linguagem corporal, docência e teoria crítica
Post on 08-Dec-2016
224 Views
Preview:
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Márcia Feijó de Araújo
LINGUAGEM CORPORAL, DOCÊNCIA E TEORIA CRÍTICA
RIO DE JANEIRO
2014
ii
Márcia Feijó de Araújo
LINGUAGEM CORPORAL, DOCÊNCIA E TEORIA CRÍTICA
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como exigência
parcial, para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Linha de Pesquisa: Currículo e
Linguagem
Orientadora: Profª. Drª. Monique
Andries Nogueira
Rio de Janeiro
iii
2014
Márcia Feijó de Araújo
Linguagem Corporal, Docência e Teoria Crítica
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
exigência parcial, para obtenção do título de Mestre em Educação.
Rio de Janeiro, 24 de Abril de 2014.
------------------------------------------------------------------------------------
Professora Doutora Monique Andries Nogueira
------------------------------------------------------------------------------------
Professor Doutor Ari Fernando Maia
-------------------------------------------------------------------------------------
Professor Doutor José Jairo Vieira
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me abençoar com tantos privilégios, Amém.
Aos meus pais, José Fabiano e Iaci, por me apoiarem em todas as fases da minha vida,
sempre com amor, dedicação, sabedoria e Arte, meus agradecimentos eternos.
Ao meu marido e companheiro, Paulo, pelo carinho, paciência e cuidados essenciais em
nossas vidas.
Aos meus amados filhos, Felipe, João Pedro, Antônio e Francisco, os quais multiplicam
muitíssimo o meu amor e me enchem de orgulho, felicidade e ternura a cada dia.
À minha querida orientadora, Monique Andries Nogueira, por me apresentar tão
importantes visões de mundo, como uma mestra da delicadeza e da Arte, sempre com
incansável dedicação e apoio, para muito além deste trabalho, obrigada.
Aos ilustres professores, Patrícia Corsino, José Jairo Vieira, Ari Fernando Maia e
Sinésio Ferraz Bueno por me acompanharem, generosamente, em meu processo.
Às queridas professoras do PPGE, Maria Margarida Pereira de Lima Gomes, Daniela
Patti do Amaral, Ludmila Thomé de Andrade, Sonia Maria de Castro Nogueira Lopes,
Rosanne Evangelista Dias e Miriam Waidenfeld Chaves, obrigada pelas caras
contribuições em minha formação.
Aos amigos participantes do GECULT , pelos encontros ricos, fraternos e muito alegres,
obrigada por tudo.
À secretaria do PPGE, em especial a Solange Rosa de Araújo, sempre companheira,
sábia e zelosa.
Aos queridos alunos/professores, participantes desta pesquisa, que compartilharam suas
vivências em todo o processo, muito obrigada.
Às minhas amigas Teresa Taquechel e Andréia Chiesorin por dividirem comigo os
desejos de expansão da Arte e da Dança para todos, obrigada.
Agradeço especialmente à Mestra Angel Vianna, por me formar na Arte, mostrar-me
como viver com arte e a lutar por ela. Muito obrigada sempre.
v
RESUMO
Este trabalho tratou das possibilidades de uma educação corporal emancipadora
por meio de uma maior compreensão do corpo e de sua linguagem. Teve como objetivo
analisar a experiência de um grupo de professores participantes de um curso de
formação continuada, que tem como ênfase a expressão e a conscientização corporal,
realizado em instituição superior de ensino da dança no Rio de Janeiro. Tal investigação
teve como referencial teórico a Teoria Crítica, particularmente os estudos de T. W.
Adorno (1985, 1995, 2008) e seus comentadores tais como Nogueira (2008, 2010,
2012), Maia (2010, 2012) e Vaz (2006, 2008, 2012). Autores do campo da Arte e da
Dança também embasaram esta pesquisa, tais como Ostrower (1983, 2012), Laban
(1978,1990), Vianna (1990), Strazzacappa (2006, 2012) e Morandi (2006). Tratou-se de
pesquisa qualitativa que teve como instrumentos metodológicos a análise documental, a
observação participante e o questionário. Como resultado, verificou-se que uma maior
compreensão do corpo e da linguagem corporal nos docentes pode colaborar na
possibilidade de um projeto de educação para emancipação e contra a barbárie,
proporcionando uma melhoria didático-metodológica no atual desenho da educação
brasileira.
Palavras-Chave: Linguagem Corporal; Docência; Dança; Teoria Crítica.
ABSTRACT
This work dealt with the possibilities of an emancipatory body education
through a greater understanding of the body and its language. The goal of this work was
to analyze the experience of a group of teachers attending a continuing education course
at a higher educational dance institution in Rio de Janeiro, whose emphasis was on the
expression and awareness of the body. The investigation’s main theoretical reference is
Critical Theory, particularly the studies of T. W. Adorno (1985, 1995, 2008) and
commentators such as Nogueira (2008, 2010, 2012), Maia (2010, 2012) and Vaz (2006,
2008, 2012). Authors from the fields of Art and Dance, as such Ostrower (1983, 2012),
Laban (1978, 1990), Vianna (1990), Strazzacappa (2006, 2012) and Morandi (2006)
have also been referenced in this research. This qualitative research employed three
methodological instruments: document analysis, participant observation and
questionnaire. As a result, it was verified that a greater understanding of the body and of
body language by a faculty can enhance the possibility of developing an educational
project that promotes emancipation and against barbarity, providing a didactic-
methodological improvement in the present model of the brazilian education.
Key-Words: Body Language; Teaching; Dance; Critical Theory.
vi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São
Paulo
CCCRJ – Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro
CEB – Câmara de Educação Básica
CES – Câmara de Educação Superior
CNE – Conselho Nacional de Educação
DH- Direitos Humanos
DME – Dores Musculoesqueléticas
DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
DOU – Diário Oficial da União
EBPE/RJ – Escola Brasileira de Psicanálise e Etologia do Rio de Janeiro
FAV – Faculdade Angel Vianna
GDS – Godeliev Dennis Struff (método de estudo das cadeias musculares)
LER – Lesões por Esforços Repetitivos
LIMS/NYC – Laban Institute of Movement Studies / New York Center
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PNL – Programação Neuro Linguística
RPG – Reeducação Postural Global
SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação
SME – Secretaria Municipal de Educação
vii
Simpro / RJ – Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UnB – Universidade de Brasília
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
viii
SUMÁRIO
Introdução....................................................................................................1
Capítulo 1 – Teoria Crítica e Corpo: novas leituras..............................12
1.1 – Uma Breve Trajetória do Corpo na Educação....................................12
1.2 – Corpo e Docência...............................................................................25
1.3 - Corpo e Formação Cultural através da Arte........................................31
1.4 – Corpo, Educação e Emancipação.......................................................43
Capítulo 2 – A Linguagem corporal e suas interfaces...........................48
2.1 – Linguagem Corporal e outros campos científicos..............................48
2.2 – Linguagem Corporal, Dança e Educação...........................................59
2.3 – Linguagem Corporal, Diferenças e Educação: Desafios à
Docência......................................................................................................65
Capítulo 3 – Uma Experiência de Formação de Professores em
Linguagem Corporal por meio da Arte da Dança.................................72
3.1 – O Objeto de Estudo: a instituição, o curso e o grupo
participante..................................................................................................72
3.1.1- Breve Histórico da Instituição...........................................................73
3.1.2- O Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo, Diferenças e
Educação ....................................................................................................75
3.1.3 – Identificação e Estrutura do Curso..................................................77
ix
3.2 – Por dentro do “Corpo” Discente.........................................................87
3.3 – Consequências e Impactos do Curso..................................................90
Conclusão...................................................................................................96
Referências...............................................................................................100
Apêndice...................................................................................................106
Anexos......................................................................................................107
Foto 1 - .....................................................................................................108
Foto 2 - .....................................................................................................109
Foto 3 - .....................................................................................................110
1
INTRODUÇÃO
A tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar
tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia.
(T.W.ADORNO)
Há cerca de 15 anos, tenho observado corpos de docentes exercendo suas
funções nos mais variados campos institucionais da educação. Reconhecendo seus
espaços, suas necessidades e suas especificidades, ministrava cursos de abordagem
corporal, com objetivos diferenciados, porém, sempre focalizados em aumentar a
capacidade expressiva e gestual dos docentes por meio de um melhor uso de seu próprio
corpo, compreendendo sua estrutura, o espaço em que se movem e, principalmente, a
consciência de ser e estar em si plenamente. Para tal objetivo, a sensibilização dos
corpos era o ponto fundante para todas as propostas e isso se fazia, e se faz, somente por
meio da experiência vivida, ou seja, praticando e experimentando as possibilidades
infinitas que os movimentos feitos pelo corpo humano podem gerar. Aos poucos, a
comunicação, que socialmente prima pela palavra dita em detrimento da não dita,
evidenciava-se na língua do corpo, da expressão do gesto, em harmonia com o estado de
espírito, surgindo com total clareza que, apesar de sua polifonia, simplesmente era
compreendida e aceita por todos. O que se vivencia a partir daí é uma possibilidade
mais plena de utilização do potencial corporal, não apenas em seu aprimoramento
mecânico, mas, sobretudo sensível, criador, criativo. Nunca vi ninguém não feliz com
tais possibilidades. Longe de parecer uma utopia, essa era e é a dinâmica do meu ofício.
2
No entanto, essa observação, permeada ainda de muitos questionamentos, é uma
impressão pessoal, advinda de anos de experiência empírica, que precisaria ser
comprovada cientificamente, o que pretendeu-se com esta pesquisa.
Ao longo do tempo, uma observação minuciosa que se fez e se faz cada vez mais
presente, tornou-se, para mim, fator fundamental para os estudos de como se alcançar
uma educação emancipadora, que é: como afastar a possibilidade do fortalecimento da
barbárie. Na leitura dos corpos, nas falas reveladoras e na vida cotidiana dos envolvidos
no campo da educação, a presença inscrita na carne e no concreto do espaço, evidencia
a eminente barbárie da sociedade em que vivemos. A incidência desse espectro social
nos corpos humanos, tanto dos docentes como dos discentes, nos revela a urgência de
acessarmos vias de superação dessa realidade. Por meio da Teoria Crítica da Escola de
Frankfurt, particularmente dos estudos de Theodor W. Adorno acerca de Educação e
Emancipação, fundamentaremos nosso argumento sobre a possibilidade de uma
educação corporal emancipadora, capaz de reencontrar um ponto de equilíbrio entre a
barbárie e a democracia como experiência vivida em nosso próprio corpo. Para Adorno
(1995) o conceito de barbárie não descreve somente a violência, mas uma agressividade
primitiva, um ódio primitivo ou um impulso de destruição, uma tendência imanente que
caracteriza nossa civilização. Dito desta forma, posso ilustrar o impacto que as leituras
dos estudos específicos de Theodor W. Adorno têm sobre minhas hipóteses. É com
reverência e parcimônia que as utilizo, e me valho ainda de pesquisadores brasileiros
contemporâneos que, em seus múltiplos estudos, nos apresentam as possibilidades que a
Teoria Crítica oferece em termos de reflexão acerca de corpo, corporeidade, barbárie,
estética e formação cultural.
3
Como o foco desta pesquisa é a linguagem corporal docente, o conceito de
formação cultural de professores foi tratado num diálogo com autores, tanto da Teoria
Crítica quanto da Arte/Educação, que consideram que a experiência estética que a Arte
proporciona é primordial na construção de uma prática docente sensível e crítica. Para
compreensão da Arte no corpo, transformando-se em linguagem do sensível,
discorreremos sobre a Dança na educação. Pretendeu-se abordar, ainda, como os
impactos de uma maior compreensão da linguagem corporal docente podem colaborar
na possibilidade de um projeto de educação para a emancipação e contra a barbárie,
proporcionando uma melhoria didático-metodológica no atual desenho da educação
brasileira. Para tal, analisamos a experiência de um grupo de professores participantes
de um curso de Pós Graduação Lato Sensu com especialização em Corpo, Diferenças e
Educação, em tradicional instituição superior de Dança no Rio de Janeiro. A linguagem
primordial desse curso foi a dança, com ênfase na expressão e conscientização corporal,
em consonância com suas múltiplas possibilidades no campo da educação.
A compreensão do corpo humano e de seu conteúdo simbólico preocupa os
cientistas desde sempre. Para entrarmos no cenário onde se dá a linguagem corporal,
nos ocuparemos de argumentar com os conceitos acerca do corpo vivo¹1 do homem. O
corpo humano constitui um capítulo especial na Sociologia, que o estuda como
fenômeno social e cultural, motivo simbólico e objeto de representações e imaginários.
Segundo Le Breton (2009), do corpo nascem e se propagam as significações que
fundamentam a existência individual e coletiva. Todas as ações, da mais simples à mais
complexa, envolvem a mediação do corpo. Por meio da atividade perceptiva que o
1 O termo corpo vivo do homem, é utilizado por Cleide Riva Campelo (1996, p.16) em sua dissertação de
mestrado, Cal(E)idoscorpos – um estudo semiótico do corpo e seus códigos, para afirmar seu objeto de
estudo: o corpo humano como texto da cultura sendo um “todo vital sistêmico”. Uma visão por nós adotada no desenvolvimento desta pesquisa.
4
homem desenvolve a cada instante e que lhe permite ver, ouvir, saborear, cheirar, tocar
e sentir, o próprio homem assim, coloca significações precisas no mundo que o cerca,
sendo, simultaneamente, moldado pelo contexto social e cultural em que se insere. As
ações motoras básicas, assim como a expressão facial e corporal, são socialmente
moduláveis, mesmo sendo vividas de acordo com o estilo particular de cada indivíduo.
Porém, só fazem sentido quando relacionadas ao conjunto de dados da simbologia
própria do grupo social a que fazem parte.
Sobre essa comunicação entre os indivíduos e o mundo, podemos dizer que o
corpo é o vetor semântico (Le Breton, 2009) que evidencia essa relação por meio da
expressão dos sentimentos, do conjunto de gestos e mímicas, das sutilezas da sedução,
da relação com a dor e com o sofrimento, dos cerimoniais, dos cuidados pessoais, dos
processos educacionais. Le Breton diz: “Os sentimentos que vivenciamos, a maneira
como repercutem e são expressos fisicamente em nós, estão enraizados em normas
coletivas implícitas” (2009, p.52). E esses sentimentos, mensagens inscritas no corpo,
no rosto, na postura, nos gestos e na voz, são enviados visando os outros. Os motivos de
seu surgimento e a maneira como são simbolizados compõem o repertório das análises
de filósofos, sociólogos e cientistas de vários campos das ciências humanas.
Para provar que os gestos e as expressões faciais falam muito mais do que as
palavras, Albert Melrabian, um dos pioneiros em pesquisas sobre linguagem corporal,
apurou em seus estudos na década de 1950 que a mensagem na comunicação
interpessoal é transferida na seguinte proporção: 7% verbal (somente palavras), 38%
vocal (incluindo tom de voz, velocidade, ritmo, volume e entonação) e 55% não verbal
(incluindo gestos, expressões faciais, postura e demais informações expressas sem
palavras). O antropólogo, Ray Birdwhistell (1918-1994), outro pioneiro no estudo da
5
comunicação não verbal, descobriu que as palavras correspondem por menos de 35%
das mensagens transmitidas numa conversa frente a frente. O restante, cerca de 65% da
comunicação é feito de maneira não verbal. Apesar de termos o aparato sensorial desde
que nascemos e, portanto, sabermos identificar rapidamente algumas expressões e ao
longo da vida aprendemos outras, o fato da linguagem corporal não ser considerada pelo
sistema educacional tradicional e ainda hoje, ser pouco estudada e difundida, uma
grande variedade de gestos e informações mais profundas passam despercebidos e,
muitas vezes, ao contrário, chocam por sua grande evidência e paralisam um
relacionamento; em quaisquer dessas situações, porém, como nunca foram trabalhadas
formas de dialogar com essa linguagem da natureza do corpo (não verbal), podem
provocar grandes abismos nas relações humanas.
A linguagem corporal, muitas vezes, é sutil e até inconsciente, num primeiro
momento. Sua percepção necessita de um olhar apurado, cuidadoso, sabedor de que o
corpo fala, mesmo involuntariamente. A percepção da linguagem corporal permite
descobrir a individualidade de cada um, revela a identidade do sujeito, demonstra seu
estado de espírito, suas condições de vida. Esse reconhecimento manifesto nas atitudes
de um docente, provavelmente o diferenciará dos demais, visto que a compreensão de si
o faz mais sensível ao outro, mais compreensivo, mais crítico e, portanto, mais
educador. Reconhecendo essa linguagem do corpo e fazendo uso de sua profunda
comunicabilidade e expressão, poderíamos acreditar que seria possível traçar estratégias
metodológicas mais abrangentes e multiplicar, qualitativamente, a maneira de oferecer
os fundamentos educacionais, de forma variada, criativa e específica a cada disciplina,
resguardando o potencial crítico que a natureza da conscientização pela experiência
produz nos sujeitos iniciados. Por meio dela, uma linguagem da complexidade da carne,
6
os docentes sensibilizados, além de se reconhecerem como sujeitos conscientes de si,
poderiam obter relevantes diálogos com seus discentes, tanto sobre o aproveitamento
das atividades escolares, como possíveis leituras de situações adversas pelas quais um
aluno possa estar passando e, assim, conhecer as dificuldades, os medos e tudo aquilo
que dificilmente seria dito somente verbalmente. Mas, a principal consciência adquirida
com essa possibilidade é a insurgência contra a barbárie em todas as instâncias de
expressão da vida, desde a primeira infância.
Vivemos o avanço civilizacional da segunda metade do século XX, marco
relevante nos referenciais internacionais dos direitos humanos e, continuamos a assistir
à aprovação de tratados e protocolos que aperfeiçoam e aprofundam as convenções e
declarações que já existem. Porém, a crescente barbarização do mundo e uma pungente
violência cotidiana que incide sobre os corpos como, por exemplo, os castigos
corporais, em vigor há séculos, ainda são temas recorrentes. Podemos começar a listar
os traços da barbárie inscrita nos corpos desde a infância a partir dos altos índices de
violência contra as crianças no mundo inteiro. Os castigos corporais sobre as crianças
têm ocupado lugar de destaque nas preocupações de quem trabalha esta área específica
dos direitos humanos. Os índices mundiais são altos, assustadores. O problema é muito
sério e está enraizado no imaginário social que ainda acredita que bater nas crianças é
para o próprio bem delas.
Noções estabelecidas, tais como castigo razoável ou atitude legítima de
correção, advêm do fato de uma criança ser percebida, juridicamente, como propriedade
de seus pais ou tutores. Isto nos parece o equivalente moderno das leis que vigoram
desde um ou dois séculos atrás que autorizavam os mestres, os donos ou os tutores, a
baterem nos seus alunos, escravos ou servidores, assim como os maridos a baterem em
7
suas mulheres. Adorno relacionava a imagem negativa que os professores suscitam a
este fato:
Por trás da imagem negativa do professor encontra-se o homem que
castiga, (...) mesmo após a proibição dos castigos corporais, continuo
considerando este contexto determinante no que se refere aos tabus
acerca do magistério. Esta imagem representa o professor como sendo
aquele que é fisicamente mais forte e castiga o mais fraco (1995, p.
105).
Estas violências podem corresponder a um ato de punição ou à reação impulsiva
dos pais ou de um professor irritado. Em todos os casos, são considerados uma violação
dos direitos humanos.
Um dos obstáculos fundamentais para que a violência social geral que se abate
desde a infância não cesse, é a continuada aceitação social de tais procedimentos
punitivos, principalmente porque também está arraigada na família (nosso primeiro
núcleo social). Quanto a isso, Adorno já advertia:
(...) a perpetuação da barbárie na educação é mediada essencialmente
pelo princípio da autoridade, que se encontra nesta cultura ela própria
.(...) por isso a dissolução de qualquer tipo de autoridade não
esclarecida, principalmente na primeira infância, constitui um dos
pressupostos mais importantes para uma desbarbarização. Mas, eu
seria o último a minimizar essas questões, pois os pais com que temos
que lidar são por sua vez, também produtos desta cultura e são tão
bárbaros como o é esta cultura. (1995, p. 166 e 167)
Por conta dessa naturalização da violência, as crianças continuam sendo
agredidas, humilhadas, violentadas física e psicologicamente, abusadas sexualmente por
8
adultos, forçadas a trabalhos escravos, além de ser objeto no tráfico de humanos. Em
uma sociedade como a nossa, as pessoas nem registram os atos de violência que sofrem
em tantos níveis, e dizem que é por ignorância das leis ou mesmo por não acreditarem
em segurança ou justiça. Isto denota a natureza arraigada de que, há muito, somos
sujeitos passivos, reificados e integrados nessa regressão social sistematizada. O que
podemos fazer para quebrar o silêncio sobre a violência? Quer se trate também de
roubos, drogas, agressões, estupros, assassinatos ou mesmo os corpos degradados e
objetificados pelas práticas sociais alienantes e opressoras da indústria cultural2,tais
como a bulimia, a anorexia, a hipertrofia muscular, a massificação de próteses e
implantes meramente estéticos. E o conjunto radical que tudo isso, aliado à extrema
pobreza e à miséria, manifesta-se em “corpos precarizados” (ARROYO, 2012, p. 10)
pela invisibilidade social, pelo repúdio ou pelo preconceito? “No senso comum, soam
aos quatro cantos: Não há mais lugares seguros, a barbárie pode atingir a todos, a
qualquer hora do dia”. (LOBO, 2010, p.221).
Nossa hipótese de que uma educação corporal emancipadora possa ter uma
função reestruturante a cerca do pensamento crítico e que possa colaborar para uma
maior consciência política, apenas por certificar-se de ser um corpo político, inclui,
fundamentalmente, um respeito ao corpo humano capaz de romper com o fatalismo do
silêncio sobre todas as formas de barbárie. Uma vez que a vida social é continuamente
tecida com a naturalização da violência e com um conformismo generalizado, Adorno
aponta para uma possível desbarbarização através dos estudos a cerca dos mecanismos
de reprodução da violência e questiona as funções para as quais serve a escola:
2 O termo Indústria Cultural, do qual nos referiremos em toda esta pesquisa, foi utilizado pela primeira
vez por Adorno e Horkheimer no livro Dialética do Esclarecimento (publicado pela primeira vez em
1944), para referirem-se à “cultura de massa”. Ao longo deste trabalho esse conceito será aprofundado e bastante utilizado.
9
Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a escola
tem apenas condições mínimas de resistir a isto. Mas se a barbárie, a
terrível sombra sobre a nossa existência, é justamente o contrário da
formação cultural, então a desbarbarização das pessoas
individualmente é muito importante. A desbarbarização da
humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência. Este deve ser
o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e suas
possibilidades. E para isso ela precisa libertar-se dos tabus, sob cuja
pressão se reproduz a barbárie. O pathos da escola hoje, a sua
seriedade moral, está em que, no âmbito do existente, somente ela
pode apontar para a desbarbarização da humanidade, na medida em
que se conscientiza disto. (ADORNO, 1995, p.116/117)
A questão é: como levar essa possibilidade reflexiva para o professor e sua
formação? Como obter uma nova compreensão do corpo, caracterizando-o como
político e expressivo, que auxilie na execução de novas metodologias, para que sejam
melhor desenvolvidas e ampliadas? Como sensibilizar para a urgência de uma educação
mais tolerante com as diferenças, com consciência crítica apurada sobre os valores
sociais impregnados pela Indústria Cultural e, ainda, com a possibilidade de vivenciar
os afetos humanos nos munindo ferozmente contra a barbárie? Numa atualidade global,
que pressupõe salas de aula compostas por múltiplas diferenças, acreditamos que por
meio de uma renovada visão do corpo, imbuída de sua memória, sua história, seus
direitos e de sua expressividade, possa-se viabilizar um aumento significativo no acervo
próprio da linguagem corporal individual do docente que, diante das experiências
impostas pela atualidade da história do homem, possam criar novos caminhos para uma
educação emancipadora.
10
Esta pesquisa iniciou-se com os estudos acerca da temática do corpo na
Educação e de sua organização social desde o Renascimento, no primeiro capítulo.
Demonstramos os sentidos de corpo que foram fixados ao longo da história do homem,
analisando as disciplinas que lidam, diretamente, com os conceitos e práticas corporais.
Fez-se necessário um breve estudo das grades curriculares dos cursos de formação de
professores em universidades públicas do Rio de Janeiro, para apontarmos possíveis
formas de mudanças nas concepções de consciência física, social e criativa na profissão
docente da atualidade. Para tal possibilidade, discorremos sobre formação cultural
através da Arte, à luz da Teoria Crítica e da Arte/Educação, propondo uma possível
recuperação das potencialidades humanas diante da constatação do notável
empobrecimento das experiências culturais dos que se dedicam a lecionar. Terminamos
esse primeiro capítulo, relembrando e atualizando o conceito de educação e
emancipação, lançado por Adorno (1995), incluindo nossas observações acerca da
condição do corpo na atualidade, propondo uma possibilidade de autonomia perante tão
forte pressão exercida pela indústria cultural sobre os indivíduos.
O capítulo dois é destinado à linguagem corporal e suas interfaces com outros
campos científicos, sua conceituação, seus desdobramentos e sua função no campo da
educação. A linguagem corporal tem nesse capítulo sua matriz artística e a demarcação
histórica do momento em que se transforma em um dos conteúdos das variadas
propostas corporais nas artes cênicas no Brasil e, ainda, facilitadora de processos
educacionais. Terminamos esse capítulo, trazendo à luz um dos elementos que perpetua
a barbárie e desafia todo o campo da educação, que é a questão do preconceito diante
das diferenças. Abordaremos o fato de que a inclusão só ocorre quando aceitamos
11
corporalmente as diferenças, desenvolvendo nossos argumentos acerca do
desenvolvimento do pensamento crítico, de uma reflexão não preconceituosa.
O terceiro e último capítulo, contém todas as informações sobre a observação
empírica desse grupo de professores que, por meio da Arte da Dança, da linguagem
corporal e da consciência do corpo, fazem uma (trans)formação continuada.
Apresentamos a instituição e a origem desse curso observado, sua estrutura e sua grade
curricular. Analisamos o corpo discente/docente participante dessa formação, suas
características iniciais, suas transformações, suas criações individuais e coletivas e o
desenvolvimento dos campos de atuação profissional, durante 18 meses, por meio de
observação participante, imagens (filmagens e fotos), trabalhos feitos para as
disciplinas, o de conclusão do curso (monografia), questionário e depoimentos.
Concluímos esse capítulo, relatando as transformações adquiridas pelos docentes/alunos
em suas vivências, observadas atentamente até o final do curso, que se realizou no
período entre março de 2011 e setembro de 2012.
A conclusão do trabalho tratou de relevar a importância de uma maior
conscientização corporal para os formados que, ao final, demonstraram saber cuidar de
seus corpos, com uma expressão mais criativa em seus movimentos e com um capital
adquirido para tornarem-se possíveis agentes de transformação dentro do campo da
educação.
12
CAPÍTULO 1: TEORIA CRÍTICA E CORPO – NOVAS LEITURAS
Neste capítulo abordaremos as possibilidades conceituais sobre o corpo e suas
relações sociais sob a luz da Escola de Frankfurt, mais especificamente centradas nos
estudos de Adorno publicados no volume intitulado Educação e Emancipação. Para
tanto, iniciaremos com uma breve retrospectiva sobre a temática do corpo na Educação,
seguida de reflexões acerca das possibilidades de formação cultural e emancipação.
1.1 – UMA BREVE TRAJETÓRIA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
(...) justamente quando é grande a ânsia de transformar, a repressão se
torna muito fácil (ADORNO)
Podemos encontrar, desde o Renascimento, manuais pedagógicos de formas de
educação do corpo. As regras diziam da apresentação do corpo em sociedade, sua
postura, seus gestos, vestuário e acima de tudo do “decoro corporal” (NÓBREGA,
2005). Norbert Elias (1990) discorre, minuciosamente, sobre um sistema de controle
corporal público vigente desde o início das sociedades ocidentais. Segundo M. Foucault
(2008), as disciplinas se instauram no decorrer dos séculos XVII e XVIII como formas
de dominação, visando produzir a eficácia e a docilidade dos indivíduos por meio do
cuidado meticuloso da organização do corpo na sociedade e comenta:
(...) o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera
simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no
corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que
antes de tudo investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade
biopolítica. (FOUCAULT, 2008, p.80)
13
Já no advento do Iluminismo, onde a razão busca prevalecer, instaura-se a
ascensão da Ciência como saber máximo, a “nova religião do homem oitocentista”
(SOARES, 2005, p. 19). O corpo, essa matéria da existência, é compreendido no
domínio da Biologia, da Medicina e sua pauta social cientificista gira em torno de saúde
e higiene, marcando a sua notória obrigatoriedade nos currículos educacionais. Com
isso, as práticas corporais da ginástica, atividade que se adequou sobremaneira aos
ideais científicos da época, se multiplicam por toda a Europa para garantir boa saúde,
além de controlar as paixões, os desejos e as necessidades do corpo desde os primeiros
anos na escola. Porém, marcam definitivamente que o padrão corporal admitido exclui
por completo as diferenças. O corpo precisa ser aprumado, reto, vertical:
Quando os círculos científicos se debruçam sobre o seu conteúdo,
desejam aprisionar todas as formas/linguagens das práticas corporais
sob uma única denominação: ginástica. (...) Mas, a finalidade maior
foi, sobretudo, moralizar os indivíduos e a sociedade, intervindo
radicalmente, em modos de ser e de viver (SOARES, 2005 p. 20)
Cabe aqui demonstrar que os princípios de movimentos organizados pela
ginástica científica foram incorporados das festas populares, dos espetáculos
funâmbulos de rua e de circo, dos passatempos da aristocracia, bem como dos
exercícios militares. Mas, para que o Movimento Ginástico Europeu3 fosse aceito e
definitivamente incorporado politicamente, é exigido o rompimento com seu núcleo
primordial cultural localizado no campo dos divertimentos. O objetivo maior da
ginástica, desde então, torna-se potencializar a necessidade de utilidade das ações e dos
gestos num corpo adestrado para tal “melhoria”. Uma nova mentalidade prática e
pragmática, baseada no tecnicismo científico, são as metas de um espírito capitalista
3 Esta expressão é utilizada por Langlade & Langlade (1986) no livro Teoria general de La gimnasia,
Buenos Aires, Ed. Stadium, p. 526.
14
estruturando-se na Europa, desde o século XVIII e encontrando-se corroborado pela
ciência e o avanço capitalista, em seu auge no século XIX, reforçando os imaginários
acerca dos triunfos da vida sobre a morte. Uma ideologia cientificista, junto com uma
filosofia biológica, conceituam e reforçam esse sistema.
Desde então, uma compreensão do corpo como “máquina” e uma visão
mecanicista do movimento humano prevaleceu e, de um modo geral, contribuiu para a
visão de que o corpo é um elemento central de controle e um acessório modelável por
meio do processo educativo:
O corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele
é o primeiro espaço onde se impõem os limites sociais e psicológicos
que foram dados à sua conduta, ele é o emblema onde a cultura vem
inscrever seus signos como também seus brasões (VIGARELLO,
apud SOARES, 2005, p.17).
Ao longo de todo o século XIX, os corpos foram moldados pelos códigos de
civilidade que a ginástica científica afirmou, configurando mais nitidamente na história
do homem ocidental, o início de uma “educação do corpo” (SOARES, 2005, p.17). Esse
discurso e essa pedagogia sobre o corpo, fundamentados na instrumentalidade, no
disciplinamento e na aprendizagem da civilidade vigorou, de modos diversos, até a
primeira metade do século XX. Aceitar o ser humano como predominantemente
biológico, massa corpórea educada para produzir, fez parte desse contexto reificado
pelo processo de industrialização, pois, o “corpo individual, passou a ser entendido
como apenas uma peça menor da engrenagem mercantil capitalista” (NÓBREGA,
2005).
15
No início do século XX, o termo curriculum, no sentido como entendemos hoje,
começa a ser aplicado a partir de um livro da literatura educacional americana, escrito
por Bobbit, por volta do ano de 1918, “The Curriculum”, que teve grande influência,
justamente pelo fato de sua proposta parecer permitir à educação tornar-se
comprovadamente científica, porém, conservadora e capitalista. “O modelo de Bobbit
estava claramente voltado para a economia. Sua palavra-chave era ‘eficiência’. “O
sistema educacional deveria ser tão eficiente quanto qualquer outra empresa econômica”
(SILVA, 2011, p.23). Isso posto, a razão na forma utilitarista, mercadológica, foi
hegemonicamente se constituindo, desqualificando outras maneiras de pensar, de ser e
de produzir conhecimento. Nesse contexto, a busca por um corpo eficiente que
garantisse o progresso industrial, reduz o corpo humano a um mero organismo e, nessa
configuração, o corpo raramente seria considerado como uma pessoa. Mas, a orientação
dada por Bobbit, iria concorrer com vertentes mais progressistas, voltadas para a
construção da democracia, como a liderada por John Dewey, destaque entre as décadas
de 20 e 30, que considerava no planejamento curricular, os interesses e as experiências
das crianças e jovens, assim como sua grande influência no ensino das Artes
(BARBOSA, 2011, p.42). Essa abordagem foi difundida em todos os autores
progressivistas, no Brasil e no exterior.
Entre as décadas de 30 e 70, principalmente após a guerra, iniciam-se algumas
experiências embrionárias sobre novas abordagens corporais terapêuticas, psicológicas e
artísticas que, junto com a Filosofia e a Sociologia, influenciaram diretamente o campo
da Educação. A Filosofia vai ajudar a reorganizar essa compreensão através dos estudos
dos fenômenos do corpo e de sua complexidade e, assim, propor um novo ângulo de
visão. Por sua vez, a Sociologia toma a dimensão política como centro organizador da
16
análise sobre a corporeidade4 e suas abordagens críticas sobre o capitalismo, que impõe
a dominação moral e material sobre os usos sociais do corpo favorecendo a alienação.
Historicamente, aqui no Brasil, foi no processo de industrialização e
urbanização, no estabelecimento do Estado Novo na década de 1930, que se mencionou
pela primeira vez nos currículos brasileiros, uma educação corporal obrigatória, capaz
de fortalecer os corpos dos trabalhadores, melhorando sua capacidade produtiva e
desenvolvendo o “espírito de cooperação”. Do final do Estado Novo até a promulgação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um amplo debate sobre o
sistema de ensino brasileiro. Após 1964, a educação, de um modo geral, sofreu as
influências da tendência tecnicista e o corpo teve seu caráter instrumental reforçado:
voltado para o desempenho técnico e físico do aluno. Na década de 1980, o enfoque
passou a ser o desenvolvimento psicomotor do aluno e as relações entre corpo e
sociedade passaram a ser discutidas sob a influência das interfaces da educação com
outros campos das ciências humanas e, apontou-se então, para um papel da educação
física com conteúdos pedagógicos mais humanos (não apenas adestramento). A partir da
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, onde a Arte e a Educação Física são
legitimadas como componentes curriculares obrigatórios da Educação Básica,
incrementa-se uma nova discussão sobre a cultura corporal na atualidade. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1997, apresentam essa temática, a
educação do corpo, sob dois aspectos: a Educação Física e a Dança dentro da disciplina
Artes. Mas, em que ponto estamos?
4 Existem muitas classificações para o conjunto de aspectos que emanam do corpo humano. Nesta
pesquisa optaremos por utilizar o termo corporeidade, utilizado pela Sociologia que estuda o corpo, para denominar o próprio corpo enquanto fenômeno social.
17
No campo das ciências sociais, segundo David Le Breton, a publicação de
Vigiar e Punir, em 1975, de Michel Foucault introduz uma ruptura ao mesmo tempo
epistemológica e política em relação às concepções sociais anteriores sobre o corpo na
sociedade ocidental. Em A Sociologia do Corpo (2009), Le Breton demarca bem essa
distinção, analisando o corpo na modernidade não mais como oposição entre o corpo e a
alma, mas entre o corpo e o homem, como se fosse um desdobramento destacado do
próprio homem, transformando-o num objeto a ser moldado, modificado, no sentido em
que, mudando as aparências do corpo, este é modificado. Le Breton constrói seu
argumento crítico da preocupação com a exacerbação da aparência, da ostentação do
corpo-objeto, promovido a mercadoria, baseando-se nos discursos de “libertação do
corpo”,5 onde o corpo é, então, colocado não como algo indistinto do homem, mas
como uma posse, um atributo, um outro, um alter ego (2009, p.10).
Diante de uma perspectiva crítica sobre o destino das sociedades e a história
humana no Ocidente de percepção do corpo, constatamos como desaprendemos a
conviver com a realidade corpórea e, aprendemos então, partindo da reversibilidade dos
sentidos, privilegiando a opinião consensual sem o próprio corpo. No entanto, buscamos
neste trabalho, demonstrar que o fenômeno da percepção de si, compreendido como um
acontecimento do e no corpo humano, pode resgatar esse saber crítico e libertador
diante de uma condição social opressora, que anula os sujeitos, mediados pelas relações
da indústria cultural – seja nos espaços de convivência ou pelos meios de comunicação
de massa.
5 Jean Baudrillard, em A Sociedade de Consumo (1970), deixa claro as ambiguidades da “liberação do
corpo”que após uma era milenar de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, o corpo tornou-
se “o mais belo objeto”, marcando sua inteira presença na publicidade, na moda, na cultura de massa, na
dietética, na terapêutica, levado a obsessão de juventude, elegância, virilidade, do culto ao prazer, tornou-se objeto de reverência...a retórica da alma foi substituída pela do corpo.
18
Quando tomamos consciência de que o movimento é a essência da
vida e que toda a forma de expressão (seja falar, escrever, cantar,
pintar ou dançar) utiliza o corpo como veículo, vemos quão
importante é entender essa expressão externa da energia vital interior.
(LABAN, 1990, p. 100)
Dessa forma, retomando o próprio corpo como matriz sensória, a percepção é
identificada pelos movimentos corporais. O sentido dos acontecimentos está no corpo,
onde podemos fazer uma leitura dos aspectos visíveis e invisíveis do ser, do
conhecimento e da cultura. O corpo traz marcas sociais e históricas e, portanto, questões
culturais, de gênero e de pertencimento sociais podem ser lidas no corpo. O corpo
legitima a identidade e a existência de cada ser humano. Há que se educar para essa
realidade de se ser humano, formando cidadãos críticos frente ao conceito de modelo
ideal (Adorno, p.141, 1995) ou a evidente violência social naturalizada, fazendo-os
capazes de se emancipar perante uma doutrina social questionável.
Segundo Silva (2011, p.87), “são as relações de poder que fazem com que a
diferença adquira um sinal, que o diferente seja avaliado negativamente relativamente
ao não diferente”. Corroboramos com Silva (2011) de que os estudos críticos sobre os
conteúdos hegemônicos dos currículos estendem nossa compreensão dos processos de
dominação, e não nos deixam esquecer que algumas formas de poder são visivelmente
mais perigosas e ameaçadoras do que outras.
(...) através das relações de poder e controle, nos tornamos aquilo que
somos. Ambas nos ensinam, de diferentes formas, que o currículo é
uma questão de saber, identidade e poder (Ibid, idem, p.147).
Não podemos negar que os currículos são, definitivamente, um espaço de poder.
O currículo nos transmite a ideologia dominante, e assim a formação da consciência –
19
dominante ou dominada – é determinada pela gramática social do currículo.
Entendemos que as escolas e universidades, por intermédio do currículo e da
organização do trabalho pedagógico, difundem normas, práticas e valores imersos em
conceitos reificados pela hegemonia política dos campos do saber. Aqui estamos,
justamente, analisando o conceito de corpo no campo da educação, diante das atuais
configurações dos sujeitos, tanto discentes quanto docentes, com suas distintas
diferenças, conjugados no mesmo processo. Observamos o quanto os discursos
educacionais reforçam as mesmas doutrinas de currículos e práticas cotidianas já
denunciadas pelos pesquisadores do próprio campo da educação.
Sobre esse aspecto da percepção do corpo nos discursos educacionais ao longo
de toda a educação formal, observamos não só as práticas mas, também, as imagens
impostas pelos instrumentos pedagógicos na fixação do sentido de corpo. Macedo
(2005) analisa documentos curriculares da disciplina de ciências, sobre a dimensão da
corporeidade na atualidade, criticando o argumento dos livros didáticos onde o corpo é
tratado como objeto de manipulação dos cientistas, fixando-se como algo externo a
esses próprios sujeitos. Essa autora enfoca em sua pesquisa, a forma como o sujeito
humano tem sido construído por esses dispositivos culturais, buscando entender como
eles corporificam estratégias de omissão e marginalização sociais. O primeiro aspecto
que observa é que tanto os PCNs quanto os livros didáticos retiram o corpo dos espaços
culturais que ocupam, e ainda há o “esquartejamento”, onde órgãos e partes do corpo
aparecem isolados e “cheios de vida própria”. Ainda para Macedo, a metáfora mais
marcante da objetivação do corpo é a quantidade de vezes que ele aparece comparado
com máquinas: “Até sua dimensão biológica é reduzida ao mecânico” (MACEDO,
2005, p.134). Também para Haraway, “mais uma forma de pensar o corpo humano
20
como manipulável” (apud, MACEDO, 2005, p. 134). É preciso deixar claro que
estamos falando do conteúdo de ciências enquanto disciplina escolar e não das Ciências
Naturais em geral ou da Biologia. Existe aqui um saber convencionado sobre a
representação do corpo humano que, através de estudos específicos, pode nos aproximar
dos efeitos e das práticas na produção dos conhecimentos científicos sobre os sujeitos.
Silva (2005), em seus estudos sobre corpo e cultura dentro da disciplina de ciências na
educação básica, pontua:
Os materiais didáticos que circulam nos espaços das salas de aula de
ciências na educação básica apresentam imagens de um corpo
fragmentado, em que a sua anatomia e fisiologia, também
fragmentadas, são apresentadas de modo a estarem desconectadas de
outras visões ou versões de corpo, tais como: a idade, o(s)
pertencimento(s) cultural(is), a expressão de desejo e sentimentos, a
geração, a orientação sexual. (SILVA, 2005, p. 145)
Devemos lembrar que o corpo é o suporte da questão da identidade dos sujeitos.
Não podemos mais aceitar a fixação da ideia de que todos nós vivemos nossos corpos
universalmente da mesma maneira. Os currículos de ciências ressaltam nossa condição
de humanos, universalmente idênticos. Essa universalização da identidade humana, se
não problematizada, acaba por tirar do horizonte a discussão das diferenças, das
individualidades.
Referindo-se ao estabelecido binarismo corpo/mente como ainda sendo central
no processo educacional e na produção dos currículos na modernidade, Silva (1995),
nos diz que tanto os corpos discentes quanto os corpos docentes estão submetidos a um
“regime de esquecimento” e isso implica em uma certa negação, um ocultamento do
corpo docente, um processo de descorporificação e desencarnamento. Como resultado
21
desse fato, tem-se um corpo melhor controlado, melhor disciplinado, mais sujeito a ser
moldado como identidade hegemônica, como corpo subalternizado. “Ao ter o corpo
como seu objeto (invisível), o currículo permite torná-lo útil, produtivo, instrumental,
capaz em determinadas direções e para determinados fins” (SILVA, 1995, p.203). Nesse
sentido o currículo é uma das tecnologias de produção e perpetuação desses corpos: “a
moldagem dos corpos, seu disciplinamento é não apenas um dos componentes centrais
do currículo, mas, provavelmente, um de seus efeitos mais duradouros e permanentes”
(Idem, Ibidem).
Para ressignificar a resistência e a emancipação, Lopes e Macedo (2011) nos
fazem a pergunta:
Como teorizar, por sua vez, a possibilidade de o sujeito atuar
imaginando e produzindo uma transformação social, sem
voluntarismos, visões românticas e dependentes de conceitos também
fixos e estruturados como consciência de si e do mundo? ( p. 181).
Diante da temática aqui abordada, poderíamos tomar o professor como um
possível transformador crítico que, por meio de uma conscientização política, seu
domínio e saber corporal, seja capaz de sensibilizar através da dialética dos corpos uma
forma de resistência à opressão estabelecida na vida em sociedade, alfabetizando e
emancipando as novas gerações contra a barbárie. Observamos os espaços concedidos
ao exercício do corpo nos currículos escolares: Educação Física e, algumas poucas
vezes, a Dança. Disciplinas ainda compartimentadas, com pouca carga horária e
questões polêmicas, que dificultam ainda mais o espaço dado ao corpo na educação.
Tomando como foco a formação do professor e as possibilidades da criação de
meios para construir um conhecimento capaz de se opor à opressão social sobre a
22
identidade e corporeidade de cada indivíduo e, dando à linguagem corporal sua
importância na educação atual, empreendemos uma observação sobre o lugar desta
temática nas grades curriculares de tradicionais cursos que formam os professores
atualmente.
Observamos a distribuição curricular das disciplinas que remetem à linguagem
corporal em três cursos de Graduação em Pedagogia em Universidades públicas na
cidade do Rio de Janeiro, lembrando que o pedagogo será responsável, na maioria das
vezes, pelo trabalho corporal com a criança pequena. São elas: a Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UNIRIO). Encontramos apenas uma
disciplina relativa à linguagem corporal em cada grade curricular. Na UFRJ a disciplina
“Linguagem Corporal na Educação” é oferecida no 3º período com uma carga horária
de 45h. Tanto na UERJ quanto na UNIRIO, a disciplina que mais se aproxima possui o
mesmo nome em ambas as instituições, “Corpo e Movimento”, e possui uma carga
horária de 60h, sendo também oferecida no 3º período da graduação.
O espaço dado a essa abordagem, de apenas um semestre, nas três instituições
observadas, nem sempre é uma prática corporal que, em primeiro lugar, sensibilize para
a experiência e, em segundo lugar, conscientize o futuro docente para os impactos dos
diversos vocabulários corporais que a atualidade dos discentes nos traz em nossas salas
de aula regulares. Muitas vezes, a disciplina é de cunho teórico-informativo, voltada
para a psicomotricidade ou jogos lúdicos. Ou mesmo, ressalta o caráter utilitarista e
instrumental de que o saber do corpo está a serviço de aprender “melhor” as disciplinas
hegemônicas, fortalecendo conceitos de como formar alunos com corpos dóceis
(Foucault, 2008), piorando ainda mais as possibilidades de um enfrentamento dentro da
23
realidade. Uma possível abordagem de vivências com recursos de sensibilidade e
criatividade artística que possam propor a experiência estética do e no corpo como a
dança, por exemplo, precisaria de um período maior do que o destinado nos currículos,
para estudos mais completos e aquisição de alguma autonomia e prática metodológica.
Neste ponto, ocorre uma verdadeira luta pela hegemonia do saber do corpo e muitos
fatores complexos entram nessa política curricular, na qual não iremos nos aprofundar
no âmbito desta pesquisa, mas, que serão mais esclarecidos nos capítulos futuros. A
fixação do sentido de corpo, a compreensão da corporeidade e das diferenças nos
currículos, marcada pelo funcionalismo social ou pelo utilitarismo em detrimento do
próprio corpo e sua linguagem requer, de nossa parte, uma crítica em relação aos
conteúdos priorizados na formação docente. Consideramos muito pouco estabelecidas e
engajadas com a atual realidade social dos corpos, que nos reivindicam a todo instante,
a compreensão de suas individualidades, as disciplinas que poderiam formar novos
padrões de compreensão da corporeidade e de sua linguagem. Seria necessário um
espaço de tempo mais longo, que garantisse e priorizasse essa disciplina como
fundamental no pensamento de uma educação atualizada. Essa é uma primeira
constatação, como pode ser vista nessa breve análise; a presença de tais disciplinas nos
cursos de formação de professores é uma temática fundamental que precisaria ser mais
discutida, o que, todavia, não é nosso objeto nesse momento.
Pensar o lugar do corpo na Educação em geral e na escola, em particular, é
inicialmente compreender que o corpo não pode ser reduzido a um instrumento das
práticas educativas e nem tampouco apenas um produto das mídias da indústria cultural.
Ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar são produções de todo sujeito humano que é
corpo. Sabemos que as produções humanas são possíveis pelo fato de sermos corpo. E
24
corpos diferentes, dotados de “técnicas próprias” (MAUSS, 2011) e padrões motores
diversos, com suas variadas formas de ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar e
aprender precisam seguir seus destinos de corpos. Não se trata de incluir o corpo na
Educação. O corpo já está incluído: trata-se agora de promover uma nova e emancipada
visão do corpo.
25
1.2 - CORPO E DOCÊNCIA
(...) há que se acrescentar a influência de antigas referências de
professores como escravos. O intelecto encontrava-se separado da
força física. (...) Este passado distante na história ressurge
permanentemente. (ADORNO)
Muitas profissões exigem do corpo humano um sobre-esforço, mas, há algum
tempo a vida profissional dos docentes vem ocupando uma série de pesquisas nas áreas
das ciências humanas e, sobretudo, na área da saúde. Corpos sofridos se apresentam
como detentores do melhor conhecimento acumulado pela história humana. Como
pode? Qual leitura paradoxal não é frequentemente feita por estudantes diante de tantas
contradições apresentadas como sendo o melhor caminho para o seu sucesso intelectual
(e acadêmico, profissional, político, social)? Ao fazermos a leitura da cena, podemos
imaginar a discrepância entre o que se diz verbalmente e o que se diz corporalmente.
Afinal, qual mensagem será captada? E de que forma aquela informação dicotômica irá
reverberar no aprendiz? Muitos questionamentos fazem parte de um processo dialético
acerca de esclarecimento para revelar-se o óbvio ainda não revelado.
A violência contida nos corpos docentes, muitas vezes, são despistadas por
grandes destrezas realizadas por profissionais que tratam de se adequar, magistralmente,
às sobrecargas da profissão. Porém, são lidas nas entrelinhas dos assuntos que realmente
ficam gravados na memória dos estudantes de todas as idades, pois eles sabem
perfeitamente, reconhecer e até imitar as particularidades, como postura, voz e humor
de seus professores. As evidências de que o magistério tem desgastado sobremaneira os
corpos docentes romperam todas as estatísticas transformando-se, a cada dia, em
números maiores e mais assustadores. As queixas iniciais nos contam acerca de dores
26
localizadas, fadiga, cansaço físico e mental, para depois transformarem-se em
disfunções, distúrbios e lesões crônicas, impedindo, não só a realização do próprio
lecionar, como também da vida diária, causando um mal estar generalizado para esse
indivíduo. A falta de tempo para cuidados pessoais tornam irracionais os esforços feitos
além dos limites físicos individuais e, assim, sem possibilidades de recuperação, as
lesões que podem ocorrer nas sobrecargas, evoluem para possíveis síndromes dolorosas
e crônicas. Geralmente, quando diagnosticadas, já estão em fase aguda, pois, os relatos
diretos sobre o uso indiscriminado de relaxantes musculares e anti-inflamatórios durante
grandes períodos, sem prescrição médica, que mascaram e aliviam provisoriamente as
dores já reincidentes, indicariam que os problemas com a saúde do corpo não vêm
sendo respeitados há algum tempo.
A ocorrência de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
(D.O.R.T.), ou Lesões por Esforços Repetitivos (L.E.R.), corresponde acerca de 43%
das licenças médicas concedidas aos docentes da rede pública de ensino no Brasil,
segundo dados dos sindicatos dos professores no ano de 2013. Dentre as classificações
dessas doenças temos: tendinites, tenossinovites, bursites, epicondilites, miosites,
tenossivites, cervicobraquialgias, síndrome do túnel do carpo entre outras, segundo
informações no site do Sindicato dos Professores. Outro motivo de afastamento das
funções profissionais são as lesões nas cordas vocais, resultante de várias horas de
vibração em alta frequência e correspondem a uma média de 21% das licenças
concedidas. Porém, uma pesquisa concluída pelo Sindicato dos Professores do
Município do Rio de Janeiro (Simpro- Rio), dentre 1.579 docentes entrevistados, 93%
informaram ter ou ter sentido problemas na voz. Índice tão expressivo, não só nessa
pesquisa, mas em outros estados também porque, um dos empenhos atuais dos
27
sindicatos de professores é encaminhar uma proposta ao Ministério da Educação, para
incluir a disciplina Técnica Vocal nos cursos de formação de professores. Os ouvidos,
também sofridos, se ressentem dos sons acima dos limites plausíveis e perdem suas
nuances auditivas, causando não só a surdez como grandes cefaleias. As posturas
inadequadas assumidas ao dar aula causam as Dores Musculoesqueléticas (D.M.E.)
localizadas, em grande parte, na coluna dorsal, pescoço e coluna lombar.
A não consciência corporal do professor os desprotege de qualquer
irracionalidade imposta pelas grandes dificuldades enfrentadas diariamente. Soma-se a
todo o esforço corporal, uma complexa administração de frequentes conflitos entre os
sujeitos envolvidos na instituição escolar: alunos, gestores, famílias, funcionários. Tudo
isso, ainda reforçado por um sistema de ensino extremamente burocrático, onde
planilhas, relatórios, diários, fichas, planos de aula, correção de deveres, ementas, dentre
outros documentos e exigências, nos mostrando que os esgotamentos se intensificam
causando muitos problemas além dos posturais, tais como os psicológicos, a hipertensão
e até a depressão. Neste ponto específico, depressão, debruçam-se as mais atuais
pesquisas sobre o quadro psicológico do professor e o objeto de estudo mais frequente é
a síndrome de burnout6. No Brasil, um dos maiores estudos já feitos sobre o tema é a
pesquisa de Wanderley Codo, da Universidade de Brasília (UnB), ao final da década de
1990, onde apurou informações de mais de 50 mil docentes. Seu trabalho demonstrou
que quase metade dos entrevistados apresentava algum sintoma da síndrome de burnout.
Segundo um breve levantamento nos sindicatos de professores do Rio de Janeiro
6 Burnout – o termo surgiu na Europa na década de 1970 e permitia uma abordagem dos sentimentos,
afetos e da saúde dos trabalhadores no estudo de fatores como a desmotivação, o desgaste emocional e a
sensação de exaustão. Esse tipo específico de estresse ocupacional – que impacta o exercício da profissão
– acaba por se estender para todas as dimensões da vida. O conceito caiu como uma luva na categoria dos
professores, e logo surgiu a ideia de um “mal-estar docente”. Revista Escola Pública, Edição 36, Nov. 2013.
28
(Sinpro - Rio) e de São Paulo (Apeoesp), no ano de 2013, um pouco mais de 41% dos
professores afastados por problemas de saúde, tinham como causa sintomas de
depressão que foram relacionados com a síndrome. Segundo Souza7 (2013):
Entre os profissionais mais sensíveis à síndrome, o professor é a
categoria mais estudada. Movida pelas crenças nas possibilidades de
transformação pela educação, há um descompasso entre as
espectativas profissionais e a impossibilidade de alcançá-las. Da
mesma forma, as perspectivas sociais, familiares e dos dirigentes do
sistema educacional para que os professores tenham um desempenho
que seja capaz de superar as adversidades, sem lhes dar condições
para isso.
Muitos são os estudos sobre as condições psicológicas que perpassam a
profissão docente, no qual não poderemos nos deter no âmbito desta pesquisa, mesmo
reconhecendo que as doenças psíquicas adquirem padrões corporais muito prejudiciais
aos professores que lecionam desta forma, resultando em problemas maiores. Mas, nos
interessam especialmente, como os corpos munidos de seus sentimentos vêm
enfrentando as agressões de todas as ordens, sofridas diariamente pelos professores.
Violências ocorridas em sala de aula, nos corredores e na sociedade. Violência verbal
ou assédio moral (palavras ofensivas direcionadas ao professor), violência moral
(diferenciação entre níveis de ensino) e a violência até mesmo física de alunos contra
docentes. Essas evidências demonstram uma “cultura de barbárie” que não se esgota,
mas acomete diariamente a vida dos envolvidos. As agressões são reflexos de uma
mentalidade reificada que se utiliza da violência como um instrumento legítimo para
resolver conflitos, para não lidar com as diferenças, para disputar discordâncias ou
7 SOUZA, Aparecida Neri de, da Universidade Estadual de Campinas, uma das autoras do estudo
Condições de trabalho e suas repercussões na saúde do professor da educação básica no Brasil. Revista Escola Pública, Edição 36, Nov. 2013.
29
mesmo como resposta à violência que vem do sistema educacional/social/sociedade. Na
história da educação, métodos punitivos e violentos foram usados para “corrigir” tudo
aquilo que era julgado inapropriado ou intolerável. Sendo assim, os estudantes, muitas
vezes, baseados em “estereótipos herdados” (ADORNO, 1995, p. 111), certamente
transmitidos por seus pais, parentes ou histórias ouvidas, nos trazem uma reprodução
dessa lógica social coercitiva, incutida há séculos por mecanismos de dominação e que
atingem, primeiramente, ao professor ali presente, representante de todo um sistema
paradoxal.
Adorno já se preocupava acerca da profissão docente e ao desprezo ofensivo
pelo professor, reunindo uma série de motivações subjetivas da aversão contra o
magistério, em especial as que são inconscientes, e discorre a cerca do conceito de tabu,
no sentido da sedimentação coletiva de representações que possam ter perdido sua base
real, mas que, “conservando-se, porém, com muita tenacidade como preconceitos
psicológicos e sociais, que por sua vez retroagem sobre a realidade convertendo-se em
forças reais” (Idem, Ibidem, p. 98). Ao comparar os limites profissionais de liberdade,
relacionados aos níveis de compreensões da sociedade, Adorno aponta outras profissões
igualmente intelectuais como os juristas e os médicos, por exemplo, que não se
subordinaram àquele tabu arcaico e, portanto, são consideradas livres: “Pode-se
perguntar por que o tabu arcaico, a ambivalência arcaica foram transferidos justamente
aos professores, enquanto outras profissões intelectuais ficaram livres deles” (Idem,
Ibidem, p. 103). Observou o quão profundo encontrava-se essa condição acerca dos
tabus do magistério em candidatos à profissão docente, e apontou uma espécie de
resignação, antes mesmo de começarem suas carreiras, refletindo nisso, não só suas
condições acadêmicas, como também respeito dos lugares sociais que ocupam: “eles
30
sentem seu futuro como professores como uma imposição, a que se curvam apenas por
falta de alternativas” (ADORNO, 1995, p. 97).
Diante de tantas questões e, ainda, um legado histórico tão pesado sobre essa
profissão, como transformar os corpos dos docentes em atualizados e mais emancipados
capazes de reagir, legitimamente, com saúde física e emocional? A valorização
profissional é um papel político do professor, instituído pelo seu próprio corpo, munido
de sua potência e autoconsciência. A ausência de forças físicas e psíquicas prejudicam,
em muito, o exercício dessa autonomia social, da liberdade na qual Adorno apontava
como um dos processos mais arcaicos a serem superados socialmente, que pressupõem
a emancipação dos principais sujeitos da educação: o professor e o aluno, bem como
todo o sistema destinado a eles.
O crescente processo de adoecimento em tantos níveis nos docentes está
diretamente relacionado às políticas de formação de professores que, ainda, não
apresentam atualizações eficazes para o exercício dessa profissão, apesar de tantas
pesquisas realizadas. Para uma conscientização corporal necessária aos enfrentamentos
advindos da profissão, deveríamos ter visivelmente garantidos nos currículos de
formação de professores, as condições de obtenção de um corpo emancipado, isto é,
atualizado, conhecedor de seus limites e potências, bem como esclarecidos de seu tempo
sócio/histórico.
31
2.3 – CORPO E FORMAÇÃO CULTURAL ATRAVÉS DA ARTE
Se não fosse pelo meu temor em ser interpretado equivocadamente
como sentimental, eu diria que para haver formação cultural se requer
amor; e o defeito certamente se refere à capacidade de amar.
(ADORNO)
Como o foco desta pesquisa foram os docentes, o conceito de formação cultural
de professores será aqui abordado tanto por intelectuais filiados à Teoria Crítica, quanto
por autores de referência no campo da Arte/ Educação.
O notável empobrecimento das experiências culturais, iniciado na infância e
perdurado nos ciclos seguintes da educação formal, se revela no raso repertório
acumulado ao longo da formação de um docente que, como num ciclo vicioso, repassa
esse vazio aos futuros discentes. Esse empobrecimento da natureza expressiva, do apuro
estético e do perceptível analfabetismo na Arte se agrava velozmente reificado pelo
fenômeno da alienação, ao contrário do que poderíamos esperar de um mundo
globalizado e munido de meios de comunicação tão rápidos como o pensamento.
Sobre isso, Adorno lançou uma tarefa bastante concreta para as pesquisas
educacionais, a respeito de teoria e prática, a partir da infância:
Seria preciso estudar o que as crianças hoje em dia não conseguem
mais aprender: o indescritível empobrecimento do repertório de
imagens, da riqueza de ‘imagines’ sem a qual elas crescem, o
empobrecimento da linguagem e de toda a expressão (ADORNO,
1995, p. 146)
Ostrower, na década de 1970, constatava esse mesmo empobrecimento apontado
por Adorno, considerando que a criatividade, esse potencial inerente ao homem, há
32
muito fora desintegrado de sua função humana, não restrita somente à arte, mas, num
sentido global, um agir integrado em um viver humano. Relaciona a isso a alienação em
que se encontram os seres humanos, alertando que o estado de consciência dos sujeitos
continua sendo reprimido, manipulado, massificado e enrijecido e que, apesar de toda
uma tecnologia, conhecimentos sobre o mundo e bens materiais, nada altera essa
condição humana, ao contrário, até se agrava a cada dia, alienando-os de si mesmo.
(...) tentamos recuperar certos valores humanísticos, fornecer alguns
elementos para que se enfrente melhor uma época como a nossa, em
que dos sistemas e dos processos dirigidos de massificação só vemos
resultar um condicionamento muito grande para os indivíduos, um
aviltamento e um esmagamento do seu real potencial criador.
(OSTROWER, 2012, p.7)
A proposta de recuperação das potencialidades humanas que se convertem em
“necessidades existenciais”, nas palavras de Ostrower, consiste em desenvolver a
“percepção de si mesmo dentro do agir”, sendo isto um aspecto de extrema importância
e que distingue a criatividade humana. Sobre essa autoconsciência necessária aos
humanos, Adorno informa que o esclarecimento como consciência de si, é condicionado
culturalmente e, nos termos da indústria cultural, limita-se a uma semiformação8 que,
por sua vez, provoca uma regressão dos sentidos, revelando uma total dominação sobre
os sujeitos até mesmo nos aspectos mais subjetivos. Em ambos os autores, a temática do
retorno à experiência como prática autorreflexiva, que possibilitaria romper com as
limitações impostas pelos esquemas do capitalismo tardio de um mundo que não se
8 Termo criado por Adorno que constitui a base social de uma estrutura de dominação, que impõe uma
síntese pelo mercado dominante, uma falsa experiência restrita ao caráter afirmativo, ao que resulta da
satisfação provocada pelos bens culturais. Mas, uma satisfação que trava as possibilidades da experiência formativa provocando uma “regressão dos sentidos”. (ADORNO, 1995, p. 23)
33
humaniza, é o aspecto primordial para uma reconciliação entre o homem (em sua
integridade física, psicológica, espiritual e política) e o mundo.
“Afinal, o que é isto, esta inaptidão à experiência? O que acontece, e o
que, se houver algo, poderia ser feito para reanimação da aptidão a
realizar experiências?” (ADORNO, 1995, p.149)
Com essa pergunta, Adorno pontua o problema da estrutura social que se
interpõe entre aquilo a ser experimentado e aquela camada estereotipada a que é preciso
se opor, para que a educação efetivamente caminhe em direção à emancipação, e essa
problemática não estaria somente relacionada ao colégio ou à universidade, “mas sim ao
conjunto da estrutura educacional, da pre-school-education até a formação para idosos”.
(Idem, Ibidem, p.151). Incluímos aqui, a perspectiva da formação docente direcionada a
uma educação emancipadora, e nossa tentativa de evidenciar que toda experiência
viabiliza-se através do corpo, da ação e do ato reflexivo, como sendo fundamentais para
o sentido mais profundo do que seja a consciência.
Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais.
Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a
experiência é idêntica à educação para a emancipação. (Idem,
Ibidem).
Para Ostrower, a percepção de si mesmo dentro do agir, representaria os modos
de ação mental a dirigir o agir físico, e o ato criador não existiria antes ou fora do ato
intencional:
(...) não haveria condição, fora da intencionalidade, de se avaliar
situações novas ou buscar novas coerências. Em toda criação humana,
34
revelam-se certos critérios que foram elaborados pelo indivíduo
através de escolhas e alternativas (OSTROWER, 2012, p.11).
Mas, a respeito das escolhas e alternativas num mundo massificado, os critérios
devem ser analisados e levados em consideração para qualquer proposta em relação à
formação dos sujeitos, começando pela própria conscientização no âmbito dos critérios
para tal. É bastante conhecida a crítica que Adorno faz ao conceito de modelo ideal
(Leitbild), atentando o momento específico da heteronomia, o momento autoritário, ou
seja, o que é imposto a partir do exterior. “Nele existe algo de usurpatório. É de se
perguntar de onde alguém se considera no direito de decidir a respeito da orientação da
educação dos outros” (ADORNO, 1995, p. 141). Atualmente, a educação de uma
maneira geral, se apresenta em consonância com alguns modelos ideais preestabelecidos
acerca do comportamento no mundo globalizado, reificado pela indústria cultural que
penetra, sem cerimônias, e se difunde, principalmente, através dos meios de
comunicação de massa. Os estereótipos assumidos como valores sociais e padrões a
serem alcançados, definem todo um comportamento social revelado nas atitudes, nos
gostos, nas preferências, na estética, no próprio desejo, nos julgamentos e nas
manifestações destes, através de todos os signos e linguagens: tanto corporais, quanto
verbais. A formação cultural dos sujeitos, tolhida em face aos meios de comunicação de
massa e, mais especificamente, frente à televisão, que tem-se configurado um dos
maiores, talvez o maior, obstáculo a ser transposto na proposta de conscientização para
uma educação para emancipação, tem sido tema de estudo há algumas décadas. Para
Adorno, a incidência da televisão possui um duplo significado, separado em: - uma
função pedagógica, quando diretamente colocada a serviço da formação cultural,
objetivando conteúdos referentes à educação, no sentido de divulgação de informação
de esclarecimento; e - uma outra função formativa ou, em suas palavras, “deformativa”,
35
onde os critérios que sustentam as preferências das pessoas é o modismo e a “falsa”
sensação de autonomia:
(...) compreendo “televisão como ideologia”(...) tentativa de incutir
nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade,
além de, como se costuma dizer tão bem, procurar-se impor às pessoas
um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos,
(...) existe ainda um caráter ideológico formal da televisão, ou seja,
desenvolve-se uma espécie de vício televisivo em que por fim a
televisão, como também outros veículos de comunicação de massa,
converte-se pela sua simples existência no único conteúdo da
consciência, desviando as pessoas por meio da fartura de sua oferta
daquilo que deveria se constituir propriamente como seu objeto e sua
prioridade (ADORNO, 1995, p. 80).
A partir de tal impacto social imposto e convertido em “vício”, o sujeito já não
consegue evitar o consenso da opinião pública e se submete aos efeitos de uma
subjetividade socializada. Os comprometimentos desencadeados por esse fator
característico da semiformação, anunciada por Adorno, são muitos, além da falta de
consciência de si e da regressão dos sentidos, que requerem nossa atenção quanto à
sistemática violência “invisivelmente” imposta aos indivíduos cotidianamente. Esses
são, também, mecanismos de perpetuação da barbárie desde a infância, quando das
simplificações das atitudes de extrema violência são apresentadas sob a forma de um
padrão estético comum em tempos neoliberais, através de desenhos animados, e assim
sucessivamente em toda a programação até as telenovelas, talk shows, filmes,
propagandas, séries e reportagens. Adultos e crianças realizam comportamentos
sistematizados por esses conceitos de coisificação dos sujeitos, dos sentimentos e de
36
seus corpos e que são veiculados, transmitidos e incorporados pelos mais remotos
cantos do planeta com extrema aceitabilidade e acordança.
Nessa medida quero lembrar a relação perturbada e patogênica com o
corpo que Horkheimer e eu descrevemos na Dialética do
Esclarecimento. Em cada situação em que a consciência é mutilada,
isso se reflete sobre o corpo e a esfera corporal de uma formação não-
livre e que é propícia à violência. Basta prestar atenção em um certo
tipo de pessoa inculta como até mesmo a sua linguagem –
principalmente quando algo é criticado ou exigido – se torna
ameaçadora, como se os gestos da fala fossem de uma violência
corporal quase incontrolada. (ADORNO, 1995, p.126 e 127).
Para os atores do campo da educação, lidar criticamente com esse fenômeno
requer acuidade reflexiva sistemática, dado que todos os envolvidos sofrem do mesmo
mal. A proposta de Adorno e de Ostrower na recuperação da experiência formativa,
evidencia o fato de que o processo de conscientização se desenvolve junto ao processo
de promoção da espontaneidade, da criatividade, da originalidade e, portanto, promotora
fundamental de esclarecimento.
A constituição da aptidão à experiência consistiria essencialmente na
conscientização e, desta forma, na dissolução desses mecanismos de
repressão e dessas formações reativas que deformam nas próprias
pessoas sua aptidão à experiência. (Idem, Ibidem, p. 150).
Ostrower desejava acionar uma “mobilização latente seletiva” (2012, p.10) na
reeducação da integralidade do humano, lembrando que a consciência e a sensibilidade
fazem parte de uma herança biológica inata desde os “homínidas”, e que a cultura
representa o desenvolvimento social do homem. Com esses conceitos, define o homem
como “Ser consciente-sensível-cultural” (Idem, Ibidem, p. 11) e propõe a experiência
37
com a arte como canal potente para recuperar esses valores humanos primordiais,
capacitando os sujeitos contra a opressão social alienante e, fundamentalmente,
resguardando o processo de criação: fator de extrema realização e constante
transformação humana.
A experiência vivida se dá no corpo e este, produto de uma sociedade de
consumo norteada por modismos e conceitos alienados, marcado pela presença
onipotente da barbárie social, apresenta, atualmente, grandes barreiras no processo de
sua integridade e libertação. Como se dá a formação cultural através do corpo? Que
conceitos devem ser superados e quais devem ser incorporados? Num sistema
educacional onde não se privilegia o processo de cognição aferido pelo corpo, este se
subalternaliza e converte-se em “obediente instrumento da ordem vigente” (ADORNO,
1995, p. 159).
A observação dos movimentos corporais se dá desde o nosso nascimento como
fator alfabetizante no mundo de códigos e signos físicos em que vivemos. Porém, a
apreciação estética dos gestos, os fenômenos de representação e as ordenações de cunho
expressivo das ideias artísticas, precisam ser gradativamente introduzidos no referencial
de cultura corporal humana. A indústria cultural se ocupa de representações e
estereótipos a respeito de comportamentos e modismos em relação ao que poderíamos
chamar de “artes do corpo” e suas múltiplas expressões. Desde a manifestação mais
popular até a mais erudita, todas têm o corpo como mediador das intenções. A
transformação dessas formas de expressão em meros produtos da indústria cultural
constitui grandes debates acerca da distinção entre arte e mercadoria, assunto no qual
não nos deteremos no âmbito desta pesquisa, mas que nos demonstram as diferenças
entre comportamentos reificados e os possuidores de autonomia, criatividade e
38
legitimidade. Vaz e Mwewa (2008) discorrem sobre corpo e indústria cultural para falar
da capoeira como uma das mais importantes pedagogias dos corpos brasileiros.
Como se sabe, a globalização cultural tem como contra-face uma série
de mecanismos de exclusão econômica. Paradoxalmente, o crescente
isolamento e empobrecimento das populações de diversos países – que
faz com que coexistam vários “primeiros” e “terceiros mundos”
convivendo lado a lado – inclui uma parte da população nas esferas do
trabalho, e, como conquista e concessão, ela alcança a possibilidade
do tempo livre. As atividades culturais-corporais muitas vezes
funcionam como uma válvula de escape, como tentativas de amenizar
as tensões adquiridas cotidianamente no trabalho. Em uma realidade
na qual tudo tende a transformar-se em mercadoria, os bens culturais
não poderiam ter melhor sorte. (VAZ e MWEWA, 2008).
Podemos aferir esse conceito também no caso da dança, tanto as de origem
popular quanto as variações culturais de estilos. Em ambos os casos, tanto da dança
quanto da capoeira, encontramos o processo de aceitação dos clichês corporais, que
propiciam a não fluência do pensamento crítico, o não reconhecimento da autonomia
das linguagens do movimento corporal humano como um saber construído
historicamente e, muitas vezes, um patrimônio cultural imaterial da cultura mundial.
Brincadeiras e jogos motores populares, juntamente com as lutas, ginásticas, esportes,
manifestações culturais variadas, formas de alimentação, higiene, técnicas de trabalho e
cuidados corporais, também fazem parte da cultura corporal a que estamos imersos,
porém, sobre a formação cultural corporal, devemos apreciar todas as manifestações
artísticas de representação feitas pelo corpo humano. A dança, para alguns estudiosos, é
a manifestação mais antiga das artes, por se valer apenas do próprio corpo como
39
instrumento de seus intentos criativos. O corpo é o primeiro suporte para a manifestação
da arte e o veículo primordial para a manifestação de todas as linguagens artísticas.
A formação cultural dos sujeitos, em sua multiplicidade de possibilidades,
precisa necessariamente, da sensibilização dos sentidos, das experiências práticas
envolvendo todas as formas de expressão do corpo, dos gestos harmônicos, seja da
fluência de um pincel, ou nos toques precisos das teclas de um piano, nos giros de um
bailarino ou nas cambalhotas de um circense, sejam quais forem suas vias de expressão,
precisam ser vivenciadas, apreciadas, questionadas, para que possamos desenvolver as
relações entre alteridade, espaço, tempo e as muitas formas de interação com obras de
arte, buscando não fragmentar os sujeitos em corpo e mente.
Para Nogueira (2008), no caso específico da formação cultural do professor, é
desejável que ele consiga, ao longo de sua vida profissional, um contato com o mundo
da cultura de forma intensa e diferenciada e também nos faz uma pergunta: “Um
professor assim formado teria condições de exercer uma prática docente melhor, que
possibilite também o enriquecimento cultural de seus alunos?” ( p.38). Continuando seu
discurso, num primeiro momento, as sugestões mais simples para se conseguir manter
uma frequência na formação cultural seriam: desde ir ao cinema, teatro ou shows, até
mesmo ler um livro literário dentre outras atividades, mas que essas experiências
enriquecessem e ampliassem seus próprios referenciais estéticos e promovessem novos
conceitos expandindo suas visões de mundo. E num segundo momento, resguardar o
direito a essas experiências através dos próprios currículos de formação docente, o que
notou-se muito complexo, prevendo que tornaria o programa muito extenso e passível
de novas exigências a cada época, capaz de se perder em fragmentações. Mas, que isso
mesmo que minimamente mantido, fosse pelo menos um incentivo ao futuro docente,
40
da necessidade desse hábito para sua vida pessoal e profissional. O resultado dos
argumentos e pesquisas de Nogueira (2008), nos revela que em várias instâncias sociais,
existem assustadores dados de um profundo “desconhecimento sobre a importância do
papel da cultura na vida de qualquer indivíduo, sobretudo na daquele que se dedica à
formação de outras pessoas” (p. 41). Outro ponto definidor dessa problemática é o
“gosto”, campo fértil para reflexão neste assunto. O que dizer sobre o gosto massificado
e dominado pela indústria cultural? As preferências individuais acabam sendo as mais
veiculadas pela mídia e nem sempre, ou quase nunca, isso significaria a opção por uma
obra de arte.
Os docentes, contra uma massificação paralisante do uso pedagógico do corpo,
ou dos absurdos abusos relativos à sexualização dos corpos, precisariam desenvolver
uma consciência crítica sobre os conteúdos acerca dessa cultura de corpo e movimento
veiculada pela mídia. Suas formações deveriam incluir experiências corporais artísticas
e sensibilizadoras, capazes de fortalecer seus sentidos e seu senso crítico contra um
realismo supervalorizado que desvirtua os limites entre arte e mercadoria, capacitando-
os para fruição e para autonomia do uso das expressões artísticas corporais, fora dos
padrões condicionantes e alienadores impostos pela “indústria corporal das massas”.
Diante da necessidade de conscientização dos corpos, não só para o exercício do
esclarecimento, como também para expressão dos sentimentos de afeto e de amor
necessários para o ato de lecionar, como citado por Adorno na epígrafe deste capítulo, a
dança vem exercendo importante papel na educação contra a violência naturalizada
socialmente, que incide sobre os corpos. No sentido proposto por Laban (1990), a dança
traz em sua prática a possibilidade de fomentar a expressão artística no âmbito da arte
primária do movimento em dois sentidos: fruir criatividade e afetividade e cultivar a
41
capacidade de tomar parte na expressão coletiva das tradições corporais da história da
humanidade. Para Vianna (1990), é por meio dos movimentos que nós nos tornamos
conscientes de nós mesmos, do nosso corpo e dos estados internos que expressamos ao
nos movermos.
Mas, se a dança é um modo de existir, cada um de nós possui a sua
dança e o seu movimento, original, singular e diferenciado, e é a partir
daí que essa dança e esse movimento evoluem para uma forma de
expressão em que a busca da individualidade possa ser entendida pela
coletividade humana. (VIANNA, 1990, p. 88)
As propostas atuais de experiência vivida no corpo, que respeitem seu tempo
orgânico, ou seja, o mais naturalmente compreensível para a construção de um saber
sobre nós mesmos, têm sido frequentemente suprimidas diante do imperativo da vida
moderna. A superficialidade regida pela lógica do prazer imediato, do consumo e da
produtividade que a indústria cultural exerce em nossa percepção, desorienta nossa
construção de uma consciência acerca do presente. O tempo atual é o da velocidade e a
pressa premente estabelecida como padrão de sucesso, produtividade e competência, se
reflete nos corpos automatizados, que os faz viver um vazio de si mesmos, aumentando
essa carência extrema, querendo obter mais e mais bens de consumo, que preencham o
sentimento de “insuficiência”. Uma compreensão e uma consciência de si ficam
prejudicadas e a percepção disso no outro, igualmente comprometida. Um processo de
consciência, ao contrário do que nos exige a urgência da contemporaneidade, subjaz um
tempo fecundo, destinado a desvelar formas de esclarecimento do tempo presente, nos
possibilitando através da experiência, meios possíveis de superação das ameaças e dos
perigos de uma vida vazia de significações consistentes para os sujeitos e seus pares.
42
A consciência do movimento e a dança fazem parte de um processo
educacional que desenvolve a criatividade, a comunicação e a alegria
num percurso dinâmico, ao longo de toda a vida. (A. VIANNA, Apud,
CALAZANS, CASTILHO e GOMES, 2003, p. 9)
Para além dos períodos de formação dos sujeitos, a necessidade da relação com a
arte encontra-se ameaçada não só pela indústria cultural, como pela política cultural que
não apresenta oportunidade para nada que não seja por ela mesma sancionada de
antemão. Essa problemática, relacionada às expressões artísticas do corpo, que supõem
percepções estéticas sobre gesto e movimento construídas e apuradas pela história das
artes cênicas, encontra-se, nas últimas décadas, imbricada ainda numa atualidade crítica
na relação dos sujeitos com seus próprios corpos, assunto que discorreremos no
próximo capítulo.
43
1.3 – CORPO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
O amor-ódio pelo corpo impregna toda a cultura moderna. O corpo se
vê de novo escarnecido e repelido como algo inferior e escravizado, e,
ao mesmo tempo, desejado como o proibido, reificado, alienado. É só
a cultura que conhece o corpo como coisa que se pode possuir;
(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.191)
Na atual sociedade, o debate sobre o papel de destaque dado ao corpo-
objeto tem influenciado sobremaneira a formação de crianças e jovens, implicando em
problemas sociais muito graves, além da disseminação permanente de todo tipo de
preconceito. A incidência dessas distorcidas concepções massificadas atinge cidadãos
de todas as classes sociais e, nesta pesquisa, estão diretamente relacionadas às propostas
de redirecionamento da percepção do corpo e de sua linguagem dentro do campo da
educação.
O corpo humano tornou-se hipervalorizado e ao mesmo tempo descartável,
construído a partir de padrões de extremo consumo da indústria cultural e moldado
conforme a ideologia social vigente ou, nas palavras de Adorno, um modelo ideal. É
percebido que o real sentido da existência não é mais apenas ser, com suas
particularidades e diferenças: isso é adulterado e se resume ao ter, aparecer e consumir.
Segundo Silva (2012), o mais importante e necessário é alcançar o reconhecimento
diante dos outros: “(...) ser reconhecido significa ser percebido, para tanto é preciso
portar no corpo as marcas do sucesso, adotar um estilo de vida” (2012, p. 59). Faz-se
evidente, em nossa contemporaneidade, essa busca pelo modelo ideal de corpos,
comportamentos e aparências, produtos de uma indústria cultural, onde o maior
consumo incide justamente no corpo, na apresentação de uma autoimagem coerente
44
com esse idealismo efêmero, trazendo uma imediata impressão de pertencimento social
e cultural, porém, causando uma superficialização e uma alienação das identidades. A
apresentação de uma autoimagem “coisificada” prevalece sobre uma concepção moral.
Para Türcke (2010), a respeito do comportamento esperado dentro dessa irracionalidade
seria, “(...) quem não chama a atenção constantemente para si, quem não causa uma
sensação corre o risco de não ser percebido” (2010, p. 37). A ideologia dominante da
atualidade preconiza que o sucesso, a aparência, o rendimento, a produtividade e o lucro
estão acima de tudo, agora sendo o corpo, o próprio produto do consumo. O culto ao
corpo não é opção, mas imposição social e, com isso, as diferenças aumentam
demasiadamente.
Segundo Le Breton (2012), a apologia ao corpo, numa sociedade individualista,
obscurece as referências conhecidas causando uma crise de significação e de valores
que abala a modernidade. Nesse sentido,
Um mercado em pleno crescimento renova permanentemente as
marcas que visam a manutenção e a valorização da aparência sob os
auspícios da sedução ou da “comunicação”. Roupas, cosméticos,
práticas esportivas, etc., formam uma constelação de produtos
desejados destinados a fornecer a “morada” na qual o ator social toma
conta do que demonstra dele mesmo como se fosse um cartão de
visitas vivo. (2012, p. 78)
Adultos, crianças e principalmente os jovens se moldam às convenções desse
fluxo irrefletido de controle social, corporal e comportamental imposto por uma cultura
de extremo consumo e superficialidades, muitas vezes, inadequados para as idades,
perversos e violentos aos próprios corpos, atribuindo-lhes valores difusos, provisórios,
questionáveis e preconceituosos. Essa cultura, que beneficia um status do corpo e um
45
imediatismo das sensações de pertencimento e adequação, em detrimento da moral dos
sentimentos, privilegia o sucesso na aparência física, expondo os indivíduos ao olhar e
ao julgamento dos outros de acordo com um estereótipo, abandonando definitivamente
a possibilidade de um compromisso de formação e amadurecimento pessoal. Para Maia
(2010), tais estereótipos presentes, hoje, na educação formal e não formal, contribuem
significativamente, para a disseminação do preconceito, principalmente pela
possibilidade de exclusão que ameaça a todos os que não se adaptam:
Os corpos ideais que aparecem na indústria cultural fornecem um
padrão rígido que amálgama diversas dimensões (estética, moral e
psicológica). Cria-se uma “beleza empírica” sem substância e sem
conceito. Supõe-se um bem, uma finalidade para as ações humanas e
um conjunto de virtudes e vícios associados e, finalmente, supõe-se
que aqueles que não têm um corpo ideal sofrem, assim como se supõe
naqueles que se aproximam do ideal o gozo de participar dele.
(MAIA, 2010, p.28)
O problema da irracionalidade social nos apresenta grandes desafios e,
especificamente em relação à educação dos corpos, pressupõe-nos esse risco imanente
de comportamentos também irracionais diante da consciência de seus próprios corpos
possuidores de múltiplas diferenças sociais, de classes, de raças e de gênero. Atentamos
com isso para reificação do preconceito que, nas reflexões de Maia, é um dos sintomas
que a educação “produz nos sujeitos em condições de alienação; aquilo que deveria
servir à liberdade – o processo de apreensão do conhecimento – acaba por resultar na
servidão” (Idem, Ibidem p. 22). Maia constata que, no contexto atual, não há um
conjunto positivo de valores consensuais que possam ser utilizados para orientar a
formação que se oferece aos educandos, em vista de “crises” como a epistemológica, a
46
estética e a ética, e aponta a intolerância como consequência de um ideal social abstrato
de que todos sejam iguais e que, como sequência dessa regressão, as marcas desiguais,
vergonhosas, são fadadas a serem eliminadas.
O condicionamento do corpo na escola (reprimido, superdirecionado, de
preferência imóvel para não dar trabalho ao adulto), é até hoje reconhecido como padrão
de bom comportamento. No entanto, testemunhamos o contrário disso há décadas nas
classes regulares, trazendo-nos corpos precocemente erotizados, portadores de todos os
estereótipos, explosivos, preconceituosos e violentos como que preparados para um
embate mortal, uma sobrevivência em tempos de grandes ameaças, fazendo com que
haja, cada vez mais, uma urgência na revisão das políticas e práticas educacionais.
Reificando os padrões vigentes e imutáveis das relações preconceituosas, autoritárias e
instrumentais que ainda dominam os argumentos e as práticas educacionais, apenas
segregamos, ainda mais, nossos discentes que, ao darem curso às suas vidas, levam as
marcas de todas as experiências vividas com ou sem sofrimento. As condições atuais de
possibilidades de uma educação para emancipação, como a proposta por Adorno, se
depara, frequentemente, com o não espaço de questionamento na própria ação de
transmissão de conteúdos e conceitos, favorecendo a “semiformação” socializada. Maia
aponta para os próprios materiais didáticos, oferecidos como produtos sempre mais e
mais atraentes:
A escola, convertida em indústria educacional, tem acompanhado a
indústria cultural, privilegiando a didática aos conteúdos, e
entendendo-a como um conjunto de procedimentos destinados à
facilitação e à racionalização dos processos de aprendizagem (2010, p.
24)
47
Ainda para Maia (2010), o conhecimento, aos olhos da indústria educacional é
adquirido apenas de maneira funcional, sem profundidade, de forma rápida e palatável,
como um produto que rapidamente é trocado por outro. Os efeitos dessa lógica
desautorizam, ainda mais, o professor ali presente, detentor de conhecimentos que são
considerados efêmeros, superficiais e até inúteis. Está posta a cultura geral das
superficialidades em todas as camadas sociais.
Adorno (1995) ressalta o duplo caráter da cultura: o da autonomia e o da
adaptação e nos lembra que, diante de tão forte pressão exercida pela indústria cultural,
teríamos nós educadores a tarefa de fortalecer os mecanismos de conscientização,
autonomia e busca da emancipação dos sujeitos em todas as etapas sociais. “A exigência
de emancipação parece ser evidente numa democracia” (1995, p. 169):
A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de
adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo.
Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisso, produzindo
nada além de well adjusted people, pessoas bem ajustadas, em
consequência do que a situação existente se impõe precisamente no
que tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de
educação para a consciência e para a racionalidade uma ambiguidade.
(ADORNO, 1995, p.143)
Podemos aferir nessa ambiguidade o próprio caráter esclarecedor, onde a
proposta de educação por meio da experiência e do olhar crítico, fortaleça a consciência
e a atitude consciente e, justamente, por reconhecer e poder valorar o que se difere do
senso comum, possa-se alcançar a emancipação dos sujeitos. Muitas poderiam ser as
formas de diferir da indústria cultural e, uma delas, seria uma nova compreensão da
sensibilidade, da profundidade e da linguagem do corpo.
48
CAPÍTULO 2 : LINGUAGEM CORPORAL E SUAS INTERFACES
Neste capítulo, serão abordados conceitos acerca do termo Linguagem Corporal,
sua qualificação científica, seus desdobramentos sociais e sua função no campo da
educação. Para tal, recorreremos aos estudos específicos das expressões corporais nas
ciências humanas e suas interfaces com a cultura, com a Arte e com a educação por
meio de autores da Sociologia, da Ciência da Arte e da Arte/Educação. Finalizamos
com uma reflexão sobre os atuais desafios de um docente e as possibilidades de transpor
barreiras a partir de uma nova visão do corpo.
2.1: LINGUAGEM CORPORAL E OUTROS CAMPOS
CIENTÍFICOS
(...) pois o corpo é o único capaz de nos instruir sobre o valor de nossa
personalidade profunda. (...) A metáfora é talvez a verdade da
linguagem, e essa linguagem é talvez o corpo. Mas, como dizer o
corpo, como dizer o indizível do corpo? Criando uma nova linguagem.
(NIETZSCHE)
A linguagem corporal tem sua interpretação mais popularmente reconhecida,
identificando-a, simplesmente, como uma forma de comunicação não verbal. Muitas
disciplinas científicas se dedicam aos estudos das linguagens do homem partindo de
pressupostos distintos. Contribuem para esses estudos, além da Biologia, a Filosofia, a
Antropologia e a Sociologia, matérias como a Cinesiologia, a Paralinguagem, a
Programação Neuro Linguística (PNL), a Neurociência, a Psicologia, a Proxêmica, a
49
Oratória, além da Semiótica e sua visão a partir da complexidade. Apresento a seguir
um breve mapeamento dos diferentes campos acerca do conceito de linguagem corporal.
Séculos de discussão e de definições concluíram que a linguagem, como
capacidade de expressão dos seres humanos, é uma conquista evolutiva, isto é, os
humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral, que lhes
permite expressarem-se amplamente por meio dos gestos, das palavras e das expressões
de todo o seu corpo frente às diversidades impostas por seu contexto ambiental e social.
O cenário onde conhecimento e criação são elaborados tem como centro o
cérebro humano e a Biologia explica-nos com clareza a evolução dessa aparelhagem
complexa. Pelas pesquisas de Paul MacLean (VIEIRA, 2006, p.67), define-se o modelo
do “cérebro triúnico”, expondo a evolução cerebral, ao longo de bilhões de anos, em
três etapas básicas. A primeira seria o chamado complexo reptílico ou paleoencéfalo,
com o hipotálamo - origem da agressividade, das pulsões primárias, da demarcação
territorial, cuja principal função é permitir formas básicas de permanência como
reprodução, exploração e autonomia num certo nicho ecológico. Na segunda etapa
temos o complexo límbico ou mesencéfalo, fonte básica de emoções, sentimentos e da
percepção e preocupação com o outro, (herança do cérebro dos antigos mamíferos). E o
terceiro subcérebro é o complexo do neocórtex, a última etapa da nossa evolução
cerebral, fonte de nossa racionalidade, da linguagem articulada e da lógica, é a sede das
aptidões analíticas, lógicas, estratégicas, que permitem ao homem abrir-se para o mundo
físico e social (Idem, Ibidem p.68). Atualmente, a leitura de MacLean do cérebro
triúnico não se sustenta mais diante das evoluções da neurociência, mas, Morin (2002)
diz que essa versão complexa é interessante porque revela uma herança animal
ultrapassada, mas não abolida. Para uma análise relacionada com uma proposta de
50
exercícios em que se pratique a linguagem corporal, mostra-se muito reveladora das
pulsões do corpo em sua língua própria: razão/afetividade/pulsão (fonte da vontade).
As relações entre as três instâncias são não apenas complementares,
mas também antagônicas, comportando conflitos bem conhecidos
entre a pulsão, o coração e a razão; correlativamente a relação triúnica
não obedece à hierarquia razão/afetividade/pulsão; há uma relação
instável, permutante, rotativa entre estas três instâncias. A
racionalidade não dispõe, portanto, de poder supremo. É uma instância
concorrente e antagônica às outras instâncias de uma tríade
inseparável, e é frágil: pode ser dominada, submersa ou mesmo
escravizada pela afetividade ou pela pulsão. (MORIN, 2002, p. 53)
Assim emerge outra face da complexidade do homem, que integra os princípios
das necessidades mais básicas das expressões humanas, como a animalidade (mamífero
e réptil) na humanidade e a humanidade na animalidade. Morin acredita que o século
XXI deverá abandonar a visão unilateral que definiu o ser humano: pela racionalidade
(Homo sapiens), pela técnica (Homo faber), pelas atividades utilitárias (Homo
economicus), pelas necessidades obrigatórias (Homo prosaicus).
O ser humano é complexo e traz em si, de modo bipolarizado,
caracteres antagonistas: Sapiens e demens (sábio e louco); faber e
ludens (trabalhador e lúdico); empiricus e imaginarius (empírico e
imaginário); economicus e consumans (econômico e consumista);
prosaicus e poeticus (prosaico e poético). O homem da racionalidade é
também o da afetividade, do mito e do delírio (demens). O homem do
trabalho é também o homem do jogo (ludens). O homem empírico é
também o homem imaginário (imaginarius). O homem da economia é
também o do consumismo (consumans). O homem prosaico é também
51
o da poesia, isto é, do fervor, da participação, do amor, do êxtase.
(MORIN, 2002, p.58)
Em qualquer estudo que nos propusermos a fazer a respeito do movimento
humano, devemos considerar a ação da massa do corpo e da gravidade, no tempo-
espaço em que se dá a vida e a complexidade em que se situa esse corpo.
Para cada passo que o homem dá durante a vida é imprescindível o
suporte físico-químico-biológico que lhe dá sustentação, sendo este
suporte o que o capacita como ser biológico e que potencializa seus
possíveis voos. E é a cultura, primeiro na forma do grupo familiar e
depois no grupo social, que possibilita a formação da identidade do
novo ser neste grupo e que vai possibilitar, em seus primeiros anos de
vida, o desenvolvimento de habilidades essenciais para a
sobrevivência do ser adulto. O biológico permite a vida; a cultura
possibilita a transcendência. O biológico garante herdeiros; a cultura
possibilita a eternidade. Enfim ambos permitem o desenvolvimento
neocortical dentro da mesma caixa craniana que encerra a história
reptiliana e límbica dos tempos paleolíticos. (CAMPELO, 1996, p.44)
Na Filosofia, o estudo da complexidade do corpo e de seus textos evidenciou
revolucionários pensamentos, abrindo potentes precedentes na proposta de reintegração
do corpo na história do homem. Como pontuou Nietzsche: “(...) não nos fatigamos de
nos maravilhar com a ideia de que o corpo humano tornou-se possível. (...) espantamo-
nos diante da consciência, mas o que surpreende, é acima de tudo o corpo” (2008, p.
498).
Também Artaud, o “artesão do corpo sem órgãos”, dramaturgo com
contribuições na Filosofia e na Arte, problematizou a linguagem corporal:
52
É o ato que forma o pensamento. Visto que há signos no pensamento,
o inconsciente aparece ora como uma espécie de parasemiótica pré-
verbal, ora como o domínio dos signos que trespassam o corpo. O
inconsciente emerge, pois, de um certo modo, como uma linguagem,
ou como uma escrita da carne na qual a língua se funde ao mesmo
tempo em que se oculta.(Apud, LINS, 2002, p. 70)
Tomando como foco a criação de meios para ampliarmos o conhecimento dessa
“nova linguagem”, podemos observar e interpretar vários textos no conjunto de signos
das ações do corpo vivo do homem.
Segundo o semioticista russo Iuri Lotman (Apud, CAMPELO,1996, p. 15), texto
é “uma mensagem distinta que é claramente percebida como sendo diferente de um não-
texto e de um outro texto (...), linguagem é ao mesmo tempo um sistema de
comunicação e um sistema modelizante.” Por meio das linguagens, diferimos a unidade
mínima da comunicação que é o signo e, o texto vem a ser a unidade mínima da
cultura. Assim, percebemos ser importante analisar a linguagem corporal em seu
contexto cultural, histórico, geográfico e político e, desse ângulo, analisarmos também o
campo social e seus conflitos. Sabemos que a identidade cultural do indivíduo está
inscrita em seu corpo: “o de um indivíduo é o depositário da cultura de que participa
este indivíduo, portanto, o corpo é depositário de informação, sendo assim, um texto de
muitos subtextos” (CAMPELO, 1996, p.16).
A cultura é uma das formas que o homem encontrou de organizar os textos
inscritos na transcendência dos corpos em seu tempo e em seu espaço. São índices que
possuem uma dimensão de alta complexidade nos processos evolutivos da humanidade.
Enquanto linguagem, podemos analisar que ao se criar um sistema eficiente na
comunicação humana, percebemos os vários sistemas e subsistemas que se relacionam
53
para que efetivamente haja “coesão e coerência entre os signos” (VIEIRA, 2006, p.91).
A coesão nos faz identificar a língua e a coerência nos revela sua eficiência
organizacional. Assim também se processará no corpo e na qualidade desse texto vivo,
sua coesão sintática e sua coerência semântica.
A linguagem verbal nasce através da linguagem do corpo. Nasce das
necessidades fisiológicas como fome, sede e abrigo. Nasce das expressões das emoções
trazendo o grito, o choro, o riso aos códigos do cotidiano. Como por imitação dos
gestos, como pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um sentido.
Representações sonoras imitativas dos sons da natureza (animais, rios, trovão, vento,
mar etc), ou seja, a linguagem nasce como uma onomatopeia das pulsões humanas, de
suas necessidades, numa relação constante com o seu meio e com o seu próprio corpo.
O corpo do homem é o palco da ação do desejo deste corpo. A
princípio, toda manifestação do desejo se dá por fenômenos
vegetativos, fenômenos simpáticos e parasimpáticos, que integram o
sistema nervoso autônomo que enerva os músculos lisos. Os
movimentos que ocorrem no sistema autônomo (músculos lisos)
atuam sinergeticamente com os músculos estriados. Portanto, a
manifestação do desejo e a manifestação das emoções são sempre
manifestações musculares: textos reveladores da história do corpo.
(CAMPELO, 1996, p.66).
Muitas informações emanam desse corpo vivo, não apenas com os gestos mas,
em seu próprio uso, como um instrumento técnico, como destacou Mauss (1872-1950),
um dos primeiros autores, senão o primeiro, a estabelecer os parâmetros teórico-
metodológicos do que hoje denominamos “sociologia do corpo”. O conceito de
“técnicas do corpo” é proferido por Mauss numa conferência em 1934 na Sociedade de
54
Psicologia, e publicada no Journal de Psychologie em 1936, onde ele tenta
desnaturalizar um objeto que é excessivamente familiar para todos os seres humanos,
“na medida em que os encarna e com eles se confunde – o corpo” (FERREIRA, 2009).
Assim, propõe então o conceito de “técnica corporal” no sentido de dar conta das
diferentes formas como os homens, de sociedade para sociedade, sabem
tradicionalmente “servir-se de seus corpos” (MAUSS, 2011). Esse conceito, “técnicas
do corpo”, permite revelar-nos os meios como esse instrumento vivo que é
simultaneamente físico, mecânico e químico, é adaptado e se adapta ao contexto e no
contexto social em que se vive.
Todos cometemos, e eu cometi durante muitos anos, o erro
fundamental de só considerar que há técnica quando há instrumento.
Era preciso voltar a noções antigas, aos dados platônicos sobre a
técnica, quando Platão falava de uma técnica da música e em
particular da dança, e estender essa noção. (MAUSS, 2011, p. 407)
Chauí (2001) nos lembra que na Antiguidade a palavra técnica (techné)
correspondia à arte, significando habilidade, destreza, agilidade, instrumento, ofício.
Técnica, como extensão do homem para se relacionar com a natureza, e que junto com a
política impulsionam a realização humana. Sobre essa realização,
O corpo, ou a corporeidade, como alguns lhe chamaram para
justamente desencarná-lo, apresenta-se na forma de estrutura textual,
de sistema que “fala” na gestualidade que lhe é impressa, nas emoções
que expressa, nas técnicas que mobiliza, nas aparências que manifesta.
(...) Tal como sucede com a própria linguagem verbal, também a
“linguagem do corpo” se multiplica culturalmente, em diversas
línguas corporais. (FERREIRA, 2009)
55
É nessa multiplicidade cultural, nesse contexto de muitos textos, que ocorre a
intertextualidade geradora de intersemiose9, onde o trabalho ou a função que o corpo
exerce se realiza através da Arte, e onde o fazer artístico e a própria obra de arte são
uma ação do coletivo partilhado e sua complexidade sistêmica.
O domínio da Arte é o domínio da intersemiose. A obra de arte é uma
emergência sistêmica que envolve vários níveis de textualidade, que
envolve a confluência de vários textos- diversos subsistemas sígnicos,
de naturezas muitas vezes bastante diversificadas, partilham um
mesmo espaço histórico, através de conectividade e coesão e cada um
exibindo propriedades ou funções partilhadas, funções essas que só
ganham sentido na coerência do todo sistêmico. (VIEIRA, 2006)
Nas manifestações culturais, populares ou não, a diversidade de textos nas suas
composições é bastante comum e eficaz, por exemplo: um auto popular envolve o
sistema formado pelos dançarinos, aquele formado pela coreografia, aquele formado
pela música, aquele formado pelo figurino. Cada um desses textos exige uma
organização interna coerente com o todo sistêmico e um vocabulário possível para que
se faça essa leitura intertextual.
Quando Rudolf Laban se refere à memória primitiva que teríamos do espaço e
em como os movimentos e a harmonia do corpo em dança refletem essa espacialidade,
ele está tratando da interação, real, que conecta o sistema vivo e seu meio ambiente.
Laban (1990) nos conta que na era pré-industrial de nossa civilização, os artesãos e os
camponeses possuíam uma vida de intenso movimento. Em cada um de seus trabalhos,
o corpo todo estava ocupado em suas múltiplas tarefas distintas. Tinham que pensar em
todo o processo porque cada um era o organizador de seu próprio ofício. A obtenção da
9 Termo que define a tradução de alfabetos diferentes; fazer um mapa entre os dois sistemas e traduzir
dando significado, exemplo: dança (texto corporal) + música (texto sonoro) = intersemiose
56
matéria prima, a compra, o transporte, o próprio processo de produção e venda, estavam
a cargo de um só homem. Com o advento da industrialização, o homem tornou-se um
especialista em uma só função. Repetindo-a durante muitas horas por dia, sem ter que
pensar muito. O capitalismo eleva essa tendência e a concretiza no clichê “linha de
montagem” imortalizado, genialmente, por Charlies Chaplin no filme Tempos
Modernos (1936).
Laban observou que os trabalhadores dedicavam suas horas de ócio com
prazeres inadequados, pois careciam daquela integração de exaltação mental e corporal
que em épocas anteriores “emanava de orgulho pela independência no trabalho
organizado. Incidentalmente, o orgulho pelo trabalho encontrava sua expressão nas
danças festivas”. (LABAN, 1990, p.14)
Para Nietzsche, a linguagem enquanto capacidade comunicativa é uma questão
dual, pois ele as diferencia em duas possibilidades de linguagem: a metafísica e a
artística. Segundo esse autor:
O estado estético tem uma superabundância de formas de
comunicação, assim como uma extrema receptividade, para estímulos
e sinais. É o auge da comunicabilidade e da transmissibilidade entre os
seres vivos, - é a fonte das línguas. As línguas têm aqui seu lugar de
surgimento (Entstehungsherd): a linguagem sonora tanto quanto a
linguagem gestual e a linguagem do olhar. O fenômeno mais pleno é
sempre o começo: nossas capacidades de homens de cultura são
subtraídas de capacidades mais plenas. (...) Cada elevação da vida
aumenta a força de comunicação, assim como a força de compreensão
do homem. (2008b, p. 119)
57
De acordo com este fragmento, a origem das línguas é o “estado estético”. Não
somente das línguas mas, antes disso, de uma linguagem corporal, do gesto, do olhar e
da expressão como um todo, que Nietzsche caracteriza como “mais pleno”. Desta
forma, o homem está em plena consonância com a vida, a tal ponto que é, ele mesmo,
“uma exalação da corporeidade florescente no mundo” (2008b). O “estado estético” fica
aqui exemplificado por ser uma forma de ânimo e vigor que toma o homem, causando-
lhe extrema sensibilidade e receptividade ao novo, ao mundo, suscetível a todos os
indícios de seu entorno, posto que este estado provoca o auge da “força que interpreta,
que se entrega, que preenche e poetiza”(Idem, Ibidem). Ainda para Nietzsche, como não
é possível apreendermos cada experiência enquanto “totalidade”, criamos modelos,
unidades, ideais, de maneira que a vida torne-se possível de ser vivida, então, podemos
dizer que a linguagem corporal nasce da ressignificação do que seja a atividade
comunicativa, trazendo-nos uma convenção, um conteúdo já estabelecido que é e será
revisitado como um vocabulário. Portanto, devemos permanecer atentos à linguagem
corporal e realizar uma “verificação rigorosa”, a fim de reconhecê-la enquanto uma
interpretação e uma revelação do primordial estado estético que a gerou.
Apesar de não ser considerado um teórico do corpo, Adorno demonstra como o
pensamento crítico que desenvolveu, ainda que não possa ser considerado nem filosofia
nem sociologia do corpo, traz relações importantes para essas disciplinas. Qualquer
reflexão adorniana sobre o corpo será um projeto de crítica aos dualismos imersos na
vida social, assim como os citados por Morin (2002), anteriormente. Em a Dialética do
Esclarecimento (ADORNO e HORKHEIMER, 1985) encontram-se muitos
pensamentos sobre a repreensão do corpo na história do homem, partindo do mito de
Ulisses e as Sereias, fazendo um paralelo com a subjetividade atual instaurada no corpo,
58
capaz de internalizar a violência para garantir a existência social. Em Educação e
Emancipação (1995), Adorno nos apresenta, magistralmente, um dos pontos
fundamentais para uma mudança na educação:
Mas aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em
relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e
estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este
sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é
apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde
literalmente à capacidade de fazer experiências. Eu diria que pensar é
o mesmo que fazer experiências intelectuais. Nesta medida e nos
termos que procuramos expor, a educação para a experiência é
idêntica à educação para emancipação. (1995, p.151)
Com essa proposta esclarecida de Adorno, damos continuidade aos nossos
argumentos partindo para o campo da Arte, em específico, o da Dança.
59
2.2 – LINGUAGEM CORPORAL, DANÇA E EDUCAÇÃO
Aprender e elaborar conhecimentos de dança envolvendo
sensibilidade, sentimentos, opiniões a partir de elementos afetivos,
intuitivos sobre as pessoas e suas questões sócio-culturais, no mundo
em que vivem, é prática que necessita tornar-se mais presente nas
aulas em escolas (M.F.R. FUSARI)
A linguagem corporal tem neste capítulo sua matriz artística. É preciso
compreender seu conceito no campo da arte e para tal vamos traçar um pequeno
histórico da inserção desse termo nas artes cênicas para que possamos compreender sua
definição. A linguagem corporal é a língua expressiva do corpo, ou seja, sua expressão
corporal e está associada hoje a diversas práticas corporais, tanto na área da educação
somática10
, como no campo de conhecimento em dança e teatro, e também no campo da
comunicação, sob a perspectiva de linguagem não verbal. Na década de 1960, os
bailarinos Angel Vianna e Klauss Vianna, iniciaram o trabalho de expressão corporal no
Brasil, no Rio de Janeiro, pois já existia com esse nome na França, com Jacques
Lecoq11
, e na Argentina, com Patrícia Stokoe12
. Klauss Vianna introduz na história do
teatro brasileiro um novo conceito, baseado em seus estudos de anatomia humana,
alegando que o corpo possui reações a estados físicos e psíquicos, vinculados à
musculatura total do corpo humano, influindo diretamente na maneira como ela se
10 O termo “educação somática” é definido pelo norte-americano Thomas Hanna como “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o ambiente, estes três fatores agindo
em sinergia”. (STRAZZACAPPA, 2012, P. 18)
11 Jacques Lecoq - francês que, em 1945, funda uma companhia de teatro com Gabriel Cousin; em 1956
abre sua escola de mímica e teatro; e em 1977, cria o Laboratoire d’Étude Du Mouvement. (RAMOS,
2007, p.56)
12 Patrícia Stokoe - bailarina, coreógrafa e educadora argentina, viveu doze anos na Inglaterra e formou-
se em danças variadas, inclusive com Rudolf Von Laban. Em 1950, volta para a Argentina e divulga suas
experiências com o nome de “expressão corporal”. Seu objetivo era colocar a dança ao alcance de todos,
para expressão de sensações, emoções, sentimentos e pensamentos para se comunicar consigo e com os demais. (Ibidem)
60
organiza e funciona. Institui uma nova forma de trabalho no corpo dos atores, partindo
dessa premissa, potencializando a técnica por meio de um corpo com consciência de
suas possibilidades expressivas para além das falas e dos gestos codificados e triviais.
O processo de expressão corporal na mesma medida que vai
desverbalizando – tornando as palavras cada vez mais sem sentido, vai
ampliando a percepção visual, tátil e motora. O indivíduo vai aprender
a existir em um mundo cada vez mais amplo, mais rico e mais
complexo. Basta isso para alterar consideravelmente as palavras.
Antes as pessoas viviam na convicção de que o dizível é o mais
importante ou quase tudo. Depois ele percebe que o indizível é maior.
(VIANNA, 1990)
O trabalho proposto por Klauss Vianna (1928-1992), hoje em dia, denomina-se
Técnica Klauss Vianna e constitui-se um marco nacional no trabalho de preparação
corporal de atores. Está diretamente ligado às artes cênicas no Brasil, tanto no teatro
quanto na dança, alicerçando toda uma concepção técnica, pedagógica e artística em
muitos profissionais da atualidade. Angel Vianna, que acompanhou todo o
desenvolvimento técnico sobre as expressões do corpo ao lado de Klauss Vianna, foi
responsável por aplicar didaticamente essa nova visão de proposta corporal em turmas
regulares de dança, expressão corporal e teatro. Dedicando-se a uma metodologia de
trabalho com o corpo numa proposta artístico-pedagógica abrangente, Angel Vianna,
além de ser bailarina, intérprete, coreógrafa, preparadora corporal e diretora de
movimento, cria uma escola, tornando-se uma mestra educadora para várias gerações de
profissionais nas áreas de artes, saúde e educação. Para ela, o termo “Expressão
Corporal” fora banalizado e renomeia seu trabalho em Conscientização do Movimento e
Jogos Corporais. Destaca Ramos:
61
Angel Vianna passou a usar outro nome para designar seu trabalho,
uma vez que o termo “expressão corporal” não daria a dimensão exata
de sua extensão. Expressar, diz ela, é um ato inerente a qualquer ser
humano, do nascimento à morte. Em se tratando de atores e bailarinos,
pessoas que usam a expressão como veículo da arte, era necessário
definir esse trabalho de modo mais claro e objetivo. O corpo tem uma
memória muito aguçada, muito presente, registra tudo que acontece na
vida do indivíduo, e esse registro permanece para sempre. (...) Por isso
a prática foi chamada de Conscientização do Movimento, por ser o
modo pelo qual ela trabalha a expressividade. (RAMOS, 2007, p.24)
Nos seus estudos sobre educação somática e artes cênicas, Strazzacappa reúne,
em suas palavras, os “reformadores do movimento” (2012), examinando duas correntes
complementares de concepções das técnicas corporais nas artes do espetáculo vivo: uma
nascida do contato com estrangeiros e seus discípulos que se instalaram no Brasil e
outra gerada por teóricos e práticos brasileiros. O Brasil, após o período das duas
guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), abrigou artistas que traziam em suas
bagagens conhecimentos de estudos europeus e que aqui encontraram possibilidades de
desenvolvê-los. Neste grupo estavam: Maria Duschenes, discípula de Émile Jaques-
Dalcroze e de Rudolf Laban e os praticantes da técnica de M. Alexander, de
Feldenkrais, das Cadeias Musculares (GDS) e do Body-Mind Centering. No segundo
grupo, destacam-se: Luís Otávio Burnier (1956-1995), discípulo da última fase de
Decroux, Klauss e Angel Vianna e José Antônio Lima. Segundo Strazzacappa (2012),
esses foram os primeiros a impulsionar uma renovada abertura no campo das artes
cênicas, resultando em uma maior visibilidade, questionamentos e abertura de campos
de trabalho para as expressões e artes do corpo. Importante comentar que as ideias de
Rudolf Von Laban sobre dança educativa, somadas ao fato de os Vianna serem
62
bailarinos e, além disso, estarmos num país tão dançante, propiciou-nos um terreno
fértil para uma compreensão sobre a possibilidade da dança fazer parte de nossos
currículos escolares desde a primeira infância, por seu caráter comunicativo, criativo e
construtor de um certo equilíbrio energético e conscientizador do uso do corpo, gerando
o sentimento de pertença à uma história cultural corporal.
No ano de 1971, a lei nº 5.692, instaura a educação artística como atividade e,
aos poucos, ocorre o processo de “disciplinarização”, com hegemonia das artes plásticas
em detrimento das outras linguagens. No entanto, os educadores de arte, brasileiros, em
consonância com reformas no ensino das artes também em outros países, já estavam
discutindo, atentamente, políticas que possibilitassem a valorização, a formação e o
aprimoramento dos professores de forma que pudessem garantir uma reforma de
pensamento em relação à compreensão da arte na educação. Quando em 1996, a Lei de
Diretrizes e Bases nº 9.394/96, a Arte é reconhecida como componente curricular
obrigatório, contempla-se as quatro linguagens artísticas (música, artes visuais, teatro e
dança).
O volume dedicado à Arte nos PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais,
elaborado em 1997, apresenta a divisão de conteúdos nas quatro linguagens artísticas
(música, artes visuais, teatro e dança). A dança, pela primeira vez, é oficialmente
compreendida como uma linguagem autônoma. Novos profissionais deveriam ser
estimulados a se formar nas diferentes linguagens para exercerem os cargos específicos,
porém, a polivalência acabou implicando na superficialização do ensino de arte,
seguindo a premissa de que: “se esse ensino nas escolas não tinha o objetivo de formar
artistas, então o profissional responsável pela disciplina não necessitaria ser um artista,
bastaria ser um professor” (MORANDI, 2006, p.84). Esse foi e ainda é um grande
63
problema na conceituação do docente ideal para ministrar uma aula de artes. Os
questionamentos passam pela indagação de um paradoxo presente nessa situação, que é
a perda do significado da arte na vida desses profissionais tanto os polivalentes, quanto
os próprios licenciados que, quando se dedicam exclusivamente a dar aulas, ao invés de
exercer também sua arte, acabam de alguma forma se afastando dela: “quando um
profissional tem sua obra pra cumprir, ele dá liberdade para seus alunos trilharem seus
próprios caminhos. Quando não, ele busca no aluno a realização de sua obra”
(MORANDI, 2006, p. 85). Strazzacappa acrescenta: “o professor não precisa vivenciar
a dança profissionalmente, mas precisa dançar para compreender seus conteúdos, sua
importância e sua expressão” (2001, p. 65).
Especialmente na dança, as polêmicas são maiores. Sabe-se necessário ter
experiência aprofundada e amadurecida em todas as linguagens artísticas para exercer
seu magistério. Mas, a didática da dança pressupõe um entendimento corporificado dos
elementos que envolvem um fazer artístico com o corpo. A falta desse entendimento foi
justamente o que banalizou os termos expressão corporal, dança livre e outros, pois,
ainda hoje encontramos muitos educadores com essa compreensão instrumental e
funcional em que a dança foi rotulada. Encarada como recreação, diversão e
entretenimento ou ainda, oferecida fora do currículo escolar como uma atividade extra
nos contra turnos, muitas vezes a dança submete-se a apenas ilustrar a festa da
primavera ou o dia do índio. Temos ainda as festas juninas, vitrines explícitas de
coreografias empobrecidas e de reincidentes padrões sofríveis decorados remotamente e
aprendidos não sabemos como, por aqueles que “ensinam” os passos.
Um agravante muito específico é o fato de que a dança também é um conteúdo
programático da disciplina de Educação Física. Lembra a sabedoria popular que
64
cachorro que tem dois donos morre de fome. Além da dança ser um dos quatro
componentes curriculares de Artes e um dos oito de Educação Física no bloco
“Atividades Rítmicas e Expressivas”. Uma das áreas de conhecimento da Educação
Física é, também, a “cultura corporal” que aborda temas como: esportes, ginásticas,
jogos, lutas, danças e mímica. A dança faz parte do currículo de educação física desde o
seu início, porém, oferecida no “Departamento de Educação Física Feminino” e sendo
assim, exclusivamente feminina e que até hoje habita o imaginário social, “o que
desencadeia um forte preconceito no ensino de dança para os meninos” (MORANDI,
2006, p.99).
Outro grande problema no debate acerca da dança e que atualmente é muito
polêmico, se concentra na habilitação do profissional para o ensino da dança. Embora a
dança e a educação física possuam interfaces, como o corpo e o movimento humano,
precisam respeitar e entender seus conceitos para não subjulgar as propostas, nem as
profissões. As questões que envolvem a regulamentação das profissões e os conselhos
federais que administram essas competências, ainda possuem grandes discordâncias em
suas concepções, o que caracteriza a falta de um conceito claro sobre o que é a dança.
Sobre essa questão, não poderemos nos deter, para não nos afastarmos do foco desta
pesquisa. Passaremos agora a discorrer sobre o preconceito como elemento que perpetua
a barbárie, desafiando todo o campo da educação.
65
2.3– LINGUAGEM CORPORAL, DIFERENÇAS E EDUCAÇÃO:
DESAFIOS À DOCÊNCIA
“O que repele por sua estranheza é, na verdade, demasiado famiiar”
(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. )
Diante da alteridade em que se encontra uma sala de aula qualquer da atualidade,
parece-nos fundamental a ampliação dos mecanismos de diálogo entre professores,
alunos e gestores. Independente de estarmos citando a diversidade de uma sala de aula
regular, estamos vivenciando, há quase duas décadas, o processo de implementação de
uma política nacional de transformação social que implica na inserção de “todos”, sem
distinção de condições lingüísticas, sensoriais, cognitivas, físicas, psicológicas, étnicas,
sociais ou de gênero, no exercício pleno da cidadania. O termo “Educação Especial” é
oriundo dessa política nacional que preconiza: “Para incluir todas as pessoas, a
sociedade deve ser modificada, devendo firmar a convivência no contexto da
diversidade humana, bem como aceitar e valorizar a contribuição de cada um conforme
suas condições pessoais.” (BRASIL, 1994). Essa visão, assim colocada, pretende
focalizar as deficiências apenas como uma condição individual e assim minimizar, no
âmbito nacional, a origem do estigma que cerca essa população específica. Como
estamos, neste capítulo, observando a problemática do corpo humano com variações de
múltiplas deficiências no relacionamento entre professor/aluno, nos deteremos em tratar
mais especificamente desse segmento social, não podendo, no âmbito desta pesquisa,
abarcar todo o assunto que o termo diversidade nos apresenta. Para tal, analisaremos
essa premissa da lei, à luz da Teoria Crítica e dos estudos sociológicos sobre a condição
do corpo na contemporaneidade.
66
Segundo Le Breton (2009), a sociedade faz da “deficiência” um estigma, quer
dizer, um motivo sutil de avaliação negativa da pessoa, como se em sua essência ela
fosse um ser “deficiente” ao invés de “ter” uma deficiência. Nesse sentido, é importante
observar que: perceber, ler, interagir e dialogar com essa diversidade para além das
deficiências, como também para outros grupos marginalizados ou estigmatizados,
através da linguagem corporal e de uma maior compreensão da corporeidade humana,
ampliaria em muito a qualidade das relações, o sentido de lucidez emancipatória diante
do conformismo social e um amadurecimento político, crítico e formador de alunos,
professores, enfim, cidadãos.
O tipo de aluno considerado especial em nossas escolas na atualidade, a
princípio e de uma maneira geral, caracteriza-se por registrar um funcionamento
corporal, perceptivo e intelectual significativamente abaixo ou acima da média,
consequência do seu processo particular de desenvolvimento, concomitante ou não, com
limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa, ou da capacidade do
indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade. Há ainda casos de,
no mesmo indivíduo, haver associação de duas ou mais deficiências primárias (mental/
visual/ auditiva/ física), com comprometimentos que acarretam atrasos no
desenvolvimento global e na capacidade adaptativa. Apesar de muitas vezes as pessoas
com deficiência apresentarem drásticas situações motoras ou psicológicas, num
primeiro momento, todos eles têm seus corpos singularmente estruturados, possuidores
de uma “certa eficácia” em sua maneira particular de agir com o ambiente e os fatos.
Desenvolveram-se como todo e qualquer indivíduo, de acordo com as estimulações que
obtiveram de seus históricos pregressos, seu meio de vida e de como se relacionam com
sua família. Desta forma, individualmente, toda e qualquer pessoa reconhece o mundo
67
que a cerca através de sua sensopercepção. Essas informações fenomenológicas, que
nos afetam e nos moldam, podem atingir-nos apenas através de nossos sentidos como o
olhar, a audição ou mesmo pela sensibilidade da pele, mas, outras tantas experiências
somente são adquiridas pelo movimento, pela ação.
A ação motora dessas pessoas se caracteriza, às vezes, por desequilíbrios do eixo
vertical, sinsinesias de difícil redução, movimentos pouco flexíveis, bruscos e
imprecisão dos gestos. Possuem também, muitas vezes, perturbações da linguagem oral
(gagueira, blesidade, dislalia), fatores que freiam o desenvolvimento das funções de
expressão e entravam, mais ainda, a comunicação convencional. O conjunto de todos
esses fatores se altera notavelmente pela influência inconstante das emoções. A
presença de traços depressivos no comportamento desses alunos é, também, fator
relevante na informação desses corpos. Apesar de muitos terem acompanhamento
médico e terapêutico, o estado depressivo causa uma perda da força interna do
organismo (LOWEN, 1983, p. 59), força esta, que é combustível para impulsos e
sentimentos dos centros vitais e centrais do corpo e para as partes periféricas
(membros). Notamos, muitas vezes, que a ausência de estimulação em se relacionar
com as pessoas e os fatos não teria apenas relação com as possíveis questões ou
patologias diagnosticadas mas, também, com o grau depressivo, que é consequência de
uma autoestima oscilante e geralmente muito baixa. Dessa forma, os movimentos e a
expressividade se apresentam contidos, reprimidos, não existentes, ressaltando aqui a
importância de um olhar acolhedor, uma atitude corporal afetiva e uma linguagem não
verbal muito criativa, por parte dos relacionalmente envolvidos e, em nosso desejo, de
uma sociedade mais sensível. O convívio social nos apresenta um distanciamento
notório dessa desejável sensibilização, através de múltiplos estudos das ciências sociais.
68
Le Breton (2009) nos mostra que as coercitivas etiquetas sociais de uso do corpo
regem as interações tanto nas atitudes como nos sentimentos:
O contato tácito que preside o encontro do homem que tem uma
deficiência e do homem ”válido” se sustenta pelo fato do fingir que a
alteração orgânica ou sensorial não cria nenhuma diferença, nenhum
obstáculo, mesmo que a interação possa ser incomodada por esse fato
que comumente adquire uma dimensão considerável (p. 74)
Tal dimensão, podemos conferir no rompimento do fluxo da comunicação
imediatamente e torna-se difícil, para alguém sem experiência, sustentar-se nesse
encontro. Questões múltiplas tais como: “como abordar esse homem na cadeira de rodas
ou com o rosto desfigurado? Como reagirá o cego à eventual ajuda para atravessar a rua,
ou o tetraplégico que tem dificuldades para descer da calçada com sua cadeira?” (Idem,
Ibidem). Para a pessoa com uma deficiência visível o questionamento é de outra ordem
passando, inevitavelmente, a perguntar-se como será aceito e respeitado em sua
dignidade em todos os encontros. Essa sutil violência é renovada em cada olhar, em
cada encontro, marcando ainda mais o estado depressivo, às vezes autopunitivo, de uma
situação marcada pela falta de clareza que cerca sua definição social. Le Breton nos
problematiza:
Ele nem é doente nem é saudável, nem morto, nem completamente
vivo, nem fora da sociedade, nem dentro dela (...) sua humanidade não
é posta em questão e, no entanto, ele transgride a ideia habitual de
humano (Idem, Ibidem, p. 76).
Quanto mais visível é a deficiência, mais suscita olhares causando a angústia e o
mal estar para todos os envolvidos, pois, as reações sociais, muitas vezes, variam do
horror ao espanto, da compaixão à reprovação.
69
O homem portador de deficiência lembra, unicamente pelo poder da
presença, o imaginário do corpo desmantelado que assombra muitos
pesadelos. Ele cria uma desordem na segurança ontológica que
garante a ordem simbólica. ( LE BRETON, 2009, p. 75)
O corpo é o primeiro constituinte de nossa presença, de nossa aparência e esta
classifica nosso fator de pertencimento social e cultural sob a égide de uma
“normalidade imaginária13
”. O desejo de fundir-se nos códigos normatizantes de uma
sociedade já há muito corrompida por valores preconceituosos e segregadores, incute
nas pessoas que sofrem de uma deficiência qualquer, o sentimento de incompletude, não
pertencimento e, portanto, de uma marginalização que os mantém mais ou menos fora
da vida coletiva.
Essa violência, até então intransponível das sociedades, fundamenta e reifica o
preconceito de muitos outros segmentos sociais, também marginalizados, que trazem
em seus corpos as marcas, não só da “diferença” que os legitima, como as da barbárie
social a que estão expostos. Adorno (1995) nos faz compreender que para uma mudança
paradigmática a respeito desse domínio do preconceito na sociedade moderna, devemos
visar ao esclarecimento, pretendendo, por meio de uma educação emancipadora,
desenvolver valores, como o respeito às diferenças e aos direitos humanos. Nesse
sentido, “a exigência de emancipação parece ser evidente numa democracia”
(ADORNO, 1995, p. 169). Para tal, demonstra em seus estudos a origem dos elementos
repressivos e alienantes da cultura, desenvolvendo através de sua argumentação, meios
reflexivos para combater, principalmente a barbárie e, sua proposta, objetivamente,
designa a escola como agente fundamental para essa ação:
13 “Assim, a aceitação imaginária está na origem da normalidade imaginária”. (GOFFMAN, 1975, apud BRETON, 2009, p. 74)
70
A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da
sobrevivência. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos
que sejam seu alcance e suas possibilidades. E para isso ela precisa
libertar-se dos tabus, sob cuja pressão se reproduz a barbárie. O phatos
da escola hoje, a sua seriedade moral, está em que, no âmbito do
existente, somente ela pode apontar para a desbarbarização da
humanidade, na medida em que se conscientiza disso. (...) Por isso,
apesar de todos os argumentos em contrário no plano das teorias
sociais, é tão importante do ponto de vista da sociedade que a escola
cumpra sua função, ajudando, que se conscientize do pesado legado de
representações que carrega consigo. (ADORNO, 1995, p.117)
Para Maia (2010), numa sociedade em que permanece a irracionalidade direta, é
presente a tendência a substituir a reflexão por reflexos condicionados ou por padrões
estereotipados de pensamento e ação, que tem sido diretamente alimentada pela
indústria cultural. Nesse sentido, um educador que não tiver condições de realizar essa
reflexão, não poderá levar os alunos ao desvelamento da repressão sob a qual vivemos
em tantos níveis sociais. Nesta pesquisa, nos detemos na possibilidade de averiguar se
uma experiência de formação continuada de professores que considere a diferença como
ponto fundante de uma pedagogia dos corpos possa ser um meio de colaborar com uma
educação emancipadora.
Sobre o vigor a respeito do modelo ideal conceituado por Adorno, essa
suposição abstrata da igualdade reforça o ideal social de que todos sejam efetivamente
iguais, fortalecendo a intolerância e não permitindo uma reflexão objetiva contra o
preconceito: “o preconceito é caracterizado por um agir fixo, orientado por padrões,
rótulos ou estereótipos rígidos que substituem o processo reflexivo e crítico que
acompanha a reflexão não-preconceituosa” (MAIA, 2010, p. 26).
71
Com essa reflexão de Maia, sobre um agir fixo, desenvolvemos nossos
argumentos de “desfixar padrões” através de experiências educacionais que incluam as
variadas hipóteses de diferenças sejam físicas, mentais, étnicas ou outras, baseadas no
desenvolvimento da sensibilidade da expressão do corpo. Nesse sentido, existem várias
propostas pedagógicas de conscientização de si e de reconhecimento do outro, por meio
de variadas práticas de movimento que dialogam com o espaço, com outros corpos, em
outras línguas, ou seja, estimulam e sensibilizam para receber o diferente. Passaremos,
agora, a descrever sobre uma delas.
72
CAPÍTULO 3 – UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES EM LINGUAGEM CORPORAL ATRAVÉS DA
DANÇA
Neste capítulo, iniciamos apresentando os motivos para a escolha dessa
instituição específica e desse curso de Pós Graduação em Formação de Professores
através da Linguagem da Dança como nosso objeto de estudo. Analisaremos o corpo
discente participante dessa formação por imagens, trabalhos de conclusão do curso,
questionários e entrevistas. Ao final, concluiremos a pesquisa ao observar as
consequências e os impactos do curso.
3.1 – O OBJETO DE ESTUDO: A INSTITUIÇÃO, O CURSO E O
GRUPO PARTICIPANTE
Há uma necessidade de uma formação adequada para um aprendizado
claro e transdisciplinar, integrando não só o trabalho científico e o
trabalho físico, mas também o desenvolvimento do ser humano
através da criatividade, comunicação e socialização. (ANGEL
VIANNA)
Para delimitar essa pesquisa sobre a linguagem corporal docente, diante de
tantos anos de observações empíricas sobre as atuais condições do corpo no contexto da
educação em nossa sociedade contemporânea, procurei objetivar uma instituição que me
apresentasse possibilidades reais de observação da aprendizagem, do desenvolvimento e
da aplicação direta da linguagem do corpo em sua metodologia. Para tal, não tive
dificuldade, pois conheço bem essa instituição, sua história, sua filosofia própria e sua
73
legitimidade no campo da Arte, da Saúde e da Educação. A instituição escolhida é, hoje
em dia, uma Faculdade privada que possui um reconhecido e longo histórico no campo
das Artes Cênicas no Brasil. Sua fundadora, Angel Vianna, uma das mais importantes
bailarinas do país, foi homenageada pela importância de seu trabalho, com prêmios
nacionais e internacionais, destacando-se a Ordem ao Mérito Cultural e o
reconhecimento de Notório Saber pela Universidade Federal da Bahia. Por ser ela
mesma a mantenedora exclusiva da instituição, a Faculdade Angel Vianna se diferencia
das outras faculdades de Dança no Brasil por ter sua idealizadora e mentora pedagógica,
artística e filosófica, atuante até hoje, dentro e fora da instituição, realizando um
trabalho amplamente reconhecido socialmente.
3.1.1 Breve Histórico da Instituição
O histórico institucional inicia-se em 1983, quando Angel Vianna e seu filho
Rainer Vianna abrem, no Rio de Janeiro, o Centro de Estudos do Movimento e Artes,
com o nome “Espaço Novo”. Através do Curso Técnico de Bailarino, as principais
diretrizes do trabalho corporal foram fundamentadas: o corpo singular, o
reconhecimento de si mesmo, a consideração para com a cultura na qual o aluno está
inserido, a expressão da criatividade e o respeito ao outro. Ao final da década de 1980, o
Curso Técnico de Bailarino lança seus primeiros formandos, com atuação nas áreas de
arte, terapêutica e educação. Dentre esses, eu mesma me encontrava, no início de uma
carreira que viria a ter muitos diálogos com as possibilidades e diferenças humanas, um
legado da própria Angel Vianna para com seus alunos, relativo a um despertar sobre as
possibilidades de movimento, arte, estética e saúde para todos, inclusive para com as
deficiências. Concomitantemente, houve cada vez mais interessados em aprofundar-se
74
nessa linha de pesquisa e trabalho corporal de Angel Vianna, o que levou à criação de
mais um curso de nível técnico: Recuperação Motora e Terapia Através da Dança, que
teve sua primeira turma em 1991. Dez anos depois, a Escola Angel Vianna passa a ser
Faculdade-Escola Angel Vianna, abrindo dois cursos de nível superior: Bacharelado e
Licenciatura em dança. Naquele momento, no Rio de Janeiro, contávamos apenas com
mais um curso de licenciatura em dança, em outra universidade privada. A primeira
licenciatura em dança numa universidade pública só iria ocorrer em 2010, dentro do
Departamento de Educação Física e Desportos da UFRJ. As devidas modificações para
a criação desses cursos foram feitas, mantendo-se as suas características específicas
dentro do panorama artístico e político, já construídos ao longo de sua existência desde
quando era somente escola técnica. Como Faculdade de Arte, incentiva a pesquisa nas
áreas de Dança, das Artes Cênicas, da Saúde da Educação através da concessão de
auxílio à execução de projetos referendados pelos grupos de pesquisa, pelos laboratórios
de estudos, pelo regimento interno e pelo conselho diretor, bem como aprovados pela
mantenedora. Em 2005, foi criado o Setor de Pós Graduação Lato Sensu, iniciando sua
atividade numa parceria com o Programa de Pós Graduação em Dança da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), oferecendo o Curso de Pós Graduação Lato Sensu em
Estudos Contemporâneos da Dança. Em 2007, amplia suas atividades com a criação de
mais dois cursos: - Pós Graduação Lato Sensu em Terapia Através do Movimento:
Corpo e Subjetivação e - Pós Graduação Lato Sensu em Estética do Movimento: Dança,
Videodança e Multimídia. Seguindo um fluxo de procuras cada vez maiores, já com
autonomia, com possibilidades e desejos de aprofundamento nos diversos assuntos que
irromperam das inquietudes, das práticas e das pesquisas da instituição, em 2009,
iniciou-se o Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Formação de Preparador Corporal
nas Artes Cênicas. Em 2010, mais três cursos Lato Sensu foram abertos no Rio de
75
Janeiro: Pós Graduação Lato Sensu em Performance; Pós Graduação Lato Sensu em
Sistema Laban/Bartenieff, com certificado internacional de equivalência do Laban
Institute of Movement Studies, LIMS/NYC - Centro Laban Rio e; Pós Graduação Lato
Sensu em Metodologia Angel Vianna. Ainda em 2010, a Faculdade Angel Vianna, abre
dois cursos fora do Rio de Janeiro, ampliando seus intercâmbios, após muitos anos de
insistência: Pós Graduação Lato Sensu em Teatro e Dança na Educação (Juiz de Fora,
MG) e Pós Graduação Lato Sensu em Práticas e Pensamentos do Corpo (Recife, PE).
Em 2011, mais um curso é lançado e este é, justamente, o objeto de estudo desta
pesquisa: Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo, Diferenças e Educação.
Ao todo, são 10 cursos de Pós Graduação Lato Sensu que se aprofundam,
partindo dos conhecimentos gerados e fomentados por uma proposta pedagógica ampla
de compreensão das expressões do corpo, e o meio de comunicação por excelência e,
que abrange todas as pesquisas, é a linguagem corporal.
3.1.2 - O Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo Diferenças e
Educação
Criado em 2011, esse curso de Pós Graduação Lato Sensu é regulado e
organizado com base na Resolução CNE/CES nº 1, de 08 de junho de 200714
e no
Regimento Interno da Faculdade Angel Vianna. Tem como sua justificativa atender uma
demanda de formação profissional para exercer o que o Estado Brasileiro após a
Resolução nº 2 CEB/CNE de 2001, estabeleceu como Diretrizes Nacionais para a
14 Conselho Nacional de Educação (CNE) e Câmara de Educação Superior (CES), Resolução CNE/CES
1/2007. Publicado no Diário Oficial da União, Brasília, 8 de junho de 2007, Seção 1, pág. 9; alterada pela
Resolução CNE/CES nº 5, de 25 de setembro de 2008, que estabelece normas para o credenciamento especial de Instituições não Educacionais para oferta de cursos de especialização.
76
Educação Especial Básica: dar direito à educação de crianças e jovens com deficiência e
seu convívio com os demais alunos em escolas regulares. Essa Resolução veio a ser um
significativo passo na história da Educação Especial no Brasil, um avanço na
perspectiva da universalização do ensino com atenção à diversidade na educação
brasileira. Segundo a Resolução:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às
escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com
necessidades educacionais especiais, assegurando as condições
necessárias para a educação de qualidade para todos (Art. 2, 2001).
Na época da criação desse curso, eu havia terminado um mapeamento pelo
estado do Rio de Janeiro, a respeito de alunos com deficiência matriculados em escolas
municipais e estaduais, ministrando cursos de formação continuada para professores,
gestores e cuidadores de crianças especiais nas escolas. Esse projeto chamava-se
“Cuidadores de Crianças” e era uma parceria da Secretaria de Educação do Estado do
Rio de Janeiro (SEERJ) e a Escola Brasileira de Psicanálise e Etologia do Rio de
Janeiro (EBPE – RJ). Mantinha uma equipe de oito profissionais que se dividiam em
fóruns locais e regionais, com uma duração de quatro anos e dez meses, tempo
suficiente para percebermos os grandes abismos entre a lei e a prática. Na época,
segundo estimativas do Ministério da Educação, eram seis milhões os brasileiros em
idade escolar portadores de necessidades especiais. Desses, menos de 12% - 702.603/
censo 2010 – estavam regularmente matriculados no Ensino Fundamental. No Ensino
Médio, eram cerca de menos de três mil e no Ensino Superior a quantidade de alunos
não chegava a duas centenas. Tais números evidenciavam um modelo excludente do
sistema de ensino brasileiro e colocavam para toda a sociedade o desafio de construir
coletivamente as condições para atender a essa diversidade.
77
A proposta do curso era realizar uma formação que em sua gênese pudesse
romper as barreiras do preconceito, encontrando formas de diálogo, expressividade,
bem estar, práticas artísticas e somáticas, estudos e debates acerca do papel do professor
na atualidade. Não só na relação com as deficiências, mas com todas as manifestações
das diferenças, construindo possibilidades reais de uma ação pedagógica mais
consciente de suas possibilidades corporais, mais capaz e mais acolhedora, isto é,
multiplicadora de perspectivas.
Seus objetivos principais são os de promover a especialização de profissionais
da área da educação, da arte, da saúde ou outros, numa pesquisa e num aprofundamento
sobre corpo/ movimento através da consciência corporal, técnicas somáticas e
principalmente da dança como canal de fruição da arte. Do ponto de vista metodológico,
o curso se propôs a capacitar os alunos a fazer uso de diferentes procedimentos técnicos
e educacionais na diversidade. Nesse sentido, o curso foi estruturado em torno de quatro
eixos: prático; teórico, teórico/prático e seminários, de modo a promover o contínuo
desenvolvimento ao longo do seu processo, agregando valores e saberes paulatinamente
conforme o aluno fosse adquirindo maturidade na pesquisa de corpo-movimento e
maior domínio dessas habilidades.
3.1.3 – Identificação e estrutura do curso
Esse curso denomina-se Pós Graduação em Corpo, Diferenças e Educação
(CDE) e faz parte do Programa de Pós Graduações Lato Sensu da Faculdade Angel
Vianna (FAV) no Rio de Janeiro. O curso é destinado a profissionais das áreas de
Educação, Arte, Saúde e outras, com 20 vagas oferecidas (no caso da turma observada -
78
que foi a primeira - preenchidas com excedente, totalizando 22 alunos), uma carga
horária de 400 horas em 18 meses (março de 2011 até outubro de 2012), sempre às
terças e quintas feiras de 19:00 às 22:30 horas. Possui duas coordenadoras
pedagógicas15
e mais uma coordenadora de seminários, fóruns e oficinas tendo a direção
geral da própria Angel Vianna.
Sua grade curricular possui disciplinas que compõem os quatro eixos numa
dinâmica trans e interdisciplinar, característica dessa instituição como um todo. A
seguir, uma breve descrição das disciplinas que compõem esse currículo:
Disciplinas Práticas:
1) Conscientização do Movimento e Jogos Corporais I e II – Essa disciplina,
nessa instituição, torna-se uma das mais importantes, justamente por ser a metodologia
de Angel Vianna. Totalmente prática, oferecida em dois módulos, exercita em primeiro
lugar o próprio aluno e depois confere-se sua aplicabilidade no campo da educação. Os
exercícios são sempre práticos sobre sensibilização, conscientização, comunicação e
criação com o próprio corpo em relação a si mesmo e com o outro, numa pesquisa
profunda de observação das estruturas corporais e sua complexidade. Para tal
aprofundamento, faz-se necessário exercitar a acuidade na percepção do movimento,
mesmo quando em pausa, além da compreensão do espaço que se ocupa, o estudo dos
ossos, articulações e grupos musculares através da pele, órgão de grande importância
nessa concepção de movimento. Os jogos corporais estruturam o potencial criador para
dinâmicas múltiplas, partindo de um melhor uso de si para um diálogo com o novo. É
15
Essa função é exercida por mim em parceria com uma profissional que formou-se junto comigo. Nós,
juntamente com a coordenadora dos seminários e a própria diretora, Angel Vianna, concebemos esse
curso para atender nossas observações relacionadas às extremas carências apresentadas pelos que se destinam à carreira docente.
79
nessa disciplina que encontramos toda a concepção de linguagem corporal desta
pesquisa;
2) Sistema Laban – Os estudos de Rudolf Von Laban (1879 – 1958)
apresentam-se como um complexo sistema de linguagem próprio do movimento
humano. Compõe-se de estudos dinâmicos dessa mobilidade no espaço, decupando-a do
seu elemento mais simples até suas harmonias mais complexas. A experiência corpórea
pressupõe a observação em ação de muitos fatores, tais como: os níveis espaciais
(baixo, médio e alto), os planos espaciais (vertical, horizontal, diagonal e sagital), o
fator direcional no espaço (direto ou indireto). Juntamente com a observação das
qualidades do próprio movimento (forte, fraco, leve, pesado), considerando ainda o
tempo (acelerado, desacelerado) e o fluxo dos impulsos (livre, contido), formando um
rico sistema de comunicação e criação nas artes corporais cênicas;
3) Rítmo e Música – Essa disciplina é baseada na escuta e no entendimento dos
elementos da estrutura musical. Minuciosamente exercitada pelo corpo inteiro deixando
que a escuta desenvolva novos padrões de apreciação e fruição, observando os ritmos
pessoais internos em consonância com as sonoridades do mundo. São utilizadas uma
seleção de partituras e instrumentos musicais variados para que o desenvolvimento do
conhecimento em música com ressonância no corpo, possibilite os alunos a
compreenderem as estruturas e expressarem-se de forma harmônica em suas escolhas,
seja no canto, na dança, na escrita, no tocar um instrumento ou mesmo, em ouvir com
mais qualidade;
4) Danças Circulares – Essa disciplina rememora em experiências atualizadas,
os rituais de dança de vários povos do planeta que se encontram para dançar em círculo.
Pela história da dança apresentada em prática, os alunos reconhecem a potência da
80
aliança entre os participantes desses rituais circulares que demonstram uma força de
aquisição de energia e poder pessoal coletivo. A compreensão de um coletivo
harmônico através do próprio corpo que, atravessado por ritmos orgânicos, muitas vezes
arcaicos, juntamente com múltiplas emoções e percepções sensórias, alcançam uma
forma de locomoção e desempenho motor complexos, chegando a uma euforia repleta
de afeto, legitimidade e fortalecimento. Fato este, que revigora o próprio corpo, desde
sua estrutura física até os sentimentos, como nos dizem os relatos de vários
participantes;
5) Danças Populares – Disciplina que reúne os conhecimentos práticos,
rítmicos e históricos das danças nacionais populares. Suas origens, seus territórios, suas
nuances cênicas e suas lutas de resistência em tempos de indústria cultural e
massificação da cultura geral. Sua prática envolve os cantos e as danças, muitas vezes
desconhecidos do próprio cidadão brasileiro. Um vocabulário corporal brasileiro é
composto e torna-se um grande capital em momentos de criação e busca de autonomia,
além da valorização de nossa própria cultura.
6) Contato-improvisação - Essa disciplina traz uma das técnicas de movimento
mais importantes para essa formação, que objetiva-se em dialogar profundamente
através do corpo. Criada pelo norte americano Steve Paxton, na década de 1970, esse
estilo de dança funda-se no tato, na troca de peso entre parceiros, causando uma
reciprocidade imanente em todas as superfícies do corpo que podem tanto servir de
apoio, como para abandonar seu próprio peso ou acolher o do outro. Desse encontro
tátil, ocorre um diálogo corporal, uma dança improvisada instantânea, impossível de se
premeditar, pois o desenvolvimento de novas formas corporais adaptativas não cessa de
fluir. Para tal objetivo, os exercícios de aula são paulatinamente sendo incorporados em
81
duplas até serem compartilhados com todo o grupo. Neste momento, o encontro com a
diversidade dos corpos, dado apenas pelo tato, significa um aprofundamento
imensurável nos diversos níveis das relações humanas, podendo estruturar novas formas
de aceitação e diálogo com as diferenças;
7) Experiência Estética – A proposta dessa disciplina é realizar encontros de
criação estética, a partir da História da Arte Moderna e experimentar materiais diversos
que, baseado no que foi observado em cada primeiro momento da aula, inspirem o fazer
artístico em muitos níveis. Para ativar a expressão dos alunos, muitos materiais variados
foram utilizados e formas diferenciadas de apreciação foram sugeridas para que os
sentidos fossem estimulados. Puderam-se misturar linguagens artísticas como a
escultura e a dança, ou mesmo, a literatura e a pintura, dentre muitas outras formas,
resultando em uma exposição dos trabalhos feitos;
8) Eutonia – Essa técnica corporal, criada em 1957, por Gerda Alexander (1908
– 1994), desenvolve o corpo e a imagem corporal até alcançar uma consciência mais
plena e um conhecimento mais completo do corpo. Eutonia significa equilíbrio de
tensões (do grego eu: bom, harmonioso e do latim tônus: tensão). Para tal objetivo, essa
prática inclui, por meio de uma série de posturas e posições de domínio do corpo, uma
observação ativa, isto é, por meio de movimentos passivos que lentamente vão
verificando o controle de seus próprios corpos, suas inervações motoras e seu tônus
reflexo e, assim, os alunos vão aprendendo a equilibrar e controlar o tônus muscular de
todo o seu corpo. As aulas são tranquilas e muito calmantes, criando um ambiente
necessário para se obterem resultados profundos de autoconhecimento.
9) Técnica de Alexander e Voz – Faz-se muito importante para a
conscientização do corpo e da postura dos docentes a prática desta técnica. Diante dos
82
altos índices de problemas vocais nos professores da atualidade, torna-se inquestionável
aprender como usar sua própria voz. E isso está associado ao uso do próprio corpo de
maneira consciente e regular. Frederick Mathias Alexander (1869 – 1955), Australiano,
ator e declamador, criou sua técnica para curar-se de sua própria doença respiratória e
uma frequente rouquidão e afonia, não curável com nenhum médico especialista.
Desenvolveu exercícios posturais para desfazer padrões corporais danosos ao sistema
vocal, respiratório e postural, sendo atualmente reconhecido no mundo inteiro. Essas
aulas se propõem a praticar movimentos cotidianos básicos, tais como sentar e levantar
de um banco, englobando também a compreensão da respiração e a projeção da voz.
10) Improvisação e Movimento Autêntico – A prática investigatória sobre
improvisação na dança constrói o momento presente, qualificando as escolhas dos
gestos e movimentos, desdobrando as ações e suas intensidades. Essa disciplina traz
também o Movimento Autêntico como técnica que se aprofunda nas temáticas de vida
individuais dos sujeitos, tornando-se, através dos movimentos mais profundos, uma
prática libertadora de sentimentos e emoções, possivelmente, guardados em recantos
escuros da memória do corpo e colocados à luz por meio de uma linguagem específica
desenvolvida nesta abordagem de movimento: mover-se observado por uma testemunha
e observar testemunhando um movedor. Com essa prática desenvolve-se a consciência
interna das questões próprias e a aceitação do outro com suas questões.
11) Elementos da Dança – Nessa disciplina, a dança é didaticamente
decomposta em seus elementos constitutivos para, justamente, fazerem-se visíveis e
compreensíveis. A compreensão do que se é a dança faz-se muito necessário e
esclarecedor enquanto linguagem autônoma dentro da perspectiva da Arte e da
Educação. As aulas se realizam de acordo com temas específicos que trazem os
83
elementos da dança, separados ou conjugados entre si como, por exemplo, rolamentos,
saltos, deslizamentos e contrações ou temas como espaço, tempo, direções ou níveis,
dentre muitas outras possibilidades. As aulas firmam uma didática metodológica de
utilização da linguagem da dança no espaço, em permanente pesquisa, com os
princípios criativos elaborados individual e coletivamente;
12) Composição coreográfica – Essa disciplina é dada ao final do curso,
justamente, para que por meio dela a turma possa realizar um espetáculo de dança. Os
estudos são intensos desde o início, onde se estabelecem conhecimentos do que sejam
composições coreográficas. Uma visibilidade de estilos, conceitos e possibilidades é
estudada e debatida, coletivamente, para uma maior compreensão dos objetivos
determinados. As pesquisas e suas conclusões interferem diretamente na composição a
ser criada e roteiriza todo o trabalhado a ser realizado pelo grupo, desde o figurino até a
apresentação final no teatro.
Disciplinas Prático-Teóricas:
13) Laban, Psicomotricidade e Educação – Esta disciplina reúne os conceitos
já trabalhados na primeira fase em que a disciplina Laban é oferecida, com a
compreensão dos conceitos que a psicomotricadade traz para o campo da educação.
Baseando-se em textos esclarecedores de autores do campo, propostas de aplicação
prática são formuladas pelos alunos/professores que, com suas experiências de docentes,
traziam suas inquietudes para os debates acerca das abordagens onde o dinamismo do
corpo poderia ser examinado e conduzido por conhecimentos afins e esclarecedores.
14) Método Feldenkrais – A partir da leitura do livro “Consciência pelo
Movimento” (FELDENKRAIS, 1977), as aulas, em sua maior parte sempre práticas, de
84
manipulação dos corpos e de movimentos para o autoconhecimento sugeridos por essa
técnica, terminavam com momentos específicos para os estudos dos textos de Moshe
Feldenkrais (1904 – 1984) que, em seus objetivos educacionais almejava a emancipação
dos corpos, por meio de uma movimentação consciente e reflexiva.
15) Corpo, Diferenças e Educação – É nesta disciplina que o contato com as
múltiplas deficiências era estabelecido. Estudos sobre as manifestações e classificações
das deficiências, leituras sobre as leis que garantem os direitos dessas pessoas, textos
sobre novas informações tais como acessibilidade, comunicação aumentativa e
tecnologias aplicadas, eram discutidos. As aulas práticas visavam lidar com os corpos
diferentes e seus sentidos de forma eficaz, porém, simples, criativa e respeitosa, sempre
através do Método Angel Vianna, onde as propostas constroem-se no próprio corpo que
se move de forma singular.
Disciplinas Teóricas:
16) O Corpo na Educação – A história do corpo na educação ocidental foi
apresentada desde a Idade Média até a atualidade. Autores do campo da Educação que
incluíram a compreensão dos corpos nos processos de aprendizagem como, Vigotsky,
Montessori, Piaget, Wallon, dentre outros, foram lidos em suas temáticas e tiveram seus
conceitos debatidos e atualizados. As correntes educacionais que seguem até os dias
atuais, também foram estudadas e reconhecidas, tornando-se mais compreensíveis para
que se façam novas propostas de educação que considerem o corpo como princípio
fundamental das percepções formadoras de conhecimento.
17) Teoria do Conhecimento e Arte – Esta disciplina trata da comunicação e
da memória ontológica, necessárias para a permanência do conhecimento e da espécie
85
humana por meio da Teoria de Sistemas. De enfoque semiótico, ela discorre sobre a
leitura dos signos a respeito de Arte, Ciência e Filosofia, que trazem como núcleo
comum, os atos e processos de criação. Essa temática diz respeito à vida e à necessidade
da produção de autonomia e memória para garantir um mínimo de qualidade de vida,
sem a qual não há possibilidade de permanência em nossa sociedade.
18) Filosofia, Educação e a Experiência Estética – Essa disciplina
problematiza a despotencialização da vida no modelo dominante de escolarização nas
sociedades disciplinar (Michel Foucault) e de controle (Gilles Deleuze) e as
possibilidades de uma educação sensível que valorize e potencialize a experiência
estética na formação de crianças e jovens. Discute a pedagogização da infância; a
medicalização e a patologização da infância e da adolecência na escola e caracteriza e
discute o conceito de experiência estética, especialmente na formulação de John Dewey
e João Francisco Duarte Jr.
19) Filosofia das Diferenças: do corpo-em-movimento ao corpo-tempo –
Esse estudo filosófico pressupõe a dimensão corporal como ponto de partida. Trata-se,
nesse curso, de investigar as potências do corpo e do movimento através da percepção,
das afecções e ações corporais como experiência criadora tal como problematizada pelo
pensamento filosófico. Trata, ainda, do corpo-imagem e a percepção da mudança (Henri
Bergson) e das questões do corpo, do tempo, do devir e da Criação. (Gilles Deleuse).
20) Corporeidade na Dança e Anatomia Funcional – As duas disciplinas são
trabalhadas juntas nessa abordagem. O estudo do corpo baseado na anatomia e na
biomecânica e a relação com a percepção de seu universo simbólico. A pesquisa dos
significados e interpretações a respeito das possibilidades de movimentos das partes do
corpo e suas relações com o espaço interno/ externo, com o outro e com os objetos.
86
Uma abordagem morfológica funcional, para composição de novas formas de expressão
da linguagem corporal. Identificar na organização postural, as influências de padrões
psicomecânicos e os hábitos posturais (noção das Cadeias Musculares de Godeliev
Dennis Struff -GDS- e da Reeducação Postural Global – RPG- ).
21) Orientação de monografia. Discussão dos temas, reconhecimento das
regras para elaboração do trabalho, acompanhamento e aconselhamento dados
coletivamente no início e depois, individualmente, a cada estudante. Essa disciplina é
ministrada por vários professores doutores que lecionam nesse curso de especialização,
ao mesmo tempo, em salas diferentes. Isso ocorre após a escolha dos temas, assim, os
alunos se dividem entre os professores desejados para a orientação.
Seminários: Foram atividades complementares, oferecidas ao longo do curso
em horários alternativos dos sábados. Houve presenças constantes dos alunos que se
estimularam muito com as experiências trazidas pelos convidados. Os temas variaram
em: Comunicação aumentativa / Acessibilidade / Políticas de Inclusão / Teatro Novo /
Oficina de Dança e Diferença / Oficina: “Aquilo que une as experiências dos artistas,
dos terapeutas e dos que sofrem”.
87
3.2 – POR DENTRO DO “CORPO” DISCENTE
A elaboração mental das sensações delimita o que somos capazes de
sentir e compreender corresponde a uma ordenação sensitiva dos
estímulos e cria uma barreira entre o que percebemos e não
percebemos. Articula o mundo que nos atinge, o mundo que chegamos
a conhecer e dentro do qual nós nos conhecemos. Articula o nosso ser
dentro do não ser. (OSTROWER, 2012, P. 13)
O Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo, Diferenças e Educação, teve
seu início em março de 2011 e a finalização de sua primeira turma em outubro de 2012.
Inicialmente16
inscreveram-se 22 alunos, um excedente para um número de vagas de
apenas 20. Dentre os inscritos, 12 eram da Cidade do Rio de Janeiro; 3, de Niterói; 3, do
Rio Grande do Sul; 1 de Cuiabá, 1 de Goiânia, 1 de Portugal e 1 da Colômbia. Ao serem
questionados, os alunos que eram de fora da cidade e do país, responderam que vieram
para o Rio de Janeiro especificamente para fazer esse Curso e que pretendiam trabalhar
aqui durante o estudo. Ao perguntarmos como souberam do curso, as respostas se deram
nesta proporção curiosa: 4 ex-alunos da graduação em dança na mesma instituição; 4
alunos de cursos livres na mesma instituição; 7 procuraram na internet e 7 foram
aconselhados por amigos que frequentam a instituição.
Dividimos em três categorias específicas os perfis dos alunos que buscaram essa
especialização: a) Arte/Educadores – 9; b) Professores da Educação Básica – 6; e c)
Outras Profissões: - 7. Dentre os Arte/Educadores encontramos: musicoterapeuta;
professores de dança, de teatro, de artes plásticas e de fotografia. Dentre os da Educação
Básica, havia professores de Educação Física, pedagogo, coordenadora pedagógica,
16 Nesta análise numérica sobre os dados do curso, optamos em quantificar usando o numeral, ao invés de sua escrita por extenso.
88
professores generalistas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. Dentre o que
denominamos “outras profissões”, havia Secretário Estadual de Cultura, psicólogos,
fonoaudiólogo, jornalista, psicomotricista e antropólogo.
Dos 22 alunos inscritos inicialmente, apenas 6 não completaram seus cursos,
justificando suas saídas por necessidades pessoais, externas ao próprio curso; Um
total de 16 alunos completaram todas as disciplinas, sendo que 2 não entregaram a
monografia de final de curso e não obtiveram seus diplomas.
Os temas dos trabalhos de final de curso foram livremente escolhidos pelos
próprios alunos. Apesar da variação temática, ao final, nos deparamos com uma
matriz única: Conscientização do movimento e jogos corporais. Disciplina que
caracteriza a Metodologia Angel Vianna, e que foi utilizada como sendo o
pensamento fundamental, ou seja, estrutura principal das abordagens desenvolvidas.
Esse fato demonstrou-nos a importância dessa metodologia como uma possibilidade
de educação dos corpos docentes, tornando-os capazes de articular a consciência
corporal, o saber sensível e a linguagem corporal. A seguir, os temas dos trabalhos
monográficos:
1- Corpo e Música nos Jogos Transferênciais na Clínica de Musicoterapia;
2- A Importância da Conscientização Corporal no Trabalho de Musculação;
3- Jogos Corporais e Composição Coreográfica na Dança Infantil;
4- Nossos Corpos Mudam Nossas Mentes: a autoeducação corporal como
promotora de resiliência;
5- O Corpo na Escola: um olhar para o movimento;
89
6- Aula de Movimento: mamãe / bebê;
7- Vivências de um Corpo Disléxico;
8- O Corpo no Movimento de Criação;
9- As Atividades de uma Oficina de Teatro como Espaço Transicional: a
importância do jogo teatral para indivíduos com deficiência mental como
possibilidade de brincar;
10- A Política e o Sensível: a aula de arte como espaço de reflexão, questionamento
e ação;
11- Balé Clássico: psicomotricidade e ludicidade de 4 a 6 anos;
12- Movimento Falado: a audiodescrição como instrumento de inclusão e
sensibilização do expectador cego nos espetáculos de dança;
13- Treinamento Afetivo: relações entre as práticas corporais na Escola Angel
Vianna e o treinamento fisiológico na Escola Artcênica;
14- Dançar é Brincar? A dança como resistência ao modo de subjetivação
capitalista.
90
3.3 – CONSEQUÊNCIAS E IMPACTOS DO CURSO
No início do curso, os alunos apresentaram suas expectativas em relação a essa
formação, comentando sobre seus caminhos pregressos até chegarem ali. Apresentaram-
se de forma verbal e também não verbal, ou seja, através da linguagem corporal
individual de cada um, que se reconheceram, desde o começo, expressando-se para além
das palavras. Ao longo de mais de 420 horas de aulas (porque contabilizamos também
os Seminários, Fóruns e Oficinas que foram oferecidos como atividades
complementares opcionais aos sábados), percebemos uma frequência sempre alta. Ao
longo do curso, as disciplinas práticas, quase sempre, exigiam um trabalho prático e um
trabalho escrito ou memorial sobre os estudos e descobertas que foram feitos durante
cada matéria. Geralmente eram entregues nas datas combinadas. Porém, os trabalhos de
disciplinas teóricas demoravam mais e às vezes muito para serem entregues. Havia
muita queixa dos alunos e pedidos de prazos maiores. Isso demonstra a força de
envolvimento que as disciplinas práticas suscitam nos alunos, trazendo resultados
imediatos às concepções finais solicitadas para cada disciplina.
Como estamos numa Faculdade de Dança, onde a linguagem do corpo ocupa um
lugar de destaque e grande importância, apresentações e mostras de Dança de alunos das
graduações, dos cursos técnicos e dos cursos livres, ocorrem várias vezes ao ano,
possibilitando que os alunos das Pós-graduações possam se apresentar cenicamente
também, tanto no próprio prédio da faculdade, que possui uma ampla sala multiuso, ou
no Teatro Angel Vianna, situado no 1º andar do Centro Coreográfico da Cidade do Rio
de Janeiro (CCCRJ), localizado na zona norte da cidade. A diretora, sempre presente e
91
observadora, atualmente com mais de 87 anos e ainda ativa, dançando, criando e
coreografando, exige de seus alunos em qualquer grau, que se ousem na dança sem
medo, pois só assim serão capazes de se descobrirem maiores do que já são. Com esse
incentivo, nossos alunos/professores observados realizaram trabalhos coreografados
tanto no teatro, como nas salas de aula ao longo de todo o processo. Porém, ao final do
curso, além da escrita das monografias, a turma montou um espetáculo de dança sob a
direção de um professor/coreógrafo convidado, ministrante da disciplina – Composição
Coreográfica. Este processo de montagem, que em sua completude compreende todas as
etapas de uma produção artística, envolveu todos os alunos em funções múltiplas, além
da própria dança. Aqui, foram reveladas as ocupações profissionais por trás dos
bastidores. Numa pesquisa empírica sobre como realizar espetáculos de dança, com a
manipulação de equipamentos de som e de luz, confecção de figurinos, folders,
convites, enfim, tudo o que for da ordem dos eventos artísticos, foram concebidos e
realizados pelos próprios alunos.
Para muitos alunos, esse processo é tão novo e intenso que, ouso dizer, torna-se um
grande, senão o maior, impacto para quem o realiza. A seguir, analisaremos as respostas
dadas a um questionário enviado ao final do curso, justamente com o objetivo de
averiguar os impactos decorrentes das experiências vividas durante o curso. O
questionário foi bem simples e possuía as seguintes perguntas, além dos nomes (todos
se identificaram):
1) Qual é a sua atividade profissional atual?
2) Houve mudanças no seu modo de atuar profissionalmente após a conclusão
dessa pós-graduação? Poderia comentar?
92
3) No início do curso, cada um, individualmente, expôs suas expectativas em
relação a esta especialização. Você atingiu as suas expectativas? Poderia
exemplificar?
4) Quais seriam as sugestões que você indicaria para uma boa continuação desta
pós-graduação?
Os questionários17
foram enviados via internet e, dentre os 16 concluintes que o
receberam, obtivemos o retorno de 15 respondidos. Definimos previamente a
divisão das perguntas em: 1) atividade profissional; 2) prática profissional; 3)
impactos do curso.
Dentre as respostas obtidas na pergunta nº 1, 10 mantiveram suas atividades
profissionais, agregando novas propostas; 4 permaneceram em suas áreas
profissionais, mas em novas atividades como gestoras de seus próprios projetos
educacionais: (3 dessas associaram-se e inauguraram um novo formato de creche em
funcionamento desde o segundo semestre de 2013 e a outra (1) pessoa lançou um
projeto social de arte e conscientização que logo, posteriormente, foi associado a
uma ONG Internacional, onde tornou-se coordenadora no Brasil e; 1 pessoa mudou
completamente de área profissional: tornou-se professora de consciência corporal.
Importante revelar aqui que essa aluna, especificamente, é deficiente visual e
tornou-se uma professora corporal para pessoas com deficiência.
Na segunda pergunta, as respostas foram nesta proporção: 14 disseram que sim,
que houve mudança em seu modo de atuar profissionalmente e 1 disse que não, nada
mudou. Os comentários citam, nesta ordem: em primeiro lugar, uma maior
17
Optamos por usar numerais na grafia da quantificação das análises das respostas do questionário.
93
consciência de si, maior sensibilidade, maior tolerância com o outro, mais
autoconfiança, maior criatividade corporal, aquisição de possibilidades de diálogos
com a diferença, expansão das possibilidades da dança e da linguagem corporal e,
ainda, sobre um maior encorajamento pessoal em lidar com a própria vida. Outra
explicação que devemos considerar aqui, diz respeito à única resposta negativa
obtida nesta questão: essa aluna/professora possui uma dislexia e apresentou suas
questões durante o curso, porém, na conclusão de seu trabalho monográfico
escreveu sobre suas aquisições: “pude perceber que muitas aulas de corpo podem
servir de grande fonte de pesquisa para trabalhar com corpos que sofrem com isso.
(...) Consegui fazer uma ligação das aulas e de como elas poderiam servir de auxílio
para ajudar os disléxicos” (2011).
Na terceira pergunta, sobre as expectativas, para quem ainda as recordava (pois,
4 relataram que haviam se esquecido das demandas iniciais), 8 as atingiram e 3 as
superaram. Os exemplos discorreram acerca de um processo cuidadoso, bons
professores, grupo/turma afetuoso(a), ambiente acolhedor e uma grade curricular
diversificada.
A quarta e última pergunta traz as sugestões para melhorar o curso, a qual
podemos considerar também como uma avaliação crítica a respeito do processo de
implementação desse curso de especialização, lembrando que esta foi a primeira
turma. - Mudanças a respeito da ordem em que foram oferecidas as disciplinas
práticas foram muito comentadas. Desejavam vivenciar algumas antes de outras.
Houve 1 pessoa que não achou produtivo ter tanta filosofia ao invés de mais aulas
práticas e outras 4 que, ao contrário, desejavam mais tempo com as disciplinas
filosóficas. Houve crítica em relação aos materiais plásticos oferecidos para a
94
elaboração das experiências estéticas, alegando que deveriam ser mais sofisticados e
mais variados. A maior queixa, porém, recaiu nos prazos concedidos para a entrega
dos trabalhos escritos, principalmente das disciplinas teóricas, onde os conteúdos
eram muito extensos e difíceis de serem elaborados em curto espaço de tempo.
Na observação participante, processo que ocorreu durante toda a duração do
curso (03/2011 – 10/2012), foi possível averiguar a aquisição paulatina de
aprofundamento e expansão da linguagem corporal, bem como, o processo de
maturação da consciência do corpo e de suas potências criativas. Neste sentido, o
uso do próprio corpo com cuidado e respeito, emergiu nas atitudes e nas falas livres
dos participantes durante conversas com os professores das diferentes disciplinas.
Uma assumida busca pela saúde e bem estar físicos, não se dissociaram de uma
presença qualitativa e confortável consigo mesmo emocionalmente, provando-nos
uma atitude mais emancipada e um pouco mais desvinculada de modelos ideais
impostos por uma mídia massificada. Uma autonomia adquirida, que se refletiu em
atitude de aceitação para com o outro, com o diferente, segundo relatos obtidos
durante o processo.
Grandes discussões foram vivenciadas a partir dos textos estudados nas
disciplinas teóricas, tais como a permanência dos gestos e movimentos corporais na
retina dos espectadores de uma dança ou, sobre o padrão do gosto numa sociedade
de consumo, ou ainda sobre uma cidade, ou melhor, um país sem acessibilidade
capaz de prover autonomia de deslocamento para portadores de deficiências, esses
temas, dentre muitos outros, tiveram intensa participação do grupo.
Os seminários que foram realizados em alguns sábados e reuniu importantes
nomes do fazer artístico como mediadores das diferenças, teve grande participação
95
por parte dos alunos/professores, que praticaram a dança com cadeirantes e
portadores de paralisia cerebral, Síndrome de Down, dentre outros. Apresentações
de teatro, música, dança, filmes de cinema e exposições, todos realizados por artistas
especiais foram assistidos e apreciados, seguidos de conversas com os realizadores
das obras. Esse processo resultou numa formação e num incentivo à apreciação, ao
respeito e ao interesse em usufruir de novas concepções e expressões artísticas,
ampliando o conceito de estética na Arte.
Um inventário de experiências foi registrado por cada aluno/professor, com o
propósito de que esse material sirva de memória do processo vivido e que também
possa ser consultado em momentos de novas reflexões.
Observações importantes que podemos considerar ao final desta pesquisa: No
final do curso a turma era composta por quatorze mulheres e apenas um homem,
fato que nos sinaliza que uma instituição que é conhecida por ser de Dança, ainda
pode trazer um imaginário preconceituoso a respeito do homem no meio da dança,
mas, deixaremos esse assunto apenas como um objeto de estudo futuro. Outro fator
importante foi o fato de uma das alunas ser cega desde criança. Muito aprendizado
foi obtido por meio dessa convivência plena. Outra aluna compartilhou com a turma
suas questões vividas, desde a infância, pelo fato de ter dislexia e de como a dança e
o trabalho corporal sempre a ajudaram a se estabelecer socialmente. Um aluno tem
um filho com paralisia cerebral e compartilhou com o grupo muitas experiências
sobre o desenvolvimento e sobre os cuidados com essa criança, além de iniciar seu
filho no mundo da dança, acompanhando-o, desde então, em uma aula adequada
para crianças especiais. Um fenômeno que não poderíamos deixar de comentar foi o
fato de quatro alunas ficarem grávidas quase na mesma época. Gestaram e tiveram
96
seus bebês durante o curso. O crescimento dos bebês e suas lindas fases foram
acompanhados de perto por todo um grupo apaixonado, que os tem como afilhados
para sempre. Esse fato específico qualificou, ainda mais, os aprendizados com as
diferenças, pois, foi criada, em muitos momentos, uma nova abordagem para lidar
com as gestantes em tantas fases diferentes e com os próprios bebês, que
frequentaram o curso até o fim junto com suas mães. Podemos dizer então que, ao
final, a turma recebeu mais quatro alunos novos, bem novos.
97
CONCLUSÃO
Esta pesquisa tratou das possibilidades de uma educação corporal para os
docentes, baseada na conscientização do corpo, de sua linguagem e de sua expressão
criativa. O motivo para tal estudo foi adquirido ao longo de muitos anos de experiência
empírica trabalhando com os corpos de professores e profissionais ligados à educação,
acerca das necessidades e dificuldades pelas quais passavam no exercício de suas
funções. Chamava-me atenção, a condição sofrida de muitos corpos que traziam em
suas posturas e movimentos as marcas de uma profissão sobrecarregada de esforços e
múltiplas exigências, acarretando, não apenas o desgaste físico mas, também, fatores
que abalavam suas estruturas emocionais. Porém, a questão mais aguda dessa
problemática, foi a percepção da incidente barbárie inscrita nos corpos dos envolvidos
no campo de educação. Observava que as práticas corporais conscientizadoras e de
potencial criativo exerciam efeitos de facilitação imediatos nas expressões e
comunicações desejadas e que, conforme aumentavam a compreensão dos movimentos
corporais, usavam melhor seus corpos. Tais efeitos mostravam-me uma carência desse
conhecimento prático na formação desses profissionais e, por esse motivo, comecei esta
pesquisa.
Para aprofundar a pesquisa nessa temática utilizamos como principal referencial
teórico, a Teoria Crítica, que por meio dos estudos de T. W. Adorno, baseamos nossos
conceitos sobre as condições acerca do magistério, do legado sócio-histórico relativo a
essa profissão, da barbárie no âmbito educacional, das pressões que a indústria cultural
e o conceito de modelo ideal exercem sobre a sociedade e como isso contribui para a
semiformação dos sujeitos dentro e fora da escola, causando efeitos estereotipados de
comportamento, a regressão dos sentidos e a falta de perspectiva crítica. Nesta pesquisa
98
evidenciamos por meio de dados atualizados que, tanto os docentes, com visíveis sobre-
esforços, violências sofridas e doenças adquiridas no exercício de suas profissões,
quanto os discentes que trazem em seus corpos reflexos de uma sociedade que perpetua
os mecanismos da barbárie em muitos níveis, nos mostram os comprometimentos
desencadeados por um sistema educacional ainda insuficiente para uma formação
atualizada, capaz de desenvolver cidadãos com consciência crítica para exercerem seus
papéis numa democracia. Para tal compreensão recorremos, também, aos conceitos que
os estudos da sociologia do corpo evidenciam na evolução do ser humano na sociedade,
da leitura dos signos que perpassam o corpo e da cultura a que se faz parte na
contemporaneidade. Sobre isso, discorremos a respeito de uma proposta de recuperação
da potencialidade humana por meio da formação cultural e da experiência com a arte,
objetivando o exercício de uma acuidade reflexiva sistemática capaz de promover
espontaneidade, criatividade, originalidade e, portanto, esclarecimento.
Para averiguar tais efeitos descritos nos estudos com a literatura específica e as
informações analisadas, acompanhamos a experiência de um grupo de professores
participantes em um curso de formação continuada por meio da Arte, no caso a Dança.
Esse curso teve como ênfase o desenvolvimento da linguagem corporal como principal
meio de expressão e a conscientização do corpo e de sua estrutura, como caminho
construtor de autonomia. Realizou-se em conceituada instituição superior de ensino da
dança no Rio de Janeiro, no período de março de 2011 até outubro de 2012. Tal
investigação aferiu por meio de pesquisa qualitativa, os efeitos emancipadores de uma
proposta pedagógica construída para atender uma demanda do atual desenho da
educação brasileira, onde os direitos instituídos pelas nossas leis, que visam uma
educação de qualidade para todos, sejam adquiridos nos processos formadores de todas
99
as etapas do conhecimento. Percebemos, ao final, que o potencial de transformação dos
docentes formados, sensibilizou-os a respeito do uso de seus próprios corpos, fazendo-
os capazes de resguardarem-se em suas integridades físicas e, também, acerca de uma
maior sensibilidade de percepção e de comunicação com a diversidade de alunos de
uma sala de aula qualquer da atualidade. Tal sensibilidade adquirida e transformada em
ação nos pareceu ser um meio possível de alcançar uma educação emancipadora e,
principalmente, contra a perpetuação da barbárie.
Ao final, cabe-nos desejar que uma formação com esses objetivos, uma estrutura
assim pensada para a conscientização e sensibilização dos corpos, junto com o
fortalecimento do pensamento crítico por meio da experiência com a Arte, pudesse ser
oferecida nas universidades públicas, principalmente, àqueles que se dedicam ao ofício
de ensinar.
100
REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W. – Educação e emancipação – São Paulo: Paz e Terra, 1995.
........................... – O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição - Os Pensadores
– São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000;
............................. – Correspondência 1928-1940 / Adorno-Benjamin – São Paulo:
Editora Unesp, 2012;
............................ – Mínima Moralia: reflexões a partir da vida lesada – Rio de Janeiro:
Beco do Azougue, 2008;
ADORNO, T. W. e HORKHEIMER, M. – Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro:
Editora Zahar, 1985;
ARROYO, M. G. – Corpos precarizados que interrogam nossa ética profissional – in,
ARROYO e SILVA (orgs.), Corpo infância: exercícios tensos de ser criança. Por
outras pedagogias dos corpos, Petrópolis, RJ: Vozes, 2012;
BARBOSA, A. M. – John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil – 7ª ed. São Paulo:
Cortez Editora, 2011;
................................. - Arte / Educação Contemporânea: consonâncias internacionais –
São Paulo: Cortez Editora, 2005;
BARRENECHEA, M.A- Nietzsche e o Corpo- Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, 2009;
BRASIL – Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996;
BRASIL – Ministério da Educação e do Desporto – Secretaria de Educação Especial.
Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC, 1994;
101
BRASIL – Parâmetros Curriculares Nacionais – Secretaria de Educação Fundamental,
Rio de Janeiro: DP&A, 2000;
BRASIL - Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001;
CALAZANS, CASTILHO e GOMES – Dança e Educação em Movimento, São Paulo:
Cortez, 2003;
CAMPELO, C. R – Cal(E)idoscorpos – um estudo semiótico do corpo e seus códigos.
São Paulo: Editora Annablume, 1996;
CANEN, A. – A Pesquisa Multicultural como Eixo na Formação Docente: potenciais
para a discussão da diversidade e das diferenças – Ensaio: aval. Pol. Pub. Educ. Rio de
Janeiro, v. 16, n.59, p.297-308, abr./jun. 2008;
CHAUÍ, M. – Convite à Filosofia – São Paulo: Editora Ática, 2001;
EDUCAÇÃO em números – Disponível em: WWW.rio.rj.gov.br. Acessado em 30 de
março de 2014;
ELIAS, N. – A Sociedade dos Indivíduos – Rio de Janeiro: Zahar, 1994;
FERREIRA, V. S. – Elogio (sociológico) à Carne: a partir da reedição do texto “as
Técnicas do corpo” de Marcel Mauss, Conferência na Faculdade de Letras da Fundação
Universidade do Porto; Portugal, 2009;
FOUCAULT, M. – Vigiar e Punir - Petrópolis, RJ: Vozes, 2008;
LABAN, R. – Domínio do movimento – São Paulo: Sumus, 1978.
.................... – Dança Educativa Moderna – São Paulo,Ícone, 1990.
102
LE BRETON, D. – A Sociologia do Corpo – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008
LINS, D. (org.) – Nietzsche e Deleuse: Que pode o corpo? – Rio de Janeiro, RJ, Relume
Dumará, 2002;
LOBO, R. (org.) – Reflexões sobre Educação e Barbárie – Seropédica, RJ, Editora
EDUR /UFRRJ, 2010;
LOPES, A.C e MACEDO, E. – Teorias de Currículo- São Paulo, SP: Cortez, 2011
LOWEN, A. – O Corpo em Depressão – São Paulo: Summus Editorial, 1983;
MACEDO, E. – Esse Corpo das Ciências é o Meu? – in MARANDINO, SELES,
FERREIRA e AMORIM (orgs.) – Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em
disputa – Niterói, RJ: EdUFF, 2005;
MAIA, A. F. – O Preconceito como Obstáculo à Educação Sexual: reflexões a partir de
uma perspectiva ética – Florianópolis, v.11, n.01, p. 20-35, jan / jun. 2010;
..................... – As aporias do conceito de autonomia: contribuições pontuais para a
educação emancipatória – In:Teoria Crítica e Formação Cultural: aspectos filosóficos e
sociopolíticos. ZUIN, LASTÓRIA e GOMES (orgs.). Campinas, SP: Autores
Associados, 2012;
MAUSS, M. – Sociologia e Antropologia, São Paulo: Cosac Naif, 2011;
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO – Secretaria de Educação
Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC, 1994;
MORIN, E. – Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro – São Paulo, Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2002;
103
NIETZSCHE, F. – Fragmentos do Espólio – Julho de 1882 ao inverno de 1883/1884.
Brasília: Editora UnB, 2008a;
NIETZSCHE, F. – Fragmentos do Espólio – Primavera de 1884 ao outono de 1885.
Brasília: Editora UnB, 2008b;
NÓBREGA, T. P. - Qual o lugar do corpo na Educação? Notas sobre conhecimento,
processos de cognição e currículo – Educ. Soc., vol.26, n.91, p. 599-615, Maio/Ago.
2005;
NOGUEIRA, M. A – Formação Cultural de Professores ou a Arte da Fuga - Goiânia,
Editora UFG, 2008;
................................. – Por uma educação musical com Adorno (e não como adorno) –
in: Pedagogia da Arte: entre-lugares da escola – volume 2, ICLE, G. (org.) – Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2012;
................................ – A música nos currículos de Pedagogia: espaços em disputa. Anais
do XIX Congresso Anual da Associação Brasileira de Educação Musical. Goiânia,
2010;
OSTROWER, F. – Criatividade e processos de Criação – Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2012;
..............................- Universos da Arte, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1983;
RAMOS, E. – Angel Vianna: a pedagoga do corpo – São Paulo: Summus, 2007;
SILVA, D. J. – Temporalidade do presente, experiência e tempo livre – in ZUIN,
CALMON, LASTÓRIA e GOMES, Teoria Crítica e Formação Cultural: aspectos
filosóficos e sociopolíticos, São Paulo: Autores Associados, 2012;
104
SILVA, E.P.Q. – Quando o Corpo é uma (des)construção Cultural – in MARANDINO,
SELES, FERREIRA e AMORIM (orgs.) – Ensino de Biologia: conhecimentos e valores
em disputa – Niterói, RJ: EdUFF, 2005;
SILVA, T. T. - Documentos de Identidade: uma introdução às teorias de currículo –
Belo Horizonte, MG, Autêntica, 2011;
........................ – (org.) Alienígenas na Sala de Aula: uma introdução aos estudos
culturais em educação – Petrópolis, RJ: Vozes, 1995;
SOARES, C. – Imagens da Educação no Corpo – Campinas, SP, Autores Associados,
2005;
..................... (org.) – Pesquisas sobre o Corpo: ciências humanas e educação –
Campinas, SP: Autores Associados, Fapesp, 2007;
STRAZZACAPPA, M. e MORANDI, C. – Entre a Arte e a Docência: a formação do
artista da dança – Campinas, SP: Papirus, 2006;
STRAZZACAPPA, M. – Educação Somática e Artes Cênicas: princípios e aplicações
– Campinas, SP: Papirus, 2012;
TÜRCKE, C. – Sociedade Excitada: Filosofia da Sensação. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2010;
VAZ, A. F. – Marcas do corpo escolarizado, inventário do acúmulo de ruínas: sobre a
articulação entre memória e filosofia da história em Walter Benjamin e Theodor W.
Adorno. In: Educação do Corpo na Escola Brasileira, TABORDA, M. A. (org.):
Campinas, SP: Autores Associados, 2006:
105
VAZ, A. F. e MWEWA, C. M. – Corpo e Indústria Cultural: notas para a compreensão
da capoeira na sociedade contemporânea – Poiésis – UNISUL, Tubarão, v.1, n.2, p.
116-126, jul / dez. 2008;
VIANNA, K. e CARVALHO, M. A. – A Dança – São Paulo: Siciliano, 1990;
VIEIRA, J. A. – Teoria do Conhecimento e Arte – São Paulo, SP, Expressão Gráfica e
Editora, 2006);
.........................- Ciência: Formas de Conhecimento: Arte e Ciência uma visão a partir
da complexidade – Fortaleza, CE, Expressão Gráfica e Editora, 2007;
106
APÊNDICE – O QUESTIONÁRIO ENVIADO AO FINAL DO CURSO
107
ANEXO – FOTOS DO GRUPO DE PROFESSORES/ALUNOS
OBSERVADOS
FOTO 1 – PARTE DA TURMA REALIZANDO UMA DANÇA
COREOGRAFADA PELO PRÓPRIO GRUPO, JULHO DE 2012;
FOTO 2 – AULA SOBRE ESPAÇO/TEMPO, NOVEMBRO DE 2011;
FOTO 3 – ALUNA DEFICIENTE VISUAL CONSTRUINDO UM
ESQUELETO EM JORNAL, OUTUBRO DE 2011.
top related