maus tratos e resiliência · em 1943, publica um artigo intitulado comportamento individual e...

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Maus Tratose

Resiliência

Pierre TapProfessor Jubilado

Universidade de Toulouse Le MirailDirector de investigação em várias instituições portuguesas

U.A.L. Lisboa 20 de Maio 2004

Os elementos da presenteconferencia foram extraídos do artigo

« Maltraitance et résilience » a publicarem francês (Maio 2004) na revistaAprendizagem e desenvolvimento

(Instituto Piaget)

Algumas notas preliminares :o contexto socio-cultural no qual

intervêm o conceito de “resiliência”

O modelo do adulto chegando à

maturidade nãoé considerado

comoum ideal a atingir

pelos própriosadultos

O síndroma dePeter Pan é um

exemplo típico dasdificuldades psicológicas

ligadas à recusa doestatuto de adulto

19881996

1996

Os maus tratos psíquicos

• Cf. Hurni et Stoll (1996) Saccages psychiques au quotidien. Perversions narcissiques dans les familles. Paris,

L’Harmattan

Hurni et Racamier (1996)La haine de l’amourParis, L’Harmattan

Maus tratos psiquícos

• ex. : a mãe diz à filha :• “admiro-te minha querida de te

ter tão agarrada a mim embora eu tivesse feito tudo para abortar de ti.”..

Maus tratos psíquicos

• Surdez pelo sofrimento dos outros mas também pela sua..

• Sentimento de tudo poder.• Humor sarcástico e arrasador• atracção pela transgressão

= perversos manipuladores

Declarar que uma pessoa é resiliente supõe

1. Que ela viveu uma situação, um acontecimento de alto risco

de disfuncionamento, “maus tratos” provocandoum stress elevado e efeitos perturbadores ..

(definição restritiva ou extensiva de maus tratose do carácter fortemente stressante da

situação ou do acontecimento);

Declarar que uma pessoa é resiliente supõe

2. Que ela pode atravessar essa situação, viver esse acontecimento sem efeitos perturbadores

maiores para o seu desenvolvimento psicológico e social (daí a questão da definição do que é o

desenvolvimento psicológico normal, o comportamento normal).

É a Bruno Bettelheim, psicanalista americano, que se deve uma das primeiras analises dos

efeitos psicologicos de uma situação extrema. Em 1943, publica um artigo intitulado

comportamento individual e comportamento de massas em situações extremas

e que começa pela informação seguinte: « o autor passou aproximadamente um ano, entre 1938-1939, em dois dos maiores campos de concentração alemães destinados aos presos

politicos, Dachau et Buchenwald »

Bruno BettelheimSurviving and others essays 1943/ 1976

Tr.fr. SurvivreLa paix qui règne dans une société totalitaire

s’achète au prix de la mort de l’âmeParis, Laffont 1979

(a paz que reina numa sociedade totalitária compra-se ao preço da morte da alma)

Segundo Bettelheim,«encontramo-nos numa situação extrema quando somos subitamente catapultados para um conjunto de condições de vida

onde os nossos valores e os nossos mecanismos de adaptação antigos não

funcionam mais e que alguns deles põem em perigo a vida que eles estão

encarregues de proteger»

Em termos psicossociais, a situação extrema não é somente definida como «externa», o sujeito encontra-se fundamentalmente implicado. «oafundamento brutal e simultâneo de todas as nossas defesas contra a angustia da morte precipita-nos no que chamei, na falta de um outro termo, uma situação extrema» (id. ibid.). O resiliente será portanto o que sobreviveu à situação extrema.

Ainda segundo Bettelheim a sobrevivência implica dois tempos, distintos e

portanto muito associados :

• o traumatismo original associado a um regime extremo de terrorismo e que no momento provoca a degradação da personalidade, a destruição da vida social anterior pela privação do suporte;

• os efeitos ulteriores, em termos de vulnerabilidade, de repercussões sobre toda a

vida da pessoa.mas como viver com uma dificuldade existencial que não apresenta soluções?

1. deixar-se destruir pela experiência. o síndrome do campo de concentraçãoinstala-se, baseado no sentimento de

incapacidade de se reconstituir, na culpabilidade e no sentimento de uma

injustiça percebida: «tenho sofrido tanto, e ainda tenho que me justificar, prestar

contas ! » ;

2. negar todas as consequências duradouras. a pessoa não nega o facto histórico vivido, mas ela nega, reprime ou recalca tudo o que possa estar ligado aos efeitos actuais; recusa a ideia de uma reestruturação pessoal necessária ou de uma inevitável reestruturação relacional, axiológica, cultural. este processo pode ser consciente (recusa), pré-consciente (negação, repressão) ou inconsciente (recalcamento) ;

3. Lutar por ficar consciente e tentar fazer face às dimensões mais terríficas para si, e poder reintegrar-se (reconstituir-se).

Gustave Nicolas FisherLe ressort invisible

1994 SeuilA mola invisível

Na Mola invisível (1994) Fisher retoma a questão das situações extremas vividas colectivamente (guerras, catástrofes naturais, genocídios, etc.) mas inclui as situações vividas individualmente (doenças, sida, acidentes, perca de um ente querido..) nas quais a pessoa é confrontada com a morte, a dos outros (já ocorrida ou temida) ou a sua, percebida como possível, provável ou inevitável.

A propósito de “flexibilidade”“fluidez” e “fluxo”

« o espírito não é senão um molho ou uma

Colecção de percepções diferentes, que se

sucedem com uma rapidez inconcebível

E estão num fluxo e num movimento perpétuos » (David Hume, filosofo,

XVIII°).

William James (psicólogo) falava já de

« corrente de pensamento ». O sujeito, tem o sentimento que a

sua consciência é sempre continua.. mesmo

se os conteúdos da consciência mudam permanentemente. o

pensamento é um fluxo». (1890)

Mihali Csikszentmihalyi

Flow : Psychology of optimal experience

1990

New York , Harper Perennial.

Teoria do “flow” (fluxo, fluidez)

2004 1996

fases óptimas (felicidade) =Um certo estado psicológico,

caracterizado por um sentimento defluidez mental e de intensa

Concentração sobre as tarefas quemobilizam todas as nossas competências

« A consciência é um filme de imagens fixas que o cérebro passa »

segundo Oliver Sacks. em « Les instantanés de la conscience ».

La Recherche, n° 374, Avril 2004

Mas as ligações entre Fluidez e fixidez continuam

a colocar questões

Que ligação podemos fazerentre a flexibilidade da resiliência

e a fluidez da consciência, ou a fluidez verbal .. ?

« Resiliência » e outros conceitos

• « Resiliência » e « stress »• «Resiliência » e « coping »• «Resiliência » e « mecanismos

de defesa »• «Resiliência » e « vinculação »• «Resiliência » e « self esteem »

e « self-efficacy » …

Aubeline Vinay, Sylvie Esparbès-Pistre et Pierre Tap (2000)

Attachement et stratégies de coping chez l’individu résilient

Revue Internationale de l’éducation familiale.4, 1, nº spécial résilience (pp. 9-36)

resiliência

CopingEstratégias de fazer face

apego

Gestão do stressControle

da situação

empowerment

adaptação suporte socialautonomia

Indivíduo ----------------------------------------- Meio

Situação

Interno Externo

Tensão

Sentido Conflito

Protecções Recursos Internos

Disposições

Protecções recursosexternos

Suporte social

Stress

Copingelasticidade(mola)

Ego Resiliency Transacções

constrangimentoriscos

Resilience

Centro Europeu de Investigações sobre Condutas e Instituições

(CEICI)Fundação Bissaya Barreto

Coimbra

sob a direcção dePierre Tap

&Maria de Lourdes Vasconcelos

Precariedade&

vulnerabilidadepsicologica.

Comparações franco-

portuguesas

Obra a publicar a 23 de Abril 2004

A resiliência : definição do conceito :

• resiliência : aptidão de um corpo para resistir a um choque («aguentar o golpe») (aguentar)

• resilire : eliminar os efeitos nefastos; ressaltar (restaurar o equilíbrio)+ recomeçar

Riscos

Riscos Riscos

Protecção

Resiliência

três elementos importantes ressaem

destas definições:

• A gestão dos recursos no tempo.

• Uma flexibilidade adaptativa face a um contexto desfavorável.

• Para além da interacção sujeito-meio, gerir a transição pela transacção.

Transição

Como meio de evitar a ruptura,de gerir a crise de modo

continuo e mais flexível, de mantera ligação transformando a relação, dando-lhe

sentido, etc

Pressão

Temperatura

Estadosólido

Estadolíquido

Estado gasoso

Cristal

Ponto crítico

Pressão

Calor

S

L

G

coerênciaNormativa

Rigidezdogmática

Fluidez criativa

Flexibilidade instável

Nomadismo - sopro

Dispersão – deixar - ir

Pressão

Temperatura

S

L

G

Sublimação

A transição sólida <-> gasoso

Pressão

Temperatura

S

L

G

a transição sólida <-> líquida

fusão

Pressão

Temperatura

S

L

G

A transição líquida <-> gasoso

Vaporização

fase de crise

Transição fluida

Aguentar o golpe

Primeira definição de resiliência

Ruptura Queda

Fase de crise

Transição fluida

Ruptura Queda ressalto

(retoma)

Fase de crise

Transição fluida

Transição dura

Ruptura Queda (ressalto)

(retoma )

Fase de crise

Transição fluida

Segunda definição da resiliênciaTransição

dura

Perspicácia

Competência social

Humor

As sete resiliências(Sybil Wolin

&Steven Wolin)

cf. www. Projectresilience.com

Self

criança

Self adolescente

Self adulto

Resiliência e contexto social

• A noção de “resiliência” aplica-se tanto ao indivíduo enquanto pessoa como aos grupos sociais (famílias, associações, rede de relações)

A pessoa deve ter acessoa poder… (empowerment)

Empowerment = processo pelo qual uma pessoaque se encontra em condições de vida mais ou menosincapacitantes desenvolve através de acçõesconcretas, o sentimento que lhe é possível exercerum maior controle sobre os aspectos da sua realidade Psicológica e SocialMeios :acção, gestão de recursos, comunicaçãocom pessoas significativas (identificações).

O processo de identificação

como acesso ao poder …

• Modo de como «sou capaz de ser o outro, sem que por isso perca quem sou eu»

• atitude cognitivo - afectiva,

• Uma procura de similitudes e de diferenciações sociais.

Apego e identificação

• « as crianças resilientes parecem ser especialmente adeptas do recrutamento activo dos pais de substituição, mesmo que eles não façam parte dos parentes", (Durning, 1995).

segundo M.R. Cardoso na revista Visão(2003). Jerrold Post (psicólogo politico da

CIA) “descreveu Saddam Hussein como o triste

resultado de uma infância atribulada. O pai e o irmão morreram quando a mãe estava grávida.

Esta tentou abortar e suicidar-se. Quando o pequeno Saddam nasceu, a mãe nem queria vê-

lo; viveu com o tio os primeiros três anos. De volta à casa materna, encontrou um padrasto

violento. Regressou ao tio, um fervoroso nacionalista anti britânico que o pôs a estudar e lhe profetizou uma “grande liderança árabe”...

Esta infância traumática tera gerado um homem com “ambições messiânicas”, “consumido pela auto-adoração” e que “compensa a violência exercida sobre ele transferindo-a para os outros”. Um louco ? Nem pensar, diz. Antes um homem “racional e muito perigoso”.

.. resiliente e perverso : ele era um e o outro sem qualquer dúvida.

As identificações e os ideaisna dinâmica resiliente

A identificação é ao mesmo tempo procura de similitudes

e de diferenciações sociais

Seis processos de identificação podem ser inferidos

Seis processos de identificação podem ser inferidos :

1. A identificação de dependência (ou fusional, ou de desenvolvimento, ou anaclítico) :

aspecto defensivo : luta contra o sentimento de abandono

aspecto construtivo : acesso à confiança e àsegurança emocional

Seis processos de identificação podem ser inferidos :

2. A identificação com o agressor

aspecto defensivo : luta contra a angustia de perca de integridade psíquica

aspecto construtivo : capacidade de controle das emoçõesou capacidade de reacção pela recusa, a negação

Seis processos de identificação podem ser inferidos :

3. A identificação de domínio e de sucesso :

aspecto defensivo : luta contra a angustia de impotência e de insucesso

aspecto construtivo : aprendizagem do sucesso, capitalização das competências.

Seis processos de identificação podem ser inferidos :

4. A identificação especular e gemelar

aspecto defensivo : luta contra angustia da estranheza corporal, sexual..

aspecto construtivo : apropriação de semelhanças

Seis processos de identificação podem ser inferidos :

5. A identificação categorial

aspecto defensivo : angustia de rejeição, de marginalidade, de não reconhecimento; angustia ligada aos que não são “nós”aspecto construtivo : vivência de pertença, de solidariedade, de igualdade e de diferenciação.

Seis processos de identificação podem ser inferidos :

6. A identificação com o projecto

aspecto defensivo : medo de impotência, de incompletude e da morteaspecto construtivo : busca de excesso, capacidade de antecipar e de gerar a mudança, idealização pessoal ou colectiva..

2003

Bandura, A. (1997)Self-efficacy

Processos para favorecer a prevenção precoce

Fazer a prevenção precoce, é proporcionar a facilitação da emergência de processos

necessários ao comportamento resiliente em situação de alienação

1. defesa/protecção :

• Quando falta a família, as pessoas alternativas têm um papel « de iniciadores».

• a protecção : «reduz o desenvolvimento de disfuncionamento ou de uma desordem em presença de vulnerabilidade e de experiências de vida stressantes", (Gore et Eckenrode, 1994).

2. Equilíbrio face às tensões (aguentar o golpe) :

• A flexibilidade, (Rowland, 1989) : a maleabilidade adaptativa, a capacidade de fazer concessões, de gerir o melhor as exigências contraditórias, de encontrar um equilíbrio pessoal.

3. compromisso - desafio :

• Tomar a iniciativa : risco deliberado, necessário para sobreviver.

• «o risco evoca a incerteza do resultado da confrontação da criança com um stress do seu envolvimento ou interior", (Solnit, 1982).

• risco : prova de verdade.

4. Retoma :• « os recursos desconhecidos

descobertos em si recuam momentaneamente, pelo menos, os limites que conhece das suas próprias capacidades de resistência. Assim o acontecimento traumatizante, pelo desenvolvimento de estratégias apropriadas é a oportunidade susceptível de libertar a famosa mola invisível segundo a feliz expressão de G. N. Fischer», (Boutinet, 1998, p.205).

5. Avaliação (aspectos cognitivos presentes em todos os processos)

• resiliência : «utilizar bem o handicap que sobrevive ", (Boutinet, 1998, p.204).

• Importa avaliar a complexidade da situação, do real, as solicitações, as intenções, as possibilidades e o que fazer com elas.

6. Significação/atribuir valor :• resiliência : «capacidade de dar

sentido a uma experiênciainsensato, de ter um discursocoerente (Guedeney, 1998,p.24).

• O facto de dar sentido, é umamaneira de agir sobre, o desligartotal é justamente a negação dosentido, (Esparbès-Pistre & Tap,2000).

• Trata-se de ser autónomo, deconstituir os seus própriosvalores.

7. positividade de si :• « porque a vida é bela, e o germe da

esperança se aninha mesmo no horror; há qualquer coisa que resiste a tudo, a qualquer destruição qualquer que seja. O riso salva-nos; ver o outro lado das coisas, o lado surreal, divertido, ou vir a imaginá-lo, impede-nos de nos importunar, de ser carregados como fetos, ajuda-nos a resistir para conseguir passar a noite, mesmo quando ela parece longa", (Benigni & Cerami, 1999, 9).

8. responsabilização :

• A autonomia é um dos elementos fundadores e constituintes da responsabilidade, (Hoffmans-Gosset, 1993).

• Sentindo-se responsável da sua sobrevivência, das suas capacidades por conseguir resolver o problema, pode envolver-se positivamente e tornar-se o criador da sua vida.

9. criação (dinâmica de deslocações e divergências) :

• Para afrontar uma dificuldade : utilizar o conjunto de processos evocados.

• Para a ultrapassar e, se relançar, ressaltar sem muitos traços invalidantes : ser criativo.

• Pela criatividade e imaginação o sujeito pode encontrar o sentido, dar sentido ou tomar sentido.

Para obter o powerpoint completo

da conferênciapedir à Pierre Tappierretap@aol.com(écrivez-lui en portugais..

il vous répondra en français !)

Muito obrigado pelavossa excelente

atenção !

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