agora, mas desde que havíamos nos separado. E eu sempre o senti.
Sempre senti esse vazio imenso, mesmo quando brincava, ou sorria. Mesmo quando Aragorn
me cercava de todo cuidado, mesmo quando eu pensava que poderia viver sem Jeziel. Eu na
verdade sempre soube que não havia nada... Nada pra mim sem ele.
E no auge do meu desespero, no ápice da minha dor, falei à frase que esteve
esperando em meus lábios para ser falada desde que o perdi.
- Leo!... Volta para mim!... Eu preciso de você. – Eu falava como se ele
pudesse me ouvir.
A dor não cessou como eu pensei que aconteceria se eu gritasse seu nome.
Um grito irracional rompeu do meu peito. A dor era grande demais, não podia
ser contida. Eu já não conseguia mais sufocar o que estava sentindo.
O general Euri abriu a porta do quarto apavorado.
- O que foi Melissa?! – Ele me olhou angustiado se detendo na porta.
Eu não me importei com ele, não me importei com nada. Gritei mais forte
tentando ser ouvida nos confins do universo.
- Leo! - Gritei entre prantos - Meu Leo... – Jeziel! – Gritei com toda força até
que se acabasse meu fôlego.
O general insinuou se aproximar, ele parecia assustado e sem saber o que fazer.
- Meu Deus... Melissa o que esta acontecendo com você? – ele me perguntou
aflito.
E eu nessa hora só chorava. De dor de desespero, de angustia, atormentada,
precisando desesperadamente de socorro.
Quando finalmente consegui me firmar sobre as pernas, olhei ao meu redor com
as vistas embaçadas pelas lágrimas e desconheci completamente aquele lugar. Ali não... ali não
era meu lugar. Olhei para o general que me olhava sem saber o que fazer, e percebi que ele não
poderia fazer nada pra me ajudar. Eu precisava sair dali. Eu precisava de um lugar que fosse
meu. Que me encaixasse, onde eu me encontrasse.
Saí correndo esbarrando nele quando passei pela porta e disparei pelas ruas. As
lágrimas embaralhavam minhas vistas e a dor no peito queria me fazer parar, mas só tinha um
lugar que eu sabia que iria me trazer conforto para tanta dor e continuei correndo até lá.
Cheguei ofegante na casa onde Aragorn estava se recuperando. Entrei sem
bater pegando de sobressalto os gêmeos que estavam ali, e me atirei sobre a cama improvisada
de Aragorn procurando por seus braços protetores e confiáveis.
Ele acordou assustado, me olhou preocupado, mas me envolveu
carinhosamente afagando meus cabelos. Enfiei meu rosto escondendo-me em seu abraço e
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chorei copiosamente. Ele não me falou para parar, nem me perguntou o que estava acontecendo.
Só manteve seus braços ao redor de mim.
Quando o choro cessou, Aragorn já estava a par do que me ocorrera através de
meus pensamentos.
- Calma garota. Foi só um sonho. Já passou e você esta aqui comigo.
Suas mãos passavam delicadamente em minhas costas para me confortar, mas
a imagem de Leo não saía da minha mente.
No sonho Jeziel estava triste, seus olhos demonstravam dor, era tanta angustia
que via nele que me deixava desesperada. Eu queria que a imagem sumisse de meus olhos e
como se Aragorn tivesse poder para fazer com que o que eu via desaparecesse me agarrei ainda
mais nele.
Algo estava acontecendo comigo além da angustia pelo pesadelo. Comecei a
sentir muito frio, Aragorn me aninhou mais me enrolando em seu cobertor, mas o frio não
passava. Sentia meu queixo bater e a respiração entrecortada passar pelos meus dentes que se
chocavam uns nos outros. Aragorn colocou a mão em meu rosto e ergueu seu corpo virando
meu rosto para ele.
- Melissa?!...
Eu ouvi sua voz, mas estava com frio de mais para responder ou abrir os
olhos.
- Melissa? – Ele tentou novamente – Sua pele esta pegando fogo. – Ele
constatou assustado.
Eu devia estar com febre.
- Chame o pai dela urgentemente – Ele falou com um dos gêmeos que estava
ali.
Num gemido baixo Aragorn se colocou sentado ao meu lado na cama. Me
senti culpada por estar privando ele de seu descanso, mas estava me sentindo mal de mais para
reagir.
- O que esta acontecendo com ela? – Perguntou o outro gêmeo.
- Não sei. Mas nunca vi alguém tão quente assim. – Aragorn respondeu
preocupado. – Prepare um banho frio. Acho que pode ajudar.
Eu não podia vê-lo mais podia sentir seu olhar preocupado sobre mim.
- Melissa! – O general Euri bradou assustado assim que passou pela porta. Ele
colocou a mão sobre minha testa sondando minha temperatura. – É febre – Ele falou assustado.
Eu tinha acertado meu diagnóstico.
- Febre? – Aragorn perguntou confuso.
- É o mesmo princípio de nosso corpo reagir a uma dor ou doença só que ao
invés de esfriar ela esquenta. – Respondeu o general.
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- O que podemos fazer? - Perguntou o gêmeo.
- Encontrar um remédio. – Falou a irmã dos dois.
- O que provocou isso nela? - O outro gêmeo perguntou.
- Ela esta com o emocional abalado, isso também pode provocar febre. – Disse
o general – Ele é muito suscetível as suas emoções.
- Nós vamos ficar especulando enquanto ela arde, ou vamos fazer alguma
coisa? – Falou Aragorn irritado.
- Não sei se em Andaluz terá um remédio para isso.
- O banho esta pronto – Avisou um dos irmãos.
Aragorn se levantou com dificuldade e me pegou em seus braços. Eu não
queria que ele fizesse isso, sabia que ele estava fraco e me carregar só pioraria as coisas.
- O que vai fazer? - Perguntou o general cismado.
- Se ela esta queimando a água pode abater o fogo.
Abri meus olhos para repreendê-lo. Ele estava fazendo muito esforço para me
carregar, e quando olhei seu rosto vi o rosto de Leo.
- Leo?! – Gemi baixinho – Meu Leo?
Mas o Leo que eu via não me respondeu.
- Ela esta delirando. – Disse o general – Depressa!
Senti meu corpo sendo mergulhado com roupa e tudo numa banheira de água
gelada.
Eu estava com muito frio. Não ia suportar ficar ali.
- Meus dentes bateram mais fortes de frio. Eu queria que eles me tirassem dali, mas o
que me restava de força estava indo embora. Senti meu corpo escorregar pela banheira e
Aragorn me sustentou em seu braço.
- Deixa que eu faço isso – O general devia estar achando a atitude de Aragorn íntima
de mais pois na voz dele não havia preocupação e sim ciúmes. Eu queria poder protestar contra
o general, mas minha fala agora tinha se perdido. Aragorn respondeu por mim. Talvez ele
estivesse conseguindo ler meu pensamento.
- Não. Me desculpe, eu cuidei dela até aqui e vou continuar cuidando.
Ouvi o respirar emburrado do general. Aragorn molhou meu rosto e meus cabelos. E
me retirou da água. Fui carregada de volta a cama.
- Arrume roupas secas para ela. – Falou Aragorn enquanto arrancava as minhas peças
molhadas.
- Você vai despi-la? – Protestou o general.
- Quer que a deixe ensopada? Ela tem que se aquecer agora.
- Mas você é...
Aragorn o interrompeu.
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- Não acha que vou me aproveitar dela nesse estado?
- Eu não gosto disso. – o general falou aborrecido.
Aragorn não respondeu, mas eu o conhecia bem de mais para saber que sua expressão
não deve ter sofrido uma só alteração.
- As roupas. – Falou um dos gêmeos.
- Agora me dêem licença, por favor. – Ouvi dois pares de passos caminhando para
porta.
- General, O senhor também. – Os passos pesados e mal humorados do general Euri
foram ouvidos por mim, mesmo do lado de fora da casa ele devia estar quase marchando.
- Melissa, você pode me ouvir? – Eu podia ouvi-lo, cada palavra, mas não conseguia
me mover nem falar. – Vou colocar roupas quentes em você. Você vai ficar boa logo.
Foram as últimas palavras dele que ouvi. Um breu foi invadindo minha mente em
forma crescente e com ele percebi que devia estar sonhando. Ouvi várias vozes apesar de não
conseguir ver nada. E reconheci uma delas de imediato chamando pelo meu nome.
- Mel?!...
- Leo?! - Gritei no meu sonho – Onde você esta?
- Mel, minha vida.
- Leo... – Eu o chamava, ele não parecia me ouvir.
- Minha vida, você é minha vida Melissa... não me deixe, por favor – A voz dele
carregava uma dor contida.
- Eu estou aqui Leo.
E a voz dele desapareceu no ar. Ou melhor, tudo desapareceu.
Durante um longo período, não ouvi mais vozes nem a dele nem a da minha própria
consciência. Tudo era escuro sem ao menos um mínimo lampejo de luz. Mas percebi que eu
tinha ficado dias naquele estado quando a primeira voz que voltei a ouvir foi a de Aragorn.
- Já fazem três dias que ela esta assim. Não da mais para esperar que ela melhore
sozinha. Temos que fazer alguma coisa.
- Não há remédios para ela aqui. – Disse um dos irmãos – Ela não é uma de nós. Não
temos o que fazer.
- Que tipo de curandeiros são vocês? – Perguntou Aragorn irritado.
- O tipo que cuida do povo dessa dimensão. – Responderam eles juntos como um
coral.
- Ela é metade de nós. – Argumentou Aragorn.
- Mas nada do que fizemos até agora parece estar funcionando. - Falou um deles –
talvez um de nós devesse falar com o general para que alguém buscasse no mundo dela o
remédio que ela precisa.
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Ouvi a porta se abrir.
- General! - Os gêmeos falaram juntos novamente.
- Como esta Melissa? – Ele perguntou preocupado.
- Ainda na mesma. - Respondeu Aragorn.
Senti a beira da cama se afundar. Alguém se sentou nela. Uma mão que não me era
familiar passeou pelo meu rosto. Uma mão mais grossa áspera e mais pesada que a de Aragorn.
Percebi que era a mão do general quando ele falou perto de mim.
- E você como esta? – Perguntou o general a Aragorn.
- Estou bem, minha preocupação é ela agora.
- Ele não dormiu general, fica a noite inteira velando Melissa. – Falou um dos gêmeos.
– Daqui a pouco serão dois doentes para cuidarmos.
- Não se preocupem comigo. Se preocupem em encontrar uma cura para Melissa.
- Reaja minha filha, você é forte, você consegue. Você conseguiu até agora. Então
lute. – O general se dirigia a mim.
- Precisamos ir ao mundo dela buscar um remédio. – Aragorn falou decidido.
- O remédio para ela não esta em seu mundo.
- Como é? – Falou Aragorn.
- Não há nenhum remédio que possa ajudá-la. Eu já sei o que esta acontecendo com
Melissa.
- Então me diga! – Falou Aragorn exasperado.
- Ela esta morrendo.
- O que? E você fala isso assim? Que espécie de pai é você? – O general Euri foi
arrancado da beira da cama violentamente. E eu conhecia Aragorn bem de mais para saber que
ele devia ter pegado o general pelo colarinho.
- Calma soldado, você pode se complicar me atacando desse jeito. Só não te ponho em
prisão por causa de Melissa.
Eu estava morrendo? Isso parecia tão ilógico. Certo que eu não podia movimentar meu
corpo, mas minha mente estava funcionando muito bem. Eu os estava ouvindo e podia sentir
também. Eu não podia estar morrendo. Ele estava enganado.
- Tem um curandeiro que eu conheço, e que conhece Melissa também. Erzoul um
amigo meu. Ele é muito bom no que faz, já cuidou de mim várias vezes.
- Temos dois curandeiros aqui. – Falou o general.
- São duas crianças. – Rebateu Aragorn.
- Eles tem o dom, já cuidaram de vários soldados feridos.
- Erzoul tem a experiência que só o tempo concede. – Argumentou.
- Não acho que vá adiantar.
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- Algo tem que adiantar, seja onde for ou o que for eu vou fazer. Mantive ela viva até
hoje. Não vai ser agora que vou desistir dela.
- Suas palavras me comovem, mas não temos o que fazer.
- Porque acha que ela esta morrendo?
- Por causa de seus poderes.
- Explique.
- Meu jovem, eu sei que gosta de Melissa...
- Eu a amo. – Interrompeu.
- Sim, você a ama, mas nada que você faça vai mantê-la ao seu lado. Nem ao meu. –
sua voz estava embargada. - Esperei tanto tempo para ver minha menina, minha filhinha, e
quando a vejo vou perdê-la. Não consegui nem mesmo me entender com ela. – Ele se sentou
novamente ao meu lado. Reconheci desta vez sua mão áspera na minha.
- Você não me disse ainda porque ela esta morrendo.
Ouve um silêncio.
- Eu tentei avisar a ela. Melissa nunca quis me ouvir. Não posso ter absoluta certeza,
mas acho que... – Falou o general sendo interrompido por Aragorn.
- Diga logo de uma vez. – Bradou Aragorn.
- Creio que os dons dela estão tentando romper. Evoluir. Mas para ela não é tão
simples como para nós. Além de ela ser muito teimosa e não aceita-los, ela os reprime, os
rejeita. Os sufoca, e eles tem se acumulado de forma perigosa dentro dela. Melissa tem sofrido
fortes emoções nesses últimos dias. Suas emoções a deixam vulnerável e como você mesmo a
conhece, ela não controla o que sente, ela esconde, mas não os controla. Seus poderes
precisavam se desenvolver para protegê-la assim como nossos dons nos protege, mas ela é
muito frágil pra suportar, e por ela não pertencer ao nosso mundo, por ela ter somente metade
das características de Andaluz, Não há energia suficiente nela para que seus dons encontrem
uma válvula de escape. Melissa tinha que ter levado a sério seus poderes. E como seus dons não
desenvolveram para dar-lhe força, eles estão agindo de forma inversa. Ela esta sendo sugada por
eles. A cada emoção que a magoa, a cada dor ela se torna mais fraca para suportar o poder que
esta nela. Ela precisaria ter força para liberar esse poder e assim não ser sucumbida por ele. Mas
o golpe da morte de Jeziel, foi grande de mais para ela. A enfraqueceu mais. Ela não consegue
superar, e com a dor, a força dela esta se esvaecendo e por isso a mínima alteração em seu
emocional é como um veneno em seu organismo. O sonho que ela teve desencadeou de vez o
processo.
- Isso é ridículo. Ela estava muito bem há alguns dias atrás. Por um bom tempo ela
pranteou a morte dele sim, mas ela já estava bem. Não aceito essa sua teoria. – Aragorn
reclamou.
257
- Você sabe que tenho razão Aragorn. Sabe que ela teria que desenvolver seus dons,
mas assim como eu você pensou que teríamos um pouco mais de tempo. Mas me enganei. Os
dons dela são ligados ao seu emocional e depois de tudo que ela passou, estou admirado que ela
tenha agüentado tanto tempo. Com certeza a mania que ela tem de evitar pensar em seus
problemas e abafar suas emoções, tenham contribuído como um escape. Mas essa ultima
emoção... sonhar com Jeziel, foi demais.
- Eu não vou deixar isso acontecer. Melissa não vai morrer. – Aragorn falou
perturbado.
- Eu sinto muito. – Lamentou o general.
- Não, você não sente. Você só se preocupa com Andaluz. Ela é sua filha. Você não
pode simplesmente cruzar os braços.
- Não há o que fazer.
- Se ela precisa de poder para sobreviver eu dou o meu a ela.
- E você ficara sendo metade do que é.
- Não me importo. Eu serei muito menos que metade se perdê-la.
- Você faria qualquer coisa por ela não é mesmo? – Falou admirado.
- Tenho tentado deixar Melissa desde o primeiro dia que a vi. A cada segundo da
minha vida eu quero me afastar dela, mas em cada um dos mesmos segundos eu preciso estar
com ela desesperadamente.
- Ela é sua rainha, ainda que não soubesse é natural sua devoção a ela, principalmente
porque você é um protetor.
- Cordomad é o rei de Andaluz e não tenho a menor devoção por ele. Se pensa que é
por isso que amo Melissa...
- Ele não é rei de fato, ele usurpou o trono assassinando o rei. Ele não tem a realeza
em sua vida, só trevas e malignidade. Por isso ele quer tanto a coroa. Para obrigar o povo de
Andaluz a devotá-lo.
Eu ouvia tudo aquilo sem poder me mover. Suas vozes exasperadas, às vezes
angustiadas e cansadas. Sentia o general ainda segurando minha mão, e apesar de não conseguir
ver sabia que os olhos de ouro de Aragorn estariam aflitos em mim.
- Com licença general.
Senti o general sendo puxado da cama.
- O que vai fazer?
Vou levar Melissa até Erzoul. Ele saberá o que fazer para transferir meus poderes a
ela.
- Aragorn isso é loucura. Ela não é como nós. Pode não reagir como o esperado. E
você vai acabar tão fraco quanto ela ou se matando.
Senti os braços de Aragorn me erguendo da cama.
258
- Eu não vou ficar aqui parado.
- Você não esta bem para atravessar o portal. Precisamos encontrar outra solução.
- Talvez ela só precise extravasar esse poder colocar para fora. – Falou um dos
gêmeos.
- E você pode me dizer como ela faria isso no estado em que esta? – Aragorn falou
irritado.
Ele começou a andar comigo em seus braços.
- Aragorn, você não pode sair com Melissa do arraial, Cordomad esta atrás dela.
- Tente me impedir. - Desafiou
- Eu não quero brigar com você.
- Será que você não vê que... – Aragorn interrompeu o que iria falar e parou de
caminhar para a porta.
- O que foi? – Perguntou o general reparando quem sabe na mudança do semblante de
Aragorn.
- Uma voz... Essa voz fala comigo todos os dias eu não sei de quem é e não consigo
saber o que quer. É uma voz de mulher.
- Não consegue vê-la?
- Me parece estar distante demais para eu poder alcançá-la.
- Ou esta sendo bloqueada. – Sugeriu o general.
- Pode ser.
- O que ela diz?
- Sempre fala de Melissa, que eu não devo deixá-la, como se eu precisasse desse
conselho. E ela tenta falar mais alguma coisa, só que eu não consigo entender.
- Tente encontrá-la, tente vê-la, pode ser a ajuda que estamos procurando.
- Ou pode ser uma armadilha para pegar Melissa. Eu não vou arriscar.
- Se fosse Cordomad que estaria atrás de você eles já estariam aqui. Use os braceletes,
Eles podem ajudar.
- General... – Aragorn falou apreensivo.
- Pode ser a salvação para Melissa! – Ele estava esperançoso.
Com essa palavra do general Aragorn voltou e me colocou delicadamente sobre a
cama.
- Eu vou tentar – disse Aragorn – mas se não der certo, eu irei com Melissa até Erzoul
e ninguém vai me impedir.
- Tudo bem – concordou o general.
Não pude ver o que Aragorn fez, mas o silêncio perdurou por algum tempo dentro da
casa. Um clima de tensão estava perceptível no ar.
- E então, esta vendo alguma coisa?
259
- Estou vendo o calabouço do castelo, eu conheço bem este lugar já estive lá levando
prisioneiros para Cordomad.
- E o que mais?
- Tem uma pessoa sentada no canto voltada para a parede. É uma mulher de cabelos
longos cacheados e claros.
- O que mais? – o general perguntou ainda mais interessado.
- Não dá para ver mais nada. Ela parece estar chorando.
- Fale com ela, tente ver seu rosto. – O general estava ansioso. – Veja se ela pode te
ouvir.
Mais um tempo de silêncio.
- Ela pode me ouvir. – Falou Aragorn admirado.
- E então?
- Ei vi seu rosto e seus olhos são dourados com os meus, é como se eu estivesse
olhando meus olhos no espelho.
O general deu uma risada alta.
– Eu sei quem é. Pergunte seu nome só para ter certeza.
Mais um tempo de silêncio.
- Ela esta com medo, com muito medo – A voz dele era comovida.
- Fale de mim para ela, diga que estou aqui.
Outro tempo de silêncio.
- Tamala, seu nome é Tamala. Aragorn respondeu ao general. - A visão se foi.
- A profetisa, é mesmo ela. Ela esta viva. Isso é muito bom. – o general falou
empolgado.
- Profetisa? Ela é muito jovem para ser uma profetisa não deve ser cinco a seis anos
mais velha que Melissa.
- Ela é jovem, mas tem o dom desde que nasceu, mesmo criança ela já profetizava.
Ainda pequena foi ela que me encontrou caído no meio da floresta ferido pelos soldados de
Cordomad. Ela profetizou a cerca de Melissa e também abriu o portal para que eu escapasse
para a outra dimensão. Seus dons sempre foram muito desenvolvidos. Por isso, mesmo
aprisionada por Cordomad e seus feitiços ela conseguiu comunicar-se com você. Mas porque
logo você?
- É. Porque eu? – Aragorn perguntou cismado.
- Ela devia ter se comunicado com um de nós. Comigo. Tem alguma coisa ai!- o
general falou intrigado.
- Não quero saber. Só o que me interessa é se ela tem condições de ajudar Melissa.
O que não me pareceu ser muito provável. No momento ela esta precisando de ajuda.
260
- Se alguém tem a solução para Melissa esse alguém é ela. Talvez precisemos
ajudá-la primeiro.
- Como?
- Resgatando Tamala da prisão.
- Impossível. Você esta falando do calabouço no castelo de Cordomad? Ninguém
entra lá e ninguém sai de lá.
- Você já esteve lá, sabe como entrar e como sair. – Lembrou o general.
Aragorn deu uma risada irônica.
- Talvez por isso ela contatou você. Por saber que você poderia entrar lá.
- Isso é uma armadilha. Ela pode ter sido corrompida por Cordomad. Nós
conhecemos bem os poderes dele.
- Duvido muito. Isso é a solução para salvarmos minha filha da morte. Melissa não
tem muito tempo. Temos que descobrir se Tamala pode fazer alguma coisa.
- Como ela foi parar lá?
- No dia em que Ernest entrou em contato com ela para salvar a vida de Jeziel na
dimensão de Melissa, a feiticeira Erkas encontrou sua localização. Esperou que ela abrisse o
portal e a prendeu. Enviou em seu lugar sua filha Raika se fazendo passar por uma segunda
herdeira minha para enganar e seduzir Jeziel. O resto da história você já conhece, e desde então
Tamala é feita prisioneira de Cordomad e de Erkas por causa de seus poderes. Erkas planeja
sugar todos os dons de Tamala e se fazer mais forte. Se eles ainda não a mataram é porque
Erkas ainda não conseguiu fazer o que pretendia e devem estar esperando pela coroa de Melissa
para realizar o feito.
- E o que aconteceria se eles conseguissem?
- Os poderes de Erkas se multiplicariam sobrenaturalmente somados aos poderes
sugados de Tamala e da coroa, então ela, Raika e Cordomad dominariam Andaluz eternamente.
Sem nunca mais encontrarem um opositor a altura. Poder total para eles. Por isso é tão
necessário tirarmos ela de lá.
- E Melissa?
- Tamala saberá o que fazer para ajudá-la.
- Eu quero saber agora.
- Talvez aja um paliativo. Tente se comunicar com ela mais uma vez explique a
situação. – Falou general Euri.
Mais uma vez o silêncio tomou a casa com exceção de uma batida incessante de um pé
ansioso no solo esperando por uma reposta.
- Nada. Ela não consegue, esta muito fraca.
- Deixe-a descansar um pouco e tente novamente.
261
Eu que precisava descansar agora. Apesar de estar deitada e imóvel sobre a cama, toda
aquela conversa e o clima tenso me deixaram exausta.
Minha mente foi se desligando das vozes ao meu redor que continuavam discutindo
uma forma de resgatar Tamala e mergulhei num sono profundo. Um sonho me trouxe de volta a
consciência.
Num quarto todo espelhado pude ver Jeziel deitado numa espécie de altar de pedra.
Vestido todo de branco tão imóvel quanto eu. Sua pele estava tão sem cor quanto o tinha visto
quando ele estava doente em meu mundo.
Olhei surpresa ao meu redor e via o reflexo do corpo de Jeziel em cada espelho
daquele lugar, mas não via minha imagem. Não havia nada além daquela pedra fria de mármore
onde jazia o corpo de Jeziel naquele lugar.
Caminhei em meu sonho até ele. Olhei com tristeza para seu corpo sem vida e toquei
em seu rosto lindo. Mesmo imóvel ali ele continuava sendo a pessoa mais linda que já vi.
Deslizei minha mão de seu rosto frio até a altura de seu coração na esperança de que
pudesse sentir que ele ainda batia. Mas não havia nenhum sinal de vida.
- Leo... – Sussurrei seu nome com minha mão sobre seu peito silencioso. Novamente a
dor em meu peito pela perda dele tentou me sufocar. E imaginei que se realmente eu estivesse
morrendo, seria bom pra mim. Eu não ia suportar sonhar todos os dias com Jeziel. Era demais. E
muito pior agora que meu sonho me fazia vê-lo morto.
Sem que eu permitisse, as lágrimas começaram a descer por meu rosto. Com a mão
ainda sobre o peito sem vida de Jeziel, comecei a implorar que eu acordasse daquele sonho.
A dor angustiante da luz querendo ter forças para romper em mim quase me fez
desaparecer mais uma vez na escuridão. Mas de repente algo aconteceu.
Debaixo da minha mão um calor começou a surgir. Fiquei espantada e tentei erguer a
mão para ver se aquele calor vinha da minha mão, e antes de conseguir tira-la a mão direita de
Leo segurou a minha sobre seu peito.
Assustada olhei para seu rosto que continuava parado, somente sua mão parecia ter
forças para segurar a minha. Eu estava apavorada, mas era Leo eu não devia temer se ele
segurava minha mão, mesmo que fosse num sonho eu não devia evitar. Pousei a outra mão
sobre a dele e o calor aumentou sobremaneira. Estava quase insuportável, mas a mantive ali.
- A febre esta voltando! – Alguém falou sobressaltado longe de mim.- e mais forte
agora.
- Melissa!? - A voz de Aragorn me chamou apreensivo.
Vozes me circulavam afoitas e preocupadas, eu não via nada além de Leo na minha
frente.
262
- Melissa! – Aragorn gritou angustiado. Eu não sabia o que estaria acontecendo
comigo fora do sonho. Eles pareciam apavorados.
- Leo – Eu falei ainda segurando sua mão entre as minhas. O brilho azul de Leo que a
tanto tempo eu não via brilhou entre meus dedos. Minha pele também começou a brilhar e meus
olhos começaram a arder. Eu já tinha tido essa sensação, eu sabia exatamente o que era. E ao
ver que Leo começava a se aquecer busquei dentro de mim mais forças. Concentrei toda minha
energia sobre ele. Eu sentia como se algo em mim estivesse sendo sugado por ele e começava a
me sentir fraca como se ele estivesse levando minha própria vida. A atmosfera ao nosso redor
começou a se transformar o reflexo prateado dos espelhos passaram a ofuscar minha vista se
misturando com o brilho azul que começava a surgir fraco na pele de Jeziel e eu estava ficando
mais fraca. Mal conseguia me manter de pé ao lado da pedra, mas a mão de Jeziel ainda me
segurava.
- Ela esta morrendo! – A voz de um dos gêmeos ecoou num túnel.
Realmente senti meu corpo passar do fogo para o gelo de um segundo para o outro. A
minha luz que agora brilhava fraca era totalmente drenada para dentro do peito de Leo
enfraquecendo em mim e se fortalecendo nele.
Eu estava morrendo. Eu sentia isso. Não entendia o sentido desse sonho, E se pudesse
ainda fazer algo por Leo eu faria, e se tivesse que morrer para isso não me importaria. Eu o
amava demais para querer viver sem ele. E se a parte que restava de mim estivesse sendo
requeria por ele agora eu a entregaria sem resistência. Que fosse dele tudo em mim, pois minha
vida já pertencia a ele. E minha própria alma gritava por isso agora.
- O coração dela esta fraco. – Aragorn falou desesperado.
Eu queria poder dizer a ele que se acalmasse, que eu estava bem. Que a dor estava
passando. E que para onde quer que eu fosse agora eu iria estar bem. Ele não iria me ouvir.
A dor realmente passava à medida que eu enfraquecia ainda mais e minha luz ia
desaparecendo.
Eu estava morrendo.
Aragorn falava meu nome e devia estar comigo em seus braços pois eu ainda ouvia a
voz do general dizendo que ele não poderia me tirar dali.
Eu sabia que Aragorn estava sofrendo e isso começou a me angustiar. Era questão de
minutos para que eu sucumbisse completamente e a voz de Aragorn ecoava naquela sala.
Querendo me fazer recuar.
- Melissa, não faça isso comigo, você não pode morrer. – Me pareceu que ele estivesse
chorando, nunca o vi chorar. – Melissa não se entregue. Fique comigo, volte para mim.
Aragorn me amava. Eu sabia disso. E estava desesperado ao pensar em me perder. Eu
sabia a dor que sentia por ter perdido o homem que eu amava e não gostaria de compartilhar
essa dor com ninguém muito menos com Aragorn que eu também amava.
263
Eu tinha sido tão injusta com ele desde o começo. E estava sendo injusta novamente
não querendo viver para estar ao lado dele. Minhas forças se esvairiam de vagar. Eu olhava para
Leo morto e sugando o que me restava de vida e ouvia Aragorn desesperado tentando me salvar.
A dor de Aragorn me perturbou sobre maneira. E de repente não sabia o que fazer. Se
eu tirasse as mãos de Leo agora era provável que me restasse o mínimo de força para voltar
deste sonho.
Eu tinha pouco tempo para escolher entre sucumbir com Leo para o mundo da
eternidade ou voltar para Aragorn e tentar sobreviver.
- Melissa volte... Por favor volte –Aragorn clamava.
No momento em que percebi que essa era à hora da minha escolha, que me faltava
pouco tempo, me lembrei da conversa que tive com a Senhora Luna.
- Sra. Luna, como teve a certeza de qual escolher?
- O amor tem que vencer o amor. O amor tem que vencer a si mesmo. Para se ter o
que é verdadeiro tem que se escolher entre os outros.
- Outros amores falsos?
- Não querida, os amores nunca são falsos. Só mudam de intensidade.
As palavras dela pela primeira vez fizeram sentido para mim. Eu entendia agora o que
ela estava me dizendo.
- Dizer que um amor é verdadeiro ou não é um pouco presunçoso. Mas podemos
escolher entre o que fala mais alto em nossa vida.
Tinha chegado a hora de eu fazer a escolha do que falaria mais alto dentro de mim.
- É um amor diferente que sinto por Aragorn. Não é como o que sinto por Jeziel. Com
Aragorn me sinto protegida, confiante, segura. Mas Jeziel me faz sentir como se minha vida
dependesse dele. Minha alegria, meu respirar, o bater do meu coração anda no compasso do
dele. Jeziel é parte de mim.
- Mas tem outra parte de você que quer o que esta em Aragorn. São sentimentos
diferentes. E tão confusos, e tão fortes...
Eu me lembrava palavra por palavra do que dissera a ela.
- Melissa! – O grito angustiado de Aragorn fez meu coração doer dizendo que eu não
devia deixá-lo. E minha mente me dizia que era estupidez o que eu estava fazendo. Abrindo
mão da minha vida desse jeito por um amor que eu não poderia mais viver com Jeziel.
- ...Você terá que ouvir a voz que falar mais forte em você. – A lembrança da voz de
Sra. Luna me fazia refletir enquanto meu tempo se esgotava.
- Sra. Luna, meu coração fala uma coisa minha razão fala outra. Eu não sei a quem
ouvir.
264
- Há algo mais forte que a razão e o coração. Quando ambos parecem não ter
sentido, quando o coração parar de bater, Quem respondera pelos dois? Só aí terá a resposta
certa para todas as escolhas. Ouça além do coração, além da razão.
Eu já sabia qual era a resposta, eu sabia qual a minha escolha auxiliada pela lembrança
das palavras de Sra. Luna.
- Lembre-se Melissa, quando o coração se confunde e a mente perde a razão quando
a vida se acaba, ainda há algo mais forte que responde por todos eles. É a única coisa que tem
a resposta certa para todas as suas dúvidas.
- Eu não sei o que pode ser mais forte que tudo isso.
- Você vai saber, e sua escolha vem dela. Está impregnado nela.
Era da alma que Sra. Luna falava. A alma tem força para viver além da vida e ela tem
a melhor compreensão do que é verdadeiro e forte. A escolha estava impregnada realmente em
minha alma.
Eu amava Leo demais para querer viver sem ele. Como se minha vida fosse pesada
demais para carregar sem ele. Diante de mim estava o conforto e o consolo. O que minha alma
mais queria agora era ser dele por completo. Se entregar por ele. Agora e eternamente.
Então finalmente aceitei meu destino.
- Ela parou de respirar... Melissa!...
O grito de dor de Aragorn foi a última coisa que ouvi antes de ver minha luz e minhas
forças desaparecer completamente.
Uma escuridão e um nada absoluto tomaram todo o meu ser.
...
265
No próximo lançamento
Quando tudo parecia ter chegado ao fim, até mesmo a vida de Melissa, o inimaginável
aconteceu.
Melissa encontrou Jeziel através de um portal gerado por seus poderes. Ele não estava
morto. Raika havia mentido.
Ainda era prisioneiro no castelo de Cordomad, e Erkas havia drenado tanto de sua força
que ele mal conseguia se mover.
Melissa depois de ter pranteado seu luto por ele, mal podia acreditar que Jeziel estava
vivo e belo como sempre, bem diante de seus olhos.
O poder que de tão forte estava matando Melissa teve força suficiente para fortalecer
Jeziel e libertá-lo da prisão. Trazê-lo de volta para ela e dar-lhes uma nova chance
juntos.
Mas o poder de Melissa teria que ir além de seus limites. Teria que ser forte o suficiente
a partir de agora para conseguir derrotar Cordomad ou ela perderia Jeziel novamente.
266
Prólogo
...Eu ouvia Leo e o general conversando e tudo que eu queria era que tudo fosse
um pesadelo. Eu queria acordar e me ver novamente em meu quarto para mais um dia
de aula tranqüilo e comum e encontrar com meu Leo me esperando na porta de casa
para me levar para a escola. Tudo era tão mais simples.
A mão de Jeziel retirou os cabelos grudados nas lágrimas em meu rosto.
- Não se preocupe. Esta tudo sobre controle. Eu não estou correndo risco Mel.
Verdade. Eu sei o que estou fazendo.
Me sentei na cama e o abracei.
- Não posso te perder. – Falei angustiada. – Não de novo.
- E você não vai... – Ele tentava ver meu rosto - Ei... Não confia em mim? Vai
dar tudo certo. Antes que você perceba estaremos livres de Cordomad e toda sua corja e
poderemos viver cada dia do nosso amor como se fosse eterno. É isso que você quer não
é? - Balancei a cabeça em seu peito. – Então é isso que terá. Eu te darei um conto de
fadas eterno. Um reino, um castelo, um rei, e te Farei a rainha mais feliz do mundo.
- Eu só quero você pra ser feliz.
Destino
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