nosso pampa desconhecido
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Nosso Pampa DesconhecidoPublicação do Projeto RS Biodiversidade
Governador do Estado do Rio Grande do Sul
José Ivo Sartori
Secretária do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
Ana Pellini
Presidente da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul
José Alberto Wenzel
Diretora Executiva do Museu de Ciências Naturais
Mariana Silveira Jacques
Projeto RS Biodiversidade
Coordenador Geral: Dennis Nogarolli Marques Patricínio
Coordenadora Técnica: Joana Braun Bassi
Coordenadora na Fundação Zoobotânica: Luiza Chomenko
Fotografas: Adriano Becker
Revisão Editorial: Glayson Ariel Bencke
Projeto Gráfco e Diagramação: krgdesign
Revisão Final: Luciano de Azevedo Moura
C548n Chomenko, Luiza
Nosso Pampa desconhecido / Organizadores Luiza Chomenko, Glayson Ariel
Bencke. Fotografas Adriano Becker - Porto Alegre: Fundação Zoobotânica do Rio
Grande do Sul, 2016.
. 208 p.: il. color. ; 29 x 25 cm.
Publicação do Projeto RS Biodiversidade.
ISBN 978-85-60378-12-8
1. Bioma Pampa – Rio Grande do Sul. 2. Paisagem. 3. Biodiversidade. 4. Campos
naturais. 5. Atividades produtivas. I. Chomenko, Luiza. II. Bencke, Glayson Ariel. III.Becker, Adriano. IV. Projeto RS Biodiversidade.
CDU 574(816.5)
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Autores organizadores
Luiza ChomenkoBióloga, Mestre em Ecologia e Doutora em Biogeografia. Pesquisadora da Seção de Conservação e Manejo do
Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN–FZBRS). Atua em projetosregionais, nacionais e internacionais nos temas Avaliação e Gestão Ambiental, Análise de
Impactos Ambientais, Planejamento Ambiental, Biodiversidade, Desenvolvimento Sustentável eBiossegurança. Integra a Mesa Diretiva da Alianza del Pastizal.
Glayson Ariel BenckeBiólogo e Mestre em Zoologia. Pesquisador do Setor de Ornitologia do Museu de Ciências Naturais da Fundação
Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN–FZBRS). Coordenou a elaboração e revisão da lista das espécies dafauna ameaçadas de extinção no Rio Grande do Sul. É colaborador da Alianza del Pastizal.
Autores (em ordem alfabética)
Adriano Nygaard BeckerBacharel em Comunicação Social/Jornalismo pela PUC-RS. Fotógrafo autônomo desde 1997,
com dedicação especial a temas relativos à conservação da diversidade biológica e cultural.
Álvaro Luiz HeidrichGeógrafo, Mestre em Geografia e Doutor em Geografia Humana. Professor Associado do Departamento
de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Andrea Marcilio Trentin Arquiteta e urbanista, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e MBA emGerenciamento de Obras, em andamento, pelo IPOG – Instituto de Pós-Graduação e Graduação.
Danilo Menezes Sant’Anna Médico Veterinário, Mestre em Ciências Veterinárias e Doutor em Zootecnia.
Pesquisador da Embrapa Pecuária Sul – Bagé/RS.
Dirce Maria Antunes Suertegaray Geógrafa, Mestre e Doutora em Geografia Física. Professora Titular do Departamento de Geografia do Instituto
de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Fernando Adauto Loureiro de Souza ( in memoriam)
Engenheiro agrônomo e produtor rural em Lavras do Sul. Fundador e membro da Mesa Diretiva da Alianza del Pastizal.
Roberto VerdumGeógrafo, Mestre e Doutor em Geografia e Planejamento. Professor Associado do Departamento de
Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
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Tributo a Fernando Adauto
– “Não tá morto quem peleia”. Lutaste como poucos pelaconservação dos nossos campos. Teu espírito agora vaga
pelo desconhecido. Mas teu exemplo e legadopermanecerão vivos entre nós por muito tempo.
Descansa em paz, que seguiremos cuidando do pago.
Fernando Adauto Loureiro de Souza*21-02-1947 †10-02-2016
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Sumário
Apresentação da FZB. 9
Apresentação dos Organizadores. 11
Projeto RS Biodiversidade. 13
Prefácio. 14
O que é o Pampa? 16
Interlúdio I: Geografia inspiradora. 28
Paisagens do Pampa: monotonia que serompe no espaço e no tempo. 44
Biodiversidade. 60
Interlúdio II: O paisano. 76O elemento humano no Pampa: o gaúcho e sua história. 84
Imagens do Pampa. 112
Arquitetura. 148
Atividades produtivas. 168
O Pampa em transformação. 188
Sumário das imagens de abertura dos capítulos. 204Bibliografia. 205
Agradecimentos. 208
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Apresentação da Fundação Zoobotânica
do Rio Grande do Sul
Na paisagem aberta do Pampa, onde a imensidãoda coxilha horizontaliza terra e firmamento, cavalgao gaúcho. Ao seu lado, um cavalo encilhado sugereum convite: venha para o Rio Grande das camperea-das, dos segredos guardados e das perspectivas al- vissareiras.
“Te aproxima, monta e me acompanha”, oferta ogaúcho. Atento ao proposto, você, ainda que pouco ounada habituado – até porque seria desfeita não atenderao chamado –, logo estará se equilibrando no elegan-te andamento do cavalo gentilmente apresentado.
Percorrerá campestres, atravessará banhados,subirá amontanhados, seguirá por trilhas que con-tornam rochas, ouvirá a música dos alados, suspeita-rá de silêncios escorregadios no limo dos lajeados,adentrará capões e ribeirinhas, adivinhará rastejantese corredores em busca de tocas e lianas protetoras, es-tremecerá ao roçar da cerração, firmará o chapéu aofrêmito do vento, deixará as pernas mergulharem nascorredeiras dos riachos, conhecerá gente e suas fainas.
Ao seu lado troteia o seu companheiro, resguar-dado nas palavras, mas amplo em sua acolhida. Selhe der oportunidade, ele contará das “antigas”, dasrefregas, das campas mortas, das galponeiras, dassaudades e das vontades de ali permanecer e ver seusdescendentes.
Ir adiante ali permanecendo. Observando, reme-morando, vivenciando... Deslumbrando-se ao surgi-mento de cada nova coxilha, da página mais recente.Página deste livro que ora lhes apresento. Obra inau-guratória no conhecimento diferenciado do BiomaPampa, ao tempo que desfraldadora de uma saga,alinhada pela narrativa e vivência de ilustres comoBarbosa Lessa, que nos apresentou o Rio Grandecom prazer e maestria. De tantos mais, que o fize-ram com o canto, o poema, a descrição, a fala e coma ilustração.
Siga montado ao sabor destas páginas fartamenteilustradas, densamente inscritas e efusivamente gene- 09
rosas em sua disponibilidade de revelar um terri tóriodo tamanho do Pampa. Espacialidade dificilmentemensurável em sua real sociogeobiodiversidade, te-ma tão acarinhado pela Fundação Zoobotânica doRio Grande do Sul, responsável por esta obra, naspessoas de seus organizadores, os biólogos LuizaChomenko e Glayson Ariel Bencke. Dois primoro-sos pesquisadores, exemplarmente acompanhadospelo esmerado fotógrafo Adriano Becker e demaiscoautores, que se dedicaram durante muito tempopara que esta obra pudesse chegar às suas mãos.
Souberam os organizadores e autores manter adesejável acuidade técnica, ao sabor da linguagemusual eivada do lirismo próprio da vastidão pampi-ana, como também ousaram no desafio de expor astransformações pelas quais transita o Bioma Pampa. Modificações identificadas pela pesquisa, característi-ca basilar da Fundação Zoobotânica. Não por acasonem por mera coincidência, firmado o compromissoentre o Estado do Rio Grande do Sul e o Banco Mundial, no intuito de desenvolver o projeto RSBiodiversidade, despontou, valorizando todas as de-mais executoras e mentoras, o trabalho da FundaçãoZoobotânica, que conjuga os esforços do Museu deCiências Naturais, do Jardim Botânico e do ParqueZoológico, todos integrados ao Sistema Ambientaldo Rio Grande do Sul, sob a coordenação da Secre-taria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Bem-vindo à metade sul do Estado meridionalbrasileiro, território da ocorrência restrita do BiomaPampa. Não apeie, a não ser que seja para se refrescarnas sangas e dar o sossego merecido ao seu cavalo.Sem demora siga em frente, adentre, se aproprie, valorize, conheça, preserve, pertença sem se adonar,que o Pampa é livre e de todos.
Não esqueça: ao final da cavalgada, acaricie o ca-chorro que lhe acompanhou, sussurre gratidão aocavalo, abra a algibeira e estenda um exemplar destemagnífico livro ao seu parceiro de andança. Ele se
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verá como num espelho. Ele identificará cada con-torno convivente de sua natureza. Ele lhe será grato e
repetirá o convite: “Retorna sempre que quiseres aoBioma Pampa”. Você entenderá o quanto ao Pampapertence. Basta presentear-se a si mesmo com a gran-diosidade referencial desta obra. Eis mais que umlivro: um presente com o encanto do inesperado.
José Alberto WenzelPresidente
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Apresentação dos Organizadores
Quando, ainda na década passada, iniciamos astratativas com o Banco Mundial (BIRD) e o FundoGlobal para o Meio Ambiente (GEF) para prepara-ção de um grande projeto com enfoque em sustenta-bilidade socioambiental, a escolha da área de atuaçãorecaiu sobre o Pampa, por ser o bioma menos favo-recido em termos de iniciativas de conservação noRio Grande do Sul. Surgiu, então, uma dificuldade:o que é o Pampa? Quem conhece o Pampa?
Nesse momento ocorreu-nos a ideia de mostrarpara um público mais amplo esse espaço geográfi-co único, mas ainda tão pouco conhecido e valori-zado. Queríamos algo que retratasse de forma clarae palpável, ainda que com a devida dose de enlevo eemoção, esse “campo sem fim” e seu habitante maisilustre, que é a figura quase lendária do gaúcho.
E assim galgamos o primeiro degrau dessa esca-lada, com a organização da exposição fotográfica in-titulada Nosso Pampa Desconhecido, composta porfotos do talentoso fotógrafo Adriano Becker. O títuloda exposição remete à intenção original da proposta,de apresentar o Pampa àqueles que não o conheceme despertar uma consciência de pertencimento entreaqueles que já o conhecem ou nele vivem.
A exposição percorreu – e continua percorrendo– numerosos municípios do Rio Grande do Sul etambém do exterior. Para nossa satisfação, as mani-festações dos visitantes foram nos dando, a cada dia,mais e mais convicção de que inaugurávamos umcaminho sem volta. A emoção de alguns deles, aocontemplarem imagens de belas paisagens do Pam-pa ou ao lembrarem com saudade dos lugares queficaram para trás quando vieram morar na “cidade
grande”, e a surpresa de outros, ao descobrirem queo Pampa tem muito mais belezas e diversidade doque podiam imaginar, deram-nos a certeza de quenão deveríamos encerrar o trabalho por ali.
Algo mais precisava ser feito para mostrar ao mun-do que o Pampa não é, como dito por alguns, um vazio 11
ecológico ou uma área degradada “que nem árvores tem”. Tampouco é uma terra sem valor, enquanto o gaúchonão é um “bairrista” que dorme lembrando lutas pas-sadas. Assim, surgiu a ideia de produzirmos este livro.
Diversas obras abordando aspectos ambientais,econômicos e socioculturais do Pampa – ou, de umamaneira mais ampla, dos Campos Sulinos em geral –têm surgido nos últimos anos, produto do incremen-to das pesquisas e da maior atenção dada ao biomapela sociedade. Isso nos levou a um novo desafio.Como construir uma obra que pudesse informar,conscientizar e sensibilizar sem repetir o que já foifeito até aqui? Então, convidamos algumas pessoasque, assim como nós, não poderiam permanecer ca-ladas diante da rápida transformação pela qual passao bioma e sentiam necessidade de externar seus sa-beres e sentimentos para falar desse pedaço do Bras il.
Juntos, construímos uma obra que aborda aspaisagens, a biodiversidade, a cultura e as atividadesprodutivas do Pampa. Mostramos sua gente e seu co-tidiano. Destacamos a pecuária a pasto nativo como vocação natural da região e grande trunfo para alcan-çar o seu desenvolvimento sustentável. Revelamosum Pampa que por vezes já deixa saudades ou apenaslembranças de épocas passadas, das quais nos dá tes-temunho o seu patrimônio arquitetônico. Retrata-mos um Pampa que, tendo-se formado ao longo demilhões de anos, agora é transformado a cada dia.
Todo esse trabalho tem um objetivo: despertarum novo olhar sobre o Pampa gaúcho. Nosso desejoé que cada leitor, ao admirar as imagens que retra-tam as riquezas do bioma e ao explorar os textos cui-dadosamente elaborados por pessoas que o conhe-
cem profundamente, sinta um pouco da realidade de vivenciar o Pampa e passe a conhecê-lo melhor e a valorizá-lo mais, tornando-se um aliado na luta pelasua conservação.
Os Organizadores
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Projeto RS Biodiversidade
O Estado do Rio Grande do Sul executou o proje-to Conservação da Biodiversidade como Fator deContribuição ao Desenvolvimento do Estado doRio Grande do Sul, Brasil (RS Biodiversidade),financiado pelo Global Environment Facility – GEFpor meio do Banco Mundial – BIRD, com doaçãode US$ 5 milhões e contrapartida do Estado de US$6,1 milhões.
O projeto executou um conjunto de ações comobjetivo de promover a conservação e a recuperaçãoda biodiversidade mediante o gerenciamento inte-grado dos ecossistemas e a criação de oportunidadespara o uso sustentável dos recursos naturais, com vis-tas ao desenvolvimento regional, promovendo a in-corporação do tema nas instituições e comunidadesenvolvidas.
A coordenação geral esteve sob responsabilidadeda Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sus-tentável e coordenadores técnicos dos órgãos coexec-utores, FZB – Fundação Zoobotânica do Rio Grandedo Sul, FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental “Henrique Luiz Roessler”, EMATER –Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural doGoverno do Rio Grande do Sul e TNC – The NatureConservancy do Brasil.
A valorização da cultura típica de uma região,aliada a seus elementos naturais, passa a integrar oconjunto de exigências fundamentais para garantira qualidade de produtos e processos produtivos queestão cada dia mais presentes na vida das pessoas emtodo mundo. Entretanto, a devida valorização de rea-lidades locais só ocorre quando se desenvolve naspopulações humanas um processo de pertencimento
a esses locais e para tanto é fundamental que hajauma percepção real dos seus elementos formadorese suas interfaces.
Com o intuito de difundir as ações desenvolvidaspelo RS Biodiversidade para distintos públicos-alvo,houve por parte da Fundação Zoobotânica um esfor- 13
ço em levar as informações com seus resultados paradiversas regiões do Brasil e exterior. Nesse contex-to, a presente obra vem ao encontro deste objetivo,partindo da proposta de disseminar conhecimentosrelacionados com a temática básica do projeto e suasinterfaces com economia, ambiente, cultura e socie-dade.
Luiza ChomenkoCoordenadora do RS Biodiversidade naFundação Zoobotânica do RS
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Prefácio
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lógica, que tenho a satisfação de dirigir, gostaria dedestacar a aprovação, em 2010, do Plano Estraté-gico para Biodiversidade 2011–2020, com suas 20 Metas de Aichi de Biodiversidade e seus múltiplosprogramas de trabalho, que incluem o Programade Trabalho sobre Biodiversidade das Terras Áridase Subúmidas e a Estratégia Global para a Conser- vação das Plantas. Infelizmente, a última avaliaçãoglobal realizada na 12ª Conferência das Partes, emPyeongchang, na República da Coréia, em outu-bro de 2014, concluiu, com base no Panorama daBiodiversidade Global 2014, que apesar dos esfor-ços recentes, o alcance das metas globais e nacionaisacordadas necessita uma ampliação dos esforços. Nesse sentido, a COP12 aprovou um conjunto dedecisões rotuladas de Caminho de Pyeongchang paraa Implementação Reforçada do Plano Estratégico e Alcance das Metas de Aichi de Biodiversidade e de-cidiu priorizar para a próxima Conferência das Par-tes – a COP13, que ocorrerá em Cancún, México,em dezembro de 2016 – a temática da integraçãodos temas da biodiversidade nas políticas, planos eações dos setores da agricultura, silvicultura, pesca,turismo e saúde.
O Brasil, apesar das atuais dificuldades econômi-cas e políticas, vem promovendo importantes avan-ços em prol da biodiversidade. Destaco a aprova-ção da nova Lei de Proteção da Vegetação Nativaem maio de 2012, que incluiu importantes marcoslegais em defesa de todos os tipos de ecossistemasterrestres, entre eles o Cadastro Ambiental Rural(CAR), e a nova Lei da Biodiversidade aprovada emabril de 2015, que valoriza a pesquisa e o aproveita-
mento econômico dos recursos genéticos e conhe-cimentos tradicionais associados, bem como fortal-ece os instrumentos para a promoção da repartiçãodos benefícios resultantes do seu uso. Em 2013, aComissão Nacional da Biodiversidade (CONABIO)aprovou resolução com as novas Metas Nacionais de
É com grande satisfação que escrevo o prefáciopara este lindo e importante livro Nosso PampaDesconhecido. As belas fotografias e o correto tex-to ajudam a transmitir as belezas e os valores dessebioma ainda tão desconhecido e pouco valorizado. OPampa representa um dos ecossistemas mais amea-çados e menos conservados no Brasil, no Uruguai ena Argentina. O mesmo é verdade em escala global,onde os Campos Temperados representam o macro-bioma com menor esforço de conservação em todoo mundo.
O cenário internacional vive um momento muitoespecial, em que as lideranças públicas e privadas detodo o mundo aumentam os compromissos e esfor-ços em defesa do planeta Terra e em prol da sustenta-bilidade das atividades humanas para o bem dessa edas futuras gerações. Destaco a aprovação da Agenda2030 de Desenvolvimento Sustentável, em setembropassado, pela Assembleia Geral da ONU, em NovaYork, com seus 17 Objetivos de DesenvolvimentoSustentável, com destaque para o Objetivo 15, que visa conservar, restaurar e usar sustentavelmente osecossistemas terrestres; da Agenda de Sendai paraRedução dos Riscos aos Desastres 2015–2030,aprovada em março de 2015, no Japão, na qual se re-conhece a importância dos ecossistemas naturais naredução das vulnerabilidades aos desastres ambien-tais; do Objetivo de Neutralidade na Degradação das Terras, na Conferência das Partes da Convenção deCombate à Desertificação em Ancara, Turquia, emoutubro passado; e do Acordo de Paris em dezembroúltimo, no âmbito da Convenção sobre MudançasClimáticas, em que cada país assumiu compromissos
adicionais para a redução das emissões de gases deefeito estufa, incluindo aqueles relacionados ao usodas terras, inclusive compromissos de conservação erecuperação de ecossistemas visando ao sequestro decarbono.
No âmbito da Convenção sobre Diversidade Bio-
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Biodiversidade e, este ano, o Ministério do Meio Ambiente espera aprovar a nova Estratégia e Planode Ação Nacional para Biodiversiade e o Plano deRecuperação da Vegetação Nativa no Brasil (PLA- NAVEG). Em dezembro passado, tive o prazer departicipar, em Brasília, do lançamento do Catálogo Taxonômico Online da Fauna Brasileira, que vemse juntar ao exitoso Catálogo Online das Plantas eFungos do Brasil, lançado em 2010 e atualizado em2015. Destaco ainda o lançamento, em dezembro de2014, de três Portarias do Ministério do Meio Am-biente, com as novas Listas Nacionais Oficias (Lis-tas Vermelhas) de Espécies da Flora, Fauna e Fauna Aquática Ameaçadas de Extinção.
Finalmente, gostaria de reconhecer os esforçosem prol do Bioma Pampa realizados em anos re-centes no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul,incluindo os resultados alcançados pelo Projeto RSBiodiversidade, apoiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) – o Mecanismo Financeiro daConvenção sobre Diversidade Biológica –; os avan-ços na pesquisa sobre a fauna e flora do Pampa reali-zados pelos pesquisadores gaúchos nas suas múlti-plas universidades e institutos de pesquisa, incluindoa veterana e dinâmica Fundação Zoobotânica doRio Grande do Sul; a continuidade na atualizaçãodas Listas Vermelhas de Fauna e Flora Ameaçadas
de Extinção no Rio Grande do Sul; e os importantese encorajadores resultados alcançados no âmbito da Alianza del Pastizal, incluindo os acordos voluntárioscom pecuaristas para promover a conservação doPampa em propriedades rurais privadas e a promoçãoda certificação da carne oriunda dessas propriedades.
Gostaria de concluir com um voto de confiançae otimismo em relação ao futuro do Pampa, da suabiodiversidade e dos serviços ambientais associados,e dos seus valores ambientais, econômicos e cul-turais, e com um apelo a todo o povo gaúcho, àssuas instituições, entidades de classe e governos, para
redobrarem seus esforços em prol da conservação,recuperação e uso sustentável desse bioma único, embenefício da atual e das futuras gerações.
Braulio Ferreira de Souza DiasSecretário Executivo da Convenção sobreDiversidade BiológicaMontreal, Canadá, março de 2016
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O que é o Pampa?
Nossa noção de natureza preservada normalmenteestá associada à imagem de ambientes fartamente ar-borizados. Porém, ao sul das paisagens tropicais da América do Sul, aproximadamente a partir do para-lelo 30o de latitude sul, há um vasto espaço geográfi-co onde as árvores limitam-se a formar uma molduraao longo dos cursos d’água ou estão confinadas àsáreas de relevo mais acidentado. Todo o resto cons-titui o domínio privativo das ervas: gramíneas eoutras plantas rasteiras perfeitamente adaptadas àscondições climáticas e aos solos da região, formandoum complexo sistema de campos naturais.
O Pampa, como é conhecido esse território, é umdos seis biomas terrestres ou grandes regiões naturaisdo Brasil. É o único que se estende por um só estado,ocupando uma superfície de 178 mil km2, que repre-senta 63% do território gaúcho e 2,1% do territórionacional.
Mas o bioma não é exclusivamente brasileiro. OPampa gaúcho faz parte de uma extensa região naturalcom mais de 750 mil km² que abrange todo o Uru-guai, o centro-leste da Argentina e o extremo sudestedo Paraguai, além da metade sul do Rio Grande doSul. Essa região, denominada Pastizales del Río de la Plata ou, simplesmente, Campos e Pampas, cons-titui a maior extensão de ecossistemas campestres
de clima temperado do continente sul-americano.Globalmente, os campos temperados cobriam no
passado uma área de 9 milhões de km2, ou 8% dasuperfície terrestre, estando presentes em todos oscontinentes, exceto a Antártida. Na atualidade, for-mam o bioma mais alterado, mais ameaçado e menos
protegido do planeta, preço que pagam por teremsido, desde os tempos históricos mais remotos, umdos ambientes mais favoráveis ao estabelecimentohumano e também um dos mais produtivos. Oscampos temperados têm abrigado – ou historica-mente abrigavam – algumas das maiores concen-trações de herbívoros (tanto selvagens quanto do-mésticos) do planeta, ao mesmo tempo em que aspaisagens campestres e muitas espécies de gramíneas,como o milho, o trigo, o arroz e a cana-de-açúcar,continuam provendo uma importante base alimen-tar ao homem. A maior parte desses ecossistemas foiprofundamente modificada pela atividade humana e,em 2010, apenas 3,4% dos campos temperados domundo estavam inseridos em áreas de preservaçãoambiental, comparados aos mais de 20% de florestastropicais e subtropicais protegidas.
No Brasil, o Pampa foi oficialmente reconhecidocomo bioma apenas em 2004, alcançando statusequivalente ao da Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal,Cerrado e Amazônia. Até então, estava vinculado aoschamados Campos Sulinos, como parte do Bioma Mata Atlântica. Essa distinção inseriu formalmente oPampa na agenda ambiental nacional, contribuindopara a conservação do rico patrimônio natural e cul-tural da região e permitindo destacar, inclusive no
âmbito da legislação, a importância, a singularidadee as potencialidades desse ambiente campestre únicono mundo.
O Pampa sustenta uma vida silvestre peculiar e diver-sificada, composta em grande parte por organismosadaptados ao ambiente campestre. Há várias espécies
Glayson Ariel BenckeLuiza ChomenkoDanilo Menezes Sant’Anna
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O Pampa no Rio Grandedo Sul (ao centro), no
Brasil (acima, àesquerda) e na
América do Sul(abaixo, à direita).
BIOMA PAMPA
Paisagens Florestais
Paisagens Campestres
57oW 54oW 51oW27oS
30oS
33oS
60o0’0”W 40o0’0”W
1 0 o 0 ’ 0 ” S
3 0 o 0 ’ 0 ” S
60o0’0”W 40o0’0”W
1 0 o 0 ’ 0 ” S
3 0 o 0 ’ 0 ” S
AMAZÔNIA
PANTANAL
CERRADO
CAATINGA
MATAATLÂNTICA
PAMPA
Fonte: IBGE
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de plantas e animais endêmicas do Pampa, ou seja,que não existem em qualquer outra região do pla-neta. Essa biodiversidade, em seus diversos níveisde organização, é responsável pelo provimento deinúmeros serviços ecossistêmicos que contribuempara o sustento e o bem-estar humano, como a pu-rificação das águas, o controle de pragas agrícolas, aestocagem de carbono (que contribui para a regula-ção do clima do planeta), o controle da erosão e areposição da fertilidade do solo, além de ser uma im-portante fonte de recursos genéticos, principalmentede plantas forrageiras e ornamentais. O Pampa tam-bém proporciona paisagens de grande beleza cênicae alto valor para o turismo e o lazer.
Contudo, não basta apresentar o Pampa apenascomo um espaço natural, de paisagem, vegetaçãoe biodiversidade típicas. Qualquer definição que sepretenda dar a essa região será incompleta se nãoconsiderar a dimensão sociocultural. Com efeito, éimpossível pensar no Pampa sem que imediatamente venha à mente a figura do gaúcho, o habitante natu-ral da região, completamente integrado ao seu meioe hoje conhecido muito além das fronteiras do RioGrande. O Pampa é o berço do povo gaúcho, cujacultura e tradições foram construídas sobre os cam-pos nativos de um território de fronteira flutuantee em íntima associação com a atividade econômica
mais antiga na região: a criação extensiva de gado.O ambiente natural do Pampa forjou o gaúcho, e
este, por sua vez, moldou o seu meio, tendo o gadoe o cavalo como coadjuvantes. Os traços culturais dogaúcho se manifestam na sua indumentária típica, nocancioneiro regional, em seus costumes, na culinária,na arquitetura e nas lidas campeiras, fazendo do Pam-pa uma verdadeira paisagem cultural. O gaúcho é o cowboy dos campos do sul da América do Sul e trazarraigado todo um mundo de tradições e culturas.
O Pampa visto sob diferentes olhares
A palavra pampa provém da língua quíchua esignifica planície. Jayme Caetano Braun, poeta ecompositor gaúcho, assim descreveu o Pampa: “é aplanície sem fim que vai do Rio Grande do Sul aoscontrafortes dos Andes na taiga da Cordilheira. É ocampo imenso – a pradeira, dos centauros campesinos,
rio-grandenses e platinos, titãs da raça campeira.Vem do Quíchua – e quer dizer, o campo aberto – aplanura, o descampado – a lonjura, a várzea que sedestampa. Nele a liberdade acampa e o civismo nãoestanca.”
O fotógrafo Leonid Streliaev, em seu olhar artís ti-co apurado, refere-se ao Pampa como “o lugar ondese enxerga longe. É essa a característica do gaúcho,um povo que enxerga longe, através da infinita hori-zontalidade do Pampa. (...) Nos pampas não existeperto, tudo é longe, é distante. Essa silenciosa mono-tonia do Pampa é muito bonita.”
A própria denominação “gaúcho” envolve todoum simbolismo no que diz respeito às suas origens. Muitos historiadores, autores e poetas, entre elesBarbosa Lessa e Vargas Netto, resgataram em suasmanifestações o surgimento dessa denominação. J.C. Braun assim a descreveu: “gaúcho talvez derivedo termo quíchua “huachú”; talvez do “cachú” ou“cauchú” do linguajar araucano; não há registro doano do seu aparecimento, nasceu como nasce o ventodo próprio solo pampiano. O termo foi, a princípio,de cunho pejorativo e sinônimo efetivo de máulas echangadores, de ladrões e coureadores, que se cru-zam ao léu, morando sobre o chapéu, sem lei – semDeus – sem temores. Gaúcho – enfim – é o nativodo velho pago sulino, irmão “Del gaucho platino”,
campeador americano.” A integração do gaúcho com o seu meio é retratada
de forma graciosa e simbólica na poesia de Ruy Ra-mos, político, advogado e tradicionalista itaquiense:“Tronco e gaúcho nasceram no mesmo pampa deser-to, pelearam de peito aberto, enfrentando vendavais:um no lombo dos baguais, outro na fúria do vento,sempre livres, ao relento, como centauros iguais...”
Já a integração cultural dos povos latinos quecompartilham o Pampa fez surgir um vocabuláriocaracterístico, composto por palavras cujas ori-gens denunciam as distintas etnias que formaram o
gaúcho. A formação do dialeto regional se deu ba-sicamente por uma mescla de vocábulos hispânicos,lusos e indígenas. O escritor e filólogo Felipe SimõesPires mostra algumas dessas palavras, que com o pas-sar dos tempos passaram a fazer parte do patrimôniocultural do Rio Grande do Sul: 19
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• Abichornado – crioulo – acovardado, apequenado.• Âiga-te (âigale-te) – espanhol – interjeição de surpresa queenaltece o que foi ouvido; âigate.
• A la pucha (a la putcha) – espanhol – interjeição de surpresaque enaltece o que foi ouvido; âigate.• Andar a/pelo cabresto – português – o mesmo termo quedesigna a condução do animal, indica que alguém está sendoconduzido por outro.• Andar de rédea solta – português – também se referindo apessoas, significa que alguém não sofre controle estrito de nadanem de ninguém; um momento de folga.• Bagual – crioulo – cavalo que não foi castrado; homem.• Balaquear – crioulo – gabar-se, mentir, conversar fiado; van-guardar-se.• Barbaridade – português – barbarismo; tanto adjetiva comopode ser uma interjeição de espanto.
• Bate-coxa – português – baile, dança.• Bombacha – espanhol platino – peça (calça) que caracterizaa indumentária gaúcha. Tem origem turca e foi introduzida na América pelos comerciantes ingleses, de presença marcante noPampa platino.• Buenacho – espanhol – muito bom, excelente; bondoso, ca- valheiro.• Campanha – português – planície rio-grandense; pampa.• Castelhano – espanhol – indivíduo oriundo de Uruguai ou Argentino.• Cevador – português – pessoa que prepara o chimarrão e odistribui entre os que estão tomando.• Charque – espanhol platino – carne de gado, salgada em mantas.
• Chasque – quíchua – mensageiro, estafeta.• Chiru (xiru) – tupi – índio velho, indivíduo de raça cabocla.• Chucro (xucro) – quíchua – animal arisco, nunca domado; pes-soa de mesmo temperamento ou sem empirismo, inexperiente.• Cusco – espanhol platino, provavelmente já emprestado do quí -chua – cachorro pequeno e de raça ordinária (ou sem); guaipeca.• De orelha em pé – português – da mesma forma que o ani -mal de sobreaviso ergue as orelhas, tal supõe-se faça o homem.• Engasga-gato – português – ensopado feito com pedaços decharque da manta da barrigueira.• Garupa – francês – a parte superior do corpo das cavalga -duras que se estende do lombo aos quartos traseiros; tambémusado para definir a mesma área no corpo humano.• Gaúcho – origem desconhecida – termo inicialmente utilizadode forma pejorativa para descrever a cruza ibero-indígena, hojeé o gentílico de quem nasce no Estado do Rio Grande do Sul .• Gauderiar – espanhol platino – vagabundear, andar errante,sem ocupação séria; haragano.• Gaudério – espanhol platino – vagabundo, desocupado, nô-made; atualmente, é uma referência estadual ao povo da cam-
panha, simplesmente, como gaúcho.• Guaiaca – quíchua – invenção gauchesca que se usa sobreo “cinturão europeu”; significa bolsa em sua língua original.
• Guaipeca – tupi – cachorro pequeno e de raça ordinária (ousem), cusco.• Guri – tupi – criança, menino; serviçais que faziam trabalholeve nas estâncias.• Haragano – espanhol – nômade, renitente; cavalo que dificil-mente se deixa agarrar.• Jururu – tupi – triste, cabisbaixo, pensativo.• Macanudo – indicado como sendo espanhol platino – bom,superior, poderoso, forte, inteligente, belo, rico, respeitável;um adjetivo positivo de uso genérico.• Mate – quíchua – bebida preparada em um porongo, comerva-mate e água quente; chimarrão.• Minuano – indicado como sendo espanhol platino – vento
andino, frio e seco, que sopra do sudoeste no inverno.• Morocha – espanhol platino – moça morena, mestiça, mu-lata; rapariga de campanha.• Nativismo – português – amor pelo chão onde se nasce esua tradição.• Orelhano (aurelhano) – espanhol platino – animal sem marcanem sinal; também serve para pessoas.• Pago – espanhol/português – lugar onde se nasceu; comoo gaúcho original era um nativo descendente de imigrantese não pretendia deixar seu solo em hipótese alguma, o termotambém designa, genericamente, a região da Campanha.• Pampa – quíchua – vastas planícies do Rio Grande do Sul, Uru-guai e Argentina, coberta de excelentes pastagens que servem
para criação de gado; em quíchua, “pampa” significa “planície”.• Paisano – português/espanhol – patrício, amigo, camarada;camponês e não militares.• Pelo duro – espanhol – crioulo, genuinamente rio-grandense;também significa pessoa ou animal sem estirpe.• Poncho – origem incerta, araucano ou espanhol – espéciede capa de pano de lã de forma retangular, ovalada ou redon-da, com uma abertura no centro, para a passagem da cabeça.• Puchero (putchero) – espanhol – sopão com muito vegetal ecarne de peito, sem tutano e sem pirão.• Querência – espanhol – o lugar onde se vive; derivado de“querer”, caracteriza o amor que o gaúcho tem pela sua terra.• Tapejara – tupi – vaqueano, guia ou prático dos caminhos;gaúcho perito, conhecedor da região.• Tchê – provavelmente espanhol – termo vocativo pelo qual setratam os gaúchos; é o mesmo “che” (‘txê’) do espanhol, que seconsagrou com Ernesto Guevara, o “Che”.• Topete – português/espanhol – audácia, arrogância, atrevimen-to; saliência da erva-mate que fica fora d’água na cuia de chimarrão.• Tropeiro – português/espanhol – condutor de tropas, de gado.
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21Morro São Pedro, Porto
Alegre, novembro de 2008.
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Cerro do Tigre, Alegrete,
abril de 2008.
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Serra do Caverá, entre
Rosário do Sul e Alegrete,janeiro de 2010.
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Lavras do Sul,
agosto de 2007.
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Caçapava do Sul,
junho de 2015.
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Noivinhas-de-rabo-preto
( Xolmis dominicanus)Lavras do Sul,dezembro de 2007.
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Alstroemeria albescensMorro São Pedro, PortoAlegre, março de 2009.
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Geografia inspiradora
Dirce Maria Antunes Suertegaray
Interlúdio I
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O Pampa fronteiriço tem longa história no tocante à formação de
sua paisagem. Caracteriza-se pelas planuras e pelos horizontesinfindos, onde o campo prevalece entremeado de outras formas decobertura vegetal, como espinilhos, corticeiras e obutiazal, maria-mole, capim-limão, gravatás, tunas e camposlimpos, onde vivem emas, o quero-quero e o joão-de-barro...Raposas, tatus e capivaras.
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É o Pampa pastoril e das
pequenas cidades. É o Pampa das tropase dos tropeiros, circulando peloschamados corredores, estradas vicinais,
por horas ou mesmo dias.Acompanhados pelos seus cachorros,
protegidos com seus ponchos, desde cedonas lidas campeiras. 31
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É o Pampa das coxilhas e dos
relevos acidentados daCoxilha de Santana e daSerra do Caverá.
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Sua paisagem se revela de todos osmatizes, conforme a estação do ano ou
a hora do dia. Ao final da tarde, quandoo sol se põe no horizonte, as nuvens serevelam laranja ou amarelas. No horizonte
vislumbram-se, através do reflexo dosraios solares, chamas de uma fogueira ou
fogo de chão, que nos convida à prosa e aochimarrão.
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Em tempos de primavera, o verdereaparece, o campo rebrota, as
flores campestres se espalham, entrechircas e gravatás explode a vida.
Bosques de eucaliptos, introduzidospelos pecuaristas para abrigo do
gado e alguma lenha, são, também,perceptíveis no horizonte, nada queperturbe a vida diversa do bioma. Ogado criado solto engorda em ritmode tempo lento e ao sabor da maiorou menor abundância de pasto. São
infindos os horizontes, são grandes aspropriedades. A cerca é o limite.
Seus campos mudam de tom. Noverão, podem ser amarelos devido
ao ressecamento do solo, muito rasoem muitas áreas. Mas também no
inverno se amarelam pelo frio e pelageada intensa.
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Há dias de muita chuva. Mudam as coresno Pampa, um cinza esverdeado e
esfumaçado se revela por entre um douradopouco denso, cor de pasto ressecado.
O céu, de um cinza róseo, reflete o brilhodo sol, entre nuvens carregadas.
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Ao amanhecer, o tropeiro vai à lida, juntao gado nas estâncias, desloca-o para outras
paragens, potreiros ou matadouros. Céunublado, sol à vista, vento frio ou sol que
“racha”. De fazenda em fazenda, deinvernada em invernada, com qualquer
tempo, no verão ou no inverno, com sol oucom chuva, ou mesmo com geada e vento
minuano, a tropa se desloca.
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“Despacito”, conversando, montados emseus cavalos, os tropeiros, peões deestâncias ou capatazes, seguem em frenteem tempos de geada. O campo se tornabranco, as lagoas se congelam, pelasbaixadas e vales, entre coxilhas desnudas,lá se vão de volta ao pago, em busca deoutras lidas.
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A cavalgada é longa e atravessa muitoscampos. Avista-se uma tapera (rancho
abandonado no campo). Registro demudança. Velhas taperas, moradas antigas
em desconstrução, em meio a algumafazenda, rodeadas de gado e vegetação.Espinilhos isolados, campos sujos, gadosolto. Fenômeno de desterritorialização,
de vendas de pequenos lotes, aglutinação,expansão de propriedades e redução da
população que vive no campo.
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É comum no Pampa, sobre cerros e coxilhas, otúmulo isolado. Expressão do desejo de muitos deseus moradores de serem enterrados em lugaresaltos, no domínio de suas terras. Trata-se de umsímbolo de identidade com a terra e com a lidado campo. Por vezes são túmulos familiares, masna grande maioria é de uma única pessoa, o donodaqueles campos. A poesia gaúcha revela essedesejo, em letra de Jayme Caetano Braun: “Nãome enterra em campo-santo sob uma tumba oujazigo, não me pões nenhum abrigo, enterra-me em
campo aberto, só pela terra coberto...Que o gado durma comigo!”
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Enfim, esse espaço fronteiriço revelamuitas paisagens. Seus limites se fazempor terra ou por água. Entre a fronteira
do Brasil com a Argentina flui o tranquiloe profundo rio Uruguai, das pequenas e
médias embarcações. Sua imagem, ao pôrdo sol, se revela dourada, reflexo do sol
poente.
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Este espaço fronteiriço, mais interiormente,é banhado por outro grande caudal, o RioIbicuí, afluente do Uruguai. Rio de planíciesextensas, ainda com presença de muita mataem suas margens. Apresenta-se comopaisagem singular, planuras e morros detopo plano. Isolados ou em conjunto,configuram paisagens de uma estéticasurpreendente. Rochedos expostos, matas deencosta e colinas no horizonte compõem oconjunto de formas que, junto como oscampos das planuras, configuram aspaisagens do Pampa.
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Paisagem do Pampa:
monotonia que se rompe no espaço e no tempo
Em uma análise superficial, a paisagem do Pampasuscita à mente daqueles que são convidados a des-
crevê-la algumas referências que se cristalizam comomarcas de um cenário regional: “um relevo uniforme,uma imensidão geográfica, uma horizontalidade emque terra e céu se confundem, uma silenciosa mono-tonia...”. Tais marcas revelam circunstâncias sob asquais os seres humanos perceberam, se apropriarame forjaram o viver e o passar pelo Pampa, ao longode suas histórias. São generalizações necessárias paranos situar na amplidão geo-histórica da região.
Desvendando-se a temporalidade do Pampa aolongo da escala geológica, percebe-se que nossos sen-tidos, ao elaborarem a paisagem, deixam de conside-
rar as circunstâncias que se manifestam nos detalhesde sua conformação. O mosaico de conhecimentocientífico revela que, desde suas origens, que se con-fundem com as do próprio Planeta, há mais de 800milhões de anos atrás, a paisagem do Pampa percor-reu uma trajetória nada monótona.
Âncora ou “escudo” dessa paisagem que se moldaao longo do tempo, o denominado Planalto Sul-Rio-Grandense constitui, atualmente, as raízes deuma estrutura que guarda tesouros nas suas entra-nhas ruiniformes. Ali jazem evidências de antigos vulcanismos, desertos, geleiras, mares, lagos, praias
e rios, que instigam a razão daqueles que se desafiama compreender e a reconstituir o mosaico compostopor fragmentos de uma natureza que não esconde asua trajetória inconstante.
Atualmente, todo esse mosaico de temporalidadeé esculpido pelos agentes intempéricos, que não se
regem por ritmos de calmaria e regularidade ao lon-go do ano e no passar deles. São chuvas torrenciais,
secas, calores tórridos e frios quase glaciais, gerandoa diversidade de materiais que formam os solos dediversos matizes. Sobre eles, a diversidade biológicarevela-se no predomínio dos campos naturais e nasmatas ciliares que acompanham as drenagens, comodendritos que guardam no seu padrão a memória daerosão contínua.
Os campos, à primeira vista homogêneos, sãodiversos em sua composição de plantas herbáceas earbustivas. São numerosas famílias, gêneros e espé-cies vegetais em associação, denunciando o cami-nhar silencioso das plantas ditado pelas variações
climáticas registradas durante a ocupação dos espa-ços. Elas avançam e retrocedem de seus refúgios declímax tropicais e semiáridos do Cerrado, na RegiãoCentro-Oeste do Brasil, ou das estepes da região do Monte, na Argentina, adaptando-se e resistindo àsnovas condições de clima úmido e solos arenosos oupedregosos do Pampa.
Assim, entre as plantas dos campos pampianossão encontradas espécies que constituem relictos declimas do passado, mas também registros de adap-tações biológicas, como se buscassem recriar ascondições de seus meios originais. Essa dinâmica de
formas e estruturas vegetais se expande por todo oPampa, evidenciando que a combinação de clima,relevo e solos em diversas escalas gera adaptações esocializações entre plantas e animais que, ao olharatento, fogem a qualquer monotonia.
Roberto Verdum
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Lavras do Sul,agosto de 2007.
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Santa Maria,janeiro de 2009.
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Paisagem de lutas e de liberdade
A complexidade se intensifica quando se reconhe-ce que, pouco a pouco, os campos foram sendo mol-dados e manejados pelos seres humanos para consti-
tuírem a base econômica que veio a se revelar comomarca da paisagem pampiana: a pecuária extensiva. Assentada nos relevos das coxilhas, essa paisagem dapecuária em vales e colinas suaves se rompe com osrelevos em forma de mesa – os cerros e as serras.Entre conquistas e derrotas em batalhas, os seres hu-manos que ali viveram denominaram os elementosda paisagem segundo a sua história. Esses elemen-tos acabaram por tornar-se ícones, onde se alicerçamidentidades locais e sentimentos de pertença: Valedos Lanceiros, Cerro dos Porongos, Serra das Aspe-rezas, Serra das Veledas, etc.
Um mundo adormecido
Na periferia sul e oeste desse núcleo geo-históricodo Planalto Sul-Rio-Grandense, a estrutura de umaborda de bacia sedimentar gigantesca, com mais de ummilhão de quilômetros quadrados, conhecida como
Paraná, guarda evidências paleontológicas de umamegafauna e uma megaflora. É na Depressão Centralou Periférica que essa história ressurge, a partir dafase erosiva em que essas grandes estruturas hoje se
encontram, pelas mãos daqueles que escavam as di- versas camadas geológicas no interesse de reconstruiro grande mosaico da natureza. É a vegetação arbóreade pântanos soterrados e petrificados em rochas sedi-mentares durante milhões de anos, assim como fós-seis que representam os ancestrais dos atuais répteis,anfíbios, aves e mamíferos. Com certeza, no futuro,novas paisagens do passado, soterradas sob as atuaiscolinas e vales da Depressão Central, surgirão parareafirmar a existência pretérita de pântanos, desertose grandes sistemas fluviais ou lacustres.
São sobre essas paisagens do passado que os pro-
cessos de erosão e deposição conformam o relevoatual. O arredondamento das formas das coxilhas edos cerros, com o entalhamento dos vales pela erosão,gera e transporta principalmente areia, consolidandoas amplas planícies aluviais. Estas são como anéisque circundam o Escudo: para leste, a planície do rio
Manoel Viana,abril de 2008.
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Jacuí, que corre em direção ao lago Guaíba, e paraoeste, a do rio Ibicuí, que escoa para o rio Uruguai.Dois grandes rios que já foram um só e que se pensaem unir novamente!
Paisagem onde se constroem marcas
A atual paisagem de coxilhas recortadas por alam-brados que demarcam os limites das propriedadesremonta ao estabelecimento da fronteira política en-tre o Brasil, o Uruguai e a Argentina. Essas divisõessão consideradas como a primeira forma concretade demarcação fundiária do Rio Grande do Sul, aqual estruturou, também nessa porção do Pampa, atradição da criação animal extensiva nos amplos es-paços campestres. As propriedades rurais situadasnos quadrantes oeste e sul do estado, pertencentes
à Campanha Gaúcha, ainda são a herança de umatradição de criação extensiva de gado sobre imensassuperfícies de terra. Essa prática pastoril, baseada emum substrato de vegetação herbácea nativa sobre so-los arenosos ou pedregosos poucos profundos, im-põe uma relação direta entre rentabilidade e número
de hectares explorados. Ainda hoje se reconhece essarepartição da paisagem nas propriedades rurais comcentenas de hectares e forte tradição pastoril.
O primeiro rompimento dessa marca do Pampa
como paisagem pastoril surge com as ondas de imi-gração alemã (1842) e italiana (1875), que consoli-dam um novo recorte visual do terreno em pequenaspropriedades, baseado na economia de subsistênciapela policultura. Assim, na atualidade, ainda se evi-dencia a existência de duas malhas que se sobrepõemà paisagem da Campanha: uma sociedade de criado-res que desenvolvem suas atividades nos solos asso-ciados aos campos e outra sociedade de agricultoresque exercem a agricultura sobre um espaço que, origi-nalmente, era constituído de solos recobertos porflorestas, em relevos de fortes declividades, a “serra”
e suas “escarpas”, na borda entre a Depressão Centrale os planaltos ao norte e ao sul. É nessas propriedadesrurais que se visualizam os modelos de produção quecombinam os cultivos de soja, milho, batata, feijãoe fumo, bem como fruticultura e pecuária de cortee leite.
São Gabriel,abril de 2008.
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O segundo rompimento dessa paisagem de cam-pos de pecuária ocorre, sobretudo, a partir dosanos 1970, quando há uma mudança importantedo sistema de produção, que hoje se consolida em
quase toda essa paisagem. A expansão dos cultivostemporários na paisagem da Campanha permitiuque ela se tornasse uma importante área de produçãode culturas agrícolas alimentares e industriais. Entre1950 e 1970 houve o boom do trigo e, a partir dosanos 1970, o da soja. A introdução desses cultivosmecanizados sobre o relevo plano das coxilhas e cer-ros, em solos leves e de fácil manejo, cobertos pela vegetação herbácea típica do Pampa, criou uma novapaisagem onde até então predominava a pecuária ex-tensiva.
O conhecimento sobre os limites e as fragilidades
dos solos sob os campos nativos nos remete à formacomo a sociedade ali instalada organizava e exploravao território em via de ocupação, assim como permiteque se interpretem as degradações do solo observadasna atualidade. Nesse sentido, há o reconhecimentode fenômenos que sublinham a progressiva destrui-
ção das pastagens por processos erosivos e a faltade meios dos proprietários para propor soluçõesque venham a controlar esses fenômenos. As ravi-nas, as voçorocas e a acumulação de areias em for-
ma de manchas – os “desertos” –, foram processosidentificados e julgados como capazes de influenciarenormemente as condições de produção agrícola. No que se refere a sua origem, nos primeiros estudosrealizados nos anos de 1970 e 1980, estabeleceu-seuma relação desses fenômenos de degradação comas duas principais atividades econômicas praticadasaté então: a criação extensiva de gado e os cultivosdo trigo e soja.
No entanto, hoje se reconhece a arenização (pro-cesso de formação dos areais) como uma dinâmicanatural, associada às paisagens do passado recente,
sob condições de climas mais frios e secos do queo atual. Por outro lado, também é reconhecido quecertos areais estão relacionados à alta pressão agrícolaexercida sobre a cobertura de pastagens nativas – ain-da largamente dominantes – em solos arenosos.
Enquanto sobre as coxilhas e os cerros o olhar de-
Quaraí,abril de 2008.
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nuncia as rupturas históricas que criam um mosaicoheterogêneo sob forte influência da mecanização, nasamplas planícies aluviais a paisagem associada aos ex-tensos cultivos de arroz irrigado reafirma, desde os
anos 1920, esse cultivo como “natural” ao olhar dogaúcho e do viajante que habita e percorre a Cam-panha.
Mais recentemente, o plantio em larga escala deeucaliptos tem rompido a horizontalidade da paisa-gem e as estruturas socioeconômicas típicas, gerandointensos debates sobre a sua validade como opçãosocioeconômica e criando novas marcas na paisagemdo Pampa.
Na borda leste do Planalto Sul-Rio-Grandense,a Planície Costeira é a mais jovem unidade quecompõe o Bioma Pampa, do ponto de vista geológi-
co e biológico. No entanto, o olhar já reconhece nelaa apropriação e uso humano através da pecuária, doscultivos de arroz irrigado, milho, fumo, olericultura efruticultura, e, mais recentemente, da soja e da silvi-cultura. É a partir dos anos 1970 que se deu a implan-tação de sistemas produtivos integrados, como o ar-
roz, o fumo e a soja. O cultivo do arroz, consorciadocom o gado bovino, está integrado a essa paisageme tal consórcio é reconhecido como incorporador doelemento humano na identidade do Pampa.
No limite entre a Planície Costeira e o PlanaltoSul-Rio-Grandense, destacam-se os cultivos de fu-mo, milho, fruticultura e olericultura. A silvicultura,na forma de monoculturas arbóreas em extensasáreas (acácia, eucalipto e pínus), tem, gradativa-mente, rompido com a horizontalidade da paisagem,gerando novas dinâmicas associadas aos agentes na-turais, novas formas e novas rupturas na identidadehumana historicamente construída.
São novas marcas de um Pampa em constanteesculturação... Mosaicos de uma paisagem que sãoperdidos e outros que restam para compor a matriz
em que se assentam nossas memórias e referências.
Santana da Boa Vista,abril de 2008.
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Bagé,agosto de 2007.
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Pedras Altas,abril de 2008.
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Rincão do Inferno,Lavras do Sul,
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Uruguaiana,abril de 2008.
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Guaritas de Caçapava do Sul,junho de 2015.
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Biodiversidade
O termo biodiversidade, ou diversidade biológica,expressa toda a multiplicidade e multidimensionali-
dade da vida, em suas mais variadas formas, mani-festações, inter-relações e níveis de organização. Abiodiversidade de um determinado espaço, seja eleuma região, país, bioma ou mesmo o planeta inteiro,compreende o conjunto das espécies de seres vivosque nele vivem – plantas, animais, fungos e micror-ganismos – e a variabilidade genética e morfológicacontida nas populações dessas espécies. Compreende,também, as comunidades biológicas e os ecossiste-mas onde elas ocorrem, bem como a variedade deinterações e processos ecológicos que os mantêm emfuncionamento.
Por trás da aparente uniformidade do Pampa es-conde-se uma surpreendente diversidade biológica,só recentemente revelada, graças à intensificação daspesquisas científicas sobre o bioma e ao aumento dointeresse pela sua conservação ao longo dos últimosanos. Porém, para melhor compreendê-la e apreciá-la, é preciso deixar momentaneamente de lado nos-sa preferência quase inata pelas árvores e desviar oolhar para mais perto do chão, onde a vida no Pampamanifesta-se em todo o seu esplendor e plenitude.
Os campos constituem o tipo de vegetação natu-ral predominante nas paisagens do Pampa. Versáteis
e onipresentes, as gramíneas dominam esses ambien-tes e definem a sua estrutura, formando com outrasplantas herbáceas menos abundantes uma cobertura vegetal contínua, frequentemente permeada de ar-bustos e subarbustos. Por estarem localizados emuma zona de transição climática, os campos do Pampa
gaúcho apresentam uma singular mistura degramíneas estivais, características de clima tropi-
cal e com crescimento vegetativo no verão, como ocapim-caninha ( Andropogon lateralis), e hibernais, declima frio e com crescimento vegetativo no inverno,como as flechilhas (Stipa spp.). Além disso, há mui-tas espécies endêmicas, ou seja, que não existem emqualquer outro lugar do planeta. Essa conjugação defatores faz com que a diversidade de gramíneas doPampa seja uma das maiores do mundo: somentenos campos do Rio Grande do Sul são mais de 400espécies nativas.
Além das gramíneas, vários outros grupos de plan-tas se destacam pela variedade de espécies campes-
tres. A família das compostas (Asteraceae), que incluias margaridas, as carquejas ( Baccharis spp.) e o mio-mio ( Baccharis coridifolia), é a mais diversa e está re-presentada por cerca de 480 espécies nos campos doRio Grande do Sul. De leguminosas (Fabaceae) sãoconhecidas mais de 230 espécies, tais como os tre- vos (Trifolium spp.) e as babosas ( Adesmia spp.) na-tivas, além do pega-pega ( Desmodium incanum). Noscampos mais úmidos, as ciperáceas (Cyperaceae) sãoespecialmente abundantes, ocorrendo pelo menos145 espécies. Também as famílias das verbenáceas,cactáceas, iridáceas e malváceas, cada qual com deze-
nas de espécies no Pampa, são bem representadas.Em seu conjunto, a flora campestre do Pampagaúcho abrange cerca de 2.150 espécies vegetais,uma diversidade florística raramente encontrada emoutros biomas campestres do planeta. Um únicometro quadrado de campo nativo no Pampa pode
Glayson Ariel Bencke
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conter mais de 50 espécies diferentes de plantas! Muitas delas são economicamente importantescomo forrageiras, a exemplo do capim-forquilha
( Paspalum notatum), do capim-melador ( Paspalum dilatatum), da grama-tapete ( Axonopus affinis) e de várias leguminosas nativas. A grande variedade deespécies forrageiras e a coexistência de gramíneasestivais e hibernais tornam as pastagens naturaisdo Pampa particularmente adequadas ao uso pasto-ril. Em pastagens corretamente manejadas, o pastonativo proporciona aos animais uma dieta natural variada, diferenciada e de alta qualidade, que influ-encia nas características sensoriais e nutricionais dacarne produzida sob essas condições. As espécies for-rageiras nativas do Bioma Pampa também represen-
tam um recurso genético extremamente valioso parao enriquecimento de pastagens em outras regiões,ainda praticamente inexplorado. As leguminosas,em adição ao seu valor forrageiro, são importantespor promoverem a adubação natural dos camposde pecuária a partir da incorporação de nitrogênioatmosférico ao solo.
Entre as plantas nativas do Bioma Pampa há ain-da pelo menos uma centena de espécies com altopotencial para uso ornamental. Algumas são culti- vadas e comercializadas há muito tempo, como ocapim-dos-pampas (Cortaderia selloana). Diversascactáceas nativas que habitam afloramentos rochososem ambientes campestres têm sido, inclusive, alvode extrativismo ou biopirataria e estão em risco deextinção, tamanho o interesse que despertam entreos aficionados. A grande maioria das espécies, en-tretanto, aguarda pesquisas de propagação e de via-bilidade econômica para serem inseridas no mercadoda floricultura e do paisagismo.
Mas a diversidade dos campos do Pampa é per-ceptível muito além de suas espécies vegetais. Nãoapenas um, mas vários tipos de campos podem serreconhecidos no bioma, ainda que as diferenças en-tre um e outro possam ser sutis e que a variação fi-sionômica ao longo do ano ou em função do manejopastoril possa ser mais evidente do que aquela entretipologias similares. Esses diferentes tipos de forma-ções campestres distinguem-se principalmente pelaestrutura e pela composição da vegetação. Variam,
entre outros aspectos, a altura do estrato herbáceo(formado pelas gramíneas e demais ervas), o númerode estratos ou camadas de vegetação, a quantidade
de plantas lenhosas (arbustos, subarbustos e arvore-tas), o percentual de solo descoberto, o hábito dasgramíneas dominantes (se eretas e formando toucei-ras ou rasteiras e prostradas, formando estolões), arepresentatividade de outras famílias botânicas emrelação às gramíneas e a razão entre gramíneas esti- vais e hibernais.
Um dos fatores físicos que mais influenciam nafisionomia dos campos é o tipo de solo. No Pampa,distintas formações geológicas e geomorfológicas,cuja evolução perpassa 2,5 bilhões de anos e remontaa diversas épocas da história do planeta, justapõem-
se em uma superfície territorial relativamente reduzi-da. Submetidas a processos erosivos, esses substratosgeológicos deram origem a uma grande diversidadede solos, cada qual com características próprias, que variam de acordo com a rocha de origem e a confor-mação do relevo, entre outros fatores. Assim, há so-los rasos e outros profundos, arenosos ou argilosos,de origem granítica ou basáltica, de alta ou baixa fer-tilidade, com maior ou menor capacidade de reteremágua etc. Além disso, fatores climáticos como tem-peratura, quantidade de chuvas e amplitude térmica,interagindo com as características topográficas e desolo, também contribuem para definir a fisionomiadas formações campestres.
Como resultado, existe no Bioma Pampa umcomplexo sistema de formações vegetais ou fitofi-sionomias campestres, que compõem uma unidadeecológica com os campos existentes ao norte, naspartes mais altas e planas do Planalto Sul-Brasileiro(com os quais formam os chamados Campos Su-linos), e aqueles que se estendem ao sul e a oeste,através da fronteira com o Uruguai e a Argentina(formando os Pastizales del Río de la Plata).
O setor noroeste do Bioma Pampa, nas Missões eno Planalto Médio, corresponde à região de ocorrên-cia natural dos campos de barba-de-bode, já quasetotalmente transformados em lavouras de grãos.Esses campos caracterizam-se pela dominância detouceiras do capim barba-de-bode ( Aristida jubata)no estrato superior, entre as quais cresce um estrato62
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inferior de gramíneas rasteiras, originando uma fisio-nomia com dupla estrutura. A maior parte das espé-cies presentes é de origem tropical, pouco exigentequanto à umidade, sendo as gramíneas majoritaria-
mente de ciclo estival. No extremo oposto do Pampa gaúcho ocorremos campos graminosos de solos profundos da Cam-panha Meridional (região de Bagé). Esses camposdistinguem-se pela maior representatividade degramíneas em relação a outras famílias botânicas e,em razão das temperaturas mais baixas, pela maiorincidência de gramíneas hibernais (por exemplo, dosgêneros Briza, Piptochaetium, Poa e Stipa). Diversasespécies originárias de regiões mais frias situadas aosul alcançam nessa parte do Pampa o seu limite nortede ocorrência.
Existem ainda, entre outras tipologias, os campos de solos rasos da Campanha, sobre terrenos de pouca pro-fundidade e geralmente pedregosos, provenientes derochas basálticas e com pouca capacidade de retençãohídrica; os campos litorâneos, de solos arenosos, carac-terizados pelo predomínio de gramíneas baixas e pros-
tradas nos terrenos bem drenados e ciperáceas nasáreas alagadas; os campos dos areais da região centro-oeste do Rio Grande do Sul, sobre solos frágeis epobres em nutrientes, que sustentam uma vegetação
rarefeita; os campos com espinilho da Fronteira Oeste,pontilhados de arbustos e arvoretas, e os campos ar- bustivos e ricos em compostas, sobre solos graníticosdo Escudo Sul-Rio-Grandense (Serra do Sudeste),que estabelecem um equilíbrio dinâmico com as flo-restas e as formações arbustivas, gerando mosaicos vegetacionais em uma região de relevo irregular.
Um exame mais atento e minucioso da vegetaçãocampestre do Pampa revela que muitas de suas es-pécies nativas apresentam adaptações para reduzir aperda de água para o ambiente e suportar situaçõesde restrição hídrica, como estiagens prolongadas e
chuvas escassas, apesar da vigência de um clima bran-do na atualidade, com taxas pluviométricas relativa-mente elevadas e sem uma estação seca pronunciada.Essas adaptações, que incluem a presença de densapilosidade ou de ceras e óleos impermeabilizantesnas partes expostas das plantas, assim como de folhas 63
Santa Maria,abril de 2008.
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espessas e reduzidas, têm sido interpretadas comoevidência de que os campos da região são remanes-centes (relictos) de uma época em que imperavaum clima consideravelmente mais seco do que o
atual, hipótese plenamente respaldada pela análisede amostras de grãos de pólen acumuladas ao longode milhares de anos em depósitos de sedimentosorgânicos preservados em turfeiras.
De fato, dados paleoclimáticos de áreas do Pampano Rio Grande do Sul e no Uruguai indicam quea região esteve sujeita a um clima mais frio e secodurante o último período glacial, desde pelo menos22 mil até cerca de 12 mil anos antes do presente, emais quente e seco entre 12 mil e aproximadamente5 mil anos atrás. Condições mais úmidas e estáveispassaram a prevalecer somente após isso, permitindo
uma expansão inicialmente lenta e depois aceleradadas florestas ao longo dos rios. Contudo, durantetodo o período coberto pelos registros, os camposmantiveram sua hegemonia como formação vegetalpredominante no Pampa.
Outra evidência de que os campos pampianos ex-
perimentaram circunstâncias distintas das atuais aolongo de sua evolução é a grande incidência e varie-dade de órgãos subterrâneos em forma de bulbosou tubérculos em suas plantas (rizomas, xilopódios,
raízes tuberosas e outros). Esses órgãos, que servemcomo reservas de nutrientes e também portam ge-mas, aumentam as chances de sobrevivência da plantaem situações de estresse ambiental ou constante per-turbação, pois permitem que ela permaneça viva e re-brote rapidamente mesmo quando suas partes aéreassão perdidas. Os gravatás ( Eryngium spp.), plantasespinhosas e em forma de roseta comuns nos camposdo Rio Grande do Sul, são considerados especialistasem distúrbios, pois se regeneram de forma muito rá-pida a partir de seus rizomas enterrados, após a pas-sagem do fogo. Diversas gramíneas rasteiras, como ocapim-forquilha, são resistentes à remoção contínuade suas partes aéreas e ao pisoteio por herbívoros,recuperando rapidamente sua massa foliar.
Dessa forma, a matéria vegetal viva que está ocultasob o solo das pastagens nativas do Pampa é extrema-mente importante para a manutenção da produtivi-
Morro São Pedro, PortoAlegre, setembro de2008.
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dade e da capacidade de regeneração desses ecos-sistemas, além de ser uma extraordinária reserva es-tabilizada de carbono. Como a maioria das plantasnativas do Pampa é perene, ou seja, não perde suas
folhas e demais partes aéreas durante a estação seca,para depois rebrotar na estação úmida, a presença deestruturas subterrâneas é indício de uma adaptaçãoda vegetação campestre a um clima anterior maisseco e também evidência de que os campos do bio-ma evoluíram sob a influência de distúrbios comoo fogo e o pastejo por herbívoros. Mas, se o climaatual é mais favorável às florestas, como os campos semantêm na paisagem do Pampa até os dias de hoje?
Perturbação que gera diversidade
Como visto, no curso de sua evolução os camposda região pampiana estiveram sujeitos a regimes natu-rais de perturbação, determinados por fatores comoas queimadas espontâneas e o pastejo por herbívorosnativos. Nos dias de hoje, em que esses regimes natu-rais de perturbação estão em grande parte ausentes,é o manejo pastoril o principal fator que determina
a fisionomia dos ecossistemas campestres, atuandoconjuntamente com características locais de clima,topografia e solo.
Como evidência disso, tem sido verificado que a
vegetação de áreas campestres onde não há a açãodo gado doméstico ou do fogo perde diversidade aolongo do tempo porque certas gramíneas que for-mam touceiras altas se tornam dominantes nessascondições e não deixam espaço para plantas menorese menos vigorosas, que tendem a desaparecer. Emum estágio mais avançado na evolução desse pro-cesso de sucessão ecológica, a ausência do fogo, dopastejo e do pisoteio pelo gado permite a invasãoe o adensamento de plantas lenhosas, levando, como tempo, à substituição do campo nativo por outrotipo de vegetação e ao consequente desaparecimentode espécies estritamente campestres.
Portanto, o manejo com o gado doméstico subs-tituiu em grande parte os agentes naturais de pertur-bação no papel ecológico de conter o avanço da vege-tação lenhosa sobre as áreas campestres e de gerarheterogeneidade estrutural no ambiente, sendo essen-
São Gabriel,abril de 2008.
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cial, nas condições ecológicas atuais, para a estabili-dade dos campos e para a manutenção do equilíbrioentre as diferentes formas de vegetação natural napaisagem do Pampa. Por outro lado, o pastejo exces-
sivo pelo gado causa a redução da cobertura vegetaldo solo, a homogeneização da vegetação campestree a eliminação de plantas de maior valor forrageiro.
Tal como a flora, a fauna campestre tambémevoluiu sob esses regimes naturais de distúrbio etornou-se dependente de fatores que promovem aperturbação, estando certas espécies adaptadas a es-tágios específicos da sucessão vegetal. O caminhei-ro-grande ( Anthus nattereri), por exemplo, vive emcampos onde o pasto é relativamente curto e não hágrande incidência de touceiras ou arbustos, ao passoque a corruíra-do-campo (Cistothorus platensis) habi-ta capinzais densos e altos, com ou sem arbustos. Es-sas espécies de pássaros não são vistos lado a lado,mas podem compartilhar a mesma paisagem se dife-rentes pressões de pastejo gerarem heterogeneidadena vegetação, permitindo que as características deestrutura de habitat necessárias a cada uma delas se
expressem em um mesmo campo. Assim, ambos os extremos – excesso e ausência de
perturbação – diminuem a heterogeneidade ou di- versidade estrutural da vegetação campestre, benefi-
ciando certos organismos em detrimento de outros. A diversidade de espécies é maximizada quando osdiferentes fatores e níveis de perturbação, variandono espaço e no tempo, criam um mosaico dinâmicode habitats na paisagem, capaz de satisfazer as ne-cessidades das diferentes espécies da fauna e da floracampestres. Mas os campos não são os únicos ecos-sistemas do Pampa.
Diversidade de ecossistemas
O Bioma Pampa é um grande mosaico de diferen-tes tipos de fitofisionomias campestres, formaçõesarbustivas e florestas, além de áreas úmidas, compredomínio dos primeiros. Em uma escala ampla,percebe-se uma forte vinculação da vegetação naturalcom o relevo, as áreas mais acidentadas sendo ocupa-das por florestas e as mais planas pelos campos.
Caminheiro-grande( Anthus nattereri).
Rio Camaquã,Lavras do Sul,
agosto de 2007.
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Por representar a porção norte do extenso ter-ritório onde as formações campestres naturais se es-tendem de forma contínua no sudeste da América
do Sul, em uma faixa de transição entre as zonastemperada e tropical do continente, o Pampa recebemarcante influência de biomas florestais situados aonorte. Já no final do século XIX, o botânico suecoCarl Lindman constatou ser difícil encontrar no RioGrande do Sul “uma só milha quadrada” onde as ár- vores não se fizessem presentes de forma espontânea.São florestas de encosta, matas de galeria, capões demato ou mesmo árvores isoladas.
Formando um prolongamento da Mata Atlântica,a vertente oriental da Serra do Sudeste ou PlanaltoSul-Rio-Grandense já foi outrora recoberta pela flo-
resta estacional semidecidual, hoje profundamentedescaracterizada e fragmentada. Através dessa via dedispersão, vários elementos da fauna e da flora queatestam a origem dessa formação florestal alcançam –ou historicamente alcançavam – a Serra dos Tapes, jápróximo ao paralelo 32° de latitude sul, demarcandoo derradeiro limite da Mata Atlântica.
Em outras partes do bioma, as florestas de gale-ria, ou ciliares, distribuem-se ao longo das margensde rios e córregos, associadas à rede de drenagem.Como “pontas de lança” que testemunham o avançodas florestas sobre os campos do Pampa, esses am-bientes lineares permitem que espécies florestaiscom distribuição ao norte adentrem as paisagenseminentemente abertas do bioma, incrementando abiodiversidade regional. Junto às margens dos cursosd’água, destacam-se nessas matas os sarandis arbusti- vos e o salso-crioulo (Salix humboldtiana), de ramosflexíveis e denso sistema radicular adaptados para su-portar a força das correntezas.
Duas formações vegetais peculiares do BiomaPampa são o parque espinilho (ou estepe parque)e os butiazais. O parque espinilho ocorre somenteem uma área muito restrita do extremo oeste do RioGrande do Sul e constitui uma extensão das forma-ções de espinal que se estendem do nordeste da Ar-gentina ao sul da Província de Buenos Aires, forman-do um grande arco que contorna o limite ocidentaldo Pampa. A vegetação tem o aspecto de uma savana
Legenda da Foto:jfkldcnlkdsnmerij-flkdsmlfdvnfjdlvb-
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ou parque de arvoretas espinhentas e inclui váriasespécies de plantas e animais muito característicasou mesmo exclusivas desse ambiente, como o inhan-duvá ( Prosopis affinis), o algarrobo ( Prosopis nigra), o
quebracho-branco ( Aspidosperma quebrachoblanco), asbromélias Tillandsia durantii e T. ixioides (cravos-do-mato), diversas aves e a formiga Atta vollenweyderi,que constrói gigantescos formigueiros com váriosmetros de diâmetro. Juntamente com os parquesde pau-ferro ( Myracrodruon balansae) da região das Missões, o parque espinilho testemunha a influênciado Chaco semiárido na vegetação do sul do Brasil,que nas condições mais frias e secas do passado podeter sido ainda mais acentuada.
Os butiazais, formados por agrupamentos de pal-meiras campestres do gênero Butia, ocorrem comopalmares discretos na região do litoral, na Campanhae nas Missões, estando hoje muito reduzidos em ex-tensão. O butiazal do Coatepe, em Quaraí, de grandebeleza cênica, é o único palmar de butiá-jataí ( Butia yatay) no Brasil. Os butiazeiros foram muito explo-rados na primeira metade do século XX, para a pro-
dução da crina vegetal, com a qual se estofavammóveis e colchões. Apenas recentemente os múlti-plos potenciais de aproveitamento dos frutos para aprodução de alimentos, óleo e artesanato foram mais
amplamente reconhecidos, surgindo como uma al-ternativa de geração de renda às comunidades ruraiscompatível com a exploração sustentável e a conser- vação dessas palmeiras.
A fauna do Pampa
A exemplo da flora, a fauna pampiana distingue-se pela notável diversidade de certos grupos e pela variedade de modos de vida de suas espécies. NoPampa gaúcho ocorrem pelo menos 480 espécies deaves. Um quinto desse total são aves campestres, ouseja, que vivem principalmente nos campos e depen-dem desses ecossistemas para completar seu ciclo de vida. As demais habitam outros ambientes, como oscapões de mata, as florestas de galeria, as savanas eos diversos tipos de áreas úmidas que ocorrem en-tremeados aos campos na paisagem do bioma.
Levantamentos de aves realizados em proprie-
Palmar de Coatepe,Quaraí, abril de 2008.
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dades de pecuária extensiva do Pampa têm reveladoque, dependendo da variedade de ecossistemas repre-sentados na paisagem, é possível registrar até 122 es-pécies ao longo de um dia de observações em uma área
de apenas dois quilômetros quadrados. A maioria dasaves do Pampa é encontrada na região em qualquerépoca do ano, mas há aquelas que apresentam hábitosmigratórios e são observadas apenas em determina-dos meses, como a tesourinha (Tyrannus savana), pre-sente durante a primavera e o verão.
O maçarico-do-campo ( Bartramia longicauda)destaca-se pela extensão de suas migrações e por suaabundância nos campos da região da Campanha.Essa ave provém principalmente das pradarias docentro da América do Norte, onde procria, e passaos meses de descanso reprodutivo (setembro a feve-reiro) no centro-sul da América do Sul, alimentando-se principalmente de insetos.
Os pequenos papa-capins do gênero Sporophila(caboclinhos) cobrem distâncias menores em suasmigrações, raramente alcançando a região equatorialdo continente, mas precisam encontrar capinzais se-
mentados ao longo de suas rotas migratórias, pois sealimentam essencialmente de sementes de gramíneasnativas. São cerca de nove espécies nos campos dosul do Brasil, onde ocorrem de novembro a abril.
Das quase cem espécies de mamíferos do Pam-pa, várias são estritamente associadas a ambientescampestres, como o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus), o graxaim-do-campo ( Lycalopex gymnocercus), o gato-palheiro ( Leopardus colocolo), ozorrilho (Conepatus chinga), o tatu-mulita ( Dasypus hybridus) e diversas espécies de roedores subterrâ-neos que habitam dunas e campos arenosos, conhe-cidos como tuco-tucos (Ctenomys spp.) por causa dosom surdo e ritmado que produzem.
Outros grupos de vertebrados também são bemrepresentados na região pampiana. São listadas 66espécies de anfíbios e 97 de répteis para o Pampacomo um todo, mas esses números têm aumentadocom a descoberta de espécies ainda não reconheci-das pela ciência ou cuja ocorrência no bioma não eraconhecida. Os peixes anuais da família Rivulidae (so-bretudo do gênero Austrolebias) são notáveis por seu
Tesourinhas(Tyrannus savana).
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peculiar modo de vida. Esses peixes são encontradosno estágio adulto apenas por um breve período doano, em charcos temporários rasos de várzeas e planí-cies inundáveis. Na vazante, quando os seus habitats
alagados começam a secar, todos os indivíduos mor-rem e a geração seguinte é formada a partir dos ovosque foram deixados enterrados no lodo.
A biodiversidade de invertebrados do Pampa ain-da é muito pouco conhecida, mas as pesquisas cientí-ficas têm revelado associações ecológicas e relaçõesbiogeográficas antes insuspeitadas, como a conexãodas borboletas do gênero Pampasatyrus com ambi-entes campestres bem conservados, a notável relaçãode dependência mútua que as abelhas solitárias dasfamílias Andrenidae e Colletidae mantêm com certasplantas do bioma, a aparente resiliência das comuni-dades de aranhas aos efeitos do fogo em ecossistemascampestres e a surpreendente vinculação da faunapampiana com aquela dos biomas secos do interiorda América do Sul (Chaco, Cerrado e Caatinga).
Como visto, o Pampa não abriga animais de ta-manho colossal ou grandes manadas de herbívoros
selvagens como outros biomas campestres do pla-neta. A despeito de sua expressiva diversidade, afauna pampiana é composta por animais de portebem mais modesto e, em geral, solitários. Mas não
foi sempre assim.Um passado glorioso
Registros fósseis revelam que uma rica e peculiarfauna de grandes mamíferos habitou os campos doBioma Pampa até aproximadamente 8,5 mil anosatrás, durante o Pleistoceno e mesmo antes dessaépoca. Sendo em parte produto do isolamento àque a América do Sul esteve sujeita ao longo de suahistória geológica, a megafauna extinta do Pampaencontra correspondência apenas parcial na faunaatual ou fóssil de outros continentes.
Fizeram parte das paisagens pampianas de outro-ra gigantescas preguiças-terrestres (megatérios),mastodontes com até sete toneladas, duas espéciesde cavalos, camelídeos semelhantes às atuais lhamas,cervos maiores do que os de hoje, tatus gigantes,gliptodontes (animais encouraçados aparentados aos
Graxaim-do-campo(Lycalopex
gymnocercus).
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tatus, mas com o tamanho de um fusca e os estra-nhos toxodontes, criaturas com o porte de um rino-ceronte e pesando até 1,5 tonelada, sem equivalentesna fauna atual. Também havia predadores como o
tigre-dentes-de-sabre e ursos.Diversas linhas de evidência indicam que váriosdesses animais eram herbívoros pastadores associa-dos a áreas abertas, bem adaptados a uma dieta defolhas abrasivas, particularmente gramíneas. Portan-to, presume-se que a megafauna extinta tenha sidocapaz de controlar a sucessão vegetal nos ecossiste-mas campestres em que evoluiu, por meio do pastejoe do pisoteio.
Embora ainda haja muita controvérsia no meiocientífico, análises recentes que avaliam em conjuntoeventos de extinção em massa de grandes mamíferosem diversas partes do planeta apoiam fortemente ahipótese de que o desaparecimento da megafaunapleistocênica está relacionado à chegada dos seres hu-manos a essas regiões. Extinções mais severas estãoligadas a curtos históricos de coevolução entre hu-manos e a megafauna, como no Pampa gaúcho, onde
os primeiros indícios da presença humana datam deaproximadamente 12,5 mil anos atrás. Isso sugereque a baixa diversidade de grandes mamíferos en-contrada hoje em muitas regiões continentais não é
um fenômeno natural, mas sim antropogênico. Porum lado, não teria havido tempo para a evolução deestratégias de escape entre os animais da megafaunae, por outro, não se desenvolveu entre os coloniza-dores humanos do passado uma mentalidade de usosustentável dos recursos disponíveis.
De certa forma, a introdução do gado domésti-co nos campos do Bioma Pampa há quase quatroséculos pode ser considerada a retomada de umpapel ecológico antes desempenhado pela mega-fauna. Porém, é provável que os herbívoros extintosdo Pleistoceno exercessem uma pressão de pastejomenor do que a do gado doméstico na atualidade, visto que a biomassa (quantidade de matéria viva exis-tente em um ecossistema ou população) calculadapara a megafauna pastadora do Pampa é de 10,35toneladas por quilômetro quadrado, bem abaixo dacarga animal nos campos de pecuária de hoje, que
Butiás-anões (Butia lallemantii), Manoel
Viana, outono de 2008.
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varia de 37 a 71 toneladas por quilômetro quadrado. Além disso, os bovídeos, que são responsáveis pelamaior parte da diversidade de herbívoros nativos emoutros biomas campestres do mundo, não invadiramo continente sul-americano a partir da América do Norte há cerca de 2,5 mi lhões de anos, como fize-ram os cavalos. Assim, a evolução sob uma pressãode pastejo menor do que a atual pode ser uma dasrazões que explicam a relativa sensibilidade das pas-tagens do Bioma Pampa ao sobrepastoreio.
O uso do fogo para a caça pelos primeiros habi-tantes humanos do Pampa e a subsequente extinçãoda megafauna provavelmente levaram os campospampianos a um novo estado de equilíbrio, com asubstituição da vegetação rasteira de plantas herbá-ceas adaptadas ao pastejo e ao pisoteio por pastagensmais altas e entouceiradas, compostas por plantastolerantes ao fogo. Mesmo assim, os campos vinga-ram até os dias de hoje.
Um futuro incerto
O ritmo acelerado em que os campos naturais doPampa estão desaparecendo para dar lugar a áreasagrícolas ou de silvicultura lança sérias dúvidas so-bre o futuro do bioma e de sua biodiversidade. Onúmero de espécies ameaçadas de extinção que de-pendem de ecossistemas campestres tem aumentadonos últimos anos. Dados relativos à fauna indicamque o percentual de espécies campestres ameaçadasno Rio Grande do Sul passou de 13,6% para 17,9%entre 2002 e 2013, principalmente em consequênciada alarmante redução das áreas de campos naturais.Das 86 espécies ameaçadas que ocorrem no BiomaPampa, 19 são endêmicas do Rio Grande do Sul,incluindo 14 espécies de peixes anuais. Informaçõessobre a flora indicam níveis equivalentes de ameaçaàs plantas campestres.
Um estudo recente sobre o uso do habitat poraves campestres no Pampa mostrou que a maioriadas espécies é prejudicada pela substituição de seu habitat por áreas agrícolas e necessita de altas per-centagens de campos naturais na paisagem (80% ou
Veste-amarela( Xanthopsar favus).
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mais) para manter-se abundante. Embora ainda nãose conheçam os limites de tolerância de outros gru-pos, na prática isso significa que apenas uma pequenaparcela da biodiversidade do Pampa será conservadase a tendência atual de expansão agrícola sobre oscampos do bioma continuar pelas próximas décadas.E com as espécies e os ecossis
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