imagem corporal

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1999/2000 MONOGRAFIA DE FIM DE CURSO APRESENTADA NA ÀREA DE PSICOLOGIA CLÍNICA Imagem Corporal em

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Page 1: Imagem Corporal

1999/2000

MONOGRAFIA DE FIM DE CURSO APRESENTADA

NA ÀREA DE

PSICOLOGIA CLÍNICA

Imagem Corporal

em

Crianças Vítimas de Abuso Sexual

Page 2: Imagem Corporal

ÍNDICE

RESUMO.......................................................................................................................................................................V

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................................................1

REVISÃO DA LITERATURA.....................................................................................................................................4

ABUSO SEXUAL............................................................................................................................................................4Breve Perspectiva Histórica.....................................................................................................................................4Definição de Abuso Sexual......................................................................................................................................6O Trauma...............................................................................................................................................................15Problemática Corporal Associada ao Abuso Sexual..............................................................................................34

IMAGEM CORPORAL...................................................................................................................................................36O Que é o Corpo ?.................................................................................................................................................36A Imagem Corporal...............................................................................................................................................39Psicologia e Imagem Corporal...............................................................................................................................41

Capisano................................................................................................................................................................................41Schilder..................................................................................................................................................................................42Fenomenologistas..................................................................................................................................................................44Freud e a Perspectiva Psicanalítica.......................................................................................................................................45Fisher e Cleveland: a Visão Desenvolvimentista..................................................................................................................48

Limites do Corpo...................................................................................................................................................50Esquema Corporal Versus Imagem Corporal........................................................................................................51Representação de Si...............................................................................................................................................53

METODOLOGIA........................................................................................................................................................55

TIPO DE ESTUDO.......................................................................................................................................................55DELINEAMENTO........................................................................................................................................................55SUJEITO.....................................................................................................................................................................56PROCEDIMENTO........................................................................................................................................................56INSTRUMENTO...........................................................................................................................................................57

O Desenho como Expressão Gráfica.....................................................................................................................57A Imagem do Corpo e o Desenho da Figura Humana:.........................................................................................................57

Técnica de Aplicação do Desenho da Figura Humana:.........................................................................................61Análise e interpretação:.........................................................................................................................................62

ESTUDO DE CASO....................................................................................................................................................79

HISTÓRIA CLÍNICA.....................................................................................................................................................79HISTÓRIA FAMILIAR...................................................................................................................................................81SITUAÇÃO PESSOAL E FAMILIAR DE SARA APÓS O ABUSO SEXUAL.........................................................................83

AVALIAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DESENHOS.......................................................................................93

DESENHO DA FIGURA HUMANA.................................................................................................................................93Interpretação........................................................................................................................................................102

DESENHO DA AUTO-IMAGEM...................................................................................................................................107Interpretação........................................................................................................................................................113

CONCLUSÕES..........................................................................................................................................................118

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................................................125

ANEXOS.....................................................................................................................................................................132

Page 3: Imagem Corporal
Page 4: Imagem Corporal

RESUMO

No estudo apresentado, o objectivo fundamental é compreender os efeitos do abuso sexual

na auto-imagem corporal de crianças vítimas deste tipo de abuso. Trata-se de um estudo de caso

que, mais do que uma história ou descrição de circunstâncias, é um aprofundamento de

determinados aspectos relativos ao problema.

A imposição da sexualidade de um adulto sobre uma criança, incapaz de determinar a

adequação da sua resposta, tem consequências a todos os níveis: biológico, psicológico e social.

No estudo realizado, são as influências do abuso sexual, a nível da auto-imagem corporal, que

surgem como objecto de investigação. As crianças vítimas de abuso sexual experimentam o seu

corpo como “arrombado”, e vivem uma sensação de invasão da sua intimidade. O corpo é sentido

como “sujo”, “manchado” e desonrado; há uma perda de integridade corporal. As novas

sensações despertadas pelo abuso não são integradas, o que se traduz numa angústia vivida pela

criança, devido a algo que se quebrou no interior do seu corpo.

Que auto-imagem corporal poderá sobreviver a tais sentimentos? É justamente a resposta

a esta questão que se pretendeu encontrar neste estudo.

O trabalho apresentado tem um carácter interpretativo e projectivo, pelo que se torna mais

adequado realizar um estudo de caso. O instrumento utilizado é o Desenho da Figura Humana, de

Machover, método de projecção corporal que permite aceder ao imaginário e que facilita a

Page 5: Imagem Corporal

expressão de sentimentos mais profundos.

O caso apresentado revela a existência de uma auto-imagem corporal perturbada,

caracterizada por uma rigidez excessiva e patológica. O sujeito deste estudo coloca em evidência

nos desenhos todos os mecanismos defensivos que elaborou para se proteger dos ataques

externos, mecanismos estes primordialmente obsessivos. Parece ainda notório a formação de um

falso self (destinado a ocultar aquilo que resta do núcleo do verdadeiro self) “construído” para

combater o sentimento de desprotecção e desamparo.

Os resultados obtidos neste estudo não podem ser conclusivos relativamente à população,

pelo facto de se tratar duma investigação aprofundada duma problemática individual e específica

ao sujeito em causa.

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INTRODUÇÃO

O trabalho aqui apresentado tem como objectivo encontrar uma resposta para um

problema específico, relacionado com a imagem corporal de uma criança vítima de abuso sexual.

O que se pretende estudar é a forma como essa imagem corporal pode ser afectada após uma

experiência abusiva de carácter sexual.

Para uma definição clara e compreensível do tema abordado neste estudo, torna-se

fundamental explorar os dois conceitos essenciais, abuso sexual e auto-imagem corporal.

Muitas e diversas são as definições atribuídas ao abuso sexual, das mais simples às mais

complexas. Se tivermos em conta a definição da OMS (Organização Mundial de Saúde),

poderemos dizer que o abuso sexual é uma exploração sexual, em que a criança é vítima de um

adulto, cujo objectivo é obter satisfação sexual. Este tipo de delito pode assumir diferentes

formas, tais como telefonemas obscenos, atentados ao pudor e voyeurismo, imagens

pornográficas, relações sexuais, violação, incesto e prostituição de menores. No entanto, existe

alguma falta de precisão na definição de abuso sexual infantil. Embora seja entendido como uma

experiência sexual não desejada com um adulto, alguns autores incluem, na categoria de abuso,

experiências nas quais não há contacto, como a exposição de genitais e propostas verbais. Não

obstante, a questão central é o consentimento: a criança não tem maturidade suficiente para fazer

uma completa apreciação do significado dum encontro sexual e, portanto, não pode dar um

consentimento informado. Assim, facilmente se deduz que os resultados do abuso sexual podem

ser devastadores na vida duma criança.

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Page 7: Imagem Corporal

A auto-imagem corporal é essencial na organização da personalidade e as experiências

individuais corpóreas constituem essa imagem corporal enquanto experiência psicológica. Se as

vivências corporais se traduzem em experiências dolorosas, como acontece no abuso sexual,

torna-se pertinente avaliar as consequências ao nível da construção de si e da imagem corporal,

pois estas poderão revelar-se desastrosas.

No estudo apresentado, ambos os conceitos acima referidos serão aprofundados, com base

em teorias e pensamentos formulados por diversos autores. Apesar de não existirem estudos

anteriores acerca duma possível relação entre uma experiência de abuso sexual e danos na

imagem corporal, este trabalho irá procurar, através de um estudo de caso, a existência ou não

dessa mesma relação.

Formulação do problema

A relação existente entre o abuso sexual cometido sobre uma criança e as consequências

desse abuso, reflectidas na auto-imagem corporal, nunca foram objecto de estudo. No entanto,

muitos são os indícios da existência dessa relação.

Alguns autores, como Rouyer, Bagley ou Gabel, têm-se debruçado sobre o Abuso Sexual,

no sentido de compreender o impacto que este tem sobre as vítimas, especialmente quando se

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trata de crianças. Estes autores consideram que a problemática associada ao abuso sexual passa

sempre pelo corpo, quer através de sensações de desfragmentação corporal, quer através de

somatizações (Rouyer, 1992; Bagley, 1992;Gabel, 1992).

Após algumas leituras relativas ao Abuso Sexual, e após se ter constatado a existência de

sensações desagradáveis face ao próprio corpo (por parte das vítimas deste tipo de crime), este

estudo vem propor a análise das consequências do abuso na auto-imagem corporal. Um corpo

sentido como invadido, defraudado, ou sujo, pode conduzir a uma perda de integridade corporal

e, consequentemente, a uma auto-imagem corporal danificada e negativa.

Coloca-se, então, o seguinte problema:

Será que o abuso sexual de crianças tem consequências a nível da auto-imagem corporal ?

Associado a este problema, surgem algumas questões pertinentes:

1. Como é sentido e vivido o corpo da criança vítima de abuso sexual ?

2. Até que ponto a imagem corporal, possivelmente perturbada pelo abuso sexual,

influencia o funcionamento psicológico ?

REVISÃO DA LITERATURA

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Abuso Sexual

A actividade sexual entre crianças e adultos é considerada crime em todos os países. A lei

requer que médicos, psicólogos, professores, assistentes sociais, e outros que trabalham com

crianças que denunciem todos os casos suspeitos de abuso sexual infantil. A polícia deve

investigar cada caso.

Breve Perspectiva Histórica

A infância, conhecida como um período de educação e de formação, é um dado social

relativamente novo, e contemporâneo do século XX. Somente a partir do momento em que o

trabalho infantil é proibido por lei, é que a criança deixa de ser “um pequeno adulto” e passa a

ser considerada como um ser num determinado momento da vida. Só assim passa a ser possível o

aparecimento duma Psicologia da Criança. Após a II Guerra Mundial, uma dinâmica de

emancipação atribuída a diferentes movimentos sociais conduz à noção de defesa dos direitos da

criança.

No que diz respeito ao abuso sexual infantil, este tem existido, ao longo de toda a

História, nas mais variadas formas e culturas. Florence Rush, em 1980 (ref. por Bagley & King,

1992) debruçou-se sobre a história do abuso sexual infantil e traçou os antecedentes do mesmo,

bem como a sua contínua difusão numa perspectiva histórica. A sua exposição coloca firmemente

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o abuso sexual infantil dentro de um sistema patriarcal, no qual mulheres e crianças são

propriedade dos seus maridos ou pais. Por exemplo, segundo a lei tradicional Talmudic, uma

criança do sexo feminino, com mais de 3 anos de idade, pode ficar noiva através de relações

sexuais com a permissão do seu pai. Relações sexuais com uma criança com menos de 3 anos é

considerada inválida, mas não um crime. A violação é interpretada como um crime de roubo

contra o pai que pode ser legitimado através de pagamento e do casamento.

Segundo De Mause (1975) e Rush (1980), o abuso sexual não tem sido restringido

somente a crianças do sexo feminino. A história grega incluía a popularidade do uso sexual de

rapazes, e a castração de jovens rapazes escravos que, então, eram comprados e vendidos para

uso sexual (ref. por Bagley & King, 1992).

A época Vitoriana também representa um marco importante na história do abuso sexual.

Esta revelou o “culto da pequena menina”, a escravatura branca, e foi também uma época de

pornografia comercial envolvendo crianças.

As condições de vida na sociedade da década de 80, uma sociedade industrializada e

desumanizada, marcada pela grande disparidade na divisão do poder económico, foram uma das

grandes causas da quebra de laços e valores familiares. Segundo Jean-Claud Chesnais (1981), um

historiador francês, a alta fertilidade combinada com pobreza crónica conduzem à negligência, ao

abandono e ao infanticídio de um largo número de crianças (ref. por Bagley & King, 1992). As

neglicenciadas morrem frequentemente.

Aliás, os pais têm virtualmente o poder absoluto nestas famílias carenciadas, e são os

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protagonistas do abuso. A adicionar ao abuso físico, os pais exercem poderes sexuais sobre todas

as mulheres da família, incluindo os seus próprios filhos. Em tais circunstâncias, o abuso sexual

infantil é muito frequente.

Felizmente, as técnicas de controle da fertilidade têm aumentado, e a pobreza diminuído,

nos últimos dez anos. A adicionar a isto, a opinião popular actual acerca do abuso sexual tem

evoluído no sentido de valores mais protectores e afectuosos. Desta forma, o abuso físico, a

negligência e o homicídio infantil também diminuem. Mas o poder residual dos pais permanece,

bem como o poder sexual e o controle sobre a família. Os filhos (que eventualmente se tornam

pais) são socializados nestas normas de poder absoluto, e desta forma se perpetua a cultura do

abuso.

Definição de Abuso Sexual

Antes de apresentar qualquer definição de abuso sexual, há que definir o que é a saúde da

criança e, consequentemente, a saúde sexual da criança. A saúde, em geral, define-se como um

bem-estar na mente, corpo, ou alma, especialmente livre de doença ou dor. Podemos

intuitivamente pensar que o estado de saúde significa um corpo livre de doença ou incapacidade,

uma mente livre de ignorância ou distúrbio, e uma alma livre de culpa e medo. Baseado neste

conceito, a saúde sexual significa um corpo livre para a expressão, uma mente livre para a

decisão, e uma alma livre para o prazer. A saúde sexual para a criança irá incorporar estes valores

ao longo do seu desenvolvimento.

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Quando uma criança é abusada sexualmente, a sua saúde sexual é obviamente colocada

em causa. Mas como podemos definir uma “criança vítima de abuso sexual” ? São três os termos

que compõem esta expressão: criança, vítima e abuso sexual (Gabel, 1992).

Pode definir-se criança utilizando o critério da idade: 15 anos. Os pais ou seus substitutos

devem proteger o menor na sua segurança, saúde e moralidade. Mas mais do que os critérios da

idade, temos que ter em conta os critérios de maturidade psíquica e psicológica, pois sabemos

que, muitas vezes, existe uma desarmonia entre a evolução da puberdade e a evolução

psicoafectiva. Por enquanto é a lei que fixa, pela idade, o limite após o qual há delito sexual

(Gabel, 1992).

Quando se diz que uma criança é vítima, é porque ela é sacrificada aos interesses do

outro. Em matéria de abuso sexual, sabe-se que o trauma que ataca a criança não se reduz ao acto

em si mesmo. Na criança em que o abuso sexual se faz acompanhar de violência, as sequelas são

visíveis: equimoses, dilacerações, infecções. Mas são as sevícias afectivas que são, sem dúvida,

as mais graves e difíceis de avaliar: sentimentos de culpa, angústia, depressão, dificuldades

relacionais e sexuais na vida adulta, entre outras. Não podemos ter certeza que os abusos sexuais

deixam, em todas as crianças, traços tão profundos: é mais, sem dúvida, a vulnerabilidade, a

idade da criança, a repetição e tipo de abuso, ou o silêncio da criança que causam a gravidade do

traumatismo.

Sandra Butler, na sua obra Conspiracy of silence: the trauma of incest (1985), diz: “O

resultado mais devastador da imposição da sexualidade adulta sobre uma criança, incapaz de

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Page 13: Imagem Corporal

determinar a apropriação da sua resposta, é a perda irrecuperável da inviolabilidade e da

confiança da criança nos adultos da sua vida” (cit. por Bagley & King, 1992, p.38).

A necessidade de descobrir a importância deste problema, durante os anos 70, conduziu as

primeiras pesquisas anglo-saxónicas sobre grupos de risco: prostitutas, fugitivos, suicidas,

toxicodependentes, etc., com o fim de determinar se existe uma ligação entre os abusos sexuais

durante a infância e este tipo de perturbações. Os estudos mais recentes mostram que se os efeitos

na vítima são uma realidade, não é para menos que uma evolução linear definirá as ligações entre

as sevícias e as condutas delituosas posteriores.

O termo abuso sexual foi admitido preferencialmente a sevícias sexuais ou a violência

sexual, que exclui os abusos muito numerosos cometidos sem violência, ou ainda a exploração

sexual que conota, de preferência, a pornografia ou a prostituição de crianças. Etimologicamente,

«abuso sexual» indica um mau uso ou um uso excessivo. Este termo não significa, como dizem

alguns que críticos, que existe uma utilização permitida, porque abusar é precisamente ultrapassar

os limites e, portanto, transgredir (Gabel, 1992).

Abuso contém igualmente as noções de poder: abuso de poder e de astúcia, e abuso de

confiança, ambas noções onde a intenção e a premeditação estão presentes.

Segundo Gabel (1992), o abuso sexual supõe um disfuncionamento a 3 níveis:

- o poder exercido por um grande (forte) sobre um pequeno (fraco);

- a confiança acordada por um pequeno (dependente) com um maior (protector);

- a utilização delinquente da sexualidade, ou seja, atentado ao direito de propriedade, de

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todo o indivíduo, sobre o seu corpo.

No entanto, o abuso sexual deve, devido à sua definição, estar claramente situado no

quadro dos maus tratos aplicados às crianças. Esta noção recente marca bem o alargamento duma

definição, na qual se passou da expressão “criança batida” (onde está em causa apenas a

integridade corporal) para “criança maltratada”, onde se encaixa o sofrimento psicológico e moral

(Gabel, 1992).

De todos os aspectos do mau trato, o abuso sexual de crianças é, sem dúvida, o mais

difícil de apreender, pois ele apoia-se numa utilização abusiva da autoridade que o adulto detém

sobre a criança. Por outro lado, ele coloca em causa a sexualidade do adulto, tal como a da

criança e carrega esta última duma considerável culpabilidade.

Deve distinguir-se os abusos sexuais cometidos por adultos sobre crianças e aqueles que

são cometidos por crianças e jovens entre si. Da mesma forma, deve distinguir-se o abuso sexual

cometido no seio da família – em particular, o incesto -, e aquele que é cometido fora da família.

Todavia, as definições geralmente descritas não distinguem estes três grupos: os

ascendentes ou aqueles que possuem a autoridade, as pessoas desconhecidas, e os pares.

É assim que a OMS define o abuso sexual:

«A exploração sexual duma criança implica que esta seja vítima dum adulto ou de uma

pessoa sensivelmente mais velha, cujo fim é a satisfação sexual. O delito pode tomar diferentes

formas: telefonemas obscenos, ofensas ao pudor e voyeurismo, imagens pornográficas, relações

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ou tentativa de relações sexuais, violação, incesto ou prostituição de menores.» (cit. por Gabel,

1992, p. 7).

Não existe consenso, por parte dos vários autores que se debruçam sobre o estudo do

abuso sexual, acerca da definição do mesmo. No entanto, Kempe (1977) indica, na sua definição,

que se trata de actividades sexuais inadequadas à idade e ao desenvolvimento psicossexual da

criança que se submete, por coacção, à violência ou sedução, ou que transgride os tabus sociais

(ref. por Gabel, 1992). Michéle Rouyer, incluiu as condutas que implicam uma proximidade

corporal excessiva e erotizada, onde o voyeurismo ou exibicionismo são impostos à criança (ref.

por Gabel, 1992).

Dubé e St.-Jules (1987) definem abuso sexual como um acto sexual imposto a uma

criança, cujo desenvolvimento afectivo e cognitivo não lhe permitem compreender plenamente a

sua natureza, e que é incapaz de dar um consentimento esclarecido às acções, acções estas que

violam os tabus e os interditos sociais (ref. por Carmo, 1993).

Duma forma geral, o abuso sexual consiste em fazer participar crianças e adolescentes,

imaturos do ponto de vista desenvolvimental, em actividades sexuais que eles não podem

compreender plenamente e as quais são incapazes de consentir com conhecimento de causa, ou

em actividades que violam os tabus sociais vinculados aos papéis sociais. Aqui se inclui a

pedofilia (preferência ou tendência dum adulto por relações sexuais com crianças), a violação e o

incesto.

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Page 16: Imagem Corporal

“Exploração sexual” é a outra designação frequentemente utilizada. Com efeito, estas

crianças e adolescentes são explorados na medida em que o abuso sexual lhes retira o controle,

determinado pelo desenvolvimento, do seu próprio corpo e, quando eles são mais maduros, das

suas preferências pessoais por uma relação baseada na igualdade dos parceiros. Pode acontecer a

criança ser confrontada com um único acto, manifesto e talvez violento, cometido por um

estranho à família, ou com actos incestuosos, forçados ou não, muitas vezes repetidos ao longo

dos anos (Ruth & Kempe, 1978).

Para Kathleen Faller (1990), abuso sexual infantil é um acto abusivo, pois envolve

pessoas em diferentes estádios de desenvolvimento. Isto quer dizer que existe uma diferença de

idades entre vítima e agressor, pelo menos de 5 anos, e o agressor é a parte mais velha que exerce

violência sobre a mais nova.

Segundo Sandra Butler (1985), o abuso sexual é qualquer actividade sexual imposta à

criança, que resulta em trauma emocional, físico e sexual. Mrazek, por seu turno, sublinha a

importância da cultura na qual o abuso ocorre (Carmo, 1993).

Podemos classificar os abusos sexuais da criança em duas categorias: intra-familiar

(quando ocorrem no seio da família) e extra-familiar (quando ocorrem no exterior da família).

Os abusos sexuais intra-familiares referem-se sobretudo a situações incestuosas, elas

mesmo definidas como actividades sexuais entre uma criança e um progenitor, um padrasto ou

madrasta, um membro da família alargada, ou um adulto que represente os pais, nunca

esquecendo os irmãos.

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Page 17: Imagem Corporal

Bentovim e Kempe (1983) alargaram o laço parental familiar a um laço parental

adquirido. O laço de autoridade ou de confiança é particularmente significativo. Esta definição é

apropriada ao meio clínico, mas não corresponde às definições legais habituais que têm tendência

a restringir o incesto a actos sexuais entre uma criança e pessoas a ela ligadas pelo sangue

(Carmo, 1993).

Os abusos sexuais extra-familiares implicam agressores (conhecidos ou estranhos) que

não são ligados à criança por laços familiares. O agressor conhecido está, geralmente, numa

posição de confiança relativamente à criança. O desconhecido é mais difícil de encontrar, mas

provavelmente é aquele que mais pratica actos violentos.

Kathleen Faller (1990), na sua obra Understanding Child Sexual Maltreatment, afirma

que a definição de abuso sexual contém três componentes essenciais: (1) os tipos de

comportamento, (2) os parâmetros dos encontros sexuais abusivos versus encontros sexuais não

abusivos, e (3) os padrões de abuso sexual.

Os tipos de comportamento incluem, por exemplo, o abuso sexual sem contacto

(comentários sexuais, exposição de partes íntimas, voyeurismo, etc.), as carícias (o toque de

partes íntimas da criança, a indução da criança para que esta toque as partes íntimas do adulto,

etc.), a penetração objectal ou digital (colocar o(s) dedo(s) ou objecto (s) na vagina ou ânus da

vítima, por exemplo), o sexo oral e a penetração.

Os parâmetros das relações sexualmente abusivas relacionam-se com a idade dos

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Page 18: Imagem Corporal

parceiros. É necessário definir quem é o agressor, qual é a idade limite da vítima, e como se

interpretam encontros sexuais aparentemente consensuais entre pessoas de diferentes idades,

para que se possa discernir os encontros abusivos dos não abusivos.

No que diz respeito aos padrões de abuso sexual, Faller considera que os actos sexuais

considerados abusivos podem ser: sexo em díade, sexo em grupo, exploração sexual, círculos de

sexo, e abuso sexual ritualizado (1990).

Summit e Kryso (1978) apresentaram um espectro de 10 pontos para a análise clínica do

abuso sexual infantil. As suas categorias incluem: o (1) contacto sexual incidental, que é

acidental ou não-planeado; o (2) contacto sexual ideológico, em que os adultos permitem ou

encorajam a exposição sexual, acreditando sinceramente que é para o benefício do

desenvolvimento da criança; a (3) intrusão psicótica, em que os adultos sofrem de confusão da

realidade; o (4) ambiente subcultural, onde existem algumas contradições culturais de valores; o

(5) verdadeiro incesto endógamo, em que o pai escolhe erotizar a relação com a sua filha; o (6)

incesto misógino, em que a relação é caracterizada pelo ódio ou pelo medo; o (7) abuso sexual

imperioso, em que o homem age a sua autoridade; o (8) abuso pedófilo, em que existe uma

fascinação erótica por crianças; a (9) violação da criança, em que o abusador necessita de se

sentir poderoso e é violento com a criança; e o (10) abuso perverso, que é o mais bizarro e

destrutivo, com ênfase nos múltiplos parceiros e torturas ritualizadas (ref. por Bagley & King,

1992).

Kempe e Kempe (1984) listaram as seguintes categorias de abuso sexual: (1) incesto –

actividade sexual entre membros da mesma família; (2) pedofilia – a preferência de um adulto

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Page 19: Imagem Corporal

por crianças na pré-puberdade como objectos sexuais; (3) exibicionismo – a exposição dos

genitais por um adulto do sexo masculino; (4) moléstia – comportamentos como tocar, acariciar,

beijar, e a masturbação; (5) relação sexual – incluindo contactos oral-genital, anal-genital e pénis-

vagina; (6) violação - relação sexual ou tentativa de relação sexual sem o consentimento da

vítima; (7) sadismo sexual – a inflicção de danos corporais como meio de obter excitação sexual;

(8) pornografia infantil – produção e distribuição de material envolvendo menores em actos

sexuais; e (9) prostituição infantil – o envolvimento de crianças em actos sexuais, para obtenção

de lucro (ref. por Bagley & King, 1992).

Estas categorias não são, obviamente, mutuamente exclusivas, e ilustram a mistura de

actividades às quais as crianças podem ser sujeitas.

Será que a vitimização sexual infantil é uma outra forma de abuso infantil ou uma outra

forma de violação? David Finkelhor, em 1979, afirma que os três actos são fenómenos distintos.

O autor escolheu a palavra vitimização para diferenciar o abuso sexual do abuso físico, no qual

“a criança é vitimada pela idade, pela inocência, e pela relação com o adulto, e não pela intenção

agressiva do comportamento agressivo” (cit. por Bagley & King, 1992, p.44), que inclui a

penetração, as carícias genitais, o exibicionismo, etc..

Ainda segundo Finkelhor (1979), uma semelhança entre abuso físico e abuso sexual é o

facto de ambos se prolongarem no tempo, e ainda o facto da mesma criança poder ser vítima dos

dois tipos de agressão, cometidos pelo mesmo ou por diferentes agressores. No entanto, os actos

não tendem a ocorrer simultaneamente. O abuso sexual é, antes de tudo, psicológico. A intenção

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do agressor passa pela sua própria gratificação sexual, mais do que provocar danos físicos (ref.

Bagley & King, 1992).

A vitimização sexual distingue-se da violação, segundo o autor, pelos perfis das vítimas e

pelas circunstâncias da ofensa. Embora ambas as agressões sejam mais praticadas por indivíduos

do sexo masculino e causem variados graus de trauma, a vitimização infantil é dirigida tanto a

meninas como a rapazes. As crianças são mais frequentemente vitimadas por amigos ou

familiares do que são vítimas de violação; a vitimização infantil consiste, mais frequentemente,

em actos repetidos, nos quais a força física e violência são menos utilizadas; e o acto sexual

específico é, menos frequentemente, a penetração.

O Trauma

Summit (1983) desenvolveu um modelo simples para explicar a reacção da criança a

seguir ao assalto sexual. A reacção da criança é tipicamente caracterizada pelo segredo, a falta de

apoio, o sentimento de captura, a revelação demorada, e o retraimento (ref. por Bagley & King,

1992).

O segredo pode tomar medidas monstruosas para a criança que é frequentemente

ameaçada e dependente da realidade definida pelo agressor. A criança pode ser silenciada com

ameaças como castigos, ser levada de casa, a família separar-se, ou o agressor ser preso, tudo isto

aterrador para uma criança que não tem forma de testar a realidade. O fardo de um segredo pode

tornar-se uma parte integral da experiência da infância.

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Geralmente, espera-se que as crianças mostrem obediência e afecto para com os adultos,

especialmente para com aqueles que estão em posições de autoridade. Para Bagley e King (1992),

a criança, desta forma, está em desvantagem, no que diz respeito ao poder, desde o início, e irá

tipicamente aguentar silenciosamente. Uma reacção natural é desenvolver competências de

sobrevivência, o que personifica um sentido de poder e de controle pessoal. Tal alternativa

envolve a criança abusada na crença de que ela, de alguma forma, causou a sua própria dor.

Estas reacções, muitas vezes, resultam numa revelação demorada ou nada convincente.

Summit (1983) descreve a teia em que a criança é, muitas vezes, apanhada. Se elas sobrevivem,

agindo a sua raiva através de actos delinquentes, elas são desacreditadas por causarem mais

problemas. Se, por outro lado, elas tentarem esconder a sua dor e vergonha sob um exterior

sereno e perfeito, elas são igualmente desacreditadas por apresentar queixa às autoridades,

quando não parecem afectadas. Mais uma vez, a pressão é feita contra a criança para assumir a

responsabilidade da situação, e um retraimento fabricado acarreta maior credibilidade do que a

revelação original (Bagley & King, 1992).

No entanto, o ciclo de acomodação é completado e a criança continua a carregar o fardo

do abuso. Ward (1984) defende: “Quando a realidade é negada, não há para onde ir excepto para

uma realidade própria, a qual, por definição, não pode ser partilhada e é chamada de loucura”

(cit. por Bagley & King, 1992, p. 113).

O abuso sexual na infância pode ter consequências a longo prazo, extremamente

dolorosas e perturbadoras. Se a criança não é acompanhada e apoiada após a experiência abusiva,

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o sofrimento e a angústia podem perdurar por toda a vida.

O stress pós-traumático tem sido reconhecido como um modelo específico para veteranos

de guerra. Esta patologia caracteriza-se por “pesadelos, lembranças intrusivas do acontecimento,

agir ou sentir como se o evento fosse recorrente em resposta a uma deixa situacional, lapsos de

memória, ansiedade, problemas relacionais, e por um sentimento de separação relativamente aos

outros” (Blake-White e Kline ,1985, cit. por Bagley & King, 1992, p.113).

Um padrão de sintomas similares é identificado por Gerald Ellenson (1985,1986) como

factores clínicos susceptíveis de prever uma história de incesto de assalto sexual na infância,

sendo o contacto físico de natureza sexual entre um menor e uma pessoa sexualmente madura, a

qual é percebida pelo menor como sendo digna de confiança. Estes sintomas, únicos e partilhados

por mulheres sobreviventes, podem ser classificados como perturbações do pensamento e

perturbações perceptuais (Bagley & King, 1992).

Segundo Ellenson, entre as perturbações do conteúdo do pensamento, são recorrentes os

pesadelos com temáticas violentas, as obsessões intrusivas desordenadas tais como o impulso

para magoar uma criança ou o medo que uma criança seja magoada, dissociações e fobias

persistentes (1985).

As perturbações da percepção incluem alucinações recorrentes, tais como sentir o diabo

em sua casa ou no seu corpo, alucinações auditivas, visuais e tácteis. As alucinações auditivas são

descritas como uma criança a chorar, ideias de um intruso em casa, ou vários ruídos

perturbadores. As alucinações visuais comuns são o movimento na visão periférica, sombras

17

Page 23: Imagem Corporal

furtivas, e figuras negras sentidas como homens perigosos. Exemplos de alucinações tácteis são a

sensação de ser tocado ou sentir que as roupas estão a ser puxadas. Outros exemplos menos

comuns são as alucinações cinestésicas tais como ver a cama movimentar-se, as alucinações

somáticas como choques ou sensação de peso no corpo quando deitado.

Ellenson (1985) afirma que “uma inacreditável quantidade de ansiedade e sofrimento

pode estar associado a alguns destes sintomas” (cit. por Bagley & King, 1992, p.114). Como

resultado, as vítimas podem tentar negar ou minimizá-los. Ellenson sugere que o sintoma é

significativo se ele ocorre duas ou mais vezes num mês. Uma combinação de sete ou mais

sintomas é um factor susceptível de prever uma história de abuso sexual crónico na infância.

Uma combinação de cinco, incluindo pelo menos um distúrbio perceptivo, é altamente preditivo,

como são quaisquer duas perturbações perceptivas. O autor é de opinião que raramente as vítimas

de abuso revelam as suas perturbações perceptivas e, quando o fazem, nunca as relacionam com

as histórias de incesto.

Segundo Briere (1984), outros síndromas e agrupamentos de sintomas associados ao

abuso sexual são os estados borderline, os quais, por vezes, se parecem, com a psicose, e são

muitas vezes erroneamente diagnosticados como esquizofrenia e como um fenómeno de múltipla

personalidade (ref. por Bagley & King, 1992). Adicionalmente, a grande e crónica diminuição da

auto-estima é, muitas vezes, um resultado do abuso sexual na infância, e isto torna os indivíduos

vulneráveis a acontecimentos stressantes anos mais tarde, o que por sua vez conduz ao cenário de

depressão grave (Bagley e Young, 1988, ref. por Bagley & King, 1992).

Kempe afirma que a criança com menos de 5 anos, após ter sido vítima de agressão

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Page 24: Imagem Corporal

sexual, pode apresentar terrores nocturnos e outras formas de regressão. A criança, na escola

primária, pode apresentar manifestações clínicas subtis, que se traduzem em impulsos repentinos

de angústia, medo, depressão, insónias, histeria, ganho ou perda de peso maciços e súbitos,

insucesso escolar fora do habitual, faltar às aulas e fugas (Ruth & Kempe, 1978).

Segundo Kathleen Faller (1990), as crianças que sofreram abuso sexual podem mostrar

sintomas que se dividem em sintomas sexuais e sintomas não sexuais, ambos indicadores de

possível abuso sexual. Em adição, Faller considera também as crianças assimptomáticas.

Sintomas sexuais:

As crianças que demonstram comportamento sexual, que possuem conhecimento sexual, e

que fazem afirmações acerca de actividades sexuais, necessitam de ser avaliadas por possível

abuso sexual. Estes sintomas são principalmente preocupantes em crianças pequenas. Elas não

suficientemente maduras para terem recebido qualquer educação sexual e não tendem a ser

sexualmente activas ou conhecedoras de pares que as tenham exposto a material sexual.

a) Comportamento sexual. Existem 6 diferentes tipos de comportamento sexual que

podem assinalar possível abuso sexual: (1) masturbação excessiva, (2) interacção sexual com

parceiros, (3) agressão sexual face a crianças mais novas ou mais ingénuas, (4) abordagem sexual

a pessoas mais velhas ou adultos, (5) comportamento sedutor, e (6) promiscuidade.

b) Conhecimento sexual. Um indicador de possível abuso sexual em crianças pequenas é

o conhecimento sexual para além do que é esperado no seu estádio de desenvolvimento.

19

Page 25: Imagem Corporal

Portanto, quando crianças pequenas conhecem a penetração digital, sabem que os homens

adultos têm erecções, conhecem a ejaculação, sabem que o pénis entra na vagina durante a

relação, sabem o que se sente durante a penetração, sabem o que é o fellatio e o cunnilingus,

conhecem a penetração anal, sabem o que se sente durante o sexo oral, e conhecem o paladar do

sémen e a sua aparência, a possibilidade de abuso sexual deve ser explorada.

c) Afirmações sexuais. Quando uma criança faz uma afirmação indicando que foi

sexualmente abusada, isto requer uma cuidadosa investigação.

Muitas vezes, estas afirmações são feitas inadvertidamente, por exemplo, em resposta a

uma situação particular, ou ingenuamente, pois a criança não sabe que há algo errado com o

abuso sexual.

Sintomas não-sexuais:

As crianças podem demonstrar uma série de sintomas relacionados com o abuso sexual.

No entanto, estes sintomas podem estar relacionados com outros tipos de trauma como, por

exemplo, o abuso físico, a desarmonia ou o divórcio parental, o alcoolismo na família, o

nascimento dum irmão, a morte dum parente, uma mudança de casa, e até mesmo uma catástrofe

natural. Esta sintomatologia não deve ser considerada conclusiva acerca do abuso sexual, mas

deve ser considerada importante para a realização de uma investigação.

a) Distúrbios funcionais - Incluem problemas do sono, problemas de intestinos e de

bexiga, e problemas alimentares. As crianças que vivem ou viveram experiências de abuso

sexual, podem ter pesadelos, não conseguirem dormir, terem medo do escuro, serem sonâmbulas,

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Page 26: Imagem Corporal

ou falarem durante o sono. Podem ir para a cama dos pais durante a noite. As crianças já

treinadas para a casa de banho podem tornar-se enuréticas ou encopréticas, durante o dia ou a

noite, ou ambos. A encoprese é associada, por vezes, à penetração anal. A perda de apetite pode

ser uma resposta ao abuso sexual. As raparigas adolescentes podem tornar-se anorécticas ou

bulímicas. Contudo, algumas comem excessivamente para se tornarem menos atraentes aos olhos

dos agressores.

b) Problemas emocionais - Alguns observadores registam a mudança de personalidade em

crianças vítimas de abusos sexual. Nalguns casos, a criança pode tornar-se depressiva,

preocupada, hiperactiva, ou ansiosa. Muitas vezes, a ansiedade manifesta-se por fobias. Estas

fobias podem estar relacionadas com as ameaças do agressor para que nada seja revelado.

c) Problemas de comportamento - Incluem agressões físicas de outras crianças, parceiros,

ou até adultos (incluindo os pais), e outras dificuldades relacionais.

d) Problemas no desenvolvimento e na escola - Um efeito possível do abuso sexual é a

interferência no desenvolvimento cognitivo. Uma das consequências é o abalo da confiança

básica, um pré-requisito fundamental para o desenvolvimento posterior, incluindo o

desenvolvimento cognitivo. As crianças vítimas podem sofrer falhas no discurso, no controle

motor, e no desenvolvimento motor em geral. Os problemas mais comuns surgem na

concentração e na performance escolar.

No que diz respeito à ausência de sintomas, um facto curioso é que algumas crianças,

vítimas de abuso sexual, no presente ou no passado, não demonstram qualquer indicador dessa

21

Page 27: Imagem Corporal

experiência.

É tentador pensar que estas crianças não ficaram afectadas pelo abuso. No entanto, é mais

provável que os efeitos sejam subtis ou que tenham ficado retardados, ou que a criança tenha sido

bem socializada pelo agressor, e nalguns casos pela família, para não revelar qualquer sinal.

Adicionalmente, os sintomas podem ser interpretados como consequências de outros eventos, ou

como normais do ponto de vista do desenvolvimento.

“Algumas crianças ficarão com menos marcas do que outras, tais como alguns soldados

que retornam da guerra com poucas ou nenhumas cicatrizes. Muito poucas, no entanto, ficarão

inalteráveis pela experiência.” (Justice e Justice, 1979, cit. por Bagley & King, 1992, p.114).

Groth (1978) considera que a “quantidade” de trauma experienciado pelas vítimas de

abuso sexual infantil é uma função de 4 factores: (1) a natureza da relação entre vítima e

agressor; (2) a duração da relação; (3) o tipo de actividades ocorridas; e (4) o grau de agressão ou

força envolvida (ref. por Bagley & King, 1992). Mrazek e Mrazek, em 1981, adicionam mais

dois factores: (5) a idade e a maturidade do desenvolvimento da criança; e (6) a diferença de

idades entre vítima e agressor (ref. por Bagley & King, 1992).

A reacção de pais e familiares, a reacção dos profissionais, e o tipo de tratamentos (se

existe algum) que são oferecidos, são também factores que podem contribuir para o trauma. Um

único incidente, vivido como desagradável, pode ter efeitos negativos que podem ser exacerbados

pelo horror da família e dos profissionais.

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Page 28: Imagem Corporal

Finkelhor e Browne (1985) forneceram um modelo de factores que afectam o trauma,

baseados nas reacções subjectivas da vítima, e não em critérios externos. Os 4 factores

identificados são a sexualização traumática, a traição, a falta de poder, e a estigmatização (ref.

por Bagley & King, 1992).

A sexualização traumática refere-se ao “processo através do qual a sexualidade da criança

(incluindo sentimentos e atitudes face ao sexo) é formada de modo inadequado e disfuncional do

ponto de vista interpessoal, como resultado do abuso sexual” (Finkelhor e Browne, 1985, cit. por

Bagley & King, 1992, p.115). As crianças muito traumatizadas podem enfrentar a situação

tornando-se promíscuas ou desenvolvendo uma aversão ao sexo. Cada tipo de reacção representa

uma falha para desenvolver relações sexuais ditas normais.

A traição é a dinâmica em que “a criança descobre que alguém, de quem ela era

vitalmente dependente, lhe causou danos” (Finkelhor & Browne, 1985, cit. por Bagley & King,

1992, p.115). Isto tem consequências ao nível da confiança noutras pessoas em muitas situações

subsequentes, especialmente aquelas que envolvem relações interpessoais. Esta capacidade de

confiar acaba por falhar.

Finkelhor e Browne (1985) afirmam que a falta de poder é um processo dinâmico, no qual

“a vontade, os desejos e o sentido de eficácia da criança são continuamente violados (cit. por

Bagley & King, 1992, p.116). A invasão repetida do território e corpo da criança reforça a sua

auto-percepção como vítima. Assaltos prolongados podem conduzir a vítima a um sentimento

permanente de falta de poder, e a uma incapacidade para evitar outras vitimizações (sexuais,

sociais e económicas).

23

Page 29: Imagem Corporal

A estigmatização refere-se a um processo pelo qual conotações negativas, tais como a

maldade, a vergonha, a culpa, “são comunicadas à criança no âmbito da experiência e depois

incorporam-se na sua auto-imagem” (Finkelhor e Browne, 1985, cit. por Bagley & King, 1992,

p.116). Manter o segredo de ter sido vítima de abuso sexual pode aumentar o sentimento de

estigma, já que reforça o sentimento de ser diferente.

A maioria dos autores concorda em reconhecer que a criança vítima de abuso sexual corre

o risco duma psicopatologia grave que perturba a sua evolução psicológica afectiva e sexual.

Segundo Rouyer, um estudo canadiano de Ontario estudou 125 crianças, com menos de 6

anos, hospitalizadas por abuso sexual, das quais 60% sofreu violências sexuais no seio da família.

Dois terços das crianças apresentaram reacções psicossomáticas e perturbações do

comportamento: pesadelos, terrores, angústia. 18% apresentavam anomalias no comportamento

sexual: masturbação excessiva, introdução de objectos na vagina e no ânus, comportamento de

sedução, procura de estimulação sexual, e conhecimento da sexualidade adulta inadaptado à sua

idade (Gabel, 1992).

Liliane Deltaglia (1990), psicóloga ligada aos tribunais, analisou 90 avaliações de adultos

“abusadores” e de crianças vítimas de abuso sexual no seio da sua família, por um familiar ou por

um desconhecido. Este estudo considerou o contexto familiar que torna a criança muito

vulnerável e que se esforça por esconder os distúrbios da criança anteriores às sevícias, bem

como as circunstâncias da revelação imediata pela criança dum desconhecido. Para a autora, mais

do que o acto sexual imposto à criança, é a violência da situação de dominação que provoca os

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Page 30: Imagem Corporal

distúrbios de comportamento (Gabel, 1992).

Rouyer afirma que não existem estudos prospectivos sobre o que se passa na idade adulta

de crianças vítimas de abuso sexual; apenas os testemunhos, cada vez mais frequentes, de adultos

vítimas de abuso sexual na infância, e sobretudo vítimas de incesto, nos permitem dizer que as

reacções podem ser diferentes e se exprimem tardiamente através de distúrbios da sexualidade e

parentalidade (Gabel, 1992).

Os possíveis efeitos do abuso sexual infantil são multifacetados. As categorias incluem

efeitos físicos (queixas somáticas); psicológicos (distorção de emoções; afecto e motivação);

cognitivos (perda de memória); e sociais (relações ímpares e vitimização continuada devido à

confusão entre intimidade e abuso).

A revitimização de crianças abusadas é um tema comum na literatura. Mary de Young

(1984) cita o comportamento contrafóbico como causa possível para a revitimização (ref. por

Bagley & King, 1982). As crianças pequenas têm poucos recursos para lidar com a ansiedade

aguda após um assalto e podem desenvolver reacções fóbicas. A resposta contrafóbica é descrita

como aquela em que “as crianças inconscientemente tentam ganhar supremacia sobre as suas

fobias, empenhando-se em comportamentos que lhes causam ansiedade em primeiro lugar”

(Young, 1984, cit. por Bagley & King, 1992, p.118). Esta compreensão é critica, pois ela explica

o porquê de algumas crianças poderem ser molestadas mais do que uma vez, e o porquê de

algumas poderem também tentar agir o seu abuso repetindo-o sobre outras crianças (geralmente

mais novas). Isto pode explicar o facto de cerca de 30% de indivíduos do sexo masculino, que

abusam sexualmente de crianças, serem eles próprios jovens. A maioria destes jovens foram,

25

Page 31: Imagem Corporal

também eles, abusados sexualmente. Estes agressores adolescentes muitas vezes continuam,

como adultos, a manifestar este padrão de comportamento abusivo, o qual, quando fixado, é

descrito como pedofilia (Bagley e Dann, 1987, ref. por Bagley & King, 1992).

Uma explicação alternativa para a vitimização posterior de crianças abusadas sexualmente

é que o adultos que se envolvem com crianças, sabendo que elas já foram vítimas, aproveitam a

oportunidade para explorar um indivíduo vulnerável (Bagley e Ramsay, 1986, ref. por Bagley &

King, 1992). Outra possibilidade é que o isolamento de algumas crianças, a sua pobre auto-

estima, e a falta de capacidade ou oportunidade para abordar os adultos com um pedido de ajuda,

torna algumas crianças particularmente vulneráveis ao assalto sexual, cometido por mais de um

indivíduo.

O abuso sexual tem vindo a ser relacionado com a delinquência, com a acção do

comportamento, a depressão, a auto-agressão, a dependência química, e os distúrbios da

alimentação. Como sequelas imediatas ou a longo-termo do abuso sexual, outros autores

identificam a baixa auto-estima, a culpa, a depressão, a alienação, a falta de confiança, os

comportamentos auto-destrutivos, e uma procura desesperada de apoio, muitas vezes ineficaz.

Entre os seus pacientes abusados sexualmente em crianças, Karen Meiselman (1978)

descobriu que as mais fortes sequelas do abuso eram, frequentemente, problemas a nível sexual,

incluindo a frigidez, a promiscuidade, a confusão na orientação sexual, e o masoquismo

masculino (ref. por Bagley & King, 1992).

Goodwin, McCarthy, e DiVasto (1981) notaram que as inibições face ao carinho

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Page 32: Imagem Corporal

resultantes do abuso sexual podem influenciar profunda e negativamente as decisões posteriores

acerca do casamento e dos filhos (ref. por Bagley & King, 1992). Os efeitos a longo termo,

descritos por Young (1982), incluem uma variedade de problemas psicológicos e sexuais, uma

vulnerabilidade a posterior vitimização, e repetidas gravidezes não-desejadas (ref. por Bagley &

King, 1992).

Os efeitos do abuso sexual estão interligados, mas muitas vezes distinguíveis de outros

traumas infantis, tais como a separação de uma figura parental e o abuso físico ou emocional: “O

abuso físico e a negligência têm resultados adversos a longo prazo, particularmente em termos de

psiconeurose, enquanto o abuso sexual influencia resultados adversos em termos de um pobre

ajuste sexual, uma depressão, e uma baixa auto-estima” (Bagley e MacDonald, 1984, cit. por

Bagley & King, 1992, p.119).

Mrazek e Mrazek, em 1981, distinguiram diversos efeitos do abuso sexual, a curto, médio

e longo prazo. Os possíveis efeitos a curto prazo incluem problemas no ajuste sexual

(preocupação com assuntos sexuais, desenvolvimento prematuro de interesses adolescentes,

desespero relativo à incapacidade para controlar impulsos sexuais, promiscuidade, moléstia de

crianças mais novas, masturbação crescente ou pública, corrida súbita a actividades

heterossexuais, doenças venéreas, gravidez, e prostituição), dificuldades nas relações

interpessoais (confusão relativa às relações sociais, medo de contactos com adultos, fugir de

casa, interacções hostis com mulheres mais velhas, procura crescente de afeição nos adultos, e

ideias e fantasias homicidas), problemas na educação (dificuldades na aprendizagem, vadiagem,

súbito comportamento disruptivo, retirada depressiva das actividades usuais, e colapso da auto-

estima) e outros sintomas psicológicos (culpa ou vergonha, infantilização prolongada ou

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Page 33: Imagem Corporal

reconvertida, tendência para a retirada de actividades duma infância normal, obesidade, estados

de ansiedade e neuroses de ansiedade aguda, sintomas somáticos, problemas de comportamento e

delinquência, ideação suicida, sintomas nervosos, convulsões e episódios epilépticos, problemas

de sono incluindo pesadelos, comportamento impulsivo de autodestruição, depressão, anorexia, e

bulímia) (ref. por Bagley & King, 1992).

Os efeitos a longo-prazo incluem problemas no ajuste sexual (disfunção sexual incluindo

frigidez, promiscuidade, impulsos para assaltar sexual e brutalmente uma criança, aversão à

actividade sexual, relações sexuais insatisfatórias, grande número de gravidezes não desejadas,

prostituição, relações incestuosas, e moléstia sexual de crianças), problemas interpessoais

(conflito com ou medo do marido ou parceiro sexual, conflitos com os sogros, isolamento social e

dificuldade em estabelecer relações próximas), e outros sintomas psicológicos (baixa auto-estima

e sentimento duradouro de desprotecção, somatização, obesidade, masoquismo, neurose,

distúrbio de personalidade, depressão crónica, identidade não-integrada, psicose / esquizofrenia,

ideação e tentativas suicidas, homicídio ou violência interpessoal, distúrbios alimentares e na

imagem corporal) (Mrazek & Mrazek, ref. por Bagley & King, 1992).

Segundo Rouyer, as consequências do abuso sexual dependem de 3 factores intrínsecos.

Não se pode falar de traumatismo infligido a uma criança sem ter em conta o contexto no qual ela

vive, ou seja, a situação da criança na sua família. Secundariamente, há que atender ao impacto

que terão, após a revelação, as reacções do meio e as decisões sociais, médicas, e judiciárias

(Gabel, 1992). A idade e a maturidade fisiológica e psicológica determinam as diferentes

consequências, pelo menos segundo H. Van Gijseghem, docente na Universidade de Montreal

(1985). Estes autores afirmam que, quanto mais frequente o incesto for, maior é a probabilidade

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Page 34: Imagem Corporal

das sequelas serem irreversíveis, especialmente no que diz respeito à identidade (ref. por Rouyer,

1989, in M. Gabel, 1992).

As sequelas que a criança apresenta entravam a sua evolução psicoafectiva e sexual, e

causam prejuízo nas identificações, para além de não permitirem que a adolescência seja um

período de restauração construtiva.

A ligação que une a criança e aquele que abusa dela é também muito importante: na

maioria dos casos, o incesto tem consequências de tal modo graves que provocam na criança uma

confusão no que respeita às imagens parentais: o pai não tem mais um papel de protector e de

representante da lei, e a mãe falha porque deixou os acontecimentos desenrolarem-se. Os abusos

sexuais cometidos por um primogénito sobre os irmãos, com uma grande diferença de idade, ou

por um adulto investido dum papel educativo, aparentam-se ao incesto, pelas suas consequências.

O exibicionismo por um desconhecido duma forma isolada, é o mais frequente dos abusos

sexuais de crianças em idade escolar. Na opinião de Rouyer, mesmo que sejam experiências

desagradáveis, os encontros com exibicionistas não são forçosamente causadores de distúrbios

graves na evolução da criança, se esta tiver sido advertida preventivamente pelos seus pais. As

reacções violentas partem de crianças já perturbadas; em certos casos a intensidade da reacção

emocional deve fazer pensar na existência dum anterior traumatismo sexual, ocultado pelo meio e

actualizado por este segundo acontecimento (Gabel, 1992).

Rouyer diz que é necessário considerar, como abuso sexual, a participação da criança em

fotografias ou filmes pornográficos; estes abusos têm um efeito perverso pelo o prazer narcísico

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Page 35: Imagem Corporal

que causam à criança; por outro lado, as gratificações sob a forma de dinheiro ou de presentes

colocam a sexualidade na sua dimensão mais degradante, que é a de interesse imediato (Gabel,

1992).

É difícil estabelecer uma diferença entre um acto isolado e uma relação que dura após

muitos anos, pois certos actos únicos que permanecem escondidos e aparecem na adolescência

são particularmente devastadores. Para que a criança possa fazer confidências, é necessário que

ela beneficie dum ambiente suficientemente bom que lhe permita confiar num adulto pois, duma

forma geral, os abusos sexuais exteriores à família são mais facilmente denunciados pela criança.

O conhecimento do contexto onde a criança se desenvolve é essencial: sabemos que o

incesto é um sintoma do mau funcionamento da família, e que existe uma confusão de papeis e de

gerações. A criança sofre de carências afectivas, pois ela é posse dos pais e não sujeito, tendo as

suas próprias necessidades e desejos. Esta posição deixa-a muito vulnerável face ao desejo do

adulto. Certos abusos sexuais aparecem em crianças carentes afectivamente, que respondem à

sedução dum adulto, mesmo desconhecido: é o caso das relações pedófilas. A criança é atraída

por aquele que lhe dá uma atenção que ela nunca recebeu dos seus pais.

Rouyer afirma que as medidas judiciárias tomadas face ao sujeito incestuoso provocam,

muitas vezes, uma explosão da família, da qual a criança é considerada responsável, aumentando

a sua culpabilidade (Gabel, 1992).

Segundo este autor, as reacções imediatas da criança são, ao mesmo tempo, sinais clínicos

que podem permitir evocar a existência duma agressão sexual quando a criança não tem

30

Page 36: Imagem Corporal

confiança (Gabel, 1992).

Pode tratar-se de um caso isolado, criando um traumatismo que responde à definição dada

por S. Freud (1919): «O Ego está submerso por uma excitação excessiva que ultrapassa as suas

defesas, há terror e incompreensão da situação» (cit. por Rouyer, 1989, in M. Gabel, 1992, p.

83). É o caso das agressões cometidas por um desconhecido ou por um adulto com quem a

criança estava até então numa relação de confiança, pois neste caso a criança é subitamente

confrontada com um comportamento diferente. Rouyer cita uma menina de 8 anos, para

exemplificar esta situação: «É como se ele estivesse a ficar doido», diz a menina abusada por um

familiar (Gabel, 1992, p.84). Para S. Ferenczi (1933), é «a linguagem da paixão que assusta e

perturba a criança» (mais do que o acto sexual) (cit. por Rouyer, 1989, in Gabel, 1992, p.84). A

criança pode reagir através dum estado de stress que se manifesta pela agitação motora, por uma

anestesia de afectos, depois pelo terror, pelas regressões, pelas manifestações psicossomáticas, e

pela intensidade de distúrbios. Estes sintomas são sinais de alerta direccionados ao meio que

circunda a criança, mas esta, apática e silenciosa, não pode relatar o momento da traição da sua

confiança.

Em certos casos, a agressão acompanha-se de lesões físicas genitais, por vezes graves,

por outros atentados corporais: tentativas de estrangulamento, feridas, etc. Estas situações

dramáticas conduzem à hospitalização, a intervenção é imediata, e o diagnóstico não levanta

dúvidas. Rouyer afirma que, ainda que as crianças estas crianças estejam em estado de choque, a

dor nelas provocada, como se apreende de Freud a propósito das neuroses de guerra, conduz a

«um sobre-investimento narcísico do órgão atentado» (cit. por Rouyer, em Gabel 1992, p.84).

31

Page 37: Imagem Corporal

Muitas vezes, surgem crianças que, após muitos anos, vivem uma relação incestuosa

estabelecida progressivamente desde uma idade muito precoce. A criança está presa numa relação

muito próxima e erotizada que leva a contactos genitais. À primeira sedução do adulto, juntam-se

as ameaças para obrigar a criança a submeter-se. Aquilo que a criança pode aceitar, aos 4 ou 5

anos, como um jogo secreto (é isto que lhe diz o adulto) transforma-se numa relação

constrangedora, da qual ela toma consciência pouco a pouco. Produzem-se rupturas traumáticas

sucessivas que se manifestam por sintomas. Estes sintomas não são mais que sinais de apelo.

Se o diagnóstico de abuso sexual não é feito, e se a criança não é acreditada, os distúrbios

são mais discretos. Como já foi referido, R. Summit (1983) descreveu o síndroma de acomodação

da criança vítima de abuso sexual: a criança deve aprender a aceitar a situação e a sobreviver, sob

o risco dos traços aparecerem mais tarde na forma de distúrbios graves da personalidade (ref. por

Rouyer, em Gabel 1992).

Se a criança for acreditada e ajudada, as manifestações mais espectaculares desaparecem,

ela reencontra o interesse pelos outros e pelas brincadeiras, mas a angústia se neurotiza sob a

forma de fobias diversas: medo do escuro, da solidão, agorafobia, evitamento de pessoas do

mesmo sexo que o abusador, com uma componente histérica por vezes exacerbada.

Os pesadelos são frequentes, com uma fixação notável e, por vezes, prolongam-se até à

idade adulta. Eles exprimem a impotência e o constrangimento suportado. São os monstros que

atacam e sufocam, é a sensação de estar fechado vivo num caixão, é um barulho muito

angustiante, é uma luz ameaçadora que se aproxima. Eles reproduzem-se cada vez que uma

situação de constrangimento surge e à qual é impossível fazer frente. Com efeito, estes sujeitos

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Page 38: Imagem Corporal

experimentam, muitas vezes, a incapacidade de dizer que não, e não sabem proteger-se. Numa

reprodução masoquista do traumatismo, eles colocam-se em situações de perigo, o que pode

conduzir à revitimização.

Como indicam as pesquisas americanas, os distúrbios da sexualidade são os sintomas

mais evocativos de abusos sexuais. Na criança mais nova, a excitação sexual manifesta-se

através de condutas inadaptadas de voyeurismo e exibicionismo, tanto como a exploração e

agressão sexuais de outras crianças. Punir, sem tentar compreender aquilo que está subjacente a

estes comportamentos, é desconhecer o mal-estar duma criança que tenta, passando duma posição

passiva a uma posição activa, elaborar o traumatismo que sofreu . Esta manifestação é

comparável aquela descrita por Freud (1920) «a propósito do jogo da bobine e do comportamento

das crianças que viveram experiências pavorosas, nessa altura sob cuidados médicos: ao mesmo

tempo que ela passa da experiência à actividade do jogo, a criança inflige a um colega de jogo o

desgosto que ela mesma sofreu e assim se vinga sobre a pessoa substituta.» (cit. por Rouyer, em

Gabel 1992, p.87).

Mas estas actividades da criança que repetem a cena traumática identificando-se com o

agressor, não têm sempre um carácter lúdico; elas são, por vezes, passagens ao acto duma

violência real.

A violência é um aspecto que surge não só na infância, mas também na fase adulta. Uma

explicação comum para explicar o porquê de alguns indivíduos do sexo masculino, abusados

sexualmente, se transformam em agressores sexuais é que, esses homens, pela repetição de

condições da sua própria vitimização estão a tentar controlar ou dominar a dor (Finkelhor, 1982).

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Page 39: Imagem Corporal

Esta teoria também é utilizada, por vezes, para explicar o porquê de mulheres vitimizadas na

infância estarem mais aptas para se tornar vítimas de assalto sexual na vida adulta (Summit e

Kryso, 1978, & Herman, 1981). Este tipo de respostas opostas por parte de homens e mulheres

pode dever-se à grande tendência dos homens agirem a sua raiva e dor sobre os outros, versus a

grande tendência das mulheres para internalizar a sua raiva e dor e tomar responsabilidade pela

sua própria vitimização. Nenhuma das respostas é, obviamente, saudável.

Problemática Corporal Associada ao Abuso Sexual

Segundo Rouyer (1989), os sintomas do abuso sexual percorrem todas as esferas da

actividade; eles são simbolicamente a encenação, ao nível do corpo e dos comportamentos,

daquilo que a criança sofreu e daquilo que ela fantasiou (Gabel, 1992). A criança viveu uma

experiência de fragmentação do seu corpo e reage, qualquer que seja a sua idade, através de

reacções somáticas; é este o modo preferencial da criança mais pequena.

O corpo é sentido como manchado, sujo; há uma perda da integridade corporal; as novas

sensações foram despertadas e não integradas, a criança exprime a angústia de que qualquer coisa

está quebrada no interior do seu corpo.

Rouyer (1989) afirma que as queixas somáticas são habituais: mal-estar difuso, sensações

de modificação corporal, persistência de sensações que foram impostas, dores nos ossos (in

Gabel, 1992). A enurese e encoprese são frequentes, sobretudo nas crianças mais pequenas e que

sofreram uma penetração anal. As dores abdominais agudas sem causa orgânica aparecem em

34

Page 40: Imagem Corporal

todas as idades, mas principalmente entre os adolescentes. Encontram-se crises de sufocação,

desmaios, distúrbios das condutas alimentares, tais como náuseas, vómitos, anorexia ou bulímia

que tomarão, por sua vez, uma outra significação: a saber, a recusa da feminilidade e a destruição

do corpo; neste estádio, a anorexia e a bulímia podem ser fenómenos de rejeição e de

compensação transitórios.

Rouyer (1989) afirma que a suspensão de regras sobrevive mesmo na ausência de

penetração vaginal. “No desgosto da sua natureza, é necessário reatar os ritos de lavagem, as

dermatoses induzidas pelas lesões de raspagem que sangram, estas últimas sendo também uma

maneira de se reapropriar do corpo pela excitação, pelo prazer e pelo sofrimento”(cit. em Gabel,

1992, p.85).

Os distúrbios de sono são constantes: eles traduzem a angústia de perda de vigilância e de

ser agredido sem defesa. Os sonhos nocturnos angustiantes são muito frequentes e organizam-se

sob a forma de pesadelos. Em geral há, pelo menos temporariamente, uma tentativa de funções

intelectuais e criadoras. A criança já não brinca, desinveste a escolaridade, está recuada, triste ou

perturbada.

Bagley (1985) relaciona as perturbações na alimentação e na imagem corporal com uma

história de abuso sexual (Bagley & King, 1992). Estes distúrbios podem ter uma ligação

específica com o abuso sexual - distorcer a imagem corporal pelo excesso ou insuficiência

alimentar pode ser uma forma de negar a sexualidade ou evitar o contacto sexual. Alguns

distúrbios do comportamento alimentar são um reflexo directo de ter sido forçado a fazer sexo

oral; outros distúrbios, como a bulímia (comer exageradamente e induzir o vómito) podem ter um

35

Page 41: Imagem Corporal

importantes laços simbólicos com actos de abuso sexual e com auto-punições rituais que podem

ter origem nestes eventos.

Relacionado com os efeitos a longo prazo do abuso sexual, Halliday (1985) identificou

enxaquecas, problemas de estômago, problemas de coluna, infecções, anorexia, obesidade, asma

(especialmente entre as vítimas de sexo oral), epilepsia, personalidade múltipla, adições,

depressão severa, auto-mutilação, e crescente aceitação da dor (ref. por Bagley & King, 1992).

Imagem Corporal

O Que é o Corpo ?

Desde sempre e ao longo de toda a história da humanidade, o conceito de corpo tem sido

constantemente discutido e é sempre tema de controvérsia. Desde a época medieval em que o

corpo era tido como um instrumento, passando pelo pensamento cartesiano que separa a alma do

corpo (sendo este corpo-máquina dependente da psique e ambos constituídos por substâncias

diferentes e independentes), até ao pensamento moderno (que considera o corpo e a alma como

uma unidade), as definições de corpo têm-se modificado ao sabor da evolução do pensamento.

Na obra de Fisher e Cleveland, Body Image and Personality, de 1968, são anotadas

algumas significações explícitas e implícitas que o termo corpo tem tomado na literatura

36

Page 42: Imagem Corporal

contemporânea sobre a personalidade. Pode distinguir-se 5 categorias de significação:

1. Uma corrente equaciona o corpo como tipo de corpo, procurando demonstrar que existem

relações entre as dimensões da estrutura do corpo e a variedade de traços de

personalidade. Os defensores desta teoria procuram provar que variáveis como a estrutura

dos ossos e a distribuição dos músculos estão significativamente correlacionadas com

padrões de traços. O corpo é conceptualizado principalmente como uma série de

dimensões de estruturas corporais.

2. Dum outro ponto de vista, o corpo tem sido comparado com várias dimensões de função

fisiológica ( por exemplo, a tensão arterial ). Esta abordagem procurando integrar o corpo

em formulações de personalidade, demonstrando correlações entre as dimensões

fisiológicas e as variáveis de personalidade. Foram desenvolvidas teorias relativas à forma

como as ocorrências fisiológicas no corpo estão ligadas aos comportamentos pelos quais

se define a personalidade.

3. Os conceitos de corpo também introduziram, na teoria da personalidade, factos como

handicaps corporais graves ou deformidades. O corpo é importante na explicação das

características de personalidade dos indivíduos cuja estrutura corporal está, de alguma

forma, tão distorcida ou mutilada que provoca handicaps. No entanto, a ausência duma

parte do corpo (por exemplo, devido à amputação dum braço ou duma perna) possa ser

designada como um factor explicativo do porquê do indivíduo se sentir, a si próprio, de

forma negativa, ou do porquê de estar compensatoriamente motivado para a auto-

realização.

37

Page 43: Imagem Corporal

4. Obviamente, o termo corpo tem adquirido conotações específicas na área da

psicossomática. Aqueles que têm teorizado e pesquisado nesta área, procuram demonstrar

ligações significativas entre conceitos de personalidade e padrões de sintomas associados

a certos tipos de mau funcionamento corporal. A intenção tem sido reduzir a “fenda” entre

conceitos de personalidade e conceitos de corpo. Actualmente, a maioria dos estudos

nesta corrente procura mostrar como a energia da personalidade pode distorcer os

processos fisiológicos do corpo de tal forma que produz a doença física.

5. Talvez o menos conhecido e menos explorado conceito de corpo é aquele que tem sido

formulado em termos de imagem corporal. Imagem corporal é um termo que se refere ao

corpo como uma experiência psicológica, e que se foca nos sentimentos e atitudes do

indivíduo face ao seu próprio corpo. Está relacionado com as experiências subjectivas de

cada indivíduo com o seu corpo e a forma pela qual ele organiza essas experiências. A

ideia é que, à medida que cada indivíduo se desenvolve, ele vai tendo a tarefa difícil de

organizar significativamente as sensações relativas ao seu corpo - que é um dos mais

importantes e complexos fenómenos no seu campo perceptivo total. É um fenómeno

relativamente complexo e difícil de organizar perceptivelmente, devido ao seu papel

simultâneo (único) como participante no processo perceptivo e também como objecto do

mesmo processo perceptivo. Aqueles que exploraram a imagem corporal, usualmente,

afirmam que a maneira pela qual o indivíduo executa a sua difícil tarefa organizativa,

transforma-se numa das dimensões essenciais do seu sistema de interpretação do mundo.

A imagem corporal é literalmente uma imagem do seu corpo que o indivíduo desenvolveu

através da experiência. A palavra imagem pode ser mal entendida, pois pode ser

38

Page 44: Imagem Corporal

interpretada como referente apenas aquelas atitudes que o indivíduo toma em relação a si

mesmo, das quais está conscientemente informado. Actualmente, o termo imagem

corporal não envolve ideias que visam a acessibilidade ao conhecimento consciente de

tais atitudes e sentimentos. Na realidade, é correntemente um termo generalizado, com

muito poucas conotações específicas.

Segundo Fisher e Cleveland (1968), a imagem corporal pode, em certos aspectos,

sobrepor várias utilizações de conceitos como ego, self e auto-conceito. Embora o termo imagem

corporal esteja ancorado ao fenómeno relacionado com as atitudes face ao corpo, tem amplas

implicações que cruzam com outras áreas da personalidade.

O conceito de imagem corporal é difícil de definir num sentido histórico pois tem

encontrado aplicação num diverso número de disciplinas e níveis de pensamento. Encontramo-lo

a propósito de problemas neurológicos, problemas psiquiátricos, fenómenos de hipnose, doenças

psicossomáticas, efeitos de drogas, resultados psicoterapêuticos, e por aí fora.

A Imagem Corporal

A imagem corporal não pode ser entendida como uma entidade rígida, estabelecida, mas

sim como incompleta, inconsciente e indefinida, que estamos sempre à procura.

Não se sabe exactamente como se desenvolve a imagem corporal. No entanto, vários

39

Page 45: Imagem Corporal

autores admitem um desenvolvimento interno, uma maturação em todas as áreas da vida psíquica,

em conexão com as experiências de vida.

A imagem corporal pode ser analisada sob o ponto de vista neurológico ou genético, que

descreve a imagem do corpo como um processo integrador subjacente a diversas competências e

aquisições (identificar, nomear ou localizar diferentes partes do corpo, por exemplo). Neste caso,

falamos de esquema corporal (conceito que será desenvolvido mais adiante).

Outras perspectivas (clínicas, psicanalíticas, psicossociais ou psico-genéticas) evocam a

configuração global de representações, percepções, sentimentos ou atitudes que o indivíduo

elabora face ao seu corpo, em termos frequentemente avaliativos. É nesta perspectiva que se situa

este trabalho. A imagem corporal é descrita como uma conjunto de sentimentos, atitudes,

lembranças e experiências que o sujeito acumulou a propósito do seu corpo, e que são integradas

numa percepção global.

Não é uma imagem no sentido restrito (embora as imagens visuais, e especialmente a

especular, joguem um importante papel na sua elaboração). É um conjunto de representações

ligadas, não só a um corpo físico, real, mas também a um corpo imaginário (Bruchon-Schweitzer,

1987, ref. por Garcia, 1989). O corpo é aqui entendido enquanto representação psíquica, conjunto

de experiências subjectivas individuais, ou seja, a experiência psicológica do corpo e a forma

como ela se organiza. Não como corpo objectivado mas sim como experiência subjectiva.

Entram, na formação da imagem corporal, contribuições anatómicas, fisiológicas,

neurológicas, sociológicas, entre outras. Os órgãos dos sentidos contribuem fisiológica e

40

Page 46: Imagem Corporal

anatomicamente para a imagem do corpo. Através deles podemos apercebermo-nos das várias

qualidades fixas ou mutáveis do ambiente que nos circunda.

Psicologia e Imagem Corporal

Muitas escolas de Psicologia têm vindo a interessar-se pela noção da imagem corporal.

Uma das primeiras teorias acerca da imagem corporal surge com Lotze (1955): a teoria do

espaço-percepção (ref. por Fisher e Cleveland, 1968). Este autor, preocupado com o

desenvolvimento das percepções espaciais no indivíduo, afirmou que as características de

sensações espaciais são adquiridas pela experiência.

Depois de Lotze, outros estudiosos debruçaram-se sobre a imagem corporal e novas

teorias foram surgindo. São estas teorias que, em seguida, são apresentadas.

Capisano

De acordo com este autor (1992), “a imagem corporal não é uma mera sensação ou

imaginação. É a figuração do corpo na nossa mente” (cit. por Barrocas, 1997, p.46). O contacto

do indivíduo consigo mesmo e com o mundo que o rodeia, vai estruturando na sua mente a

imagem do seu corpo. O corpo tem uma estrutura externa e uma relação com o mundo das coisas

41

Page 47: Imagem Corporal

e das pessoas.

Segundo Capisano (1992), existem a nível da ectoderme, produtos diferenciados

denominados “organa sensum”, que se distribuem na periferia do corpo e permitem ao homem o

seu relacionamento com o mundo externo. É por seu intermédio que se conhece a propriedade

física dos corpos e que se percebe o ambiente em que vivemos (ref. por Barrocas, 1997).

Imagem corporal é a imagem que o indivíduo tem do seu próprio corpo envolvido pela

experiência e, do ponto de vista morfofisiológico, é uma unidade onde todos os sentidos entram

em colaboração, podendo esta transformar-se. A imagem do nosso corpo estabelece-se

progressiva e gradualmente através da nossa percepção, a qual vai registando modelos de postura

modificáveis a partir de manifestações emocionais. Estas manifestações dependem da

mobilização das zonas erógenas.

Schilder

Este autor entende, por imagem corporal, a figuração do corpo na mente, ou seja, a forma

como cada um de nós percebe o próprio corpo. Esta percepção é possível através de inúmeras

sensações transmitidas pelo corpo, desde as impressões tácteis às dolorosas, passando pelas

térmicas, pelas musculares, pelas viscerais, etc. (Schilder, 1980).

Para além das sensações provenientes do corpo, “existe a experiência imediata de uma

42

Page 48: Imagem Corporal

unidade do corpo” (Schilder, 1980, p. 11). A esta unidade é chamada esquema corporal e trata-se

da imagem tridimensional que o ser-humano tem de si próprio. Segundo Schilder, a esta imagem

pode chamar-se imagem corporal.

Foi em 1935 que Paul Schilder introduziu este conceito de imagem corporal. O autor

apoiou-se teoricamente na Psicologia da Forma e na Psicanálise para definir a imagem do corpo

como uma representação mental do corpo. Esta representação situa-se entre o inconsciente e o

consciente (Schilder, 1980).

O corpo delimita e unifica o dentro e o fora, e a imagem corporal, como um esquema do

corpo, inclui factores temporais, ambientais e interpessoais, na unidade tridimensional referida

anteriormente (Schilder, 1980).

A percepção do corpo está também ligada à experiência afectiva que é vivida na relação

com os outros e consigo próprio. Para Schilder (1935), o nosso corpo é vivido ao mesmo tempo

com o do outro, ao nos apercebermos da impressão afectiva que o outro provoca em nós (ref. por

Pereira, 1997).

Com base na teoria psicanalítica de Freud, segundo a qual as zonas erógenas influenciam

o modelo postural do corpo, Schilder entende o corpo como um espaço onde se projectam

padrões de personalidade. A imagem corporal é um processo em contínua mudança: umas vezes,

obedece a correntes destrutivas; outras vezes, obedece a correntes construtivas, integrado numa

estrutura libidinal dinâmica (ref. por Pereira, 1997).

43

Page 49: Imagem Corporal

A vida emocional tem uma importância vital na construção do modelo postural do corpo,

em que o contorno da imagem corporal é dado pelo desenvolvimento dos níveis afectivo e

libidinal.

Fenomenologistas

A consciência do corpo como uma experiência vivida no mundo – o corpo vivido – é o

ponto de vista defendido pelos Fenomenologistas. Na sua perspectiva, a vida psíquica baseia-se

na relação do corpo com o mundo, na relação de intersubjectividade com o outro e na condição

dessa experiência vivida com o mundo (Bernard e Trouvé, 1977, ref. por Pereira, 1997).

A imagem do corpo estrutura-se na nossa mente, no contacto do indivíduo consigo

mesmo e com o mundo que o rodeia. Estamos no mundo através de um corpo. Ele representa a

realidade individualizada, exclusiva e única de um ser. Ela é mais do que uma sensação ou

imaginação, é a figuração do corpo na nossa mente. Em que este se situa entre o “interior” e o

“exterior”, funcionando na base das trocas relacionais com o mundo e com os outros.

Na opinião de Merleau-Ponty (1945), o corpo é um fenómeno da consciência: consciência

de estar no mundo através do corpo. O corpo é, ao mesmo tempo, objecto “Eu tenho um corpo” e

sujeito “Eu sou um corpo” (ref. por Pereira, 1997).

O corpo é um lugar de comunicação entre o ser e o mundo, e não uma fronteira.

44

Page 50: Imagem Corporal

Aprendemos mais sobre o nosso corpo quando estamos em movimento e contactamos com o

mundo. São as experiências vividas e integradas no corpo que fazem dele um espaço, uma

superfície de contacto entre o mundo exterior e o mundo interior, através da sua fenomenalização

e de uma situação.

Para outro autor, Jaspers (1913), as sensações corporais dos sentidos e as vivências dos

sentimentos, emoções, impulsos e consciência do Eu, constituem a consciência do corpo. É na

relação do homem com o seu corpo que a consciência do corpo se forma. O corpo é

simultaneamente um Eu corporal e um sujeito pensante. Ele estabelece a comunicação entre o

sujeito e o mundo que o rodeia (ref. por Pereira, 1997).

Freud e a Perspectiva Psicanalítica

Freud, tal como outros autores de tradição psicanalítica, fez um enorme esforço para

integrar a imagem corporal na sua teoria. Para Freud (1927), a imagem corporal é uma outra

forma de descrever como um organismo, inicialmente indiferenciado, desenvolve uma estrutura

organizada (ref. por Fisher e Cleveland, 1968).

Sob a perspectiva psicanalítica, o corpo é visto de duas formas. Na primeira, existem as

pulsões libidinais com origem na estimulação das zonas erógenas que vão orientar as etapas

posteriores do desenvolvimento psicossexual. Na segunda forma consciente, em que o corpo é

abordado como objecto das próprias pulsões.

45

Page 51: Imagem Corporal

Para Freud (1927) o corpo é vivido a partir da estimulação de zonas erógenas, com

origem nas pulsões libidinais. Cada um de nós vive o seu corpo de uma forma individual,

segundo a sua própria experiência e história pessoal, segundo os instintos de vida e de morte,

resultando na frustração ou satisfação da libido (ref. por Pereira, 1997).

Quando o ser humano nasce só existe a procura da satisfação e prazer erógenos, que não é

dirigida ou orientada. Nesta altura, o ser humano ainda não faz uma diferenciação entre o seu

corpo e o mundo exterior, confundindo as percepções do interior do seu corpo e as dos estímulos

que o rodeiam. Esta fase é chamada de narcisismo primário, em que se começam a elaborar os

primeiros fundamentos da personalidade.

Posteriormente, a criança vai distinguindo o seu corpo do dos outros, o que lhe

proporciona aceder às relações de objecto. Esta delimitação progressiva do corpo é necessária

para atingir o narcisismo secundário, o nível das relações objectais. A criança vai adquirindo

gradualmente a sua autonomia, pelo desenvolvimento libidinal. Ela pode agora investir as pulsões

no seu Eu, no seu corpo, distinto do corpo do outro e do não-eu (Bernard e Trouvé, 1977, ref. por

Pereira, 1997).

Para Freud (1923), a criança experiencia todas as zonas do seu corpo como fontes

primárias de estimulação erógena, começando por ser aquilo a que ele chama “perverso

polimorfo”. Não tem limites do corpo bem definidos, mas a partir das fases de desenvolvimento

libidinal a criança vai autonomizando-se (ref. por Barrocas, 1997).

46

Page 52: Imagem Corporal

O corpo tem aqui um papel preponderante no desenvolvimento do Eu. Segundo Freud

(1927), a representação do corpo contribui para a formação do Eu e para a sua diferenciação do

Id. O Eu é entendido como uma projecção mental da superfície, donde emanam as sensações

corporais. A evolução da imagem corporal é paralela ao desenvolvimento das percepções, das

relações objectais e do pensamento (Fisher e Cleveland, 1968).

Segundo Laufer (1953), o corpo e a relação de cada um com o seu próprio corpo são

factores centrais na determinação do desenvolvimento do aparato mental. Em segundo, parece

haver uma estreita ligação entre a imagem corporal e o desenvolvimento das funções do ego, em

particular a percepção e a testagem da realidade. No entanto, existe uma considerável variação na

avaliação de qual dos factores é mais importante na determinação da imagem mental que cada

pessoa tem do seu próprio corpo.

Em O Ego e o Id (1923), Freud afirma:

O corpo de cada pessoa, e acima de toda a sua superfície, é um lugar de onde as

percepções externas e internas podem elevar-se. É visto como qualquer outro objecto, mas para o

toque ele produz dois tipos de sensações, cada uma podendo ser equivalente a uma percepção

interna. O ego é primeiro e mais que tudo um ego corporal; não é somente uma entidade

superficial, mas é ele próprio a projecção duma superfície. Isto é, o ego é, por último, derivado de

sensações corporais, especialmente daquelas que surgem da superfície do corpo. Pode, desta

forma, ser considerado como uma projecção mental da superfície do corpo, aliás...representando

as superfícies do aparato mental (cit. por Laufer, 1953, p. 116).

Na sua detalhada discussão das ideias de Freud relativas ao papel do corpo no

47

Page 53: Imagem Corporal

desenvolvimento do ego, Hoffer (1950) distinguiu o ponto de vista da criança relativo ao seu

corpo da sua reacção ao tocar o seu corpo (ref. por Laufer, 1953). “Ficar em contacto com o

próprio corpo evoca duas sensações da mesma qualidade e estas levam à distinção entre ser e não

ser, entre corpo e aquilo que subsequentemente se transforma em ambiente. Em consequência,

este factor contribui para o processo de diferenciação estrutural. A delimitação entre o próprio

corpo e o mundo externo, o mundo onde os objectos se encontram, é desta forma iniciada” (cit.

por Laufer, 1953, p117).

Fisher e Cleveland: a Visão Desenvolvimentista

A vivência do corpo relaciona-se também com as características da personalidade e

factores psicológicos interiorizados na infância. Numa visão desenvolvimentista, é a partir do

estabelecimento da confiança básica e da vinculação que o desenvolvimento emocional da

criança se faz adequadamente. Vão-se distinguindo aos poucos, através da interacção com a mãe,

as sensações e as percepções externas das internas. A criança vai construindo representações

internas, onde se incluem a primeiras imagens do corpo extrínsecas, que lhe permitem estabelecer

os laços com a mãe e construir a sua representação mental como objecto (Fisher e Cleveland,

1968).

As imagens do corpo extrínsecas revelam a capacidade da criança para evocar estados

afectivos já previamente experimentados e prever as consequências agradáveis e desagradáveis, o

aparecimento da mãe e as suas atitudes. Estas aptidões da criança fomentam ainda o

48

Page 54: Imagem Corporal

desenvolvimento da confiança básica e a vinculação e, por isso, o reconhecimento dos objectos

(Fisher e Cleveland, 1968).

Além de evocar as interacções com os outros, posteriormente as imagens do corpo

exteriores vão servir de suporte para avaliar o seu comportamento, compreender os estados

emocionais e físicos e formar conceitos acerca dos outros (Fisher e Cleveland, 1968).

.

Mais tarde, a criança vai explorando o mundo que a rodeia através das informações dos

sentidos, que possibilitam a formação do modelo postural. A par com as percepções ao nível

físico, a criança apercebe-se de atitudes, afectos e percepções sociais dirigidas ao seu corpo e que

constituem o modo como os outros a vêm, o seu aspecto físico e as suas acções. Aqui a posição

das figuras parentais assume uma importância vital no desenvolvimento do auto-conceito (do seu

corpo, de si própria) e contributos para a formação da sua personalidade (Fisher e Cleveland,

1968).

Quando as interacções estabelecidas entre a criança e os seus progenitores resultaram em

trocas e expectativas significativas e favoráveis, é provável que o sistema interiorizado nestas

relações tenha limites flexíveis e bem articulados (Fisher e Cleveland, 1968).

A imagem do corpo vai sofrendo alterações, num sentido positivo ou negativo, conforme

as experiências vividas. Quando as situações vividas são positivas, a imagem corporal pode

engrandecer. Se, pelo contrário, ocorrem situações menos favoráveis, física e afectivamente, a

imagem corporal fica afectada e diminuída. Estes factores podem estar relacionados com factores

49

Page 55: Imagem Corporal

de ordem externa e interna (Fisher e Cleveland, 1968).

Limites do Corpo

Centrados na temática da imagem do corpo e mais precisamente na dimensão limites,

Fisher e Cleveland (1978) afirmam que um sujeito, que vivencia o seu corpo como um lugar

desprotegido e sem limites ou com limites indefinidos e vagos, interage com o mundo que o

rodeia duma forma muito diferente daquela que é utilizada pelo sujeito que vivencia o seu corpo

como uma zona bem definida e diferenciada.

As pessoas com limites corporais mal definidos são mais sugestionáveis, sensíveis à

frustração e passivas. Ao contrário, aquelas que possuem limites bem diferenciados, têm a

capacidade para lidar melhor com a frustração, são mais independentes e têm objectivos mais

precisos.

A distinção entre corpo exterior e corpo interior implica a existência de uma fronteira bem

definida entre as duas áreas. O corpo exterior é a parte do ser humano que faz o contacto entre ele

e o mundo que o rodeia. A zona dessa interacção é o limite, a fronteira entre o Eu e o mundo.

Esta distinção entre as duas áreas é, no entanto, difícil de determinar com precisão.

Apenas serve para conceptualizar e definir o termo limite, pois o limite do corpo, como zona de

descontinuidade entre o interior e o exterior, pode variar.

50

Page 56: Imagem Corporal

Sanglade (1983) considera três acepções do termo imagem corporal, estreitamente

dependentes: o esquema corporal-substrato neurológico da imagem do corpo; a representação de

si – o corpo que nos é dado a ver e, finalmente, a imagem do corpo, uma representação mental

inconsciente do Eu, nos seus contornos, solidez ou fragilidade (ref. por Garcia, 1989).

O corpo é um princípio unificador, delimitando os mundos interno e externo, instaurando

a diferença com o outro. Um factor de isolamento e comunicação.

Assim concebida a imagem do corpo, reenvia à noção de Moi-Peau, desenvolvida por

Anzieu (1981): “O Eu adquire o sentimento da sua continuação temporal quando o Eu-pele se

constitui como um invólucro suficientemente flexível nas suas interacções com o meio e

suficientemente abrangente para conter os conteúdos psíquicos” (cit. por Garcia, 1989, p. 18).

Esquema Corporal Versus Imagem Corporal

O conceito de esquema corporal deve ser bem diferenciado da noção de imagem corporal,

embora ambos os conceitos se influenciem mutuamente e se complementem.

O esquema corporal é o instrumento do corpo, que permite ao sujeito relacionar-se com o

mundo. O esquema corporal resulta de uma experiência motora e, como esquema postural, é

responsável pela aquisição de uma estrutura interna estável e organizadora da relação do sujeito

51

Page 57: Imagem Corporal

com aquilo que o envolve.

A noção de esquema corporal resulta de um processo fisiológico baseado em dados

sensoriais, e que inclui também factores biológicos e afectivos (Schilder, 1980).

O indivíduo, recorrendo ao esquema corporal, está apto para reconhecer a sua postura, os

seus movimentos e a localização dos objectos relativamente a si próprio. O esquema corporal

integra elementos motores necessários e os esquemas de acção.

A imagem corporal é específica de cada um, está intimamente ligada ao sujeito e à sua

história pessoal, ao passo que o esquema corporal é universal, igual para todos os seres humanos.

A imagem do corpo, para Françoise Dolto (1992) constitui a síntese das nossas

experiências emocionais, vividas através das sensações; memória inconsciente de toda a vivência

narcísica e relacional. O esquema corporal, além de inconsciente, é consciente e pré-consciente.

À medida que o Eu se desenvolve, a noção de corpo vai sendo adquirida (ref. por Pereira, 1997).

É através da linguagem verbal, gestual e mímica, do desenho, e da música que a imagem

do corpo se torna consciente. A imagem corporal, suportada pelo esquema corporal, permite o

estabelecimento da comunicação com os outros.

Por outro lado, a imagem corporal estrutura-se pela intercomunicação, pelas memórias e

vivências que dela ficam, pelo imaginário intersubjectivo e dimensão humana simbólica (Dolto,

1992, ref. por Pereira, 1997).

52

Page 58: Imagem Corporal

Representação de Si

A representação de si é mais um conceito que interessa clarificar. Este conceito integra a

noção de imagem corporal, para além das relações que provêm desta integração. A imagem

corporal depende muita da representação de si para se desenvolver.

Segundo Marin (1992), a representação de si significa que o sujeito é capaz de se pensar a

si próprio e reflectir sobre a sua representação, a sua evolução e a sua comunicação (ref. por

Pereira, 1997).

Sanglade (1983), define a representação de si como sendo a identidade, aquilo que existe

de mais íntimo em cada um de nós. A representação de si assegura a permanência, a

continuidade, a coesão, e a coerência do ser. Só assim as nossas experiências adquirem

significado, e só assim a nossa identidade de se organiza e se desenvolve (ref. por Garcia, 1989).

O sujeito, através da representação de si, atribui qualidades (inconscientemente) à

vivência corporal, que inclui, não só o corpo real, como também o corpo imaginário.

A representação de si não é somente aquilo que o sujeito é para si próprio; é também

aquilo que o sujeito é para os outros, combinando as relações narcísicas e as relações objectais

através da imagem corporal. Desta forma, a representação de si e a representação do objecto

53

Page 59: Imagem Corporal

encontram-se relacionadas, pois é óbvio que ambas dependem da diferenciação entre o Eu como

o Outro. Ambas se desenvolvem nas relações mais importantes do sujeito, em que o sujeito se dá

a conhecer ao objecto através do corpo formado pela relação.

METODOLOGIA

Tipo de Estudo

54

Page 60: Imagem Corporal

O estudo apresentado é, de alguma forma, generalizado, pois a sua abordagem é feita

sobretudo com base no método projectivo e interpretativo, apoiado numa clara fundamentação

teórica acerca da imagem corporal em crianças abusadas sexualmente.

O facto de se tratar de um estudo de caso impede a generalização de resultados à restante

população. Neste trabalho, o objectivo é simplesmente analisar e compreender uma problemática

específica e individual, neste caso os efeitos do abuso sexual sobre a imagem corporal duma

criança vitimada.

Desta forma, foi colocado um problema concreto e algumas questões pertinentes dele

decorrentes. Pretende-se, neste estudo, encontrar um resposta válida para essas questões, sempre

tendo em conta que se trata de uma problemática individual e somente à qual se aplicam as

respostas encontradas.

Delineamento

O presente estudo pretende determinar se existem ou não consequências do abuso sexual

sobre a auto-imagem corporal de uma criança vítima deste tipo de crime. Este trabalho é de

carácter interpretativo e projectivo, pelo que me parece mais apropriado realizar um estudo de

caso.

55

Page 61: Imagem Corporal

Sujeito

Os critérios na selecção do sujeito para este estudo são apenas os seguintes: o sujeito

deverá ser uma criança com idade compreendida entre os 4 e os 12 anos de idade, e que tenha

sido vítima de abuso sexual, perpetrado por um familiar ou por um estranho. O sujeito poderá

estar institucionalizado ou não.

Como tal foi seleccionado um sujeito do sexo feminino, com 12 anos de idade, vítima de

abuso sexual exercido por um parente não-sanguíneo. Este sujeito não está institucionalizado.

Procedimento

Devido às dificuldades existentes em contactar directamente com uma criança vítima de

abuso sexual, tornou-se imperativo a recolha do material necessário à realização deste estudo

junto de um intermediário que está em contacto directo com uma criança vítima de abuso sexual.

Desta forma, foi contactado um elemento da Equipe do IRS (Instituto de Reinserção

Social) de Menores de Lisboa e a seu cargo ficou a selecção do sujeito para este estudo, desde

que o mesmo preenchesse os requisitos necessários à aplicabilidade do que se propõe.

Todo o material (desenhos e história clínica) foi facultado pela pessoa contactada.

56

Page 62: Imagem Corporal

Instrumento

No trabalho a realizar pretende-se avaliar as consequências do abuso sexual na imagem

corporal em crianças vítimas de abuso sexual. Para tal, será utilizado o Teste da Figura Humana,

desenvolvido por Machover no final dos anos 40.

O Desenho como Expressão Gráfica

As provas projectivas gráficas constituem um instrumento precioso para a avaliação

psicodinâmica do sujeito, da linguagem simbólica que traduz os conteúdos do mundo interno. Os

desenhos expressam sentimentos, atitudes e reacções inconscientes, através da utilização da

representação simbólica, e permitem um melhor entendimento de como o sujeito interage com

aspectos específicos da sua vida.

A Imagem do Corpo e o Desenho da Figura Humana:

Segundo Machover (1978), o desenho de uma pessoa representa a expressão do eu, ou do

corpo, no ambiente (Anderson, 1978). Aquilo que é expresso pode ser definido como uma

imagem corporal e esta, em poucas palavras, pode definir-se como um “reflexo complexo da

auto-consideração – a imagem de si mesmo” (Machover, 1978, in Anderson, 1978, p. 351).

57

Page 63: Imagem Corporal

“O desenho da figura humana é a projecção de si mesmo, duma personalidade, (...) a

figura desenhada evoca a imagem do corpo, imagem esta saturada pelas experiências emocionais

e ideativas, vividas pelo indivíduo” (Abraham, 1977, cit. por Soares, 1989).

A noção de imagem do corpo decorre directamente da concepção freudiana de narcisismo

(1914), tendo sido utilizada pela primeira vez por P. Schilder, em 1935, para designar a totalidade

perceptivo-motora apreendida globalmente na mesma estrutura. Este termo foi inspirado na

Psicologia da Forma, onde a totalidade é tomada como uma estrutura ou “gestalt” (ref. por

Soares, 1989).

De carácter essencialmente dinâmico, a imagem do corpo está em constante elaboração,

intervindo neste movimento, as percepções associadas e influenciadas pela motricidade, onde as

experiências emocionais têm uma importância primordial, através da relação estabelecida com o

outro ou com o seu próprio corpo investido por si e pelo meio.

Abraham (1976) desenvolveu um estudo aprofundado sobre o desenho da figura humana,

considerando a criança uma unidade dinâmica que se reflecte no desenho da figura humana. Para

este autor, o conceito que a criança tem do seu corpo é originado pelas experiências sentidas no

próprio corpo (sensações, prazeres e desprazeres) e pelas relações afectivas que lhe são

proporcionadas (ref. por Soares, 1989).

O desenho é uma forma de compreender a imagem do corpo, pois nele o sujeito projecta

os seus sentimentos mais íntimos e a sua vivência corporal. “O significado psicológico do

58

Page 64: Imagem Corporal

Desenho da Figura Humana tem as suas bases no conceito de imagem corporal” (Machover,

1978, in Anderson, 1978), conceito este que remete, segundo Abraham (1977), para as

experiências subjectivas com o corpo e a forma como elas se organizam, bem como a

complexidade dos fenómenos que implica (ref. por Pereira, 1989).

Actualmente, não há dúvidas que o desenho em geral, e o desenho da Figura Humana em

particular, é um dos instrumentos mais adequados para avaliar a auto-imagem corporal. O

desenho é utilizado, como método projectivo, quer em adultos quer em crianças. Estas desenham

a figura humana projectando formas isoladas e desconexas que traduzem a imagem mental que

possuem do corpo. As sensações, percepções e reacções motoras que mostram nos seus desenhos

permitem-nos perceber o desenvolvimento da imagem corporal desde criança. As crianças usam

o controle motor dos membros, a experiência visual e táctil na construção do eu corporal, de

acordo com as necessidades das suas personalidades (Capisano, 1992, ref. por Barrocas, 1997).

O Teste da Figura Humana é um desenho do tipo temático, sem modelo. Isto significa que

o sujeito deve realizar graficamente um determinado tema proposto, neste caso, a figura humana.

Este teste constitui uma técnica projectiva no sentido em que concebe o desenho como forma de

expressão simbólica, com base no conceito de projecção da imagem do corpo, determinada pelos

investimentos afectivos que o sujeito faz e si próprio e no outro. Segundo Machover, a expressão

gráfica é um indicador de angústia, ansiedade, de conflitos e de problemáticas a vários níveis,

nomeadamente a nível corporal (Machover, 1978, ref. por Pereira, 1997).

Quando se toma o desenho da figura humana como uma projecção do corpo do próprio

desenhador, significa que é a imagem corporal que o sujeito tem de si próprio e não o próprio

59

Page 65: Imagem Corporal

corpo, visto ser uma imagem carregada de subjectividade.

Segundo Meredieu (1974), existem dois factores pelos quais a figura humana pode ser

observada na maioria dos desenhos da criança: por esta projectar o seu próprio esquema corporal

no desenho, traduzindo a sua maneira de viver o seu próprio corpo, e pelo antropomorfismo do

pensamento infantil que dá vida a coisas e objectos de acordo com ele mesmo (ref. por Soares,

1989).

O desenho da figura humana e a sua evolução ao longo do desenvolvimento infantil sofre

mutações no aspecto gráfico, que estão intimamente ligadas com a evolução cognitiva,

reflectindo os investimentos libidinais da criança no seu próprio corpo e nos que a rodeiam

(Soares, 1989).

A solicitação deste teste inclui um pedido ao sujeito para que este desenhe uma pessoa e

os fundamentos teóricos seriam: a projecção de si mesmo faz-se através dum grafismo específico,

o corpo humano. O corpo e a sua imagem são determinados pela pertença a um dos sexos

(feminino ou masculino). Identificando-se ao próprio sexo, a criança aceita e faz suas, na

estrutura da sua personalidade, os papéis, as concepções, as condutas e as pulsões próprias do seu

sexo (Jaime Coelho, 1993).

Técnica de Aplicação do Desenho da Figura Humana:

60

Page 66: Imagem Corporal

O teste é composto por duas partes: uma gráfica e uma verbal. Esta última é facultativa e

tem sido pouco referida pelos diversos autores que se têm debruçado sobre este assunto. Trata-se

de um inquérito aplicado à figura desenhada, através do qual o sujeito é convidado a inventar

uma história acerca do personagem desenhado. Segundo Machover, “este aspecto verbal e mais

consciente do processo não constitui uma parte intrínseca da técnica do desenho, mas oferece

uma oportunidade para a obtenção de valiosas informações clínicas indirectas do sujeito, e

também serve para a validação das facetas retratadas graficamente” (Anderson, 1978, p. 350).

Antes de se iniciar a prova é necessário que se tenha estabelecido um ambiente de

confiança entre o sujeito e o examinador.

Apresenta-se uma folha branca de formato A4, lápis preto n.º 2 e uma borracha. No caso

de ser uma criança a examinada, deve dizer-se: “Vou pedir-te para desenhares uma pessoa”. No

caso da criança fazer perguntas no sentido de saber se há de desenhar um homem ou uma mulher,

o examinador deve decifrar a palavra pessoa, ou explicar o que se pretende da seguinte forma:

“Podes desenhar uma pessoa como quiseres. Pode ser homem ou mulher, menino ou menina. Faz

como entenderes”. Nunca se deve dar a entender qual o sexo a desenhar, permitindo à criança a

liberdade de optar pelo tipo de figura que desejar.

Durante a aplicação do teste, é importante registar todas as verbalizações do sujeito, a

ordem pela qual são desenhadas todas as partes do desenho, quanto tempo é despendido na

realização do desenho, e a sequência das partes desenhadas.

Se o sujeito disser que terminou, tendo apenas desenhado a cabeça, pede-se que continue

61

Page 67: Imagem Corporal

até que todo o corpo esteja desenhado. Observar discretamente a marcha do desenho e anotar.

Análise e interpretação:

Em qualquer prova projectiva, mas particularmente no teste da figura humana, existem

vários tipos de processos inter-relacionados e que necessitam de ser analisados: O processo

adaptativo, o processo expressivo e o processo projectivo.

O processo adaptativo diz respeito à forma como o sujeito obedece às instruções que lhe

são dadas, no sentido de responder de uma forma adaptada à tarefa. No caso do teste da figura

humana, em que o pedido vai no sentido do sujeito desenhar uma pessoa, o processo adaptativo é

analisado na perspectiva da execução do sujeito ser formalmente um ser humano.

O processo expressivo prende-se com o estilo da criança relativamente às particularidades

gráficas que lhe são próprias, como por exemplo o tipo de traçado, com mais ou menos vigor, o

tamanho, etc..

O processo projectivo relaciona-se com a essência do próprio teste: a projecção da

imagem do corpo materializada na figura desenhada. Ou seja, aquilo que o sujeito desenha

reflecte o conceito subjectivo do Eu.

A psicossomática tem revelado que os órgãos possuem uma certa tendência para possuir

62

Page 68: Imagem Corporal

um sentido emocional que lhes é específico (ref. por Machover, 1978, in Anderson, 1978). A

imagem corporal, desta forma, pode sofrer diferentes transformações, o que se revela no desenho

através de injúrias corporais, cosméticos, tatuagens, vestuário, etc..

Quando um indivíduo desenha uma “pessoa”, ele deverá necessariamente referir-se à

imagem que faz de si e de outras pessoas, imagens estas que pertencem à sua mente. A figura

desenhada, resultante da imagem combinada de identificações, projecções e introjecções, está

intimamente ligada ao eu.

Existem, portanto, determinados aspectos do desenho que devem ser verificados e

analisados:

1. Aspectos gerais do desenho (posição da folha, localização na página, tamanho

relativo, qualidades do grafismo, resistências, negação, não completamento da figura

ou omissão, etc.)

2. Aspectos estruturais ou formais (tema e tipo da imagem do corpo, postura ou posição

da figura, acção ou movimento, perspectiva, sucessão ou sequência do desenho,

proporções, pormenores, transparências, linha mediana, anatomia interna,

articulações, simetria definida, complementos ao desenho, ordem das figuras, tamanho

relativo e tratamento diferencial das duas figuras do par, e indicadores do conflito.

3. Aspectos do conteúdo (o corpo e as suas partes, incluindo a cabeça, cabelos, traços do

rosto, olhos, nariz, boca, orelhas, pescoço, braços, mãos e dedos, tronco, tórax,

63

Page 69: Imagem Corporal

ombros, cintura, pernas e pés. Deve observar-se também a roupa e acessórios.

Um dos aspectos gerais do desenho relaciona-se com a posição da folha. Duma forma

geral, a folha representa o ambiente delimitado pelas bordas do papel e imposto ao sujeito. A

posição da folha indica a forma como o sujeito se coloca perante o ambiente e o manipula.

Quando se observa uma modificação radical na posição em que o papel foi apresentado, isto

significa que existe liberdade em relação à ordem dada e, portanto, há o indício dum espírito

curioso, com iniciativa e uma possível oposição e negação.

A localização do desenho na página prende-se com a orientação do indivíduo no

ambiente e consigo próprio. Ao centro, interpreta-se como segurança, auto-valorização,

emotividade, comportamento emocional e adaptativo, equilíbrio; pessoa centrada em si mesma e

auto-dirigida. No canto superior direito, há num contacto activo coma realidade, projectos para o

futuro; no canto inferior direito, significa força dos desejos, impulsos; no canto inferior esquerdo,

indica conflitos, egoísmo, regressão; e no canto superior esquerdo, há uma certa passividade,

atitude de expectativa diante da vida, inibição, reserva, nostalgia, para além de um desejo de

regressar ao passado ou de permanecer na fantasia.

Desenhos na metade superior da página, indicam espiritualidade, misticismo, energia,

objectivos muito altos, satisfação na fantasia. Na metade inferior, revelam materialismo, fixação

à terra e ao inconsciente, orientação para o concreto, insegurança e inadequação, com depressão.

Desenhos na metade direita indicam extroversão, altruísmo, actividade, socialização, relação com

o futuro, progresso. Na metade esquerda, interpreta-se como introversão, egoísmo, predomínio da

afectividade, do passado e do recalcado, comportamento compulsivo. Segundo Marby (1964), os

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Page 70: Imagem Corporal

desenhos que se apresentam em diagonal, relativamente à página, indicam projecção de perda de

equilíbrio (ref. por Machover, 1978, in Anderson, 1978).

O tamanho do desenho em relação à folha exprime a relação entre o sujeito e o seu

ambiente (como o sujeito reage às pressões do meio, inadequadamente ou de com sentimento de

inferioridade ou, pelo contrário, com fantasias compensatórias de sobrevalorização). Quanto

maior é o desenho, maior é a valorização de si mesmo.

Quando o desenho é muito grande (ocupa quase toda a folha), nota-se uma agressividade e

uma grande descarga motora. Se o desenho for de tal forma exagerado que quase sai da folha,

pode dizer-se que estamos perante um sentimento de constrição por parte do ambiente, com

fantasia super-compensatória, o que pode lembrar traços paranóides. Há um possível indício de

organicidade.

Se o desenho é grande, nota-se um sentimento de expansão e agressão, tal como falta de

controle e de inibição. Há ainda um certo narcisismo e ideias de grandeza que podem esconder

sentimentos de inadequação. Se o desenho é de tamanho médio, não há nada a interpretar.

Quando o desenho é pequeno, interpreta-se como inferioridade, inibição, constrição e depressão,

bem como um comportamento emocionalmente dependente e ansioso. Se o desenho for

exageradamente pequeno, diz-se que há um sentimento de inadequação e rejeição pelo ambiente

e uma tendência para o isolamento.

As qualidades do grafismo (tipo de linha e consistência do traçado) indicam a

manifestação de energia, vitalidade, decisão, iniciativa, por um lado, e por outro, emotividade,

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Page 71: Imagem Corporal

insegurança, falta de confiança em si próprio e ansiedade.

Uma linha grossa indica energia, vitalidade, iniciativa, decisão, confiança em si,

possivelmente agressão e hostilidade para com o ambiente, esforço para manter o equilíbrio, falta

de adaptação. Uma linha média nada significa. Uma linha fina transparece insegurança, timidez,

sentimento de incapacidade, falta de energia e de confiança em si próprio, mas também uma

personalidade hipersensível e artística.

O traço contínuo indica decisão, rapidez, energia, esforço dirigido, auto-afirmação, mas

também falta de sensibilidade e de vida, medo de iniciativas, quando o traço é tão contínuo que

nem levanta do papel.

Um traço de avanços e recuos indica emotividade, ansiedade, falta de confiança em si

próprio, timidez, insegurança, hesitação ao encontrar novas situações, mas também sentido

artístico, intuição, sensibilidade. O traço interrompido revela incerteza, temor e angústia. O traço

trémulo é interpretado como falta de segurança, medo, sensibilidade.

Quando surgem resistências no desenho, como por exemplo uma negação ou um não

completamento da figura, interpreta-se como atitudes negativas e de oposição. A negação pode

ter outro significado como um intenso sentimento de inferioridade e de inadequação que faz o

sujeito temer a imperfeição e o julgamento do outro. Para interpretar o não completamento da

figura, há que ter em conta as partes omitidas, pois o conflito pode estar justamente nessa parte.

66

Page 72: Imagem Corporal

As características estruturais e formais do desenho, ou seja, os aspectos motores e

expressivos “são (...) agitados para dentro do conteúdo do desenho” (Machover, 1978, In

Anderson, 1978, p. 353). A forma como o sujeito diz as coisas graficamente, que é o aspecto

expressivo, depende de onde, em que parte da figura, está a ser dito e o que está a ser dito em

relação ao conteúdo da figura. Segundo Machover, o aspecto expressivo, ou seja “a distribuição

da energia gráfica” (ref. por Machover, 1978, in Anderson, 1978, p.353), como se observa través

das omissões, do distúrbio da linha, da perspectiva, dos reforços, das rasuras ou sombreados,

deve ser interpretado com base nos significados atribuídos às diversas partes do corpo. O desenho

aponta o foco do conflito.

Quando se analisa um desenho, as primeiras impressões determinam-se essencialmente

pela posição da figura e pela expressão facial da mesma. A linha e o vigor dos apêndices são

importantes para a avaliação do conjunto. A figura pode ser rígida ou tensa, demasiado simétrica

ou armada, ou conter demasiados adereços. A expansividade, a constrição, a depressão, a vaidade

, a divagação ou o ódio podem ser o centro da expressividade, em torno da qual os indícios de

unidade se constituem.

O conflito pode ser expresso das mais variadas formas, quer através da relutância em

desenhar, ou através da figuração de apenas algumas partes do corpo, ou ainda através de uma

grande quantidade de perguntas. O conflito pode ainda manifestar-se pelo desenho de uma figura

do sexo oposto, ou duma figura de idade diferente, ou ainda duma figura que em nada se

assemelha ao tipo físico do examinado. Por outro lado, as rasuras e o esforço agressivo da linha

são também fortes indicadores da existência de conflito. Se considerarmos um nível mais

profundo, podemos dizer que o sombreado (impetuoso e inconstante ou mais racionalizado),

67

Page 73: Imagem Corporal

indicador de ansiedade, pode manifestar o conflito.

A forma mais patológica da expressão de conflito é a transparência. Nela se concebe uma

mentalidade infantil e primitiva e um julgamento deficiente. Este julgamento deficiente, se não

for concordante com o QI, poderá indicar esquizofrenia.

Para se fazer uma análise adequada do desenho, há que ter em conta alguns aspectos

fundamentais, tais como o significado fenomenológico, funcional das partes do corpo humano, o

conjunto de traços (um traço isolado não significa nada) e as características das faixas etárias.

Assim, e duma forma sintética, eis o significado dos aspectos formais e estruturais no

Desenho da Figura Humana:

1. Tema – Verificar se é estereótipo, uma pessoa específica ou auto-imagem (para as

duas últimas, a idade ajuda). Estudar o tema em relação ao que pode significar.

Estereótipo = identidade em nível de fantasia (fantasia para escapar da insegurança);

evasão dos problemas de relacionamento pessoal.

Figuras mais velhas e mais jovens = a atribuição de idade à pessoa funciona como um

índice dos desejos, atitudes culturais e perspectiva temporal dos indivíduos.

Desenho pedagógico = frequentemente apresentado por psicopatas e por aqueles que

acham as relações interpessoais muito desagradáveis; suspeita de organicidade.

2. Postura da figura

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Page 74: Imagem Corporal

Erecta = dispensa interpretação

Sentada, deitada = depressão

Inclinada = instabilidade, equilíbrio precário

Parece estar a cair = o sujeito pode ser epiléptico ou projectar sentimentos de

iminente colapso da personalidade

3. Acção ou movimento

Parada = dispensa interpretação

Movimento = fantasia, mobilidade psíquica, capacidade mental, acção, adaptação,

contacto social

Movimento involuntário, violento e desagradável = aparece muito em esquizofrénicos

Movimento presente em grande quantidade e intensidade = hiperactividade,

impaciência, desejo de dominar

4. Perspectiva – grau de auto-exposição

Figura toda de perfil = evasão e defesa

Toda de frente = exibicionismo, ingenuidade e comunicabilidade social

Toda de costas = problema muito grande de ajustamento

Perfil-frente = isto é, cabeça e pés de perfil, tronco e braços de frente, significa

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Page 75: Imagem Corporal

conflito entre exibicionismo e controle social (adolescência)

Perspectiva confusa com erros sérios (cabeça de perfil, dois olhos de frente) =

escassos discernimentos e perspectiva, encontrados em pessoas com deficiência

acentuada, organicidade, com bases esquizóides, e em esquizofrénicos.

5. Transparências

Transparência de chapéu, roupa, etc. = sentido diferente de transparência do corpo

(anatomia interna); indica julgamento deficiente ou muito pobre relativo ao aspecto

específico em que ocorre

6. Sucessão do desenho (sequência) – as alterações indicam as partes do corpo mais

importantes ou problemáticas para o sujeito

7. Simetria

Muita ordem e igualdade entre as duas partes do corpo = obsessão compulsiva

Distúrbios na simetria = descoordenação e insuficiência física em geral

8. Linha mediana – preocupação com o corpo e sentimento de inadequação e

dependência

70

Page 76: Imagem Corporal

9. Articulações – denuncia o compulsivo ou dependente

10. Anatomia interna ou transparência do corpo – indica quase seguramente esquizofrenia

11. Pormenores – tudo o que o indivíduo coloca fora do corpo

Abundância = obsessivo-compulsivo

12. Complementos

Linha do solo acentuada = preocupação com o estar no mundo

Ausência da linha do dolo = “sentir-se no ar”

Paisagem = tendência ao sonho

Exagero ou paisagem como tema dominante = sente-se ameaçado pelo mundo

exterior

Figura apoiada num objecto = necessidade de segurança

13. Proporções

Muita proporção = preocupação com o que é que é certo e o que é errado

Desproporção pronunciada = desarmonia na personalidade e no comportamento

14. Indicadores de conflito

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Page 77: Imagem Corporal

Correcções e retoques = insatisfação e insegurança

Borrões resultantes das correcções = insegurança e desejo de perfeccionismo

Reforço da linha = sinal de ansiedade

Reforços suaves e raros = passividade de temperamento

Sombreado = expressão de ansiedade

Sombreado não excessivo, mas moderado e aplicado facilmente = tacto e

sensibilidade, mais do que ansiedade

Omissões = conflito com a região onde se localiza

15. Ordem das figuras

Próprio sexo em primeiro lugar = identificação com o papel característico do próprio

sexo

16. Tratamento diferencial das duas figuras – reflecte as atitudes do sujeito para com os

dois sexos

17. Tipo de imagem do corpo – verificar se realista se compensatório

Eis o significado dos aspectos de conteúdo:

A cabeça e as feições faciais expressam as necessidades sociais e a responsabilidade.

72

Page 78: Imagem Corporal

Aqui se encontram a projecção das aspirações intelectuais, o incitamento para o controle racional

dos impulsos ou a elaboração da fantasia. A cabeça é a primeira parte do corpo que as crianças

procuram desenhar e é, muitas vezes, a parte mais detalhada. Ela é o centro de localização do

próprio eu.

Os olhos relacionam-se com a comunicação social. Muito grandes indicam um abarcar do

mundo; e muito pequenos, a exclusão. Olhos esbugalhados indicam excitação sexual. Eles podem

ser contentores de incertezas, de medos ou de confusões. Podem ser paranóicos, com uma

prudência exagerada, apagados pelo sentimento de culpa daquilo que presenciaram. Envolvem

apelo sexual, quando desenhados com cílios muito longos. Podem revelar um autismo e alheação

do mundo.

As orelhas representam um importante papel na economia vigilante do corpo. Os

distúrbios e as distorções podem ter diversos significados, desde uma sensibilidade regular até à

paranóia sistematizada, dependendo do grau de irregularidade. Uma grande distorção no formato,

um deslocamento pronunciado ou minúcias estranhas e actividade da orelha, podem ser sinais

muito mais patológicos que o exagero do tamanho ou o reforço da linha.

O nariz, menos importante que os olhos e mais importante que as orelhas, carrega o peso

do simbolismo sexual. Isto porque, com excepção do pénis, é a única protuberância na linha

mediana do corpo e é, como o pénis, um órgão que “emite”. Um nariz forte é masculino e

assertivo nos nossos estereótipos sociais. O sombreado do nariz, a sua omissão, ou a falta de um

pedaço (castração) podem significar conflitos de ordem sexual.

73

Page 79: Imagem Corporal

O cabelo desempenha um importante papel na esfera da sexualidade. Ele relaciona-se

com as necessidades sensuais e, de forma indirecta, com a vitalidade sexual. Como projecção

sexual é mais primitivo e infantil que o nariz, a gravata ou as feições sexuais primárias. Como

expressão da expressão sexual, a ênfase no desenho do cabelo é mais observada nos desenhos

infantis ou de adultos em regressão. A “excitação” pelo cabelo relaciona-se com o surgimento

dos impulsos sexuais infantis.

A boca é uma outra zona erógena, um órgão de fixações precoces com efeito em

dificuldades na nutrição, distúrbios da fala, linguagem indecente, alcoolismo, alimentação

exagerada, formas mais subtis de sadismo verbal, etc.. Graficamente pode ser representada em

formas côncavas e dependentes, ou em formas agressivas compensatórias. É muitas vezes

projectada como um órgão de específica perversão sexual e, de modo mais moderado, como uma

zona erótica e sensual.

O busto, os ombros largos, a musculatura constituem um grande interesse para aqueles

que se preocupam com a forma física. Nos desenhos da figura feminina, a área do busto está

relacionada primariamente com o desenvolvimento dos seios. É importante o conhecimento desta

característica sexual em conjunto com a aceitação do papel feminino nas meninas em idade de

crescimento. A importância dada aos seios é vista nos desenhos infantis e nos de indivíduos

apegados à figura materna. Seios desenvolvidos, desenhados por uma mulher, são interpretados

como a identificação com uma mãe dominante.

O pescoço tem uma enorme importância na interpretação do desenho, por causa da sua

posição estratégica no corpo. Ele serve, funcionalmente, como passagem entre o corpo, carregado

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Page 80: Imagem Corporal

de impulsos, e o controle exercido pelo cérebro.

A cintura muito apertada revela inibição. A cintura é a linha de demarcação entre o que

no homem constitui a área de força física (peito) e na mulher a nutrição, e a região genital do

corpo.

Na posição dos pés, na figura, vemos a segurança do sujeito. A posição dos pés também

poderá referir-se a atitudes em relação ao movimento, actividade, arrogância e até mesmo em

relação à actividade sexual, já que a posição dos pés tem relação com a das pernas. Além de

manter a estabilidade espacial do corpo, as pernas também representam o contacto com o

ambiente. Tocando o chão, os pés podem ser envolvidos em ideias de fobias de vermes,

frequentemente associadas à sexualidade e sentimentos de culpa. Sendo um órgão saliente, o pé

poderá ter algumas conexões com o sexo.

Os braços e as mãos são os órgãos que mais têm contacto com objectos, pessoas, e com o

próprio corpo. Com eles o indivíduo domina o ambiente. Quando os braços são longos e com

indicação gráfica de força, indicam desejos ou ambições. Se longos e fracos, podem indicar a

necessidade de obter apoio do ambiente, mas nenhuma manipulação activa dele. As mãos, tanto

como os pés, são as áreas mais comuns de expressão de conflito. Como extremidades e pontos de

contacto, suportam o peso dos sentimentos de culpa, de insegurança e de temor. Os dedos variam

quanto à sua expressividade. Podem ser arredondados, agressivos (pontiagudos), comprimidos,

expandidos compulsivamente, ou um deles poderá apresentar-se muito longo ou, então, ser

omitido, reflectindo sentimentos de culpa com referência à masturbação.

75

Page 81: Imagem Corporal

O vestuário é interpretado como uma necessidade de aparências. A roupa representa o

nível superficial da personalidade, ou como a pessoa é realmente na aparência, ou como desejava

ser para os outros. Os nus apresentados são raros, especialmente nas crianças pois estas são

dependentes do apoio social para a definição do seu papel no ambiente. Os órgãos genitais,

especialmente os masculinos, raramente são exibidos, excepto nas figuras desenhadas por

esquizofrénicos e pessoas em análise. As crianças que se preocupam com o sexo poderão

desenhar as partes genitais.

Nos desenhos infantis aparecem por vezes os chapéus, que se relacionam com a

apresentação social e o despertar da preocupação sexual. As gravatas são consideradas símbolos

de adequação sexual expressada ao nível social. Os cintos podem demarcar a área sexual e as

fivelas enfeitadas socializam a dependência obtida do realce do umbigo. Bolsos e botões

constituem também símbolos de dependência materna. O cigarro, o cachimbo e a espingarda são

símbolos do sexo. A bengala é quase sempre analisada como um apoio ou como a restituição à

actividade sexual.

Estes aspectos devem ser analisados e inter-relacionados, de forma a integrá-los para uma

maior compreensão da dinâmica da personalidade. Cada traçado deve ser analisado sempre tendo

em vista todos os outros, num contexto de impressão global do desenho. A perspectiva de

interpretação deste teste leva em consideração o desenho na sua totalidade e de uma forma

psicodinâmica.

Através dos aspectos expressivos pode aceder-se ao conflito entre o Eu e os instintos, a

interpretação da natureza do conflito prende-se, segundo Machover (1978), com o significado

76

Page 82: Imagem Corporal

simbólico da parte do corpo posta em evidência ou omitida (1425).

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Page 83: Imagem Corporal

78

Page 84: Imagem Corporal

ESTUDO DE CASO

O caso apresentado neste estudo insere-se num contexto legal na medida em que o

material do sujeito aqui apresentado tem origem num pedido ao Instituto de Reinserção Social

para avaliação psicológica do dito sujeito. Trata-se de uma criança vítima de abuso sexual

(perpetrado pelo seu padrasto) a quem chamarei Sara. Todos os restantes nomes mencionados são

também fictícios.

História Clínica

Sara é uma menina de 13 anos, natural do Algarve, cujo desenvolvimento é

aparentemente normal para a sua faixa etária, no que diz respeito à aprendizagem e à aquisição de

conhecimentos. No momento da avaliação psicológica, Sara frequentava o 7º ano de escolaridade

com aproveitamento médio.

Também no que se relaciona com a saúde, Sara não apresenta qualquer distúrbio físico ou

sintomático digno de registo.

Sara é oriunda duma família com um nível sociocultural relativamente indiferenciado,

atingindo inclusive uma certa degradação social e marginalidade. Observa-se uma manifesta

problemática nas inter-relações dos familiares, ponteada por alguns comportamentos agressivos e

menos adequados.

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Page 85: Imagem Corporal

Até cerca de um ano e meio de idade, Sara viveu no Algarve com a sua mãe (Maria), mas

acabou por ser entregue por esta aos cuidados da sua avó materna (Lurdes). Os problemas

conjugais de Maria não lhe permitiam proporcionar um bom ambiente à filha. Primeiro separou-

se de Daniel (pai de Sara) e, mais tarde, envolveu-se com outras pessoas, envolvimentos estes

que apenas lhe trouxeram desgostos e problemas.

Durante cerca de 7 anos, Sara viveu com os avós maternos em Lisboa, mas acabou por

voltar a viver com a mãe na altura em que esta iniciou um relacionamento marital com João

(padrasto de Sara). Segundo Maria, Sara aceitou muito bem o novo relacionamento de sua mãe,

não tendo surgido problemas mais graves.

No entanto, começaram a surgir, por parte da Sara, algumas atitudes e comportamentos

geradoras de conflitos entre mãe e filha, especialmente no que dizia respeito à autoridade

materna. Segundo Maria, Sara recusava-se a cumprir certas obrigações, nomeadamente tarefas

domésticas. Ainda segundo Maria, Sara sempre demonstrou uma grande preocupação com as

suas relações amorosas e sociais, preocupação esta que se traduzia em comportamentos menos

adequados. Como consequência, este tipo de comportamentos acabou por expor a Sara a criticas

e comentários por parte da comunidade onde se encontrava integrada.

No sentido de controlar este tipo de comportamentos por parte da filha, Maria procurou

manter Sara perto de si a maior parte do tempo, levando-a muitas vezes para o seu local de

trabalho até ao início das aulas. Esta situação desagradava por completo a Sara, o que acabou por

agravar ainda mais os conflitos entre mãe e filha. Estes conflitos atingiram o auge no momento

80

Page 86: Imagem Corporal

em que Sara revelou ter sido abusada sexualmente pelo padrasto, revelação esta que deu origem

ao regresso de Sara a casa dos avós maternos, em Lisboa.

A nível escolar, Sara é uma aluna pouco motivada, com um fraco aproveitamento, embora

não possam ser colocadas em causa as suas capacidades intelectuais. Sara é descrita pelos que a

conhecem como sendo um pouco precoce, com bastante capacidade de argumentação e muita

imaginação, esta geralmente utilizada para ultrapassar situações desconfortáveis.

Relativamente à integração no meio escolar, Sara parece ser muito sociável e extrovertida.

A imagem que Sara transmite no seu ambiente escolar (e também na vila onde reside) é a de uma

menina, pelo seu aspecto físico e atitudes, mais desenvolvida que os seus colegas.

Há ainda a registar, no que diz respeito à história familiar, que uma das pessoas mais

significativas da vida de Sara foi o seu avô paterno, cujo falecimento entristeceu muito a menina

(tristeza ainda maior pelo facto de Sara não ter sido informada da morte do seu avô no momento

exacto). Sara gostava muito de passar o seu tempo na companhia do avô.

História Familiar

Maria, mãe de Sara, é uma pessoa frágil, doente e que apresenta grandes carências

afectivas. Apresenta alguns problemas a nível psicológico e mantém uma relação instável com a

sua mãe, avó de Sara. Este tipo de relação entre Maria e a sua mãe tem contribuído para alguma

instabilidade e desequilíbrio no desenvolvimento de Sara.

81

Page 87: Imagem Corporal

Maria casou pela primeira vez aos 17 anos de idade, com aquele que viria a ser o pai de

Sara, Daniel. Até ao nascimento de Sara, a relação entre Maria e Daniel é descrita como

agradável e estável, nunca tendo surgindo problemas mais graves. Mas após o nascimento da

menina, Daniel passou a maltratar Maria, agredindo-a física e psicologicamente. Segundo a mãe

de Sara, os motivos do marido para os maus-tratos estavam relacionados com ciúmes

relativamente à menina.

Daniel é consumidor excessivo de bebidas alcoólicas e estupefacientes e nunca se revelou

motivado para trabalhar, o que acabou por também contribuir para o ambiente desagradável e

desconfortável em que a família vivia (num bairro degradado).

Após ter terminado a sua relação com Daniel, Maria envolveu-se com outras pessoas mas

nenhuma dessas relações é descrita como gratificante, muito pelo contrário. Os problemas

apareciam constantemente e o nível de vida foi sempre precário. Maria sofreu diversos maus-

tratos, a que Sara sempre assistiu. A mãe da menina acaba por decidir entregar Sara (com um ano

e meio de idade) à sua avó materna. Nessa altura também, Maria separava-se definitivamente de

Daniel.

O pai de Sara nunca quis participar no sustento da sua filha, nem mesmo quando foi

instaurado um processo de regulação do poder paternal. Durante os primeiros meses de separação

entre Maria e Daniel, Sara tinha contactos esporádicos com o pai, sem qualquer restrição.

Após sucessivos fracassos amorosos, Maria finalmente envolveu-se com uma pessoa que

82

Page 88: Imagem Corporal

trouxe felicidade e lhe proporciona muita estabilidade: João. Maria descreve esta relação como

muito positiva. Não existem maus-tratos ou sevícias e o ambiente é francamente agradável. Por

este motivo, Maria decide que é o momento de Sara (com 8 anos de idade) regressar a sua casa.

O casal viveu em Lisboa durante algum tempo mas acabou por mudar-se para o Algarve,

devido à facilidade que aí existia em obter apoios de nível económico, por parte de pessoas

conhecidas. Maria opta por, mesmo vivendo no Algarve, manter a casa camarária em Lisboa,

pagando uma renda.

Da relação entre Maria e João nasceu uma menina, actualmente com três anos de idade e

que apresenta um desenvolvimento adequado à sua faixa etária.

Situação Pessoal e Familiar de Sara Após o Abuso Sexual

Sara tinha 11 anos quando foi vítima de abuso sexual, cometido pelo seu padrasto.

Segundo Sara, os abusos aconteceram mais de uma vez e sempre na ausência de Maria. Por

diversas vezes, Maria não almoçava em casa e Sara ficava sozinha com João. Este agarrava a

menina e abraçava-a, forçando o contacto entre os órgãos genitais de ambos. Por vezes, João

despia-se e despia a menina e os contactos genitais ocorriam, sem penetração. Sara diz: (Ele)

“(...) também me fazia outras coisas. De resto nunca me fez mais nada”.

Após a revelação do abuso sexual perpetrado por João sobre Sara, esta foi levada para

casa da avó materna, onde residia no momento em que é efectuado o pedido de avaliação

83

Page 89: Imagem Corporal

psicológica ao IRS de Lisboa.

Nesse momento, Sara frequentava o 7º ano de escolaridade, apresentando um

aproveitamento de nível médio, apesar de não ser do seu agrado o ambiente escolar onde se

encontrava integrada. Sara pretendia regressar o quanto antes à sua escola anterior, perto da

residência de sua mãe (no Algarve).

O desejo profissional de Sara era tornar-se veterinária e, para a concretização desse

desejo, esperava ingressar na faculdade e prosseguir os seus estudos.

Sara demonstrava ser uma menina insegura, instável e muito carente, e o ambiente onde

se encontrava a viver (com os avós maternos) não parecia ser o local apropriado para o seu

desenvolvimento emocional e psíquico, nem mesmo parecia contribuir para a estabilidade que

Sara necessitava.

Sara manifestava uma grande tristeza com toda a situação que se havia criado. Não

apreciava o ambiente em casa dos seus avós maternos, devido à agressividade física e verbal que

existia entre os familiares (avó, avô e tio). A situação tornava-se ainda mais grave pelo facto do

tio de Sara apresentar um percurso acentuado de consumo de drogas.

Sara descrevia a família da mãe de forma muito idealizada, atribuindo ao padrasto o

“lugar de pai” (pai que ela nunca teve). A menina demonstrava um desejo muito forte de

regressar o mais depressa possível ao Algarve, onde tinha uma família que, segundo ela, a

acarinhava e a tratava de forma digna. Sentia-se arrependida de ter feito queixa de João, pois este

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Page 90: Imagem Corporal

nunca a agrediu fisicamente (segundo Sara) e sempre a tratou de forma semelhante aquela com

que trata a sua irmã mais nova. A menina tinha esperança que a situação se resolvesse

rapidamente para que pudesse voltar, o quanto antes, para casa da mãe.

Para além da família, Sara tinha também saudades do meio social onde vivia (com a mãe)

e das brincadeiras com os amigos: os passeios na praia, as idas ao café, as festas de aniversário,

etc..

Após o pedido de avaliação, Sara começou a receber acompanhamento psicológico.

Durante as sessões, Sara apresentava um discurso racionalizado, ininterrupto e muito inquietante.

Demonstrava claramente a tristeza que sentia em viver num ambiente conflituoso: a sua avó

estava sempre zangada com ela, o seu avô batia-lhe e o seu tio era agressivo. Sara manifestava

um grande desejo de regressar a casa da sua mãe, até porque esta necessitava muito da sua

companhia (visto ser doente e frágil, segundo Sara).

Dois meses após o regresso a casa dos avós maternos, Sara telefonou à mãe para que esta

a fosse buscar, mas isto não voltou a acontecer pois, segundo a menina, a avó não permita que ela

utilizasse o telefone para falar com a mãe: “A minha avó não gosta de mim, chama-me nomes,

bate-me....isto não é vida para mim!”. Sara mostrava-se muito triste quando falava no ambiente

que vivia em casa dos seus avós e chegou a dizer: “Aquela casa não interessa a ninguém, aquilo

não presta e eu já estou farta!”.

Lurdes explicou que proibiu a neta de falar com a mãe por telefone, porque Sara, após os

telefonemas, “vinha com umas ideias esquisitas”, agia de forma rebelde e afirmava que queria

85

Page 91: Imagem Corporal

voltar para casa de Maria.

Na tentativa de agradar à avó, Sara fazia todas as tarefas que lhe eram exigidas, para que

também lhe fosse permitido sair durante o fim de semana e ir à praia com a prima. Sara confessou

ter chegado a ir trabalhar clandestinamente para as limpezas, por intermédio da sua prima.

Durante uma das sessões, Sara foi questionada acerca do porquê de ter regressado a casa

dos avós, ao que Sara respondeu ter passado por uma situação desconfortável com o padrasto. Ela

contou: “As coisas estavam todas bem, até que houve uma situação muito chata....sabe? O João

não me violou, nem abusou de mim, porque ainda estou virgem, penso que deve ter sido algo que

lhe ocorreu, passou na cabeça e fez-me aquilo....sabe? Mas eu já lhe perdoei, ele pede-me

desculpa e eu perdoo-o...porque independentemente disto ele é bom para mim, para a minha mãe.

Dá-me presentes, dá-me tudo o que preciso. É o pai que nunca tive. João é um elemento precioso

em casa, tanto para a minha mãe como para a minha irmã, não quero que aconteça à minha irmã

aquilo que me aconteceu, não quero que ela fique sem o pai, como eu fiquei. Só quero que ela

seja feliz”.

Sara revelou alguma incompreensão relativamente aos comportamentos abusivos do

padrasto e perguntava a si própria o porquê de João não procurar outras pessoas para agir de tal

forma. A menina afirmou que questionava muitas vezes o padrasto acerca disso mas este nunca

lhe respondeu.

Após o sucedido, Sara diz que se sentiu muito angustiada e preocupada, e não sabia a

quem pedir ajuda. Não pensou contar à mãe, com medo que esta reagisse negativamente e acabou

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Page 92: Imagem Corporal

por relatar tudo à sua melhor amiga. Sara disse: “Quando contei, chorámos as duas”. Mais tarde,

Sara decidiu contar o sucedido a uma prima que vive em Lisboa, e a prima, por sua vez, contou

ao padrinho. O padrinho acabou por revelar o sucedido à avó de Sara, e esta fez queixa à polícia.

Sara acreditava que a avó havia agido dessa forma com o objectivo de retirar a menina à sua mãe,

e queixava-se que Lurdes não procurou sequer conversar com ela sobre o que se havia passado. A

menina revelava-se muito revoltada com a atitude da avó e era de opinião que a avó jamais

deveria ter tomado tal decisão.

Sara referiu ainda que a sua prima e todos aqueles que sabiam da história se sentiam

arrependidos, por terem revelado a situação de abuso, e que preferiam nunca o ter feito.

Durante as sessões, Sara revelou que se sentia melhor pelo facto de estar a ser

acompanhada por uma psicóloga, pois necessitava de apoio e de um espaço onde pudesse

desabafar, aconselhar-se, e conversar sobre aquilo que não podia revelar aos outros. Sara pensava

que a psicóloga a poderia ajudar a suportar o sofrimento, a saber defender-se e a tentar

compreender as suas atitudes.

Segundo a psicóloga de Sara, esta parecia estar numa situação de grande desequilíbrio

emocional: permanecia muito agitada durante as sessões e chorava quando falava na sua mãe. As

carências afectivas pareciam dominar a menina e as saudades que sentia de sua mãe eram muito

fortes. Sara chegou a afirmar que sentia “ciúmes dos colegas que viviam com o pai e com a mãe”.

No que diz respeito ao pai, Sara afirmou sentir uma grande mágoa pois, ao que parece,

Daniel apenas a visitou uma vez após a revelação do abuso sexual. Sara afirmou que o seu pai

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Page 93: Imagem Corporal

nunca gostou dela, nem mesmo da sua mãe. A menina possuía lembranças muito fortes e tristes

da sua primeira infância, em que o seu pai batia na sua mãe e em que o ambiente era de “muita

violência”.

Segundo a psicóloga de Sara, havia sessões em que a menina chegava bastante

entusiasmada, e relatava o que se passava durante os passeios com a prima. As meninas iam à

praia e, por diversas vezes, acabam por travar conhecimento com alguns rapazes, chegando

inclusive a trocar números de telefone. As conversas que surgiam entre eles debruçavam-se

essencialmente sobre assuntos relacionados com as férias, mas acabavam por se transformar em

trocas de palavras sedutoras. Segundo Sara, os rapazes acabavam por querer namorar com ela, o

que de algum modo a perturbava. Houve uma ocasião em que Sara chegou a interessar-se por um

rapaz que conheceu mas assim que ele lhe pediu que namorassem, Sara perdeu o interesse e

recusou a proposta. Ela justificou esta atitude dizendo que apenas se sentia “atraída”.

Grande parte dos conteúdos, levados por Sara para as sessões, baseavam-se nas suas

experiências amorosas e nos acontecimentos relativos à sua vida afectiva. Sara relatava diversos

episódios envolvendo rapazes e sentimentos, sempre demonstrando uma enorme necessidade de

se sentir amada e, simultaneamente, o medo de ser abandonada.

Eis alguns trechos das sessões protagonizadas por Sara e sua psicóloga:

Sara – Ele está apaixonado por mim, até me ofereceu uma rosa vermelha que apanhou no

jardim, e mais....também já levava as alianças e tudo.

Terapeuta – O que é que te impediu de aceitar?

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Page 94: Imagem Corporal

Sara – Eu gosto é do outro rapaz, esse é que é a sério, mas esse gosta é da minha prima. É

só uma atracção que não dá para namorar. Sabe uma coisa? Apetece-me fugir, desaparecer, ir

para casa da minha mãe e afastar-me de todos.

Sara demonstrava claramente a necessidade de se sentir amada e desejada, mas o medo de

ser rejeitada e abandonada impedia-a de criar laços afectivos, duradouros e firmes, com os outros.

Sara parecia desejar apenas o amor que não podia ser seu, pois assim não correria o risco de se

envolver relacionalmente com o objecto de amor e, consequentemente, poder vir a ser

abandonada. Ao mesmo tempo, a necessidade de amor era muito forte e a rejeição dificilmente

suportada, o que obrigava a menina a fugir das situações que a incomodavam. Isto confirmava-se

através dos diversos comentários feitos por Sara nas sessões. A menina relatava com grande

satisfação que os rapazes da sua rua desejavam namorar com ela, desejo este não partilhado por

Sara. Ela expressou verbalmente que não tinha interesse em namorar com ninguém,

especialmente com aqueles que ela via como seus amigos:

Sara – Quando somos amigos é muito chato, porque já nos conhecemos e, se nos

zangarmos, é mesmo muito chato, pois estragamos a nossa amizade. É preferível ser com alguém

desconhecido e estabelecer uma relação a começar de novo.

Terapeuta – Então porque evitaste namorar com o outro rapaz?

Sara – Sou muito nova para namorar e, além disso, já não gostava dele. Também, depois

se for para o Algarve, deixava de o ver. Assim é melhor.

Mais uma vez, Sara evitava estabelecer relações profundas.

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Page 95: Imagem Corporal

Segundo a psicóloga que acompanhou Sara após o abuso, a menina chorou muito nas

últimas sessões, inconformada com a situação de ser obrigada a permanecer mais algum tempo

em casa dos seus avós. Foi-lhe dito que as coisas não corriam ao seu ritmo, tendo que aguardar

pela decisão do juiz (o que possivelmente iria demorar algum tempo).

Após a revelação do abuso e após o regresso de Sara a casa dos avós maternos, Maria

entrou em desequilíbrio emocional, tendo sofrido muito com toda a situação que se criou. Maria

era uma mulher frágil e confessou ter tido “três esgotamentos” desde que a avó de Sara fez a

denúncia na polícia. Toda a situação foi vivida pela mãe de Sara com uma grande intensidade, e

era uma situação que ela descrevia como “um pesadelo”. Devido ao desequilíbrio emocional,

Maria teve que ser medicada por um especialista.

A mãe de Sara apresentava uma carga horária laboral muito intensa, pois tanto ela como o

companheiro necessitavam de assegurar o sustento da casa. No momento em que os

acontecimentos tristes tiveram lugar, Maria trabalhava como empregada doméstica numa casa

particular e preparava-se para começar a trabalhar num café perto de casa.

Maria esteve um mês a dormir no sofá, após ter tido conhecimento do que se passara entre

João e a sua filha, para evitar qualquer tipo de contacto íntimo com o companheiro. Ela dizia que

alguma coisa se havia passado com Sara, pois desde há dois anos que a filha denotava alterações

de comportamento, tais como jantar e refugiar-se de imediato no quarto, e verbalizar num tom

extremamente agressivo, fora do habitual.

No entanto, Maria afirmou que, desde os 12 anos, Sara mostrava um grande interesse

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Page 96: Imagem Corporal

pelos “namoricos” e, por esse motivo, Maria foi obrigada a adoptar atitudes “de entrave a tais

comportamentos”.

Segundo Maria, devido aos comportamentos exibicionistas da filha, esta chegou a ser

proibida de sair da escola. Ao que parece, a menina adoptava atitudes pouco discretas e de

sedução face aos trabalhadores da construção civil que trabalhavam próximo da escola.. Maria

acrescentou que um dos professores de Sara procurou pôr termo a esse tipo de comportamentos,

com o objectivo de proteger a menina. Maria disse: “Sara quando mais nova era mais meiga,

acho que foi desde que se tornou mulher, começou a olhar para a sombra”.

Segundo Maria, este tipo de comportamentos menos adequados, por parte de Sara, devia-

se ao pouco tempo disponível que a mãe tinha para a filha (por causa do horário laboral) e aos

maus-tratos exercidos por Daniel sobre Maria, a que Sara assistiu.

Relativamente aos acontecimentos trágicos que assombraram a vida de Maria e da sua

família, a mãe de Sara chegou a colocar em causa a revelação da filha, embora não mostrasse

muita convicção quanto a isso. Maria chegou a afirmar que Sara “inventara” tudo e que não

acreditava na veracidade das palavras da filha, mas não havia firmeza por parte de Maria quando

fazia este tipo de comentários.

Maria colocava a hipótese de Sara pensar que em casa dos avós teria mais liberdade, e,

por esse motivo, teria inventado toda a história: “Naquele dia, ela já tinha as malas feitas para se

vir embora, porque ela tinha a ideia de que teria liberdade em casa da avó”.

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Page 97: Imagem Corporal

Deve acrescentar-se ainda que os contactos entre Maria e a Equipa do IRS de Lisboa

foram apenas telefónicos, devido à pouca disponibilidade da mãe de Sara para se deslocar até lá.

Contudo, o discurso de Maria manifestou sempre uma grande preocupação com a filha e um

desejo forte de a ter de volta a casa, apesar das dúvidas que sentia em relação à veracidade dos

factos. Estas dúvidas por parte de Maria transpareciam uma dificuldade em aceitar a realidade.

No que diz respeito à atitude de Lurdes, esta sempre apresentou uma postura muito rígida

e nunca permitiu que a neta voltasse a viver com a mãe, pelo menos sem uma ordem específica

do tribunal. Lurdes nunca teve a menor dúvida que realmente se passou alguma coisa entre Sara e

o padrasto, mas mostrava algum arrependimento por ter agido de forma impulsiva ao deslocar-se

ao Algarve, fazer queixa de João e retirar Sara de casa da sua mãe. Lurdes afirmava que o

ambiente em casa da sua filha não era o melhor para Sara, realçando o facto de João bater na

menina. Sara nunca fez qualquer referência a este tipo de maus-tratos.

Enquanto não fosse tomada uma decisão por parte do tribunal, Lurdes não permitiria que

Sara voltasse para o Algarve ou entrasse em contacto com a sua mãe. Ela chegou mesmo a

afirmar que a Equipe do IRS de Lisboa queria obrigar Sara a tomar uma atitude contra a sua

vontade. Lurdes sempre evitou o contacto com a Equipa, tendo recusado responder a diversos

telefonemas.

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Page 98: Imagem Corporal

AVALIAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DESENHOS

Desenho da Figura Humana

Foi solicitado a Sara que desenhasse uma pessoa, da forma que preferisse. Sara executou

o desenho apresentado no Anexo n.º 2.

A análise do desenho deve ser feita, como já foi referido, através dos processos

adaptativo, expressivo e projectivo. No processo adaptativo, podemos distinguir dois aspectos:

1. Adaptação ao tema: O desenho de Sara está de acordo com a solicitação do

examinador, pois trata-se de uma produção gráfica representativa de uma figura

humana. Pode dizer-se que o desenho apresenta alguma originalidade, já que a figura

está despida.

2. Adaptação gráfica: Relativamente ao grafismo, Sara demonstra uma evolução

aparentemente regular. Geralmente, a representação efectuada pelos sujeitos tende a

ser uma representação do sexo a que o sujeito pertence. Neste caso, verifica-se que

Sara representa uma figura de sexo oposto, o que leva a colocar diversas hipóteses

interpretativas.

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Page 99: Imagem Corporal

Os aspectos expressivos e projectivos devem ser analisados conjuntamente, pois estão

inter-relacionados. O aspecto expressivo, relacionado com as qualidades gráficas que dão o

estilo, a organização e a qualidade do desenho, constitui essencialmente aquilo a que se

convencionou chamar aspectos gerais do desenho. O aspecto projectivo está relacionado com o

conteúdo e a forma de tratar o desenho (o simbolismo daquilo que é desenhado e a análise das

partes integrantes do tema).

Como já foi referido anteriormente, vários são os aspectos gerais do desenho. Analisando

estes aspectos no desenho de Sara:

1. Posição da folha: Sara desenha a figura humana na posição em que lhe é apresentada a

folha, e não faz quaisquer movimentações dignas de registo. Isto poderá indicar que

existe uma colocação, perante o ambiente, adaptada e convencional.

2. Localização na página: O local onde o sujeito coloca o seu desenho revela bastante da

sua orientação espacial. Sara desenha a figura ao centro, na metade superior da folha.

Isto poderá indicar uma certa incursão na espiritualidade e procura de uma alienação

daquilo que a rodeia.

3. Tamanho em relação à folha: O tamanho da figura produzida por Sara apresenta-se

médio, logo nada há a registar.

4. Qualidades do grafismo: A linha característica de Sara alterna entre média e fina, o

94

Page 100: Imagem Corporal

que poderá ser interpretado como uma ligeira tendência para a insegurança e

sentimento de incapacidade. Sara poderá sentir pouca confiança em si própria. O traço

de Sara, embora aparentemente regular, revela-se algo trémulo, especialmente na parte

inferior do sujeito (do peito para baixo). Isto poderá ser interpretado como existência

de alguma sensibilidade e insegurança, nomeadamente no que diz respeito à parte da

figura que se apresenta sob um traçado trémulo.

5. Resistências: Sara não apresenta resistências de qualquer tipo, tendo desenhado as

partes integrantes da figura humana. Há, no entanto, que realçar a dificuldade na

representação do órgão sexual (com sombreamento), o que poderá indicar um conflito

relacionado com essa parte corporal.

No que diz respeito aos aspectos estruturais do desenho, deve tomar-se em conta:

1. Tema: Sara retrata uma figura de sexo masculino. Ela descreve a figura representada

como um personagem de telenovela, com 39 anos de idade e que se encontra a rir. O

personagem encontra-se despido.

2. Tipo de imagem do corpo: O corpo desenhado é realista pois está claramente

produzida uma imagem humana com todas as suas partes integrantes, embora se

perceba uma certa dificuldade na representação do órgão genital. Note-se os músculos

nos membros superiores, representados em relevo, e desenhados posteriormente à

figura completa. Isto poderá ser sinal de uma certa fragilidade e atribuição de força ao

sexo oposto. Há ainda um outro aspecto a realçar: os pés. Estes parecem não possuir

95

Page 101: Imagem Corporal

propriamente uma forma humana.

3. Postura ou posição da figura: A figura desenhada encontra-se numa posição erecta e

de frente para o sujeito. Os membros inferiores encontram-se ligeiramente afastados e

os membros superiores colocam-se em relativo afastamento do corpo.

4. Acção ou movimento: Observando a figura, não se regista qualquer tipo de acção

evidente.

5. Perspectiva: A figura desenhada por Sara apresenta-se toda de frente, o que poderá

indicar um certo exibicionismo e desejo de contacto.

6. Sequência do desenho: Sara começa por desenhar a cabeça, depois a face, o cabelo e

as orelhas. Segue-se o pescoço e depois os braços (esquerdo primeiro). Finalmente,

desenha a linha lateral esquerda do tronco, prossegue desenhando a perna esquerda,

depois a perna direita e finaliza desenhando a linha lateral direita do tronco.

7. Simetria: Embora pouco acentuada, existe uma certa ausência de simetria nos pés.

8. Proporções: Observando a figura, nota-se uma relativa regularidade de proporções,

embora se possa afirmar que os braços são um pouco mais longos do que seria

esperado, e os ombros um pouco maiores. A parte do peito apresenta uma ligeira

desproporção relativamente ao tronco. A figura parece procurar o contacto. Para além

disto, parece existir uma atribuição de força e poder exacerbados ao sexo masculino.

96

Page 102: Imagem Corporal

9. Pormenores: Neste desenho não há pormenores a registar, pois a figura apresenta-se

despida.

10. Transparências: Não há nada a registar.

11. Anatomia interna: Nada a registar.

12. Complementos: Pode observar-se que este desenho não apresenta a linha de solo,

deixando a figura “solta no ar”. Isto poderá indicar que a fantasia ocupa um lugar

importante.

13. Indicadores de conflito: Os retoques, correcções e sombreamentos surgem

essencialmente na parte inferior da figura, ou seja nas pernas e órgão sexual da figura.

Isto poderá indicar algum conflito relacionado com estas partes, nomeadamente

insegurança (no caso dos membros inferiores) e ansiedade (relativamente ao genital).

14. Tipo de imagem do corpo: Sara apresenta um desenho de tipo realista, embora inclua

um elemento que pode ser considerado idealizado (os músculos). Isto poderá indicar,

mais uma vez, uma certa insegurança e fragilidade e uma atribuição de poder ao sexo

oposto.

No que diz respeito ao significado dos aspectos do conteúdo:

97

Page 103: Imagem Corporal

1. Cabeça: Sara desenha um cabeça de tamanho médio, logo nada há a registar.

2. Cabelos: Os cabelos apresentados na figura condizem com o estereótipo social

masculino.

3. Rosto: O rosto da figura desenhada por Sara apresenta linhas regulares, sem nada de

especial a registar. Não há omissão dos caracteres faciais nem contornos acentuados.

4. Bigode e barba: Sara desenha barba na sua figura, o que confere ao sexo masculino

virilidade e poder.

5. Olhos: Os olhos da figura apresentam-se grandes, o que poderá indicar curiosidade ou,

por se tratar de um desenho elaborado por um sujeito do sexo feminino, estímulo

sexual. Há quem sugira que olhos esbugalhados, o que é de certa forma concordante

com este desenho, indicam excitação sexual. Sara desenha ainda pestanas, o que

poderá ser interpretado como existência de uma relação com atracção sexual,

conferida à figura. As sobrancelhas, também apresentadas, poderão ser indício de uma

personalidade pouco inibida.

6. Nariz: O nariz desenhado na figura apresenta-se em perfil, num rosto de frente. Isto

revela infantilidade.

7. Boca: Este caracter facial apresenta-se de forma cerrada, desenhada numa só linha, o

98

Page 104: Imagem Corporal

que pode indicar alguma agressividade, nomeadamente verbal.

8. Orelhas: As orelhas desenhadas na figura apresentam-se em tamanho médio. Nada a

interpretar.

9. Pescoço: O pescoço apresentado é curto e grosso, indicador de uma conduta guiada

mais pelos impulsos que pelo intelecto.

10. Tronco: O tronco apresenta linhas angulosas, tipicamente masculinas. Os ombros

aparecem enfatizados, o que poderá ser interpretado como preocupação com o poder

físico e com a perfeição física. Os ombros aparecem também desproporcionados

relativamente ao resto do corpo, indicando a existência de um conflito sexual. Tal

como os ombros, também o tórax surge com relativo ênfase, o que reforça a ideia de

preocupação com a beleza corporal. Sara desenha ainda os mamilos na figura

masculina, o que pode revelar uma certa tendência para a ambivalência sexual. A

zona genital aparece ligeiramente sombreada, sem definição. Isto poderá expressar

conflitos ou distúrbios proporcionais ao sombreamento. Deve ainda observar-se a

pilosidade desenhada no tronco, o que pode indicar uma necessidade de conferir à

figura um aspecto de masculinidade. Esta pilosidade, no entanto, estende-se até ao

abdómen, o que pode indicar ansiedade face ao genital.

11. Braços: Os braços apresentam-se em tamanho ligeiramente longo, mas de espessura

regular. Isto pode ser indicador de uma certa ambição ou desejo de obter algo.

Apresentam-se ainda cortados ao nível dos pulsos, indicando uma necessidade de

99

Page 105: Imagem Corporal

contenção do fluxo dos impulsos. Os músculos poderão assumir alguma

agressividade.

12. Mãos e dedos: As mãos apresentam um tamanho relativamente longo, o que poderá

indicar necessidade ou desejo de contacto.

13. Pernas: O tamanho das pernas desenhadas é regular tanto em altura como em

espessura, o que não permite uma interpretação específica. No entanto, verifica-se

alguma dificuldade no desenho do seu contorno e a aplicação de um ligeiro

sombreamento, o que poderá indicar conflito relacionado com esta parte.

14. Pés e dedos: Os pés da figura desenhada por Sara são notoriamente desiguais. Isto

poderá indicar alguma insegurança. Mas há que realçar, em especial, os dedos. É raro

surgirem dedos dos pés nos desenhos, e podem indicar conflitos a nível sexual e

alguma agressividade. Os pés apresentam uma forma pouco humana.

15. Roupa e acessórios: A figura desenhada apresenta-se despida, o que pode indicar uma

certa atitude de rebelião face à sociedade, no caso de se tratar de figuras paternas.

Pode também significar consciência de conflitos sexuais.

Sara identificou a figura desenhada como um personagem de telenovela. Eis as respostas

dadas ao questionário:

1. Está-se a rir. A personagem que faz é de esposo de outra pessoa. Tem muitos filhos.

100

Page 106: Imagem Corporal

Trabalha, toma conta dos filhos e por aí fora...

2. 39 anos. (Porque tem muitos filhos, 6. A esposa é mais nova, tem 35 anos).

3. Sim.

4. Tem 3 rapazes e 3 raparigas.

5. Construção de sobradinhos, fazer casas.

6. Foi até ao 4º ano. Os homens vão mais ou menos até esse ano.

7. Ter uma boa casa, grande... com os filhos. Muito rico, rico...E saúde também é

preciso.

8. É...quando quer. Quando não quer, não é.

9. É.

10. Muito forte, trabalha muito com ferros. Nota-se os músculos.

11. O peito.

12. As pernas e os pés.

13. Muito feliz.

14. A saúde dos filhos, com a mulher....muito, muito, muito com os filhos. São muita

coisa.

15. Quando as coisas ficam mal feitas. Pode ter acontecido alguma coisa, discutir com a

mulher, que o traiu.

16. Treme, quando faz coisas. A fala muda, custa mais a falar.

17. Ciumento, mau para os filhos... algumas vezes, quando se portam mal. E ralha, irrita-

se facilmente também com os empregados.

18. Bom homem, amoroso, bom para os filhos, trabalhador.

19. Tem mais amigos do que amigas. Há coisas que se falam melhor com os homens. São

da mesma idade.

101

Page 107: Imagem Corporal

20. Às vezes é bom (brinca), outras vezes é mau (fica chateado), quando se irrita.

21. Às vezes, ciúmes. Tem medo dos amigos da mulher.

22. Às vezes. À noite, para espairecer as ideias.

23. A brincadeira e as cervejas.

24. Sim, já está casado.

25. Mais ou menos 30 anos. A mulher é mais nova.

26. Sincera, trabalha muito (dona de casa). Gosta dele também. Trata bem os filhos, logo

não tem razão de queixa.

27. a) Saúde boa.

b) Ter muita sorte.

c) Ser muito feliz com a mulher.

28. (Sara fica um pouco perturbada). É tudo imaginativo....ah!....O tio (irmão do avô

paterno).

29. Nesse caso, sim.

30. É bom tio, gosta dos seus sobrinhos. Muito melhor do que o avô: carinhoso, amoroso.

Gosto de estar com ele.

Interpretação

É preciso notar, antes de mais, que Sara apenas utilizou o lápis de carvão, tendo outro

material à sua escolha (no 2º desenho, acontece o mesmo). Isto poderá revelar alguma dificuldade

de Sara em lidar com os afectos.

102

Page 108: Imagem Corporal

Antes de se proceder a uma interpretação do desenho produzido por Sara, convém referir

que um traço isolado nada significa e confiar em detalhes específicos pode ser enganador. A

impressão global é, geralmente, o indicador mais válido. Por este motivo, parece-me importante

partir de uma apreciação global do desenho apresentado e, posteriormente, colocar em relevo os

pormenores mais importantes.

À primeira vista, o desenho produzido por Sara apresenta-se algo perturbador, pois para

além da figura ser do sexo masculino, ela encontra-se despida. Estes dois factores não vão de

encontro aquilo que geralmente se espera de um desenho da figura humana, executado por

crianças da faixa etária a que Sara pertence. No entanto, podemos considerar o primeiro factor

menos preocupante que o segundo, já que Sara se aproxima da adolescência e é possível que o

interesse pelo sexo oposto se esteja a revelar. Aliás, como se pode concluir da história de Sara,

esta menina apresenta este tipo de interesse.

Em todo o trabalho interpretativo de desenhos está presente um princípio básico de que o

desenho representa o indivíduo e a folha de papel, o ambiente. Quando um sujeito se dispõe a

desenhar uma pessoa, ele deverá referir-se à imagem que possui de si próprio e dos outros.

Quando a projecção do desenho é marcadamente diferente da raça, idade e sexo, pode presumir-

se a existência de alguma dificuldade nas identificações normais. Quando uma mulher desenha a

figura de um homem, há indicação de uma instabilidade no papel na esfera da sexualidade.

No entanto, outras hipóteses podem colocar-se, entre elas o facto de o desenho da figura

humana nem sempre expressar a auto-imagem. Na realidade, a representação do sexo oposto

pode estar relacionada com fantasias românticas, preocupações circunstanciais, grande relação

103

Page 109: Imagem Corporal

afectiva com o progenitor do sexo oposto, entre outras. Di Leo afirma que as crianças desenham

“um conceito de humanidade em vez de apenas o self (...). O self é incluído e absorvido” (Leo,

1983, p. 97). Segundo este autor, a criança não ansiosa esquece-se a si própria e fica fascinada

com o mundo à sua volta, sendo mais provável que os desenhos representem um adulto

significativo.

Segundo Goldstein (1972), a representação de figuras do sexo oposto pode estar

relacionada com o stress, enquanto Abraham (1971) interpreta este facto como existindo uma

maior estima pelas pessoas de sexo oposto, sentimentos negativos relativamente a si próprio e

maior dependência. De acordo com este autor, os sujeitos que desenham figuras do sexo oposto

não estão seguras quanto à própria imagem e não têm plena consciência do próprio sexo do ponto

de vista das características sexuais já reconhecidas (ref. por Machover, 1978, in Anderson, 1978).

No entanto, segundo Di Leo (1985), à medida que se aproxima a adolescência, a

tendência das meninas para desenhar sujeitos do sexo masculino vai sendo cada vez maior. De

acordo com este autor, quando uma menina desenha um rapaz, isto não significa que exista uma

troca no papel ou na identificação sexual, mas sim uma expressão de interesse no outro sexo.

Voltando ao desenho propriamente dito, aquilo que ressalta de imediato é o facto da

figura se encontrar despida. O sexo masculino aparece desprovido de normas sociais e culturais,

no sentido em que as roupas simbolizam uma forma de socialização. Vestimo-nos para parecer

algo para aqueles que nos vêem, vestimo-nos para transmitirmos a imagem que queremos que os

outros tenham de nós, e vestimo-nos para ocultar o que há de sexualizado em nós. Sara não cobre

a figura masculina de vestes e apresenta-a tal como ela lhe aparece. É a representação do sexo

104

Page 110: Imagem Corporal

masculino erotizado e possuído de desejo sexual. É a figura masculina que a deseja.

Por outro lado, se a figura se encontra despida, o órgão genital deveria aparecer

representado. Sara identifica claramente que esta figura pertence ao sexo masculino (através do

questionário) mas, no entanto, não lhe atribui a característica física que mais o distingue do sexo

feminino. Face a isto, podemos perceber que existe uma forte denegação desse membro corporal

e das funções que ele exerce. Sara parece expressar um desejo de representar o sexo masculino,

com todo o seu vigor e poder (atribuídos social e culturalmente), mas esse poder é-lhe difícil de

reproduzir. Paradoxalmente, Sara representa o masculino mas recusa fazê-lo. A denegação possui

o mesmo valor da confirmação, e Sara procura reprimir aquilo que a assusta e que sobre ela

exerce o poder. Negar a existência do órgão genital (aquilo que lhe provocou a dor), é “apagar” o

acontecimento dramático do qual foi vítima mas é, também, confirmar o sucedido e a sua

importância.

Um outro aspecto que se pode, desde logo, observar, é a posição dos braços e das mãos da

figura desenhada. Os braços parecem querer agarrar algo (encontram-se numa posição aberta), e

as mãos parecem ávidas, procurando tocar qualquer coisa, ou seja, a própria Sara. Sara parece

sentir-se ameaçada pela figura masculina e pela sua agressividade.

É de notar ainda o pormenor dos pés: não se trata de pés humanos, mas sim de pés

característicos de um “monstro” (parecem assemelhar-se a pés de lobisomem). Aliás, observando

o desenho, parece haver uma caracterização animalesca da figura, com um realce da pilosidade.

Existe, portanto, a representação de um sexo masculino “monstruoso”, agressivo, dominador,

poderoso e ávido de satisfazer os seus desejos e impulsos, especialmente os libidinais. O poder

105

Page 111: Imagem Corporal

sexual atribuído à figura é evidente, chegando a ser assustador. Sara teme sucumbir aos desejos

do “monstro” e ao poder que ele exerce.

Este poder exacerbado toma ainda mais vigor através da representação dos músculos e

dos ombros largos. Estes são sinais evidentes da atribuição de força e domínio à figura

apresentada. Sara parece possuir um sentimento muito forte de insegurança e incapacidade face

ao sexo masculino, para além de uma fragilidade manifesta. O sexo masculino torna-se, aos olhos

da menina, poderoso e imbatível.

Como se poderá confirmar através do segundo desenho, este poder masculino conduz a

menina a desejar uma identificação sexual desadequada, ou seja, Sara deseja pertencer ao sexo

masculino, para evitar a própria fragilidade (a nível sexual e não só) e defender-se das agressões

cometidas pelo sexo masculino. Apenas sendo homem se poderá proteger deles e deixar de ser

uma vítima.

Desta forma, pode colocar-se a hipótese de uma identificação com o agressor, ou pelo

menos o desejo disso mesmo. Só assim seria possível deixar de ser um objecto de desejo para o

sexo masculino e só assim seria possível a defesa contra os ataques por ele.

O sexo feminino aparece, portanto, com uma imagem desvalorizada, fragilizada, submissa

e sujeita aos caprichos e desejos do sexo oposto. Estes desejos aparecem também representados

no olhar e expressão do rosto da figura. Ao observar-se este rosto, parece notar-se uma certa

estimulação (quase excitação) sexual, ávida de satisfação, e que surge concordante com o resto da

figura, nomeadamente com os membros superiores. Estes prolongam-se para a recepção do

106

Page 112: Imagem Corporal

objecto sexual que irá amenizar a excitação.

Ao olharmos para as respostas dadas no questionário, Sara denota uma socialização quase

perfeita. Utiliza expressões indicadoras disso mesmo (“Saúde. Também é preciso”), ou seja,

parece existir uma integração adequada. Um outro pormenor a realçar é ambivalência de humor

conferida à figura. Ora é bem-disposto e afectuoso, ora é “mau” e revoltado.

Desenho da Auto-Imagem

Para além da figura anterior, durante o processo de avaliação, foi solicitado a Sara que se

representasse a si própria no papel. A menina desenha uma figura que se encontra no Anexo n.º

3. Este material foi considerado importante e é incluído neste trabalho.

No que diz respeito à adaptação ao tema, Sara responde de acordo com o solicitado e a

sua realização pode ser considerada convencional. Em relação à adaptação gráfica, o resultado é

considerado como estando de acordo com a evolução do grafismo, e há também uma

concordância no que diz respeito ao sexo e ao nível sociocultural.

Relativamente aos aspectos gerais do desenho:

1. Posição da folha: Sara utiliza a folha tal como lhe é apresentada e, neste caso, nada há

107

Page 113: Imagem Corporal

a registar.

2. Localização da página: Sara desenha a figura no centro do página, o que pode revelar

segurança, auto-valorização, emotividade, comportamento emocional e adaptativo,

para além de equilíbrio. Poderá ainda evidenciar uma pessoa centrada em si mesma e

auto-dirigida.

3. Tamanho em relação à folha: O tamanho da figura apresentada é médio, o que

exprime uma relação dinâmica adaptada entre o sujeito e o ambiente que o rodeia. É

de notar que esta figura (feminina) é maior que a primeira desenhada (masculina).

4. Qualidades do grafismo: O traço característico de Sara na figura apresenta-se com

alguns avanços e recuos, o que poderá indicar alguma emotividade, ansiedade, falta de

confiança em si própria, insegurança e hesitação. Este tipo de traçado aparece

predominantemente na parte superior da figura, nomeadamente tronco e membros

superiores. Isto poderá ser indicador de conflito na parte corporal referida. No restante

corpo, o traço é de tipo médio, sem nada a observar.

5. Resistências: Durante este teste, Sara apresenta algumas resistências, especialmente

no início. Começa por dizer que “vai ser difícil” desenhar-se e, quando o faz, apaga

várias vezes a produção. Os membros, tanto inferiores como superiores, são as partes

corporais que se apresentam com mais dificuldade para Sara. Isto poderá indicar

conflitos relacionados com estas partes.

108

Page 114: Imagem Corporal

Relativamente aos aspectos formais do desenho:

1. Tema: Sara desenha a sua auto-imagem, ou seja, a forma como percepciona o seu

corpo.

2. Postura da figura: A figura apresenta-se erecta, o que dispensa interpretação.

3. Acção ou movimento: A figura apresenta-se parada, o que também dispensa

interpretação. No entanto, nota-se alguma rigidez, o que poderá dar indícios de

alguma problemática.

4. Perspectiva: A figura desenhada por Sara apresenta-se toda de frente, o que revela um

certo grau de exibicionismo e comunicabilidade social. Este tipo de desenho surge

mais em sujeitos do sexo feminino, por estes possuírem mais defesas que os sujeitos

do sexo masculino.

5. Transparências: Não há transparências a registar.

6. Sequência do desenho: A sequência escolhida por Sara enquadra-se na normalidade.

Primeiro desenha a cabeça, depois o pescoço, os braços, o tronco, as pernas e os pés.

No entanto, os membros superiores e inferiores são corrigidos diversas vezes.

7. Simetria: A figura desenhada é simétrica, o que se enquadra na regularidade pois a

figura humana é essencialmente simétrica.

109

Page 115: Imagem Corporal

8. Linha mediana: Não há nada a observar.

9. Articulações: Sara não demonstra atenção excessiva às articulações, logo dispensa-se

a interpretação.

10. Anatomia interna: Nada a registar.

11. Pormenores: O único pormenor a registar é a gola da camisola desenhada. No entanto,

não me parece que este pormenor requeira uma interpretação especial. Pode apenas

dizer-se que, colocada junto ao pescoço, a gola possivelmente indicará um reforço no

controle dos impulsos.

12. Complementos: Não se verifica a existência da linha do solo, o que pode indicar que

Sara se sente “no ar” e permanece muito tempo na fantasia.

13. Proporções: Aquilo que pode ser interpretado como desproporcional são as pernas

(longas), relativamente ao tronco. No entanto essa desproporção não é acentuada,

indicando apenas a hipótese de uma necessidade de autonomia.

14. Indicadores de conflito: Sara dá um tratamento diferencial a braços e pernas,

corrigindo-os bastante. Isto poderá significar que existe algum conflito relativo a estas

partes. Poderá ser interpretado como insegurança e insatisfação. Por vezes a linha é

reforçada, nomeadamente nos braços, o que pode ser um sinal de ansiedade.

110

Page 116: Imagem Corporal

Significado dos aspectos do conteúdo:

1. Cabeça: Centro da localização do próprio eu, a cabeça expressa as necessidades

sociais e aspirações intelectuais. Sara desenha a cabeça, relativamente ao resto do

corpo, um pouco grande. Isto poderá significar uma dependência social e emocional

enfatizadas, revelando uma certa necessidade de manter o contacto com os outros.

2. Cabelos: O cabelo desenhado surge com forte sombreamento, dando indícios de

possível ansiedade em relação aos próprios pensamentos ou fantasias.

3. Rosto: Sara desenha um rosto expressivo, de olhos abertos e boca rígida. Isto poderá

indicar uma necessidade de contacto sensorial com a realidade e uma ênfase na

comunicabilidade.

4. Olhos: Os olhos são o pormenor mais relevante nesta figura. Aparecem esbugalhados,

conferindo á figura um olhar penetrante e bastante assustado.

5. Nariz: Tal como na figura anterior, Sara coloca o nariz de perfil num rosto de frente.

Isto reflecte a forma infantil de desenhar.

6. Boca: A boca apresenta-se virada para cima, o que pode expressar uma necessidade de

aprovação ou um afecto não apropriado. Mais uma vez, a boca surge desenhada

111

Page 117: Imagem Corporal

através de uma só linha, que poderá indicar negação da oralidade.

7. Orelhas: Sara não desenha orelhas, o que é comum na figura feminina, por estarem

ocultas pelo cabelo.

8. Pescoço: O pescoço da figura desenhada é ligeiramente grosso, o que pode manifestar

uma conduta mais guiada pelos instintos que pela razão.

9. Tronco: O tronco desta figura feminina não apresenta as características femininas

usuais, o que poderá conferir à figura um aspecto mais masculino (linhas angulosas).

Há, portanto, mais agressividade latente. Os ombros aparecem proporcionados,

sugerindo uma expressão flexível e bem balanceada do poder interno. A linha da

cintura aparece como um traço, o que pode significar uma certa preocupação com os

impulsos.

10. Braços: Os braços são corrigidos diversas vezes, o que pode indicar um conflito

relacional. Encontram-se numa posição tendencial para o ambiente, mas não

exagerada.

11. Mãos e dedos: As mãos parecem pequenas, o que pode expressar alguma inadequação

relacional. Os dedos expressam alguma infantilidade e, combinados com outras

formas de agressividade (tronco masculino e boca cerrada), pode dizer-se que há uma

agressividade subjacente.

112

Page 118: Imagem Corporal

12. Pernas: As pernas são também objecto de conflito para Sara. Pode estar latente um

distúrbio ou exagerada consciência sexual. É de notar que as pernas são relativamente

longas, indicando uma necessidade de autonomia. Observa-se ainda que as pernas

finalizam junto da cintura, não proporcionando “espaço” para o órgão genital. Isto

poderá encerrar um conflito sexual, como tentando “apagar” a existência desse órgão.

13. Pés e dedos: Os pés da figura são relativamente pequenos, o que pode denotar uma

certa insegurança no estar-no-mundo e dependência. O sapato desenhado pode ser

associado a um símbolo sexual, com implicações agressivas.

14. Roupas e acessórios: A roupa apresentada na figura é de carácter muito masculino, o

que pode indicar uma confusão na identidade sexual ou um desejo forte de mascarar a

feminilidade, como forma de defesa. Aliás, Sara justifica a utilização de calças,

dizendo: “Gosto mais de calças do que de saia...Quando ia para a escola de saia, os

rapazes passavam a vida a levantar a saia, e também por causa do vento que me

levantava as saias”. Nota-se ainda na figura uma total ausência de acessórios próprios

da idade de Sara, o que implica uma dificuldade na identificação com o sexo

feminino.

Interpretação

Olhando para a figura, vemos de imediato uma postura corporal extremamente rígida, que

se completa com um olhar paralisado e assustado. O medo está latente no rosto desenhado. A

113

Page 119: Imagem Corporal

posição corporal desta figura, bem como o rosto, sugerem uma reacção defensiva (ombros e

braços arqueados para fora e olhos apavorados e estáticos). Isto parece indicar a existência de

mecanismos de defesa predominantemente obsessivos.

Por outro lado, Sara dá sinais de ser uma menina que mantém um certa integração social,

com uma postura aparentemente correcta, quase exagerada para a sua idade. Sara denota

comportamentos muito adultos e a sua forma de expressão verbal é concordante com isso. Sara

sempre pareceu mais velha que os seus colegas de escola e sempre tomou atitudes pouco

adequadas a uma menina da sua idade. Esta forma rígida de actuar e se expressar poderá revelar,

mais uma vez a existência dos ditos mecanismos de defesa obsessivos.

Sara parece, portanto, ter reprimido todas as emoções sentidas como desagradáveis e

dolorosas e este processo não acabou por aí. Esta forma de repressão acabou por conduzir a uma

vaga consciência das emoções o que, consequentemente, acaba por originar a formação de uma

“capa social”. Sara parece imperturbável, mas está dolorosamente fragilizada. Sara parece possuir

um falso self: socialmente integrada e mantendo relações cordiais e adequadas, mascarando o

desequilíbrio e o forte perigo da descompensação.

Sara parece ter consciência sexual, a julgar pelo desenho por ela produzido. O mais

interessante é que Sara, ao desenhar o seu corpo, não deixa nele “espaço” para a existência do

órgão sexual. As pernas desenhadas terminam junto à cintura, o que não permite a existência dos

genitais. Podemos, então, colocar novamente a hipótese de Sara apresentar um distúrbio sexual,

relacionado com a identidade. Ou podemos dizer que Sara procura “esconder” o órgão sexual

(aquilo que a identifica sexualmente) e a sua feminilidade, talvez com o objectivo de se proteger

114

Page 120: Imagem Corporal

contra os ataques masculinos, ou talvez para se parecer mais com o sexo oposto.

Como já foi referido na interpretação do desenho anterior, Sara apresenta uma forte

denegação daquilo que lhe é demasiado doloroso. Se no primeiro desenho, Sara não conseguiu

representar o genital masculino que tanto sofrimento lhe causou ( e por isso o tenta anular), neste

desenho Sara nega toda a sua feminilidade. A figura apresenta-se masculinizada, deserotizada, e

sem as típicas características femininas que habitualmente são representadas pelas meninas da

idade de Sara. No entanto, Sara foi objecto de desejo sexual e isso confere-lhe uma imagem

sexualizada. E é justamente esta imagem que Sara nega a todo o custo, pois foi esta imagem que

lhe trouxe a dor que ela suporta. Sara deseja tornar-se o menos atraente possível, como forma de

evitar o desejo do sexo oposto. Sara parece desejar tornar-se quase semelhante ao sexo oposto

para dele se proteger.

Estas relações sociais aparentemente tão adequadas são somente isso: aparentes. Na

realidade, parece existir um certo sentimento de vazio e confusão, não só a nível relacional, como

também a nível de auto-imagem e identificação sexual. Se o exibicionismo e a aparente

adequação na esfera social parecem reais, o vazio emocional e o desequilíbrio também o são.

Sara parece possuir uma identidade flutuante e falsa que mascara a perturbação do self.

Como se torna evidente, aquilo que é aparente facilmente se desmorona. Quando a

perturbação emerge, as relações afectivas ficam perturbadas, o humor torna-se instável e a

aparente auto-imagem positiva e valorizada transforma-se no oposto. Aquilo que é valorizado

deixa de o ser e o que é desprezado passa a hiper-idealizado. Sara apresenta diversos indícios

disto mesmo. As relações intensas que possui, consideradas por ela fundamentais, facilmente se

115

Page 121: Imagem Corporal

transformam em algo sem importância. Aliás, no questionário aplicado à primeira figura,

observa-se facilmente este tipo de oscilações: a figura tanto é caracterizada como afectuosa e

dedicada como, no momento seguinte, é revoltada e agressiva.

Esta instabilidade afectiva é bem caracterizada pela avó de Sara. Lourdes diz que a

menina ora se torna muito prestável e afectuosa, ora se torna “rebelde” e agressiva. A mãe de

Sara faz referência ao mesmo tipo de comportamento instável e descontrolado.

Sara parece fazer um esforço frenético para manter as relações que possui e a aprovação

daqueles que a rodeiam. Este medo do abandono (real ou imaginário) conduzem a atitudes ainda

mais instáveis e impulsivas. A interpretação do desenho denuncia um tipo de comportamentos

muito mais guiados pelo impulsos que pelo intelecto, e uma preocupação relativamente a isto

(causadora de ansiedade).

Aquilo que parece mais concordante com a história clínica de Sara e com o desenho por si

executado, é a existência de um falso self. Na realidade, Sara sofreu uma separação precoce da

sua mãe e a relação entre ambas sempre foi ponteada por diversos problemas. Isto poderá ter

conduzido Sara a um sentimento de desprotecção e desamparo, o que veio ameaçar a

continuidade existencial do self. Os estímulos externos deixaram se ser vividos como

experiências de aprendizagem, mas sim como provenientes de um mundo ameaçador.

A falta de protecção acabou por levar Sara a construir um tipo de protecção “fabricada”,

para se defender das ameaças externas. O núcleo do verdadeiro self foi sendo ocultado por este

novo self “fabricado”. O self verdadeiro permanece escondido e o que aparece é o self falso,

116

Page 122: Imagem Corporal

muito complexo, cuja função é precisamente ocultar o verdadeiro e agir em sua defesa. Não

podemos, no entanto, esquecer que o verdadeiro self permanece lá, não é substituído pelo falso

self. Isto coloca Sara numa posição de iminente desequilíbrio e descompensação. O falso self foi

criado para evitar este mesmo desequilíbrio, mas a qualquer momento este tipo de defesa pode

sofrer alterações e conduzir a uma grave descompensação.

117

Page 123: Imagem Corporal

CONCLUSÕES

Sara foi separada mãe com cerca de um ano e meio de idade, pois o ambiente em que

ambas viviam (juntamente com o pai de sara) era hostil e desagradável. A relação entre Maria e

Daniel era instável e os maus-tratos tornaram-se frequentes. Sara sempre assistiu às agressões

físicas e verbais infligidas por Daniel sobre Maria e, segundo esta, isto foi um dos factores que

contribuíram para o desequilíbrio da menina. Aliás, muitas foram as relações amorosas de Maria

que se caracterizavam por maus-tratos e agressões. Com excepção de João, segundo Maria, todos

os seus anteriores companheiros a agrediam. Por tudo isto e não só, Maria é uma mulher

amargurada e revela alguns problemas psíquicos. Sara sempre teve conhecimento de todos estes

maus-tratos.

Para além de um ambiente extremamente patológico, Sara vivia com pouco conforto.

Como se não bastasse a degradação moral, as dificuldades económicas conduziam a uma

degradação social e cultural. Para culminar, Daniel era um consumidor excessivo de álcool e

nunca mostrou amor pela sua filha, nem mesmo após a revelação do abuso.

Estes acontecimentos parecem justificar o sentimento de desprotecção de Sara, que a leva

a criar uma barreira de defesa: um falso self. Só assim se pode defender das sensações

transmitidas pelo exterior, sentidas como ameaçadores. Este falso self reflecte-se na oscilação de

humor e de comportamentos, no descontrole dos impulsos e no tipo de mecanismos defensivos de

118

Page 124: Imagem Corporal

tipo obsessivo. Todos estes aspectos aparecem representados nos desenhos realizados por Sara,

para além de um pavor imenso de ser atacada. Sara faz um grande esforço para “apagar” da sua

memória os acontecimentos mais dramáticos, e para isso utiliza a denegação de forma quase

permanente, bem como a repressão das emoções.

O medo que sente relativamente ao sexo masculino, visto como forte e poderoso, conduz

a menina a desejar identificar-se com o homem, como forma de se proteger dos ataques por ele

exercidos, e como forma de esconder a fragilidade existente. Pode considerar-se que há uma certa

identificação com o agressor, no sentido de evitar a revitimização.

A relação existente entre Sara e sua mãe sempre foi ponteada por diversos problemas.

Para além da separação precoce que ambas sofreram, os comportamentos de Sara rapidamente se

tornaram o grande motivo dos conflitos existentes entre mãe e filha. Para além disto, Maria

confessa nunca ter tido tempo para acompanhar a filha como gostaria, pois o trabalho não lhe

deixava muito tempo disponível.

Este tipo de relação problemática na díade poderá estar na origem da formação do falso

self. Aos poucos e poucos, o verdadeiro eu foi sendo ocultado pelo falso, e a situação de abuso

veio acelerar este processo.

Observando a história clínica de Sara, podemos constatar a existência de alguns

comportamentos agressivos e menos adequados, apontados por Maria e por Lurdes (sua avó).

Estes comportamentos agravaram-se após o abuso, pelo menos segundo a mãe de Sara, o que a

levou a desconfiar de que algo se passava. Maria diz que Sara começou a protagonizar cenas

119

Page 125: Imagem Corporal

exibicionistas e provocadoras face ao sexo masculino, e que a menarca foi o grande ponto de

viragem nos comportamentos da menina.

No entanto, Sara é descrita, pelos que a conhecem, como tendo atitudes bastante adultas,

um discurso fluido e racional, e um grande poder de argumentação. Sara sempre pareceu uma

menina detentora de grandes capacidades intelectuais, apesar do seu aproveitamento escolar ser

considerado razoável. A integração a nível da escola e da comunidade parece excelente, embora o

aspecto físico de Sara, bem como as suas atitudes, fizessem a menina revelar-se mais

desenvolvida que os seus colegas, a todos os níveis.

Este tipo de comportamentos oscilantes, com grande descontrole dos impulsos, e

ponteados de uma certa agressividade faz lembrar as perturbações de personalidade do tipo

borderline. Ao mesmo tempo, as sérias perturbações na auto-imagem, evidenciadas nos desenhos

apresentados, bem como uma certa confusão na identidade sexual, parecem concordar com a

patologia limite. O discurso racionalizado, de certa forma muito socializado, oscilante com os

ditos comportamentos agressivos e descontrolados, parecem atribuir a Sara um self flutuante,

falso, aparente, instável e extremamente defensivo. Se tivermos em conta, o grande medo do

abandono que Sara parece protagonizar, quase seria possível afirmar a existência de alguns traços

característicos do perfil borderline.

As oscilações de humor parecem ser uma característica de Sara e os acontecimentos

parecem ser vividos de acordo com esta oscilação: ora são vividos com muita intensidade, ora

deixam de ter importância e são desprezados. É o caso dos namoros e relações amorosas que Sara

protagoniza. Começa por demonstrar um grande interesse e uma enorme paixão e, no momento

120

Page 126: Imagem Corporal

seguinte, despreza e desvaloriza. Este tipo de funcionamento parece querer demonstrar o grande

temor de Sara: ser abandonada (na fantasia ou na realidade). Antes que isso possa suceder, Sara

desvaloriza o objecto de desejo e amor, e abandona-o primeiro. Por este motivo, Sara não

consegue estabelecer relações afectivas estáveis e vive uma instabilidade emocional permanente,

uma característica típica da personalidade borderline.

Da mesma forma, todas as restantes relações afectivas (com familiares e amigos) são

também vividas de forma perturbadora, oscilando entre a hiper-idealização e a desvalorização.

Aquilo que é bom, gratificante e agradável, rapidamente o deixa de ser. Aliás, nas respostas ao

questionário aplicado à primeira figura, isto surge com uma certa clareza. A figura ora é

afectuosa, sincera, e dedicada, ora se torna um “monstro” agressivo e “mau”, cheio de “raiva”.

Sara parece possuir uma enorme culpabilidade por aquilo que aconteceu. Ela

desculpabiliza o agressor e ainda o elogia. Diz ter sido sempre bem tratada por ele, com excepção

do sucedido dramático. Sara assume ainda a culpa de ter prejudicado a relação de sua mãe com

João, e teme que a sua irmã mais nova fique sem pai (como ela ficou), pois João poderá ser

condenado. É mais uma vez a instabilidade e a alternância entre a idealização-desvalorização a

actuar.

É agora o momento para voltar ao problema colocado no início deste estudo: Será que o

abuso sexual tem consequências a nível da auto-imagem corporal?

121

Page 127: Imagem Corporal

Através da análise dos desenhos apresentados, pode concluir-se que, neste caso, o abuso

sexual veio agravar uma situação que já existia. Sara apresenta uma imagem corporal

extremamente rígida e defensiva, característica da sua personalidade, e que se tornou muito

acentuada após o abuso sexual do qual foi vítima. Se olharmos para a figura masculina

representada neste estudo, facilmente se observa a atribuição de uma “monstruosidade” ao sexo

masculino, caracterizada por uma enorme agressividade, da qual Sara necessita de se defender. O

pavor está presente no olhar da figura feminina, ao passo que o desejo sexual está presente no

olhar da figura do sexo masculino. E é este desejo que tem que ser anulado, tal como o órgão que

o executa e satisfaz. Também a feminilidade de Sara é completamente reprimida, no sentido de,

mais uma vez, anular a excitação sexual do outro. Tornar-se menos atraente fisicamente é evitar

os ataques sexuais do sexo masculino.

Por outro lado, a masculinização da figura do sexo feminino, para além de ser uma forma

de esconder os aspectos femininos, é também uma forma de negar a fragilidade e o sentimento de

impotência. Parecer-se mais com o sexo masculino dá a Sara a sensação de mais poder e força,

como forma de evitar o confronto com o próprio sexo oposto. Como forma de evitar a

revitimização e o abuso.

Só assim Sara poderá evitar a utilização e manipulação do seu corpo para satisfação do

prazer de outro, tornando-se mais parecida com o agressor. Existe, portanto, um desejo de

identificação com o agressor, causador de dor e sofrimento.

Pode concluir-se, portanto, que o abuso sexual tem consequências a nível da auto-imagem

corporal.

122

Page 128: Imagem Corporal

Tendo por base o caso aqui apresentado, as respostas às questões formuladas no início são

as seguintes:

1. Como é sentido e vivido o corpo da criança vítima de abuso sexual?

O sujeito sente o seu corpo utilizado e manipulado após o abuso cometido sobre ela. A

sua forma de se defender é anular o mais possível aquilo que a manipulou, negando a sua

existência. Paralelamente, Sara busca uma parecença com o agressor, tornando-se menos atraente

aos olhos do sexo masculino, e tão forte como ele.

2. Até que ponto a imagem corporal, possivelmente perturbada pelo abuso sexual,

influencia o funcionamento psicológico?

No caso apresentado, o funcionamento psicológico parece ter sido influenciado pela

situação de abuso, pois o sujeito apresenta mecanismos de defesa e comportamentos reactivos à

situação da qual foi vítima. As características da personalidade do sujeito aparecem mais

acentuadas e num registo mais grave. O abuso sexual pode ter acelerado um processo de

descompensação latente e ser um factor desencadeador de perturbação psíquica que se encontrava

adormecida.

O falso self, criado para colmatar o sentimento de vazio e abandono e evitar o

desmoronamento, poderá ter sofrido o impacto do abuso sexual. A “capa” defensiva fabricada na

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infância ficou abalada, rasurada, e não exerce mais a função para a qual foi criada. Pelo menos,

não com eficiência que a caracterizava. Desta forma, pode colocar-se a hipótese de o sujeito

analisado estar perante um iminente desequilíbrio ou descompensação (crise depressiva),

provocado pela emersão de conteúdos sentidos como perigosos e ameaçadores, que permaneciam

no inconsciente ocultados por um self flutuante.

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ANEXOS

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