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7Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

Interação Teleatendente-Teleusuárioe Custo Humano do Trabalho emCentral de Teleatendimento

Mário César Ferreira

O texto aborda uma pesquisa realizada em uma central de teleatendimento do setor público.A análise ergonômica orienta-se para a interação teleatendente-teleusuário, buscando mostraras características da organização do trabalho que constrangem as estratégias de media-ção dos operadores e potencializam a ocorrência de vivências de mal-estar no trabalho. Oreferencial teórico-metodológico articula os conceitos de custo humano do trabalho, vivênciasde bem-estar e mal-estar e a Análise Ergonômica do Trabalho – AET. Os resultados mostramas características da Central e principais indicadores críticos, revelando um nexo entre custohumano do atividade e indícios de vivências de mal-estar dos operadores.

Palavras-chave: central de teleatendimento, custo humano do trabalho, interação,teleatendente, teleusuário, ergonomia da atividade.

The text shows a research done in a public call center unit. The ergonomic analysis isoriented toward the interaction call center worker-call center user, aiming to present thecharacteristics of the work organization that constraint the strategies of mediation of thecall center workers and that may result in discomfort of well-being at work. The theoreticaland methodological approach deals with the concepts of human cost of work, well-beingand discomfort of well-being, and the Ergonomics Analysis of Work – EAW. The resultsshow the characteristics of the call center unit and its main critical indicators, revealing aconnection between the human cost of the activity and signals of discomfort of well-beingamong the call center workers.

Keywords: call center unit, human cost of life, interaction, call center worker, call centeruser, ergonomic of activity.

Universidade de Brasília – UnB,Instituto de Psicologia, Laboratório deErgonomia

Interaction Call Center Workers-CallCenter Users and the Human Cost ofWork in a Call Center Unit

8 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 29 (110): 7-15, 2004

Introdução

O objetivo do artigo é mostrar, com baseem pesquisa em Ergonomia da Atividade, osurgimento de indícios de vivências de mal-estar em teleatendentes que trabalham emcentrais de teleatendimento como uma resul-tante da inter-relação modelo de gestão ecusto humano do trabalho.

Nessa perspectiva, o foco da análise ergo-nômica está centrado na interação teleaten-dente-teleusuário, buscando evidenciar ascaracterísticas da organização do trabalhoque reduzem as estratégias de mediação notrabalho e potencializam a ocorrência de vi-vências de mal-estar no trabalho. A impor-tância da temática articula aspectos distintos.

Do ponto de vista mais geral, os serviçosde teleatendimento têm crescido no mundotodo. No Brasil, alguns indicadores relativosa 2002 são eloqüentes: há cerca de 180 milpostos de teleatendimento; o setor gera apro-ximadamente 450 mil empregos e movimen-ta anualmente por volta de US$ 1,2 bilhão.O “cardápio” de serviços é variado: pesqui-sa; televendas; cobranças; promoções; cons-trução de bancos de dados; fidelização declientes etc. Do ponto de vista institucional,em particular para as organizações públicase privadas, a avaliação científica de contex-tos de teleatendimento pode contribuir paraaprimorar os modelos de gestão do traba-lho, agregando qualidade final aos serviçosprestados e, em conseqüência, impactandona satisfação de usuários e clientes, tendocomo pressuposto o bem-estar das pessoasque trabalham no setor. Finalmente, do pon-to de vista científico, embora a “neurose dastelefonistas” (Le Guillant et al., 1956) sejalargamente conhecida há mais de meio sé-culo, os serviços de teleatendimento e suasimplicações humanas no campo da inter-re-lação trabalho-saúde permanecem poucoinvestigados, sobretudo após a avalanche deinovações tecnológicas que assolam o mun-do do trabalho. Deste modo, a produção deestudos e pesquisas em Ergonomia da Ativi-dade podem contribuir para a produção denovos conhecimentos teórico-metodológicose práticos nesta área.

Quadro teórico dereferência

Globalmente, constata-se que os estudosinternacionais têm focado mais as variáveisrelacionadas à lógica de funcionamento dascentrais, aos indicadores diversos de produ-tividade, à gestão rigorosa de desempenhodos teleatendentes, à satisfação e à fide-lização dos usuários (Chang & Huang,2000; Gilmore & Moreland, 2000).

Nesse sentido, os aspectos relacionados àscondições de trabalho (no sentido amplo,transcendendo os componentes da platafor-ma de trabalho), as exigências das tarefasem termos de dispêndios dos trabalhadorese, ainda, as conseqüências sobre o bem-es-tar de teleatendentes permanecem assuntosmarginais na literatura.

Os poucos estudos realizados no Brasil têmevidenciado um cenário mais rico referenteàs características das centrais, com ênfasenos fatores relacionados às situações de tra-balho e suas conseqüências sobre os opera-dores. A incidência de Lesões por EsforçosRepetitivos – LER – entre trabalhadores decentrais de teleatendimento é examinada naliteratura (Marx, 2000; Lima, 2000). O ca-ráter complexo das atividades de telea-tendimento é argumentado por MASCIA ESZNELWAR (2000). O ambiente físico, so-bretudo a falta de tratamento acústico, ailuminação deficiente, a existência de poeira,a falta de limpeza, as interfaces compu-tacionais pouco amigáveis e o mobiliárioinadequado constituem ingredientes das con-dições de trabalho que repercutem na cargade trabalho, conforme estudo de avaliaçãoergonômica em nove centrais de atendimen-to realizado por Santos et al. (2000). Perdasauditivas induzidas por ruído, más condiçõesde conservação dos equipamentos e mobiliá-rio inadequado foram constatados também porBernadi et al. (2000).

Os principais fatores de estresse, configu-rando uma sobrecarga emocional, cognitivae física entre operadores de telemarketing sãocaracterizados por Glina & Rocha (2003).Tais resultados parecem confirmar que a uto-pia flexível, propalada pelos novos modelosde gestão, ainda é uma realidade distante no

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contexto de call center (Azevedo & Caldas,2002).

O referencial teórico da pesquisa articulaos conceitos de custo humano do trabalho evivências de bem-estar e mal-estar (Ferreira& Mendes, 2003).

As condições, a organização e as relaçõessociais de trabalho são fios que tecem oconceito de contexto de produção de bens eprestação de serviços. Eles expressam osparâmetros básicos que são configuradoresdas fontes do “Custo Humano do Trabalho –CHT”. As estratégias de mediação indivi-duais e coletivas dos trabalhadores assumemcontornos mais definidos e finalístico combase nesses parâmetros.

O conceito de CHT expressa o que deveser despendido pelos trabalhadores (indivi-dual e coletivamente) nas esferas física,cognitiva e afetiva vis-à-vis às contradiçõesexistentes nas organizações que obstaculizam(pólo negativo do custo) e desafiam (pólopositivo do custo) a inteligência dos traba-lhadores (Ferreira & Mendes, 2003). Nessaperspectiva teórica, o CHT se caracteriza portrês propriedades principais:

é imposto externamente aos trabalhado-res sob a forma de constrangimentos(contraintes) para suas atividades;

é gerido por meio das estratégias demediação individuais e coletivas, poden-do assumir as formas de confrontaçõespositivas ou negativas que, por sua vez,impactam na dinâmica das vivências debem-estar e mal-estar no trabalho; e

integra três modalidades interdepen-dentes de exigências: física, cognitiva eafetiva.

As exigências que constituem a noção deCHT estão assim definidas (Ferreira & Men-des, 2003):

(a) exigências físicas expressam o cus-to corporal que é imposto aos traba-lhadores pelas características do am-biente de trabalho em termos de dis-pêndios fisiológico e biomecânico, prin-cipalmente sob a forma de posturas,

gestos, deslocamentos e emprego deforça física;

(b) exigências cognitivas expressamo custo cognitivo que é imposto aostrabalhadores pelas características doambiente de trabalho em termos dedispêndio mental sob a forma deaprendizagem necessária, resoluçãode problemas e tomada de decisão; e

(c) exigências afetivas expressam ocusto afetivo que é imposto aos tra-balhadores pelas características doambiente de trabalho em termos dedispêndio emocional sob a forma dereações afetivas, sentimentos e estadosde humor.

Evidentemente que o CHT mantém estreitarelação com a atividade dos trabalhadores,orientando o desenvolvimento das estratégiasde mediação individuais e coletivas, abran-gendo as propriedades humanas do pensar,do agir e do sentir que, por sua vez, caracte-rizam e traçam os perfis dos modos de ser eviver dos trabalhadores nos contextos de pro-dução de bens e prestação de serviços.

A perspectiva da pesquisa não foi propria-mente mensurar o custo humano do traba-lho das teleatendentes e seus indicadores, masmapear de forma exploratória as exigênciaspresentes no serviço de teleatendimentoque caracterizam o dispêndio do grupoanalisado.

Por último, cabe explicitar o entendimentoconceitual adotado para a dimensão “vivên-cias de mal-estar no trabalho”. Trata-se deuma noção que é parte integrante do enfoquede “vivências de bem-estar e mal-estar” emErgonomia da Atividade (Ferreira & Mendes,2003).

Nessa perspectiva conceitual, essas vivên-cias se expressam por meio das representa-ções mentais que os trabalhadores têm dopróprio estado geral (físico, psicológico esocial) em que se encontram em determina-dos momentos e contextos. Assim, as repre-sentações de bem-estar consistem em avalia-ções positivas e as representações de mal-estar, por sua vez, consistem em avaliaçõesnegativas que os trabalhadores expressamsobre suas condições física, psicológica e

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social relativas ao contexto de produção noqual estão inseridos.

As características principais das vivênciasde bem-estar e mal-estar são:

(a) o conteúdo das representações se refe-re às conseqüências individuais e cole-tivas do CHT;

(b) elas têm um caráter dinâmico que re-sulta do confronto entre as exigênciasfísico-cognitivo-afetivas inerentes aoambiente de trabalho e as estratégiasde mediação individuais e coletivas dostrabalhadores;

(c) as representações de bem-estar e mal-estar se caracterizam por uma dinâmi-ca, metaforicamente, à maneira de umpêndulo que tende a oscilar no eixo doprocesso saúde-doença. O movimentopendular depende da eficiência e daeficácia das estratégias de mediação.

O “efeito pêndulo” mantém, portanto, es-treita relação com as atividades dos traba-lhadores nos sentidos de:

quanto mais eficientes e eficazes foremas estratégias de mediação individuais ecoletivas dos trabalhadores, menor seráo CHT, o que cria as condições para opredomínio de vivências de bem-estarindividual e coletivo; quanto menos eficientes e eficazes foremas estratégias de mediação individuais ecoletivas dos trabalhadores, maior seráo CHT, o que cria as condições para opredomínio de vivências de mal-estar in-dividual e coletivo.

No caso desta pesquisa, o uso dessaconceituação se orienta para a identificaçãoe a caracterização das representações men-tais que os teleatendentes têm do próprio es-tado geral (físico, psicológico e social) emque se encontram como decorrência do con-texto de produção de serviços no qual elesestão “imersos”. O acesso a essas represen-tações se dará por meio da análise dasverbalizações das teleatendentes acerca dopróprio trabalho (Lacoste, 1995) e, em par-

ticular, dos efeitos que este parece produzirnestes trabalhadores.

Abordagemmetodológica

O enfoque metodológico foi a AnáliseErgonômica do Trabalho – AET (Guérin etal., 2001). Os traços característicos doenfoque sustentam-se no paradigma de quea natureza do objeto de investigação (inter-relação indivíduo-trabalho) subordina o mé-todo, seu instrumental e seus procedimentos.

O uso desse enfoque é orientado por cincopressupostos:

tem como ponto de partida a análise deuma situação-problema;

apóia-se na participação efetiva dosenvolvidos direta ou indiretamente coma pesquisa;

livre acesso a todas informações atinen-tes à situação-problema;

valoriza a variabilidade intra e interin-dividual do sujeitos, bem como do con-texto sociotécnico; e

análise da atividade dos trabalhadoresem situações reais de trabalho.

A AET não se coloca, portanto, como um“receituário” predefinido, uma vez que cadacontexto de trabalho é singular e a complexi-dade das situações transforma o diagnósticocientífico em um verdadeiro quebra-cabeça,conforme metáfora apresentada na figura 1(Ferreira, 2003).

Figura 1 Metáfora do quebra-cabeça ca-racterizando os pressupostos da análiseergonômica do trabalho.

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Todos os participantes da pesquisa (N=40)são do gênero feminino e trabalham em doisturnos, das 8h às 13h30m e das 13h30m às19h. Trata-se de uma população de mulhe-res trabalhadoras jovens, com idade varian-do de 20 a 30 anos, havendo predomínio desolteiras, com escolaridade distribuída, prin-cipalmente entre o Ensino Médio (antigo 2ºgrau completo) e curso superior incompleto.A maioria possui mais de quatro anos de ex-periência de trabalho em teleatendimento ehá um predomínio das que possuem de um adois anos de trabalho na central onde se rea-lizou a pesquisa. O grupo é portador de umtempo de vivência no trabalho em teleaten-dimento que serve de base para a análise datemática da pesquisa.

Os instrumentos e os procedimentos foramos habituais na démarche metodológica emErgonomia da Atividade: análise documen-tal, entrevista semi-estruturada, observaçõeslivres e sistemáticas das situações e atividadesde trabalho.

Principais resultados ediscussão

Pode-se depreender que a central foi con-cebida como sendo um canal de ligação di-reta entre os cidadãos e o órgão público. Osidealizadores a projetaram como um instru-mento de comunicação social por meio doqual os cidadãos-usuários pudessem entrarem contato verbal com o órgão, sem ônusfinanceiro suplementar, para:

efetuar consultas sobre questões diver-sas; solicitar materiais e informações; fazer denúncias; fazer reclamações; e dar sugestões.

A análise documental possibilitou situar aimportância da central como ferramenta es-tratégica de atendimento ao público do ór-gão, exercendo um importante papel de comu-nicação social com a comunidade de usuários.

A evolução crescente das ligações se deve,sobretudo, aos seguintes aspectos: (a) a cen-tral atende cerca de 20 mil ligações diaria-

mente. Destas, cerca de 20% são atendidasdiretamente pelas teleatendentes e o restante,automaticamente pela Unidade de RespostaAudível – URA; (b) cerca de 99% das cha-madas são respondidas em tempo real; (c)as consultas que requerem pesquisa sãorespondidas por cartas, enviadas aosteleusuários; (d) o tempo médio de duraçãodas chamadas é de três minutos; (e) cerca dequinze teleusuários esperam pelo atendimentoouvindo propaganda institucional (jingles)dos programas do órgão público; (f) o tem-po de espera na telefila é estimado em cincominutos; e (g) todas as ligações são regis-tradas via digitação. As chamadas feitas de ce-lulares são bloqueadas. Isso reduziu em cercade 30% o custo financeiro da central, mas tam-bém restringiu na mesma proporção uma op-ção de acesso aos serviços pelos usuários.

A gestão dos serviços da central se deparatambém com um problema já conhecido nocontexto de teleatendimento com as caracte-rísticas desta central (exemplo: informaçõescom certo grau de complexidade de conteú-do, diversidade socioeconômica de usuári-os): a contradição entre quantidade de cha-madas versus qualidade do teleatendimento.Nesse sentido, o tempo de duração do tele-atendimento não é um parâmetro de quali-dade absolutamente confiável na avaliaçãodos serviços.

A análise documental do “Manual deTeleatendimento” evidenciou o perfil espe-rado do desempenho da teleatendente:saber escutar, demonstrar segurança naresposta, evitar certos termos e expressões,argumentar com clareza, não conversar comos colegas, não se alimentar no posto de tra-balho, mantê-lo organizado e não se ausen-tar do mesmo. Tais aspectos dão visibilidadeaos parâmetros que orientam a conduta dasteleatendentes nas situações de atendimentosob a ótica dos gestores do trabalho.

No que tange às condições de trabalho,identificou-se diversos indicadores críticos re-lativos a:

equipamentos arquitetônicos deteriora-dos; níveis inadequados de ruído e ilumina-ção; e mobiliário deficiente dos postos de tra-balho.

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No conjunto, tais fatores se afastam daqui-lo que estabelece a legislação vigente, bemcomo o que recomenda os manuais de Ergo-nomia (Iida, 1990; Grandjean, 1998). Tra-ta-se de aspectos que deterioram a qualidadedo ambiente de trabalho e colocam em riscoo bem-estar dos trabalhadores.

Um período de observação livre (1h)possibilitou a realização de um primeiro re-conhecimento das situações reais de telea-tendimento, por meio da escuta autorizadade ligações, sobretudo dos aspectos deinteração teleatendentes-teleusuários. Nessaocasião, realizou-se a adaptação de umaplanilha de observação sistemática construídae validada em outro estudo semelhante (Freire,2002) e revalidada pelos teleatendentes queparticiparam desta pesquisa.

Além de levantar os dados relativos às con-dutas verbais dos teleusuários, buscou-se tam-bém quantificar outras informações comple-mentares que pudessem fornecer pistas sobreo custo humano do trabalho em teleaten-dimento. Assim, foram coletados dadosconcernentes: (a) aos tipos de ligações (exem-plos: denúncias, trotes, reclamações); e (b) àocorrência de eventos críticos (exemplos:queda de ligação, abandono, site fora do ar).

Planejou-se a observação sistemática combase nos seguintes critérios: (a) dois turnosda jornada de trabalho; (b) três dias interca-lados de uma mesma semana (segunda, quar-ta e sexta-feira); (c) duração de uma hora,nos períodos das 10h às 11h e das 15h às16h, para cobrir os dois turnos; (d) escutaaleatória dos postos de trabalhos, programa-da automaticamente pelo Distribuidor Auto-mático de Chamadas (DAC). A definição detais critérios buscou contemplar elementosbásicos de variabilidade (exemplo: turnos)para aumentar o grau de confiabilidade dosdados coletados.

Os resultados relativos aos tipos de ligaçãoe aos assuntos mais solicitados pelos teleu-suários mostram:

quanto ao tipo de ligação, se se sobressem“pedidos de informação (sem script)”,ou sseja, se a maioria absoluta dosteleusuários solicitou informações quepermitiram às teleatendentes responde-rem sem ajuda de script (textos prepa-rados para respostas padronizadas). Se

por um lado esse resultado parecereduzir o custo cognitivo do trabalho(redução do tratamento de informações,por exemplo), por outro ele fornece in-dícios sobre a repetitividade do traba-lho e, em conseqüência, o aumento docusto afetivo em função do sentimentonegativo de monotonia (Grandjean,1998).

que, embora numericamente pouco sig-nificativo, observa-se a ocorrência deligações do tipo trote, denúncia e re-clamação que exigem das teleatendentesestratégias singulares de mediação, cujofracasso pode impactar negativamenteno custo humano do trabalho, sobretu-do na esfera afetiva (por exemplo, aconduta pouco cortês de um reclamante);

quanto ao tipos de assuntos mais solici-tados, os resultados mostram a diversi-dade de demanda dos teleusuários, per-mitindo-se supor que tal diversidade deinformações requer o desenvolvimentode competências específicas no campodo diagnóstico, do tratamento e datomada de decisão para respondereficientemente às demandas dos teleu-suários em contexto de forte pressãotemporal e de desempenho vigiado;

os eventos críticos ocorridos durante operíodo de observação nas situações deteleatendimento, embora quantitati-vamente pouco expressivo, evidenciamalguns elementos da complexidade dotrabalho que impõe a construção deestratégias de mediação específicas parareduzir as conseqüências negativas nasdimensões afetiva e cognitiva do custohumano do trabalho. Por exemplo, ex-plicar para um teleusuário com baixaescolaridade (ansioso por uma respos-ta) que o site (fonte da informação) estáfora do ar requer um savoir-faire efi-caz. Este resultado encontra eco na li-teratura, pois, em inúmeras situaçõesem que os teleatendentes não dispõemde informações (totais ou parciais), orisco de que elas resultem em erros au-menta e, em conseqüência, há perdade qualidade dos serviços (Mascia &Sznelwar, 2000).

Em relação às condutas verbais dos teleu-suários nas situações de teleatendimento,

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alguns aspectos merecem ser assinalados: observou-se um nítido predomínio deteleusuários cuja conduta se caracterizapor ser cortês (agradece no final da li-gação, utiliza “por favor”, diz obrigadoao final da ligação e trata o teleatendentecom respeito), ou seja, do ponto de vistaquantitativo, parecem indicar poucoesforço operatório para cumprir astarefas. Todavia, o caráter repetitivo, jáassinalado, parece inexorável;

os resultados mostram aspectos quepodem estar na origem de indícios demal-estar que resultam das exigências(cognitivas e afetivas) em lidar com teleu-suários cuja conduta verbal se caracte-riza por ser “desconhecedor do servi-ço”, “não saber o que quer” (apresentadiscurso desordenado, não se lembra dasinformações, não sabe o nome das coi-sas, não encontra palavras) e ser “pro-lixo” (prolonga a conversa, não é obje-tivo e fornece informações irrelevantes).

Em síntese, os resultados obtidos possibilita-ram um aprofundamento maior na realidadedo serviço de teleatendimento na central combase em dados característicos das situações

que podem funcionar, principalmente, comoconstrangedores das atividades das teleaten-dentes. A natureza do trabalho de teleatendi-mento pôde ser melhor visualizada eviden-ciando fortes exigências cognitivas e afetivaspara executar satisfatoriamente a prescriçãodo trabalho.

Os dados das entrevistas com teleatendentes(N=40) foram submetidos ao tratamento doaplicativo Alceste (Reinert, 1990). O trata-mento do corpus identificou quatro classestemáticas estruturadoras das verbalizaçõesdas teleatendentes (Figura 2). Tais verbali-zações expressam as representaçõesoperativas (Weill-Fassina et al., 1993; Teiger,1993) que fazem parte do contexto de pro-dução da central de teleatendimento em ter-mos de linguagem sobre o trabalho e suasconseqüências (Lacoste, 1995). Trata-se deuma espécie de vision du monde no sentidoatribuído por Max Reinert. Neste caso, umavisão do mundo do trabalho e de seus efeitossobre as próprias teleatendentes.

A sensação de fadiga, esgotamento ou,como afirmam as atendentes, de estresse pa-rece predominar nas representações que elasexplicitam em relação ao estado geral em fun-ção de contextos de trabalho que vivenciam.

Figura 2 Classes Temáticas e Vocabulário Estruturador dasVerbalizações das Teleatendentes.

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Referências Bibliográficas

Nesse sentido, o traço negativo que ca-racteriza as avaliações que as teleatendentesfazem sobre seus estados físico, psicológicoe social relativos ao contexto de serviço deteleatendimento no qual estão inseridas érevelador de vivências de mal-estar.

Todavia, esses indícios de vivências de mal-estar das teleatendentes parecem manter cla-ras as relações com os resultados obtidos aolongo da pesquisa. Desse modo, os dadosdo perfil da central apontaram elementos decrescimento dos serviços sem a necessáriacorrespondência em termos de suporte orga-nizacional.

Diversos indicadores críticos foram evi-denciados pela vistoria ergonômica, dese-nhando um cenário nada favorável aopredomínio de vivências de bem-estar notrabalho. Por fim, ao falarem do própriotrabalho, as teleatendentes agregaram umelenco de informações que configurou asprincipais fontes do pólo negativo do custohumano do trabalho, em particular a estrei-ta relação entre o conteúdo do trabalho(significativa exigência cognitiva) e a condu-ta verbal dos teleusuários (significativaexigência afetiva), bem como o estilo de ges-tão e as condições de trabalho, combinandouma “mistura explosiva”.

Conclusão

Os resultados mostram que a combinaçãode dimensões, condições, organização e rela-

ções sociais de trabalho configura um cená-rio explicativo dos limites impostos àsteleatendentes para mediar eficientemente acomplexidade que marca a interação com osteleusuários e, ao mesmo tempo, a garantiados objetivos prescritos e a preservação dasaúde. É nesse cenário em que as vivênciasde mal-estar das teleatendentes assumeminteligibilidade, situação em que o trabalhose afasta de seu caráter ontológico de cons-trução da identidade e de fonte de prazer. Aanálise dos resultados lança luz para se com-preender os altos índices de rotatividade nes-te setor, cuja abordagem de gestão tem nostrabalhadores a variável de ajuste.

A discussão dos resultados possibilita iden-tificar que a tensão entre o “velho” e o “novo”é um dos traços mais marcantes nos contex-tos de trabalho das centrais de teleaten-dimento. Ao mesmo tempo em que o teleaten-dimento é um setor que envolve a mais avan-çada tecnologia da informação e das teleco-municações, é também um dos ambientesonde o estilo de gestão do trabalho pode sedar da maneira mais arcaica e burocráti-ca, remetendo aos modelos industriais etayloristas de administração do século pas-sado. Nesse sentido, o texto “A neurose dastelefonistas”, que nasceu dos estudos de LeGuillant et al. (1956), permanece, sob o ân-gulo da organização do trabalho, bastanteatual.

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