iracema

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IRACEMA: LENDA DO CEARÁ(1865)

JOSÉ DE ALENCAR

EXEMPLAR MAIS PERFEITO DA PROSA POÉTICA NA FICÇÃO ROMÂNTICA

A literatura nacional, que outra coisa é senão a alma da pátria, que transmigrou para este solo virgem uma raça ilustre, aqui impregnou-se da seiva americana desta terra que lhe serviu de regaço; e cada dia se enriquece ao contacto e ao influxo da civilização?

(José de Alencar, Sonhos d’Ouro)

NAS TRILHAS DO TEXTO

O romance indianista Iracema: lenda do Ceará, de José de Alencar, conta a história de amor entre a indígena Iracema e o português Martin Soares Moreno. Para se casar com o guerreiro branco, por quem se apaixona, Iracema acaba traindo e abandonando seu povo, os tabajaras. Da união dos dois nasce um menino, Moacir, que simboliza a união entre o branco e o indígena, cujo nome significa “vindo da dor”. O romance é também uma história de fundação do mestiço povo brasileiro.

NARRADOR: Escrita em terceira pessoa, apresenta um

narrador observador

O sentimento que ele (Martin) pôs nos olhos e no rosto não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que lhe causara. (cap. II)

Nota: no trecho acima, Martin (o guerreiro branco) defronta-se em plena floresta com Iracema, a virgem dos lábios de mel, que acabara de flechá-lo. O narrador, contando o fato, assume a primeira pessoa ao colocar em dúvida o sentimento de Martin diante do ocorrido. Conserva-se porém na terceira pessoa ao referir-se a Iracema.

NARRADOR:

O narrador conta a história do encontro entre o índio e o branco – tema do livro – do ponto de vista de Iracema, privilegiando os sentimentos dela e não os de Martin, que representa o colonizador portugês;

O título, o início (cap. II) e o final do enredo (cap. XXXIII) centralizam-se em Iracema, protagonista do romance;

A história não é contada exclusivamente do ponto de vista do indígena.

NARRADOR: Proximidade entre os sentimentos e comportamentos de

Iracema das heroínas românticas do romantismo europeu:

Exemplo 1: De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida. (cap. II).

Exemplo 2: A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada. (cap. II)

Nota: observamos em 1 a reação de Martin perante a agressão de Iracema não como atitude de defesa, mas de mágoa perante o ocorrido; em 2 Iracema comporta-se como indígena e como mulher (símbolo de ternura e amor).

NARRADOR:

A caracterização de Iracema se adequa aos elementos do romantismo europeu sobre a mulher: mulher-anjo, virgem, delicada, bela, que se sacrifica por quem se apaixona;

Ainda que privilegie os sentimentos e comportamentos de Iracema, o ponto de vista do narrador recai sobre Martin.

O NARRADOR E A “COR LOCAL”:Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do Sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros. (...)Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? (...)Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora; Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem. A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas: — Iracema!... O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio. Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro sorriso. Que deixara ele na terra do exílio? Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a Lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares. (Cap. I)

A CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DE IRACEMA COM A NATUREZA

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.

Nota: linguagem solene (lendário), tempo remoto, equilíbrio entre o homem e a natureza (o “bom selvagem”, Jean-Jacques Rosseau): repare como as comparações entre a natureza e a heroína se fudem, numa redescoberta patriótica e ufanista das “lindas várzeas” onde nasceu o romance.

ENREDO

Martin Soares Moreno, personagem histórico (factual) pela colonização do Ceará, em 1603, (ficcional) encontra-se com Iracema, filha do pajé Araquém, da tribo dos Tabajaras, senhores da montanha;

O visitante Martin encontra em Irapuã (Mel Redondo), o chefe da tribo, um rival. Um duelo entre ambos é interrompido pelo grito de guerra dos Pitiguaras (os senhores do litoral), liderados por Poti (Antônio Felipe Camarão, personagem histórico real), amigo de Martin.

ENREDO

Nas entranhas da terra, magicamente abertas por Araquem, Iracema esconde-se com e torna-se esposa de Martin, traindo o compromisso de virgem vestal, sacerdotisa da tribo e portadora do segredo da Jurema, o segredo da fertilidade da tribo dos Tabajaras;

Durante o sono da tribo, propiciado por Iracema que a leva ao bosque da Jurema, onde os guerreiros podem sonhar vitórias futuras, há o encontro entre Martin e Poti, que fogem guiados por Iracema. Ela não revela que houve entre ambos o himeneu (casamento), enquanto o jovem inicia-se nos segredos da jurema, só o fazendo após à fuga.

ENREDO

Irapuã encontra os fugitivos e trava-se um combate entre os Tabajaras e os Pitiguaras, conduzidos por Jacaúva, irmão de Poti.

Neste combate Iracema pede a Martin que não mate Caubi (o Senhor dos Caminhos), seu irmão, e por duas vezes salva a vida do estrangeiro;

Os Tabajaras debandam, deixando Iracema triste e envergonhada.

ENREDO

Os três então chegam ao território Pitiguara, de onde viajam para visitar Batuirité, avô de Poti, o qual denomina Martin de Gavião Branco, fazendo, antes de morrer, a profecia da destruição de seu povo pelos brancos;

Iracema engravida, e acompanhada por Poti, pinta o corpo de Martin, que passa a ser Cotiabo, o guerreiro pintado, que às vezes tem momentos de grande melancolia, com saudades da pátria.

ENREDO

Um mensageiro pitiguara leva a Poti um recado de Jacaúva contando a aliança entre os franceses e os Tabajaras, Poti e Martin partem para a guerra;

Iracema fica no litoral, em companhia de uma seta envolvida em um galho de Maracujá (a lembrança). Triste, recebe a visita de Jandaia, antiga companheira, e torna-se a mecejana (a abandonada), como ela.

ENREDO Martin e Poti voltam vitoriosos; Martin sente maiores

saudades da pátria; Iracema profetiza a própria morte, que ocorrerá em seguida ao nascimento do filho;

Novo combate, nasce Moacir, o filho do sofrimento de Iracema, que recebe a visita de Caubi, quando o leite já está secando e as forças acabando;

Mal chega Martin, Iracema morre, após entregar-lhe o filho e pedir que fosse sepultada sob o coqueiro que o esposo amava. Nesse lugar nasce o Ceará, colonizado por Martin, que volta de Portugal, para onde levara o filho, mas onde não conseguira permanecer, como sugere o primeiro capítulo do livro.

ENREDO Iracema tem um argumento histórico baseado na

colonização do Ceará;

Por um lado, há, por parte do escritor, a montagem de um enredo que procura romantizar o processo de colonização do Brasil, escamoteando a violência e a dominação do colonizador sobre o índio por meio do romance entre os protagonistas;

Por outro lado, ele inaugura o mito heroico da pátria, de natureza indianista – uma mentirada gentil que traduz a vontade profunda dos brasileiros de perpetuar a convenção que dá a um país de mestiços o álibi duma raça heroica, e a uma nação de história curta, a profundidade do tempo lendário. (Antonio Candido, Formação da literatura brasileira)

LINGUAGEM Belas imagens visuais, sonoridade, ritmo e cadência

poética aliam-se ao levantamento de termos, costumes e rituais indígenas;

Caráter épico (narrativa em forma de poema que conta os feitos/façanhas de um herói de um povo; narrativa oral-escrita de caráter mítico-histórico);

Caráter idealizador dos elementos da “cor local” que aparecem por uma superposição de imagens e de comparações originais, adequadas à sugestão do nascimento de um novo mundo;

Desejo de criar uma nova língua.

Personagens Principais:

Iracema (“lábios de mel”) = mito fundador da nacionalidade; cor local; traços psicológicos do romantismo europeu; virgem vestal; sentimento x oposições sociais Martin = (Martim Soares Moreno, personagem histórico e literário) = representa o colonizador europeu; amizade a Poti e amor à Iracema = conciliação entre o branco e o índio no processo de colonizador.Moacir (“nascido no sofrimento”) = representa o primeiro brasileiro.

Personagens secundários:

Poti (“Antônio Felipe Camarão”, personagem histórico e literário) = aliança entre pitiguaras e portugueses (amizade com Martim).Caubi (“senhor dos caminhos”) = irmão de IracemaIrapuã (“Mel redondo”) = chefe dos tabajaras, se opõe Martim, amor não correspondido ou proteger a tribo da invasão brancaBaturité (“serra”) = avó de Poti, denomina Martim de Gavião Branco, profetiza destruição de seu povo pelos brancos.

LINGUAGEM Belas imagens visuais, sonoridade, ritmo e cadência

poética aliam-se ao levantamento de termos, costumes e rituais indígenas;

Caráter épico (narrativa em forma de poema que conta os feitos/façanhas de um herói de um povo; narrativa oral-escrita de caráter mítico-histórico);

Caráter idealizador dos elementos da “cor local” que aparecem por uma superposição de imagens e de comparações originais, adequadas à sugestão do nascimento de um novo mundo;

Desejo de criar uma nova língua.

[...] Martim sorriu; e quebrando um ramo do maracujá, a flor da lembrança, o entrelaçou na haste da seta, e partiu enfim seguido por Poti. Breve desapareceram os dois guerreiros entre as árvores. O calor do sol já tinha secado seus passos na beira do lago. Iracema inquieta veio pela várzea, seguindo o rasto do esposo até o tabuleiro. As sombras doces vestiam os campos quando ela chegou à beira do lago. Seus olhos viram a seta do esposo fincada no chão, o goiamum trespassado, o ramo partido, e encheram-se de pranto. — Ele manda que Iracema ande para trás, como o goiamum, e guarde sua lembrança, como o maracujá guarda sua flor todo o tempo até morrer.[...]

Iracema, de José Maria de Medeiros, 1884. Óleo sobre tela, 167,5 cm x 250,2 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro (RJ).

Iracema, de Antônio Parreiras, 1909. Óleo sobre tela, 61 cm x 92 cm. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), São Paulo (SP).

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela As vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida. O sentimento que ele pos nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada. O guerreiro falou: - Quebras comigo a flecha da paz?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. Manaus: Valer: 2010 (Projeto Leitura Para a Juventude).

AMARAL, E.; ANTÔNIO, S.; PATROCÍNIO, M. F. Iracema. In: Português: redação, gramática, literatura e interpretação de texto. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 369-372.

SETTE, Graça; TRAVALHA, Márcia; STARLING, Rozário. Iracema. In: Português: linguagens em conexão. São Paulo: Leya, 2013 (vol. 2), p. 61-63.

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