ii seminário brasileiro livro e história editorial · coleção de livros, com o benefício ......
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II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial
Uma coleção de livros diferentes: a Coleção dos Cem Bibliófilos do Brasil Gisela Costa Pinheiro Monteiro1 e Edna Lúcia Cunha Lima2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Escola Superior de Desenho Industrial Pesquisador Resumo: Este trabalho versa sobre uma coleção de livros sem um projeto gráfico com padrão de repetição entre eles. A coleção em questão é a da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, editada por Raymundo Ottoni de Castro Maya, entre as décadas de 1940 e 1960. A contribuição do estudo desta Coleção ao campo do design é a reflexão sobre quais considerações acerca de identidade visual são necessárias para se projetar, no caso, uma coleção de livros, com o benefício de que a indagação pode ser aplicada de forma enriquecedora ao estudo de demais áreas do design gráfico.
Palavras-chave: Coleção de Livros, Design Editorial, Design Gráfico.
1 Gisela Costa Pinheiro Monteiro graduada pela Uerj/Esdi (1995). Concluiu mestrado na mesma instituição (2008). Estudou a identidade visual da Coleção de Livros dos Cem Bibliófilos do Brasil. A designer atua na área de criação e produção gráfica para diversas empresas como: SESC, SENAC, Ópera Prima Arquitetura e Restauro, Cultura Inglesa, Petrobras, Latasa, Escola de Música da UFRJ, Conceito Comunicação Integrada, Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Novas Direções Projetos Culturais, Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), SENAI, entre outras. 2 Edna Lucia Cunha Lima possui graduação em Comunicação Visual pela Universidade Federal de Pernambuco (1979), mestrado em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1998) e doutorado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003). Atualmente é professor adjunto da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Tem experiência na área de Desenho Industrial, com ênfase em Programação Visual, atuando principalmente nos seguintes temas: design: educação, design gráfico, história do design gráfico, design: pesquisa e design editorial.
Uma coleção de livros diferentes
A Coleção dos Cem Bibliófilos do Brasil (CCBB) ocupa lugar de destaque na biblioteca da
antiga residência do empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya (1894/1968), hoje
Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro. Porém, o visitante que estiver interessado em
conhecer tal coleção pode ter dificuldade de localizá-la. A sugestão é tentar localizar pelos
escritores: Machado de Assis, Lima Barreto e Mario de Andrade são alguns de uma
sequência dos mais renomados autores, em sua maioria brasileiros.
1 – Os 23 livros da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil nas prateleiras do Museu da Chácara do Céu, Santa Teresa, Rio de Janeiro, 2007.
Tratam-se de livros de capa dura, com diferentes tamanhos, texturas, acabamentos.
Considerando que foram produzidos cerca de 120 exemplares de cada um dos 23 títulos e
que os exemplares eram entregues sem encadernação aos destinatários, ao todo existem
aproximadamente 2.760 possibilidades de livros com capas diferentes. Desta feita, a capa
realmente não era a melhor maneira de se identificar a Coleção.
As capas dos exemplares de Castro Maya apresentam soluções gráficas de acordo com cada
conteúdo. Ora com douração, ora sem. Não há, em um primeiro contato, a menor
semelhança entre si. O sexto livro, O caçador de esmeraldas, possui capa esverdeada, e no
vigésimo segundo, Hino Nacional Brasileiro, a capa remete à bandeira nacional.
2 – ‘Hino Nacional Brasileiro’.
Também não é possível identificar a Coleção de acordo com sua organização na estante.
Não há coerência formal. Os livros estão organizados por ordem cronológica e, além disso,
numerados por extenso, do primeiro ao último – o vigésimo terceiro. A numeração de cada
livro não está na capa e sim no colofão. O colofão, aliás, foi rica fonte de insumos para este
estudo. Nele foram registrados (fato usual em publicações deste nível) dados como o papel
utilizado, a fonte tipográfica, a tiragem.
Cada livro era tratado como uma jóia. Pois não são quaisquer livros, são livros sobre o
Brasil. Quiçá não são ilustrados por quaisquer ilustradores, são ilustradores brasileiros
natos ou naturalizados. O mote que impulsionou a produção da CCBB difere do usual aos
livros vendidos em livrarias. São peças únicas, personalizadas e, consequentemente, caras.
Tal fato nos faz compreender o porquê de os cem bibliófilos serem pessoas abastadas
pertencentes à nata da elite do país. Todos eram parte das relações de Castro Maya.
Podemos dizer que, no Brasil, nem todos os associados estavam envolvidos com literatura e
com bibliofilia a ponto de paixão. Eram empresários, artistas, políticos, médicos e
banqueiros. Há controvérsias quanto aos motivos de formação de grupos de bibliofilia, que
publicavam, em tiragem limitada, livros com apuro artesanal e gravuras como ilustração.
Para muitos, possuir exemplares desse quilate era um bom negócio, mais do que qualquer
outro afã literário.
Os associados
Entre os associados estavam presentes personalidades como o prefeito Carlos Lacerda, o
artista plástico João Cândido Portinari, o arquiteto modernista Henrique Mindlin, os
empresários Horácio Klabin, Roberto Marinho e Joaquim Monteiro de Carvalho, o
colecionador Gilberto Chateaubriand e o bisneto de Dom Pedro II, Dom Pedro Gastão de
Orléans e Bragança.Todos bem-sucedidos e estabilizados. Havia também a presença de
mulheres, poucas, todas da alta sociedade, “todo mundo se conhecia, a alta sociedade era
muito pequena” (informação verbal)3: Ema Gordon Klabin, Ernestina M. Paiva Meira,
Letícia Maria Carneiro, Lúcia de Faria Proença, Maria Augusta da Costa Ribeiro, Maria do
Carmo de Melo Franco Nabuco, Maria Helena de Camargo Rodrigues, Maria Pia Torres
Guimarães, Maria Regina Amoroso Costa Archer de Castilho, Maria Teresa Fontes
Willians, Myrian Queiroz Borges de Leão, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, Odete Young
Monteiro, Rachel C. Simonsen, Renata Crespi Prado, Rosalina Coelho Lisboa de
Larragoiti, Yolanda Penteado Matarazzo e Zaira Giovanna Bonino.
Encontramos na última formação da Sociedade os nomes de dois autênticos bibliófilos:
José Mindlin e Rubens Borba de Moraes. José Mindlin (1914- ) considerava bibliofilia
amor pelos livros antigos, mas mudou de opinião ao conhecer os livros da Coleção dos
Cem Bibliófilos, que já nasciam raros. Em uma entrevista ao jornal O Globo, Mindlin
revelou que “(...) se na hora da fundação não pensou em entrar para o grupo dos cem
privilegiados de Maya, depois lutaria por uma vaga, conseguindo adquirir um título [nº 9]
da família de um sócio falecido”. (Costa, 2002, p. 2)
Rubens Borba de Moraes (1899-1986), bibliotecário, bibliógrafo, bibliófilo, intelectual de
São Paulo, foi um dos nomes do movimento que culminou na Semana de Arte Moderna.
Diretor da Biblioteca da Organização das Nações Unidas (ONU) e autor de inúmeros títulos
sobre livros, critica em seu livro O bibliófilo aprendiz produções como aquelas realizadas
pela SCBB. Paradoxalmente, é o associado número 85:
Não creio, pois, que tenham razão os bibliófilos que desprezam os livros modernos, impressos mecanicamente aos milhares. Para esses amadores, só tem valor artístico o livro impresso à mão e tirado a poucos exemplares. Muitas sociedades de bibliófilos mandam imprimir livros com os velhos métodos manuais. Há editores que anunciam edições de luxo, compostos e impressos à mão. Assim fazem porque existe, incontestavelmente, da parte de muito amador de livros, um preconceito contra a máquina. Esse preconceito é muito antigo, vem da origem da imprensa. Os bibliófilos do século XV renegaram o livro impresso e continuaram a fazer manuscritos. Em pleno século XV, ainda faziam manuscritos. Para esses homens de antigamente, como para certos amadores de hoje, a máquina é vulgar, imperfeita e menos nobre que a mão do homem. Esquecem que a máquina não é senão uma ferramenta inventada pelo homem, que a maneja como quer. (Moraes, 2005, p. 196)
3 Entrevista concedida por Stella Rodrigo Octavio Moutinho, realizada em sua residência no Rio de Janeiro, em 5 de outubro de 2007.
A produção destes livros é uma soma bastante restrita se comparada à produção do mercado
editorial. Mas a Coleção nasceu com propósito diverso da comercialização: o de registrar a
cultura brasileira com o que de melhor o Brasil pôde oferecer, isto é, textos de qualidade e
ilustrações feitas por artistas plásticos consagrados. Este propósito está descrito no Artigo I
dos Estatutos da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil: “A Sociedade dos Cem
Bibliófilos do Brasil é uma sociedade de bibliófilos e de caráter estritamente cultural, com
sede na cidade do Rio de Janeiro, tendo como finalidade publicar obras-primas de autores
brasileiros, ou livros sobre o Brasil, em tiragens limitadas impressas em papel de luxo e
ilustradas.”(Manuscrito, s.d., acervo Museu da Chácara do Céu)
Os jantares
Os exemplares 2 dispostos nas prateleiras do museu da Chácara do Céu guardam em suas
páginas uma história muito maior que a que as letras escritas em suas páginas. Anualmente
ocorria, no Jockey Club do Rio de Janeiro, o jantar de lançamento do livro do ano, tal e
qual faziam as congêneres francesas. O objetivo era reunir os cem bibliófilos, mas a
frequência variava em torno de 30% a 40%. (informação verbal)4 As impressões dos
bibliófilos podem ser traduzidas nas palavras de José Mindlin: “Lembro que estes jantares
uniam a gastronomia à bibliofilia – duas coisas que reunidas num evento o tornam
inesquecível.” (Alencar, 1997, p. 66)
Tudo era minuciosamente cuidado por Castro Maya, do convite ao cardápio (ilustrado pelo
artista do ano). Nos jantares, o príncipe Dom Pedro Gastão de Orléans e Bragança
(associado número 1 e principal membro da primeira Comissão Executiva) sentava-se à
cabeceira; Castro Maya, à sua direita; e o ilustrador do livro do ano, à sua esquerda. Apesar
de Castro Maya ser o mentor do projeto, seu título era o número 2. Em gesto respeitoso de
reafirmação da aliança que seu pai havia constituído com a Família Real, deu o número 1
ao bisneto de Dom Pedro II, Imperador do Brasil, mesmo com a República como novo
regime. Durante os jantares iam a leilão os originais das ilustrações, a fim de financiar a
produção do próximo ano. (Rossi, 2002) Conforme depoimento do artista plástico Darel
4 Entrevista concedida por Darel Valença Lins, realizada em sua residência no Rio de Janeiro, em 17/11/2007.
Valença Lins, que ia aos jantares e ocupava lugar de destaque como Diretor Técnico da
Sociedade, sentado também à mesma mesa do Príncipe,
Quando acabava o jantar, Castro Maya começava a fazer o leilão. Raymundo, naturalmente, tinha uma intimidade muito grande, muita força sobre aquele pessoal. Chegava num certo momento dizia assim: ‘Olha aqui este desenho de Iberê Camargo! Essa coisa importante! Olha aqui, Jorginho Guinle, essa coisa importante!’ E o cara batia o martelo, e comprou. Porque o cara que comprava o desenho juntava no livro dele o original e esse livro passava a valer muito mais. Aí, os livros que tinham os trabalhos originais, os estudos, valiam muito mais. (informação verbal)
5
Neste dia, o livro era entregue em folhas soltas, sem encadernação, para que cada associado
pudesse encadernar seu exemplar de acordo com o próprio gosto. A historiadora Stella
Rodrigo Octavio Moutinho recorda:
Meu pai, Rodrigo Octavio Filho, amigo de Raymundo desde a juventude pelo entrosamento de gostos e por relações de família, foi um dos cem bibliófilos, de número 31. Entusiasmado, voltou do primeiro jantar de lançamento trazendo o exemplar de Memorias Phostumas. Ao redor da mesa, nos debruçamos, vibrando, para admirar tão bela obra – Machado e Portinari juntos, um deleite. (Moutinho, 2002, p.109)
No entanto, a Coleção montada ao longo de 27 anos, com basicamente um livro produzido
a cada ano, não resiste à morte de seu idealizador e finda um ano após sua morte.
Raymundo Ottoni de Castro Maya
5 Entrevista concedida por Darel Valença Lins, realizada em sua residência no Rio de Janeiro, em 17/11/2007.
3 – Detalhe do retrato de Castro Maya feito por Portinari em 1943, ano da fundação da SCBB. Óleo sobre tela, 72,5 x 60 cm.
O projeto da SCBB nasceu da vontade do empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya:
“Um homem de voz rouca, um perfeccionista, que detinha prestígio, bom gosto e requinte
europeu.” Segundo Darel Valença Lins (Baraçal, 2002, p. 52) Castro Maya era um
autêntico representante da alta burguesia brasileira. Filho de Theodozia Ottoni de Castro
Maya, herdeira dos Ottoni, tradicional família de liberais mineiros, e do engenheiro
Raymundo de Castro Maya, homem culto e técnico da Estrada de Ferro D. Pedro II,
conhecida como Central do Brasil. Seu pai chegou a ser pessoalmente convidado por D.
Pedro II para ser preceptor de seus netos – convite que recusou. Raymundo Ottoni de
Castro Maya era o segundo de três filhos. O primogênito Christiano (1890-1923) e o caçula
Paulo (1895-1928) faleceram coincidentemente aos 33 anos.
4 – Castro Maya de branco (segurando o chapéu) com os pais e irmãos na Cascatinha da Floresta da Tijuca, em 1903. (Museus Castro Maya, 1996, p. 21)
Castro Maya nasceu em 22 de março de 1894, em Paris, onde seu pai ocupou, a partir de 31
de outubro do mesmo ano, o cargo honorífico de Vice-Cônsul brasileiro (cinco anos após a
Proclamação da República no Brasil, em 1889). Em 1899, aos 5 anos, retorna com a família
para o Brasil, passando a residir no Rio de Janeiro, em Santa Teresa, e a estudar no Colégio
Santo Inácio. Cursa Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais no Rio de Janeiro,
no período de 1912 a 1915. Com apenas 23 anos (1917), assume o cargo de Diretor
Tesoureiro da Companhia Geral de Melhoramentos, no Maranhão. No período de 1923 a
1925 monta um apartamento com o irmão caçula Paulo, em Paris. Em 1925, com 31 anos,
funda com Paulo a Cia. Carioca Industrial, que produzia a Gordura de Coco Carioca,
produto natural e enlatado. Também fabricava o óleo de linhaça, antes importado pelo
Brasil. Isso significou um grande avanço para a época, uma vez que a produção brasileira
era basicamente de café. Em seus muitos investimentos, destaca-se a Estamparia Colombo,
para imprimir embalagens com pedras litográficas, entre elas a lata da Gordura de Coco
Carioca.
No governo do presidente Getúlio Vargas foi administrador (por salário simbólico) da
Floresta da Tijuca (1943-1947), tornando-a um parque urbano. Essa foi a única vez em que
ocupou um cargo público. Foi amigo pessoal do Presidente Juscelino Kubitscheck e tinha o
hábito de recebê-lo em sua fazenda, Cachoeira Dourada, em Mato Grosso, para a prática da
pesca esportiva (Alencar, 1997, p. 46). Foi ainda um dos mentores na construção do Museu
de Arte Moderna (MAM) no Rio de Janeiro e também o primeiro presidente da instituição.
Conhecido como bom anfitrião, ofereceu uma recepção, por exemplo, em sua residência na
Chácara do Céu, comemorando a inauguração da nova sede do MAM, em 1951. Figuras
ilustres, como seu amigo JK, marcaram presença no dia.
Porém, Castro Maya não se contentou com a função de bibliófilo. Ele queria montar sua
coleção, tornando-se, assim, ele mesmo editor. A historiadora Stella Rodrigo Octavio
Moutinho ratifica a atitude: “O bibliófilo se duplicava em editor. E conseguiu materializar,
gradativamente, o grande projeto.” (2001, p. 104)
Castro Maya era figura influente e ativa na sociedade brasileira, além de empresário bem-
sucedido, dono de propriedades em diversos estados. Havia uma forte ligação dele com o
Brasil. Um homem viajado, conhecedor de outras culturas, aplicava aqui o que admirava
em nações diversas a fim de tornar o Brasil o país que desejava. E o fazia com maestria e
bom gosto. O Brasil era seu éden. Este é um fio condutor que liga seus distintos feitos ao
longo da vida: a criação de um parque urbano brasileiro; o gosto pela aventura da pesca em
rios brasileiros; a produção da gordura de coco (um produto tipicamente brasileiro); a
criação de um museu para a arte moderna brasileira. O grande valor identificado no projeto
da SCBB foi a possibilidade de integração entre literatura e arte nacionais, através do livro.
Pela iniciativa no campo da literatura é que, dois anos antes de sua morte, recebe da
Academia Brasileira de Letras a medalha Machado de Assis, pelo estímulo e
desenvolvimento de atividades culturais e artísticas no país. Em 1968, já falecido, recebe o
título de Cidadão Carioca.
Para dar corpo à Coleção, Castro Maya contou com diversos profissionais ao longo dos
anos.
O diretor técnico: a ponte entre o artista plástico e o gráfico
Dentre os envolvidos com o projeto, foram identificados o idealizador (Castro Maya), os
bibliófilos (100 associados), os diretores técnicos (três artistas plásticos), os ilustradores (20
artistas plásticos) e os gráficos (ao início em número instável e, a partir do quarto livro em
diante, três profissionais constantes, ao todo). A dupla de gráficos Oswaldo Caetano da
Silva e Cleanthes Gravini foi anos mais tarde completada com a presença de Darcy Vieira,
o último a entrar no grupo, a partir do décimo primeiro livro.
Nº DATA TÍTULO AUTOR ARTISTA PLÁSTICO
GRÁFICOS
1 1943 Memórias posthumas de Braz Cubas
Machado de Assis
Cândido Portinari Alberto de Britto Pereira
2 1945 Espumas fluctuantes Castro Alves Santa Rosa Francisco de Paula Achilles, Raul de Oliveira Rodrigues, Oscar Loureiro, Silvio Signorelli
3 1948 Pelo sertão Affonso Arinos de Mello Franco
Livio Abramo André Savarezze, Felício Lanzara, Affonso de Camargo, José Bernini, Laurentino R. Silva, Pedro Cassoli, Antônio Gorzoni, Francisco Azevedo e Anacleto Braggio.
4 1949 Luzia-Homem Domingos Olympio
Clóvis Graciano Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini
5 1950 Bugrinha Afrânio Peixoto
Heloísa de Faria Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini
6 1951 O caçador de esmeraldas
Olavo Bilac Enrico Bianco Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini
7 1952 O rebelde Inglêz de Souza
Iberê Camargo Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini
8 1954 Memórias de um sargento de milícias
Manuel Antônio de Almeida
Darel Lins
Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini
9 1955 Três contos Lima Barreto Cláudio Corrêa e Oswaldo Caetano da
Castro Silva, Cleanthes Gravini
10 1956 Canudos Euclydes da Cunha
Poty Lazzarotto Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini
11 1957 Macunaíma Mário de Andrade
Hector Carybé Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
12 1958 Bestiário Gabriel Soares de Souza
Marcello Grassmann
Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
13 1959 Menino de engenho José Lins do Rego
Cândido Portinari Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
14 1960 Pasárgada Manuel Bandeira
Aldemir Martins Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
15 1961 Poranduba amazonense
Barbosa Rodrigues
Darel Lins Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
16 1962 Cadernos de João Aníbal Monteiro Machado
Maciej Babinsky Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
17
1963
A morte e a morte de Quincas Berro D’Água
Jorge Amado
Di Cavalcanti
Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
18 1964 Campo geral Guimarães Rosa
Djanira Silva Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
19 1965 Quatro contos Machado de Assis
Poty Lazzarotto Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
20 1966 As aparições Jorge de Lima Eduardo Sued Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
21 1967 Ciclo da Moura Augusto Frederico Schmidt
Cícero Dias Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
22 1968 Hino Nacional Brasileiro
Osório Duque-Estrada
Isabel Pons Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini, Darcy Vieira
23 1969 O compadre de Ogun
Jorge Amado Mario Cravo Oswaldo Caetano da Silva, Cleanthes Gravini,
Darcy Vieira
Tabela 1 – A Coleção organizada cronologicamente pela data de finalização dos livros. Castro Maya estava à frente e tomava as decisões executivas, mas a partir da quarta
publicação foi registrada nos colofões a presença constante da figura do diretor técnico,
braço direito que ajudava Castro Maya a fazer a comunicação com o artista e orientava os
serviços gráficos. Figurava entre as funções do diretor técnico conceber graficamente o
exemplar da vez, o que chamamos na atualidade de projeto gráfico. Escolhia a tipografia, o
corpo de texto, o título, as cores e definia a área ocupada pela gravura (a dimensão era
fornecida ao ilustrador durante o processo de feitura do livro). Através do estudo das
funções dos diretores técnicos na Coleção, portanto, podemos ensejar uma comparação
entre seu trabalho e o papel que o designer gráfico desempenha na atualidade.
Os diretores técnicos traçavam as coordenadas para os artistas e os gráficos seguirem. Os
artistas realizavam as ilustrações (conforme dimensões a eles fornecidas). Os gráficos
realizavam a diagramação do texto. Os gráficos eram assalariados, funcionários da Gráfica
de Artes, ganhando um pouco mais do que um salário mínimo, enquanto os artistas
recebiam uma grande soma (equivalente a oito salários, variando de acordo com seu status)
pelo projeto e ainda tinham participação nos lucros do leilão de seus originais. A diferença
no pagamento entre gráficos e artistas plásticos é um indício a ser considerado na falta de
esmero gráfico na impressão das imagens, como será analisado a seguir.
Os 23 livros
Quanto à análise tipográfica, os três primeiros livros destoam dos demais. Eles são os
únicos sem referências à fonte tipográfica nos colofões. Não havia compromisso com
fontes iguais. A maioria é serifada (Thibaudeau, classe Elzevir). A utilização de fontes
tipográficas sem serifa acontece somente nos anos 60, com a fonte Grotesca.
Salvo poucas exceções, a utilização da tipografia não é expressiva e nem primorosa. Por
exemplo, as poesias diagramadas com Grotesca – Pasárgada, décimo quarto livro, de 1960,
com ilustrações de Aldemir Martins, e Ciclo da Moura, o vigésimo primeiro, de 1967, com
ilustrações de Cicero Dias – foram compostas somente em caixa baixa, o que representa
uma ruptura com o padrão aplicado até então. Outro livro bastante significativo é o
vigésimo segundo, de 1968, totalmente em caixa alta, reverberando a letra do Hino
Nacional brasileiro.
Quando há cor no texto, a maior ocorrência recai sobre vermelhos: nos títulos, fólios e
capitulares e na parte pré-textual. A cor nunca entra no corpo do texto do miolo. A falsa
folha de rosto era impressa em uma cor, quase sempre em preto. A maioria dos livros
utiliza capitulares, cada qual de uma forma e geralmente coloridas. A ocorrência de título
dependia do texto. Quando há, é quase sempre em caixa alta. O fólio, em todos os
exemplares, aparece no rodapé e, em geral, alinhado pelo centro – já os colofões, apesar de
detalhados, não possuem padronização no seu conteúdo. Um dado que nunca varia é o
início do colofão, onde ele descreve, em ordinais, o número da publicação.
A mancha gráfica é clássica na maioria dos exemplares. Isto é, a margem superior mede a
metade da margem inferior e a soma das margens internas de um livro aberto é igual à
medida de ambas as margens externas. Há pequenas variações, mas não a ponto de romper
com a forma clássica. Reparamos o alinhamento do texto feito de acordo com o gênero
literário: justificado para prosa e alinhado à esquerda para poesia. A indentação também
segue o critério de gêneros: há na prosa e não há na poesia.
A ousadia na diagramação fica por conta da ilustração, que, a partir dos anos 50, sai da
mancha de texto e ganha a área da página. Nos anos 60, ocupa a dupla de páginas,
culminando no sangramento. A maioria das gravuras foi impressa em uma cor, salvo
algumas exceções. Muitos livros reservaram páginas inteiras, sem texto, para as ilustrações.
Outra característica em comum foi a representação figurativa (ilustração) do personagem
ou da cena principal do enredo na maioria dos títulos, em geral, no início, mas também
aparecendo no final do livro.
Muito escapou do controle de qualidade. Quase todos os livros brasileiros possuem viúvas
e órfãs, mesmo quando poderiam ser facilmente evitadas. Há páginas decalcadas e o
registro não é preciso. As dobras dos cadernos não são simétricas, ocasionando a oscilação
das margens, que chegam a variar 0,5 cm dentro de um mesmo exemplar – e não parecia
ser intenção do projeto. Se forem feitas comparações com as coleções francesas, matrizes
da Coleção dos Cem Bibliófilos do Brasil, veremos que aquelas se esmeravam na
impressão, com o purismo de colocarem delicadas marcas de dobra nos cadernos.
O Brasil não possuía tradição no ofício da impressão como os europeus, à época. Logo, a
iniciativa de Castro Maya de imprimir livros, ainda mais de luxo, foi uma atitude corajosa.
Para os olhos de um leigo, os livros da coleção francesa são idênticos aos da brasileira. No
entanto, após analisarmos atentamente cada um dos 23 exemplares, percebemos que não
havia, por parte da diagramação, o mesmo apuro que havia na impressão das imagens.
Também, os diretores técnicos eram artistas plásticos e não peritos na arte da impressão.
Supõe-se que o conhecimento gráfico não era apurado tanto por Castro Maya como pelos
seus diretores. Esta é uma justificativa para a ausência da excelência na impressão.
Com o estudo da Coleção, pode-se compreender qual a percepção e a cultura visual em
relação a um impresso de qualidade aceito e chancelado pela alta burguesia brasileira
naquele momento. A falta de esmero por parte da impressão dos textos e do acabamento
não desmerece seu valor. O grande trunfo foi a iniciativa, e de hoje termos, através da
Coleção, um retrato autêntico e não importado da cultura nacional. Além disso, apesar de
haver um projeto gráfico particular para cada livro, há um padrão sutil, elegante, menos
automático, que permeia a todos: a escolha por papéis especiais, a pequena tiragem, as
ilustrações únicas feitas por artistas de renome.
Tudo nos leva a crer que a produção de livros diferenciados atendia à demanda (quase um
briefing) de Castro Maya, no afã de possuir objetos únicos. Porém ressalte-se que, devido a
esta característica, paradoxalmente a diversidade é o principal fator que une os livros
enquanto coleção. Mais uma vez destaca-se a importância dos diretores técnicos, que
souberam atender ao desejo do “cliente” Castro Maya. O luxo nas publicações está em
serem personalizadas, singulares, com livros bastante distintos dos encontrados em
livrarias. Tal como ocorre atualmente com o trabalho do designer, a atuação do diretor
técnico está na interface entre a idéia e o produto: o livro.
Referências bibliográficas
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