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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
Fernando de Azevedo Lopes
O “CONSERVADORISMO PROGRESSISTA” DE SÍLVIO ROMERO
Naturalismo e política na Primeira República brasileira
Rio de Janeiro
2015
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Fernando de Azevedo Lopes
O “CONSERVADORISMO PROGRESSISTA” DE SÍLVIO ROMERO
Naturalismo e política na Primeira República brasileira
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa dePós-Graduação em Sociologia e Antropologia, doInstituto de Filosofia e Ciências Sociais, UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitosnecessários à obtenção do título de Mestre emSociologia (com concentração em Antropologia).
Orientador: Prof. Dr. André Pereira Botelho
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O “CONSERVADORISMO PROGRESSISTA” DE SÍLVIO ROMERO
Naturalismo e política na Primeira República brasileira
Fernando de Azevedo Lopes
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia eAntropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Riode Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestreem Sociologia (com concentração em Antropologia).
Aprovada por:
Titulares:
_____________________________________________________
Prof.Dr. André Pereira Botelho (PPGSA / IFCS / UFRJ)
_____________________________________________________
Profª Drª Gabriela Nunes Ferreira (PPGCS / UNIFESP)
_____________________________________________________
Profª Drª Aline Marinho Lopes (UFF)
Suplentes:
_____________________________________________________
Profª. Drª. Helga da Cunha Gahyva (PPGSA / IFCS / UFRJ)
_____________________________________________________
Profª. Drª. Tamara Rangel (PPGHCS / COC / FIOCRUZ)
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RESUMO
A presente dissertação objetiva reconstruir o movimento intelectual de SílvioRomero (1851-1914) nos anos nascentes da Primeira República, onde o autor mobilizou
uma gama de teorias cientificistas para dar conta dos dilemas da formação nacional
brasileira e também para pensar os desafios e possibilidades abertos a partir do golpe
republicano. Esse movimento analítico intenta a abertura de um outro caminho
interpretativo sobre a obra do autor que permita perceber sua adoção dos repertórios
europeus, principalmente do liberalismo conceituado por Herbert Spencer, de forma
original e reflexiva em relação a conjuntura política dos primeiros anos do regimerepublicano e também de forma complementar a de sua proposta de crítica literária
científica.
PALAVRAS-CHAVE: Sílvio Romero; Primeira República; Liberalismo; Pensamento
Social Brasileiro; Crítica Literária
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ABSTRACT
The present thesis aims to reconstruct the intellectual movement of Sílvio Romero
(1851-1914) in the early years of the First Brazilian Republic, where the latter has
mobilized a range of scientistic theories in order to deal with Brazilian national
development dilemmas and also pondering over open challenges and possibilities as from
Republican coup. This analytic movement intents to open for another interpretative path
about the author’s work which allows to perceive his adoption of European repertories,
mostly from Herbert Spencer’s reputable liberalism, in a singular and reflexive way
related to a political conjuncture of early years of the First Brazilian Republic and also in
a complementary aspect of his approach for scientific literary criticism.
KEY WORDS: Sílvio Romero; First Brazilian Republic; Liberalism; Social Brazilian
Thought; literary criticism.
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AGRADECIMENTOS
Este trabalho contou com o auxílio de diversas pessoas e instituições que
viabilizaram a sua realização.
Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, Professor André Pereira Botelho.
Sua ajuda e orientação foram imprescindíveis para a concretização dessa dissertação e se
não tivesse contado com seu rigor, erudição e pluralismo, esse trabalho não teria sido
concluído. Sou muito grato pela paciência com um neófito e pelos ensinamentos nesses
mais de dois anos de pesquisa. Seus escritos e sua forma de pensar a sociologia me
abriram um caminho que reavivou e possibilitou uma leitura muito mais sofisticada da
que pensava anteriormente para meu antigo tema de pesquisa. Cabe mencionar quequaisquer falhas que por ventura esse trabalho apresente são de total responsabilidade
minha.
Dos tempos de Gragoatá e de UFF, devo muito ao Professor Marcos Alvito. Seu
curso sobre Machado de Assis nos tempos de graduação em História mudou minha
concepção sobre o ofício de historiador e me apresentou, de forma indireta, o objeto que
pesquisei nesta dissertação. Além disso – como se fosse pouco – sua postura docente e
intelectual são exemplares e inspiradoras.
Aos professores Beatriz Heredia e Marco Aurélio Santana agradeço o excelente
curso de metodologia de pesquisa ministrado durante o curso de mestrado. Suas leituras,
comentários e “implicâncias” foram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho.
Também agradeço a professora Eloísa Martin pelas leituras que em parte informaram a
construção dessa dissertação e o excelente curso sobre escrita acadêmica que auxiliou
muito na minha formação acadêmica.
Às professoras Gabriela Nunes Ferreira e Aline Marinho Lopes agradeço os
valiosos comentários no momento da qualificação. Gostaria de agradecer também a
professora Maria Fernanda Lombardi que comentou parte deste trabalho quando ainda
estava em seu início.
Aos colegas de pesquisa Alessando Garcia, Alice Ewbank, André Bittencourt,
Karim Helayel, Lucas Carvalho, Luna Ribeiro e Maurício Hoelz agradeço o
agradabilíssimo convívio que me propiciaram nesses últimos anos. O ambiente de
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camaradagem, generosidade e alegria são coisa rara no meio acadêmico. Devo
agradecimentos especiais a Karim e Alessandro, pelas conversas na volta do metrô, que
iam de Star Wars a Althusser, e pela ajuda na “correria” da vida acadêmica. Agradeço
também a Alice por ouvir sobre os percalços pessoais e profissionais que acompanharam
essa jornada desde 2013. E pela cervejinha também pois não somos de ferro, afinal!
Aos meus colegas de mestrado, que sempre mantiveram um ambiente amistoso e
generoso de convivência. Agradeço especialmente a Samantha Gifalli e Gustavo
Fernandes pela ajuda e pelas trocas intelectuais e afetivas desse período.
Aos amigos e amigas devo muito do suporte emocional que foi imprescindível
para a realização da tarefa árdua e quase sempre solitária que é a escrita e a pesquisa.Impossível citar nominalmente todos, mas sintam-se abraçados por mais essa etapa
concluída. O Ferreira Vianna, mais do que um curso técnico em telecomunicações, me
forneceu amizades que constituem hoje parte inseparável da minha vida. Klaus,
Carlinhos, Moura, Helliton, Mari, Ganso, muito obrigado pelo apoio de sempre. Hermio,
agradeço pela amizade, pelas cervejas e também por ter me ajudado na formatação final
desta dissertação.
Dos tempos de Niterói, por sorte carrego excelentes amigos e excelentescompanheiros de diálogo intelectual. Agradeço a Gabriel Neiva pelas conversas sobre
música, futebol, vida, pensamento social e pela amizade fraternal. Gondim, Bela, Lari,
Carol, Fê, Alanzinho, Bia, muito obrigado pelas “fugas” nesse período tenso de escrita.
Filipe Senos, grande companheiro de Penha e de “passeio”, prometo retornar a vida após
a defesa e marcar aquela cerva há tempos prometida. À Larissa Costard agradeço por
sempre me alertar sobre as minhas “pós-modernices”, além de toda a amizade e carinho
que nossa convivência proporciona.
À Bárbara agradeço pela amizade ímpar e sua generosidade sempre em alta.
À Marina Ayres agradeço por me ouvir tantas e tantas vezes nesses últimos
tempos e por levar o conceito de amizade até as últimas consequências.
Aos amigos da melhor mesa redonda do planeta, meu agradecimento de coração.
Os nossos debates multifacetados, hilários e controversos me ajudaram muito nesse
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período de claustro. Bel, Nelo, Rayol presidente, Leléo, Cookie, Yure, Vovô, Careca,
Pasca, Sasssone e Raphael, agora leiam minha “tese”.
Aos amigos Adriana Xerez, Maria, Dirceu e Pedro, agradeço muito pelo
acolhimento nos momentos difíceis desses tempos e os ouvidos sempre disponíveis para
as lamúrias da vida e da carreira docente. E também agradeço pela rede mais
aconchegante da Grande Tijuca! Agradeço também ao Pedro pela leitura do primeiro
capítulo dessa dissertação e pelos sempre instigantes diálogos que travamos. Agradeço
especialmente também a Maria que leu o esboço do que viria a se tornar o segundo
capítulo da dissertação.
À Mônica Mourão, agradeço as trocas intelectuais que tivemos durante esses doisanos e a amizade nova e especial com que Fortaleza me presenteou. Sua generosidade é
coisa rara no “mundo cão” de hoje em dia.
Aos alunos e alunas da Escola Municipal Bernardo de Vasconcelos, da Escola
Municipal F.J. Oliveira Vianna e da Escola Estadual São Bento, meus mais sinceros
agradecimentos. A experiência na docência foi fundamental para a abertura de novos
horizontes na minha vida, inclusive acadêmica, e o aprendizado que tive com a gana de
viver e aprender de jovens tão maltratados pelo poder público foi um divisor de águas emminha trajetória. A barbárie nunca vencerá e a alegria sustentada por eles e elas me
comprova isso diariamente.
Aos meus pais, Noêmia e Euclides, pela ajuda importantíssima em toda minha
formação e por acreditarem nas escolhas que fiz, além de todo suporte afetivo e material.
Agradeço também a minha irmã Nathália pela alegria e pelo carinho.
Às funcionárias do PPGSA, agradeço a solicitude e o profissionalismo.
Agradeço também à CAPES pelo auxílio financeiro que viabilizou este trabalho.
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Dedico esta dissertação aos meusalunos e alunas
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O r espeito das convicções alheias não
consiste em julgá-las boas e
verdadeiras, mas só em tê-l as por
íntimas e sinceras
Tobias Barreto, O atraso da filosofiaentre nós, 1872
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO______________________________________________________ 12
1 - A CRÍTICA DA CRÍTICA SOBRE SÍLVIO ROMERO __________________25
1.1 - A morte da polidez ..................................................................................................25
1.2 - Horror à realidade?................................................................................................33
2 – SPENCERIANISMO HETERODOXO.................................................................49
2.1 - Positivismo e o “ spencerianismo crítico” romeriano..............................................49
2.2 - Parlamentarismo como “conservadorismo progressista”.......................................61
2.3 - Crítica ao hiperfederalismo e a questão da interferência estatal...........................69
3 – MESTIÇAGEM CONCEITUAL_____________________________________ 78
3.1 - Meios e fins, logos e práxis......................................................................................78
3.2 - Sílvio Romero, Herbert Spencer e a geração de 1870.............................................86
3.3 – Mestiçagem conceitual........................................................................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________________108
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS___________________________________117
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INTRODUÇÃO
A presente dissertação objetiva reconstruir o movimento intelectual de SílvioRomero nos anos nascentes da Primeira República, onde o autor mobilizou uma gama de
teorias “cientificistas” para dar conta dos dilemas da formação nacional brasileira e
também para pensar os desafios e possibilidades abertos a partir do golpe republicano 1.
Minha proposta de análise da obra romeriana realiza dois movimentos específicos: o
primeiro é perceber sua produção intelectual sem cair na armadilha de pensar em termos
disjuntivos teoria e intervenção política, evitando tomar por certo a própria mitologia
criada pelo autor, tomando sua “narrativa de si” como algo reificado (Bourdieu, 2005;Skinner, 2005) e também transcender interpretações ossificadas pela fortuna crítica e
pensar em possibilidades alternativas de interpretação de seu legado. O segundo aspecto,
consequência do primeiro movimento, consiste também em considerar sua mobilização
criativa das teorias europeias como um esforço de pensamento teórico periférico.
Com isso, busco a abertura de um outro caminho analítico sobre a obra do autor
sergipano que permita perceber sua adoção dos repertórios europeus de forma original.
Assim, sugiro que a forma como o liberalismo foi lido por Sílvio Romero foi debitaria datensão frente a tarefa de construção de uma perspectiva interpretativa que advogasse a
adaptabilidade de doutrinas sociais e políticas frente a realidade e a história brasileira,
mediante o cenário de impossibilidade de negação da mestiçagem e da necessidade de
afirmação do país nos rumos da modernização ocidental. Para dar conta desse movimento,
tento demonstrar e desestabilizar algumas continuidades acerca da recepção crítica do
intelectual sergipano e descortinar outras possibilidades interpretativas sobre o autor, que
destaque sua elaboração ativa e criativa dos repertórios “importados”.
A motivação primeira da pesquisa que originou a dissertação partiu de um
incômodo: a percepção de que as interpretações sobre a obra de Sílvio Romero
ressaltariam o caráter contraditório das suas formulações intelectuais. O crítico literário
sergipano é destacado por muitos analistas como um dos grandes intelectuais brasileiros
1 A dissertação não pretende dar conta de forma sistemática e linear da trajetória de Sílvio Romero. Existeminúmeros trabalhos que tentam escrutinar o percurso biográfico do autor, relacionando seu percurso às
ideias que defendeu. Cf Sussekind, 1938; Rabello, 1967; Mota, 2000. Para uma abordagem sistemáticasobre a “Escola do Recife” e o papel de Sílvio Romero neste cenário ver Paim, 1966; Chacon, 1969.
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e sua obra foi objeto de muitas análises, indo da História e Literatura até a Filosofia. Além
disso, o autor é comumente associado ao movimento renovador de ideias políticas e
filosóficas no Brasil, a chamada “geração de 1870”, formada por intelectuais que se
caracterizavam pela oposição à “ordem saquarema” que vigorou quase ininterruptamente
entre 1848 e 1878 e também pela tentativa de superação dos três pilares da ordem imperial
conservadora: o catolicismo hierárquico, o indianismo romântico e a escravidão, com
todas suas limitações à ampliação da participação política. Apesar das contribuições do
crítico sergipano terem sido mobilizadas em trabalhos muito diversos, onde sua
contribuição foi esmiuçada em áreas diferentes de conhecimento, esse é um traço
característico da bibliografia crítica sobre Sílvio Romero. O juízo que o autor teria
lançado mão de formulações conflitantes entre si, ora motivado por leituras poucosofisticadas das teorias formuladas na Europa, ora pelo seu temperamento fluído,
agressivo e pouco dado a sistematização, percorre quase toda a fortuna crítica sobre o
autor.
Em trabalho relativamente recente e de muito fôlego Angela Alonso (2002)
procura enquadrar a “Geração de 1870” dentro de um movimento intelectual de
intervenção política strictu sensu, indo além das interpretações sobre as produções desse
grupo sob as lentes da História das Ideias (uma discussão sobre “escolas de pensamento”
baseada numa maior ou menor fidelidade com as matrizes teóricas de origem) e de
supostas ideologias de classe. Segundo a autora, a primeira vertente acaba por cair na
questão da cópia/desvio, pois a referência sempre é exterior ao ambiente analisado; na
segunda vertente a impossibilidade de ganhos heurísticos em interpretar a produção
desses novos grupos que supostamente expressariam anseios de grupos sociais novos,
surgidos com o processo de modernização econômica do país (Idem: 28) se torna inócua
pois essa crise estrutural nos últimos vinte anos do Império não produziu, na cena política brasileira, novos grupos emergentes e nem promoveu sua homogeneidade, mas sim
favoreceu uma reconfiguração de forças dentro da elite política-intelectual do período.
Como saída para essas questões a autora busca - sem separar a geração entre “intelectuais
e políticos”2 - encarar as manifestações intelectuais do período como primordialmente
2 Nas palavras da socióloga “embora se tenha tornado uma convenção, a divisão da geração de 1870 emum grupo de cientificistas pouco atentos às questões nacionais e outro de pensadores politicamente
empenhados é um anacronismo. É resultado do arbítrio dos intérpretes, que selecionaram característicasintelectuais em detrimento das políticas.” (Idem: 38)
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eventos políticos. Para a tarefa de interpretar o movimento como uma resposta coletiva
ao fechamento das oportunidades políticas no outono do Império, a autora mobiliza a
literatura sociológica que trata dos “repertórios contenciosos” (Tilly, 1978, 1993)
operando com base na ideia de “tool kit”, onde as ideias seriam como ferramentas a
serviço de um uso pragmático de intervenção política em determinado contexto
(Swindler, 1986; Tilly, 1993).
Sem dúvida não é o caso de ignorar as contribuições e pistas levantadas para a
compreensão da atuação intelectual e política de Romero3, porém, o movimento de
Alonso parece desconsiderar, em parte, a presença, na obra desses agentes, de
formulações para além do pragmatismo de servirem como ferramentas de contestação e
debate político discursivo (cf. nota 18: 38). Movimento que deve-se a escolhas teóricas
da autora que, para uma melhor compreensão do meu próprio movimento analítico aqui
exposto, necessita-se matizar. Como Alonso afirma, “a apreensão do movimento
intelectual impõe ir além da reconstrução da lógica interna dos textos e inscrever sua
produção doutrinária no processo sociopolítico em que surge” (Ibidem) e reforçando o
argumento, critica os autores da História das ideias que ao atribuir aos agentes o propósito
de produzir conhecimento de valor universal teve o efeito de elevá-los à categoria de
“filósofos”. O método heurístico, assim, acabou suprimindo a conjuntura e toda conexão
com a problemática social contemporânea desaparece nessas análises (Idem: 24).
Comungo do diagnóstico em relação a produção específica a que a autora se refere, mas
desconfio da separação brusca entre teorização ou produção de conhecimento
generalizante e intervenção no debate público e acredito que a raiz do antagonismo reside
na questão do f also paradoxo entre leituras “textualistas” e “contextualistas”. Como
salienta Botelho, os ensaios, como outras formas de conhecimento social, não são meras
descrições externas da sociedade, mas também operam reflexivamente, desde dentro,como um tipo de metalinguagem da própria sociedade (Botelho, 2010: 61) e não se trata
de revalorizar ideias e valores como variáveis independentes da realidade social, mas
entendê-los como relativamente independentes sem relegar a segundo plano por isso, ou
3 O corte cronológico da presente pesquisa é a Primeira República, período posterior ao delimitado porAngela Alonso em seu livro, que se dedica ao estudo da geração reformista na crise do Império. Entretanto,a análise e mobilização crítica que realizo das problematizações da autora para a geração que Sílvio Romerofoi formado, a meu ver, não se impossibilitam por esse fato pois a abordagem teórico-metodológica
empreendida pela autora se torna uma agenda generalizável na abordagem da intelectualidade num quadrode não-autonomização do “campo” intelectual, quadro que permanece inalterado na Primeira República.
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simplificar, ordeiramente, sua intricada interdependência com o processo social.
(Botelho, 2005: 77).
Como forma de enfrentar o paradoxo discutido entendo que uma saída possível
seja realizar uma análise que leve em conta que a teoria se constitui em movimento,
reflexivamente em relação a “matéria social”, onde a conjuntura não funciona apenas
como determinante exterior, mecanicamente, mas sendo incorporada internamente ao
texto. Assim, dialeticamente, imbricam-se mudanças na forma sociológica das
interpelações e o movimento político e social mais amplo a qual as formulações de Sílvio
Romero dialogam de forma analítica, mas também normativa. Entretanto, o contexto,
entendido como exterioridade, não é descartável na minha análise, mas o propósito
também é entender como ele dialoga e se integra (e se transforma) internamente na obra
romeriana. Inspiro-me aqui nas proposições de Schwarz(1999) e de Candido (2000)4,
segundo as quais a matéria social funciona como elemento interno ativo na constituição
da forma. No caso dos dois autores, se referindo à literatura de ficção e no caso aqui
proposto como “modulador” das construções e deslocamentos de temas, abordagens e
referenciais teóricos. Além de romper com a disjunção entre “texto” e “contexto”, essa
perspectiva pode ser útil por revelar como a migração e adaptação das ideias em contextos
periféricos pode trazer úteis mecanismos para desvelar não somente a sua forma,
deslocamentos e aplicabilidade (ou não) fora do centro, mas também para desvelar as
contradições no funcionamento das teorias no centro (Ricupero, 2008: 68).5
A percepção do descompasso entre as ideias europeias, que serviam as
elucubrações da elite intelectual brasileira do século XIX, e o processo social brasileiro,
marcado pela escravidão e pela influência negativa do latifúndio e de atrofia do aspecto
público, que agiriam como entraves à formação de uma sociedade civil ativa, era uma
percepção corrente entre os autores/atores brasileiros do período. Esse “sentimento de
despropósito”6 (Schwarz, 1999: 82), traço característico do pensamento conservador,
4 Brasil Jr (2013), inspirando-se nos mesmos autores, demonstra como a aclimatação realizada porFernandes e Germani não foi simples reprodução acrítica da sociologia da modernização, em especial a deinspiração parsoniana, mas sim foi uma síntese teórica original que deslocou os pressupostos dessa matrizoriginal em função da interpelação de conjunturas específicas em que as pesquisas de cada autor estavaminseridas.5 A interpretação de Bernardo Ricupero refere-se diretamente ao ensaio “As ideias fora do lugar” deRoberto Schwarz (2012).6
A citação completa, em resposta a Bosi, salienta a pertença do liberalismo à ordem global capitalista. Nas palavras de Roberto Schwarz: “Assim, ao mostrar que o liberalismo foi coado pelo filtro de um interesse
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acredito, pode ser compreendido de forma mais ampla por meio do cotejamento com
outras abordagens sobre a suposta inadequação entre ambiente social e ideias, também
partindo de sentimentos de “estranhamento” fr ente a necessidade de releituras a partir de
realidades muito diferentes dos países centrais e suas narrativas acerca do mundo social.
Surgidas dentro do movimento de crítica e tentativa de superação do
eurocentrismo das narrativas sociológicas “clássicas” e da consequente dependência
epistemológica e acadêmica das ciências sociais do sul em relação às do “Norte
atlântico” (Keim, 2008), esses “discursos alternativos” (Alatas, 2010) sinalizam para a
necessidade de se construir alternativas em relação à aplicação acrítica do repertório
intelectual europeu na análise das realidades dos países do sul global. Essa aplicação
“servil” do repertório teórico europeu, além de representar uma dependência acadêmicae intelectual que reflete uma conjuntura de subordinação econômica mais ampla, não
auxiliariam para a compreensão dos contextos específicos das sociedades do sul.
Produções que nasceram em realidades histórico-sociais específicas são universalizadas,
sendo utilizadas em contextos bastante diferentes daqueles do seu surgimento,
não possibilitando assim uma análise mais abrangente das realidades dos países
periféricos.
Essas tentativas de construção de novas possibilidades de construção do
conhecimento sociológico em contextos periféricos tem buscado uma saída frente à
universalização de corte eurocêntrico mas, contudo, sem aderir necessariamente às
premissas pós-modernas que fragmentam as perspectivas nacionais em narrativas
fechadas em si, impossibilitando uma conexão entre os discursos sociológicos produzidos
em diferentes partes do mundo. Margareth Archer (1991), em artigo que serve de
introdução ao Congresso Mundial da ISA, entidade que presidia à época, advoga em favor
de uma sociologia unitária baseada na unicidade da razão humana e alerta para a falsa
de classe execrável, ao qual serviu bem - o que é verdade -, Bosi julga haver dissipado a ilusão, ou melhor,a ideologia de desconcerto e nonsense que acompanhou a sua associação com a escravatura. A meu ver estesegundo passo joga a criança com a água do banho. A começar pelo propósito mesmo do raciocínio. Amencionada convicção da excentricidade e do deslocamento local das idéias modernas não é uma invençãodos historiadores do século XX, cuja supressão nos pudesse devolver uma visão mais exata das coisas. Pelocontrário, sem prejuízo do caráter ideológico, aquele sentimento de despropósito é justamente o fenômenoque se deveria explicar em sua necessidade histórica, pois foi uma presença notória no Brasil oitocentista,e estava por assim dizer inscrito nas coisas, tanto que a maioria dos exemplos lembrados por Bosi para
provar a funcionalidade escravista do liberalismo serve igualmente para abonar a feição desconjuntada damesma combinação.” (Schwarz, 1999: 82; grifos nossos)
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dicotomia entre unidade e diversidade. Para a autora, a saída para tal situação seria
escapar dos caminhos propostos pelo positivismo e também pelo relativismo pós-
moderno e pensar a sociologia com base no realismo crítico, como uma unidade entre
diferentes formas e métodos de análise, mas com possibilidade de se conseguir alcançar
um norte comum e garantir as potencialidades da disciplina enquanto forma de
conhecimento. Analogamente ao que propõe Berthelot (2000), esse movimento analítico
pode ser entendido como uma conjugação entre pluralismo (de formas, de objetos de
análises e de fontes de construção teórica) e racionalismo (Idem:111). Convém salientar
que, para o autor, pluralismo não seria sinônimo de relativismo mas sim uma concepção
ainda nos marcos do pensamento racional, como fica claro no trecho citado a seguir:
O termo pluralismo é por vezes associado ao de relativismo. Pode efetivamente serassim quando o pluralismo exprime uma reivindicação defendendo a relatividade dos pontos de vista para justificar a pluralidade destes. Em contrapartida, o termo podedesignar igualmente o reconhecimento - a um nível de elaboração intermédio, o dasteorias e dos programas - de uma pluralidade de construções, diferentes na suaorientação específica, mas reclamando-se de uma referência comum aos princípiosracionais que regem a atividade de conhecimento (Idem: 119).
Hussein Alatas foi um dos primeiros intelectuais que lançaram as bases da, assim
chamada, “autonomização” da Sociologia. Sua proposta consiste no desenvolvimento de
métodos e teorias capazes de incorporar dados e de pensar a prática analítica com
pressupostos que partam “de dentro” das sociedades estudadas “para fora” (Alatas, 2006).
Segundo o autor, os conceitos clássicos das ciências sociais europeias, como classe,
estratificação social, mobilidade social, cultura etc. teriam uma validade universal no
nível abstrato, mas suas manifestações históricas e concretas seriam condicionadas pela
conjuntura que foram desenvolvidas (Idem: 07). O movimento que as sociedades e os
intelectuais não ocidentais deveriam tomar, no intuito de promover uma ciência social
com maiores ganhos heurísticos, seria o de construir uma tradição de conhecimento
autônoma, que levasse em conta os aspectos locais, “aplicando um conceito independente
de relevância na coleta e na acumulação dos dados de pesquisa” (Ibidem). Isso
possibilitaria uma contribuição genuína e verdadeiramente local a uma sociologia
supostamente universal, livre da imitação e da cópia de referências alienígenas àquelas
sociedades.
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Outra proposta de movimento análogo seria a da indigenização da Sociologia,
prática essa desenvolvida em contextos sociais e geográficos específicos, com suas
nuances particulares. Calcado na reformulação das premissas ontológicas,
epistemológicas, empíricas e axiológicas mobilizadas nas pesquisas, tal rompimento
permitiria, segundo este movimento, em (re)construir conceitos sociológicos com base
nas tradições locais e populares das respectivas sociedades não-ocidentais (Kim apud
Alatas 2010: 229). Com isso, se abriria a possibilidade de lançar um projeto sociológico
em outras bases7, desenvolvendo conceitos analíticos calcados no conhecimento social
contido, por exemplo, nos registros da poesia oral Iorubá que assim serviriam para o uso
sociológico futuro tanto na análise nativa como também em outros contextos geográficos
e sociais (Akiwowo, 1986: 343). Sem perder de vista a generalização de suas proposições,Akiwowo afirma:
the principal aim of this paper is to contribute to a general body of explanatory principles by demonstrating how some ideas and notions contained in a type of African oral poetrycan be extrapolated in the form of propositions for testing in future sociological studiesin Africa or other world societies (Idem : 343).
Essas duas perspectivas podem abrir possibilidades interessantes para pensar as
formulações intelectuais com fins a intervenção na realidade e também com intuitos de
fomentar uma produção teórica generalizante sem cair numa divisão estéril entre “Teoria”
e “prática” ou intervenção política. Entretanto, deve-se tomar cuidado para não considerar
ao extremo essas duas propostas intelectuais e, consequentemente, incorporar uma visão
essencialista sobre conceitos como “identidade”, “nacional”, “autóctone” etc. Nota-se,
porém, tanto no projeto de autonomização da sociologia quanto no de indigenização, uma
forte tentativa de balizar localmente as premissas analíticas de seus trabalhos, de forma a
7 Após esse movimento inicial surgiram desenvolvimentos críticos a esse projeto, como os estudos deMakinde (1988) e Lawuyi & Taiwo (1990), e também contraposições às premissas básicas de Akiwowo eà maneira como seu desenvolvimento conceitual ainda mantinha relações espelhadas e estruturais comconceitos europeus e com a vertente do funcionalismo estrutural (Adesina, 2002). Por outro lado, Archer(Ibid.) retoma o projeto intelectual de Akiwowo e afirma que, ao contrário de leituras equivocadas que viamna análise do autor nigeriano um exemplo do relativismo cultural, esse estudo possibilita o entendimentode que “humankind universally thinks and talks about sociality – about creation, social origins,consanguinity and cohabitation. In Isichei´s terms this leads to an anti-relativistic quest for basic conceptualcategories whose empirical referents exist whenever human beings are found “ (Ibid. : 143) . Assim, aautora defende que uma das saídas para a falsa dicotomia entre unidade e diversidade, criando-se umconhecimento universal longe das armadilhas do positivismo e do pós-modernismo seria o recurso a
universalidade da razão humana, apesar dela se revelar, dependendo do contexto, em manifestações práticase cotidianas diferentes (Ibid. : 140).
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se contrapor ao projeto original universalizante da sociologia8. Relacionar essa “ proposta
periférica” com a proposta de Roberto Schwarz primeiramente esposada no ca pítulo
inaugural de Ao Vencedor as Batatas (2002) permite, assim, elucidar minha proposta de
abordagem da obra de Sílvio Romero.
Roberto Schwarz, em crítica à análise de Alfredo Bosi da suposta “triagem” que
o liberalismo teria sido submetido pelas classes dirigentes, afirma a necessidade de pensar
a questão da adequação/inadequação do liberalismo tendo em vista o caráter global do
capitalismo, como fica claro no trecho abaixo:
O mal-estar brasileiro em relação às idéias modernas, de que o sentimentode inadequação do liberalismo é uma instância, pertence a essa esfera dos
efeitos globais, de incompatibilidade e co-presença de pontos de vistaengendrados no interior e em diferentes lugares de um sistematransnacional, que a noção de filtragem, com o seu viés localista, tende adesconhecer. O próprio Bosi encontrou o problema ao lembrar a explicaçãode Marx sobre a plantation norte-americana, cujos proprietários são ditoscapitalistas a despeito do trabalho escravo, pois se trata de "anomalias nointerior de um mercado mundial assentado sobre o trabalho livre"(Schwarz, 1999: 84)
Segundo Schwarz, a funcionalidade das ideias liberais e o “disparate” frente à estranheza
mediante a condição sui generis do Brasil perante a modernidade, devido a escravidão,
não seriam pólos apartados mas sim se conjugariam na conformação da problemática
tratada (Idem: 83). O “mal-estar” que o autor indica nas linhas reproduzidas acima,
derivado do aspecto global que o capitalismo já assumia desde o século XVI e a
consequente posição “desigual e combinada” da periferia frente ao centro da modernidade
internacional seria condição incontornável posto que calcado em condições objetivas e
estruturais que não se modificariam apenas com o uso mecanicista do liberalismo.
Concordando com o autor, podemos afirmar que a tensão presente na obra de Sílvio
Romero permite perceber esse delicado quadro de tentativas de leituras afinadas ao
grandes centros como um exercício ativo de manejo intelectual. Por outro lado, as
“condições objetivas” que a realidade brasileira impunha a Sílvio Romero deram limites
bem delimitados ao alcance de suas formulações.
8 Em relação à análise do processo de formação das teorias sociológicas clássicas, essas duas correntes
sociológicas, além de “provincializar a Europa” – transcendendo o chamado de Chakrabarty (2000) – ,indigenizaram-na (cf Alatas, 2001: 01)
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A conjugação das duas propostas, entretanto, necessita de uma mediação
específica, principalmente em relação a questão local-global. O contexto, nas duas
perspectivas, desempenha papel analítico central na construção do conhecimento – no
caso da proposta de Alatas – e como proposta teórica-metodológica de estudo das nossas
formulações ideológicas – no caso de Schwarz. Torna-se possível aproximar as duas
propostas por meio da mobilização do conceito de relevância, defendido por Alatas
(2001). Esse conceito ancora-se na ideia de que nas ciências sociais uma visão crítica em
relação aos modelos analíticos “importados” e a tentativa de buscar soluções originais e
locais para pensar os problemas teórico-metolológicos nos contextos nacionais
propiciariam saídas heurísticas eficazes e realizariam, de fato, uma generalização afastada
do signo da dominação colonial e em bases científicas mais acuradas.
Os dois discursos alternativos em tela e a síntese, via Farid Alatas, levando-se em
conta suas diferenças não desprezíveis, buscam saídas para o universalismo
hierarquizante, escapando das armadilhas do discurso pós-moderno, o qual sinaliza para
a pulverização da razão em “razões” conjecturais (Lyotard apud Archer, 1991: 140); ou
seja, esses discursos constituem uma saída racional e realista para a questão da
globalização e de sua respectiva geopolítica do conhecimento. A questão da relevância
aponta também para a necessidade de se buscar, historicamente, as bases de construção
da sociologia, entendendo que a produção de conhecimento, como em outras esferas da
vida humana, é fruto de processos históricos específicos.
Em artigo recente, João Marcelo Maia (2015) aplica essa concepção de Alatas ao
estudo do pensamento de Guerreiro Ramos. A aproximação propõe uma abordagem
transnacional do estudo do autor de Redução Sociológica e, com isso, inserir seu
pensamento na dinâmica mais ampla, global, das formulações sociológicas do pós-guerra.
A partir desse estudo de caso, Maia propõe algumas possibilidades de pesquisa dentro do
campo de pensamento social que tentem dar conta da mobilização dos produtos
intelectuais periféricos dentro de uma lógica relacionada ao movimento mais amplo das
formulações teóricas ocidentais, como fica explicitado no trecho que reproduzo em
seguida:
Tal perspectiva implica desfazer as barreiras e separações entre a históriado pensamento social brasileiro e a história das ciências sociais globais,
fato que se reflete na própria estrutura de ensino de graduação em nosso
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país, em que, usualmente, o pensamento social é ensinado fora das cadeirasde Sociologia, permanecendo à parte e sem ser necessariamente vinculadocom o estudo das ideias modernas sobre o social. De certa maneira, essaseparação reflete a polêmica em torno do estatuto científico dos textosagrupados na rubrica do “pensamento social” (Maia, 2015: 54)
O conceito de relevância, como mobilizado por Maia, também permite fugir do
essencialismo que perspectivas calcadas na ideia de originalidade das experiências
nacionais ocasionaram. Pensado como mediação entre as propostas de indigenização e
autonomização da sociologia, ambas essencialistas, o conceito de relevância permite
escapar do que o autor caracteriza como um “orientalismo”9 às avessas, pois a aceitação
da peculiariedade das experiências nacionais não necessariamente deve negar a relação
das experiências intelectuais da periferia com o movimento global mais amplo (Alatas,
2001: 60-61). Nesse sentido, a perspectiva levantada por Alatas, na busca dos nexos locais
para a reflexão sociológica, possibilita compreender a aclimatação de Sílvio Romero
dentro de um movimento mais amplo da expansão do pensamento liberal e dos ajustes
que o liberalismo sofreu, também, nas experiências centrais10. Mais do que uma questão
de acuidade ao “reproduzir” tal ou qual modelo intelectual ou político, as tensões das
leituras do liberalismo presentes na obra de Sílvio Romero podem ser percebidas como
embebidas em dilemas que suas versões mais “fidedignas” também enfrentaram, mas
dilemas de outra ordem. Esse descompasso entre “ordens” diferentes, mais do que fruto
de leituras menos sofisticadas dos intelectuais fora do centro, podem, talvez, serem
entendidas na truncada (e reflexiva) relação entre ideias e contextos na qual procuram se
fazer valer.
Visto isso, construí a dissertação em três capítulos: no primeiro deles procuro
sugerir a presença de uma cristalização de determinado enviesamento da recepção do
trabalho de Sílvio Romero que parte de problemáticas surgidas no próprio cenário
intelectual fluminense do último quartel do século XIX. Tento demonstrar como
determinada sensibilidade crítica, naturalista, defendida por Sílvio Romero causou
9 A referência aqui é ao trabalho clássico do teórico da literatura Edward Said e sua obra fundadora doschamados Estudos pós-coloniais. Cf. Said, 2011.10 Convém relembrar o papel que o liberalismo pensando por Stuart Mill teve na “domesticação” das
perspectivas liberais no contexto inglês, esvaziando a perspectiva de uma ação do mercado livre decontingenciamentos outros, como aquela ligada à uma concepção liberal atreladas às máximas
evolucionistas que enfatizavam o papel positivo da “competição” livre das intervenções do aparelhoestatal. Sobre o tema, conferir Bellamy, 1994.
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reações contrárias no grupo de letrados da capital federal que acarretaram interpretações
que permaneceram, em menor ou maior grau, na bibliografia posterior que se debruçou
sobre seu legado crítico e interpretativo, principalmente as que localizaram sua trajetória
intelectual como essencialmente marcadas pela pecha de autor rebelde, contraditório,
assistemático e atravessado por impulsos psicológicos incontornáveis. Vale mencionar
que não procuro, ao contrário, uma estabilização das tensões em sua trajetória, visto que
o próprio autor percebeu essa marca que recebeu de seus adversários e tentou ele mesmo
construir sua justificativa retrospectiva (cf. Romero, 1913) mas tento compreender os
tensionamentos de seus esforços intelectuais em relação com o momento político-social
do país.
Já no segundo capítulo, procuro analisar a “aclimatação” do liberalismo
spenceriano no Brasil feita por Sílvio Romero, baseando-me principalmente em seus dois
livros de debate doutrinário mais contundentes nos anos iniciais da República: Doutrina
contra Doutrina (1893) e Parlamentarismo e Presidencialismo no Brasil (1894)11. No
primeiro, Romero realiza um embate com o positivismo, criticando a forma com que a
doutrina teria se desenvolvido no Brasil, defendendo, em contrapartida, uma interpretação
do país baseada no evolucionismo de Herbert Spencer. Já o segundo é uma compilação
de sua correspondência ativa com Rui Barbosa concebida por Romero como obra
independente em que se esforça em empreender defesa sistemática do modelo
parlamentarista em detrimento do presidencialismo baseado numa metodologia calcada
novamente em Spencer, mas não de forma ortodoxa. A análise dos dois livros se faz
conjuntamente com a reflexão sobre sua curta atuação parlamentar e seu papel de relator
do projeto de revisão do Código Civil. Para tal reflexão, mobilizo na discussão do capítulo
uma série de intervenções parlamentares, correspondências e outras fontes primárias que
permitem ver os movimentos do autor na dinâmica política “prática” do período. Osdiscursos de sua atuação como deputado federal entre 1900 e 1902 que utilizo aqui foram
compilados em forma de livro e editados pela Livraria Chardron e lançados em Portugal,
em 1904. Parte da sua correspondência do período que viveu no Rio de Janeiro se
encontra nos arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa e disponíveis em versão
digitalizada. Outra gama de correspondência foi anexada a biografia de Sílvio Romero,
11
Utilizei os textos em suas edições primeiras. Quando alguma edição posterior for mobilizada faço asindicações necessárias.
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Itinerário de Sílvio Romero, assinada por Sylvio Rabelo (1967). Acredito que o esforço
de unir o debate doutrinário feito pelo crítico sergipano conjuntamente com suas
intervenções públicas permitam perceber as tensões que a conjuntura de organização do
modelo republicano e federalista gerava nos esforços intelectuais do autor e como uma
série de impasses a serem resolvidos pela classe política do período, como a questão da
representação política e papel do Estado, acabaram por influenciar uma recepção
específica do liberalismo de corte spenceriano.
O terceiro capítulo intenta um movimento analítico complementar com o do
segundo capítulo da dissertação, tentando localizar uma ligação da proposta estética
concebida para a análise da literatura por Sílvio Romero com um método específico de
interpretação social do país e que também embasou suas concepções sobre o momento
político dos anos iniciais da república. Em outras palavras, tento um breve
acompanhamento da proposta de "aclimatação" do cientificismo feita pelo crítico
sergipano, que tanto na questão da crítica literária em si quanto nas análises sobre a
Constituição de 1891 e a República se conformaram como um suposto método científico
balizado pela fidelidade ao “caráter nacional” e a adaptabilidade não-servil ao fluxo de
concepções e teorias vindas da Europa.
Antonio Candido foi o primeiro autor que tentou entender, em estudo sistemático,
as tensões da proposta crítica romeriana12. Como salienta no prefácio a segunda edição
de O Método Crítico de Sílvio Romero (2006), uma das conclusões que alcançou ao
analisar a obra crítica do autor sergipano foi a relativa fidelidade de sua proposta teórica
desde seus estudos iniciais sobre a literatura até a consolidação de seu projeto de crítica
literária que se concretizou em História da Literatura Brasileira (Candido, 2006: 15)13.
Entretanto, Candido salienta que, apesar desta fidelidade na proposta de crítica, a ideia de
uma coerência do autor seria exagero e não deveria ser levada em absoluto (Idem: 14).
Em parte o trabalho que apresento aqui é tributário dessa percepção de Antonio Candido,
12 Sobre a influência do método de Sílvio Romero para o próprio Antonio Candido, ver Prado, 2009. Sobrea perspectiva crítica de Antonio Candido, salientando seu método comparativo, ver Ewbank, 2014.13 Ao analisar a relação da proposta crítica de Antonio Candido e de Sílvio Romero, Arnoni Prado afirmaque “por mais inadequada que se configure a Antonio Candido a fisionomia literária do crítico projetado
por Sílvio Romero, é – digamos – no preenchimento de seus intervalos, na iluminação gradual dosconteúdos implícitos no que Sílvio sugeriu, mas não fez avançar, esboçou, mas não soube exprimir,
pressentiu, mas não conseguiu formular; é na discussão integradora desses intervalos que as análises de
Antonio Candido redimensionam a contribuição positiva de seus desequilíbrios” (Prado, 2009: 107)
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inclusive sobre a necessidade de entender a ideia de crítica em Sílvio Romero “mediante
interpretação que complete a investigação nos textos pela demonstração dos vínculos com
o momento, em cuja dinâmica ele quis inserir o seu imenso esforço” (Idem: 15). Caso
tenha alcançado minimamente êxito na tarefa que assumi nesta dissertação, pretendo
demonstrar como certas características de sua percepção crítica informaram também suas
análises sociopolíticas e sofreram influência da conjuntura que tentava estabilizar numa
interpretação e também num prognóstico de ação para o futuro.
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CAPÍTULO 1 – A CRÍTICA DA CRÍTICA SOBRE SÍLVIO ROMERO
“A luta pela existência na literatura e naarte tem dois momentos capitais: um que
é feito pelo próprio escritor em sua vida, eoutro que é feito pela consciência públicae pela história depois de sua morte.” SílvioRomero, História da Literatura Brasileira.
O presente capítulo objetiva uma análise da recepção da obra de Sílvio Romero
na fortuna crítica, perseguindo algumas permanências interpretativas em torno da
mediação realizada pelo autor frente as teorias cientificistas europeias. A hipótese que
guia esse movimento analítico é de que certa percepção sobre a atuação intelectual do
crítico sergipano surge no momento de institucionalização do ofício letrado no país, em
torno da tentativa de constituição de uma abordagem da vida literária para além dos
parâmetros do nativismo romântico. O embate pela afirmação do modelo crítico objetivo-
naturalista, por conseguinte, precipitou o embate entre sociabilidades intelectuais
distintas. A postura naturalista de Romero, eivada da ideia de combate e evolução
doutrinária, acabou conformando também um ethos que causou desconforto no ambiente
intelectual fluminense do final do século XIX. A raiz do desconforto se localiza no
encontro tensionado entre uma sociabilidade cortesã anterior, já estabelecida na cena
intelectual brasileira do oitocentos, norteadas pela ideia de “bom gosto”, “dom” e
“capacidade individual” frente a uma “ética intelectual” informada pela necessidade de
superação e de escrutínio das contribuições dos autores brasileiros – vivos ou mortos.
Desse desconforto e estranhamento derivaram algumas críticas sobre a atuação de
Romero que informaram às interpretações sobre o legado do autor. Partindo da recepção
da crítica romeriana à obra de Machado de Assis, por seus adversários intelectuais, tento
descortinar algumas continuidades nas interpretações sobre sua obra já no século XX e,
com isso, abrir outras possibilidades de leitura de suas contribuições.
1.1 – A morte da polidez
O ambiente intelectual fluminense em que viveram, conviveram e combateram
Sílvio Romero, José Veríssimo, Machado de Assis entre outros exibia uma característica
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muito marcante: a sua sociabilidade, que se regia por um modo cortês de interação
(Aguiar, 2012). Praticamente a concretização em termos de conduta pública e intelectual
do “tédio à controvérsia” de Conselheiro Ayres, notória peça da ficção machadiana.
Assim, todas as disputas deveriam manter a boa convivência e a harmonia entre os
participantes, ensejando um ambiente agradável e longe da imagem de campo de batalha
intelectual que tanto agradava a Sílvio Romero. A criação da Academia Brasileira de
Letras (1897), tentativa de especialização do ofício literário14, e a partir de seu surgimento
também ambiente preferencial da elite intelectual no Rio de Janeiro, pode nos trazer
informações importantes sobre a sociabilidade nesse contexto. Machado de Assis, ao
contrário de Romero, pregava o distanciamento e a independência do literato frente às
questões políticas do seu tempo. Em um trecho de seu discurso de inauguração daAcademia, ele diz:
Nascida entre graves cuidados de ordem pública, a Academia Brasileira deLetras tem que ser o que são as instituições análogas: uma torre de marfimonde se acolhem espíritos literários, com a única preocupação literária, ede onde estendendo os olhos para todos os lados, vejam claro e quieto.Homens daqui podem escrever páginas de história, mas a história se faz láfora (Assis apud Sevcenko, 1983: 83).
Romero, ao contrário, defendia que o homem de letras deveria ser atuante, quase
um “militante” em torno das questões caras à realidade social e cultural do país, tendo ele
mesmo defendido esse tipo de fazer literário na sua pequena mas nada discreta atuação
dentro da Academia. Ao comentar sobre a postura do homem de letras frente às “pugnas
e dores da pátria”, delineia assim a postura intelectual que considera adequada:
E' prova de desamor deixal-a gemer ao peso das facções e não ter para ellasiquer uma palavra de consolação. Entrar no meio dos que pelejam, travar
das armas da batalha, quo para muitos de nós é apenas a palavra falada ouescripta, não é acto de heroísmo, chama-se apenas o cumprimento estrictode um dever. Por nossa parte temol-o cumprido sem pretenções e semalardo, discutindo, repetidas vezes, os homens o os factos brasileiros nosúltimos oito annos. Não nos glorificamos disto, que se nos afigurava, eafigura ainda hoje, mera obrigação. Erramos, por certo, em muitasoccasiões, mas erramos de boa fé, pelo muito que amamos este formoso paiz, onde nascemos, d'onde nunca sahimos um momento, d'onde não
14
Sobre a Academia Brasileira de Letras e a tentativa de Machado de Assis de criação de um ambientemais livre e autônomo para os homens de letras no Brasil, ver Miskolci, 2006.
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desejáramos jamais sahir, e que nunca trocaríamos por outro, se nos foradada a liberdade da escolha. (Romero, 1897: XI-XII)
O processo de diferenciação em relação à intelectualidade da capital é muito
presente na trajetória de Romero, desde seus primeiros escritos, para o qual o ambiente
intelectual fluminense do período e sua homogeneização representavam um fato
desestimulante para a individualidade e a crítica renovadora (Romero, 1897)15. Essa
busca pela novidade é justificada com base na necessidade de se criar um sistema de
pensamento organizado, lógico e unitário que possa dar conta das realidades do Brasil em
todos os seus primas. Em seu livro de crítica a Machado de Assis, Sílvio Romero salienta
as reticências da crítica literária do período em enfrentar de forma objetiva as letrasnacionais. Nas palavras do crítico sergipano, a recepção a obra de Machado de Assis não
pretendeu um exame detido de sua importância para a cultura nacional. Em suas palavras:
Tem recebido muitos elogios, quantos delles perfeitamente banaes; masnão tem tido analyses ; tem sido encomiado, porém não tem sido estudado.E de tanto é que um homem de seu merecimento ha mister. Quem já oestudou á luz de seu meio social, da influencia de sua educação, de sua psychologia, de sua hereditariedade physiologica e ethnica, mostrando aformação, a orientação normal de seu talento? (Idem: 06)
Maurício Aguiar (2012) indica que o naturalismo que informou a geração de 1870,
e Sílvio Romero em particular, no que tange ao combate intelectual à polidez e ao tato,
funcionou como forma de afirmação de um modelo intelectual-crítico que possuía a
competição como característica desejável (Idem: 75). Logo, a sociabilidade cortesã se
transformava em alvo privilegiado do autor sergipano. Fato esse que pode ficar mais
enfaticamente demonstrado ao se lançar luz a certos títulos de obras do autor, como por
exemplo Doutrina contra Doutrina e a sua adesão ao evolucionismo de Spencer e suas
propostas de ampliação de influência da ideia de Struggle for life para além do mundo
biológico. Em trecho emblemático dessa posição, o autor sergipano afirma
categoricamente, com sua famosa agressividade, o seu modelo intelectual privilegiado:
não importa isto uma aprovação a certos absenteísmos muito do gosto dosânimos fracos, que entendem de salvaguardar a própria pureza, fugindosistematicamente das tentações. É proceder que nunca aplaudiremos. A
15 Roberto Ventura indica que os ataques de Sílvio Romero a Machado de Assis e a intelectualidade da
capital se inserem no escopo maior de combate a qualquer tipo de oligarquia, incluindo as “panelinhas”literárias. Cf, Ventura, 1991.
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virtude prova-se no meio da luta. A sociedade não é um convento demonjas. Que grande mérito advém em não se cobrir do pó a quem não saià liça do combate e deixa-se tranquilamente ficar em doce e sossegadoaposento? Devemos todos, homens de letras ou não, interessar-nos pelas pugnas e pelas dores da pátria. (Romero, 1897: XI)
Apesar de Aguiar desconsiderar o uso das categorias simmelianas de reserva e as
explanações sobre o caráter “blasé” próprios da modernidade16 nas grandes cidades
(Simmel, 2005) devido as diferenças entre a Berlim do início do século, locus da
construção de seu ensaio, e o Rio de Janeiro dos últimos anos do século XIX, acredito
que as categorias podem funcionar para se entender a sociabilidade intelectual do período.
A Berlim da recém-unificada Alemanha e o Rio de Janeiro da belle époque guardam
diferenças enormes em demasiados aspectos. Porém, os dois contextos se apresentam
como enclaves urbanos em vias de modernização dentro de uma configuração nacional
que guarda pouca correspondência com os modelos de revolução burguesa tidos como
paradigmáticos para se pensar as experiências ocidentais. O Rio de Janeiro da virada do
século XIX, nas palavras de Nicolau Sevcenko, se mostrava da seguinte maneira:
compasso frenético com que se definiam as mudanças sociais, políticas eeconômicas” concorrendo para a “aceleração em escala sem precedentes
do ritmo de vida da sociedade carioca. A penetração intensiva do capitalestrangeiro[...] vem corroborar e precipitar esse ritmo, alastrando-o numaamplitude que arrebata todos os setores da sociedade (Sevcenko, 1983: 26-27)
O diagnóstico esposado acima apresenta paralelos com o cenário descrito por Simmel em
seu ensaio que tenta dar conta das mudanças que a monetarização trouxe a vida urbana
berlinense. Como indica o autor alemão, lá, como aqui, pode se notar a tensão
modernidade/tradição, como fica claro no trecho abaixo:
o tipo do habitante da cidade grande — que naturalmente é envolto emmilhares de modificações individuais — cria um órgão protetor contra odesenraizamento com o qual as correntes e discrepâncias de seu meioexterior o ameaçam: ele reage não com o ânimo, mas sobretudo com oentendimento, para o que a intensificação da consciência, criada pelamesma causa, propicia a prerrogativa anímica. (Simmel, 2005: 580)
16
Aguiar mobiliza principalmente dois momentos da obra simmeliana para construir sua pesquisa: osensaios sobre a sociabilidade (2006) e o estudo sobre Schopenhauer e Nietzsche (2011).
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Assim, continua Simmel, para encontrar refúgio mediante o aumento intenso do
ritmo e dos estímulos próprios do processo de modernização e monetarização os
indivíduos tendem a se acomodar aos conteúdos e à forma da vida na cidade grande
renunciando a reagir a ela — a autoconservação de certas naturezas, sob o preço de
desvalorizar todo o mundo objetivo, o que, no final das contas, degrada
irremediavelmente a própria personalidade em um sentimento de igual depreciação.
(Ibidem: 582) Com isso, Machado de Assis, Veríssimo e seus “aliados” demonstram esse
esforço de lançar as bases de um ambiente intelectual livre do peso da atuação polemista
e incisiva que Sílvio Romero representava.
A primeira reação a crítica de Sílvio Romero ao escritor fluminense se encontra
na obra Vindiciae: o Sr. Sílvio Romero crítico e philosopho (1899) de Lafayette Rodrigues
Pereira. Nesta obra, o Conselheiro Lafayette pretende rebater as críticas de Romero a
Machado e define assim a diferença entre os dois homens de letras:
Conhecemos a victima. tem espirito elegante com as delicadezas de umfilho da cidade de Minerva, fino observador das fraquezas e ridiculos doseu tempo, engenhoso e habil em urdir contos e historias que encantam e
prendem pelo interesse e yivacidade do entrecho e pelo desenho firme elimpido das figuras. Conhecemos tambem o sacrificador: barbaro que veiolá das regiões Cymmerias. Estudou rhetorica em alguma escola de provincia; fez um grosso peculio de theorias, de formulas, de canones, pilhados aqui, alli, que, -embora elle os diga novos, têm, pelo tom e geitocom que são expostos, uns resaibos, uns olores de Quinliano, de Vida, deSoares Barbosa. Sem embargo de longa residencia na cidade, conservaainda muito da primitiva vegetação; falla uma lingua dura, de umagrammatica impossivel, contaminada da ferrugem de aldeia. (Pereira,1899: 05)
Lafayette Rodrigues Pereira, que assina o livro sob a alcunha de “Labieno”, tem
nesse opúsculo sua única produção literária. Apesar deste livro não ter tido repercussão
grande dentro do círculo literário fluminense do período, posto que não era figura literária
de peso, apesar de político com longa e prestigiosa carreira que remonta ao Império, seus
argumentos teriam reverberação para além de seus esforços17. “A urbanidade é também
17
Lafayette Rodrigues Pereira viria a entrar na ABL, por exemplo, em 1909, sucedendo o próprio Machadode Assis, recém-falecido em momento já de início da crise da instituição (crise essa que atingiria seu clímax
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uma qualidade literária!”. José Veríssimo condensa, assim, o argumento em torno do qual
constrói sua crítica em torno da obra de Sílvio Romero (Veríssimo, 2001: 273). Ele
“acusou o golpe”, respondendo e construindo boa parte de sua crítica de forma reativa,
num movimento de acusação e defesa de argumento. Pode-se notar, nesta conjuntura, o
nascimento da representação de Sílvio Romero como uma personagem difícil no
ambiente intelectual do Rio de Janeiro, aparecendo como polemista fervoroso e dono de
uma retórica agressiva, com uma personalidade egocêntrica dada com muita frequência
as autocitações (Idem: 241) sem pouco apreço e respeito, portanto, à reserva, rotinização
básica derivada do caráter blasé (Simmel, 2005) que caracterizou os esforços do
mainstream intelectual fluminense do período. Convém lembrar que a polêmica que deu
origem às críticas de Veríssimo a Romero tinha como cenário os primeiros anos deformação da ABL e a recepção crítica em torno do romance machadiano. Nesta
conjuntura, antigas questões referentes à crítica literária e ao caráter nacional tomaram o
centro dos debates e propiciaram grandes polêmicas. Como exemplo, podemos citar o
seguinte ataque de Veríssimo a Romero:
Eis a que chegou nas mãos incapazes do Sr. Sílvio Romero a “críticacientificista” como ele próprio chama a sua: à rebusca de coincidências deopiniões, de plágios e reminiscências com cujo achado impavam de gozo
críticos das velhas escolas que o Sr. Sílvio Romero veio justamentesuplantar e destruir. Não pode haver mais estupenda revelação deincapacidade critica. Igual só aquela de confrontar os versos patuscos equejandas chulices de Tobias Barreto com o fino e percuciente humorismode Machado de Assis (Veríssimo, 2001: 267).
Sua suposta incoerência e o ardor e ferocidade para com as querelas em que esteve
envolvido marcaram uma tradição de análise que por muito tempo balizou o debate sobre
sua contribuição para o pensamento social brasileiro. José Veríssimo, mediante essequadro, parece inaugurar uma vertente interpretativa sobre a obra do autor ao se
posicionar antagonicamente em relação à crítica literária romeriana, do que o trecho
abaixo citado constitui exemplo emblemático:
[...] ele não é uma natureza complicada e difícil, antes clara, espontânea eaberta. Mas também incoerente, impulsiva, sem medida nemcomedimento. Isso explica as suas incoerências, a sua inconstância de
em 1914) marcada pela descaracterização dos membros ingressantes, muitos deles pouco ou nada ligadosa vida literária brasileira. Sobre o tema, ver Rodrigues, 2003.
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caráter e de espírito [...] se não se emenda, é um candidato ao delírio de perseguição (Veríssimo, 2001: 244)
Nota-se claramente no trecho a desqualificação de Romero transcendendo ao arcabouço
teórico e crítico utilizado por ele e fixando-se nas suas características pessoais e
psicológicas. Artifício comum no mis-en-scéne intelectual da época, essa característica
tão enfatizada pela crítica ao autor sergipano parece se enquadrar em uma salva guarda
de determinada forma específica de fazer crítico18.
Araripe Junior, outro expoente da crítica literária naturalista do século XIX,
também se esforçou em emitir juízos críticos sobre a postura de Sílvio Romero no
ambiente intelectual fluminense do período, realizando uma série de escritos publicados
na Revista Brasileira entre agosto e novembro de 1899 intitulados de Sylvio Romero –
Polemista. Tentando debater o juízo pessimista que Romero atribuía ao futuro do povo
18 Rocha (2004), em ensaio que aborda as possiblidades de releitura das proposições de Sílvio Romeroacerca da obra machadiana classifica o embate dele com Machado como um ataque, pelo primeiro, de uma
postura típica de “homem de letras cordial” (Rocha, 2004: 261). A interpretação do ensaio e do livro a que pertence gira em torno de problemáticas da vida intelectual e crítica brasileira sendo vistas sob o prisma da
cordialidade, aos moldes codificados por Sérgio Buarque. Segundo o autor a condição do homem de letrasno Brasil seria marcada pela cordialidade, sob o risco de, caso contrário, ser excluído dos “círculos deamizade que costumam assegurar visibilidade no sistema intelectual"(Ibidem: 37). Avançando noargumento, Rocha sinaliza para a similaridade na questão da relação intelectuais e o Estado nos casos
brasileiros e francês mas salienta que, aqui, seguindo a fórmula contida em Raízes do Brasil, oembaralhamento entre público e privado criaria intelectuais dependentes do Estado, assumindo cargos defuncionários públicos (como o caso de Machado) mas que não saberiam compreender a função impessoalque o ofício demandaria, ocorrendo consequentemente na capitalização privada dos recursos simbólicos docargo público. Contra essa situação, segundo Rocha, Sílvio Romero se levantaria e basearia sua acirrada econhecida polêmica, pois segundo ele, a característica de mecenato, própria do romantismo sob a égide efinanciamento do Império, seriam características que afetariam a independência do escritor (Idem: 261).Acredito que, por um lado, a tese mereça atenção pois a validade da hipótese da cordialidade e da ideologiado favor na interpretação da sociedade brasileira em geral e na sociabilidade específica em particular possa
ser frutífera para a montagem de um quadro mais completo da nossa vida intelectual do oitocentos.Entretanto, torna-se necessário matizar que para Sérgio Buarque de Holanda, cordialidade não é sinônimode “civilidade”. Como o autor indica, a polidez significa um mecanismo de defesa perante a sociedade ondeo ritualístico só é mantido ao nível das aparências, na “epiderme” do indivíduo (Holanda, 2013: 147). Portanto, a tese de que Sílvio Romero combatia Machado porque ele simbolizava a ligação condenável dohomem de letras com o status quo não se sustenta. Além do fato de que Sílvio Romero não era um outsiderem relação a esfera do poder, tendo sido deputado federal com apoio explícito do Barão do Rio Branco (Cf.Silva, 2008), fundador da Academia Brasileira de Letras e relacionado com círculos políticos de prestígiodo Brasil da Primeira República, a hipótese me parece descabida pois mesmo que funcionasse como retóricaapenas e que não se realizasse e aplicasse nem mesmo para seu caso - se especularmos que ela seja correta- as mobilizações contra Machado de Assis não podem ser lidas dessa forma pois outro escritor “funcionário
público”, Euclides da Cunha, teve grande simpatia e apoio do crítico sergipano, tendo até proferido seudiscurso de introdução à ABL(1896), por mais que esse discurso tenha sido utilizado mais para um ataque
à Afonso Pena, presidente à época, do que elogio ao autor d´Os Sertões...
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brasileiro, Araripe Junior ao comentar as análises de Romero sobre a obra machadiana,
apresenta o seguinte veredito:
Um phenomeno curioso é o que se nota nesse estudo. Sylvio Romero acada instante declara que mudou de temperamento, amainou as velas eacha-se predisposto a uma grande complacência. Machado de Assis nãolhe parece ser o homem impossível que elle atacava em 1872 e 1880. Temqualidades e representa um bom esforço literário. Todas estas declarações, porém, são illusorias; e o critico que, segundo me parece, não quizconcentrar o seu espirito na obra, já bastante extensa, do autor de BrásCubas, faz resurgir suas antigas antipathias, recorrendo ao seu processo predilecto de esbordoar os outros com essa clava de Hercules chamadaTobias Barreto (Araripe Junior, 1899: 308)
Localizando o movimento crítico a uma postura de defender sua precedência intelectuale a de seu mestre – Tobias Barreto – Araripe Junior cristaliza a predisposição a conjugar
o temperamento de Romero a seus errôneos juízos críticos. Prosseguindo e encerrando
seu esforço de compreensão da postura de Romero no ambiente intelectual, Araripe Junior
condensa de forma irônica sua avaliação do autor:
Aqui termino esse estudo sobre a personalidade de Sylvio Romero, polemista. Escolhi o traço aggressivo de preferencia aos outros, porque ê asua característica. Deixei um pouco dè lado o philosopho, o homem das
grandes generalizações sôbre a historia do paiz, porque este não meinteressava tanto; além de que seguindo as suas próprias opiniões, em philosophia os brazileiros por ora pouco valem, por serem talvez um povode mestiços incapazes de produzir um Spinoza ou ainda um Stuart Mill.(Idem: 370)
O traço agressivo, a suposta falta de compostura e as análises incongruentes são
traços generalizados nas impressões dos contemporâneos do crítico sergipano. Como
indica Maia (2012), a sociabilidade cortesã pressupunha a formação de um núcleo
discursivo que primava por um código que ia além da análise das obras literárias per se,
sendo mais do que um ambiente de discussão intelectual mas também conformando-se
como um espaço de trocas simbólicas e convivência que transcendia o fazer específico de
crítica e atingia outras esferas da vida, como a vida política. Visto isso, considero que a
dinâmica própria da sociabilidade intelectual do período, as querelas em torno da obra de
Machado de Assis e as saídas retóricas nascidas nestes debates acabaram por estigmatizar
Sílvio Romero impedindo uma leitura de sua atuação intelectual como dotada de sentido
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original e próprio, propiciando assim um bloqueio a percepção do manejo do repertório
científico do período pelo autor e como esse movimento segue um plano estratégico e
uma agenda específica de interferência na realidade nacional. Entretanto, sem
desconsiderar esse aspecto importantíssimo, o movimento de agência política não
impossibilita a leitura da aclimatação dos referências teóricos como também uma
tentativa de generalização por meio dos substratos colhidos no contexto específico.
1.2 – Horror à realidade?
Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil , seu clássico ensaio de
interpretação do Brasil, ao discorrer sobre a produção intelectual do século XIX no país
e em sua respectiva crença mágica no poder das ideias percebe nesse afã um “secreto
horror à nossa realidade” (Holanda, 2013: 159). Horror combinado, por outro lado, a um
amor pelas formas fixas e pelas leis genéricas que circunscrevem a realidade complexa e
difícil dentro do âmbito dos nossos desejos (Idem: 157-158). Como que “dopados” por
uma crença obstinada na verdade (Idem: 159), os intelectuais brasileiros do período
esperavam o julgamento, obviamente redentor, da História, do futuro e do desenrolar
natural dos fatos. Quase meio século após esse diagnóstico, Renato Ortiz salienta a
aparente implausibilidade das ideias do cientificismo em terras brasileiras e destaca a
tarefa desses intelectuais de compreender e dar conta da discrepância entre teoria e
realidade para fornecer um substrato ao apoio cultural e simbólico do Estado em sua
formação (Ortiz, 2012). Percepções, tanto de Holanda quanto de Ortiz, muito próximas a
explicitada por Paulo Arantes, quando ao analisar as razões do sucesso do positivismo no
Brasil, tece uma avaliação que contempla todo o ambiente intelectual da geração que
presenciou a crise do escravismo e do Império e a consequente assunção do discurso
modernizante no Brasil. Em seus próprios termos, o autor constrói o seguinte julgamento:
Um dos grandes lugares-comuns de nossa crítica social consiste emmostrar de mil maneiras o modo pelo qual séculos de escravismo foramdesqualificando a ética burguesa do trabalho e quais as complicações quedaí resultaram para a vida intelectual. Espírito, imaginação e inteligência,quando afloram espontaneamente como um talento que se traz do berço,são virtudes senhoriais; em contrapartida, o esforço que todo conhecimento
requer fere o decoro exigido de quem não pode ter parte com nada que se
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assemelhe a trabalho, servil por definição. Assim sendo, é natural quefraseologia altissonante e economia primário exportadora andem juntas.Por outro lado, como a vida das idéias não podia ter entre nós nenhumfuturo cognitivo, resultava — como se observou naquele mesmo ensaiomencionado acima — uma espécie de atonia do espírito, que não excluía, pelo contrário, a mais acelerada vivacidade. Fundidas, passavam pelaquintessência do savoir vivre intelectual. (Arantes, 1988: 190)
Sob o mesmo prisma da relação “subdesenvolvimento” – mundo das letras, Luiz
Costa Lima (1981), tenta historiar a gênese da crítica literária brasileira. Em chave
analítica próxima a Sérgio Buarque de Holanda, Renato Ortiz e Paulo Arantes, tenta
demonstrar como a falta de um público leitor que “consumisse” o que a elite letrada
produzia acabou por cristalizar no ofício literário do oitocentos brasileiro uma cultura
intelectual marcada pela instrumentalização do ofício de letras como sinal de distinção
social (Idem: 09). Segundo o autor, esse fato acarretaria numa separação entre a realidade
e o ofício desses homens de letras. A discrepância entre o que os intelectuais mobilizavam
em seus textos, inclusive as teorias “importadas”, e a realidade nacional era o traço
definidor da relação (ou ausência de relação) entre intelectuais e vida social. Em suas
palavras a separação é posta nos seguintes termos:
Em consequência do enlace estabelecido – textos declamativos, “práticos”,zelosos das insígnias reservadas ao estilo culto, divulgadores de pensamentos muitas vezes mal assimilados – resulta quer o desinteresse pelo debate intelectual, quer, e principalmente, o dogmatismo.Desinteresse e dogmatismo são, no caso, verso e reverso da mesmarealidade. Com efeito, como poderíamos imaginar situação diferente se osdefensores de uma posição encontravam suas fontes em correntes de pensamento cujas matrizes se mantinham longe, impedindo o contatodireto dos “discípulos” e o seu acompanhamento das discrepâncias,alternativas e desenvolvimentos do modelo diretor? Além do mais, odesenraizamento do “discípulo” o impedia de tomar a realidade local como
campo de prova e/ou de retificação das formulações originais. (Idem: 11)
Prosseguindo em seu argumento, o autor salienta que o caráter pouco criativo de nossas
formulações intelectuais seria fruto de uma característica “auditiva” da cultura letrada
brasileira, em que a produção intelectual seria influenciada e teria como destino final a
alegoria do discurso público (Idem: 08)19, visto que não existia público leitor que
19
A tese que Costa Lima sustenta neste capítulo de seu livro Dispersa Demanda é de que o Brasil possuíuma sociedade baseada na tradição oral, portanto auditiva. Logo, a intelectualidade seria marcada por essa
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recepcionasse de modo significativo suas obras. Tal fato, aliado ao autoritarismo de
nossas formas políticas, teria ocasionado uma aversão à teorização em nosso meio
intelectual. A conjuntura de cristalização do “pensamento impositivo” que marcava nossa
vida intelectual é exposta em suas palavras dessa forma:
No caso das nações econômicas e culturalmente periféricas, como a nossa,esta consequência ainda se torna mais intensa, porque o seu horror àteorização própria as deixa duramente sujeitas à teorização alheia. Ou seja,duramente dependentes de outras culturas. Pois, como não há práticaconsequente que não resulte de uma teorização prévia ou paralela, não sercapaz de teorizar significa, no melhor dos casos, adaptar, e, no caso normal,manter um estatuto colonial (Lima, 1981: 15)
Quatro visões sobre o mesmo cenário intelectual, o mesmo objeto e, levados em conta
suas enormes diferenças analíticas, uma face interpretativa comum: a percepção de que
no oitocentos brasileiro as ideias parecem um corpo estranho à realidade nacional. Essa
perspectiva, nos termos da crítica literária proposta por Sílvio Romero, encontra em
Antonio Candido uma importante inflexão conjuntamente com algumas permanências
interpretativas. Vamos a elas.
Sílvio Romero é considerado por Antonio Candido um dos principais nomes damoderna crítica literária brasileira, apesar do autor salientar discrepâncias nas suas
análises e o excessivo enfoque nos fatores externos à literatura. Contudo, Candido, em
Método Crítico de Sílvio Romero (2006) , enfatiza a relativa estabilidade com que seus
pressupostos teóricos foram mobilizados na tentativa de proposição de uma crítica
literária ancorada em pressupostos “objetivos”. Nas palavras de Candido, o projeto de
uma nova crítica, formalizado na História da Literatura Brasileira de Romero, é
caracterizado nos termos abaixo:
Se houve, dentro do determinismo crítico oitocentista, uma aplicaçãocoerente de doutrina, esta é sem dúvida alguma a História da literatura. Não devemos, é certo, procurar nele um darwinismo, que não é de fato asua característica, mas uma direção evolucionista mais ampla, que envolviaa consideração do meio social. Ora, dentro dele, aplicou conscientementeos princípios que propunha [...] Nem sempre com tato e senso de medida,quase sempre perturbando a “seleção natural do talento” com as
acomodação de uma tradição basicamente oral em um mundo de predomínio da escrita. Em suas palavras:“a dominância oral” significa que a escolha das palavras e a composição das frases visam a suscitar um
efeito de impacto sobre o receptor, sem que este se confunda com uma recepção propriamente intelectual”(Lima, 1981: 16)
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deformações da sua parcialidade; sempre, todavia, dentro do esquematraçado. Os autores são estudados à luz da formação racial, ou do meiosocial, ou da constituição psicofisiológica, ou dos três; o seu ambiente édeterminado, as escolas são estudadas dentro do princípio da evolução e àvista dos fatores sociais. Que mais poderemos exigir de uma hipótese detrabalho – pois que não passam disso as aplicações dos princípios de outrasciências ao estudo da produção intelectual? (Candido, 2006: 131-132)
Anos após a esse estudo de sua juventude, Candido salienta como a obra crítica de Sílvio
Romero exprimiu de forma viva as contradições e impasses do Brasil do século XIX, por
meio de seu projeto crítico (Candido, 2011: 10). Além disso, a contradição em sua obra é
matizada e identificada por Antonio Candido como uma ‘dialética sem síntese”. O vaivém
de seus posicionamentos, a tensão entre os paradoxos de seu pensamento, “visãosimultânea do verso e do reverso” comporiam o mecanismo de sua produção intelectual,
o que, segundo Candido, poderia ferir a lógica mas enriqueceria o “senso de realidade”
de sua obra (Idem: 123).
Entretanto, as contradições de Sílvio Romero parecem ainda marcadas pela
interpretação da geração coetânea ao crítico sergipano. Caracterizando-as como um
“ardente e por vezes desordenado movimento entre ideias resultante de um humor
instável” (Candido, 2006:19), Candido ainda lança mão de certo psicologismo aoconsiderar as polêmicas em que Sílvio Romero fez parte no contexto de sua afirmação
intelectual. Essa peculiaridade de sua atuação são transferidas, em certo sentido, para a
análise da trajetória do mesmo, onde a questão da vaidade e da necessidade de
autoafirmação intelectual parecem plasmar a análise que o crítico dialético realiza das
intervenções políticas de Romero, onde seu posicionamento propriamente político nas
suas obras após a década de 1890 são marcadas pela “coragem”, “destemor”, entre outros
epítetos (Idem: 129-130).
No contexto intelectual do ISEB, na década de 1950, Nelson Werneck Sodré, em
seu livro A Ideologia do colonialismo (1984) , trabalha com a perspectiva de que o
pensamento evolucionista brasileiro, especificamente o de Sílvio Romero, seria fruto de
uma recepção acrítica e servil do ideário da “metrópole”, reflexo da dominação colonial,
enfatizando que as teorias adotadas pelos intelectuais brasileiros do fim do século XIX
seriam marcadas pela condição colonizada do mundo de letras na periferia, como pode
ser notada no trecho abaixo reproduzido:
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