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Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação - 1 -
Imagens de si no Orkut: a construção do ethos1
Márcia Guabiraba Moreira Oliveira Novaes Pós-graduada em Linguística - FAFIRE
guabiraba@gmail.com
Resumo: A presente pesquisa objetivou analisar e tecer algumas considerações acerca de como se constrói o ethos no ambiente virtual do gênero discursivo Orkut, visto que, com o crescimento e popularização das tecnologias digitais as relações e as formas de interagir socialmente mudaram. Nessa perspectiva, procuramos observar e analisar como os enunciadores desse tipo de discurso persuadem, seduzem e atraem seus interlocutores. Palavras-chave: discurso, enunciação, ethos, orkut. Abstract: The aim of this work is to analise and to make some considerations about ethos in the virtual genre Orkut. With the increasing and the popularization of the tecnologies, the social relationships has changed. This way, we tried to observe and to analise how this genres’ members to persuade and seduction their interlocutores. Palavras-chave: discourse, enunciation, ethos, orkut.
1. Introdução
Com o advento da tecnologia, da evolução digital e da velocidade das
informações e das mídias contemporâneas, percebe-se o uso contínuo e cada vez
mais intenso do computador na vida das pessoas. A internet, com seu dinamismo,
velocidade e facilidade, transformou-se em um veículo de comunicação com
linguagem acessível e variada para os hiperleitores. O meio virtual é vastamente
rico e aberto, possibilitando aos seus usuários diversas formas de comunicar-se e de
relacionar-se. 1 Este texto, é um fragmento da monografia Imagens de si no Orkut: a construção do ethos, apresentada à Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE, sob a orientação da professora Mestra Maria do Rosário Sá Barreto.
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Em tempos de globalização, tecnologia e, em especial, da internet, é normal
que as pessoas façam de suas vidas um Big Brother de domínio público. Para
conhecer alguém, basta “navegar” pelos sites de relacionamento e em poucos
minutos, por meio dos perfis dos participantes, pode-se perceber com que tipo de
pessoa se está tratando. Alegrias, tristezas, dissabores, conquistas, desafetos,
valores, crenças, ideologias, preconceitos, estão todos lá, explícitos ou não.
Característica da tecnologia, as relações sociais e pessoais são
frequentemente construídas virtualmente. Sabemos que a internet não funciona
apenas como fonte de pesquisa, mas também para outros fins, tais como fazer
amigos, aprender novas línguas, conhecer pessoas de outros países e como meio
para estabelecer relações profissionais, já que esse tipo de exposição é também
uma forma de promover contatos profissionais – as chamadas networks.
Na emaranhada teia, que é o viver em sociedade, e nas diversas práticas
sociais, procuramos preservar e manter uma imagem satisfatória e positiva. No
presente trabalho, procuramos compreender como se dá a construção do ethos no
ambiente virtual do gênero discursivo Orkut, por ser um ambiente em que as
pessoas expõem seus gostos e suas preferências através de depoimentos,
mensagens, recados, imagens, vídeos. Trata-se de um gênero extremamente
interativo, em que os enunciadores trocam idéias, crenças, valores de forma lúdica
e, ao mesmo tempo, utilizam-no para tecer as suas redes de relacionamentos não
só afetivos, mas também profissionais.
2.Os gêneros discursivos e as práticas discursivas
Como seres sócio-históricos e culturais, estabelecemos relações com as
mudanças nas práticas sociais e no processo de comunicação no qual estamos
inseridos. A revolução das tecnologias propiciou o surgimento de novos gêneros
discursivos: os gêneros digitais. Sendo fenômenos sócio-históricos, os gêneros
digitais refletem as novas práticas discursivas e sociais em que estão inseridos.
Constituindo as práticas discursivas e sendo por elas constituídos, esses gêneros
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refletem as novas formas de representação e produção de textos, as novas formas
de representação do discurso e da realidade, os novos modelos de interação e
comunicação.
Conforme Bakhtin (2003, p. 262), “os gêneros são tipos relativamente
estáveis de enunciados”, refletindo a esfera social em que são gerados. Quanto
mais as sociedades se transformam e criam meios novos de comunicação, mais
surgem gêneros discursivos para atender a esse universo comunicativo, pois estão
ligados à vida social em que os falantes interagem e expressam-se. Os gêneros são
formas de representar o mundo, as maneiras de interação e ação dentro dos
eventos sociais. Nessa perspectiva, Bakhtin (2003, p.262) postula que
A riqueza e a diversidade dos gêneros discursivos são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo.
De acordo com Ramalho e Resende (2006, p. 62), “cada prática social produz
e utiliza gêneros discursivos particulares, que articulam estilos e discursos de
maneira relativamente estável num determinado contexto sócio-histórico cultural”.
Por serem maleáveis e dinâmicos, os gêneros estão relacionados às práticas sociais,
ligados à vida social, representando as mudanças nas formas de interação e ação na
sociedade.
Nesse sentido, Marcuschi (2002, p. 20), defende que “os gêneros textuais
surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em que se
desenvolvem”.
Com o advento das avançadas tecnologias, surgiu também um variado
número de gêneros digitais. Esses gêneros, segundo Marcuschi (2004), são
transmutações dos já existentes, tanto orais como escritos. Os gêneros digitais
trazem consigo também novas formas de agir e representar o mundo, as novas
relações sociais e interpessoais, as novas formas de produção de sentido. Eles
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proporcionam, na atual sociedade, formas de relacionamento e utilização da
linguagem/discurso de maneira bastante inusitada.
Se surgem novos meios de comunicação, novos gêneros, consequentemente
surgem também novas formas de pensar, novos comportamentos sociais, novas
práticas sociais e discursivas, já que toda ação do homem está situada numa
prática sócio-histórica e cultural.
Na internet, os gêneros apresentam, segundo Marcuschi (2002), plasticidade,
maleabilidade e dinamicidade, uma vez que atendem às necessidades de cada
evento social e discursivo, à finalidade e funcionalidade. Os gêneros digitais
refletem, assim, as mudanças ocorridas dentro das práticas sociais nos últimos
tempos, transformações advindas do avanço tecnológico, da sociedade da
informação, trazendo também novas formas de relações sociais e pessoais, ou
seja, uma nova forma de produção do discurso – o discurso eletrônico.
2.1.Considerações sobre o gênero discursivo Orkut
Por estarem ligados à vida social e inseridos nas atividades discursivas, é
através dos gêneros que interagimos socialmente. E, como citado anteriormente, à
medida que as sociedades vão complexificando-se, como afirma Bakhtin (2003), vão
surgindo novos gêneros.
Os gêneros digitais configuram-se, assim, como novas atividades discursivas
de interação e comunicação e inauguram uma nova forma de comunicação, novas
formas de construção de sentido e de relações com a realidade.
Através dos gêneros digitais são inúmeras as formas de comunicação e
interação, peculiaridade desses gêneros. Ao optar-se por um gênero, é importante
levar-se em consideração a intencionalidade do produtor. No universo dos gêneros
digitais, são muitas as escolhas que se podem fazer, visto que, no universo infinito
dos gêneros, o que vai levar o locutor a fazer escolhas é a intenção comunicativa.
Segundo Bronckart (apud Dell’Isola, 2007 p. 18 ),
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os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do agente produtor uma série de decisões para cuja execução ele necessita ter competência: a primeira das decisões é a escolha que deve ser feita a partir do rol de gêneros existentes, ou seja, ele escolherá aquele que lhe parece adequado ao contexto e à intenção comunicativa; a segunda é a decisão e a aplicação que poderá acrescentar algo à forma destacada ou recriá-la.
Além de aumentar a rede de relacionamentos, uma das intencionalidades
comunicativas do gênero Orkut é de certa forma fazer uma “propaganda de si
mesmo”. A decisão e a aplicação do agente produtor são adaptadas ao universo
digital que consegue alcançar uma quantidade infinita de participantes, visitantes,
fazendo que a intenção do locutor não se restrinja a um universo discursivo
particular.
No gênero digital Orkut, são diversas as intenções do locutor. Tal gênero
caracteriza-se por ser um site de relacionamentos – uma página particular – que
promove o encontro entre amigos e a participação em comunidades afins. Por meio
dessa página, o usuário revela um pouco de si e dá-se a conhecer, expõe seus dados
pessoais – tais como onde mora, idade, preferência sexual etc. –, além de também
expor seus gostos, desejos, preferências musicais, literárias, artísticas, crenças,
ideologias e paixões. Trata-se, pois, de um gênero extremamente interativo, pois
se podem conhecer e adicionar amigos novos, participar de comunidades, inserir
depoimentos, poesias, reflexões e conversar com os amigos da rede.
O que caracteriza um gênero é sua funcionalidade e sua intencionalidade. No
gênero digital Orkut são, contudo, diversas as intenções, pois o objetivo não é só
fazer amigos, mas também construir uma rede de relacionamentos afetivos e
prfissionais. Isso porque, no mundo globalizado em que estamos inseridos, faz-se
necessário ampliar essas redes, possibilitando oportunidades em várias áreas.
O Orkut é um dos gêneros digitais que conta ainda com a multimodalidade
discursiva ou multissemiose, visto que agrega aos textos imagens, sons, vídeos,
fotos, o que o torna ainda mais interativo e atrativo. Isso faz que a página pessoal
se torne interessante e personalizada.
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Na página inicial, o usuário fala um pouco de si, por meio de um perfil,
muitas vezes, apropriando-se de músicas e frases filosóficas, ou até mesmo frases
pessoais, fotos e outros, além de apresentar os dados pessoais.
Clicando-se no link “fotos”, podem-se acessar as fotos do usuário em
momento descontraído, com familiares e amigos. No link “vídeos”, o usuário
dispõe, para os visitantes do seu perfil, vídeoclips de seus artistas preferidos,
expressando, assim, por meio de seus gostos e preferências, um pouco de seus
valores e suas crenças.
Ao revelar gostos e crenças, ao citar frases de autores consagrados o autor
do perfil deseja impressionar o interlocutor a fim de seduzi-lo, ou seja, a fim de
atraí-lo para seu grupo e fazer-se admirado. Através de comunidades, o autor
revela seus gostos, fazendo, assim, que os adeptos dessas mesmas preferências
sintam-se contemplados pelo locutor, por possuírem gostos afins.
3.Enunciação e ethos
O ser humano, como sujeito histórico, cultural e social, constrói-se e
constrói o outro por meio das relações que estabelece. Assim, nas interações são
formadas as identidades e personalidades, as crenças, os valores, as concepções de
mundo, as ideologias.
É, pois, no ato da enunciação, na atividade discursiva que estabelecemos
contato com o outro, com a realidade e formulamos juízos de valor, construindo
imagens de nós mesmos, dos outros e da realidade em que estamos inseridos.
Conforme Maingueneau (2005), a construção dessa imagem é indissociável da
enunciação. Assim, a construção da imagem acontece num contexto de interação,
portanto é um fenômeno social em todas as suas formas de diálogo, seja oral ou
escrito.
Assim, não é necessário que o enunciador trace seu perfil, pois, no discurso,
ele deixa pistas que delineiam sua imagem, isto é, o que diz, como diz, as crenças
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que revela, os valores que defende, o conhecimento que possui de determinados
assuntos permitem que o interlocutor construa uma imagem do enunciador.
A imagem está, portanto, associada ao discurso, no qual os enunciadores, no
processo de interação, criam e oferecem um perfil de si. Essa imagem pode estar
implícita ou explicitamente delineada tanto nos textos orais quanto nos escritos.
Dessa forma, à medida que interagimos, vamos construindo nossa imagem diante
do nosso interlocutor.
O ethos diz respeito a textos orais e escritos, nos quais os enunciadores
oferecem uma imagem de si através do discurso. De acordo com Eggs (2005, p. 31),
“o lugar que engendra o ethos é, portanto, o discurso, o logos do orador, e esse
lugar se mostra apenas mediante as escolhas feitas por ele.” Através das escolhas
que realizamos em decorrência das representações e dos estereótipos criados pela
sociedade, delineamos e incorporamos uma imagem, que será identificada como
positiva ou negativa.
Na rede de relacionamentos que mantemos, tanto social como afetivamente,
a nossa intenção é persuadir e conquistar adeptos da nossa imagem, das nossas
crenças e ideologias, ganhando cada vez mais confiança e admiração do outro.
Mesmo que o coenunciador desconheça o enunciador, é possível conhecê-lo e
formar uma imagem dele. Segundo Maingueneau (2005, p.71),
mesmo que o co-enunciador2 não saiba nada previamente sobre o caráter do enunciador, o simples fato de que um texto pertence a um gênero de discurso ou a um certo posicionamento ideológico induz expectativas em matéria de ethos.
Assim, consciente ou inconscientemente, implícita ou explicitamente, por
meio de nossos enunciados, de nosso discurso, em que revelamos nossas crenças e
ideologias, denunciamos quem somos e em que acreditamos. O ethos é, pois,
indissociável do discurso, porque é nele que são expressas todas as formas de ser,
de estar e de relacionar-se com o outro.
2 Termo utilizado por Maingueneau (emprestado de Antoine Cullioli), em lugar de destinatário, por melhor definir o caráter da interação verbal.
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Conforme Maingueneau (2008, p. 17),
o ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através dos discurso, não é uma “imagem” do locutor exterior à fala; o ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro; é uma noção fundamentalmente híbrida (sócio-discursiva), um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica.
De acordo com Amossy (2005, p. 9), “o ato de falar implica a construção da
imagem de si”. Para a construção dessa imagem, não é necessário que o
enunciador explicite todos os seus gostos, suas qualidades, ideologias, desejos,
preconceitos, sonhos, pois isso será mostrado no discurso. Ainda segundo Amossy
(op.cit.), a imagem é construída no dia a dia, nas trocas pessoais e sociais, sem
métodos ou técnicas previamente pensadas.
Conforme Amossy (2005, p. 9),
não é necessário que o locutor faça seu auto-retrato, detalhe suas qualidades, nem mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas competências lingüísticas e enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma representação de sua pessoa.
Portanto, é no discurso que são construídas as imagens, antes mesmo que o
enunciador explicite ou faça um perfil de si, pois são suas ações, falas e atitudes
que revelarão quem ele é. Ainda que o enunciador fale de uma forma e diga sou
isto ou aquilo, é no intradiscurso que suas verdades serão ditas. De acordo com
Eggs (2005), o ethos se constrói no discurso, através das escolhas feitas pelo
enunciador, também por meio de suas escolhas linguísticas e estilísticas.
Por estar o ethos imbricado no ato da enunciação, no discurso, é possível
construirmos a imagem do enunciador antes mesmo que este se manifeste. Através
das representações do espaço, do ambiente e das representações implícitas ou
explícitas do enunciador, já podemos traçar um perfil da sua imagem.
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4.Análise dos perfis
No ethos construído textualmente, não há a representação física do
enunciador, mas há pistas e indícios que levam o coenunciador a atribuir
características para definir certo tipo de imagem.
A imagem a seguir representa o trecho do perfil de E.F., que será aqui
analisado de acordo com os pressupostos teóricos apresentados anteriormente.
Figura 01
Fonte: www.orkut.com.br
Observando a cenografia em que está disposta a imagem do enunciador,
percebemos um ambiente alegre e ao mesmo tempo polido. O enunciador não faz
uso de emoticons, nem de palavras abreviadas, conhecidas como internetês,
característica dos perfis de adolescentes, e não dispõe de muito colorido na
apresentação. Na cenografia, temos toda a atmosfera discursiva que envolve o
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enunciador: as escolhas linguísticas, pessoais e sociais. A cenografia é composta
por cores leves – o verde do papel de parede – que, culturalmente, representa a
esperança e pelas letras em branco, que representam a paz. Toda essa atmosfera
vai contribuir para a construção da imagem que o coenunciador, ao visitar o perfil,
vai delinear e que contribuirá, ou não, para a aceitação do ethos engendrado pelo
enunciador.
No quesito “Sobre Eduardo”, em que é permitido, conforme o gênero Orkut,
falar um pouco de si, ou seja, em que é possível ao enunciador fazer uma
apresentação de si mesmo, este recorre a um poema de Fernando Pessoa para falar
quem é.
Por meio da voz do artista reconhecido internacionalmente, não só por seus
heterônimos e pela pessoa “esquisita” que era, mas notadamente pelo seu talento
e capacidade como poeta, o enunciador tenta dizer: sou isto, é assim que sou, é
assim que vejo o mundo, é dessa forma que vejo as relações sociais e pessoais.
Segundo Barthes, citado por Maingueneau (2008, p. 13),
“são os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para dar uma boa impressão [...] O orador enuncia uma informação e, ao mesmo tempo, diz: eu sou isto aqui, não aquilo lá.”
Com a sentença de entrada, “Liberdade é o espaço que a felicidade
precisa...”, o enunciador procura mostrar-se não apenas fisicamente, por meio de
fotos e imagens, mas também pela sua concepção de vida e pelas suas crenças que,
de uma forma ou de outra, são postas em evidência pelas suas escolhas. Dessa
"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
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forma, ele pode conquistar a admiração dos visitantes e dos amigos, notadamente
daqueles que têm afinidade com o seu perfil3.
Para que o coenunciador tenha afinidade e sinta-se atraído pelo perfil do
enunciador, por meio dos textos, é necessário que ele crie uma imagem positiva
acerca de si mesmo.
O coenunciador, através dos processos que envolvem tanto os traços físicos
como psicológicos, mediante o que lhe é apresentado, apreende, por meio das
marcas textuais de diversas ordens, representações e constrói uma imagem. Essa
imagem não está apenas na dimensão verbal, mas atrelada a um conjunto de
determinações físicas e psíquicas ligadas ao enunciador.
Dessa forma, o enunciador, ao registrar o que faz e aquilo de que gosta,
revela sua personalidade e, ao mesmo tempo, atrai/busca coenunciadores que
tenham afinidade com suas escolhas, que aceitem o seu modo de ser e de ver o
mundo.
A seguir, por meio dos depoimentos inseridos pelos coenunciadores no perfil
do enunciador em enfoque, percebemos o quanto sua imagem foi capaz de
provocar efeitos no seu público (alunas e ex-alunas), uma consequência de todo um
trabalho construído através da sua imagem como educador.
Depoimento 01
Depoimento 02
3 Em Aurélio, uma das acepções da palavra perfil é “descrição em traços rápidos, retrato moral de uma pessoa.” Essa acepção está adequada ao gênero em questão, pois, ao traçarem um perfil exigido pelo gênero, os enunciadores estão construindo sua imagem.
- Bel Gαmα S. � - Ele me abandonou . Mais mesmo assim eu lhe amo *-* O melhor professor do mundo :$ (lll)
Teeka Mena ! ;D O professor mais L-E-G-A-L do mundo *--* Saudades professor :$ (lll) ²
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Depoimento 03
Segundo Amossy (2005, p. 123),
A importância atribuída ao auditório acarreta naturalmente a insistência no conjunto de valores, de evidências, de crenças, fora dos quais todo diálogo se revelaria impossível; em outras palavras, conduz a uma doxa comum. É mediante um trabalho sobre a doxa que o orador tenta fazer seu interlocutor partilhar seus pontos de vista.
Nos depoimentos citados acima, os valores e as representações sociais, as
crenças passadas pelo discurso do educador foram incorporadas por seus
coenunciadores. Assim, o trabalho realizado sobre a doxa4 levou os coenunciadores
a partilharem o seu ponto de vista, sua forma de ver e viver a vida, tornando-o
4 Palavra de origem grega que significa crença comum ou opinião popular, utilizada pelos retóricos gregos como ferramenta para formação de argumentos através de opiniões comuns.
→ Geysinha Carvalho← tiu edu... sempre.. inesquecivél é vc, o modo que nos fala da vida, como nos ensina a exigirmos os nossos direitos, como nos ensina a encarar a sociedade, e o modo pelo qual conseguiu me fazer gostar de literatura.kkkkkk... como eu diss, msmo se eu quizesse não tinha como lhe esqcer, foi o primeiro professor a me colocar pra fora de sala, e o único (assim espero..kkkkkk) por um motivo estranho...kkkkk;; aquele que aconselhava, não só na nossa vida como estudantes, mais como um amigo, sabe do que eu lembrei? a menina que tem sempre a carinha de apaixonada..kkkkkkk....os filmes xatos q assistimos(macabéia) mais q nós acabavamos deixandu engraçado e nos divertindu!!! sabe..Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcampara sempre.. E cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso. obg por tudO. que Deus te abençoe sempre. bejO.. tiu Edu!
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uma pessoa inesquecível. É isso que observamos também em outros depoimentos
nos quais ex-alunas elogiam e lamentam o fato de não serem mais alunas do
enunciador, mas garantem que, mesmo assim, ainda o amam. Isso significa que ele
conseguiu conquistar seu público através de um discurso e da imagem por ele
delineada, a qual foi aceita pelos coenunciadores.
No depoimento 03, ao declarar que “o modo que nos fala da vida, como nos
ensina a exigirmos os nossos direitos, como nos ensina a encarar a sociedade, e o
modo pelo qual conseguiu me fazer gostar de literatura.kkkkkk...”, a
coenunciadora demonstra o quanto ela incorporou o ethos do fiador, identificando-
se com seu projetos e crenças, com seu mundo ético, com seu discurso.
Na construção de uma imagem, seja em que cenografia ela se construa,
estamos vulneráveis a julgamentos e conclusões por parte de nossos interlocutores.
O público constrói imagens e representações antes mesmo de o enunciador se
pronunciar, pois, por meio da cenografia, ele já traça um perfil e faz uma análise
da imagem em questão.
No perfil abaixo , ao observar a cenografia, à primeira vista, o coenunciador
será levado a construir uma imagem do enunciador antes mesmo de ler os textos
sobre o perfil do enunciador. Elementos como as cores utilizadas no papel de
parede, assim como as flores miúdas e em quantidade, como também as cores das
letras (azul e branco) e a frase de apresentação nos levam a conceber previamente
um perfil (ethos pré-discursivo) da enunciadora.
Antes mesmo de saber do conteúdo textual da enunciadora, por meio dos
tons rosa, branco e azul, assim como das flores espalhadas pela tela, tendemos a
construir a imagem de alguém romântico, meigo, sensível e frágil, pois essas cores
assim como as flores estão culturalmente associadas ao amor, à paz, à
sensibilidade e à ternura. O coenunciador ainda será capaz de construir a imagem
de uma “menina”, ligada ao lúdico, pelas representações que temos do universo
infantil, das cores rosa, azul e verde.
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Figura 02
’ Fonte:www.orkut.com.br
Nos exemplos abaixo, a enunciadora posta mensagens no mesmo estilo
multicolorido de sua apresentação.
Mensagem 01
Mensagem 02
*•.¸¸.•*☆*•.¸¸.•*☆*•.¸¸.•*☆*•.¸¸.•*☆*•.¸¸.•* ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ♪"Love is the master key that opens the gates of happiness." ♪ ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� ჱ� *•. .•*☆*•. .•*☆*•. .•*☆*•. .•*☆*•. .•*
◦΅�◦�◦ہٷہჱہٷہ◦�◦�΅◦΅�◦�◦ہٷہჱہٷہ◦�◦�΅◦΅�◦�◦ہٷہჱہٷہ◦�◦�΅“Only the ones Who face giants have stories to tell.” ΅�◦�◦���ჱ���◦�◦�΅◦΅�◦�◦���ჱ���◦�◦�΅◦΅�◦�◦���ჱ���◦�◦�΅◦
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As frases postadas pela enunciadora revelam o gosto pelo colorido e pelas
flores. O tom da enunciadora remete o coenuncidor a um mundo ético colorido,
alegre, feliz. Esse mundo é também desenhado pelo enunciado que a apresenta:
It’s time do be happy. Let’s go. Os emoticions utilizados na frase anterior ( !
), também colaboram para apresentar uma fiadora acima de tudo feliz e que
procura incentivar seu público a percorrer o mesmo caminho e a crer no que ela
declara: “É tempo de ser feliz. Vamos lá.”
Nos depoimentos abaixo, postados pelos amigos (coenunciadores) para a
enunciadora, percebemos o quanto o tom de “doce menina” foi incorporado por
seu público. De acordo com Maingueneau (2005), a incorporação é a maneira pela
qual o coenunciador se relaciona com o ethos dentro das relações do discurso.
Depoimento 01
Bruna my heart is your love
Depoimento 02
Cah Araújo Foi tão booom, matar a saudade da minha florzinha hoje! Há tempos que eu já nao ria tanto!^^ beijo flor;*
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Investigando algumas comunidades das quais a enunciadora faz parte,
verificamos que elas também remetem ao universo lúdico e infantil.
Figura 03
Fonte: www.orkut.com.br
Essas comunidades – “Canções infantis”, “Coisinhas lindinhas”, “Rosa dos
ventos”, “Odeio que mexam nas minhas coisas”, “Sério? Nem ligo, a vida é minha”
– sinalizam esse universo voltado para a infância. As imagens dispostas para
representar as comunidades também são muito sugestivas: trazem imagens de
crianças, gatos, flores. Crianças, às vezes, com a face alegre ou birrenta,
dependendo do tipo de comunidade.
Consoante Maingueneau (2008, p. 18),
o ethos implica uma maneira de se mover no espaço social, uma disciplina tácita do corpo apreendida através de um comportamento. O destinatário a identifica apoiando-se num conjunto difuso de representações sociais avaliadas positiva ou negativamente, em estereótipos que a enunciação contribui para
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confrontar ou transformar: o velho sábio, o jovem executivo dinâmico, a mocinha romântica...
Nessa perspectiva, os coenunciadores incorporaram um ethos doce e
romântico da fiadora por estarem ligados a um conjunto de representações sociais,
avaliadas e construídas pela sociedade como negativas ou positivas. O ethos da
fiadora nos remete ao mundo da infância, a uma garota afetuosa e doce,
principalmente por conta da cor rosa e das imagens que fazem parte de seu
discurso infantilizado.
5.Considerações finais
Durante o desenvolvimento deste trabalho, buscamos analisar a construção
do ethos discursivo no gênero digital Orkut, com o objetivo de avaliar os
mecanismos e argumentos com que são construídas as imagens dentro do espaço
discursivo digital que, de forma singular, configurou-se como espaço de mediação
para o discurso e as relações sociais na era da informação.
Ao longo da pesquisa, observamos que a construção do ethos no ambiente
virtual dá-se de maneira semelhante à dos outros ambientes discursivos, até
porque as intenções propostas pelos interlocutores são as mesmas, os objetivos na
elaboração da imagem têm as mesmas perspectivas.
Na análise do perfil de Eduardo Félix, observamos como a imagem construída
fora do ambiente virtual se revela e condiz com a imagem construída no perfil do
Orkut. As características são de um enunciador que constrói uma imagem voltada
para o universo educacional, no qual se insere sua atividade profissional. O tom
que se revela pelas escolhas do enunciador é de alguém que está sempre
aprendendo e ensinando. Esse aprendizado se realiza até mesmo nos pequenos
momentos da vida e esse ponto de vista é apreendido pelo seu público.
No caso do perfil de Ana Cláudia, o segundo perfil, percebemos o estereótipo
de menina doce, delicada e sensível, ainda ligada ao universo infantil, antes
mesmo de saber do conteúdo do perfil da enunciadora, esta, já através da
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cenografia, revela suas tendências para o mundo das crianças. Ethos que se revela
através de suas escolhas linguísticas e estilísticas, como também através dos
depoimentos e das comunidades. Apesar de ser a educadora dedicada e feliz por
tal atividade, o discurso da enunciadora mostra um ethos totalmente voltado para
o universo infantil. As florezinhas, a cor rosa, as comunidades das quais faz parte e
até mesmo os depoimentos revelam tal atitude e tal universo. Esses indícios, por
sua vez, foram confirmados implicitamente através das pistas textuais deixadas
pela enunciadora.
Assim, implícita ou explicitamente, de acordo com suas escolhas linguísticas,
como afirma Amossy (2005), revelando suas crenças e ideologias, os autores dos
perfis constroem uma imagem na intenção de serem admirados, amados e seguidos,
conseguindo o maior número de admiradores possível nesse ambiente.
Referências AMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. BAKHTIN, Mikail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes. 2003, p. 261-306. DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret. Retextualização de gêneros escritos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. EGGS, Ekkehard. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: Amossy, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto. 2005, p. 29-54. MAINGUENEAU, Dominique. Ethos, Cenografia, Incorporação. In: Amossy, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto. 2005, 69-92. MAINGUENEAU, Dominique. A propósito do ethos. In: Mota, Ana Raquel. (Org.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto. 2008, p. 11-29.
Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação - 19 -
MARCUSCHI. Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva (Org.). Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna. 2002, p. 19-36. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: Hipertexto e gêneros digitais. MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos da Silva.(Orgs.). Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p. 13-67.
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