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MUSEU DA ACRÓPOLE DE ATENAS: A ARQUITETURA DE BERNARD TSCHUMI E A PAISAGEM
PROCÓPIO, C. M. O. (1); NERES, R. M. (2)
1. Arquiteta e urbanista formada pela FCT/UNESP campus de Presidente Prudente e especialista
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteta na Forte, Gimenes, Marcondes Ferraz – FGMF e professor assistente na Universidade Paulista – UNIP. Avenida Dr. Altino Arantes, 668 ap. 91 – São Paulo/SP
carmem.procopio@gmail.com
2. Arquiteto e urbanista formado pela FCT/UNESP campus de Presidente Prudente e especialista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquiteto na Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos – CPTM e professor assistente na Universidade Paulista – UNIP. Rua das Campânulas, 326 – São Paulo/SP
rodrigo.morganti@gmail.com
RESUMO
Bernard Tschumi estabelece em seu livro Event-Cities 3 uma abordagem teórica de alguns de seus projetos sustentada pela tríade conceito/contexto/conteúdo. O arquiteto, explorando o conhecido potencial metodológico e conceitual do s eu processo de trabalho, revela as estratégias projetuais adotadas estabelecendo relações de indiferença, reciprocidade e conflito entre a tríade. Dentre as obras que são apresentadas no livro está o New Acropolis Museum, aclamado pela crítica e pelo público, foi inaugurado em 2009 e construído em Atenas para abrigar uma importante coleção de esculturas da Grécia antiga e os frisos do Parthenon. De maneira contrária ao indício antagônico que o subtítulo do livro sugere para as três palavras - Concept vs. Context vs. Content - o projeto se consolida conceitualmente como uma conformação de interpretações extraídas do contexto que resultam em um partido arquitetônico extremamente forte e particular. Adicionado como condicionante está o conteúdo singular exibido no museu, os conhecidos Mármores de Elgin, sobretudo as peças componentes do friso do Parthenon extraídos do templo pelos ingleses e atualmente em exposição no British Museum. O contexto geográfico e histórico que a princípio impõe uma série de restrições técnicas e culturais ao desenvolvimento do processo projetual define o partido arquitetônico. O sítio arqueológico contendo séculos de vidas cívicas de Atenas existente no terreno escolhido para o museu; a conformação da malha urbana atual da cidade; a onipresente história de Atenas, símbolo da civilização grega; e a presença marcante do Parthenon, uma das mais importantes construções da arquitetura ocidental. O museu, locado aos pés da Acrópole e com vista privilegiada para o Parthenon, constitui-se como uma grande caixa elevada do solo que garante a preservação das escavações arqueológicas e é arrematada por uma leve estrutura de vidro no seu topo, onde estão dispostos os frisos do Parthenon e outros elementos provenientes da histórica edificação. Divida claramente em três partes, a edificação é a expressão das restrições transformadas em conceito arquitetônico, nas palavras do arquiteto: “conceitualizou-se o contexto”. A galeria de vidro no topo permite relação direta com o Parthenon através de vistas privilegiadas; o volume intermediário abriga a coleção geral do acervo; e a base, sob pilotis, preserva as escavações. Uma
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vez compreendida a paisagem como um conjunto de formas que somadas exprimem as heranças sucessivas existentes, a disposição formal adotada para o museu estabelece relações e atribui novas dimensões à paisagem ateniense em diversos níveis. Há um evidente diálogo cultural e arquitetônico com a Acrópole, pois a partir da galeria de vidro no topo da edificação podem ser vistos os frisos e o Parthenon. Ao mesmo tempo que as relações históricas são mantidas com a preservação das escavações que trouxeram à luz vestígios da antiga civilização grega. O New Acropolis Museum é impensável fora do contexto da colina sagrada da cidade de Atenas e do templo de Parthenon. O projeto tornou-se inseparável das circunstâncias culturais do terreno, transformando a paisagem, e consequentemente toda a história de uma civilização, em elemento indissociável da edificação e da visitação.
Palavras-chave: Arquitetura; paisagem; Bernard Tschumi.
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INTRODUÇÃO
Bernard Tschumi graduou-se em 1969 pela ETH de Zurique (Escola Politécnica)1 e seu
primeiro projeto a ser construído é o Parc de la Villette em Paris, resultado de um concorrido
concurso de projetos realizado em 1983. A distância temporal entre estes dois
acontecimentos da sua carreira é bastante incomum para outros arquitetos, entretanto o
início de seu período profissional é bastante fértil, dedicando mais de uma década a
investigações teórico-conceituais.
Entre textos, desenhos, vídeos e diagramas, o trabalho do arquiteto neste período estava
centrado fundamentalmente em investigações que se encontravam às margens da
arquitetura. Tschumi buscava uma nova abordagem através de uma renovação do
pensamento promovida nas bordas, às margens e nos limites da arquitetura. Explorações
artísticas, filosóficas, da literatura e do cinema serviram como base para amparar as novas
formas de renovação. Desde então a arquitetura de Tschumi deixa de ser como uma
disciplina autônoma e isolada para participar ativamente dos movimentos de confrontação
de ideias.
Entender o hiato entre formação e construção da primeira obra é fundamental para
compreender que sua abordagem projetual é sempre embasada por concepções teóricas –
característica que perpassa toda sua carreira. Durante os anos 80 as encomendas passam
a ser mais constantes, sobretudo após o sucesso de crítica e público do Parc de la Villette,
entretanto a produção teórica e o livros não cessam de ser publicados. Em 1994 é lançado
Event-Cities, publicação organizada pelo arquiteto que se caracteriza como uma compilação
de seus projetos, acompanhada por textos que costuram temas em comum entre as obras.
O livro trouxe um novo tipo de documentação arquitetônica para a época, distante das
imagens brilhantes e palatáveis, apresentava as obras através de um discurso de projeto,
fundamentado no processo e na construção do raciocínio que embasou o partido
arquitetônico de cada obra, inclusive em alguns casos são incluídas alternativas
descartadas que fizeram parte do processo de projetação. Desta forma fica representado o
modus operandi do arquiteto, ilustrado por croquis, textos curtos, diagramas, fotos,
representações computacionais e desenhos técnicos – plantas, cortes e elevações.
Nas duas décadas seguintes Event-Cities se transforma em uma série que mantém as
características editoriais do primeiro livro. O volume dois é lançado em 2001, e expande as
1 Tschumi nasceu em 1944 em Lausanne na Suíça, estudou em Paris e na ETH em Zurique, onde recebeu seu
diploma em arquitetura em 1969. Tschumi foi professor em uma variedade de instituições, incluindo a Architectural Association de Londres, Universidade de Princeton e The Cooper Union, em Nova York. Diretor da Escola de Arquitetura, Planejamento e Preservação da Universidade de Columbia 1988-2003, onde atualmente é professor. Reside permanentemente nos EUA e seu escritório tem sede em Nova Iorque e filial em Paris.
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preocupações arquitetônicas para abordagem a respeito da cidade e sua realização. O
terceiro volume reúne os trabalhos realizados entre 2000 e 2004, publicado com o subtítulo
Concept vs. Context vs. Content é a base conceitual para compreender o Museu da
Acrópole de Atenas – objeto específico deste artigo. O quarto volume é lançado em 2010
com o subtítulo Concept-Form e compila os projetos mais recentes até então, nesta coleção,
Tschumi identifica nos seus trabalhos o conceito como gerador de forma ou uma forma
geradora de um conceito, reforçando a relação entre um e outro.
O TEXTO CONCEPT, CONTEXT, CONTENT
O projeto do Museu da Acrópole de Atenas está presente no livro Event-Cities 3, cujo texto
‘Concept, Context, Content’ é sua introdução. Apresentado como um resumo do
posicionamento do arquiteto na tomada de decisão das obras selecionadas, o texto sintetiza
e é a espinha dorsal para a compreensão do livro e da sua subdivisão em seis capítulos. O
curto texto expõe o argumento de forma didática e esquemática, estabelecendo relação
entre os três termos.
O arquiteto já se mostra contundente na primeira na primeira frase, afirmando que não há
arquitetura sem conceito, seja ele uma ideia, um diagrama ou um partido que dá coerência e
identidade a um edifício. Para Tschumi, o conceito é o que difere arquitetura da mera
construção.
Este posicionamento, mesmo que abrangente, é fundamental para compreender o
enfrentamento projetual do arquiteto em obras de qualquer escala, localidade ou programa.
Seus projetos são conceituais no sentido de terem ideias claras e objetivas que
fundamentam o partido arquitetônico das obras, quase que sempre representados por
esquemas e diagramas que exemplificam a tomada de decisão em apenas uma imagem
síntese.
A conduta projetual do arquiteto se contrapõe a períodos anteriores, sobretudo do
movimento moderno, onde a discussão sobre arquitetura estava entre a definição da forma
e da função. Para Tschumi é o conceito, e não a forma, que define a arquitetura. Com isso,
o partido arquitetônico (conceito) nas obras do arquiteto é preciso, como é o caso do Centro
Cultural Le Fresnoy, cujo partido arquitetônico sobrepõe as edificações existentes com uma
cobertura tecnológica que dá unidade aos galpões quase centenários que compõem o
programa do projeto.
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No artigo, Tschumi afirma também que não há arquitetura sem contexto, ou seja, uma obra
arquitetônica é sempre projetada em posição a algo, seja ele histórico, geográfico, cultural,
econômico, social, político, etc. Da mesma forma, o arquiteto também destaca que não há
arquitetura sem conteúdo, sem algo que acontece no seu interior, ou seja, não há espaço
sem conteúdo.
A partir desta breve introdução os três termos se fazem presentes nas obras arquitetônicas
e podem se esquematizar em pares (conceito versus contexto; conceito versus conteúdo;
conteúdo versus contexto) a partir de um ponto de partida sintético em que possam se
relacionar de três formas básicas:
a) Indiferença: situação em que ambos existem, mas não há interação;
b) Reciprocidade: condição em que os dois termos agem em complementaridade;
c) Conflito: circunstância em que se opõem e, em posição de protagonismo, necessitam
duelar pela sobrevivência.
A partir destas considerações os projetos são explorados em Event-Cities 3. O arquiteto
afirma que na elaboração das obras presentes no livro raramente estavam pré-definidas
receitas. Em alguns casos o projeto foi desenvolvido a partir de uma ideia ou estratégia
conceitual específica, enquanto que em outros momentos, a estratégia tomou forma no
enfretamento das questões funcionais ou relativas ao local.
Através da análise posterior do trabalho em diversos projetos, averiguou-se que conceitos
poderiam qualificar ou desqualificar contextos, assim como contextos poderiam qualificar ou
desqualificar conceitos. Event-Cities 3 é documento das explorações e descobertas
ocasionais que o arquiteto formaliza na análise posterior de suas obras, o que resulta em
uma organização de projetos em seis categorias que descrevem diferentes relações entre
conceito, contexto e conteúdo.
1) Indiferença tática: projetos que tem como conceito um entorno genérico que fornece
nenhum condicionante, desta forma os edifícios passam a explorar o potencial da
arquitetura como um invólucro, enfatizar, portanto a composição de fachadas e
articulações, mantendo uma relação indiferente entre conceito e contexto.
2) Reciprocidade e conflito: neste conjunto de projetos o conceito de invólucro
autônomo permanece como partido, porém pensado para interagir com o contexto de
forma específica. A relação entre o invólucro arquitetural e o contexto pode ser
recíproca ou contraditória.
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3) Contextualizando o conceito: a estratégia neste conjunto de obras é contextualizar
um conceito arquitetural, ou seja, quando uma ideia pré-concebida se adapta a um
local específico.
4) Conceituando o contexto: é o oposto do anterior, uma vez que as complexidades
existentes, seja do local ou do programa, exigem que o contexto e conteúdo sejam
sintetizados. O contexto se impõe e como não pode ser evitado ou ignorado deve ser
conceituado. Nestes casos o que poderia funcionar como restrições se transformam
em pontos fundamentais para o estabelecimento do partido arquitetônico, não há
outra solução a não ser conceituar o contexto. É nesta categoria que está inserido o
projeto do Museu da Acrópole de Atenas.
5) Contexto transformado em conceito: nestes casos o contexto é conceituado ao
extremo e faz parte do projeto.
6) Grande escala –conceito transformado em contexto: a última categoria explora
projetos urbanos, que, por sua própria escala, um conceito urbano torna-se seu
próprio contexto. Detectou-se nesses projetos que o contexto original impulsionou a
escolha do conceito.
O arquiteto finaliza o texto com um pensamento que resume não somente o livro e as obras
nele contidas, mas toda proposta arquitetônica dos seus projetos. Tschumi afirma que sua
arquitetura está além da forma e que se configura como uma investigação de conceitos e
sua subsequente materialização. Acompanhando o desenvolvimento da sociedade, a
arquitetura deve responder com novos conceitos, questionando e substituindo os antigos e
obsoletos. A arquitetura se assemelha a cidade contemporânea, em que nenhum sistema
pré-definido se sobrepõe a outros, mas, pelo contrário, a tensão inerente e as diferenças
encaminham para novas alternativas e novos modelos de ação (Tschumi, 2004). Dessa
forma, Event-Cities 3 procura contribuir para essa visão múltipla da arquitetura
contemporânea ao expor as relações de conflito, contaminação e reciprocidade entre
conceito, contexto e conteúdo.
HISTÓRIA E CONCURSO
Em 1975 a proposta para a construção de um novo museu para a Acrópole foi fomentada
pela ideia da Grécia recuperar os frisos do templo do Parthenon, retirados do seu local
original pelo Lord inglês Elgin no fim do século XVIII. A devolução a sua cidade de origem
ainda não se efetivou e a discussão prossegue atualmente, após cinco anos da inauguração
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do Museu da Acrópole de Atenas projetado por Bernard Tschumi, os frisos de mármore
ainda encontram-se no British Museum.
O primeiro concurso de projetos para o museu foi promovido em 1976, mas antes disso a
“rocha sagrada” já abrigava um pequeno museu inaugurado em 1865 para abrigar e
proteger algumas esculturas nos arredores dos templos em ruínas. Em 1965, com o
surgimento de novas peças oriundas de escavações feitas na colina, este primeiro museu foi
contemplado com uma ampliação. Mesmo assim, a infraestrutura para receber os inúmeros
visitantes e a alegação britânica de que a Grécia não possuía espaço adequado para a
devolução dos frisos, foi lançado o primeiro concurso para a construção do Novo Museu da
Acrópole.
Os três primeiro concursos de arquitetura realizados em 1976, 1979 e 1989 foram
cancelados. Os dois primeiros sem uma justificativa clara para tal. O terceiro concurso foi
anulado, pois, no terreno destinado a construção do museu, foram descobertas ruínas de
um assentamento urbano. No ano 2000, em um novo concurso, o projeto de Bernard
Tshcumi é premiado para a construção do “Novo Museu da Acrópole”. Nesta última
competição internacional, os candidatos deveriam incorporar também as ruínas do terreno.
Para compreender a arquitetura proposta por Tschumi para o acervo da Acrópole é
necessário uma volta ao tempo e compreender organização das cidades gregas de forma
sucinta.
As polis ou cidades-estados gregas surgiam sempre sobre uma colina, espaço com
fortíssimo significado religioso e com o papel não somente de abrigar os templos para cultos
aos deuses, como também servir de refúgio ao seu povo em caso de guerras e invasões. Na
parte baixa do território conquistado, localiza-se a parte civil da cidade, onde se realiza o
comércio, as casas e os espaços públicos, importantes para o desenvolvimento da politica:
o Pritaneu e a Ágora. Segundo Benévolo, tanto a cidade baixa como a alta são partes de um
único organismo, assim como a vida citadina funciona como um todo único, independente
do regime político.
A origem das primeiras polis marcam o período Arcaico da antiguidade clássica. A
topografia montanhosa influenciou o surgimento das polis e contribuiu para o
desenvolvimento e organização das mesmas, visto que as cidades-estados eram isoladas. A
península Balcânica, onde surge a civilização grega, é formada por 80% do território de
íngremes montanhas. O contato e a troca de informações entre as polis ocorria graças ao
comércio marítimo.
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“Cada cidade domina um território mais ou menos grande, do qual
retira seus meios de vida. Aqui podem existir centros habitados
menores, que mantêm uma certa autonomia e suas próprias
assembleias, mas um único pritaneu e um único buleutérion na cidade
capital. O território é limitado pelas montanhas, e compreende quase
sempre um porto (a certa distância da cidade, porque esta geralmente
se encontra longe da costa, para não se expor ao ataque dos piratas);
as comunicações com o mundo exterior se realizam principalmente por
via marítima.” (BENEVOLO, 2001, p. 76).
Atenas, assim como as outras cidades-estados, surge neste período. Seu regime político foi
revolucionário, passou pela monarquia, oligarquia e tirania.
O período clássico caracteriza o auge da cidade de Atenas e da cultura grega com a
arquitetura, teatro, literatura e filosofia. Atenas se torna uma grande cidade, conquista várias
terras e com um novo regime político: a democracia, implantado por Clístenes e
concretizado por Péricles.
A Guerra Médica, conhecida pela invasão Persa nas terras gregas, fortalece a hegemonia
de Atenas. Sobre o controle de Péricles, Atenas lidera a Liga de Delos, onde as cidades-
estados se organizam para derrotar o invasor. Em 479 a.C. os Persas invadem Atenas,
apesar de terem vencido a batalha com a ajuda principalmente de Esparta, a Acrópole de
Atenas foi reconstruída. Péricles refaz o Monte Sagrado construindo os templos de
Parthenon, Propileus, o Templo da Atena Nike e o Templo de Erecteu.
“Esta sistematização, que Atenas dá a si mesma enquanto permanece
livre e poderosa, não corresponde a um projeto regular e definitivo: é
composta por uma série de obras que corrigem, gradualmente, o
quadro geral, e se inserem com discrição na paisagem originária (...).
Estamos habituados a distinguir arquiteturas, esculturas, pinturas,
objetos de decoração, mas aqui não podemos manter separadas as
várias coisas. Nos monumentos da Acrópole não se pode dizer onde
termina a arquitetura e onde começam os ornamentos; colunas,
capitéis, bases, cornijas são esculturas complicadas, repetidas todas
iguais; os frisos e as estátuas dos frontões formam cenas figuradas
todas diferentes, mas não são feitas com os mesmos materiais e
trabalhadas com a mesma finura.” (BENEVOLO, 2001, p.)
Atenas impera sobre as demais cidades por um longo período, a Liga de Delos permanece
sob sua liderança caso outra invasão ocorra. É o auge da cultura grega, que é difundida
para todas as cidades-estados, assim como o regime político democrático. Entretanto, com
a Guerra do Peloponeso, uma longa batalha entre Atenas e Esparta caracteriza o fim dessa
civilização. As constantes guerras enfraquecem os gregos que não resistem aos ataques
dos macedônios, comandados por Alexandre, o Grande. Estes acontecimentos recebem o
nome de período helenístico. Apesar do controle dos Macedônios em terras gregas, as
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constates guerras enfraquecem os dois povos, ambos posteriormente dominados pelos
romanos.
PROJETO MUSEU DA ACRÓPOLE DE ATENAS
As primeiras discussões a respeito do projeto do Museu da Acrópole de Atenas revelaram
três questões iniciais para a concretização do seu conceito:
1) Como projetar um edifício localizado a apenas 300 metros de umas das mais
influentes construções da civilização ocidental?
2) Como projetar um edifício quando seu terreno possui ruínas arqueológicas que
indicam séculos da vida cívica da cidade de Atenas?
3) Como projetar um edifício que tem como objetivo principal reunificar e expor os frisos
do Parthenon?
A partir destes três questionamentos ficou evidente para Tschumi que se tratava de um
projeto em que o contexto era inegável. O contexto se apresentou através de três períodos
distintos que conviveriam com o projeto: a civilização antiga representada pela Acrópole e
pelo Parthenon; a cidade antiga ainda viva pelas ruínas existentes no terreno; e a metrópole
contemporânea de Atenas.
Figura 1 – Fotos da cidade de Atenas (Fonte: Tschumi, 2009)
Visto a complexidade existente, Tschumi (2009) afirma que não havia alternativa senão
conceituar o contexto, transformar as restrições e a relação complexa de layers e tempos
distintos no partido arquitetônico do projeto. Dessa forma, a resposta do arquiteto é clara,
concisa, quase matemática, e incorpora passado e presente de Atenas em um edifício
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dividido em três partes: base, meio e topo. A base dialoga com a cidade antiga, o meio com
a cidade contemporânea e o topo com a civilização de 2.000 anos.
Figura 2 – Diagrama com os três volumes (Fonte: Tschumi, 2009, modificado pelos autores)
Além do contexto, o conteúdo a ser exibido no museu era único e significativo para não ser
levado em conta no conceito do projeto. Para isso, os visitantes seguem um caminho
deliberado após entrar no museu, explorando a sugestão de sequências no tempo e no
espaço. Em um museu histórico como este a circulação que se desenvolve
cronologicamente se torna didática, o visitante move-se a partir das ruínas pré-históricas e o
período arcaico, sobe até a idade clássica, representada pelo Parthenon, e depois desce
novamente para a era pós-Parthenon e romana, conformando o que o arquiteto chama de
um “looping tridimensional”.
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Figura 3 - Diagrama com os três volumes e diagrama de circulação (Fonte: Tschumi, 2009, modificado pelos autores)
O edifício se torna a expressão de suas limitações de organização e transforma-os em
conceito. Em resumo, o térreo do museu se eleva sobre as escavações arqueológicas. Uma
caixa de vidro transparente na parte superior da estrutura abriga os frisos do Parthenon e
outros elementos remanescentes das esculturas do Parthenon, de tal modo que podem ser
vistos os frisos e o Parthenon simultaneamente. Entre esses níveis estão as coleções
gerais que contêm belos objetos que datam dos períodos arcaico, clássico e romanos.
Assim, o museu é composto de três partes claras e simples, cada um com uma orientação
volumétrica distinta, seguindo as condições do programa e do terreno.
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Figura 4 – Implantação e corte (Fonte: Tschumi, 2009)
A base é constituída por dois pavimentos, no térreo está o lobby de entrada e as instalações
públicas de acolhimento aos visitantes. No subsolo as ruínas são o destaque. Preservadas
devido à locação cuidadosamente estudada dos pilotis, um diálogo constante com os
arqueólogos responsáveis, as ruínas estão presentes e permeáveis para o visitante, se
transformam em parte da coleção expositiva do museu através de vazios e pisos de vidro no
térreo que as revelam.
Figura 5 - Entrada do museu (Fonte: Tschumi, 2009)
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Figura 6 - Vistas para as ruínas (Fonte: Tschumi, 2009)
A transição entre a base e o meio é feita através de uma galeria em rampa que expõe
objetos encontrados durante a escavação do terreno. A rampa com iluminação natural e seu
piso em vidro têm papel simbólico de revelar as ruínas para a cidade.
Figura 7 - Rampa com objetos encontrados durante escavação (Fonte: Tschumi, 2009)
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Figura 8 - Corte Transversal e piso transparente (Fonte: Tschumi, 2009)
Esta rampa, com uma escadaria no fim, iluminação natural e pé-direito amplo, possui
características espaciais únicas. A influência da civilização grega é tão marcante no projeto
que pode ser feita analogia entre a perspectiva e a iluminação deste espaço e os quadros
renascentistas, como ‘A Escola de Atenas’ ilustrado na imagem abaixo.
Figura 9 - Comparação entre o espaço da rampa e o quadro 'A Escola de Atenas' (Fonte: Tschumi, 2009, modificado pelos autores)
A parte que Tschumi denominou como meio é um volume trapezoidal de pé-direito duplo
orientado de acordo com o grid das ruas da cidade contemporânea que abriga todas as
galerias de exposição, além disso, no mezanino estão um bar e restaurante com visão
privilegiada para a Acrópole. Como as esculturas foram concebidas para exibição ao ar livre
e para adornos de templos, o arquiteto toma partido da luz natural e este volume é marcado
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pela transparência. O museu faz uso extensivo de luz natural, através de vidros sem
qualquer tonalidade para que a visibilidade das estátuas de mármore não seja inalterada.
Figura 10 - Edifício com destaque para o volume do meio (Fonte: Tschumi, 2009)
Figura 11 - Terraço com vista para a Acrópole (Fonte: Tschumi, 2009)
Duas caixas centrais de concreto aparente que abrigam circulação vertical e instalações de
apoio são responsáveis pela liberdade espacial do interior do museu e promovem a
liberdade das fachadas que estão desimpedidas de elementos opacos. Essa decisão,
baseada na negação das caixas brancas exemplares em galerias de arte, proporciona visão
desobstruída do entorno a partir do interior do museu.
Além das características descritas, o volume do meio se completa com beirais que protegem
contra insolação direta e painéis metálicos oblíquos nas fachadas leste e oeste e que
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funcionam como barreiras para a incidência direta do sol e se abrem para a luz norte, mais
amena, e para a Acrópole.
As esculturas preenchem a galeria principal sem repartições que as separem, dispondo-as
de tal forma que pareçam como uma multidão de figuras. Isto permite que sejam
experimentadas por todos os lados, de uma maneira que não era vistas desde a
antiguidade.
Figura 12 - Galeria principal (Fonte: Tschumi, 2009)
Três são os materiais fundamentais utilizados no projeto: mármore, concreto e vidro. O
mármore bege claro escolhido para os ambientes de exposição reflete e promove espaços
neutros e claros, enquanto que nos ambientes secundários e circulação o tom preto do
mármore contrasta com os espaços expositivos. O concreto utilizado na estrutura serve
como pano de fundo neutro para as obras de arte. O vidro providencia um ambiente com
iluminação natural mais próximo possível do espaço ao ar livre de origem das esculturas.
A última parte, o topo, é o apogeu literal e arquitetônico do edifício. Neste volume está a
Galeria do Parthenon, um espaço retangular que tem como objetivo reproduzir as
configurações e condições originais de exibição dos frisos do Parthenon. Para isso o volume
é disposto paralelo ao templo, ligeiramente deslocado em relação ao restante do edifício e
possui as mesmas dimensões, conformado por colunas inspiradas no Parthenon.
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Figura 13 - Edifício com destaque para o volume do topo e a Acrópole ao fundo (Fonte: Tschumi, 2009)
Figura 14 - Planta do topo e do Parthenon (Fonte: Tschumi, 2009, modificado pelos autores)
Figura 15 - O museu e a Acrópole (Fonte: Tschumi, 2009)
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Os frisos foram dispostos como no seu local original, arranjados para serem vistos por um
observador móvel que tem liberdade de avista-los em procissão, em uma sequencia. Esta
disposição é uma crítica clara à maneira adotada atualmente no Museu Britânico, onde os
frisos estão em uma sala fechada e o visitante os observa por completo, perdendo a
narrativa histórica que as peças possuem.
Essa conformação espacial oferece uma situação inédita para o entendimento das
realizações da Acrópole e para a compreensão das peças no seu contexto original.
Figura 16 - Galeria do Parthenon (Fonte: Tschumi, 2009)
Figura 17 - Frisos e o Parthenon ao fundo (Fonte: Tschumi, 2009)
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PAISAGEM
Partilhada a ideia de Milton Santos que paisagem e espaço não são sinônimos, a paisagem
é uma herança de um espaço de tempos remotos. Por sua vez, os espaços, segundo ele,
são um conjunto de formas que exprimem como a sociedade se relaciona com a natureza.
“Assim, a presença do homem na natureza torna-se evidente pela
qualidade, não pela quantidade: o cenário urbano – como organismo
político da cidade-estado – permanece uma construção circundada e
dominada pelos elementos da natureza não mensurável. Mas o
homem, com seu trabalho, pode melhorar esta construção até imitar a
perfição da natureza.“ (BENEVOLO, 2001, p. 76).
Este trecho de Benévolo retrata o pensamento da humanidade no período clássico grego,
refletindo na arquitetura e na composição do espaço daquela época, porém hoje não mais.
A arquitetura assumiu o industrializado, o hightech, nesse sentido, não nos aproximamos
mais da natureza como antigamente. Assumimos, bem ou mal, o espaço construído pouco
permeável da selva urbana, ainda que a monotonia do bloco de concreto em alguns casos
seja quebrada por belíssimas paisagens ou espaços.
A cidade de Atenas é uma cidade ímpar, seus habitantes contribuíram para o legado e a
história da antiguidade clássica. Ao longo de sua existência sua paisagem sofreu diversas
alterações frutos da dinâmica da sociedade. De uma ilustre cidade da antiguidade grega,
hoje é retrato de uma cidade desordenada do terceiro mundo.
A construção da Acrópole concretiza o surgimento da criação de uma polis grega, é um
evento em um tempo passado. Segundo Milton Santos são os eventos que criam o tempo, a
paisagem é importante, mas o espaço tem sua importância social, cujos seres o animam
dando a ele o conteúdo social para aquele dado momento presente. A paisagem é a história
congelada, mas uma história viva que participa do presente.
Para Santos a paisagem existe através de suas formas criadas em momentos históricos
diferentes, porém coexistindo no momento atual. Já os elementos e formas atuais que
compõem a paisagem, preenchem o momento com funções contemporâneas, sendo o
reflexo das necessidades da sociedade.
O conflito entre preservar paisagens que possuem valor histórico no mundo contemporâneo
está em fazer com que elas perdurem ao longo do tempo. No caso europeu, as cidades se
tornaram verdadeiros museus a céu aberto, sem nada a modificar, dessa forma a
preservação tornou-se um obstáculo.
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Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
A preservação efetiva da paisagem não deve ser rígida, deve ser dar de maneira ativa, estar
relacionada diretamente com a animação do espaço, ao contrário a paisagem não resistirá
aos efeitos do tempo.
“Ao nosso ver, a questão a colocar é a da própria natureza do espaço,
formado, de um lado, pelo resultado material acumulado das ações
humanas através do tempo e, de outro, animado pelas ações atuais
que hoje atribuem um dinamismo e uma funcionalidade.” (SANTOS,
2002, p. 106).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, o monte sagrado de Atenas é considerado uma paisagem, suas ruínas estão
estáticas, o que confere à Acrópole um caráter espaço do passado. Com a proposta do
projeto de Tschumi ela passa a participar como história viva.
O arquiteto acerta ao tratar do contexto, e consequentemente a paisagem, como um
conjunto de fatores que somados exprimem as heranças sucessivas existentes. O contexto
é definidor do projeto e o enquadramento da paisagem da Acrópole pelos panos de vidro do
topo do museu integra-a novamente à dinâmica social, reforçando que o contexto é tão
marcante que não pode ser negado.
Além dos enquadramentos da Acrópole, as relações históricas são mantidas com a
preservação das escavações que trouxeram à luz vestígios da antiga civilização grega,
transformando todo o complexo contexto em parte integrante do espaço expositivo.
Para reforçar este pensamento, pode ser feita uma analogia sobre como seria a
experimentação do espaço se o museu fosse formado por neutras caixas brancas.
Independente do resultado formal a apreciação do lugar para os visitantes não teria a
mesma riqueza de significados da que é vivenciada hoje.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENÉVOLO, L. História da cidade. São Paulo: perspectiva, 2001.
MAUSS, P. Bernard Tschumi Acropolis Museum Athens. Barcelona: Ediciones Poligrafa,
2010.
TSCHUMI, B. Arquitetura e Limites I. In: NESBITT, K. (org.). Uma Nova Agenda para a
Arquitetura: Antologia Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
___________. Event-Cities 3 – Concept vs. Context vs. Content. New York: MIT Press,
2004.
___________. Le Fresnoy: Architecture In/Between. New York: The Monacelli Press, 1999.
___________. Red is Not a Colour: Architecture Concepts. New York: Rizzoli, 2013.
___________. The New Acropolis Museum. New York: Rizzoli, 2009.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP,
2002.
SUMMERSON, J. A Linguagem Clássica da Arquitetura. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2009.
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