modelagem matemÁtica na educaÇÃo bÁsica · os dados foram divulgados pelo instituto nacional de...
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MODELAGEM MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: O USO RACIONAL DA
ÁGUA
Marli de Fátima Fiorentin1
Carlos Roberto Ferreira2
RESUMO
O presente artigo apresenta contribuições para amenizar o atual quadro de ensino e aprendizagem de matemática na educação básica. O objetivo é apresentar a Modelagem Matemática como uma alternativa que contribua para melhorar a prática do professor e por consequência a aprendizagem por parte dos estudantes. A concepção adotada para o desenvolvimento do projeto foi a de Dionísio Burak, a escolha desta concepção dá-se por manter relações com os objetivos propostos e pelo fato de que nela a Modelagem Matemática vem ao encontro das expectativas do educando, por conferir sentido ao que ele estuda, por satisfazer suas necessidades de aprendizagem e partindo dos seus interesses. A experiência foi realizada numa turma de 3ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual Castelo Branco de Itapejara D’Oeste – PR e o tema escolhido pelos alunos foi a água. Através da coleta de dados obtiveram-se várias informações referentes ao tema, propiciando a elaboração de vários problemas e a exploração de diversos conteúdos matemáticos para encontrar as soluções. Desenvolvendo esse trabalho percebeu-se a motivação do aluno no desenvolvimento das atividades, participando ativamente de todas as etapas, o interesse pela matemática, a aprendizagem significativa e a importância na sua formação como cidadão consciente sobre práticas relacionadas ao meio ambiente, principalmente a água, conhecendo e compreendendo o meio onde vive.
Palavras-chave: Modelagem Matemática; Ensino e Aprendizagem; Uso racional da água.
1 Especialista em Educação Matemática, graduada em Ciências com Habilitação em Matemática, Química e Biologia,
professora efetiva de matemática no Colégio Estadual Castelo Branco – EM de Itapejara D’Oeste – PR. 2 Doutorando em Educação, Mestre em Educação, Especialista em Educação Matemática, Graduado em Matemática,
professor efetivo da Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO.
1. Introdução
A forma tradicional como os conteúdos previstos no currículo de matemática
estão sendo trabalhados não tem alcançado resultados satisfatórios. Com a prática
do professor baseado quase que exclusivamente no livro didático, a disciplina torna-
se reprodutivista, fazendo com que o aluno não desenvolva o gosto em estudar
matemática. Normalmente, com base no livro didático, é feito um resumo do
conteúdo, a resolução de exercícios modelos e uma lista de exercícios propostos
para memorização das fórmulas e como desenvolvê-la. Isso faz com que os alunos
sempre apresentem questionamentos do tipo “Para que estudar isso?” “Onde
poderei utilizar tal conteúdo?” É claro que nem todo conteúdo estudado em
matemática precisa ter uma aplicação imediata, mas também não podemos ter o
conteúdo trabalhado totalmente de forma descontextualizada.
Os resultados insatisfatórios não são sentidos apenas pelos professores,
mas também pelas diversas avaliações oficiais que são realizadas. Segundo o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2009) os alunos tiveram pior desempenho
em matemática do que nas outras três áreas avaliadas: linguagens, ciências da
natureza e ciências humanas. Matemática foi a única das quatro provas objetivas do
Enem em que mais da metade dos participantes (57,7%) ficaram abaixo da média
de 500 pontos. Os dados foram divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC (Ministério da Educação) responsável
pelo exame.
Outro relatório foi do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa,
na sigla em inglês) de 2009, que revela dados nada animadores para o Brasil: o país
continua abaixo da média mundial em leitura, matemática e ciência. A tabela 1
mostra o desempenho de alguns países no ranking mundial:
Posição País Leitura Matemática Ciência
1º China (Xangai) 556 600 575
2º Coréia 539 546 538
3º Finlândia 536 541 554
...... ........ ....... .......... .......
44º Chile 449 421 447
47º Uruguai 426 427 427
53º Brasil 412 386 405
58º Argentina 398 388 401
Tabela 1: Pontuação (0 a 800) do relatório PISA 2009. Fonte: Revista Veja
De acordo com o Pisa 2009, no Brasil, até o estado com melhor média ficou
abaixo da média mundial que é de 496 pontos numa escala de 0 a 800. A média
geral do Brasil foi de 401 pontos. A melhor média foi do Distrito Federal com 439
pontos, seguido por Santa Catarina com 428 pontos. O Paraná ficou com a média
de 417 pontos, ocupando o 5º lugar no país.
O INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) informou
ainda que os alunos da rede particular de ensino tiveram média de 502 pontos. Essa
nota é um ponto acima da obtida pela Polônia, que ficou na décima oitava posição
no ranking. Já os alunos das redes públicas estaduais e municipais tiveram média
de 387 pontos. A pontuação coloca os estudantes de 15 anos que freqüentam
escolas públicas de estados e municípios no mesmo patamar dos países que estão
na lanterna da lista da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico). A média desses estudantes brasileiros está no mesmo nível da obtida
pela Indonésia que ficou com 385 pontos e aparece com a sexta pior nota no Pisa
(Programa Internacional de Avaliação de Alunos) 2009.
Para reverter tal quadro muitos pesquisadores da educação matemática e
professores da educação básica estão apresentando iniciativas significativas que
podem colocar o Brasil em uma situação um pouco mais confortável nas avaliações.
Como exemplo podemos citar as reflexões sobre o processo de avaliação que
necessita de um novo sentido, isto é, transformá-lo em oportunidade para o aluno
ler, refletir, relacionar, operar mentalmente e demonstrar que tem recursos para
abordar situações complexas. Em síntese, o aluno deverá demonstrar ter adquirido
competência como estudante. (MORETTO, 2002, p. 11).
Outro exemplo são as tendências metodológicas presentes nas Diretrizes
Curriculares da Educação Básica de Matemática do Estado do Paraná, que indicam
que os conteúdos propostos devem ser abordados por meio de tendências
metodológicas da Educação Matemática que fundamentam a prática docente, das
quais destacamos: resolução de problemas; modelagem matemática; mídias
tecnológicas; etnomatemática; história da Matemática e investigações matemáticas.
(PARANÁ, 2008, p. 63).
Para o desenvolvimento deste projeto optou-se pela Modelagem
Matemática, que tem como pressuposto a problematização de situações do
cotidiano. Ao mesmo tempo em que propõe a valorização do aluno no contexto
social, procura levantar problemas que sugerem questionamentos sobre situações
de vida. (PARANÁ, 2008, p. 64).
O objetivo principal deste artigo é descrever a abordagem escolhida, onde
se procurou buscar um aprofundamento teórico-prático da Modelagem Matemática a
fim de subsidiar a ação pedagógica do professor e que contribuam para o ensino e
aprendizagem da matemática. Assim, permitir que os alunos tenham experiências
com a Modelagem Matemática e desenvolvam a capacidade de propor temas para
estudo, coletar dados, fazer investigações, construir modelos matemáticos, resolver
os modelos encontrados e analisar criticamente as soluções encontradas.
2. A Modelagem Matemática
Ao longo de uma recente história, cerca de 30 anos, a preocupação com o
ensino e aprendizagem matemática fez surgir diversas tendências metodológicas
para o ensino de Matemática, entre elas a Modelagem Matemática, que pressupõe
que o ensino e a aprendizagem da Matemática sejam potencializados a partir de
situações do cotidiano.
Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Matemática do
Estado do Paraná, por meio da Modelagem Matemática, fenômenos diários, sejam
eles físicos, biológicos e sociais, constituem elementos para análises críticas e
compreensões Matemática diversas de mundo. O trabalho pedagógico com a
Modelagem Matemática possibilita a intervenção do estudante nos problemas reais
do meio social e cultural em que vive, por isso, contribui para sua formação crítica,
sendo que o modelo matemático buscado deverá ser compatível com o
conhecimento do aluno, sem desconsiderar novas oportunidades de aprendizagem,
para que ele possa sofisticar a matemática conhecida a priori.
Atualmente, vários autores desenvolvem pesquisa em Modelagem
Matemática com concepções distintas. Um estudo desenvolvido por Klüber (2007)
aponta cinco concepções de Modelagem Matemática que mantêm alguma
intercessão ao que concerne à área e às discussões sobre Modelagem Matemática,
porém, alimentam algumas diferenças que apresentamos seguir.
Para Rodney Carlos Bassanezi3, a Modelagem Matemática é “a arte de
transformar problemas da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los
interpretando suas soluções na linguagem do mundo real.” (BASSANEZI, 2002, p.
16). Nesta perspectiva, o autor entende que sempre se faz necessária a formulação
de um Modelo Matemático. Sendo assim, “A modelagem eficiente permite fazer
previsões, tomar decisões, explicar, entender; enfim participar do mundo real com
capacidade de influenciar em suas mudanças.” (BASSANEZI, 2002, p. 16).
A professora Maria Salett Biembengut4 define Modelagem como “um
processo que envolve a obtenção de um modelo.” (BIEMBENGUT, 1999, p. 20). E
nesse processo a Modelagem é uma forma de interligar Matemática e realidade,
que, na visão da autora, são disjuntas. Semelhante definição aparece em sua
dissertação de mestrado, considerando que a Modelagem é “[...] a estratégia usada
para se chegar ao modelo.” (BIEMBENGUT, 1990, p.3); e em sua tese de doutorado
diz que a “Modelagem Matemática é o processo envolvido na obtenção de um
Modelo.” (BIEMBENGUT, 1997, p. 65). Assim, a autora acredita que a Modelagem
Matemática é o processo que visa “traduzir a linguagem do mundo real para o
mundo matemático” (BIEMBENGUT, 1990, p.10).
Jonei Cerqueira Barbosa5 concebe a Modelagem Matemática como uma
oportunidade dos alunos indagarem situações por intermédio da Matemática, sem
procedimentos fixados previamente. Os conceitos e ideias matemáticas se
3Prof. Dr. Rodney Carlos Bassanezi, professor titular do Instituto de Matemática, Estatística e Computação
Científica (IMECC) da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas – SP. Coordenou inúmeros
cursos sobre modelagem em diversas instituições no país. (BASSANEZI, 2002). 4Prof. Dr. Maria Salett Biembengut. Professora da Universidade Regional de Blumenau, FURB. Possui mestrado
em Educação Matemática pela UNESP – Rio Claro – SP, em 1990. Doutorado em Engenharia de Produção e
Sistemas, pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – SC, em 1997, e pós-doutorado em
Metodologia de Ensino e Pesquisa pela Universidade de São Paulo – USP, em 2003. 5 Prof. Dr. Jonei Cerqueira Barbosa. Professor do Departamento de Ciências Exatas da Universidade Estadual
de Feira de Santana – UEFS - BA. Coordena o Núcleo de Pesquisas em Modelagem Matemática (NUPEMM) e
atua no Programa de Pós-Graduação em Ensino. Possui doutorado em Educação Matemática pela Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – UNESP – Rio Claro, no ano de 2001.
encaminham de acordo com o desenvolvimento das atividades, dando um caráter
aberto para esta prática. Não há a exigência de se criar um modelo matemático,
principalmente porque os alunos nem sempre têm conhecimento matemático
suficiente para tal atividade. Sobre isso, Barbosa afirma: “À medida que não
compreendo as atividades de Modelagem contendo encaminhamentos e fins a priori,
sustendo que os alunos podem investigar matematicamente uma dada situação,
sem necessariamente construir um modelo matemático.” (BARBOSA, 2001a, p. 36).
Nesse sentido, assume que a “Modelagem é um ambiente de aprendizagem no qual
os alunos são convidados a indagar e/ou investigar, por meio da matemática,
situações oriundas de outras áreas da realidade.” (BARBOSA, 2001b, p. 6).
Outro autor, Ademir Donizeti Caldeira6 concebe a Modelagem pensando-a
como advinda de projetos, sem a preocupação de reproduzir os conteúdos
apresentados no currículo, enfatizando, contudo, que não se pode perder os
conceitos universais da Matemática. Ele acredita na eficácia da Modelagem, uma
vez que ela, enquanto concepção de Educação Matemática pode “oferecer aos
professores e alunos um sistema de aprendizagem como uma nova forma de
entendimento das questões educacionais da Matemática.” (CALDEIRA, 2005, p. 3).
O trabalho com a Modelagem é sugerido em grupos: “Grupos de trabalhos se fazem
necessários para uma dinâmica mais participativa, onde o aluno passa da
passividade das aulas explicativas, onde ele é mero espectador e ‘depositário’ de
informações, para uma dinâmica integrativa e criativa.” (CALDEIRA, 2004b, p. 4).
E finalmente, tratando das concepções, Dionísio Burak7 diz que a
Modelagem Matemática “é um conjunto de procedimentos cujo objetivo é construir
um paralelo para tentar explicar matematicamente os fenômenos do qual o homem
vive o seu cotidiano, ajudando-o a fazer predições e a tomar decisões.” BURAK,
1987, p.21). Para o desenvolvimento da Modelagem Matemática, o autor enfatiza
dois pressupostos: 1) o interesse do grupo e 2) a obtenção de informações e dados
do ambiente onde se encontra o interesse do grupo. Esses pressupostos têm
6Prof. Dr. Ademir Donizeti Caldeira. Professor colaborador da Universidade de Uberaba, professor adjunto ‘i’ da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, e colaborador da Universidade Federal do Paraná - UFPR.
Possui mestrado em Educação Matemática pela Universidade Estadual de São Paulo – UNESP, em 1992.
Doutor em Educação pela UNICAMP, no ano de 1998. 7Prof. Dr. Dionísio Burak. Professor titular na Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO – PR.
Primeira dissertação de mestrado na área de Educação Matemática, sobre Modelagem Matemática, na UNESP
– Rio Claro, 1987, e tese de doutorado na área de Educação, também sobre Modelagem Matemática, no ano de
1992, na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP - SP.
embasamento na experiência de cunho antropológico e nas teorias construtivistas,
interacionistas e de aprendizagem significativa (BURAK, 1998). Por esses motivos
existe a possibilidade de o aluno trabalhar com entusiasmo e perseverança,
formando atitudes positivas em relação à Matemática, ou seja, pode despertar nele o
gosto pela disciplina.
O desenvolvimento de uma atividade de Modelagem Matemática, na
perspectiva de BURAK (1998 e 2004), sugere cinco etapas:
1. A escolha do tema é a etapa em que o professor discute com os
estudantes alguns temas que possam gerar interesse ou deixa que eles sejam
escolhidos ou sugeridos pelos próprios alunos. Os temas podem ser dos mais
variados, uma vez que não é necessário que tenham nenhuma ligação imediata com
a Matemática ou com conteúdos matemáticos, e sim com o que os estudantes
manifestem interesse em desenvolver atividades de modelagem. Já nesta fase, é
fundamental que o professor assuma uma postura de mediador, facilitador da
aprendizagem, pois deverá dar o melhor encaminhamento para que a opção dos
alunos seja respeitada.
2. Na pesquisa exploratória, com o tema a ser pesquisado já escolhido,
orienta-se e discute-se com os alunos formas de conhecer mais e melhor sobre o
assunto. Aspectos teóricos, curiosidades, conteúdos técnicos, materiais dos mais
diversos, que contenham informações e noções prévias sobre o que se quer
desenvolver/pesquisar, favorecem a formação de atitudes de investigação. Os sites,
a pesquisa bibliográfica e as pesquisas de campo sobre o assunto são fontes ricas
de informações e estímulo, bem como se constituem como meios de se conhecer o
objeto de estudo.
3. No levantamento dos problemas, de posse dos materiais e
informações coletadas na pesquisa exploratória, os alunos são incentivados a
conjeturar sobre tudo que pode ter relação com o tema. Essas podem ensejar
questões, sejam elas matemáticas, econômicas, ambientais, entre outras, que
decorrem do tema e possibilitam elaborar problemas ou indagar sobre situações
simples ou complexas que os permitam vislumbrar a possibilidade de aplicar ou
aprender conteúdos matemáticos. Isso com a ajuda do professor, que não se isenta
do processo, mas se torna o ‘mediador’ das atividades.
4. Durante a resolução dos problemas e o desenvolvimento do
conteúdo matemático no contexto do tema proporciona-se a abertura para a
busca de respostas aos problemas levantados, que podem ser de naturezas
distintas. No trabalho com a Modelagem faz-se um caminho inverso do usual, em
que os conteúdos determinam os problemas. Na Modelagem, os problemas
determinam os conteúdos a serem usados para resolver as questões oriundas da
etapa anterior. Nesta etapa, os conteúdos matemáticos passam a ter significado e
no decorrer do processo podem surgir os modelos matemáticos, porém, isso não é a
finalidade dessa concepção de Modelagem.
5. Na análise crítica das soluções deve-se ter criticidade, não apenas
em relação à Matemática, mas em relação a outros aspectos, como a viabilidade
das resoluções apresentadas, que muitas vezes são resolvíveis matematicamente,
mas inviáveis para a situação estudada e para situações reais. Não se trata,
necessariamente, da análise de um modelo, mas dos conteúdos, dos seus
significados e no que os alunos podem contribuir para a melhoria das ações e
decisões enquanto pessoas integrantes da sociedade e da comunidade em que
participam. A análise crítica das soluções pode passar por discussões de problemas
não matemáticos, mas sociais, humanos, culturais e econômicos ou ambientais.
Vale ressaltar que essa criticidade deve permear todo o processo de Modelagem e
pensar a Educação em um contexto mais amplo.
3. Relato do projeto
O presente trabalho descreve uma atividade de Modelagem Matemática
desenvolvida no Colégio Estadual Castelo Branco de Itapejara D’Oeste, sendo o
único da cidade que oferta o Ensino Médio. A turma escolhida foi a 3ª série do
Ensino Médio, tendo um total de 23 alunos, do turno matutino. Desse total de alunos
50% são da zona rural, os quais vinham de lotação e 50% da zona urbana. Os que
moravam na cidade, 30% trabalhavam fora de casa, no comércio. A idade média da
turma era de 17 anos. A turma era disciplinada, com boa educação e respeito com
os colegas e professores. A maioria dos alunos ficava atenta as aulas, pois
pretendiam cursar faculdade e não teriam acesso a cursinhos preparatórios.
Os procedimentos metodológicos e o desenvolvimento do trabalho seguiram
as etapas já descritas propostas Burak:
Na escolha do tema foram apresentados diversos assuntos e também
colhidas várias sugestões dos alunos. Entre os diversos temas podemos citar as
drogas, consumo de energia elétrica, álcool, doenças, mortalidade, água, etc.
Depois de vários debates e discussões a turma optou pelo tema água, devido ao uso
indevido desse recurso natural, que muitos dizem inesgotável, mas que em alguns
lugares já não está mais ao alcance do ser humano, não só pela quantidade, mas
pela qualidade. A preocupação com o tema é geral, pois a maioria dos alunos são
filhos de agricultores e dependem do bom desenvolvimento dos produtos agrícolas
para a sobrevivência.
Foram colocadas inúmeras possibilidades de prevenção de desperdício da
água, tais como: aproveitar a água da chuva, fechar torneiras para escovar os
dentes e lavar a louça, acabar com vazamentos, não contaminar rios e nascentes,
distribuição de água para a população e reduzir tempo de banho.
Definido o tema, passamos para a segunda etapa de modelagem proposta
por Burak, a pesquisa exploratória. Primeiramente fizemos uma visita a uma fonte
de água, a uma usina hidrelétrica e empresa responsável pela distribuição de água
na cidade. Com a ajuda do engenheiro agrônomo L. M. da Emater (Instituto
Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural) – PR, foi feita uma visita a
uma fonte de água no município de Itapejara D’Oeste, pertencente ao agricultor C.
G.. Durante a visita o agrônomo explicou a importância da conservação de uma
fonte de água e maneiras de conservá-la.
Segundo o engenheiro, é um projeto da prefeitura de Itapejara D’Oeste que
oferece apoio técnico e financeiro para quem tem uma fonte natural de água em
suas terras. São feitas mais ou menos de 30 a 35 fontes por ano, onde a prefeitura
dá todo o material necessário e mão de obra (sem custo para o agricultor), em troca
o agricultor se responsabiliza em cuidar e manter o mato ao redor da fonte (mais ou
menos 50 metros ao redor da nascente – cabeceira). Se necessário a prefeitura
cede mudas de árvores nativas para o plantio. A cada seis meses é feita a limpeza
da fonte com hipoclorito de sódio e também feita a análise da água. O único material
usado na construção da fonte é o cimento. Mistura-se o cimento com o próprio barro
para dar a liga.
Foi feito um comentário sobre a lei da conservação de matas ao redor dos
córregos (20% da propriedade) e também sobre a quantidade de mata que tem que
se preservar (nascente 50 m ao redor e córregos 10 m de beirada). Quanto à mata
de conservação o agricultor pode intercalar com árvores frutíferas e árvores nativas,
não podendo usar uva – do - japão, eucalipto e pinus, pois não são árvores nativas e
sim exóticas e tomam conta da área não deixando as outras se desenvolverem. O
órgão responsável pela fiscalização das nascentes é o IAP (Instituto Ambiental do
Paraná). Como fala final do agrônomo ele disse que devemos entregar a terra para
as gerações futuras igual ou melhor do que recebemos.
Na usina hidrelétrica Chopin I fomos recebidos pelo operador G. D. P. e o
técnico em manutenção eletrônica V. R.. O operador informou aos alunos que a
usina possui dois geradores, no local, que é interligada no subsistema da ANEEL
(Agência Nacional de Energia Elétrica). A visita foi muito produtiva e os alunos
puderam fazer muitas anotações e tirar muitas dúvidas. Desde o funcionamento e
capacidade da usina, impacto ambiental até finalidade das esferas colocadas nos
fios de alta tensão.
Na visita a SANEPAR (Companhia de Saneamento do Paraná), fomos
recebidos pela funcionária C. B., tecnóloga em química industrial a qual deu
explicações sobre o funcionamento e etapas da limpeza da água. Segundo a
tecnóloga, a água que abastece a cidade de Itapejara D’Oeste provém do Rio
Vitorino. A quantidade de água tratada por dia é em torno de 1.300.000 litros (1300
m3), em torno de 50.000 litros por hora. A cidade possui três poços de
abastecimento, um perto do rio Vitorino e dois no centro da cidade. O maior
consumo de água durante o dia fica entre 9 horas até 14 horas do dia (em torno de
1100 m3). Quando há falta de água na cidade é devido a vários fatores: água
contaminada, falta de luz, muita matéria orgânica, secas, danos na rede de
abastecimento, etc. Para a limpeza da água é usado cloro líquido se a cidade for
pequena e nas cidades maiores cloro gás (é mais ativo e permanece por um período
maior). O excesso de flúor na água pode causar fluorose que provoca o
amarelamento dos dentes. A dosagem de produtos na limpeza não é fixa, é feita
pelo profissional diariamente e de acordo com a necessidade. Não é recomendado o
uso de filtros nas casas, pois os mesmos retiram o cloro e o flúor colocados na água
para tratamento. A análise nos poços de abastecimento da cidade é feito duas vezes
por semana.
Após a coleta dos dados, passamos para a terceira etapa, o levantamento
dos problemas. Para esta etapa formou-se alguns grupos que ficaram responsáveis
na organização dos dados coletados e na elaboração dos problemas relativos aos
assuntos pesquisados, como: poços artesianos, a usina hidrelétrica, hidroestesia, o
abastecimento de água da cidade, água potável e água contaminada e o uso
racional da água. Foram muitos problemas elaborados, tanto pelos alunos quanto
pela professora. Os problemas envolveram diversos conteúdos do currículo de
matemática e não ficaram limitados apenas aos conteúdos da terceira série.
Infelizmente, o tempo destinado a aplicação do projeto foi exíguo, três
meses com 2 aulas semanais, não sendo possível resolver todos os problemas
elaborados. Para este relato apresentarei apenas alguns problemas como exemplo:
Exemplos de problemas propostos pelos alunos
1. Uma caixa de água em forma de cilindro tem 5 m de diâmetro e 8 m de
altura. Qual é o volume, em litros, dessa caixa? Quantos irá ser gasto para
enchê-la se o m3 custa R$ 1,90?
2. Sabendo que o reservatório de água de uma cidade possui 3.000.000
de m3 de capacidade e que o consumo médio per capita por dia é de 50
litros, durante quantos dias a empresa poderá abastecer a cidade?
3. Quantos litros de água são necessários para gerar um megawatt de
energia elétrica?
4. Para encher uma piscina foi utilizado uma mangueira que a cada 1
minuto saem 5 litros de água. Sabendo que a piscina é um paralelepípedo
de 8 m de comprimento, 4 m de largura e 2 m de profundidade, em quanto
tempo a piscina irá levar para ficar cheia?
5. Se 24 garrafas de certo produto, com capacidade de 300 ml cada uma,
custam R$ 600,00. Quantas garrafas desse mesmo produto, com
capacidade de 1000 ml cada uma, podem ser compradas com R$ 10000,00?
6. Após descobrir o lugar exato para perfurar um poço para obtenção de
água, um agricultor iniciou a escavação e precisou descer 10 metros para
encontrar água. Sabendo que o diâmetro do poço é igual a 1,5 metros,
quantos metros cúbicos de terra foram retirados do poço?
7. Uma família adquiriu o hábito de fechar a torneira durante a escovação
dos dentes. Em um mês verificaram uma economia de 30,00 na conta de
água. Se todos os meses depositarem este dinheiro em uma caderneta de
poupança que paga em média 0,6% ao mês de juros compostos, quanto terá
economizado em 10 anos?
Exemplo de problema proposto pela professora
Considerando que 5 minutos são suficientes para tomar um banho, descubra
quanto sua família gasta em excesso de água por mês, em litros e em reais. Se o
dinheiro economizado for depositado em uma aplicação que paga 1% ao mês de
juros compostos, em 30 anos quanto a família terá economizado?
Instruções para investigação:
a) Abra o chuveiro com vazão normal e descubra quantos litros de água
saem por minuto.
b) Medir (em segredo) o tempo de banho de cada membro da família
(mínimo 3 banhos) e anote na planilha abaixo o tempo que exceder a 5
minutos.
c) Calcule e anote quantos litros de água foram gastos para banhos
superiores a 5 min.
NOME BANHO 1 BANHO 2 BANHO 3
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Horário:
Tempo (além dos 5 min):
Litros de água Desperdiçados:
Tempo total mensal do excesso de toda a família: _________ minutos;
Total mensal de água desperdiçada:__________ litros
Custo do consumo mensal de água (média dos últimos 6 meses): _______reais
Feito o levantamentos dos problemas passamos para a quarta etapa, a
resolução dos problemas e o desenvolvimento do conteúdo matemático no
contexto do tema. Todos os problemas foram resolvidos com abordagem de muitos
conteúdos matemáticos, como: unidades de medidas, geometria plana e sólida,
regra de três, juros compostos, progressão aritmética, progressão geométrica e
vazão.
Durante a quarta etapa, resolução dos problemas, também foi possível ir
desenvolvendo a quinta e última etapa da Modelagem Matemática, a análise crítica
das soluções. De posse do resultado das informações coletadas na pesquisa
exploratória e dos problemas propostos, foi feito a análise crítica das soluções
encontradas, não apenas em relação à matemática, como a viabilidade das soluções
apresentadas (alguns alunos exageraram na quantidade de litros por banho, em
torno de 500 a 1000 litros de água, outros no tempo, em torno de 18 a 30 minutos),
mas em relação a outros aspectos, como a necessidade do uso racional da água,
pois não se trata da análise simples de um modelo matemático, mas de um
contexto, dos seus significados e no que os alunos podem contribuir para melhoria
das ações e decisões, enquanto pessoas integrantes da sociedade e da comunidade
que participam.
4. Conclusão
Na realização desse projeto, como não deixaria de ser, constataram-se
vários pontos positivos e negativos no decorrer de sua aplicação. A participação dos
alunos foi ótima e verificou-se pelo depoimento de alguns que a matemática fica
mais interessante quando é trabalhada com situações do cotidiano e os conteúdos
não seguem uma sequência rígida conforme está nos livros. Em seus depoimentos
os alunos também destacaram que o aprendizado é mais significativo quando os
alunos pesquisam e elaboram os problemas dentro de um tema, principalmente
quando o trabalho é em grupo. Alguns declararam que entenderam melhor o
conteúdo quando viram que tinha uma aplicação na vida real.
Como pontos negativos, podemos destacar a falta de experiência dos alunos
em trabalhar com essa metodologia, pois estão acostumados com a forma
tradicional baseada no livro didático. Alguns alunos tiveram dificuldade em fazer
pesquisas, anotar dados e elaborar problemas, chegando ao ponto de inventarem
informações, como por exemplo, que um banho gasta-se em torno de 10.000 litros
de água. A cooperação da escola e de outros professores foi satisfatória, com
exceção de alguns colegas que classificaram o trabalho como “matação” de aula.
As análises feitas durante a aplicação do projeto permitiram concluir que o
uso da Modelagem Matemática torna a aprendizagem mais significativa, com maior
participação dos alunos deixando-os mais motivados. Promovendo uma integração
de conteúdos matemáticos como diversas questões do seu cotidiano.
5. Referências
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