lucas pereira - enquanto atravessava
Post on 29-Mar-2016
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Enquanto Atravessava.
Era uma manhã nublada de verão, o dia começava calmo, nem quente nem frio, as
pessoas começavam a levantar de suas camas. Céu Chumbo, 05h30 da manhã. Dona Gecí acorda
assustada e vai até o quarto do filho - um guri de uns 4 ou 5 anos, de nome engraçado – pois esse se
encontrara febril durante grande parte da noite, o que não era tão incomum, pois o garoto vez ou
outra apresentava alguns quadros de enfermidade, o que acabava por acarretar uma elevação em sua
temperatura corporal.
O Fato é que o garotinho não melhorara durante a noite, a febre persistira , deixando a
mãe preocupada. Dona Gecí comenta do acontecido com seu filho mais velho, mas este não lhe dá
muito ouvidos, pois tinha perdido a hora para ir trabalhar, saindo com muita pressa e desatenção.
Afinal, “as obrigações precisavam ser cumpridas, e dentro do prazo”. Era a única coisa que o filho
mais velho conseguia pensar quando interpelado pela mãe:
– Estou preocupado com seu irmão, ele tá com uma febre que não passa, desde ontem à
noite!
– Mãe, estou atrasado. Tchau! - responde, já entrando no carro.
Dona Gecí se encontra aflita, uma chuva fina cai sobre a casa e seus pensamentos.
Depois de se utilizar de vários recursos para estabilizar o quadro do garoto – de fármacos a
pajelanças - ela pensa e decide apelar: “Vou ter que fazer isso. Deus, todo poderoso está comigo!”.
Sendo assim, é hora de se utilizar do recurso emergencial. Ela se dirige em direção a garagem e
pega uma motocicleta que já a algum tempo, pouco era utilizada. Na verdade, desde a morte de seu
marido a dois anos atrás. “Idiota!” lembra com raiva do falecido. O certo é que ele sempre impôs
obstáculos a Dona Gecí. Julgava que mulheres e homens deveriam agir de formas distintas, e que
lugar de mulher era em casa cuidando dos filhos e não dando voltas de carro ou moto pela rua.
Consequentemente, Dona Gecí nunca aprendeu a dirigir um carro ou pilotar uma moto, na verdade
se limitara a umas duas ou três aulas com o filho mais velho, longe do olhar do patriarca. Agora, a
velha Honda Biz, parada ali, a desafiava a sair e mostrar que também sabia resolver os problemas
que extrapolavam os limites da cozinha.
Uma nova conferida no garoto e “Minha nossa Senhora. 40 graus”. Dona Gecí o
agasalha bem, e já com a pressa dos desesperados se dirige à garagem para implorar ajuda do
demônio de 125 cilindradas que ela sempre evitara. “Velho idiota!” se lembra do falecido enquanto
retira o pano que cobria a motocicleta.
Mãos Trêmulas, taquicardia, uma leve tontura e uma Biz que parecia pesar uns 300
quilos na suas mãos. Já com a moto retirada da garagem e colocada desajeitadamente, na calçada
externa da casa, Gecí busca o garotinho e lhe explica:
- Segura firme na cintura da mãe! Não solte! A gente vai pro postinho ver o tio do
pirulito! - com essas palavras ela tentou acalmar o garoto e principalmente, ela mesma. Se referiu ao
médico do posto de saúde, que ficava a mais ou menos uns 3 quilômetros e meio de sua casa.
Com o peso do garoto, dela mesma, da moto e do medo, Gecí sai apressadamente.
Desequilibrada, pilota por 200 metros em primeira marcha, até enfim, conseguir controlar o pé e
encaixar a segunda – na qual continuaria até o fim do seu percurso - Assim, começa a pior situação,
do pior dia da vida dessa jovem senhora de 41 anos.
Foram aproximadamente, um quilometro e meio percorridos, sem muitos “pares” - o
que não quer dizer que eles não estavam lá - Gecí então, se depara com um entroncamento entre a
rua que ela percorria e uma avenida. Uma avenida não tão movimentada assim, pois era afastada do
centro e o desvio de caminhões já não era mais por ali a algum tempo e “seis e meia da manhã
quase não há carros passando por aqui” pensa de forma rasa e descriteriosa dona Gecí.
Então, quando já quase vencido mais esse desafio... Quando já respirava um pouco mais
aliviada... Quando o seu filhinho a segurou com muito mais força pela cintura... Quando já quase
atravessava a avenida... … E só... dona Gecí só consegue se lembrar até ai, deitada estaticamente,
em sua cama de hospital.
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