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EDER PIRES DE CAMARGO
UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS SOBRE
REPOUSO E MOVIMENTO DE PESSOAS CEGAS
1
EDER PIRES DE CAMARGO
UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS SOBRE
REPOUSO E MOVIMENTO DE PESSOAS CEGAS
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da
UNESP – Câmpus de Bauru, como um dos requisitos
para a obtenção do título de Mestre em Educação para
a Ciência – Área de Concentração: Ensino de
Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Luís Vicente de Andrade Scalvi
Bauru
2000
2
EDER PIRES DE CAMARGO
UM ESTUDO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS SOBRE
REPOUSO E MOVIMENTO DE PESSOAS CEGAS
BANCA JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e Orientador
2º Examinador
3° Examinador
Bauru,..............de.................de 2000
3
Em memória dos meus queridos avôs José
Toniões Filho e Enoch Pires de Camargo
Por todo amor demonstrado, e pelos exemplos
que foram, por isso, jamais os esquecerei.
4
AGRADECIMENTOS
Ao Eterno, doador da vida que está sempre presente, independentemente das
circunstâncias.
À Erica, minha irmã querida, que foi meus olhos e minhas mãos durante este
período de mestrado. Tenho certeza que todo o dinheiro do mundo não pagaria tal
demonstração de amor e por isso, este agradecimento para mim é o principal.
À minha mãe Elisabete, que sempre me ajudou na leitura de textos, nos
conselhos e no incentivo, fazendo do meu sonho seu próprio sonho.
Ao meu pai Elio, que esteve sempre presente ao meu lado dando todo o
respaldo necessário, tanto do ponto de vista afetivo quanto do financeiro, do qual eu gostaria
de destacar a utilização de seu automóvel em viagens até a UNESP de Bauru.
Ao meu irmão Elinho e ao meu cunhado Kiko, que foram meus motoristas
particulares.
Ao meu orientador Prof. Dr. Luís Vicente de Andrade Scalvi, que foi paciente,
me ensinou a ser organizado, acreditou em meu trabalho, trouxe significativas contribuições à
pesquisa aqui desenvolvida e tornou-se, principalmente nestes três últimos anos de
convivência, um grande amigo.
Aos professores Dr. Décio Pacheco e Dra. Lizete ........... , que foram
fundamentais em suas críticas, proporcionado através disto, reflexões, novas leituras, e
esclarecimentos.
À professora Dra. Tânia Moron Saes Braga, minha co-orientadora que
contribuiu significativamente para a escolha de bibliografia especializada na área de ensino
5
para portadores de deficiência visual, bem como, para o processo de uma melhor
compreensão de questões relacionadas à pessoa cega.
Ao professor Dr. Roberto Nardi, responsável em despertar meu interesse na
pesquisa de ensino de Física.
Às minhas amigas Carla e Ana, secretárias da Pós-Graduação da Faculdade de
Ciências, que sempre foram atenciosas, amáveis e educadas.
Ao “Lar escola Santa Luzia para cegos” que permitiu a realização das
entrevistas com seus alunos.
Aos amigos João, Claudete, Iara, Jorge, André e Laércio, pelo interesse,
disposição e paciência demonstrados na ocasião da realização das entrevistas.
Aos participantes do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências, à todos os
professores que lecionaram as disciplinas que cursei e aos alunos do Programa de Pós-
Graduação.
Aos amigos Paulo Angélico, que ajudou com idéias e sugestões, por ocasião
da elaboração do Anteprojeto de Pesquisa; Cristiano Langona, meu professor particular de
inglês; Donizete Salgado, Adriano Mineto e Marcelo Machado.
Às amigas Marli e Rosângela, que me ajudaram na tradução e na leitura de
textos.
Aos mestres Edevar Moretto, Guerino Teles Junior e Ivan Régis Montanholi,
por todo incentivo e confiança depositados.
Às minhas avós, aos meus tios, e aos meus primos, pessoas de valor estimado.
Ao meu amigo Fábio, que sempre me incentivou a fazer Pós-Graduação.
À minha grande amiga Sandra Regina Teodoro, companheira de estudos desde
a época da Graduação, e presença garantida nos momentos de alegrias e dificuldades.
À FAPESP, pela bolsa concedida neste último ano.
6
Certa vez, um camponês chamados Nunez, numa escalada perigosa, ao separar-se de seus companheiros de caravana, caiu de uma montanha e descobriu o Vale dos Cegos. Lembrando-se do dito popular “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, aspirou governar o Vale. Descobriu, porém, que isso não era tão fácil quanto esperava e que sua visão não era sempre uma vantagem.
Quando foi encontrado por três homens do Vale, eles tentaram descobrir quem era aquela estranha criatura.
- Vamos levá-lo para os mais velhos. – disse Pedro.- Grite primeiro – disse Correa –senão poderemos assustar as crianças.Assim, eles gritaram e Pedro foi na frente e pegou Nunez pela mão para guiá-lo até as casas.- Eu posso ver – disse, puxando-lhe a mão.- Ver? – perguntou Correa.- Sim, ver – respondeu Nunez, virando-se em sua direção e tropeçando.- Seus sentidos são ainda imperfeitos – disse o terceiro cego – Ele tropeça e diz palavra sem
sentido. Guie-o pela mão.- Como você quiser – disse Nunez e deixou-se guiar, rindo.Parecia que eles nada sabiam de visão.Nunez começou a perceber que muito da imaginação dos cegos havia desaparecido com sua
visão e eles haviam feito para si, um novo mundo, onde predominava a sensibilidade do ouvido e do tato. Lentamente, Nunez percebeu que ele estava errado em esperar que as pessoas ficassem impressionadas com sua origem e habilidades. Pensavam que ele fosse um novo ser e eram incapazes de entender suas sensações. E, assim, após entender que não aceitariam suas explanações sobre a visão, calou-se e começou a ouvir o que tinha para lhe dizer.
E chegou o dia em que Nunez apaixonou-se por Medina e queria casar-se com ela. O pai, Yacobs, solicitou uma reunião dos mais velhos para decidirem o que fazer. Eles estranhavam muito as falas e comportamentos de Nunez. Após um tempo de discussão, o velho Yacobs comentou:
- Algum dia ele estará tão só quanto nós.A vontade de curá-lo de suas peculiaridades permanecia.Após algum tempo, um dos mais velho, o grande médico entre eles, expôs sua idéia criativa:- Examinei Bogotá – era assim que o chamavam – e o caso é claro para mim – disse. –
Penso que muito provavelmente ele deverá ficar curado.- Isso é o que eu sempre desejei – disse o velho Yacobs.- Sua mente está afetada – observou o doutor cego.Os mais velhos concordaram, murmurando:- Bem, o que o afeta?- Ahm? – disse o velho Yacobs.- Isto – disse o doutor, respondendo à pergunta. – Estas coisas esquisitas chamadas olhos,
que existem para fazer uma agradável e macia depressão na face, estão doentes. Isto está afetando sua mente. Seus olhos são muito grandes e seus cílios e pálpebras movem-se. Assim, sua mente está sendo prejudicada.
- É – disse o velho Yacobs – É isso.- E eu penso que para curá-lo completamente, precisamos fazer uma operação fácil para
remover esses olhos.- E, então, ele ficará são?- Sim, ele ficará perfeitamente são e se tornará um excelente cidadão.- Graças a Deus, pela Ciência – disse o velho Yacobs, e foi contar a Nunez sua intenções.No Vale, é a fala do cego que constitui maioria; é ela que passa a ser ouvida por Nunez,
quando este descobre que a sua não leva a nada. Assim, uma outra maneira de perceber o mundo aparece e com ela conceitos, valores e crenças se impõem em nome da Ciência.
No mundo dos videntes, como não poderia deixar de ser, a fala que se impõe, é a daqueles. Seria absurdo negar este fato. Antes, ele deve ser considerado para que se possa identificar os conceitos, valores, definições do que é comum ditados pelo sentido da visão, pois este, quando utilizado como referencial na educação do Deficiente Visual, impede-o de compreender, levando-o a uma aprendizagem mecânica.
Weels apud Masini, 1990
7
ÍNDICE
Lista de Figuras ______________________________________________________ 10
Lista de Tabelas ______________________________________________________ 11
1- INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 16
1.1- Motivação do Trabalho _________________________________________ 16
2- OS CONCEITOS DE REPOUSO E MOVIMENTO PARA O SENSO
COMUM __________________________________________________________ 5
2.1- Concepções Alternativas ________________________________________ 5
2.2- A Física do Senso Comum e a Velha Física _________________________ 7
2.3- Principais Relações entre Conceitos do Senso Comum e Conceitos
da Velha Física ________________________________________________ 12
3- A VELHA FÍSICA ___________________________________________________ 15
3.1- A Física Aristotélica ___________________________________________ 15
3.2- Os Problemas de uma Terra em Movimento_________________________ 21
3.3- Física do Impetus ______________________________________________ 24
4- TENTATIVA DE ESTABELECER UMA RELAÇÃO ENTRE O
DESENVOLVIMENTO E A QUESTÃO DA EXCEPCIONALIDADE _________ 27
4.1- Deficiência: Um Fenômeno Social ________________________________ 27
4.2- Visão Psico-social da Deficiência Visual ___________________________ 29
4.3- Cegos não Sentem sua Cegueira __________________________________ 34
5- METODOLOGIA ___________________________________________________ 35
5.1- Sujeitos Experimentais _________________________________________ 36
5.2- Procedimento _________________________________________________ 37
6- ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS ___________________________________ 39
8
6.1- Convicções de um sujeito Amostral (S1) ____________________________ 39
6.2- Convicções de S1 ______________________________________________ 42
6.3- Análise das Convicções de S1 e suas Relações com o Modelo de
Movimento de Aristóteles e do Impetus ____________________________ 59
7- POSSÍVEIS VANTAGENS DA AUSÊNCIA DE VISÃO NA FORMAÇÃO
DE ALGUNS MODELOS CIENTÍFICOS ________________________________ 67
8- CONCLUSÕES _____________________________________________________ 69
9- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ____________________________________ 71
Apêndice I: Galileu e Aristóteles: Um diálogo através dos Tempos _______________ 76
Apêndice II: Transcrição na íntegra da entrevista concedida por S1 ______________ 83
Tabela de identificação das idéias de S1 ___________________________________ 119
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 3.1: Antipristasis ________________________________________________
Figura 3.2: “Voltará a cair?” Esta velha gravura em madeira, extraída da
correspondência de René Descartes, ilustra uma experiência proposta pelo
Padre Mersenne, contemporâneo e amigo de Galileu, para verificar o
Comportamento dos corpos que caem. “Retomberat-il?” – pergunta a legenda.
A bala de canhão voltará a cair de novo para baixo?____________________________
Figura 1A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo
reto, é encurvada.______________________________________________________
Figura 2A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um
tubo encurvado, é encurvada. ____________________________________________
Figura 3A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um
tubo encurvado, é retilínea. ______________________________________________
Figura 4A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo
reto, é retilínea. _______________________________________________________
Figura 5A: Representa a trajetória de uma esfera após abandonar o fio que a
fazia girar. ___________________________________________________________
Figura 6A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo
encurvado, é oscilatória. ________________________________________________
Figura 7A: Representa que a trajetória de uma esfera ao abandonar um tubo
reto, é oscilatória. _____________________________________________________
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 6.1: Relação do número de idéias com o número de convicções de
cada sujeito___________________________________________________________
Tabela 6.2: Relação entre sujeitos que expressaram C1 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.3: Relação entre sujeitos que expressaram C2 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.4: Relação entre sujeitos que expressaram C3 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.5: Relação entre sujeitos que expressaram C4 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.6: Relação entre sujeitos que expressaram C5 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.7: Relação entre sujeitos que expressaram C6 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.8: Relação entre sujeitos que expressaram C7 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.9: Relação entre sujeitos que expressaram C8 e as idéias que justificam
essa convicção ________________________________________________________
Tabela 6.10: Relação entre sujeitos que expressaram C9 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.11: Relação entre sujeitos que expressaram C10 e as idéias que
11
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.12: Relação entre sujeitos que expressaram C11 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.13: Relação entre sujeitos que expressaram C12 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.14: Relação entre sujeitos que expressaram C13 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.15: Relação entre sujeitos que expressaram C14 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.16: Relação entre sujeitos que expressaram C15 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.17: Relação entre sujeitos que expressaram C16 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.18: Relação entre sujeitos que expressaram C17 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.19: Relação entre sujeitos que expressaram C18 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.20: Relação entre sujeitos que expressaram C19 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.21: Relação entre sujeitos que expressaram C20 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.22: Relação entre sujeitos que expressaram C21 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.23: Relação entre sujeitos que expressaram C22 e as idéias que
12
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.24: Relação entre sujeitos que expressaram C23 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.25: Relação entre sujeitos que expressaram C24 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.26: Relação entre sujeitos que expressaram C25 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.27: Relação entre sujeitos que expressaram C26 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.28: Relação entre sujeitos que expressaram C27 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.29: Relação entre sujeitos que expressaram C28 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.30: Relação entre sujeitos que expressaram C29 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.31: Relação entre sujeitos que expressaram C30 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.32: Relação entre sujeitos que expressaram C31 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.33: Relação entre sujeitos que expressaram C32 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.34: Relação entre sujeitos que expressaram C33 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.35: Relação entre sujeitos que expressaram C34 e as idéias que
13
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.36: Relação entre sujeitos que expressaram C35 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.37: Relação entre sujeitos que expressaram C36 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.38: Relação entre sujeitos que expressaram C37 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.39: Relação entre sujeitos que expressaram C38e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.40: Relação entre sujeitos que expressaram C39 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.41: Relação entre sujeitos que expressaram C40 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.42: Relação entre sujeitos que expressaram C41 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.43: Relação entre sujeitos que expressaram C42 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.44: Relação entre sujeitos que expressaram C43 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.45: Relação entre sujeitos que expressaram C44 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.46: Relação entre sujeitos que expressaram C45 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.47: Relação entre sujeitos que expressaram C46 e as idéias que
14
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.48: Relação entre sujeitos que expressaram C47 e as idéias que
justificam essa convicção _______________________________________________
Tabela 6.49: Relação da convicções com o grupo de sujeitos que a expressaram____
Tabela 6.50:Relação das convicções com as teorias aristotélicas e do impetus _____
Tabela 6.51: Relação entre grupos de sujeitos e características das convicções _____
Tabela 6.52: Relação entre cada sujeito e seu respectivo grupo de convicções ______
Tabela 6.53: Relação entre cada sujeito e as características de suas convicções _____
Tabela 6.54: Relação entre as convicções e o paradigma aristotélico de
movimento___________________________________________________________
Tabela 1B: Identificação das idéias de S1 através da enumeração das linhas do
texto transcrito ________________________________________________________
15
1INTRODUÇÃO
1.1- Motivação do Trabalho
Neste trabalho, os objetivos são o estudo das concepções alternativas de
pessoas cegas sobre os conceitos físicos de repouso e movimento, e a comparação entre tais
concepções e modelos científicos desenvolvidos historicamente. Para isso, foram
selecionados, quatro sujeitos cegos de nascença e dois que perderam a visão logo na infância,
até os cinco anos, visto que estes indivíduos passaram a maior parte de suas vidas, sem
enxergar e por outro lado, nos pareceu de fundamental importância, uma análise comparativa
entre as concepções desses sujeitos.
Como aponta Masini (1990), ao se excluir a observação visual de um
indivíduo, uma outra maneira de perceber o mundo aparece e com ela, conceitos, valores e
crenças se impõem em nome da ciência. No mundo dos videntes, como não poderia deixar de
ser, a fala que se impõe é a daqueles. Seria absurdo negar esse fato. Antes, ele deve ser
considerado para que se possa identificar os conceitos , valores, definições do senso comum
16
ditados pelo sentido da visão, pois este, quando utilizado como referencial na educação do
deficiente visual, impede-o de compreender, levando-o a uma aprendizagem mecânica.
Merleau-Ponty, (1971) afirma que cada um sabe do mundo a partir de sua visão
pessoal ou de sua experiência, sem a qual os símbolos da ciência nada significariam. Desta
forma, analisando o exemplo da queda de um corpo, o estímulo visual forneceria dados
capazes de contribuir para a formação de um modelo explicativo do fenômeno, divergente do
científico, ou seja, há influência da massa no tempo de queda, pois é isto que videntes
observam quando uma pedra e uma folha de papel aberta são abandonadas da mesma altura
simultaneamente. No caso de uma bola chutada horizontalmente por um jogador em uma
superfície áspera, o princípio da inércia poderia ser mal interpretado por pessoas não peritas
em Física, graças à não trivialidade observacional da força de atrito, já que a bola pára após
percorrer alguns metros. Tais exemplos reforçam as relações entre algumas concepções
alternativas e modelos científicos desenvolvidos historicamente como os do impetus e o
aristotélico. Portanto se evidencia aqui a importância das observações visuais nas relações
explicativas de fenômenos físicos, principalmente sobre as concepções de repouso e
movimento que estão sendo estudadas nas últimas décadas, e isto é fator fundamental na
dúvida de que a ausência de observação visual poderia ou não representar semelhanças ou
diferenças em tais concepções de pessoas não portadoras do já citado estímulo.
Portanto, conhecer quais são as concepções alternativas que uma pessoa cega
possui de um determinado fenômeno, é pré-requisito básico para se ensinar conceitos deste
fenômeno a ela e uma das formas para se obter o conhecimento de tais concepções é, de
acordo com Masini op. cit., observar as descrições destes fenômenos feitas com palavras do
cotidiano, por essas pessoas. Desta forma, essas descrições, que revelam uma “consciência
ingênua”, são condições para se chegar ao fenômeno (aquilo que se mostra), pois é uma
consciência anterior a qualquer classificação ou explicação
17
Meu interesse pelo tema surgiu enquanto ainda era aluno de graduação em
Licenciatura em Física. Sempre acreditei na importância do ensino para o desenvolvimento
total de qualquer indivíduo, e na transformação no sentido de perspectivas futuras, que a
educação escolar é capaz de proporcionar a todos aqueles que a ela têm acesso. Pelo fato de
ser portador de deficiência visual parcial e professor de Física, me preocupei inicialmente em
desenvolver algum tipo de estudo que enfocasse metodologias de ensino à pessoas cegas.
Quando ingressei no curso de Mestrado em Educação para Ciência da Universidade Estadual
Paulista – Câmpus de Bauru, comecei entrar em contato com alguns trabalhos que se
preocupavam em analisar concepções alternativas de senso comum de assuntos variados
dentro da Ciência, especialmente na Física. Ficava surpreso com estes estudos, pelo fato de
que eles procuravam diagnosticar concepções e relacioná-las com modelos históricos, e
faziam-me refletir sobre minhas convicções. A impressão que me dava é que havia em minha
cabeça dois tipos de Física, sendo que uma delas era invocada por mim para que eu pudesse
exercer a minha profissão, e que se contradizia com a outra muito mais espontânea que me
pegava de surpresa em meus pensamentos livres. Conclui que havia limitações em meu
aprendizado acerca do movimento e sua natureza, e que a superação de tais limitações jamais
se daria sem uma análise das próprias convicções particulares, e da trajetória evolutiva
histórica que estes assuntos percorreram.
Decidi que seria de fundamental importância traçar os seguintes objetivos para
minha pesquisa:
1) Estudar as concepções espontâneas de deficientes visuais sobre repouso e
movimento,
2) Estabelecer uma relação entre tais concepções com modelos historicamente
desenvolvidos,
18
3) Procurar compreender de que maneira a ausência de visão influencia na
formação de modelos científicos,
4) Verificar a contribuição que pessoas cegas podem dar para o ensino de
Física devido à formação de seus modelos fenomenológicos ,
5) Fornecer subsídios especialmente à professores de Física que lecionam para
deficientes visuais.
Um grande número de estudos sobre o desenvolvimento cognitivo sugere que a
capacidade das pessoas deficientes visuais para ouvir e se comunicar oralmente tem permitido
que desenvolvam as suas capacidades intelectuais o suficiente para terem um desempenho
dentro das normas nos testes padronizados, e apesar da ausência de visão provocar
significativas mudanças nas relações dos indivíduos com os meios social e físico, a presente
dificuldade em questão, não pode ser encarada como fator incapacitador e/ou excludente, pelo
contrário, deve ser explorada e considerada como um diferenciador capaz de fornecer
informações sobre a realidade física.
19
2
OS CONCEITOS DE REPOUSO E MOVIMENTO PARA O SENSO COMUM
2.1- Concepções Alternativas
Nos últimos 25 anos tem-se dado um enfoque significativo a um estudo sobre
concepções alternativas de estudantes a respeito de conceitos físicos (Eckstein, Shemesh,
1993). Esses trabalhos têm demonstrado o quanto as noções dos estudantes se diferem do
pensamento científico atual e o quanto a instrução formal tem se mostrado ineficaz na
mudança de tais noções (Twigger et. al., 1994).
Sob a óptica construtivista o referido problema pode ser compreendido através
da análise de alguns aspectos. A existência destas concepções é explicada através do
argumento de que elas são construídas pelos estudantes muito antes deles receberem qualquer
tipo de instrução formal, com a finalidade de se compreender o mundo ao seu redor
(Lochhead e Dufresne, 1989). Segundo tal perspectiva, há a necessidade, por parte dos
estudantes, de uma análise dos seus próprios conceitos, a fim de que possam ser questionados
20
e substituídos por novos mediante sua ineficácia, isto é, o aprendizado de um determinado
conceito físico só se concretizará após uma mudança conceitual por parte do aprendiz.
De acordo com Robin e Ohlsson, (1989), as mudanças conceituais em
mecânica, não podem ser compreendidas sem o conhecimento dos conteúdos e das estruturas
das convicções de senso comum iniciais.
Posner (et. al., 1982) afirma que a filosofia da ciência contemporânea, indica a
maior fonte de hipóteses relativas a esta questão, já que um de seus problemas centrais, é
compreender como as concepções mudam sob o impacto das novas idéias ou novas
informações, isto é, a aprendizagem está fundamentalmente voltada para a compreensão e
aceitação de idéias que pareçam ser inteligíveis e racionais... a preocupação da aprendizagem
está relacionada com idéias, sua estrutura e evidências. Não é simples a aquisição de um
grupo de respostas corretas, um repertório verbal ou um grupo de comportamentos. Por estes
aspectos acredita-se que a aprendizagem, assim como a pesquisa, pode ser melhor examinada
como um processo de mudança conceitual.
Segundo as abordagens atuais da filosofia da ciência, existem duas etapas
diferentes na mudança conceitual em ciência. A primeira se relaciona à execução do trabalho
científico que é realizado junto às estruturas da concepção central que organiza a pesquisa.
Kuhn (1970) chama tais concepções de “paradigma” e a pesquisa em um paradigma
dominante de “ciência normal”.
Quando as concepções centrais requerem modificações, ocorre a segunda
etapa da mudança conceitual. Durante esta etapa, o cientista se defronta com um desafio à
suas suposições básicas. Na hipótese da pesquisa ter continuidade, ele deve adquirir novas
concepções e consequentemente uma nova forma de ver o mundo. Kuhn (1970) denomina
este tipo de mudança conceitual de “revolução científica”.
21
De acordo com Posner (1982), existem exemplos análogos de mudança
conceitual na aprendizagem, pois algumas vezes os estudantes usam conceitos correntes para
tratar um novo fenômeno. Esta variação da primeira etapa é chamada de assimilação.
Freqüentemente, entretanto, as concepções dos estudantes são inadequadas para permitir a
compreensão de um novo fenômeno de maneira satisfatória, então os estudantes precisam
substituir ou reorganizar seus conceitos centrais. Esta forma de mudança conceitual, é
denominada de acomodação.
Portanto, mostra-se indispensável o estudo bem como o conhecimento das
concepções espontâneas de um indivíduo para o desempenho de uma boa aprendizagem, pois
a confiança de um estudante em suas concepções ao se defrontar com um novo fenômeno, é
pré-requisito básico para que ele organize sua investigação, já que sem esses conceitos, torna-
se impossível o levantamento de questões e a distinção das características relevantes do
fenômeno.
22
2.2- A Física de Senso Comum e a Física Aristotélica
Um outro enfoque dado pelo estudo das concepções alternativas é a relação entre tais concepções e modelos científicos desenvolvidos historicamente. (Stinner, 1994). Nota-se que algumas concepções Aristotélicas estão bem vivas nas mentes das pessoas ainda hoje. Algumas pesquisas realizadas sobre este tema, revelaram semelhanças entre conceitos espontâneos e modelos históricos, indicando a ineficácia do ensino de física na sua quase totalidade no que se refere a uma mudança conceitual, ou seja, a presença de concepções espontâneas tem se evidenciado em sujeitos que já passaram pelo ensino médio, portanto, que mantiveram contato com a física, e em sujeitos que cursaram física na universidade. Em um estudo realizado com estudantes de onze a dezoito anos, de uma escola secundária, Watts (1983) notou uma convicção comum à Aristotélica, ou seja, há a necessidade de uma força para causar e manter o movimento. Exemplo: se um corpo se move, age sobre ele uma força na direção e no sentido do movimento. (Gardner, 1986).
Clement (1979) notou concepções em estudantes envolvendo impetus ao
resolverem problemas relacionados ao movimento, e foram encontradas evidências de
convicções que se assemelham à teoria do impetus em uma grande variedade de situações
simples (um objeto que cai de um precipício, uma bola que rola em uma superfície plana).
Isso parece demonstrar que a convicção de que força mantém um movimento pode colorir a
compreensão de movimento em pessoas não peritas em física (McCloskey et. al., 1980). A
gravidade foi invocada por quase todos os estudantes ... Mas além da pressão do ar
responsável pela confusão acerca da gravidade, surgiu um outro entendimento dos estudantes
sobre esse conceito, a compreensão da gravidade como propriedade particular do objeto ...
esta concepção é pelo menos tão velha quanto a de Aristóteles, cujas explicações envolvidas
eram que há uma tendência de objetos sólidos (mesmo material da Terra) caírem para seu
lugar natural de descanso, a superfície da Terra (Minstrell, 1982).
23
É notável a observação das relações entre o pensamento de pessoas não peritas
em Física e o velho paradigma acerca do movimento estabelecido principalmente por
Aristóteles. No entanto, no que se refere ao movimento de projéteis, a convicção mais
expressa pelo senso comum parece convergir ao conceito medieval de impetus. Segundo tal
conceito, o movimento de um projetil é explicado devido à ação de uma força impressa ao
objeto, mesmo após este não manter mais contato com o agente da força. A antiperistasis
aristotélica é rejeitada pelo aluno. Neste conceito aristotélico, o movimento de um projetil se
dá não pela ação de uma força impressa, mas sim, pela ação de uma força exercida pelo ar
que desloca o objeto para a frente após ter servido de resistência para o mesmo. Portanto, as
experiências causais dos estudantes para o movimento de projéteis, na verdade, detêm
analogias com o conceito ou idéia de força impressa de Hiparco/Filoponos e com a teoria do
impetus de Buridan e seus seguidores. (Peduzzi, 1996).
Robin, e Ohlsson, (1989), estudaram as relações entre conceitos espontâneos
de algumas questões ligadas ao movimento e a teoria medieval de impetus e obtiveram
resultados que reforçam a citação anterior. No referido estudo, foram diagnosticadas para um
sujeito – o estudo completo foi realizado com seis sujeitos, estudantes de Psicologia da
Universidade de Pittsburgh - 92 convicções, sendo que, 43% estão de acordo com as
declarações de Buridan, 29% discordam de suas explicações de movimento e 27 % não
apresentaram conexão com as idéias do já citado filósofo do século XIV.
Relacionemos agora, dez convicções expressas pelo sujeito, das quais sete (1,
2, 3, 4, 5, 8 e 9) são concordantes com Buridan, duas ( 6 e 7) são discordantes e uma (10) é
sem conexão:
1) Para um objeto se mover em qualquer outra direção diferente da vertical,
deve ser propulsado por uma força maior que a gravidade.
24
2) Um objeto que está se movendo horizontalmente, devido à gravidade,
acumula momento/força/energia.
3) Momento/força/energia mantém o objeto em movimento depois da fonte
momento/força/energia deixar de agir no objeto.
4) Um agente dá momento/força/energia para o objeto em que age.
5) Momento/força/energia mais forte, permite um objeto viajar uma distância
mais longa.
6) Se não há gravidade os objetos flutuam
7) A energia/força em um objeto em movimento, se dissipa a menos que seja
mantido em contato com o movedor.
8) A gravidade atrai coisas para baixo.
9) A força gravitacional em um objeto é diretamente proporcional ao seu peso.
10) O caminho descendente de um projétil necessariamente não é igual ao
caminho ascendente.
Além de notável relação, classificada pela visão tradicional de ensino
pejorativamente como ignorância, faz-se necessário despertar a consciência por parte do
aprendiz, da semelhança de seu pensamento espontâneo com os já referidos modelos
históricos, objetivando através disso, a valorização de sua auto-estima, a superação das
noções de que a Ciência é imutável e dona da verdade absoluta e, de que o professor é o
detentor e transmissor de todo o conhecimento, “que por sua vez se encontra muito bem
armazenado nos livros didáticos”.
No entanto, é necessário não reduzir a criteriosa Física aristotélica, à visão de
senso comum, muito menos elaborada devido ao seu não interesse investigativo, pois ainda
que não o seja matematicamente, a física aristotélica é uma teoria altamente elaborada, que
transcende os fatos do senso comum que servem de base à sua elaboração (Peduzzi, 1996).
25
Não é nem um prolongamento grosseiro e verbal do senso comum nem uma fantasia infantil
mas sim uma teoria, isto é, uma doutrina que, partido, bem entendido, dos dados do senso
comum, os submete a uma elaboração sistemática extremamente coerente e severa (Koyré,
1986).
Aristóteles foi o primeiro a desenvolver sistematicamente formulações
explicitas para convicções de senso comum sobre fenômenos físicos e organizá-los em um
sistema conceitual coerente. Ele, deste modo, preparou um caminho para uma crítica de
convicções de senso comum que contribuíram para o desenvolvimento da Física enquanto
Ciência. (Halloun e Hestenes, 1985).
Portanto, as convicções de senso comum, que são incompatíveis com as teorias
científicas vigentes, etiquetadas como concepções erradas, não são enganos arbitrários ou
triviais, pois surgem de experiências pessoais. Estas concepções, comuns entre os estudantes,
foram intensamente defendidas pelos principais intelectuais da fase pré-newtoniana. Se a
superação das visões de mundo, desde Aristóteles até Galileu representou significativo
obstáculo na história da Ciência, nós não deveríamos nos surpreender em reconhecer que tal
superação representa grande barreira para os estudantes ainda hoje (Lemeignan e Weil-
Barrais, 1994), consequentemente, as convicções de senso comum deveriam receber um
tratamento de maior importância por parte dos professores. Elas deveriam ser consideradas
como hipóteses alternativas sérias a fim de serem avaliadas por processos científicos.
Especificamente em nosso trabalho, procuramos enfatizar quais são as
principais implicações causadas pela cegueira nas concepções espontâneas de indivíduos
cegos, bem como as relações entre tais concepções e modelos científicos desenvolvidos
historicamente.
Poderiam, portadores de deficiência visual, construir modelos científicos
diferentes dos de pessoas não portadoras da referida deficiência? Que respostas forneceriam
26
pessoas cegas à questões já submetidas à indivíduos não cegos, como por exemplo, por que
um objeto cai? O que é o para cima e o para baixo, para tais indivíduos? Quais são seus
sistemas de referência? Que explicações forneceriam deficientes visuais para o repouso de
um livro sobre a mesa? O que é força? O que é gravidade? Entre outras.
2.3- Principais Relações entre Conceitos de Senso Comum e Conceitos da Física
Aristotélica
Como já foi visto, existe uma forte tendência de ocorrer relações entre
conceitos daquilo que podemos chamar de velha física, isto é, da física desenvolvida
principalmente por cientistas pré-newtonianos e concepções de pessoas não peritas em Física
acerca de questões relacionadas ao mundo físico, principalmente no que se refere ao mundo
macroscópico, observável, perceptível. Apresentaremos aqui uma síntese do pensamento pré-
newtoniano estabelecida por Halloun, e Hestenes, (1985), que procuraram descrever e
generalizar algumas convicções.
1) O movimento é causado pela ação de uma força aplicada ao objeto por um
agente externo ou pela ação da “gravidade”, que pode ser compreendida como uma
propensão intrínseca ao objeto de cair.
2) O movimento é mantido por uma ação contínua de uma força ou
“gravidade”, ou por uma força interna ao objeto (impetus).
3) Os fatores que se opõem ao movimento podem ser descritos como sendo
resistência intrínseca (peso ou massa) do objeto, resistência do meio que envolve o objeto,
27
bem como obstáculos em geral. Cabe lembrar que não há distinção por parte do senso comum
entre peso e massa.
4) A terceira lei de Newton se mostra incompatível com as intuições do senso
comum. Quando dois objetos de massas consideravelmente diferentes colidem entre si, o de
maior massa exerce uma maior força no de menor massa.
5) Existem duas analogias para o princípio de soma vetorial. A primeira refere-
se à determinação do sentido do movimento de um objeto que sofre ação de forças paralelas,
ou seja, o sentido do movimento é determinado pelo sentido da maior força que age no
objeto, isto, considerando é claro, que o objeto sofre ação de forças de mesma direção e
sentidos opostos. A segunda analogia refere-se à determinação da direção e sentido do
movimento de um objeto que sofre a ação de forças não paralelas. Neste caso, a direção e o
sentido do movimento do objeto, são determinados por uma espécie de “meio termo” das
forças aplicadas nele.
6) Uma força aplicada é sinônimo de empurrar ou puxar. Para alguns, apenas
seres vivos são reconhecidos como “agentes de força”.
7) O efeito de uma força aplicada está comumente caracterizado pelos
princípios causais seguintes:
Uma força não pode mover um objeto a menos que seja maior que o
peso do objeto (peso não é distinto de massa)
Uma força constante produz uma velocidade constante
Aceleração se deve à ação de uma força crescente
O efeito de uma força constante, é limitado e depende de sua
magnitude. Tal limitação pode ser descrita de dois modos:
i) a força se extingue devido ao seu consumo pelo movimento ou sua
dissipação por agentes resistivos.
28
ii) Uma força F, acelera um objeto até que ele atinja uma certa velocidade
crítica proporcional a F que o objeto mantém independente da força estar sendo ou não
aplicada.
Uma força de longo alcance deve ser transmitida por uma corda que
conecta o objeto ao agente. Forças de longo alcance não podem agir em objetos que estejam
localizados no vácuo.
8) Uma força interna ou impetus, mantém o movimento de objetos
independentemente de agentes externos.
Segundo as observações de Clement (1982), existe um princípio entre os
estudantes de que há uma força na mesma direção do movimento de um objeto. Nos itens 9,
10 e 11, tal princípio é relacionado.
9) Um impetus pode ser fornecido ao objeto, pela ação de uma força externa,
além de poder ser transmitido de um objeto para outro.
10) O impetus de um objeto é proporcional à sua massa e velocidade como
expresso na equação F = mv.
11) O conceito de impetus pode ser semelhante ao conceito de uma força
externa aplicada
12) A resistência se opõe a uma força aplicada ou consome o impetus de um
objeto em movimento. Os tipos seguintes de resistência, não são geralmente distintos.
a) Inércia (peso ou massa) é uma resistência intrínseca do objeto ao
movimento
b) Fricção devido ao contato entre o objeto e uma superfície sólida
c) A resistência em um fluido, depende da densidade desse fluido como
também do tamanho, forma e peso do objeto.
29
13) Obstáculos podem redirecionar ou interromper um movimento, mas não
podem ser agentes de uma força aplicada
14) A gravidade é encarada como uma propensão que os objetos têm para cair,
de acordo com esta concepção, a gravidade não é necessariamente entendida como uma
força, no entanto, os princípios causais para forças aplicadas relacionados acima, podem
também serem atribuídos à gravidade.
15) Quanto maior o peso (massa) de um objeto, maior será sua velocidade de
queda.
3A FÍSICA PRÉ-NEWTONIANA
3.1- Física Aristotélica
Aristóteles (384 – 322 a. C.), de Estagira, atraído pela intensa vida cultural de
Atenas, que lhe acenava com oportunidades para prosseguir seus estudos, ingressou com
cerca de dezoito anos ao centro intelectual e artístico da Grécia. Vindo da Macedônia, é
apontado por historiadores da Ciência como uma das mentes mais brilhantes de todos os
tempos. Trouxe importantes contribuições em muitas áreas do conhecimento, como nas de
Biologia, Astronomia, Física, Filosofia, Teologia, Política entre outras. Foi o único filósofo
grego cuja obra completa foi traduzida primeiramente para o árabe e posteriormente para o
latim. De acordo com as observações de Koyré, (1991), Aristóteles, o príncipe di color che
sanno, como diria Dante, tornaria-se durante a segunda Idade Média, o representante
exclusivo da verdade, a culminância e a perfeição da natureza humana, o príncipe dos que
sabem e dos que ensinam e por circunstância de sua introdução nas reflexões escolares,
30
solidificou-se intensamente, tanto que nenhuma força humana tenha podido afastá-lo (Drake,
1981).
Atento observador, suas constatações sobre o que via ocorrer na Terra e no
firmamento, levaram-no a fazer afirmações sobre a natureza das coisas e a formular um
modelo do universo. Propôs que tal universo deveria ser finito e centralizado na Terra. Além
disso, a partir de suas análises observacionais chegou a conclusão que não existia qualquer
semelhança do ponto de vista Físico entre o mundo celeste e o mundo terrestre. A Terra,
estática, em suas considerações, destacava-se no contexto celeste, já que aparentemente, todos
os corpos celestes giravam ao seu redor. A imobilidade terrestre era observada facilmente
através da realização de um simples experimento: o lançamento vertical de um objeto. Se ela
estivesse se movendo, o objeto deveria cair afastado de onde fora lançado, no entanto, sabe-se
que ele retorna ao mesmo ponto (Cohen, 1967).
As mudanças verificadas por Aristóteles na Terra, como alterações no clima; o
progresso e a decadência na vida dos povos; nascimento, desenvolvimento e posterior morte
dos seres humanos, dos vegetais e dos animais; fizeram com que ele associasse nosso planeta
a um mundo imperfeito, corruptível, sujeito a contínuas e profundas modificações. Há uma
natureza intrínseca de mudança, para as coisas se comportarem da maneira como se
comportam, ou seja, um menino cresce e transforma-se num homem e uma semente
transforma-se numa árvore, porque assim é de sua natureza e da mesma forma, uma pedra cai
porque há nela um propósito intrínseco em dirigir-se para o centro do universo que é seu lugar
natural. Aristóteles atribuía um “amplo leque” de significados para o termo mudança, que ia
desde mudança por crescimento, mudança por locomoção até alterações gerais verificadas na
natureza (Peduzzi, 1996).
Em contraste com o mundo terrestre, ao observar os céus, Aristóteles via a
perfeição. Nada se movia com exceção dos astros, a harmonia e os ciclos repetitivos, eram
31
características eternas. A Lua, o Sol, as estrelas e os planetas eram os mesmos, com os
mesmos movimentos, repetitivos, cíclicos, ontem, hoje e para sempre. Tais diferenças entre os
mundos celeste e terrestre implicavam, para Aristóteles, constituições físicas diferentes entre a
matéria terrestre e celeste, e portanto, uma Física diferente (Cohen, 1967).
Fatos como estes descritos, levaram Aristóteles a organização de seu mundo
físico do seguinte modo: separou a Física em terrestre e celeste, sendo que a formação do
mundo material terrestre era constituída pela mistura de quatro elementos corruptíveis
básicos, o elemento terra, o elemento água, o elemento ar e o elemento fogo. Já os corpos
celestes, seriam constituídos por uma quinta substância incorruptível, o éter, um elemento
puro, eterno, inalterável, transparente, e sem peso, não sujeito a mudança, e portanto,
contrastante com os elementos terrestres (Peduzzi, 1996)
Seu modelo físico distinguia o movimento como natural (por exemplo o
movimento de corpos celestiais, ou objetos cadentes) e forçado (por exemplo um cavalo que
puxa uma carroça, ou o lançamento de uma pedra). Todos os objetos, de acordo com
Aristóteles, possuem um lugar natural no universo, e movimento natural é a propensão de
objetos para se moverem ao seu lugar natural. As pedras caem para seu lugar natural no centro
do universo; as chamas sobem para o seu lugar natural que é na esfera lunar (Koyré, 1986).
No entanto, para que ocorra um movimento forçado, deve haver um movedor
que faz com que o objeto se movimente. A Física Aristotélica não contém nenhum conceito
de ação a distância, a noção de gravidade é literalmente inexistente no sistema Aristotélico, o
movimento de uma pedra lançada de um precipício seria explicado, em condições
aristotélicas, como devido inicialmente a ação de um movedor (a força aplicada na pedra),
uma força contínua de movimento e o movimento natural descendente da pedra (Gardner,
1986). O mecanismo da força responsável pela manutenção do movimento é bastante
complexo: o objeto que está em movimento perturba o meio, que então continua a dar força
32
ao objeto provocando com isso a continuidade do movimento até que a foça cesse, tal
processo é denominado antiperistasis (Franklin, 1978). Quando se movimenta, o projétil
passa a ocupar o lugar que antes era preenchido pelo ar que havia a sua frente. Este mesmo ar,
por sua vez, flui em torno da pedra para ocupar o espaço vazio deixado pela mesma. Com este
movimento o ar impele o objeto para a frente... tal processo é imperfeito e a força sobre o
projétil gradualmente se extingue e ele pára. (Peduzzi, 1996).
Figura 3.1: Antiperistasis
De acordo com o que já foi analisado, Aristóteles separou a cosmologia do
resto da Física, que permaneceram separadas até a síntese newtoniana (Halloun e Hestenes,
1985). Ele definiu o movimento como mudança de posição e reconheceu a necessidade de um
sistema de referência.
Aristóteles considerou o movimento no vazio como uma abstração não
realística. Sustentou esta opinião com vários argumentos diferentes, sendo que o mais
relevante se estabelece pela necessidade da hipótese de um universo finito centralizado na
Terra, e pela importância do meio para o movimento, já que na ausência do mesmo, a
velocidade de um objeto tenderia ao infinito – analisar equação 3.3 – o que para Aristóteles
era totalmente inviável (Koyré, 1986).
33
Na visão do filósofo, o repouso é o estado natural para todos os objetos e todo
movimento tem uma causa que foi brevemente discutida anteriormente, isto é, o movimento
natural e o movimento forçado.
Uma das convicções Aristotélicas mais significantes é de que a velocidade de
um corpo cadente é proporcional a seu peso (P) e inversamente proporcional à resistência do
meio (R). Para ele, a única medida do movimento é a velocidade média, que pode ser obtida
pela razão entre a distância (D) percorrida e o tempo (T) gasto para percorrer tal distância.
Além das variáveis peso e resistência do meio, Aristóteles concluiu que a
velocidade depende do tamanho e da forma do corpo, como também da densidade do meio.
Deste modo, pode-se deduzir uma lei aristotélica do movimento que pode ser representada
matematicamente pela expressão (Peduzzi, 1986):
(equação 3.1)
Consequentemente, a relação de velocidades para dois corpos de mesmo
tamanho e forma, lançados simultaneamente é dada por (Halloun e Hestenes, 1985):
(equação 3.2)
Em outras palavras, o corpo mais pesado cai mais rápido em proporção ao seu peso. Evidentemente, essa idéia está incorreta e em oposição à idéia de Galileu para queda de corpos em meios materiais ( Halloun, e Hestenes, 1985). Vale a pena ressaltar que a Física de Aristóteles era qualitativa e não quantitativa e que a equação 3.1 é uma formulação algébrica direta de suas afirmações qualitativas e as relações expressas pela equação 3.2, eram deduzidas e discutidas por seus seguidores na Idade Média.
Um outro tipo de força apresentada pela teoria de Aristóteles, é a força externa
responsável pelos movimentos forçados. Tal força somente pode ser aplicada a um objeto por
um agente vivo em contato direto com ele ou indiretamente através de alguma conexão, como
por exemplo uma corda. Objetos sem vida, como mesa, parede, cadeira, etc, são apenas
obstáculos que se opõem ao movimento, mas de maneira alguma exercem forças. Uma força
não move um objeto a menos que seja superior à sua inércia, uma resistência intrínseca do
corpo (massa) que não é distinta de seu peso.
34
Uma força constante (F), fornece ao corpo uma velocidade constante (V), que é
inversamente proporcional à resistência (R) que depende do meio além da inércia do objeto
(Peduzzi, 1986)
(equação 3.3)
De acordo com esta lei, seguidores de Aristóteles, concluíram que um aumento
de velocidade (aceleração) pode ser obtido por um aumento de força, ou, no caso do
movimento natural (queda-livre), através de um aumento de peso, pois desta forma, o objeto
fica mais íntimo do seu lugar natural. (Halloun e Hestenes, 1985).
Contudo, Aristóteles supôs que na ausência de qualquer força, um objeto
entraria imediatamente em repouso (Lochhead e Dufresne, 1989). O movimento de projeteis
ou de uma flecha era explicado pela antiperistasis. A crítica a esse argumento impulsiona uma
revisão da teoria aristotélica na Idade Média, o que provocou o surgimento do conceito de
força impressa (Robin e Olhsson, 1989), como veremos posteriormente.
Em resumo podemos concluir da equação 3.3 que:
a) Sendo a resistência constante, sob a influência de uma força constante um
objeto se movimenta com velocidade constante;
b) A magnitude da velocidade é proporcional à intensidade da força aplicada;
c) Para uma resistência constante, um objeto apresenta variação de velocidade
quando sobre ele age uma força variável;
d) Uma força aplicada a um objeto produz movimento;
e) É necessária a presença de um meio para que haja movimento. Não existe o
vácuo. (Peduzzi, 1996).
A afirmação d é válida apenas para F maior que R.
35
Portanto, de acordo com o que descrevemos, a Física Aristotélica, tem como
base de sua formulação, observações de fenômenos cotidianos que de uma certa forma
satisfazem as expectativas de senso comum, mas não pode e nem deve ser reduzida a tal nível.
Ela não se limita, em sua linguagem, a exprimir noções de senso comum, mas transpõe-no,
pois a distinção dos movimentos em naturais e violentos enquadra-se numa concepção geral
da realidade Física e como aponta Koyré (1996), tais concepções têm como peças mestras a
crença na existência de naturezas bem determinadas e a crença na existência de um cosmos. O
repouso dos objetos não tem porque ser explicado, é a sua própria natureza que o explica, o
movimento por sua vez, é um estado passageiro; no caso do natural, a extinção se dá quando
seu fim é atingido; e no caso do movimento forçado, não havia razões para Aristóteles
acreditar que tal estado pudesse prolongar-se indefinidamente, pois a crença em tal hipótese,
levaria-o a contradizer-se junto à suas próprias concepções ou especificamente à sua idéia de
cosmos.
36
3.2- Os Problemas de uma Terra em Movimento
Conforme já foi discutido, é surpreendente notarmos, que um modelo Físico
proposto há mais de 2000 anos esteja intimamente relacionado com as noções apresentadas
pela maioria das pessoas sobre movimento. É fato que mesmo hoje, homens e mulheres,
presumivelmente bem educados tendem a pensar a respeito do mundo físico como se a Terra
estivesse em repouso, ao invés de estar em movimento. Com isso não quero afirmar que tais
pessoas acreditem realmente que a Terra esteja em repouso; se perguntadas, responderão que
naturalmente sabem que a Terra dá uma volta por dia em torno do seu eixo, e ao mesmo
tempo se move numa grande órbita anual ao redor do Sol. Todavia, quando se trata de
explicar certos acontecimentos físicos comuns, tais pessoas são incapazes de dizer como é que
esses fenômenos cotidianos podem se dar, como vemos que eles se dão, numa Terra em
movimento (Cohen, 1967).
A questão se dá em analisarmos sob que ponto de vista o problema é encarado.
Parece-nos claro que existem duas idéias contraditórias “povoando” a mente das pessoas. Por
um lado, todos são capazes de afirmar que o formato da Terra é esférico e que essa Terra
possui dois movimentos fundamentais, o de rotação (movimento no qual a Terra realiza
dando voltas sobre seu eixo) e o de translação (movimento que a Terra realiza dando voltas
37
em torno do Sol). No entanto, não é isto que é observado pelos sentidos humanos, ou seja, o
que vemos é o Sol dar voltas em torno da Terra e ao que se refere ao movimento de rotação,
somos incapazes de percebe-lo.
A questão da queda de um objeto pode exemplificar este fato. Imagine que
você atire uma pedra verticalmente para cima. Onde cairá a pedra?
Naturalmente afirmaria qualquer pessoa com instrução em Física ou não, que
tal pedra subiria e depois desceria caindo no mesmo ponto de onde foi lançada. Se a Terra
estivesse em repouso, não haveria dúvida de que a pedra lançada verticalmente para cima, no
ar, voltaria diretamente para o mesmo lugar, no entanto, como isto seria possível no caso de
uma Terra em movimento? Se a Terra se move, não seria razoável supor que o objeto devesse
cair alguns metros a oeste de onde foi lançado? A visão aristotélica usa argumentos
semelhantes ao descrito, para fortalecer o paradigma da imobilidade terrestre.
Aproveitemos um exemplo proposto por Cohen (1967), para analisarmos a
questão da imobilidade terrestre. Imagine um pássaro faminto empoleirado nos galhos de
uma árvore, visualizando um verme no chão. O pássaro então voa dos galhos da árvore e
apanha o verme sem maiores problemas. Se a Terra gira em torno do seu eixo, como tal
fenômeno poderia ser explicado? Sabe-se que a velocidade de rotação da Terra no Equador é
de aproximadamente 450m/s, portanto, ao abandonar a árvore, o pássaro por mais que se
esforçasse, não conseguiria atingir tal velocidade e deveria ficar em defasagem em relação ao
verme, no entanto, não é isso que é observado e como já foi visto no exemplo, o pássaro
captura o verme sem maiores problemas.
Como explicar tais fenômenos em uma Terra em movimento? O que supomos
é que o caráter observacional e principalmente ao que se refere ao sentido específico da visão,
desempenha importante função na formação de um modelo espontâneo de Terra em repouso,
presente indiscutivelmente nas mentes das pessoas não peritas em ciência, e sem querermos
38
cometer algum tipo de abuso, presentes nas mentes de muitos peritos que aprenderam a
conviver pacificamente com dois ou mais modelos antagônicos. De acordo com Cohen
(1967), na sua falta de habilidade ao tratar das questões do movimento em relação a uma
Terra que se move, o homem comum, ou seja, não perito em Física, está na mesma posição
de alguns dos maiores cientistas do passado, o que lhe pode ser fonte de grande conforto;
contudo, a maior diferença é que para o cientista do passado a incapacidade para resolver
estas questões era um sinal do seu tempo, ao passo que para o homem moderno tal
incapacidade é um distintivo de ignorância.
É fato que a constatação das referidas idéias antagônicas discutidas acima, se
torna clara na ineficácia apresentada pelo senso comum nas explicações imediatas de tais
questões, isto é, embora todos respondam que a Terra se movimenta, para a maioria das
pessoas isto está longe de ser óbvio.
Sob o contexto do papel da visão para a formação de concepções espontâneas,
surge a seguinte dúvida: na interação estabelecida pelo homem com o mundo físico e pela
necessidade de explicações de fenômenos relativos a esse mundo, que papel desempenha o
sentido da visão? A resposta para tal questionamento, está totalmente relacionada aos
objetivos desta dissertação e será discutida posteriormente.
39
Figura 3.2: “Voltará a cair?” Esta velha gravura em madeira, extraída da correspondência
de René Descartes, ilustra uma experiência proposta pelo Padre Mersenne, contemporâneo e amigo de Galileu,
para verificar o comportamento dos corpos que caem. “Retomberat-il?” – pergunta a legenda. A bala de
canhão voltará a cair de novo para baixo? (Cohen, I. B. 1967 pág. 79)
3.3- A Crítica à Antiperistasis Aristotélica e a Física do Impetus
Das dificuldades provenientes da compreensão principalmente do movimento
de projéteis que não mantinham mais contato com o seu movedor, Aristóteles sistematizou, a
partir das observações de Platão, o conceito de antiperistasis, acrescentando poucos detalhes
ao mesmo. Assim, Platão, para empregar os seus próprios termos, atribuía a causa daquele
movimento (dos projéteis) à antiperistasis. Mas Platão não nos explica suficientemente como
é que tal há de ser entendido, e Aristóteles não acrescenta grande coisa. E o termo é ambíguo,
visto que designa, falando com exatidão, o circuito ou a revolução dos contrários; quando um
dos contrários circunda o outro e o leva, de certa forma, para o centro. Assim, o calor no
verão supera o frio, e é daí que nascem os frutos que são frios por natureza; e, ao contrário, no
inverno o frio afasta o calor para o centro, o que faz com que no inverno os ventres estejam
40
mais quentes. Em segundo lugar, e mais vulgarmente, aquele termo (antiperistasis) aplica-se
ao movimento só, a saber, ao caso em que o ambiente produz o movimento no móvel que
impele e em que, ao mesmo tempo, tem a sua origem nele, tal como pretendia Platão. Pois
qualquer movente, enquanto move, é ao mesmo tempo, movido. E não comunica nenhuma
força ao móvel, nem transfere nenhuma para outro que não seja ele mesmo: é por isso que ele
se move pelo mesmo movimento que o próprio móvel. Assim, se o espírito fosse uma coisa
corpórea, moveria o corpo e mover-se-ia a si mesmo num só movimento (Bonamico Apud.
Koyré, 1986).
A teoria de Aristóteles, embora satisfatória sobre aspectos de senso comum,
falhava em explicar um fenômeno bastante trivial e cotidiano ou como diria Koyré, não
explicava o fenômeno da projeção. Contudo, como qualquer teórico, Aristóteles adaptou seu
modelo para explicar tal fenômeno, afirmando que a continuação do movimento de um
projétil ocorre através de um processo turbilhonante no meio envolvente do móvel, que age
sobre este último arrastando-o e impelindo-o. O truque teórico está na invenção de um meio
particularmente apto a mover-se, diríamos hoje, de um meio elástico, o ar (Koyré, op. cit.).
No entanto, a antiperistasis aristotélica, nunca foi aceita e serviu de base para críticas e
questionamentos, principalmente entre os físicos medievais dos quais destacamos o italiano
Giambattista Benedetti (Século XVI), defensor da teoria de impetus, e inegável influenciador
de Galileu. Benedetti, como aponta Koyré (1991), não ultrapassou os limites que separam a
ciência medieval – e a da Renascença – da ciência Moderna, mérito exclusivo de Galileu, mas
no esforço de matematização da ciência, foi muito mais longe que Tartaglia seu mestre e
predecessor imediato e opondo-se à física empirista e qualitativa de Aristóteles, instituiu sobre
as bases da estática de Arquimedes, uma física, ou uma “filosofia matemática” da natureza.
Entretanto, ao contrário de Galileu, que libertou-se da idéia confusa do impetus, Benedetti não
obteve êxito nas explicações do movimento, pois é justamente na idéia de impetus que ele
41
fundamenta sua dinâmica, idéia esta que explicitaremos a seguir e que representou
basicamente todo o pensamento medieval acerca do movimento.
Portanto, como discutido acima, de acordo com o princípio geral de
Aristóteles, de que todo movimento possui uma causa, surgiu o conceito de antiperistasis,
pela necessidade que havia de se explicar o movimento de objetos que não mantinham mais
contato com o seu movedor. Neste princípio o ar desempenharia duas funções junto ao
deslocamento de um projétil, a função de resistir ao seu movimento e a de empurrá-lo para a
frente. Tal idéia, acabou sendo rejeitada por Johannes Philoponus de Alexandria, um
destacado crítico medieval que viveu entre o final do século V e início do século VI. Para ele,
opondo-se ao que disse Aristóteles, a velocidade de um móvel não seria proporcional à razão
entre a força motora e a resistência do meio (equação 3.3), mas sim à diferença entre elas
(Stinner, 1994).
(equação 3.4)
Philoponus afirmou que no caso de lançamento de objetos, o movente
transmite uma certa força motora incorpórea ao projétil e o ar em torno influenciará muito
pouco neste movimento. Generalizando o seu conceito de força impressa, surge a seguinte
explicação para o fenômeno: “todo objeto lançado recebe do agente que o colocou em
movimento um poder imaterial, que sustenta o movimento do corpo, até que se dissipe
espontaneamente” (Zanetic, 1995). De acordo com este conceito de força impressa, proposto
por Philoponus, continuava existindo a necessidade de um movedor, para se explicar o
movimento de objetos, contudo, este seria imaterial e se esvaía naturalmente após um certo
tempo, sem sofrer qualquer influencia dissipativa por parte do meio. Este poder de mover o
objeto, foi chamado no século XIV por Jean Buridan (1300-1358) de impetus. Buridan
também foi o responsável pela modificação e formulação definitiva desse conceito: “um
movedor, ao colocar um corpo em movimento, deixa impresso nele um certo impetus, um
42
certo poder capaz de provocar mudanças neste corpo na direção que o movedor imprimir, ou
seja, para cima, para baixo, lateralmente, ou em circulo. Pela mesma quantia que o movedor
move o corpo, o poder do impetus é impresso nele. É por esse impetus que a pedra é movida
depois do lançador deixar de movê-la, mas, por causa da resistência do ar e da gravidade da
pedra que a inclina ao entrar numa direção oposta àquela que o impetus tende a movê-la, este
impetus se torna continuamente debilitado. Então o movimento da pedra se tornará
continuamente mais lento até que o comprimento do impetus se torne tão diminuído ou
destruído que a gravidade da pedra prevaleça sobre ele, movendo a pedra para baixo para seu
lugar natural.” (McCloskey et. al., 1980).
De acordo com Piaget e Garcia (1982), Buridan apresenta várias experiências
cotidianas para embasar sua crítica à teoria aristotélica de antiperistasis. A primeira delas
enfoca o movimento de uma roda ou de um moinho, que se move durante um certo tempo
após ter sido impulsionado. Evidentemente que argumentos envolvendo a ação do ar como
responsável pela continuidade do movimento, não podem ser utilizados neste caso, visto que,
o movimento da roda é circular e não oblíquo. Uma segunda experiência envolve a análise de
uma comparação entre o movimento de uma lança pontiaguda na parte de trás e o de uma
lança cuja traseira é arredondada. Se o princípio aristotélico de antiperistasis fosse verdadeiro,
argumenta Buridan, a lança cuja traseira foi aguçada deveria mover-se mais lentamente que a
outra, pois o ar ao empurrar sua ponta traseira, se dividiria mais facilmente que o ar ao
empurrar a traseira não aguçada da outra lança. As terceira e quarta experiências, envolvem a
análise do movimento contra correnteza, de um barco que continua a se mover por um tempo
depois que os remos deixaram de impulsioná-lo para a frente. É fato que o remador que
estivesse situado na extremidade traseira do barco, não sentiria a ação do vento, que segundo
Aristóteles seria o responsável pela continuidade do movimento do mesmo. Supondo agora
que o barco estivesse levando em sua parte dianteira, uma carga de madeira, o ar que seria
43
capaz de manter o movimento contra a correnteza do barco, também deveria ser capaz de
prensar o remador contra a carga de madeira. A quinta experiência enfoca o salto em distância
de um atleta. Neste caso, o atleta, quando se encontra no ar, não sente a ação do vento em suas
costas, contudo, sente a resistência que o ar impõe à sua frente.
Notemos que para Buridan, o impetus não era algo que se esvaía
espontaneamente com o tempo, como afirmava Philoponus, mas sim algo permanente, isto é,
que agiria até o instante em que surgissem resistências ou forças que se lhe fossem contrárias
(Zanetic, 1995). Uma outra diferença, é que para Buridan, o impetus é proporcional à
quantidade de matéria, massa do corpo e à sua velocidade; poderia ser aplicado
indistintamente para movimentos lineares e circulares, tanto que, a partir dessa sua
declaração, alguns teoristas do impetus postularam um conceito de impetus circular que era
responsável pelas explicações do movimento contínuo dos planetas e da roda do moedor.
Observemos que o conceito de impetus, é um precursor histórico dos conceitos
de inércia, impulso, quantidade de movimento e energia cinética e segundo enfatiza Clement
(1982), teve influência significativa no pensamento de Galileu. Como curiosidade e exemplo
de argumentação de Buridan, vejamos suas explicações para queda acelerada de um corpo:
“Destas razões segue que deve-se imaginar que um corpo pesado adquire movimento não
apenas devido ao seu principal movente, a gravidade, mas que ele também adquire para si
próprio um certo impetus com aquele movimento. Este impetus tem o poder de mover o corpo
pesado em conjunção com a gravidade natural permanente. E porque esse impetus é adquirido
em comum com o movimento, quanto mais rápido for o movimento, maior e mais forte será o
impetus. Assim, no início o corpo pesado é movido apenas por sua gravidade natural;
portanto, é movido vagarosamente. A seguir é movido pela gravidade e pelo impetus
adquirido ao mesmo tempo; consequentemente, move-se mais rapidamente. E como o
movimento se torna mais rápido, o impetus se torna maior e mais forte, e portanto o corpo
44
pesado move-se sob ação de sua gravidade natural e desse impetus maior, simultaneamente, e
assim de novo se moverá mais rapidamente; e assim, ele será sempre e continuamente
acelerado até o fim” (Franklin, 1976). Constatemos que tal declaração de Buridan nos deixa
margem a uma interpretação ambígua do impetus no que se refere à causa e efeito do
movimento. Se por um lado, o impetus é gerado conjuntamente com o movimento, pelo
motor, por outro lado, é o movimento que começa a gerar mais impetus, e acelerar o corpo em
sua queda (Piaget e Garcia, 1982).
Apesar da teoria de impetus ter continuado fiel ao princípio aristotélico de que
força produz velocidade e não aceleração, é fato que este princípio representou um avanço
conceitual sobre o movimento de objetos em relação às idéias propostas por Aristóteles, já
que de acordo com essa teoria, o meio passa a ter um papel apenas de resistência ao
movimento, e não é mais responsável pela continuidade do mesmo. Este conceito, apesar de
ter se desenvolvido em plena idade média, época de resistência e perseguição às idéias gregas
por parte da igreja, representou uma superação na história da Ciência, pois ela permitia pela
primeira vez a possibilidade do movimento no vazio, algo que era continuamente rejeitado
por Aristóteles, mas naturalmente aceito por Benedetti (Koyré, 1991).
45
4 -ESTABELECIMENTO DE UMA RELAÇÃO ENTRE O DESENVOLVIMENTO E
A QUESTÃO DA EXCEPCIONALIDADE
4.1- Deficiência: Um Fenômeno Social
As diferentes deficiências têm sido, em larga extensão, abordadas do ponto de vista
médico, que as considera, basicamente, como resultado da presença de algum elemento
patogênico no organismo (Omote, 1989). Nesta abordagem, a origem da deficiência está
na própria pessoa considerada deficiente, entretanto, a deficiência é um fenômeno muito
mais amplo e complexo, não se constituindo numa característica inerente ou num
atributo da pessoa conhecida como deficiente.
As condições orgânicas anormais podem ser fontes geradoras de incapacidade nos
portadores, mas o nível de desenvolvimento mental, educacional, social, ocupacional, etc,
desses indivíduos, não pode ser compreendido como decorrente exclusiva e
46
automaticamente dela. Essas condições só adquirem o sentido de desvantagem na
medida em que os atributos prejudicados sejam considerados importantes para a
adequação deles no meio social em que vivem (Omote, 1986). Desse modo, há uma outra
fonte de condições geradoras de incapacidade nos indivíduos, que é o próprio meio social
em que se situam.
Erikson (Apud. Omote, 1986) considera que a variável crítica no estudo do desvio é o
comportamento social frente à deficiência e não a pessoa reconhecida como deficiente.
Nesta perspectiva, a deficiência passa a ser uma condição socialmente criada, sobreposta
ou não, às condições médicas incapacitadoras.
Como aponta Omote (id.), em vez de circunscrever a deficiência nos limites corporais e
físicos da pessoa deficiente, necessário se faz incluir as reações que, em última instância,
definem alguém como deficiente. As reações apresentadas por pessoas comuns frente às
deficientes, ou às deficiências não são determinadas exclusivamente nem
necessariamente por características objetivamente presentes num dado quadro de
deficiência, mas dependem da interpretação, julgamento e valores, fundamentados ou
não em crenças científicas, que se fazem desse quadro.
Omote (1989) ainda, enfatiza que as pessoas deficientes, ainda que portadoras de alguma
incapacidade objetivamente definida e constatável, não constituem exceções da
normalidade mas fazem parte integrante e indissociável da sociedade, isto é, qualquer
análise acerca do desenvolvimento das mesmas não pode estar desvinculada do contexto
social que as cercam. Esta afirmação de Omote vem se coadunar com o discurso de
igualdade social entre todos os cidadãos. No entanto, tal igualdade de oportunidades,
tanto sociais como educacionais, não condiz com a nossa realidade concreta, que pelo
contrário, mostra um quadro bastante diferente. (Ragonesi, 1988). Em se considerando
o sujeito como cidadão, este deve produzir e usufruir dos bens coletivos tanto materiais
47
como simbólicos (ciência, língua, literatura, arte, condutas, etc.) e sociais da sociedade
na qual está inserido.
Sendo o papel fundamental da educação construir a inclusão social e com ela o
desenvolvimento da cidadania, faz-se necessário garantir condições para que o ensino se
efetue real e concretamente à todos os indivíduos, incluindo igualmente os portadores de
deficiências. Conforme assinala Mazzotta (1994), é preciso reduzir e se possível eliminar
o grande desequilíbrio existente entre as garantias legais e recomendações oficiais a
respeito do direito à educação e as realizações que possibilitam o exercício desse direito.
Portanto, partindo do principio de que todos são capazes e competentes para aprender
desde que sejam proporcionadas condições adequadas, considerando-se características
típicas do aprendiz e do conteúdo a ser ensinado, as limitações postas pela deficiência
aos seus portadores não se constituem em obstáculos intransponíveis para que
aprendam quaisquer conteúdos escolares, inclusive os científicos de física (Baughman e
Zollman, 1977).
48
49
4.2- Visão Psico-Social da Deficiência Visual
A questão da deficiência tem gerado uma problemática que somente pode ser
compreendida e elucidada às suas dimensões bio-fisico-sociais. Entretanto, como já foi
dito anteriormente, a ênfase dada ao fenômeno concernente a deficiência tem recaído
sobre a sua dimensão biológica ou física, desconsiderando-se, portanto, a dimensão
social que mantém estreitas relações com o problema da excepcionalidade.
Sob este contexto, o quadro do desenvolvimento mental de uma pessoa portadora de
deficiência está intimamente ligado com as relações sociais que a mesma mantém em seu
cotidiano. Segundo Leontiev (1988), durante o desenvolvimento da criança, sob a
influência das circunstâncias concretas de sua vida, o lugar que ela objetivamente ocupa
no sistema das relações humanas se altera. Evidencia-se aqui as importâncias de ouvir,
enxergar, sentir, falar, como pré-requisitos fundamentais para o desenvolvimento global
de um ser humano, já que a ausência parcial ou total de um desses quesitos, ou seja, a
presença de uma "deficiência", estabelece alterações no comportamento social desses
indivíduos.
Além disso, acerca das dependências, Leontiev (1988), aponta que uma criança
reconhece sua dependência das pessoas que a cercam diretamente. Ela tem de levar em
conta as exigências, em relação ao seu comportamento, das pessoas que a cercam,
porque isto realmente determina suas relações pessoais, íntimas, com essas pessoas. Ora,
se um indivíduo "normal", estabelece relações íntimas de dependência com aqueles que
o rodeiam, principalmente na idade pré-escolar, tais dependências tendem a ganhar um
valor contextual, se não maior ou menor, pelo menos diferente para aqueles indivíduos
que são portadores de alguma "anormalidade" física. Imaginemos aqui o quão diferente
se apresenta uma relação de dependência de uma criança cega com sua mãe comparada
50
à de uma criança que enxerga. A primeira tem dificuldade de encontrar as coisas, em se
alimentar sozinha, de participar de atividades sociais com outras crianças, como,
brincadeiras que solicitam o sentido da visão, entre outras. Segundo Leontiev (1988) a
infância pré-escolar é o período da vida em que o mundo da realidade humana que
cerca a criança, abre-se cada vez mais para ela. Poderíamos conceber neste momento, no
entanto, sem a ousadia de procurar resolver a questão, uma hipótese: a presença de
alguma "anormalidade" física, devido às suas implicações sociais pode ser um fator
importante no desenvolvimento de um ser humano.
Com o objetivo de tentar compreender a importância da deficiência visual no quadro
global de desenvolvimento de uma pessoa, mais especificamente em relação à
interferência na maneira do sujeito compreender o mundo físico, é que procuraremos
analisar alguns autores de fundamental importância nesse assunto.
Vigotski (1997), analisa o problema e sugere que a cegueira age de uma certa forma
como uma "força" que faz manifestar as capacidades. Em seu ensaio "O menino cego",
trata a questão em três etapas (mística, biológica e científica ou sócio-psicológica).
A etapa mística engloba a Antigüidade, a Idade Média e uma grande parte da História
Moderna e pode ser caracterizada pela visão mística, superficial e preconceituosa a
respeito do cego. A cegueira é associada com infelicidade, invalidez, medo supersticioso e
grande respeito. Paralelamente à idéia de invalidez, aparece a idéia de que nos cegos se
desenvolvem as forças místicas da alma, como um acesso à visão espiritual. É neste
período histórico que surgem as tradições acerca do cego, como o guardião da sabedoria
popular, os cantores e os profetas. Homero era cego, e existe na literatura a suposição de
que Demócrito se cegou para dedicar-se à filosofia. Este acontecimento serve para
exemplificar a relação mística estabelecida nesta época entre o dom filosófico e a
cegueira. Talmud (Apud. Vigotski, 1997) comparou os cegos, os leprosos e os estéreis aos
51
mortos e ao referir-se a eles utilizava a expressão eufemística: "Pessoas com abundância
de luz".
Pode-se afirmar que graças a essa tradição, ainda hoje a cultura popular entende o cego
como uma pessoa que possui visão interior dotada de conhecimento espiritual, não
acessível a outras pessoas. O cristianismo variou o conteúdo moral dessa essência, mas
deixou invariável a própria essência e nisso se baseou o dogma principal da idade média
acerca dos cegos, isto é, a crença na idéia de que para toda classe de sofrimento e
privação atribuir-se-ia um valor espiritual, pobreza terrestre - riqueza com Deus, corpo
débil - espírito elevado, aproximação do cego à Deus. Nenhum desses pontos de vista
surgiram da experiência, ou do testemunho e muito menos da investigação, mas de
teorias sobre o espírito e a fé.
A etapa biológica surge a partir do século XVIII com uma nova compreensão da
cegueira. O misticismo é substituído pela ciência e o preconceito por experimentos e
estudos. Esta nova fase incorporou o cego ao ensino e ao estudo, baseava-se na
substituição de órgãos do sentido, como no caso dos órgãos pares rins e pulmões, isto é,
na ausência ou não funcionamento de um deles, o outro exerceria suas funções. Lendas
baseadas em observações verdadeiras, porém mal interpretadas sobre agudeza do tato,
super audição, natureza perfeita "que tira com uma mão e dá com a outra" e atribuição
de um sexto sentido aos cegos, são caracterizadoras desta etapa.
Bürklen (Apud. Vigotski, 1997), reuniu alguns autores que desenvolveram uma nova
idéia frontal à já estabelecida: indicavam como um fato irrevogável que nos cegos não
existe o desenvolvimento super - normal das funções do tato e da audição, pelo
contrário, com muita freqüência estas funções se apresentam nos cegos menos
desenvolvidas do que nos não cegos. Fenômenos como o da agudeza tátil nos cegos não
surge da compensação fisiológica direta do defeito da vista, mas sim, de uma via
52
indireta, muito complexa da compensação sócio - psicológica geral, em outras palavras,
segundo afirmação de Luzardi (Apud. Vigotski, 1997), o tato ou a audição nunca
ensinarão o cego realmente a ver. Portanto, conforme assinala Vigotski (1997), é preciso
compreender a substituição, não no sentido de que outros órgãos assumam diretamente
as funções fisiológicas da vista, mas sim, no sentido da reorganização complexa de toda a
atividade psíquica, provocada pela alteração da função mais importante e dirigida por
meio da associação da memória e da atenção, ou seja, a criação de um novo tipo de
equilíbrio do organismo em função do órgão afetado.
A superação da convicção biológica ingênua que se mostrou incorreta representou um
grande avanço em direção à "verdade", ou seja, pela primeira vez, partindo da
observação científica com o critério experimental, se abordou o fato de que a cegueira
não é só um defeito, uma deficiência, mas também incorpora várias forças e novas
funções à vida e à atividade, motivando um certo trabalho criador orgânico. Com o
surgimento do Braille, o cego passou a ter acesso à educação e isto foi de valor
inestimado, já que um ponto do sistema Braille se mostrou mais importante para o cego,
que mil obras de caridade. A possibilidade de ler e escrever resultou ser mais
importante do que o sexto sentido ou a agudeza do tato e do ouvido.
Haüy (Apud. Vigotski, 1997), assinalou "encontrarás a luz no ensino e no trabalho". Ele
viu no conhecimento e no trabalho a solução da tragédia da cegueira. A época de Haüy
deu aos cegos o ensino, nossa época deve dar o trabalho.
Foi na idade moderna, após a superação das visões mística e biológica - que até então se
apresentavam como modelo de interpretação acerca do indivíduo cego - pela psicologia
social da personalidade que a ciência se aproximou do domínio da "verdade" sobre a
psicologia da pessoa cega. Temos aqui caracterizada a etapa científica ou sócio-
psicológica. Segundo as palavras de Vigotski (1997), fica claro a nova linha de
53
abordagem que se segue: "Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou
funcional, não cumpre seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato
psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando
sobre este ou sobre a função, uma superestrutura psíquica que tende a assegurar o
organismo no ponto débil ameaçado. A luta criada entre o indivíduo cego para se
estabelecer socialmente, poderá levá-lo a atingir dois extremos. Um desses extremos, ou
seja, a vitória do organismo pela super compensação, não indica apenas a superação das
dificuldades originadas pelo defeito, mas também o seu próprio desenvolvimento é
levado a um nível superior, criando do defeito, uma capacidade; da debilidade, a força;
da baixo estima, a auto estima. O segundo extremo é o fracasso da super compensação.
Seria ingênuo pensar que qualquer enfermidade termina em êxito e que todo defeito se
transforma felizmente em um talento, portanto, segundo Vigotski (1997), o fracasso da
super compensação leva à vitória total do sentimento de debilidade, ao caráter associal
da conduta, à criação de posições defensivas a partir de sua debilidade, à loucura, à
impossibilidade da personalidade de ter uma vida psíquica normal, e à neurose.
Ainda de acordo com o mesmo autor, a essência desse novo ponto de vista reside na
tendência da superação do conflito social por parte do indivíduo pela super
compensação. Essa tendência está dirigida à formação de uma personalidade de pleno
valor no aspecto social, isto é, a conquista da posição na vida social. Portanto, não é o
tato nem o ouvido que se desenvolvem a mais nos indivíduos cegos, mas sim, com a
finalidade de vencer o conflito social, toda personalidade é abrangida, começando por
seu núcleo interno com a tendência não de substituírem a vista, mas de vencer pela
super compensação.
54
4.3- Cegos não sentem sua cegueira
Contra a opinião comum de que o cego se sente submergido na escuridão devido à sua
cegueira, alguns psicólogos assinalaram que o mesmo não percebe em absoluto seu
defeito físico. Nas palavras de Biriliev (Apud. Vigotski,1997), cego altamente instruído,
pode-se observar um exemplo: "Eu não posso sentir diretamente meu defeito físico".
Vigotski (1997) afirma que os cegos não percebem a luz da mesma maneira que os que
enxergam com os olhos tapados a percebem, isto é, eles não sentem e nem experimentam
diretamente que não têm vista, portanto, a capacidade para ver a luz tem um significado
prático e pragmático para o cego e não um significado instintivo - orgânico, o que
significa que eles sentem seu defeito de um modo indireto, refletido unicamente nas
conseqüências sociais.
Leontiev et. al. (1988), apontam que "embora os conceitos e os fenômenos sensíveis
estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente eles são categorias
diferentes de consciência". Esta idéia está embasada no conceito de funções
psicofisiológicas, que vêm a ser as funções fisiológicas do organismo. O grupo inclui as
funções sensoriais, as funções mnemônicas e as funções tônicas. Nenhuma atividade
psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções que constituem a
base dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto é, sensações,
experiências emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a "matéria
subjetiva", por assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo e a plasticidade da
representação do mundo na consciência humana. Portanto, de acordo com Leontiev op.
cit., "se mentalmente excluirmos a função das cores, a imagem da realidade em nossa
consciência adquirirá a palidez de uma fotografia branca e preta. Se bloquearmos a
55
audição, nosso quadro do mundo será tão pobre quanto um filme mudo comparado com
o sonoro. Por outro lado, todavia, uma pessoa cega pode tornar-se cientista e criar uma
nova teoria, mais perfeita, sobre a natureza da luz, embora a experiência sensível que
ela possa ter da luz seja tão pequena quanto aquela que uma pessoa comum tem da
velocidade da luz."
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4.3- Cegos não sentem sua cegueira
Contra a opinião comum de que o cego se sente submergido na escuridão devido à sua
cegueira, alguns psicólogos assinalaram que o mesmo não percebe em absoluto seu defeito
físico. Nas palavras de Biriliev (Apud. Vigotski,1997), cego altamente instruído, pode-se
observar um exemplo: “Eu não posso sentir diretamente meu defeito físico”. Vigotski
(1997) afirma que os cegos não percebem a luz da mesma maneira que os que enxergam
com os olhos tapados a percebem, isto é, eles não sentem e nem experimentam diretamente
que não têm vista, portanto, a capacidade para ver a luz tem um significado prático e
pragmático para o cego e não um significado instintivo - orgânico, o que significa que eles
sentem seu defeito de um modo indireto, refletido unicamente nas conseqüências sociais.
Leontiev et. al. (1988), apontam que “embora os conceitos e os fenômenos sensíveis
estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente eles são categorias
diferentes de consciência”. Esta idéia está embasada no conceito de funções
psicofisiológicas, que vêm a ser as funções fisiológicas do organismo. O grupo inclui as
funções sensoriais, as funções mnemônicas e as funções tônicas. Nenhuma atividade
psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções que constituem a base
dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto é, sensações, experiências
emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a “matéria subjetiva”, por
assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo e a plasticidade da representação do mundo
na consciência humana. Portanto, de acordo com Leontiev op. cit., “se mentalmente
excluirmos a função das cores, a imagem da realidade em nossa consciência adquirirá a
palidez de uma fotografia branca e preta. Se bloquearmos a audição, nosso quadro do
mundo será tão pobre quanto um filme mudo comparado com o sonoro. Por outro lado,
todavia, uma pessoa cega pode tornar-se cientista e criar uma nova teoria, mais perfeita,
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sobre a natureza da luz, embora a experiência sensível que ela possa ter da luz seja tão
pequena quanto aquela que uma pessoa comum tem da velocidade da luz.”
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5
METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS UTILIZADOS
A metodologia utilizada assemelha-se à empregada por Robin e Ohlsson (1989). Neste trabalho, os pesquisadores entrevistaram seis estudantes de psicologia da Universidade de Pittsburgh a fim de obter suas concepções alternativas de movimento bem como de comparar tais concepções ao conceito medieval de impetus. De acordo com Robin e Olhsson op.cit., cada sujeito expressou um mínimo de quinze e um máximo de vinte convicções, sendo que o enfoque principal foi dado à análise de tais convicções.
Portanto, tomando por base a metodologia de Robin e Olhsson op. cit., esta pesquisa se efetivou seguindo um plano de trabalho, dividido em 06 etapas, listadas a seguir:
ETAPA 01 – Seleção dos sujeitos experimentais.
Nesta etapa, entramos em contato com instituições que trabalham com pessoas
cegas e dentre os deficientes que faziam parte destas instituições, selecionamos aqueles que se
enquadraram nos critérios estabelecidos no item 5.1.
ETAPA 02 – Realização das entrevistas.
Nesta etapa, quatro questões problemas foram abordadas, sendo que em cada
questão se estabeleceu um diálogo com o entrevistado, onde sub-questões elaboradas
previamente pelo entrevistador e exemplos propostos pelo sujeito foram enfocados.
- A situação de repouso de um livro sobre a mesa. O que faz com que o livro
fique em repouso sobre a mesa?
- Com as mãos, aplica-se ao livro uma força paralela ao plano. O que
acontecerá quando não houver mais o contato entre a mão e o livro?
- Você tem em suas mãos uma pedra. O que acontecerá se você abandoná-la?
Por que? E se você lançá-la para cima?
59
- Atira-se uma esfera de aço dentro de tubos cilíndricos encurvados e retos.
Descreva o caminho percorrido pela esfera ao abandonar os tubos.
A análise das respostas fornecidas pelos deficientes visuais a tais
questionamentos, considerou qualquer manifestação (oral ou gesticulada), pois estas poderiam
apresentar dados indispensáveis no que se refere às concepções alternativas (Masini, 1990),
por isso, o registro das entrevistas em fitas de vídeo, tornou-se fundamental no processo.
Também tornou-se necessário a distinção dos sujeitos sob a óptica escolar, ou seja, aqueles
que jamais mantiveram contato com a física enquanto disciplina escolar e aqueles que
mantiveram contato com a física somente em nível de ensino médio e fundamental. Portanto a
etapa 2 compreendeu a realização da entrevista individualmente com cada sujeito da amostra.
ETAPA 03 – Identificação das idéias dos sujeitos.
Esta etapa se caracteriza pela transcrição das entrevistas. Cada linha foi
enumerada a fim de uma melhor localização de idéias fornecidas pelos sujeitos sobre os temas
já citados – ver apêndice B. É importante ressaltar que não necessariamente uma idéia, mas
sim um grupo de idéias caracterizou uma convicção. As idéias foram identificadas no texto
transcrito e caracterizadas pela numeração das linhas do referido texto. Tais idéias,
encontram-se disponíveis no apêndice A.
ETAPA 04 – Interpretação das idéias e identificação das concepções
alternativas.
Nesta etapa se buscou agrupar as idéias de cada sujeito e interpretá-las em
termos de concepções. Através disso, se eliminou os erros e ambigüidades extremamente
comuns na linguagem falada e pôde-se relacionar o mesmo tipo de convicção expressa em
várias idéias. Todas as convicções estão disponíveis na seção ?????
60
ETAPA 05 – Estabelecimento de relações entre as concepções espontâneas dos
sujeitos e modelos historicamente desenvolvidos.
Esta etapa buscou compreender as possíveis semelhanças ou diferenças entre as
concepções dos deficientes visuais, com as concepções históricas sobre repouso e movimento,
como as aristotélicas e do impetus.
ETAPA 06 – Conclusões gerais que envolvem comparações entre as
concepções dos sujeitos cegos e de sujeitos não cegos, contribuições para professores de física
que trabalhem com alunos cegos e análise da cegueira enquanto fator influenciador para
formação de algumas concepções.
5.1- Sujeitos da Pesquisa
Participaram desta pesquisa sujeitos adultos cegos de nascença ou que
perderam a visão na infância, até cinco anos de idade, e que não possuíam deficiência mental
e/ou auditiva.
Cabe ressaltar que todos os sujeitos, foram ou são alunos da instituição “Lar
Escola Santa Luzia para Cegos”, situado à rua Gerson França, nº 11-61, Bauru. A autorização
para a realização das entrevistas, foi anexada a este texto.
O número de alunos desta instituição gira em torno de vinte e cinco, sendo que
desses, seis se enquadraram nos critérios estabelecidos acima e os outros dezenove não
apresentavam as características necessárias para a pesquisa, pois além de cegos possuíam
outras deficiências. Dos seis sujeitos selecionados, quatro eram cegos de nascença, dois
61
perderam totalmente a visão na infância, até os cinco anos, por isso, foram incluídos ao grupo
de sujeitos, já que a comparação de suas concepções com as dos sujeitos que nasceram cegos
nos pareceu de fundamental importância na compreensão da influencia do estímulo sensorial
visual na formação de conceitos físicos.
Descreveremos abaixo algumas características peculiares de cada sujeito:
Sujeito 1: Cego de nascimento, é do sexo feminino, 38 anos, cursou o ensino
fundamental e médio em escola pública, é universitária cursando o segundo ano de
Fisioterapia na Universidade do Sagrado Coração. A entrevista foi realizada no dia 24 de abril
de 1999, na residência do sujeito, pois concluímos que seria mais viável ir de encontro ao
sujeito do que traze-lo até nós ou levá-lo para a universidade.
Sujeito 2: Cego de nascimento, é do sexo masculino, 42 anos, concluiu o
ensino fundamental em escola pública. A entrevista foi realizada no dia 24 de abril de 1999,
na residência do sujeito.
Sujeito 3: Cego de nascimento, é do sexo feminino,16 anos, estudante da
primeira série do ensino médio em escola particular. A entrevista foi realizada no dia 26 de
abril de 1999, na residência do sujeito.
Sujeito 4: Perdeu totalmente a visão aos três anos de idade, é do sexo
masculino, 23 anos, concluiu o ensino fundamental em escola pública, a entrevista foi
realizada dia 28 de abril de 1999, no “Lar Escola Santa Luzia”.
62
Sujeito 5: Perdeu totalmente a visão aos cinco anos de idade, é
do sexo masculino, 32 anos, freqüentou a escola regular pública até a 5ª
série. A entrevista foi realizada no dia 28 de abril de 1999, no “Lar Escola
Santa Luzia”.
Sujeito 6: Cego de nascimento, é do sexo masculino, 45 anos,
nunca cursou a escola pública regular, vindo ser alfabetizado na própria
instituição “Lar Escola Santa Luzia” através do sistema braille. A
entrevista foi realizada no dia 30 de abril de 1999.
63
6RESULTADOS OBTIDOS
6.1- Situações Problema e Questões Utilizadas nas Entrevistas.
Conforme mencionamos anteriormente, selecionamos um total de seis sujeitos
para realizarmos as entrevistas. Cada sujeito foi colocado mediante quatro situações
problemas, sendo que, dentro de cada situação eram feitas questões que tinham por objetivo
trazê-los à reflexão de situações voltadas ao movimento dos corpos. Nossa preocupação
principal não era a de obter a resposta para tais questões, mas sim, a de gerar um diálogo com
o entrevistado sobre movimento e através desse diálogo, procurar identificar suas convicções
sobre o tema. Procuramos dialogar com os sujeitos utilizando expressões não técnicas
evitando termos como força, gravidade, pressão, etc. No caso do sujeito se referir a um desses
termos, aproveitávamos para questioná-lo sobre seu significado e a partir disso passávamos a
usá-lo ou não. Outros objetos de exploração de nossa parte eram os exemplos que livremente
os sujeitos expunham em suas explicações, a maioria deles foram extremamente úteis em
nossa análise.
As situações problemas eram:
1) Repouso dos objetos,
2) Movimento dos objetos,
3) Queda dos objetos,
64
4) Trajetória de esferas.
As questões problemas eram:
1.1) O que faz com que o livro fique em repouso sobre a mesa?
1.2) Coloca-se um livro sobre a mão esticada do sujeito. Coloca-se mais de um
livro na mão esticada do sujeito. O que você fez para que o livro permanecesse parado sobre
sua mão? Para você, o que é força? Você acha que a mesa poderia exercer uma força no livro?
(Minstrell, 1982).
2.1) Com as mãos, aplica-se ao livro uma força paralela ao plano: O que
acontecerá quando não houver mais o contato entre a mão e o livro?
2.2) Por que os objetos se movem?
2.3) Você precisa empurrar ou puxar um objeto para que ele se movimente
sempre com a mesma velocidade?
2.4) Por que alguns objetos continuam se movendo por um certo tempo depois
de você ter deixado de empurrá-los.
2.5) Por que objetos param de se mover?
2.6) Se você empurra um livro e uma bola de metal com a mesma força, qual
irá mais longe? Por que?
2.7) Poderia existir uma situação em que um objeto em movimento continuasse
em movimento com a mesma velocidade embora não haja nada empurrando-o ou puxando-o?
( Lochhead e Dufresne, 1989).
65
3.1) Você tem em suas mãos uma pedra. O que acontecerá se você abandoná-
la? Por que? E se você lançá-la para cima?
3.2) Por que objetos caem?
3.3) Se você joga uma pedra para cima, o que acontece com ela? Por que?
3.4) Você tem em suas mãos uma esfera de metal e uma folha de papel aberta.
Se você abandoná-las da mesma altura, quem chegará primeiro ao solo? Por que? (Hise,
1988)
3.5) Imagine que do alto de um prédio de 50 andares são abandonados dois
objetos no mesmo instante. Um dos objetos é uma grande pedra de uma tonelada e o outro
uma pequena pedra de um quilograma. Qual deles chegará primeiro ao solo? Por que?(Robin
e Ohlsson, 1989).
3.6) Lembra-se da questão 3.4 (folha de papel aberta e esfera de metal)?
Imagine agora que a folha de papel esteja amassada de tal forma que pareça com uma esfera.
Qual das duas chegará primeiro ao solo se forem abandonadas no mesmo instante e da mesma
altura? Por que?
4.1) Considere um tubo cilíndrico não encurvado colocado sobre uma mesa
horizontal. Coloca-se dentro do tubo uma esfera rígida de metal cujo diâmetro é apenas um
pouco menor do que o diâmetro do tubo, a fim de que possa se mover livremente dentro do
tubo. Você empurra a esfera. Qual será o caminho percorrido por ela após abandonar o tubo?
4.2) Considere agora que o tubo seja encurvado. Qual será o caminho descrito
pela esfera ao abandonar o tubo?
4.3) Você prende uma esfera a um fio rígido e a gira sobre sua cabeça.
Explique qual será o caminho descrito pela esfera se você soltar o fio. (McCloskey, et. al.,
1980).
66
6.2- Convicções do Grupo de Seis Sujeitos
De acordo com o que já foi mencionado no procedimento, transcrevemos na
íntegra todas as entrevistas realizadas com os sujeitos. Utilizamos a sigla Sn, para identificar
as falas transcritas do sujeito n, E para identificar as falas transcritas do entrevistador, Ik para
identificar no texto transcrito as idéias de Sn, Cp para identificar a convicção p de Sn.
Para identificar as idéias, enumeramos todas as linhas do texto. Conforme
íamos lendo a transcrição da entrevista, identificávamos idéias dos sujeitos através da
numeração das linhas. Após identificarmos as idéias, as agrupávamos em convicções. A
tabela 1 mostra a relação entre o número de idéias e o número de convicções identificadas.
Tabela 6.1: Relação do número de idéias com o número de convicções de cada sujeito.
Sujeitos S1 S2 S3 S4 S5 S5
Número de idéias
102 97 72 62 56 62
Número de convicções
18 25 22 21 20 14
Cabe ressaltar que em alguns momentos utilizamos a mesma idéia para justificar mais de uma convicção, pois o agrupamento de idéias em convicções não obedeceu uma seqüência cronológica. Já em outros momentos, excluiu-se a pergunta do entrevistador em determinada idéia, pois esta mostrava-se irrelevante na compreensão da mesma. As idéias de cada sujeito encontram-se discriminadas no apêndice A. Na sequência, explicitamos as quarenta e sete convicções do nosso grupo de seis sujeitos, sendo que as tabelas de 6.2 à 6.48 evidenciam quais sujeitos expressaram determinada convicção, além de mostrar quais idéias foram utilizadas para justificá-las. A organização das idéias e dos sujeitos que as expressaram, é semelhante à feita por Ireson (2000).
C1 – Um objeto se encontra em repouso quando está parado em um
determinado local e sem que ninguém ou alguma coisa o empurre ou o puxe, ou mexa com
ele.
Tabela 6.2: Relação entre sujeitos que expressaram C1 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C1
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C1
S1 I1 e I2
67
S2 I1, I2 e I6
S3 I1
S5 I1
S6 I1, I31 e I34
C2 – Pelo fato do livro ser um objeto que não possui vida, ele não sairá do lugar
em que se encontra a menos que alguém ou alguma coisa o leve para onde deseja.
Tabela 6.3: Relação entre sujeitos que expressaram C2 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C2
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C2
S1 I3 e I4
S2 I3 e I5
S3 I2, I3 e I12
S4 I1, I2 e I3
S5 I2 e I3
S6 I2
C3 – Objetos sem vida como a mesa, não exercem forças no livro, ela apenas
serve de obstáculo para que o livro não chegue ao chão.
Tabela 6.4: Relação entre sujeitos que expressaram C3 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C3
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C3
S1 I10, I11, I12 e I60
S2 I15, I16, I17, I18, I20 e I21
S3 I4, I5, I6, I8, I9 e I10
S4 I7 e I8
S5 I15 e I16
S6 I3, I20, I21, I22 e I23
C4 – Quando eu seguro o livro com as minhas mãos ele não cai, porque eu, ser
vivo, exerço uma força com o meu braço que é suficiente para impedir a queda do livro.
68
Tabela 6.5: Relação entre sujeitos que expressaram C4 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C4
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C4
S1 I5, I6, I7, I8, I9, I13 e I14
S2 I4, I7, I8, I9, I10, I11, I12, I13, I14 e I19
S3 I7
S4 I4, I5 e I6
S5 I4, I5, I6, I7 e I14
S6 I4, I5, I6, I7, I8, I9, I10, I11, I12, I13, I14, I15, I16, I17, I18 e I19
C5 – Existem várias naturezas de forças, como por exemplo a força humana e a
energia elétrica.
Tabela 6.6: Relação entre sujeitos que expressaram C5 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C5
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C5
S1 I15 e I21
S2 I23 e I38
C6 – Os objetos se movimentam devido a ação de uma força, e esse movimento
se dará na mesma direção e sentido da força.
Tabela 6.7: Relação entre sujeitos que expressaram C6 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C6
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C6
S1 I16, I18, I19, I20, I27, I40, I47, I49
S2 I26, I27, I28, I32, I39 e I45
S3 I11, I17, I19 e I21
S4 I9, I10, I12, I13 e I14
S5 I17, I20, I21 e I32
S6 I24, I29, I30, I32, I33, I36 e I37
69
C7 – Um objeto deixará de se mover quando a força deixar de ser aplicada
sobre ele.
Tabela 6.8: Relação entre sujeitos que expressaram C7 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C7
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C7
S1 I17, I37, I38
S2 I29, I30, I31, I32 e I33
S3 I13, I14 e I16
S4 I22
S5 I18, I19, I26 e I33
S6 I25, I26, I27, I28, I30, I35, I38, I44, I45, I46, I47 e I48
C8 – A velocidade constante é aquela que permanece sempre a mesma.
Tabela 6.9: Relação entre sujeitos que expressaram C8 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C8
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C8
S1 I22
S2 I41 e I42
C9 – Alguns objetos como um carrinho de fricção ou uma bola, continuam se
movendo mesmo sem haver contato entre eles e o movedor (aquele que os colocou em
movimento), pelo fato de que o movedor lhes transmite uma força que é responsável pela
continuação do movimento e esse movimento se dará até que a força cesse.
70
Tabela 6.10: Relação entre sujeitos que expressaram C9 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C9
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C9
S1 I23, I24, I25, I26, I28, I32, I33, I34, I35, I42, I43, I44, I48, I66, I67
S2 I49, I50, I52, I53, I54, I55, I56, I57, I58, I60, I73 e I76
S3 I15, I26 e I27
S4 I24, I25, I26, I27, I30 e I31
S5 I27, I28, I29 e I49
S6 I40, I41, I42 e I43
C10 – O motivo pelo qual objetos como a bola se movem mesmo sem o contato
com o movedor, e outros como o livro não, é devido ao seu formato, seu peso, ou seu
material.
Tabela 6.11: Relação entre sujeitos que expressaram C10 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C10
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C10
S1 I31, I36, I39, I41, I42, I45 e I46
S2 I34, I35, I36,I37, I59, I61 e I77
S3 I28 e I29
S4 I23 e I35
S5 I30 e I31
S6 I49 e I50
C11 – Os objetos pesados caem, e os objetos leves vão para cima, porque é
natural que seja assim.
71
Tabela 6.12: Relação entre sujeitos que expressaram C11 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C11
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C11
S1 I29, I30, I50 e I51, I56, I57, I59, I61, I62, I65, I66, I67, I68, I69, I70, I71
S2 I4, I46, I47, I51, I62, I63, I64, I65, I66, I70, I71, I72, I78, I79, I80, I81, I82, I83, I84
S3 I35, I36 I37, I38, I39 e I40
S4 I39, I41, I42, I43, I44, I46 e I61
S5 I11, I13, I19, I20 e I48
S6 I51, I52, I53, I54, I59 e I60
C12 – O peso ou “gravidade” leva naturalmente os objetos pesados para baixo.
Tabela 6.13: Relação entre sujeitos que expressaram C12 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C12
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C12
S1 I55, I64
S2 I48, I67, I68 e I69
S4 I47
S6 I57
C13 – Objetos mais pesados caem mais rapidamente que objetos leves.
Tabela 6.14: Relação entre sujeitos que expressaram C13 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C13
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C13
S1 I74, I75, I76, I77, I81, I83, I85, I86
S2 I85, I88, I89 e I90
S3 I46, I52 e I53, I54, I55, I56, I60
S4 I53, I54, I55, I56 e I57
S5 I37, I38, I39 e I42, I44, I47
72
C14 – O formato dos objetos não influencia em sua massa. Exemplo: folha de
papel aberta e folha de papel amassada.
Tabela 6.15: Relação entre sujeitos que expressaram C14 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C14
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C14
S1 I78
S3 I49
C15 – A folha de papel amassada é mais pesada que a folha de papel aberta, ou
seja, o formato interfere no peso dos objetos.
Tabela 6.16: Relação entre sujeitos que expressaram C15 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C15
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C15
S1 I79, I80 e I84
S2 I86 e I87
S3 I48 e I50
C16 – O formato de um cano interfere na trajetória de uma esfera após esta tê-lo
abandonado.
Tabela 6.17: Relação entre sujeitos que expressaram C16 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C16
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C16
S1 I88, I89, I91 e I92
S2 I91
S3 I68, I69 e I70
S4 I59, I60
73
C17 – Dependendo do valor da força aplicada na bolinha, ela poderá descrever
trajetórias encurvadas ao abandonar o cano reto ou retilínea ao abandonar o cano torto.
Tabela 6.18: Relação entre sujeitos que expressaram C1 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C17
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C17
S1 I87, I88 e I90
S2 I92, I93 e I94
C18 – A velocidade tangencial de uma esfera que gira amarrada a um barbante
não influencia em sua trajetória quando esta é solta ou quando o barbante se rompe, a
trajetória desta esfera será retilínea na vertical e de cima para baixo.
Tabela 6.19: Relação entre sujeitos que expressaram C18 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C18
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C18
S1 I93
S2 I95, I96 e I97
C19 – Força ou energia é algo que os seres vivos são capazes de fazer ou
exercer para impedir que um objeto chegue ao chão, ou para mudar um objeto do lugar,
empurrando-o ou puxando-o.
Tabela 6.20: Relação entre sujeitos que expressaram C19 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C19
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C19
S2 I24
S3 I20
S4 I11
S5 I8, I9 e I12
74
S6 I39
C20 – A altura que um objeto atinge quando lançado para cima depende da
força do lançador.
Tabela 6.21: Relação entre sujeitos que expressaram C20 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C20
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C20
S2 I73
S4 I45
C21 - Se uma bola e uma pedra forem atiradas numa piscina com água, a pedra
afundará e a bola não, pelo fato da pedra ser mais pesada que a água e a bola, não.
Tabela 6.22: Relação entre sujeitos que expressaram C21 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C21
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C21
S2 I81, I82 e I83
C22 – Velocidade está relacionada com distância e tempo.
Tabela 6.23: Relação entre sujeitos que expressaram C22 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C22
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C22
S2 I40
S3 I22
S5 I22 e I23
C23 – É impossível que um objeto se mova sempre com a mesma velocidade se
alguma coisa não puxá-lo ou empurrá-lo.
75
Tabela 6.24: Relação entre sujeitos que expressaram C23 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C23
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C23
S2 I43 e I44
S3 I23, I24 e I25
S5 I24 e I25
C24 – O motivo pelo qual uma bolinha de aço vai mais longe que uma bolinha
de isopor, é pelo fato da bolinha de aço ser mais lisa do que a de isopor.
Tabela 6.25: Relação entre sujeitos que expressaram C24 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C24
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C24
S3 I30 e I31
C25 – o Fato da superfície de contato com o objeto que se move, ser lisa ou
áspera, influencia na duração do movimento e na distância percorrida.
Tabela 6.26: Relação entre sujeitos que expressaram C25 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C25
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C25
S3 I32, I33 e I34
C26 – Os objetos mais leves chegam primeiro ao solo, porque é mais fácil para
a “gravidade” empurrá-los para baixo.
76
Tabela 6.27: Relação entre sujeitos que expressaram C26 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C26
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C26
S3 I41, I42, I43, I51, I57, I58, I59, I63 e I64
S5 I43, I45 e I46
S6 I56 e I58
C27 – O ar empurra as coisas para baixo.
Tabela 6.28: Relação entre sujeitos que expressaram C27 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C27
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C27
S3 I65
C28 – Uma bolinha, ao abandonar o cano reto ou torto, terá uma trajetória
aleatória, pois não há nada que a faça permanecer em linha reta.
Tabela 6.29: Relação entre sujeitos que expressaram C28 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C28
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C28
S3 I66 e I67
C29 – A trajetória de uma esfera que após se desprender de um barbante que o
fazia girar, é circular e na vertical de cima para baixo.
Tabela 6.30: Relação entre sujeitos que expressaram C29 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C29
77
a convicção C29
S3 I71 e I72
C30 – Seres vivos, exceto os que possuem algum defeito físico, como paralisia,
movimentam-se com suas próprias forças.
Tabela 6.31: Relação entre sujeitos que expressaram C30 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C30
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C30
S4 I15, I16, I18, I20, I21 e I33
C31 – Objeto sem vida, só se movimentam devido à ação de uma foça externa.
Tabela 6.32: Relação entre sujeitos que expressaram C31 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C31
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C31
S4 I17, I19, I28, I32, I34 e I36
C32 – “Velocidade” e “força” são coisas parecidas.
Tabela 6.33: Relação entre sujeitos que expressaram C32 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C32
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C32
S4 I29
C33 – Se não existisse a gravidade, os objetos iriam subir.
78
Tabela 6.34: Relação entre sujeitos que expressaram C33 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C33
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C33
S4 I38
C34 – A gravidade é uma força do ar.
Tabela 6.35: Relação entre sujeitos que expressaram C34 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C34
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C34
S4 I37 e I40
C35 – A gravidade não age em objetos como pássaro ou avião.
Tabela 6.36: Relação entre sujeitos que expressaram C35 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C35
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C35
S4 I48, I49, I50, I51 e I52
C36 – A folha de papel amassada é mais leve que a folha de papel aberta.
Tabela 6.37: Relação entre sujeitos que expressaram C36 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C36
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C36
S4 I57, I58
C37 – Uma bolinha que está girando amarrada a um barbante cairá um pouco
pra frente quando for solta.
79
Tabela 6.38: Relação entre sujeitos que expressaram C37 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C37
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C37
S4 I37
C38 – A Terra é como um ímã que atrai para si os objetos à distância
Tabela 6.39: Relação entre sujeitos que expressaram C38 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C38
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C38
S5 I10, I34, I35, I36 e I52
C39 - A folha de papel aberta e a folha de papel amassada têm o mesmo peso.
Tabela 6.40: Relação entre sujeitos que expressaram C39 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C39
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C39
S5 I40
C40 – O formato de objetos de mesma massa influencia no tempo de queda.
Tabela 6.41: Relação entre sujeitos que expressaram C40 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C40
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C40
S5 I41, I42, I43 e I44
80
C41 – Na Terra as coisas caem, no espaço, flutuam.
Tabela 6.42: Relação entre sujeitos que expressaram C41 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C41
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C41
S5 I50 e I51
C42 – No espaço, ao contrário da Terra, os objetos se repelem, como ímãs com
a polaridade diferente, próximos.
Tabela 6.43: Relação entre sujeitos que expressaram C42 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C42
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C42
S5 I53
C43 – O formato do cano não interfere na trajetória de uma esfera quando esta o
abandona. Sua trajetória será sempre retilínea.
Tabela 6.44: Relação entre sujeitos que expressaram C43 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C43
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C43
S5 I54, I55 e I56
S6 I61 e I62
C44 – A bola e a folha de papel aberta, cairão juntas, quando soltas da mesma
altura ao mesmo tempo.
81
Tabela 6.45: Relação entre sujeitos que expressaram C44 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C44
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C44
S6 I55
C45 – “Força” e “energia” são a mesma coisa.
Tabela 6.46: Relação entre sujeitos que expressaram C45 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C45
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C45
S2 I22
C46 – Quando um objeto é lançado para cima, durante a subida, sua velocidade
aumenta de tal forma que quando ele retorna ao lugar de onde saiu, sua velocidade é muito
maior do que quando foi lançado.
Tabela 6.47: Relação entre sujeitos que expressaram C46 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram a convicção C46
Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C46
S2 I74
C47 – A gravidade é como uma força que empurra os objetos de cima para
baixo.
Tabela 6.48: Relação entre sujeitos que expressaram C47 e as idéias que justificam tal
convicção.
Sujeitos que expressaram Idéias dos sujeitos que justificam a convicção C47
82
a convicção C47
S2 I75
83
6.3- Análise das convicções obtidas e suas relações com o modelo de movimento de
Aristóteles e do impetus.
Agora analisaremos as convicções obtidas nas entrevistas dos seis sujeitos
cegos, tendo em vista suas relações com modelos históricos de compreensão do movimento,
enfocando principalmente o pensamento aristotélico e o modelo medieval do impetus
proposto por Buridan. É interessante ressaltar que muitas das idéias propostas por esses
filósofos acerca do movimento, se mostram bastante presentes na maneira de pensar de
pessoas não peritas em Física. Segundo aponta Cohen (1967), a Física aristotélica é conhecida
às vezes como a Física do senso comum, porque é a espécie de Física em que a maioria das
pessoas acredita e pela qual se guia intuitivamente, ou a espécie de Física que parece
interessar e agradar a qualquer pessoa que use sua inteligência natural mas não tenha
aprendido os modernos princípios da dinâmica. Também, pesquisas na área de concepções
espontâneas, têm demonstrado que a Física de senso comum mantém estreitas relações com a
Física aristotélica e/ou com o pensamento medieval do impetus. Como aponta Peduzzi (1996),
em termos didáticos e tendo em vista a construção do conhecimento do aluno, parece não
apenas inevitável como salutar o estabelecimento de algumas analogias entre a lei de
movimento de Aristóteles e certas concepções mantidas por estudantes de qualquer grau de
escolaridade sobre força e movimento.
Em nosso estudo preocupamo-nos em compreender quais são as convicções acerca de movimento em Física de pessoas cegas, preocupamo-nos também em estabelecer relações entre tais convicções e os modelos históricos já citados, ou seja, de que maneira a ausência de visão pode interferir ou não no pensamento espontâneo de um indivíduo cego, já que este não possui o sentido que o coloca em contato com muitos fenômenos observáveis principalmente pela visão. Pretendemos que tal estudo possa ser útil ao ensino de Física para pessoas cegas, já que de posse desses resultados o professor que trabalhe com tal demanda terá subsídios indispensáveis para sua prática. Não temos o objetivo, até esse momento, de propor atividades de ensino de conceitos Físicos à alunos cegos, visto que, buscamos inicialmente conhecer quais são as principais concepções alternativas de pessoas cegas sobre repouso e movimento, e através disso dar subsídios a estudos futuros que busquem propor tais atividades.
Como aponta Masini (1990), a análise da bibliografia especializada sobre o Deficiente Visual mostrou que seu desenvolvimento e aprendizagem são definidos a partir de padrões adotados para os videntes. Verificou-se que o “conhecer” esperado na educação do Deficiente Visual tem como pressuposto o “ver” e que, portanto, não se leva em conta as diferenças de percepção entre o Deficiente Visual e o vidente. Por isso, tomando por base um referencial construtivista, o ensino de Física sob a óptica tradicional da forma em que se apresenta torna-se inviável, não apenas aos videntes, mas principalmente aos cegos, pois enfoca a Física descontextualizada, desconsidera o conhecimento prévio dos alunos e não tem por objetivo trabalhar com a questão da mudança conceitual (Brown e Clement, 1987). Como exemplos apresentamos os trabalhos de Linn e Thier (1975), Baughman e Zollman (1977), Weems (1977), e Sevilla et. al. (1991) que contribuem de uma certa forma à questão da preocupação com o ensino de Física à pessoas cegas, trazendo basicamente uma tentativa de adaptar materiais de laboratório no ensino dessa ciência à tais sujeitos, contudo, em nenhum momento esses trabalhos apresentaram qualquer discussão referente ao conhecimento prévio dos Deficientes Visuais e este fato deve-se pela
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desatenção à predominância da visão ou àquilo que ficou encoberto pela familiaridade, oculto pelo hábito, linguagem e senso comum numa cultura de videntes (Masini op. cit.). Portanto, é de fundamental importância o conhecimento das concepções alternativas de sujeitos cegos, não só para a construção de atividades de ensino, mas também para a compreensão das experiências que levam as pessoas à construírem explicações da realidade Física que as cercam.
Estabeleceremos agora, as relações das convicções obtidas, com os já referidos
modelos históricos. Das quarenta e sete convicções diagnosticadas, verificou-se uma
importante relação entre tais convicções e o número de sujeitos que a expressaram.
É importante observar que muitas das convicções expressas por apenas um
sujeito, surgiram do contexto do diálogo estabelecido, isto é, o grupo de questões que foi
aplicado, serviu para que se pudesse manter um diálogo que enfocasse situações de objetos
em repouso e objetos em movimento. Por muitas ocasiões, cada sujeito sugeria exemplos de
situações diferentes de outro, o que resultou na especificidade e na diversidade de convicções,
por outro lado, obteve-se um conjunto de convicções comum a todos os sujeitos ou a um
grupo deles, já que, as questões aplicadas foram as mesmas e consequentemente o tema em
discussão girou em torno do mesmo assunto, no entanto, o fato das questões serem as mesmas
e do tema abordado ser o mesmo, não justifica a semelhança de concepções encontradas para
todos os sujeitos ou para um grupo deles. O que é importante ressaltar, é que nas entrevistas
que realizamos, bem como no diálogo que estabelecemos com cada sujeito e mesmo na
diversidade de exemplos de situações de movimento, por muitas vezes as explicações
utilizadas pelos indivíduos cegos para determinada situação apresentava uma semelhança
conceitual, ou seja, as explicações dadas pelo grupo de indivíduos cegos nos pareceu
convergir a um paradigma em comum. A tabela 6.49 apresenta uma relação entre as
convicções e o número de sujeitos que a expressaram:
Tabela 6. 49: Relação das convicções com o grupo de sujeitos que a expressaram
Convicções expressas por todos os sujeitos C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11
Convicções expressa por todos os sujeitos com exceção de um
C1 (exceção de S4), C13 (exceção de S6), C19
(exceção de S1)Convicções expressas por todos sujeitos com
exceção de doisC12 (exceção de S3 e S5) e C16 (exceção de S5 e
S6),
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Convicções expressas por três sujeitos C15 (S1, S2 e S3), C22 (S2, S3 e S5), C23 (S2, S3 e S5) e C26 (S3, S5 e S6)
Convicções expressas por dois sujeitoC5 (S1 e S2), C8 (S1 e S2), C14 (S1 e S3), C17 (S1
e S2), C18 (S1 e S2), C20 (S2 e S4) e C43 (S5 e S6)
Convicções expressas por um sujeito
C21 (S2), C24 (S3), C25 (S3), C27 (S3), C28 (S3), C29 (S3), C30 (S4), C31 (S4), C32, (S4), C33 (S4), C34 (S4), C35 (S4), C36 (S4), C37 (S4), C38 (S5), C39 (S5), C40 (S5), C41 (S5), C42 (S5), C44 (S6),
C45 (S2), C46 (S2) e C47 (S2).
Observando a tabela 6.49, podemos notar que há um determinado grupo de
convicções comum a todos os sujeitos, bem como, outros grupos comuns a cinco deles, quatro
deles, comuns a três deles, comuns a dois sujeitos e convicções que foram expressas
individualmente. É de fundamental importância estabelecer a relação entre as concepções
diagnosticadas e o paradigma aristotélico de movimento. A tabela 6.50 apresenta tal relação.
Tabela 6.50: Relação das convicções com as teorias aristotélicas e do impetus.
Convicções que são concordantes com a teoria aristotélica de movimento
C1, C2, C3, C4, C6, C7, C10, C11, C12, C13, C19, C20, C21, C23, C25, C31, C40.
Convicções que são concordantes com a teoria do impetus
C9, C16, C29.
Convicções parcialmente aristotélicas C24, C27, C30, C37, C41, C46, C47.Convicções que são discordantes da teoria
aristotélica de movimentoC26, C32, C33, C38, C44.
Convicções que são discordantes da teoria do impetus
C17, C18, C43.
Convicções que não possuem conexão com a teoria aristotélica e/ou com a teoria do
impetusC5, C15, C28, C34, C35, C36, C42.
Convicções gerais C8, C14, C22, C39, C45.
Os critérios utilizados para a categoria em que foram enquadradas as
convicções são os seguintes:
Convicções aristotélicas: são todas as convicções expressas pelos
sujeitos que seguem o paradigma aristotélico de movimento, ou seja, obedecem os princípios
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de que a todo corpo móvel associa-se um movedor que mantém constante contato com o que
se move – Movimento Forçado – e o princípio que explica a queda de objetos sólidos com a
utilização do argumento de que há uma tendência natural entre objetos sólidos, mesmo
material da Terra, ocuparem seu lugar natural de descanso que é o centro do Universo – Lugar
Natural.
Convicções de Impetus: São convicções expressas pelos sujeitos, que de
uma certa forma mantêm analogias à teoria de força impressa desenvolvida na Idade Média
inicialmente por Philoponus (século V) e posteriormente por Buridan (século XIV). Cabe
ressaltar que esse princípio, não deixa de ser aristotélico, pois continua obedecendo o
paradigma de que a todo corpo que se move associa-se uma força. No entanto, este princípio
não impõe a necessidade do constante contato entre o movedor e o que se move, o que faz
com que seja discordante das teorias aristotélicas, principalmente ao que se refere ao conceito
de antiperistasis.
Convicções parcialmente aristotélica: São convicções expressas pelos
sujeitos, que de uma certa forma obedecem os princípios aristotélicos de movimento, no
entanto, utilizam elementos como o ar ou a gravidade como movedores ou então, utilizam-se
de paradigmas não aristotélicos como o de que durante a subida, a velocidade de uma bola
aumenta, ou o de que a velocidade de chegada é superior à velocidade de saída de uma bola
que é lançada para cima, para justificar algumas idéias de movimento.
Convicções discordantes do paradigma aristotélico de movimento: São
convicções expressas pelos sujeitos, que são contrárias ao paradigma aristotélico de
movimento, isto é, são discordantes dos princípios de Lugar Natural e de Movimento
Forçado.
Convicções discordantes da teoria do impetus: Enquadramos nesta
categoria, principalmente as convicções que eram discordantes da teoria de impetus circular,
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especificamente às convicções que se referem à trajetória de uma esfera que gira amarrada a
um barbante, ou que abandona canos.
Convicções sem conexão: Estas convicções não mantêm qualquer
analogia ao paradigma aristotélico de movimento e/ou ao conceito medieval de impetus.
Convicções gerais: São convicções que não podem ser categorizadas como
aristotélicas ou de impetus, pois referem-se a conceitos de velocidade ou relação
massa/formato e que portanto, não utilizam-se de paradigmas aristotélicos ou de impetus para
se justificarem, tanto do ponto de vista concordantes quanto do ponto de vista discordantes.
Das quarenta e sete convicções diagnosticadas, dezessete são concordantes
com a teoria aristotélica de movimento, sete são parcialmente concordantes com essa teoria e
três são concordantes com a teoria do impetus; cinco convicções são discordantes da teoria
aristotélica, três são discordantes da teoria do impetus, sete não mantém conexão com essas
teorias e cinco são convicções gerais por se tratarem de noções de velocidade e da relação
massa/formato.
Das vinte e sete convicções que fazem parte do grupo das aristotélicas,
impetus ou parcialmente aristotélicas, oito foram expressas por todos os sujeitos, três foram
expressas por cinco sujeitos e duas por quatro sujeitos. Uma convicção foi expressa por um
grupo de três sujeitos, uma outra por um grupo de dois e doze convicções foram expressas por
doze sujeitos individualmente.
A tabela 6.51 mostra uma visão geral do grupo de sujeitos com as
características das convicções que tal grupo expressou.
Tabela 6.51: Relação entre grupos de sujeitos e características das convicções.
Convicções Aristotélicas Impetus
Convicções Parcialmente Aristotélicas
Discordantes da teoria
Aristotélica
Discordantes da teoria do
Impetus
Convicções sem conexão com essas teorias
Convicções gerais
Todos os sujeitos
C2, C3, C4, C6, C7, C10, C11
C9
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Grupo de cinco
sujeitos
C1, C13, C19
Grupo de quatro sujeitos
C12 C16
Grupo de três
sujeitos
C23 C26 C15 C22
Grupo de dois
sujeitos
C20, C17, C18, C43 C5 C8, C14
Um sujeito
C21, C25, C31, C40
C29 C24, C27, C30, C37, C41, C46,
C47
C32, C33, C38, C44
C28, C34, C35, C36, C42
C39, C45
Cabe observarmos na tabela 6.51 a relação entre o grupo de sujeitos e a
categoria de convicções expressas por esses grupos. Para o grupo de seis sujeitos utilizados
nas entrevistas, das quais obteve-se as quarenta e sete convicções, os grupos: todos os
sujeitos, cinco sujeitos e quatro sujeitos, sem exceção, expressaram convicções categorizadas
como aristotélicas, parcialmente aristotélicas e de impetus, sendo que as outras categorias de
convicções, apareceram juntamente às categorias de convicções aristotélicas, parcialmente
aristotélicas e de impetus nos grupos de três e dois sujeitos como também nos grupos
unitários. Este fato evidencia que as explicações apresentadas pelos seis sujeitos de nossa
pesquisa, às questões que a eles foram feitas, convergem ao paradigma aristotélico e/ou de
impetus. Durante o ato das entrevistas, gerou-se entre entrevistado e entrevistador um diálogo
que tinha por tema principal movimento e repouso dos objetos, tal diálogo procurava
enfatizar, motivado pelas questões, situações da vida cotidiana de cada indivíduo, que se
relacionasse com o tema em questão.
É evidente que situações cotidianas estão repletas de experiências, experiências
estas que são de várias naturezas, como de naturezas sensoriais, e aqui incluímos os sentidos
visão, audição, paladar, tato e olfato, bem como naturezas de ordem sociais, e são essas
experiências que colocam os indivíduos em contato com o mundo social e físico, produzem o
desenvolvimento do ser humano e fazem com que esse ser humano busque argumentos e
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explicações para a realidade que o cerca (Leontiev, 1988). Em nosso grupo de sujeitos, com
exceção de S4 e S5, que perderam a visão até os três anos de idade e até os cinco anos de idade
respectivamente, todos os outros eram cegos de nascença e portanto, o grupo de experiências
sensoriais que esses indivíduos mantiveram com o mundo físico, nunca teve participação do
estímulo visão, ou para o caso de S4 e S5, a visão participou efetivamente de suas experiências
sensoriais até a idade em que ficaram cegos. Como se nota, apesar da ausência total do
estímulo visão em nosso grupo de sujeitos e consequentemente, da ausência de experiências
visuais desses sujeitos com o mundo físico, existia uma semelhança conceitual em seus
diálogos ou explicações que eram fornecidas por eles para o repouso, movimento, queda e
trajetória dos objetos, isto é, embora cegos, as noções de que há a necessidade de uma força
de contato ou impressa, para se manter o movimento, e de que a queda dos objetos é algo
natural e portanto não necessita de maiores explicações, são comuns entre eles e possuem
“valor” extremamente relevantes.
As convicções que são discordantes ou não mantém conexão com o paradigma
aristotélico e/ou de impetus, foram encontradas entre os seis sujeitos, entretanto, tais
convicções destacam-se por serem comuns a grupos menores, grupos de três e de dois
sujeitos, e também para grupos unitários. Essas convicções, geralmente, referiam-se a
algumas situações particulares de cada sujeito, que eram provenientes de suas experiências
particulares, como andar de avião, explicações ouvidas do professor sobre questões da Física
enquanto freqüentaram a escola, etc. O que é importante ressaltar, é que do ponto de vista
conceitual em comum, observou-se convicções que tinham como embasamento o paradigma
aristotélico de movimento. Expressaremos na tabela 6.52, a relação entre cada sujeito e seu
respectivo grupo de convicções.
Tabela 6.52: Relação entre cada sujeito com seu respectivo grupo de convicções.
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Sujeitos Grupo de ConvicçõesS1 C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C14, C15, C16, C17 e C18
S2 C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13, C15, C16, C17, C18, C19, C20, C21, C22, C 23, C45, C46 e C47
S3 C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C13, C14, C15, C16, C19, C22, C 23, C24, C25, C26, C27, C28 e C29
S4
C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C12, C13, C16, C19, C20, C 30, C31, C32, C33, C34, C35, C36 e C37
S5 C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C13, C19, C22, C 23, C26, C38, C39, C40, C41, C42 e C43
S6 C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C12, C19, C26, C43 e C44
Como aponta a tabela 6.52 cada sujeito expressou em média vinte convicções
que podem ser analisadas em termos quantitativos da seguinte maneira explicitada na tabela
6.53:
Tabela 6.53: Relação entre cada sujeito e as características de suas convicções.
Sujeitos Característica de sua
deficiência
Número de convicções
identificadasAristotélicas Impetus
Parcialmente aristotélicas
Discordantes da teoria
aristotélica
Discordantes da teoria de
impetus
Sem conexão Gerais
S1 Cego de nascença
18 10 2 2 2 2
S2 Cego de nascença
25 14 2 2 2 2 3
S3 Cego de nascença
22 12 3 2 1 2 2
S4 Perdeu a visão aos três
anos21 12 2 2 2 3
S5 Perdeu a visão aos
cinco anos20 12 1 1 2 1 1 2
S6 Cego de nascença
14 10 1 2 1
Como vemos na tabela 6.53 as convicções que obedecem o paradigma
aristotélico de movimento representam individualmente para cada sujeito a maior parte de
suas convicções. Para S1, aproximadamente 67% de suas convicções são aristotélicas,
parcialmente aristotélicas ou impetus, para S2, esse número é de 64%, S3 apresenta um
percentual de 77,3% de convicções relacionadas ao paradigma aristotélico, S4 76,2%; S5, 70%
91
e S6, 78,6%. É importante observarmos que alguns sujeitos como é o caso de S1 e S2,
apresentam convicções concordantes e discordantes do conceito de impetus, outros como S3 e
S4, apresentam convicções concordantes com a aristotélica e discordantes dessa mesma teoria
e os sujeitos S5 e S6, apresentam convicções concordantes com as teorias aristotélicas e
impetus e outra discordantes dessas mesmas teorias.
Embora as concepções que obedecem o paradigma aristotélico de movimento
representem a base conceitual de cada indivíduo, em algumas ocasiões do diálogo os sujeitos
emitiam concepções que eram discordantes desse paradigma. Tais concepções, mesmo em
menor quantidade e de uma maneira geral, referem-se a noções de trajetórias de esferas (C17,
C18 e C43), à noções de queda de objetos ou de força e velocidade (C26, C32, C33, C38 e C44).
Analisaremos agora cada convicção individualmente, a sua relação com cada
sujeito, com o grupo deles e com o paradigma aristotélico de movimento. As convicções C1,
C2, C3 e C4, expressam basicamente que estar em repouso é estar não sujeito à ação de forças.
De acordo com os sujeitos que expressaram essas convicções, repousar não necessita de
maiores explicações, já que para eles parece óbvio que objetos inanimados como um livro
sobre a mesa permaneçam ali sem que algo os tire dali (C1 e C2). Tal convicção assemelha-se
com a visão aristotélica de mundo que baseava-se em pressupostos de uma Terra estática no
centro do universo e da tendência natural de objetos sólidos, isto é, formados do elemento
terra buscarem seu lugar natural no centro do universo. As coisas estão (ou devem estar)
distribuídas e dispostas de uma maneira bem determinada; estar aqui ou ali não lhes é
indiferente, mas, ao invés, cada coisa possui, no universo, um lugar próprio conforme a sua
natureza. (É só no ‘seu lugar’ que se completa e se realiza um ser, e é por isso que ele tende
para lá chegar). Um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar; a noção de ‘lugar natural’
traduz esta exigência teórica da física aristotélica. Segundo esta concepção, o repouso de um
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objeto não necessita de maiores explicações é a sua própria natureza que o explica, que
explica, por exemplo, o repouso da Terra no centro do mundo (Koyré, 1986).
A convicção C3, afirma que objetos sem vida como uma mesa, não exercem
forças, ela apenas serve de obstáculo para que o livro não prossiga o seu movimento natural
de chegar até o centro da Terra. A experiência que realizamos com os sujeitos cegos, ou seja,
a experiência de colocarmos vários livros sobre sua mão estendida, tinha o objetivo de colocá-
los em reflexão sobre questões relacionadas à ação de forças que agem no sentido de manter
objetos em repouso. É evidente que cada sujeito necessitou fazer força com seu braço
estendido a fim de segurar o livro (C4), no entanto, a mesa de acordo com essa concepção, por
não possuir vida, não poderia em hipótese alguma exercer uma força superior no livro a fim
de impedir que ele caísse (C3). Encontramos tal convicção nos trabalhos realizados com
sujeitos “normais” por Minstrell (1982), “a convicção errada mais evidenciada pelos
estudantes era a falta de força exercida pela mesa, a mesa era simplesmente um obstáculo”, e
por Halloun e Hestenes (1985), “obstáculos podem redirecionar ou parar o movimento, mas
eles não podem ser agentes de uma força aplicada”. É importante ressaltarmos que as
convicções C2, C3 e C4, foram expressas por todos os sujeitos, e C1 foi expressa por todos com
exceção de S4.
Em C5, convicção expressa por S1 e S2, os sujeitos admitem várias fontes de
força separando-as em categorias como força humana, a que é exercida pelo homem; força
elétrica, a que move aparelhos elétricos como ventilador; etc, no entanto, o que nos parece
fundamental nesta convicção é a maneira com que S1 e S2 caracterizam o seu conceito de
força. Para eles, a natureza da força é intrínseca à natureza de quem a exerce, como se a força
exercida pelo homem tivesse também características humanas e a força exercida por motores
elétricos tivesse características elétricas.
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Nas convicções C6 e C7, convicções expressas por todos os sujeitos, C19
expressa por todos os sujeitos exceto por S1, C23, convicção expressa por S2, S3 e S5, e no
grupo de convicções expressas por um único sujeito, C27, C30, C31 e C47, há uma declaração ou
conceitualização do pensamento espontâneo acerca do movimento, pois tais convicções
afirmam explicitamente que o motivo pelo qual um objeto se move é devido à ação de uma
força e esse movimento terá fim assim que essa força deixar de atuar sobre o objeto. Tais
convicções assemelham-se ao conceito de movimento forçado de Aristóteles. Para Aristóteles,
movimento não natural só é possível quando se associa ao que se move, uma força. Isto
parece bastante óbvio tanto para Aristóteles quanto para o nosso grupo de sujeitos, pois a
partir do momento em que a força cessa, o movimento também cessa e como as pessoas que
participaram de nossa entrevista eram cegas e um dos objetos que era posto em movimento
era um livro, a experiência que os levava a afirmar isso, era totalmente tátil, ou seja, quando
se empurrava o livro ele se movia, e quando se retirava a mão do livro ele parava. Portanto
segundo esta concepção, para que haja um movimento, é necessário que o que move e o que
se movimenta estejam em permanente contato.
A convicção C9, convicção que foi expressa por todos os sujeitos, refere-se ao
movimento de objetos que continuam a se mover mesmo após não haver mais o contato entre
o que se move e o movedor. Tal concepção, é semelhante ao conceito de força impressa
proposto durante a Idade Média por Philoponus (século V) e Buridan (século XIV). Este
conceito, embora supere a antiperistasis aristotélica, que atribuía ao ar a função dupla de
resistência ao movimento e de agente movedor, não deixa de obedecer a um dos princípios
básicos do paradigma aristotélico, o princípio de movimento forçado, isto é, para que um
corpo se mova, há a necessidade ou exigência de que “algo” o movimente, seja este “algo”
uma força externa ao corpo, ou no caso do impetus, uma força impressa ao corpo pelo
movedor, que no ato de pô-lo em movimento, transfere a ele “uma força, um poder imaterial”
94
que será responsável pela continuidade do mesmo. De acordo com esse princípio, o
movimento cessará com a diminuição gradativa do impetus, que para Philoponus se dará
espontaneamente e para Buridan, se dará devido às resistências externas que o meio oferece
ao corpo. O que é importante observarmos em tal convicção, é a relação entre ela e a
característica dos sujeitos que a expressaram, que em nossa pesquisa específica, eram cegos, e
portanto, podemos afirmar que o tipo de experiência que os levou a expressar tal concepção
não foi a visual, pois alguns objetos como uma bola continuam seu movimento sem que haja
qualquer contato com o movedor, e este fato é perfeitamente observável visualmente,
consequentemente, para pessoas que não são cegas, as experiências visuais participam
diretamente na percepção do fenômeno. No entanto, embora cegos, os sujeitos de nossa
pesquisa foram unânimes em descrever o fenômeno e em responder que objetos que se
movem após cessar o contato entre eles e o movedor, fazem isto devido à ação de “algo” que
lhes é transferido e o fim do movimento se dará quando este “algo” se extinguir. Este tipo de
concepção, conforme aponta Peduzzi (op. cit.) é bastante comum entre estudantes e de acordo
com Steinberg et. al. (1990), o próprio Newton encontrou grandes dificuldades em superar a
concepção de força impressa ou impetus, especificamente, trabalhou com análise e superação
do problema entre os anos de 1664 e 1685. A convicção C10, unânime entre os sujeitos, refere-
se à uma comparação entre as distâncias percorridas por um livro e por uma bola quando
esses são submetidos à ação de uma mesma força. Evidentemente que a bola percorrerá uma
distância maior que o livro e de acordo com nossos sujeitos, o motivo pelo qual isto acontece,
está diretamente relacionado ao formato, peso e material dos objetos que ofereceriam maiores
dificuldades à continuidade do movimento, que de acordo com C9, seria responsabilidade da
força impressa, ou impetus. Portanto, de C9 e C10, podemos concluir que o formato, peso e o
material de um objeto oferecem maiores dificuldades ou resistências à continuidade do
movimento, continuidade esta que é responsabilidade de uma “força” impressa ou impetus.
95
As convicções C8, C22 e C32, referem-se à noções de velocidade. Destas
convicções, C8 e C22, relacionam-se à velocidade associando-a com distância e tempo, sendo
que em C8, S1 e S2 declaram corretamente o seu conceito de velocidade constante. Isso nos
parece curioso, pois, S1 e S2 em suas explicações, apresentam noções de distância recorrendo
a exemplos como o de distância entre cidades, mesmo sem possuir o sentido da visão. Em C32,
convicção expressa apenas por S4, há uma confusão do sujeito em relação à noções de força e
de velocidade, pois o mesmo afirma que ambas são a mesma coisa.
O grupo de convicções C11, C12, C13, C18, C20, C21, C29, C37, C40, C41 e C46, exibe
uma característica em comum, ou seja, o conceito de que objetos próximos à superfície da
Terra, têm a tendência natural de irem ao seu encontro. Tal idéia é evidenciada explicitamente
nas convicções C11, C12 e C13, convicções que foram expressas por no mínimo quatro sujeitos,
e, C40 e C41, convicções expressas por apenas um sujeito (S5). Propriedades como “a queda é
algo natural”, “os objetos caem pois não há nada que os segure”, “quanto maior a massa,
menor o tempo de queda”, “o peso ou gravidade é uma propriedade intrínseca dos objetos, ou
uma tendência que os objetos têm de cair em lugar de uma atração gravitacional exercida pela
Terra”, são características dominantes neste tipo de conceito Minstell (op. cit.). Outras
características não tão comuns, pelo menos ao nosso grupo de sujeitos, referem-se à relação:
tempo de queda/formato dos objetos.
Notemos que as convicções C14 e C15, convicções comuns à S1 e S3, são
contraditórias. Tal contradição surgiu no decorrer do diálogo por ocasião da discussão acerca
da queda dos objetos, em particular da comparação entre os tempos de queda de objetos de
massas diferentes. É fato que S1 e S3 sabiam que o formato de um objeto não interfere em sua
massa como no caso da folha de papel aberta e fechada e tal convicção verificou-se em C14, no
entanto, também é fato que S1 e S3 possuem a convicção aristotélica de que a massa de um
objeto interfere em seu tempo de queda C13. Quando perguntados quem chegaria ao solo
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primeiro, (a folha de papel aberta ou a bola), S1 prontamente respondeu que seria a bola, pois
possuía massa maior que a folha de papel, o que realmente se confirmou. Ao pedirmos para
que ele amassasse a folha de papel, e a abandonasse junto com a bola, S1 notou auditivamente
que neste caso ambas chegaram juntas, e apesar de já haver dito que o formato não interfere
na massa dos objetos, voltou atrás em sua convicção C14 com a finalidade de defender seu
modelo aristotélico de queda dos objetos C13, afirmando categoricamente que o motivo pelo
qual a folha de papel amassada havia caído junto com a bola, era porque ela teria ficado mais
“pesada” que a folha de papel aberta C15. Podemos dizer que neste caso, S1 encontrava-se em
uma situação de escolha, ou negava sua convicção aristotélica C13, ou abandonava sua
convicção C14. Curiosamente, ele optou pela preservação de seu modelo aristotélico de queda
dos objetos, ao invés da convicção C14, de que o formato interfere na massa dos corpos.
Para S3, tal contradição foi observada pelo fato de que ele alterou seu discurso
durante o diálogo, já que antes de expressar C13, ele por muitas vezes expressou a convicção
C26. Durante sua entrevista, ele afirmava categoricamente que objetos mais leves teriam maior
facilidade em chegar ao solo do que outros mais pesados, o que não foi observado
auditivamente por ele na realização do experimento de abandonar a bola e a folha de papel
aberta. Após a realização deste experimento, começou a dizer o contrário, ou seja, começou a
afirmar que a bola chegou primeiro ao solo devido ao seu peso e posteriormente afirmou que
a folha de papel amassada chegava junto com a bola ao solo, porque tinha ficado mais pesada
que a folha de papel aberta. Para S3, o conceito C13, foi observado após a realização do
experimento da bola e da folha de papel aberta e portanto, tal experimento teve papel decisivo
para o surgimento do conceito C13, o que não verificamos em S1 que expressava C13 de uma
maneira mais convicta e principalmente antes e depois da realização do experimento
bola/folha de papel. Observemos o seguinte trecho do diálogo entre S3 e E, que explicita o
conflito gerado pela realização do experimento bola/folha de papel:
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E: Então quer dizer que na sua opinião a de um quilo desce primeiro?
S3: Eu acho.
E: O mais pesado chega depois?
S3: Mas aquela hora eu tava pensando que a bola chegava primeiro.
E: Então você acha que quanto mais pesado, demora mais pra chegar no
chão?
S3: Ah, eu não acho nada.
E: Você não tem opinião sobre isso?
S3: Cada hora eu tenho uma opinião. Agora eu acho, mas aquela hora eu não
tava achando.
Objetivamente, antes da realização do experimento bola/folha de papel, S3
expressava C26, o que deixou de ocorrer após a realização do já referido experimento, pois
nesta ocasião passou a expressar C13, ou seja, após observar auditivamente que a bola chegava
primeiro ao solo, justificou o fato através do argumento de que isto ocorria pelo maior peso da
bola. Quando pedimos para que S3 amassasse o papel e o soltasse da mesma altura e no
mesmo instante que a bola, ele também notou auditivamente que desta feita, ambos caíam
aproximadamente juntos, o que o levou a expressar C15 para justificar o menor tempo de
queda da folha de papel amassada em relação à folha de papel aberta. Curiosamente, para S1 e
S3, embora em circunstâncias diferentes, a contradição entre C14 e C15, foi observada, o que
nos leva a concluir que especificamente para esses sujeitos, a convicção C13 possui muito mais
“força” em seu grupo de convicções do que a convicção C14, aparentemente mais óbvia e mais
simples.
É importante ressaltar que C13 foi identificada em todos os sujeitos com
exceção de S6 e C26 foi identificada nos sujeitos S3, S5 e S6, o que nos leva a uma outra
observação importante, a de que as convicções C13 e C26, são comuns a S3 e S5, isto é, estes
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sujeitos, ao longo de seus discursos, devido às questões que a eles foram colocadas,
expressaram duas convicções que possuem em comum o fato de que a massa interfere no
tempo de queda de um objeto, mas que se contradizem quanto à relação quantidade de
massa/intervalo de tempo de queda.
As convicções C16 e C29, referem-se respectivamente à trajetória de esferas que
abandonam tubos encurvados e retos e à trajetórias de esferas que se desprendem de um
barbante que as fazia girar. Nelas pode-se encontrar uma semelhança com a generalização do
conceito de impetus feita por seguidores de Buridan. Alguns teoristas do impetus, a fim de
explicarem o movimento de uma roda e a continuidade do movimento das esferas celestiais ao
redor da Terra, postularam uma vertente da teoria de força impressa, isto é, um impetus
circular. McCloskey (1980), encontrou junto a estudantes não cegos, convicções semelhantes
à estas (C16 e C29), segundo ele, a maioria de seus estudantes que desenharam trajetórias
encurvadas, acreditavam que uma esfera que se move dentro de um tubo encurvado, adquire
uma força ou impulso que é responsável pela continuidade do movimento curvilíneo por
algum tempo após ter deixado o tubo. Em nosso experimento, pedimos para que os sujeitos
descrevessem a trajetória de uma esfera após abandonar dois tipos de tubos, um reto e um
encurvado, e também para descreverem a trajetória de uma esfera após se desprender de um
barbante que a fazia girar e embora não fossem convicções unânimes, encontramos C16 para
os sujeitos S1, S2, S3 e S4 e C29 para S3.
Por outro lado, as convicções C17, C18 e C28, foram classificadas como:
discordantes da teoria de impetus (C17 e C18), ou sem conexão com essa teoria, (C28).
Principalmente em C18, verificamos que a ausência de visão interfere de maneira significativa,
pois S1 e S2, embora ouçam o impacto da esfera com o solo, nunca foram capazes de ver que
no caso específico desta experiência – uma esfera amarrada a um barbante girando sobre a
cabeça – a trajetória descrita pela esfera quando o fio se rompe, é diferente da retilínea de
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cima para baixo. Em nenhum momento S1 e S2 mencionaram o deslocamento horizontal da
esfera, para eles, a esfera deveria cair exatamente na vertical e sobre sua cabeça. Já em C37,
convicção expressa apenas por S4, encontramos uma descrição um pouco mais completa da
trajetória da esfera, pois esse sujeito descreve o deslocamento horizontal da mesma.
Coincidentemente ou não, S4 é um dos dois sujeitos de nossa pesquisa que não nasceram
cegos, pois perdeu a visão aos três anos, no entanto, entre os sujeitos que participaram da
experiência de girar um barbante amarrado a uma esfera sobre sua cabeça, foi o único que
descreveu o deslocamento horizontal da esfera. Cabe observar que os sujeitos S5 e S6, não
participaram desta experiência.
A convicção C28, expressa apenas por S3, nos chamou a atenção de uma
maneira especial, pelo fato de que a justificativa empregada pelo sujeito para esta convicção,
envolveu uma experiência particular de sua parte, ou seja, S3 afirmou que a trajetória de uma
esfera ao abandonar um cano, seja ele reto ou curvo, seria aleatória, a não ser que houvesse
paredes paralelas à esfera que a fizesse seguir a trajetória retilínea. Tal analogia foi empregada
por S3, já que ele comparou a trajetória da esfera com a sua trajetória em um lugar aberto, sem
paredes para que ele pudesse apoiar as mãos, como no caso de um corredor, isto é, pelo fato
de S3 só conseguir andar em linha reta apoiando suas mãos nas paredes paralelas de um
corredor, tal conceito foi generalizado por ele para o caso da bola, e portanto, como S3 se
sente totalmente perdido em um lugar aberto, e consequentemente se move segundo uma
trajetória aleatória, a esfera ao abandonar canos, deveria ter o mesmo comportamento.
A convicção C43, expressa por S5 e S6, atribui uma trajetória retilínea à esfera
após abandonar o cano, contudo, era impossível identificar nos gestos feitos pelos sujeitos, já
que esses descreviam com as mãos a trajetória das esferas, qual seria a sua direção, o que nos
leva a concluir que a convicção C43 não era muito “clara” para esses sujeitos, já que nos
parece que eles não sabiam ao certo para onde a esfera iria após abandonar os canos.
100
De uma maneira geral, as convicções referentes à trajetórias de esferas,
apresentaram uma convergência à teoria de impetus circular C16, para um grupo de quatro
sujeitos, no entanto, demonstraram ser extremamente novas do ponto de vista de experiências
e nos pareceu bastante evidentes as dificuldades que os sujeitos tinham para emitir opiniões
ou convicções sobre esse tema.
As convicções C24 e C25, expressas por S3, enfocam uma característica da
continuidade do movimento de um objeto, a influência do atrito entre a superfície do objeto e
o meio, isto é, entre nossos seis sujeitos, apenas S3 sugeriu exemplos ou situações envolvendo
objetos que se movem atribuindo ao atrito a responsabilidade pela duração do movimento. De
acordo com Aristóteles, o movimento só seria possível devido à ação de duas “forças” por
assim dizer, sendo que uma delas já foi discutida anteriormente por ocasião da análise de
algumas convicções, entre elas C6 e C7, ou seja, segundo o paradigma aristotélico de
movimento, a velocidade de um corpo é diretamente proporcional à força exercida pelo
movedor e inversamente proporcional às resistências ao movimento, exercidas pelo meio
físico, (equação 3.3), ou seja, para Aristóteles, não há movimento no vazio, ou ainda, não há o
vazio, pois se houvesse, a velocidade do corpo neste lugar tenderia ao infinito, o que seria
absolutamente inviável para tal paradigma (Koyré, A. 1991). Portanto, para Aristóteles, para
que haja o movimento, a força aplicada pelo movedor deve ser maior que a resistência do
meio, sendo que quanto maior a resistência, mantendo-se a força que é aplicada pelo
movedor, constante, menor seria a velocidade do objeto e quanto menor a resistência do meio,
maior a velocidade do objeto. Isto explica por exemplo, a diferença de velocidade entre duas
esferas de mesmo tamanho e material que se deixam cair dentro de dois recipientes de mesma
altura, mas que contém fluídos diferentes como por exemplo água e óleo, ou ar e água. O que
se observa, é que no fluído de maior densidade, o tempo de queda da esfera é maior que no
fluído de menor densidade (Cohen, op. cit.), e de uma certa forma, S3 foi capaz de expressar
101
essa idéia nas convicções C24 e C25, atribuindo à relação objeto/meio a responsabilidade pela
maior duração de um movimento. É interessante observar que S3 possui as convicções C6, C7 e
C9 que de uma certa forma impõe a necessidade de uma força para a continuidade do
movimento, e juntamente a essas, expressa as convicções C24 e C25, convicções estas que
enfocam a relação atrito do corpo/meio físico em suas explicações quanto à duração do
movimento.
Analisaremos agora um grupo de convicções bastante curiosas por exibirem
características interessantes e até mesmo inesperadas. Em C33, S4 afirma que sem a gravidade
os objetos iriam pra cima, o que é curioso, primeiro pelo emprego do termo “gravidade”,
termo sugerido por ele mesmo, segundo, pela interpretação da gravidade, que de uma certa
forma tem a função de atrair objetos para baixo, terceiro, pela característica natural que
objetos têm de ir para cima na ausência de gravidade. Apenas para ressaltar, S4 cursou até a 8ª
série e provavelmente C33, tanto do ponto de vista de linguagem, quanto do ponto de vista de
conceitos possa ter sido influenciado por este fato. Já em C34 e C35, S4 volta a se utilizar da
expressão gravidade para justificar alguns fenômenos, atribuindo à gravidade, a propriedade
de força, ao ar, a capacidade de exercer força, não que isto tenha qualquer relação ao conceito
aristotélico de antiperistasis, e em C35, justifica que em pássaros ou aviões, não há ação da
gravidade, o que nos parece pelo menos curioso por dois motivos. O primeiro deles é que por
S4 ser cego desde os três anos, o tipo de experiência visual que ele possa ter tido com pássaros
e aviões voando, nos parece ter sido mínimos e portanto, o que o leva a concluir que pássaros
e aviões voam, venha de experiências auditivas como ouvir um avião voando ou um pássaro
cantando e também de informações provenientes de outras fontes como pessoas, rádio,
televisão, etc. O segundo motivo, refere-se a utilização do termo gravidade – algo que não é
claro para ele mas de alguma forma refere-se à objetos que caem – para justificar a causa de
102
aviões ou pássaros não caírem, isto é, de acordo com ele, este fato ocorre justamente porque a
gravidade não age nestes objetos.
Nas convicções C38 e C42, S5, único sujeito a expressá-las, apresenta um
paralelo entre atração gravitacional e atração magnética, comparando a Terra a um grande
imã. Tais convicções, discordante da teoria aristotélica C38, e sem conexão com essa teria C42,
exibem uma característica não identificada em outros sujeitos, isto é, a noção de ação à
distância, jamais aceita por Aristóteles e tão peculiar à Física Newtoniana. Acreditamos que
tais conceitos tenham sido adquiridos por S5 através da escola, já que ele estudou até a 5ª
série, ou mesmo por outras fontes de informação, auditivas, como programas de TV etc, já
que esse sujeito nos pareceu ser uma pessoa bastante esclarecida e consequentemente com
extrema facilidade de expor suas idéias, característica básica de pessoas que lêem ou no caso
de um cego, que tem acesso à informação por vias auditivas. Contudo S5 não deixou de
expressar convicções do tipo C11, isto é, que obedecem ao princípio aristotélico de lugar
natural, que surgem ou são adquiridas através de experiências e dessa forma são muito mais
relevantes para o indivíduo.
Na convicção C36, convicção expressa apenas por S4, há curiosamente uma
contradição em relação à C15, convicção também expressa por esse sujeito, ou seja, S4
expressou em seu diálogo, primeiro que a folha de papel amassada é mais pesada que a folha
de papel aberta, e depois, o contrário. Talvez essa contradição possa ser interpretada como um
problema de linguagem ou dificuldade por parte de S4 em emitir opiniões de algo que é
imperceptível do ponto de vista tátil. Desta forma, ser mais leve ou mais pesada para a folha
de papel aberta, possa ter se confundido com formatos e isto em conjunto das experiências de
abandonar bolas e folhas, possa ter gerado a contradição entre C15 e C36, para S4.
Para S6, a convicção C44, convicção que afirma que bola e folha de papel aberta
cairão juntas, parece ser bastante relevante, já que ele, em nenhuma ocasião de seu diálogo
103
expressou C13, pois nos pareceu ter dificuldades em perceber auditivamente que a bola
chegava primeiro ao solo que folha de papel aberta.
Finalmente, em C45, convicção expressa por S2, há uma confusão por parte do
sujeito entre os conceitos de força e energia, confusão esta, bastante comum para as pessoas,
que empregam tais termos em situações corriqueiras como por exemplo, “eu vou te dar uma
força”, ou então “você está carregado com uma energia positiva” e consequentemente,
atribuem a esses conceitos, uma conotação não diferenciada de um ente responsável por
mover coisas, segurar coisas, ou mesmo de garra, vontade, superação, etc.
Portanto, de uma maneira geral, analisamos as quarenta e sete convicções
diagnosticadas em nosso grupo de seis sujeitos, enfocando a relação entre grupos de sujeitos e
grupos de convicções, grupo de convicções expressas por cada sujeito, características
conceituais de cada convicção, tendo em vista a Física Aristotélica e/ou do Impetus, o que
pudemos observar, foi que embora cegos, nossos sujeitos apresentaram convicções acerca de
repouso e movimento bastante semelhantes a de pessoas não cegas, isto é, convicções que
obedecem aos princípios aristotélicos de Lugar Natural e de Movimento Forçado. Na tabela
6.54, agrupamos as convicções, relacionado-as ao paradigma aristotélico de movimento.
Tabela 6.54: Relação entre as convicções e o paradigma aristotélico de movimento.
Movimento Forçado
Objetos que se movem mantendo o contato com o
seu movedor
C6, C7, C19, C23, C27, C31, C47.
Objetos que se movem sem contato com o movedor
(impetus)
C9, C10, C16, C24, C25, C29, C30, C40.
Lugar Natural C1, C2, C3, C4, C11, C12, C13, C18, C20, C21, C29, C37, C40, C41, C46.
Como se nota na tabela 6.54, das 47 convicções diagnosticadas dos seis
sujeitos de nossa pesquisa, 15 convicções ou aproximadamente 32%, seguem o princípio
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aristotélico de Movimento Forçado, outras 15, ou aproximadamente 32%, obedecem ao
principio aristotélico de Lugar Natural, ou seja, aproximadamente 64% das convicções
obtidas, obedecem ao paradigma aristotélico de Movimento. As noções de que a todo
movimento associa-se uma força, e de que um objeto cai pois cair é algo natural, representam
praticamente a base conceitual de nossos sujeitos. A ausência de visão, apesar de trazer
limitações observacionais ao indivíduo, não aparenta ser preponderante ou até exclusiva ao
grupo de experiências que levam um sujeito a construir explicações de fenômenos
relacionados à repouso e movimento dos objetos. Experiências táteis, auditivas, participam
diretamente, não só na interação do sujeito cego com o meio físico, mas também levam à
experiências que geram conceitos muito semelhantes aos de pessoas que enxergam. Portanto,
se um sujeito nasce cego, a percepção das experiências cotidianas relacionadas a repouso e
movimento não é obtida através do estímulo visão, mas sim, através de outros sentidos e de
interações sociais. Como toda pessoa, um indivíduo cego cria modelos, sugere explicações
para qualquer questionamento que a ele seja feito, isto é, descreve aviões e pássaros voando,
descreve trajetórias de esferas, de bexigas e de penas, propõe formatos para a Terra, a Lua e
as Estrelas, usa exemplos de distâncias entre cidades para explicar determinados conceitos,
descreve o que vai acontecer com uma bola que é posta em movimento num campo aberto, e
de acordo com o que pudemos observar em nossa análise de convicções, todas essas
explicações seguem uma tendência geral ou obedecem a um paradigma em comum. De
acordo com o conceito de funções psicofisiológicas que vem a ser, segundo Leontiev et. al.
(op. cit.), as funções fisiológicas do organismo, e entre tais, as sensoriais, nenhuma atividade
psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções. Se excluirmos as cores, a
imagem em nossa consciência terá a palidez de uma fotografia em branco e preto, se
excluirmos a visão, não teremos imagens visuais da realidade em nossa consciência, ou seja,
como aponta Biriliev (Apud. Vigotski op. cit.), cego altamente instruído, a cegueira não é algo
105
que ele perceba diretamente, já que a capacidade de ver a luz, tem um significado prático e
pragmático para o cego e não instintivo-orgânico, no entanto, uma pessoa cega, pode propor
uma teoria sobre a natureza da luz, embora suas experiências visuais sejam nulas.
Conforme aponta Vigotski (op. cit.), o aparelho psíquico e o sistema nervoso
central, trabalham a fim de superar uma dificuldade social gerada pela ausência total ou
parcial de um determinado estímulo sensorial. Para o cego, a consciência de não enxergar,
tem um significado baseado estritamente nas interações sociais e a fim de superar todas as
dificuldades impostas pelo meio social, o sistema nervoso central e o aparato psíquico
assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, o que não significa
que a representação da realidade física na consciência de um indivíduo cego, seja a mesma de
uma pessoa não cega, ou seja, outros sentidos como ouvir, sentir, etc, nunca darão ao cego,
características da realidade que são fornecidas exclusivamente pela visão, contudo, através da
super compensação, que vem a ser a superação, por parte do organismo, das dificuldades
impostas socialmente, um cego pode se desenvolver e se estabelecer na vida social, da mesma
forma que uma pessoa vidente.
Especificamente em nossa pesquisa, ou seja, identificar quais são as
concepções alternativas de repouso e movimento de pessoas cegas, notou-se grande
semelhança entre o pensamento espontâneo de uma pessoa cega e de uma pessoa não cega.
Em cima disto gostaríamos de propor alguns questionamentos. Qual é o papel de cada sentido
na percepção de experiências que levam as pessoas a criar modelos e propor explicações para
realidade física? Por que as experiências observadas por um indivíduo levam-no a acreditar
que o movimento só se dá pela ação de uma força ao ponto de estenderem esse raciocínio a
objetos que se movem sem o contato com o movedor? Por que o Movimento Natural é um
consenso entre as pessoas, a ponto de levar Aristóteles a criar uma teoria extremamente
complexa para justificar tal fato? Que tipo de experiências levam indivíduos cegos a
106
construírem modelos da realidade física? Por que esses modelos são praticamente idênticos
aos de pessoas não cegas?
Acreditamos que a busca da solução para tais questionamentos possa vir
contribuir significativamente para o ensino de Física não só do deficiente visual, ou seja, a
elaboração de atividades de ensino pode e deve basear-se em experiências não visuais, que
possam gerar situações problemas a fim de se obter conflitos entre os modelos espontâneos
dos indivíduos e fenômenos que tais modelos não dão conta de explicar. Portanto a cegueira,
além de não ser fator preponderante nas diferenças conceituais entre as pessoas cegas e não
cegas, pode servir de referencial para a elaboração de atividades de ensino de Física que
busquem uma mudança conceitual acerca de repouso e movimento, ou seja, que busquem a
superação do paradigma aristotélico de movimento que se baseia nos princípios de
Movimento Forçado e de Lugar Natural.
107
6.4. Análise de Trechos Selecionados que Revelam Aspectos Observacionais não Visuais
Enfocaremos neste tópico, alguns trechos extraídos das entrevistas de nossos
seis sujeitos. Na seção anterior, analisamos as 47 convicções identificadas nas entrevistas de
nossos sujeitos e concluímos que, embora cegos, suas convicções de repouso e movimento
assemelham-se à de pessoas não cegas e consequentemente obedecem ao paradigma
aristotélico de movimento. Conforme indica Coll et. al. (1998), as concepções alternativas
exibem algumas características como por exemplo: são construções pessoais, possuem
coerência do ponto de vista pessoal e não do científico, são estáveis e resistentes à mudança,
são descobertas nas atividades ou previsões, são compartilhadas por outras pessoas, procuram
a utilidade mais do que a “verdade”. É inquestionável o fato de que todas as pessoas trazem
consigo concepções alternativas sobre determinado assunto ou conceito, sejam essas pessoas
alunos de ensino médio ou fundamental, professores de Física ou até pesquisadores na área de
ensino de Física. Por muitas vezes, “possuímos” um determinado conhecimento científico que
contrapõe-se radicalmente à nossa maneira “íntima”, “secreta”, de pensar ou até de entender
determinados fenômenos, e desta forma devemos reconhecer o quão “forte” representam
idéias ou noções que adquirimos ao longo de nossa vida através de experiências que são
observadas pelos sentidos.
Conforme descrevemos, concepções alternativas sobre repouso e movimento
de pessoas cegas, assemelham-se à de pessoas não cegas e portanto, o fato de se excluir a
observação visual não influencia significativamente na maneira com que o indivíduo
interpreta fenômenos relacionados a repouso e movimento, e consequentemente, outros tipos
de interações e observações de experiências que um indivíduo estabelece com o meio físico,
levam-no à mesma estrutura conceitual em relação à de pessoas que enxergam, isto é,
108
experiências não visuais contribuem para que as pessoas apresentem os mesmos tipos de
convicções.
Apresentaremos agora, trechos de diálogos extraídos das entrevistas com nossos sujeitos
que referem-se a exemplos de experiências não visuais vividas individualmente por eles.
Cabe ressaltarmos, que tais experiências vinham à tona através de exemplos fornecidos
pelos sujeitos quando, por ocasião de algum questionamento que a eles eram feitos.
Descreveremos a seguir, fragmentos das entrevistas de S1, S4, e S6 que referem-
se à trajetórias de objetos lançados. Um trecho importante da entrevista de S1, relaciona-se à
suas explicações acerca da trajetória de uma pena após ser lançada para a frente por uma
pessoa:
S1: Se a gente jogar uma pena, ela não vai voar para baixo, ela vai voar para
cima, ela é leve.
E: Você acha que a pena vai voar para cima?
S1: Vai.
E: E ela vai subir até onde?
S1: Até onde ela tiver força, tiver alguma força para empurrar ela, ela vai.
E: E depois?
S1: Depois ela cai.
Neste trecho, identificamos algumas convicções, como por exemplo C11 (Lugar
Natural) e C9 (Impetus), aplicada a um objeto bastante comum, a pena. Este segmento se torna
bastante diferenciado pela ausência total de visão do sujeito, já que este jamais poderia ter
visto o que disse. A convicção C11 expressa principalmente no fragmento: “Se a gente jogar
uma pena, ela não vai voar para baixo, ela vai voar para cima, ela é leve”, parece-nos ter
sido “adquirida” por S1 independentemente de quaisquer estímulos visuais. Esta afirmação de
S1 parece-nos refletir uma generalização feita pelo sujeito acerca do modelo aristotélico de
109
Lugar Natural. De acordo com o que foi discutido anteriormente, Aristóteles separou o
movimento em Movimento Natural e Movimento Forçado, sendo que o conceito de
Movimento Natural, afirma que dependendo do tipo de elemento que um certo material é
constituído, ele deveria ocupar um determinado lugar. Os materiais constituídos do elemento
terra (“pesados”), ocupariam o centro do universo, isto é, teriam a tendência natural de cair.
Os materiais constituídos do elemento ar e/ou fogo (“leves”), ocupariam seu lugar natural que
seria a esfera lunar, ou seja, teriam um movimento natural para cima. Podemos supor que para
S1, a pena, embora sólida, represente por sua “leveza” o oposto de objetos “pesados” como a
bola, e portanto, deva subir. Acreditamos que o “surgimento” de tal convicção C11, do ponto
de vista dos estímulos sensoriais, não seja só influenciado pelo estímulo visão, mas sim, por
estímulos auditivos como intensidade do som resultante do choque de objetos com o solo e
experiências cotidianas do ponto de vista tátil, como segurar um balão cheio de gás hélio ou
carregar algo “pesado”, ou até mesmo subir e descer rampas:
E: Na sua opinião é natural as coisas caírem para baixo?
S1: Quando é mais pesado, sim.
E: Mais pesado do que quem?
S1: Mais pesado que o ar que faz a força que empurra ela.
E: O ar, na sua opinião, empurra as coisas para cima, ou para baixo?
S1: Depende do peso do objeto.
E: Depende do peso. No caso da bexiga?
S1:Para cima.
E: No caso da bola?
S1: Para baixo.
S1 somente disse que a pena retornaria ao solo, quando indagada
precipitadamente pelo entrevistador:
110
E: Você acha que a pena vai voar para cima?
S1: Vai.
E: E ela vai subir até onde?
S1: Até onde ela tiver força, tiver alguma força para empurrar ela, ela vai
(Impetus – C9).
E: E depois?
S1: Depois ela cai.
Acreditamos que especificamente para o caso da comparação entre a bola e a
pena, S1 possa ter associado “peso” da bola com intensidade do som do choque da bola com o
chão e “leveza” da pena ou do balão com a ausência de som proveniente de um não verificado
choque, entre estes objetos e o chão. Portanto, podemos concluir que provavelmente S1 tenha
generalizado, a partir de experiências táteis e auditivas como as descritas, o conceito C11.
Ainda, sobre o tema “objetos lançados”, os trechos a seguir, extraídos das
entrevistas de S4 e S6 respectivamente, referem-se ao fenômeno de lançar uma bola
verticalmente para cima. S4 parece não saber descrever o que ocorre efetivamente com uma
bola quando essa deixa a mão de quem a lançou. Não é claro para ele que a bola sobe, atinge
uma altura máxima e volta. O que ele sabe, é que ela volta, pois ouve o impacto da queda e
sabe também que se a bola for lançada em uma sala fechada, ela baterá no teto e depois
retornará ao solo.
E: Antes de começar a cair ela vai até onde?
S4: Não tem aonde ir.
E: Você acha que ela sobe uma altura máxima?
S4: Não, não tem altura máxima, nem nada. Altura máxima se fosse aqui, aqui
se jogar aqui, tem altura máxima (teto).
111
Já S6, como poderá ser observado no fragmento abaixo, apresenta uma
descrição melhor do fenômeno e faz uma suposição daquilo que não pode ver e ouvir, isto é, a
situação em que a bola atinge a altura máxima em relação ao solo.
E: Se você jogar a bola pra cima, o que acontece?
S6: Ela vai bater no teto e vai voltar.
E: E se não tem o teto?
S6: Ela vai pra cima e vai voltar no chão.
E: Por que ela volta?
S6: Se jogar pra cima, não tem lugar pra ela ficar lá em cima, ela volta.
E: Se você jogar pra cima, por que ela sobe?
S6: Por que ela tem que subir.
Quando, ao descrever o fenômeno do lançamento vertical de uma bola,
notamos as referências observacionais que S4 e S6 adotam, ou seja, os sentidos audição e tato,
que são responsáveis pela observação do fenômeno por parte deles. O que eles sabem
efetivamente, através de suas experiências não visuais, é que inicialmente a bola encontra-se
em suas mãos (sensação tátil), posteriormente, ela sai de suas mãos pois eles a lançaram para
cima (sensação tátil). Se eles estiverem num lugar aberto, a próxima informação que eles
terão da bola será tátil se ela cair sobre eles, ou auditiva se ela cair no chão. No caso deles se
encontrarem dentro de uma sala, que possui um teto, terão, além das informações já descritas,
uma outra, ou seja, a informação sonora proveniente do choque da bola com o teto e esta
informação lhes dará a consciência de que a bola se encontra acima de suas cabeças. Contudo,
notamos que S4, talvez até por um problema de comunicação, não foi capaz de nos informar
se ele efetivamente sabia ou tinha consciência das etapas descritas por uma bola que é lançada
para cima, ou seja, que ela inicialmente sai de suas mãos, sobe, atinge uma altura máxima e
volta, já para S1 e o caso da pena, tal descrição, isto é, da trajetória do objeto, é feita, no
112
entanto, de uma maneira totalmente baseada em suposições mais do que em experiências, o
que para S4 não ocorre. O que fica claro, contudo, dos exemplos descritos acima, é que S1 não
tem certeza do que ocorrerá com a pena após esta abandonar sua mão, pois lhe falta
informações, já S4 e S6 sabem que a bola, necessariamente, voltará ao solo, pois é isso que
eles ouvem todas as vezes que realizam a experiência.
Em outro trecho, que enfoca noções de Terra de um sujeito cego, S1 apresenta
as suas, de formato da Terra, da Lua e do Sol, noções estas que inicialmente são provenientes
de informações adquiridas principalmente na escola, mas que no decorrer do diálogo, se
mostraram muito mais espontâneas e fruto de experiências:
E: Você já ouviu falar na Lua, não é? O que é a Lua para você?
S1: Um circulo.
E: Você nunca viu a Lua?
S1: Eu não.
E: O que você já ouviu falar da Lua?
S1: Que ela é redonda...
E: E onde ela fica?
S1: Fica lá no alto.
E: E por que ela não cai?
S1: Por causa da força da gravidade que segura ela lá em cima.
E: Mas a força da gravidade não puxa as coisas para baixo?
S1: Puxa mas ela não é pesada, então...
E: Ela é leve?
S1: Ela é leve, fica lá em cima. Creio eu que ela seja leve.
Notemos que S1 apresenta um formato para a Lua (algo redondo), no entanto,
por ser cego, nunca viu a Lua, tudo o que ele sabe da Lua, foi dito a ele, ou seja, que ela é
113
redonda e que ela fica no alto, entretanto, quando questionado quanto ao porquê da Lua não
cair, usa argumentos aristotélicos do tipo C11 afirmando que a Lua não cai por ser leve e faz
isso com a utilização de termos científicos como “gravidade”, que deve ter sido aprendido por
ele na escola, mas que não se refere ao conceito científico gravidade, ou seja, o de ação à
distância.
E: E o Sol?
S1: O Sol é um planeta, né?
E: E qual é o formato dele?
S1: Eu acredito que ele seja em forma de uma bola.
E: Quente ou frio?
S1: Quente.
E: E por que ele não cai?
S1: É porque ele tem que ficar lá em cima.
E: Mas as coisas caem?
S1: Se for pesado, sim.
E: E o Sol?
S1: O Sol deve ser leve.
Neste trecho, S1 expõe suas noções de Sol, ou seja, que ele é como uma bola
(algo que jamais viu), quente (resultado de experiência tátil), leve (explicação do tipo C11, do
porquê dele não cair). Vejamos que essas noções, com exceção da “quente”, não são
resultados de observações, mas sim, de informações adquiridas, ou construídas a partir de
outras experiências, além disso, S1 utiliza um argumento interessante para o fato do Sol não
cair ao afirmar: “É porque ele tem que ficar lá em cima”. Tal argumento, parece-nos
assemelhar-se ao de Lugar Natural de Aristóteles, que justificava o fato de objetos celestes
não caírem à sua natureza intrínseca (Peduzzi, op. cit.). Para S1, objetos celestes como a Lua e
114
o Sol, não caem por dois argumentos principais, o primeiro é porquê são leves, e o segundo é
porquê é natural para eles, ficar no alto.
E: Nós moramos num planeta, certo? Nosso planeta se chama Terra. Como é
esse planeta na sua opinião? Qual a forma dele?
S1: Redondo.
E: Isso faz sentido para você?
S1: Como assim?
E: O planeta ser redondo?
S1: Faz, não faz?
E: Quando você anda, você sente que ele é redondo?
S1: Nem um pouco.
E: Mas então, por que você disse que ele é redondo?
S1: Dizem os experientes...
E: É que disseram para você que é redondo? Na escola disseram para você
que a Terra é redonda?
S1: Para mim não faz diferença nenhuma.
E: O que para você faz mais sentido, a Terra ter o formato redondo ou ter o
formato dessa mesa?
S1: Eu acho que redondo.
E: Você acha que a Terra é grande?
S1: Não dá para ter uma idéia.
E: Onde você imagina que seja o Japão?
S1: É um país do outro lado do mundo.
E: Deixe-me pegar a bola. Você acha que a Terra é assim como a bola?
S1: Assim não. Eu acho que ela é em forma de circulo, como um disco.
115
E: Como um disco?
S1: É.
E: E a Lua?
S1: A Lua? Eu acho que a Lua é como um prato.
E: E o Sol?
S1: O Sol, eu acho que é como essa bola.
E: A Terra seria como um disco então?
S1: E o Sol fica em cima dela como se fosse essa bola aqui.
Neste trecho encontramos noções de Terra adquiridas por S1 de forma
informativa que contrapõem-se à noções de Terra adquiridas por ele através de experiências,
pois S1 afirma que a Terra tem um formato redondo, porque aprendeu na escola ou porque
“dizem os experientes”, mas, para ele, o caráter plano do formato da Terra, é algo bastante
evidente, pois, embora tivesse afirmado que a Terra possui o formato arredondado, comparou
a Terra a um disco, que é plano, mas que também apresenta características circulares.
Pesquisas como as de Sneider e Pulos (1983), Nussbaum (1985), Nardi (1990) e Baxter
(1991), apresentam noções de Terra de pessoas não cegas que assemelham-se parcialmente às
de S1. Como aponta Nardi (op. cit.), a concepção de Terra apresentava variações de acordo
com a idade dos indivíduos entrevistados em seu trabalho, contudo, indivíduos mais jovens,
especificamente abaixo de onze anos, forneciam concepções planas da Terra. Para S1, há uma
contradição entre os conceitos adquiridos por ele em suas experiências, e as informações
provenientes da escola, o que o leva a tentar propor um modelo, que de uma certa forma
satisfaça as duas fontes de interação. Propõe, portanto, que a Terra tem um formato circular,
mas não é como uma bola, e sim, como um disco, cuja superfície é plana e dessa forma, a
contradição adquirida de fontes sociais e de experiências não visuais com o meio físico,
convive sem maiores problemas em seu “universo” de conceitos.
116
Continuando nossas análises de experiências não visuais vivenciadas por
nossos sujeitos, destacamos para S2, dois trechos que, pela ordem, nos fornecem uma
informação obtida pelo sujeito, resultado de interações sociais, especificamente de um ditado
popular e uma descrição apresentada por S2 para o que acontece com uma bola de futebol
quando cai na piscina.
No trecho “Meu pai dizia um ditado: Do chão não passa” (C11), aparece uma
influência direta das interações sociais, ou seja, das informações que um indivíduo cego
obtém de determinados fenômenos, através do diálogo, ou neste caso, de um ditado popular.
S2, afim de explicar porque um objeto pára no chão, recorre a este tipo de experiência e não a
argumentos próprios ou de ordem sensoriais.
S2: Caiu na mesa.
E: Por que ela não passou da mesa?
S2: Meu pai dizia um ditado: Do chão não passa.
Os outros dois trechos descritos abaixo, revelam algo curioso ao que se refere
às experiências de S2. Ele afirma nunca ter vivenciado tal experiência, no entanto, propõe
explicações e descrições para o fenômeno de jogar uma bola de futebol numa piscina.
E: E se jogar a bola na água?
S2: A bola não afunda. Eu nunca joguei não, mas eu acho que a bola não
afunda.
S2: Eu acho que ela bóia, mas eu nunca joguei uma bola na piscina.
Se ele nunca jogou uma bola na piscina, provavelmente S2 descreveu que ela
não afunda baseando-se em outras experiências, talvez de entrar numa piscina, ou de nadar
usando uma bóia, ou em informações de outras pessoas, no entanto, S2 descreveu o fenômeno
- que a bola não afunda - e isto é claro para ele. Vejamos o trecho abaixo em que S2 descreve
o movimento da bola sobre a água:
117
S2: Eu também não sei como explicar, só sei que ela fica em cima da água
rolando.
Notemos que embora S2 não saiba explicar o porquê da bola flutuar sobre a
água, ele sabe que ela flutua e sugere que ela fica rolando, algo que realmente pode ocorrer,
mas que é observado principalmente por estímulos visuais, já que do ponto de vista tátil, se
você coloca a mão sobre uma bola rolando em cima da água, ela na maioria das vezes pára de
rolar, e portanto, tal observação poderia ser prejudicada por este fato.
Outro tipo de experiência que nos chamou a atenção, observada nas entrevistas
com S3 e S6, foi a relacionada com aviões. No segmento abaixo, retirado da entrevista com S3,
podemos observar um grande esforço do sujeito para descrever sua experiência não visual de
andar de avião. O texto é um pouco confuso, contém ambiguidades frequentes, mas nos
parece ser útil por revelar a forma que S3 imagina o avião voando, de acordo com uma
perspectiva de alguém que não enxerga.
E: Na sua opinião, o avião tem alguma coisa que liga ele ao solo, que sustenta
ele no chão ou ele fica flutuando?
S3: Eu acho que é como se tivesse, por exemplo: um negócio, ai, em cima tem
um avião, ai um negócio sai de cima desse negócio e vai saindo.
E: Como que é? Você tem um avião...
S3: Ai o avião sai assim, sobe de um lugar que ele tá, que ele tava sustentado,
ele vai e sobe assim, mas acho que deve ter alguma ligação com alguma coisa aqui que fica
parado, que não movimenta junto com ele, que ele flutua sozinho, eu acho...
No trecho descrito acima, deu-nos a impressão, que S3 acredita que o avião
esteja ligado a algo na Terra, e que este algo, não o deixa cair. Vejamos a continuação do
diálogo:
118
E: Por exemplo, se essa bola fosse o avião. Você acha que tem alguma coisa
que liga o avião, como o seu braço que segura a bola?
S3: Não, eu acho que ele vai continuar, tipo assim, ele vai continuar
voando sustentado pela aqui (S3 segura a bola com a mão e a desloca para frente na
horizontal), mas acho que meu braço não vai fazer isso (S3 levanta o braço e suspende a bola
obliquamente)
E: você acha que tem alguma coisa embaixo que sustenta ele?
S3: Sei lá, não faço a menor idéia, pode ser... ou então o peso, alguma coisa
aqui nele assim (S3 indica embaixo da bola). Aí ele vai subindo, tem um negócio que... sei lá,
não entendo nada de avião.
Aqui fica clara a grande dificuldade que S3 encontra para expressar sua idéia do
vôo de um avião. O que ele sabe, de acordo com informações orais, é que o avião voa, no
entanto, o que significa isto para ele? Neste caso, como S3 não enxerga, a sensação tátil na
subida ou na descida do avião, ou até nas turbulências, fizeram com que ele percebesse que o
avião se afastava ou se aproximava do chão, ou mesmo que estava em movimento como ele
mesmo descreve a seguir:
E: Mas você já andou de avião?
S3: Já.
E: Muito?
S3: Muito não, mais ou menos. Eu só andei duas vezes, mas já foi suficiente.
Também onze horas dentro do avião... e quando dá turbulência então...
E: Fica tudo tremendo?
S3: Tipo assim, você tá aqui, ele faz assim (move a bola para cima e para
baixo). Ai dá um medo...
119
Já S6, descreve suas experiências acerca do avião, embora nunca tivesse andado
em um.
E: Já ouviu falar no avião. Avião cai no chão?
S6: Cai (provavelmente deve ter ouvido na televisão a informação da queda de
alguns aviões).
E: O que você imagina quando falam no avião pra você?
S6: Eu nunca andei de avião.
E: Mas o que é o avião?
S6: O avião é um objeto grande que faz um barulho (experiência auditiva - S6
pode ter observado auditivamente, aviões voando sobre si, já que o lugar onde ele estuda fica
perto do aeroporto)
E: Qual a função do avião?
S6: É voar.
E: O que é voar, pra você?
S6: Voar significa fazer isso aqui pra cima (levanta as mãos) e pra baixo
(abaixa as mãos).
E: Como ele tá?
S6: Ele tá aqui embaixo. Pra decolar, ele vai fazer isso aqui (levanta as mãos).
Aí ele vai lá pra cima, então pra ficar em cima mesmo, tem que voar.
E: Você acha que o avião vai pra frente, pra trás, ou ele só vai pra cima e pra
baixo?
S6: Ele tem alguma coisa também que pode até virar no ar. Mas pra frente tem
que pular
E: Por que você acha que ele não cai no chão?
S6: Porque ele tá firme lá em cima.
120
E: Quem segura ele?
S6: O piloto.
E: Mas o piloto fica onde? Dentro ou fora?
S6: Tem as asas também, as asas seguram bastante firme.
E: Mas as asas se apoiam onde pra segurar ele?
S6: Isso que eu não sei, não posso explicar pra você essa ai.
No trecho descrito acima, voar, é sinônimo para S6, de não estar no chão e isto
pode ter sido observado por ele, auditivamente. O que é certo, é que S6, assim como S3, não
tem claro em suas representações de fenômenos, o fenômeno voar.
No fragmento abaixo S3 descreve sua experiência de andar de elevador, e
apresenta argumentos táteis para explicitar sua consciência do estar em movimento.
E: ... você já andou de elevador?
S3: Já, muito.
E: Você sabe quando ele está subindo, você sente?
S3: Sinto.
E: E sobe bastante.
S3: É, e depois ele desce um pouquinho.
Notemos o detalhe observado por S3 “...depois ele desce um pouquinho”, para
quando o elevador chega no andar desejado. Isto pra qualquer pessoa poderia passar
desapercebido, mas para ele não, pois, por não possuir visão, experiências desse tipo, se
tornam bastante significativas. O que fica claro para nós, tanto na experiência do avião,
quanto na experiência do elevador, é a importância dos estímulos táteis para a construção de
noções de movimento de pessoas cegas, principalmente quando essas participam de
experiências que envolvem objetos acelerados como os descritos.
121
O trecho a seguir, apresenta-nos uma descrição feita por S3 para a trajetória de
uma bola e uma folha de papel aberta que caem. Tal explicação surgiu durante a realização do
experimento queda da bola e da folha de papel aberta simultaneamente e mostra de início a
dificuldade que o sujeito apresentou para entender o que queríamos que ele fizesse, ou seja,
abandonar da mesma altura e ao mesmo tempo, a bola e a folha de papel aberta, já que, a
primeira vez que realizamos o experimento, S3 lançou para cima os dois objetos, de tal forma
que a bola, na volta, atingiu seu ombro, fazendo com que ele concluísse, a princípio, a partir
de estímulos auditivos e táteis, que apenas um objeto chegava ao solo, o que não ocorreu, pois
ao arremessar as duas para cima, a bola ganhou uma altura maior que a folha de papel aberta e
consequentemente, demorou um tempo maior para chegar ao solo, tempo este que era
aproximadamente igual ao da folha de papel aberta. S3 não era capaz de enxergar a trajetória
da bola e nem a da folha de papel. A observação do fenômeno, neste caso, para S 3, foi feita
através do estímulo tátil, quando a bola toca em seu ombro e do auditivo, quando a bola e a
folha de papel chegam ao solo.
E: Se você quiser, você pode soltar, mas tem que ser ao mesmo tempo.
S3 arremessa os dois objetos para cima e a bola atinge uma altura maior do
que a folha de papel de tal maneira que, ao descer, resvala no ombro de S3 e acaba chegando
ao solo quase junto com a folha de papel.
S3: Caiu só uma... A bola bateu aqui em mim (no ombro) e caiu.
E: Tenta soltar sem jogar para cima.
S3 repete a experiência abaixando os braços
E: Quem chegou primeiro?
S3: Não sei, acho que a bola chegou primeiro.
E: Por que você acha que a bola chegou primeiro que a folha?
122
S3: Não sei, acho que a bola é mais pesada (C11). Porque tipo assim, você solta
uma folha, ela voa bastante e cai, entendeu?
E: E a bola já vai direto?
S3: É já vai direto. Porque, tipo assim, as vezes as folhas voa, as minhas folhas
da carteira vuuummm... (E S3 faz com as mãos um movimento tipo ondulatório) Agora, se
fosse uma bola, ela não ia voar, mas se soltar ela ia cair, porque ela pesa (C11).
O interessante no trecho acima, além da convicção C11, que surge na explicação
do porquê a bola chegou primeiro ao solo, durante a realização do experimento pela segunda
vez, é a descrição feita por S3 da trajetória da folha, inclusive recorrendo a uma experiência
vivida por ele na escola, que suas folhas de papel voam quando caem de sua carteira. Como S3
não enxerga, os tipos de experiências sensoriais que poderiam fornecer informações ao sujeito
acerca da trajetória da folha de papel aberta quando cai, reduzem-se a observações auditivas e
táteis, ou na suposição de que alguém tenha dito a S3, que a folha de papel exibe determinado
tipo de comportamento em sua trajetória durante a queda, o que particularmente nos aprece
ser inviável, pois se observarmos o contexto do diálogo, é S3 quem fornece a explicação e
quem sugere o exemplo da trajetória da folha de papel aberta e isto é resultado de suas
experiências individuais, de suas observações, que não são visuais, mas que levam à uma
descrição do fenômeno.
No próximo trecho, fica clara a influência de outras pessoas nas observações de
S3, pois o trecho refere-se à experiência de estar no alto de um prédio, especificamente, à
consciência de estar a uma certa altura do chão, algo que efetivamente não é trivial para
pessoas cegas.
E: Você já subiu em um prédio. Como você sabe que o prédio é alto?
S3: Ah, porque todo mundo fala.
E: Mas você não sabe?
123
S3: Sei, se eu subir tudo, eu sei.
E: Se você subir no alto de um prédio, você tem a sensação que está no alto?
S3: Ah, tenho um pouco sim.
E: Que sensação você tem?
S3: Não sei. Não dá pra explicar.
E: Mas você consegue ouvir as coisas lá embaixo?
S3: Mais ou menos.
E: Buzina de carro...
S3: Mais ou menos. Ah, dá pra ouvir que as coisa estão mais baixas
(intensidade do som ou altura do solo).
A presença do estímulo auditivo, na percepção de S3 de estar no alto de um
prédio, surge no trecho acima muito mais por uma influência do entrevistador, do que
espontaneamente por parte do sujeito, no entanto, acreditamos que este estímulo tenha
fundamental importância na observação de pessoas cegas quando essas se encontram no alto
de um prédio.
Já na entrevista concedida por S5, encontramos um trecho onde o sujeito
descreve a partir de sensações não visuais, a sua consciência de estar no alto de um prédio.
Desta feita, a influência do entrevistador não surge como fator preponderante, as declarações
de S5 acerca de estar no alto de um prédio, baseiam-se em experiências próprias e os
argumentos utilizados por ele, são do ponto de vista sensorial exclusivamente auditivos.
E: Você já subiu num prédio, você tem noção de altura? Como você sabe que
você está no alto de um prédio?
S5: Ruídos a distância, buzina do carro, motor, os ruídos você vai ouvir com
bastante distância, você vai ter a noção que tá longe, então você sabe que está numa posição
alta, num plano bem superior ao nível do chão.
124
Observemos os argumentos utilizados por S5 para a consciência de estar no alto
de um prédio, note que todos passam por expressões que referem-se a estímulos auditivos,
como “ruídos a distância” e “buzina do carro”. Esses argumentos mostram que, além das
interações sociais, como as verificadas acima, no trecho da entrevista de S3, os estímulos
auditivos fornecem aos sujeitos, a sensação de estar no alto de um prédio, eles de uma certa
forma, servem como um referencial para que o sujeito tenha consciência de que ele se
encontra a uma certa altura do solo.
Os trechos que analisaremos agora, foram extraídos das entrevistas concedidas
por S4, S5 e S6. Eles apresentam descrições feitas pelos sujeitos, para o movimento de uma
bola em um campo aberto e para o lançamento vertical de objetos. É notável observarmos a
descrição apresentada por S4, S5 e S6 para o fenômeno “bola que se move em um campo
aberto”, já que este fenômeno, não pode ser observado visualmente por eles e do ponto de
vista auditivo ou tátil, também acreditamos, que não recebam influencias significativas.
S4: ...Então a bola, cê empurra, ela continua o movimento até um certo tempo,
depois ela volta a parar de novo (C9).
As expectativas geradas por qualquer pessoa, acerca do movimento de
quaisquer objetos, giram em torno do fato de que eles sempre param, ou quase imediatamente
como é o caso do livro, ou após um certo tempo, como é o caso da bola. Vejamos o seguinte
trecho extraído da entrevista de S5:
E: Você empurra a bola. Quando você tira a mão dela, ela continua em
movimento?
S5: Continua.
E: E no caso do livro?
S5: Continua só um pouco, a distância é mínima, praticamente... continua
muito pouco, pouquinho.
125
Para uma pessoa cega, suas observações do caso de uma bola, são limitadas,
pois ela não vê o que ocorre com a bola quando esta está rolando livremente num campo
aberto. Contudo, a grande parte de suas experiências, indica que objetos devam parar e não
continuar a se mover, e provavelmente isto, possa tê-lo levado a fazer uma generalização
acerca da duração do movimento da bola, fazendo-o descrever o fenômeno da maneira que o
fez, ou seja, se todos os fenômenos observados por ele, indicam que objetos param de se
mover, com a bola não seria diferente.
Na entrevista com S5, selecionamos um trecho onde o sujeito descreve o
mesmo fenômeno, no entanto, sua descrição apresenta claramente os motivos pelos quais a
bola continua a mover-se depois de alguém tê-la chutado, bem como, os motivos pelos quais
ela pára após percorrer uma certa distância, e tais motivos, passam diretamente pela teoria
medieval de impetus (C9).
E: A força que você aplica na bola, permanece na bola?
S5: ... esta questão é meio complicada pra te dizer, eu não consigo colocar com
uma precisão, porque você dá um impulso, ela sai com uma certa velocidade, chega uma
certa altura ela pára, aquele impulso não é suficiente pra continuar, agora, se a força foi
junto, eu acho que não, não sei, é estranho... Nunca tinha pensado nisso antes sobre... ela
pára porque ela perdeu a força, agora se a força foi junto eu não sei, é gozado...
Notemos que embora seus argumentos passem pelas expressões “dar um
impulso”, “aquele impulso não é suficiente para ela continuar” e “ela pára porque ela perdeu a
força”, é estranho para S5 o fato da força ir junto com a bola, o que para qualquer teorista
medieval de impetus era motivo fundamental à continuidade do movimento. Portanto, embora
S5 tivesse usado argumentos do tipo C9 a fim de descrever o fenômeno em questão, parece-lhe
estranho aceitar que algo imaterial possa continuar movendo a bola e consequentemente, isso
fez com que ele ficasse absolutamente perplexo.
126
No fragmento abaixo, extraído da entrevista de S6, o sujeito, em nenhum
momento, descreve o fenômeno que ocorre com uma bola que é posta em movimento em um
campo aberto, mas sim, descreve algo que parece fazer parte de suas experiências com bolas,
isto é, S6 insiste constantemente que a bola sempre voltará para ele ou para uma outra pessoa
depois dela ter sido posta em movimento em um campo aberto. De uma certa forma, isto nos
dá impressão de que quando ele vivenciou tal experiência, isto é, de chutar a bola, alguém
sempre a devolvia e a partir disto, surgem seus argumentos e sua descrição do fenômeno.
E: E se não tiver nem gol, nem lateral?
S6: Ai vai pra fora do gol, depende do jeito que você joga a bola.
E: Imagine que você está no meio do campo e você empurra ela. O que vai
acontecer com ela?
S6: Ela vai entrar em movimento.
E: E depois?
S6: Depois ela vai voltar.
E: Voltar pra quem?
S6: Tanto ela pode voltar pra mim ou pra você... ou pra qualquer um que tiver
junto com a gente.
E: Só tá você no campo, mais ninguém
S6: Volta pra mim
Contudo, noutros trechos de sua entrevista, especificamente nas idéias I40, I41,
I42 e I43 – ver subapêndice A6 – o sujeito (S6) tenta explicar o fenômeno a partir de argumentos
como o de que a bola deva parar quando encontrar um lugar (I40), esse lugar pode ser a lateral
ou o gol (I41), o que deixa clara a influência de informações provenientes de interações
sociais, já que S6 nunca pôde ter uma informação visual de como é um campo de futebol. Nas
idéias I42 e I43, o sujeito S6 acaba afirmando que a bola deva parar após ter entrado em
127
movimento, na hipótese de não haver gols nem laterais no campo, e que ninguém a traga de
volta para ele. Cabe observar que isso apenas aconteceu após vários esclarecimentos por parte
do entrevistador da situação em questão, isto é, era bastante complexo para S6, a compreensão
da situação problema, no entanto, suas explicações acabaram convergindo ao fato de que a
bola em algum momento devesse parar e não ao fato de que ela pudesse se mover
constantemente.
No trecho a seguir, também extraído da entrevista concedida por S6, fica clara a
influência do sentido audição para uma experiência observada pelo sujeito, ou seja, a
experiência de uma esfera de aço ou vidro que se move e que encontra obstáculos.
E: Mas quando ela sair do cano reto, ela vai continuar em linha reta ou
fazendo curvas?
S6: Ela vai reto, até ela achar um lugar pra ela encostar ela vai.
E: O lugar de encostar seria onde?
S6: Se ela cair no chão e encontrar a parede, o lugar de encostar vai ser a
parede, vai fazer ploc lá na parede, e ela vai parar lá
E: Antes ela não pára?
S6: Antes não, porque cê tá rodando, enquanto ela tiver rodando lá, fazendo
tatatatat..., a hora que ela fizer ploc lá na parede, ela pára.
É importante notarmos que a discussão acima surgiu por ocasião da análise da
trajetória de esferas que abandonam tubos. Em nenhum momento fizemos com que a esfera se
movesse, foi S6 quem sugeriu o exemplo, apresentando sua descrição do fenômeno através de
argumentos exclusivamente auditivos, como os “ploc”, o que lhe informa quando a esfera bate
na parede e “tatatatat...” o que lhe informa que a esfera está em movimento e se afastando. O
que fica claro também no fragmento acima, é a exigência inicial que S6 faz para o fim do
movimento da esfera, ou seja, há a necessidade de um obstáculo, que no caso em questão é a
128
parede (observação auditiva), mas no caso anterior, isto é, da bola de futebol, era o gol ou a
lateral (I40 e I41), porém, como verificado em I42 e I43, parece haver um tipo de generalização
do fenômeno por parte do sujeito que estende suas observações (auditivas) ou informações
(sociais) para as situações que a ele foram impostas, ou seja, embora nunca tenha observado
visualmente que uma esfera pára após percorrer uma certa distância, mesmo sem se chocar
com algum obstáculo, parece-lhe absolutamente lógico que isso irá acontecer.
Observemos a descrição feita por S6 para o movimento de um livro que é
empurrado bruscamente.
E: Mas, antes de parar?
S6: Antes de parar ele tava aqui (posição inicial)
E: E nesse espaço, entre aqui (posição inicial) e aqui na frente (posição final)?
Você acha que ele se movimentou?
S6: Acho que não
E: Não, e como ele chegou lá na frente?
S6: Porque eu empurrei, ele ficou parado.
E: Você poderia me explicar melhor isso?
S6: É como você disse, ele tava aqui (posição inicial) eu empurrei ele lá pra
frente (posição final), ele ficou parado lá na frente.
E: E como ele chegou lá?
S6: Eu empurrando, empurrei daqui e ele foi parar lá na frente, do mesmo jeito
que ele tava parado aqui, ele ficou parado lá.
No trecho acima observamos a realização de um experimento por parte de S6.
Neste experimento, o sujeito empurrava o livro que parava quase que imediatamente após ele
ter deixado de tocá-lo. Apesar de não ver o livro mover-se, S6 descreve bem o fenômeno, ou
seja, inicialmente o livro está parado (informação tátil), entra em movimento pois S6 o
129
empurra (informação tátil), continua a mover-se após cessar o contato (informação auditiva),
e pára de mover-se (informação auditiva). Experiências como esta, como as da esfera de
metal, e juntamente com interações sociais, levam o sujeito cego a construírem modelos de
determinados fenômenos que não são por eles observados visualmente e levam também, como
no caso da pena ou de bolas lançadas para cima, à generalizações daquilo que por eles não é
observado. O sujeito cego, apesar de não poder obter informações sensoriais do que irá
acontecer com uma bola de futebol que é chutada num campo aberto, ou como é a trajetória
de uma bola lançada para cima, ou ainda de qualquer objeto que se mova sem que ele possa
notá-lo, sempre procurará descrever o fenômeno ou apresentar uma situação do porquê ou
como tal fenômeno ocorre e suas referências serão observações não visuais, de outros
fenômenos.
Não necessariamente, uma pessoa cega descreverá com exatidão determinados
fenômenos não observáveis visualmente, contudo, suas observações, fornecem-lhe
informações suficientes para que ela possa descrever muito bem alguns fenômenos e
generalizar outros. A consciência do estar em movimento, pode ser muito bem adquirida por
um sujeito independentemente dele enxergar ou não, o fato de estar dentro de um carro, por
exemplo, e não poder ver o que se passa do lado de fora, não lhe priva de saber que está se
deslocando no espaço. Como veremos na declaração fornecida por S6, informações táteis e
auditivas, são de fundamental importância na obtenção da consciência de estar em
movimento.
E: Por que você acha que as coisas se movimentam? Quando eu falo as coisas,
por exemplo um carro, você já andou de carro, você sente quando você tá dentro do carro,
que ele tá em movimento?
S6: Tranqüilamente, pra frente, pra trás, dos lados...
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E: Quando você tá dentro de um carro, como você sabe que ele está em
movimento?
S6: Sinto o vento, o soco, quando passa em cima da lombada, ai vai embora,
vai pra frente.
Observe que as expressões “pra frente”, “pra trás”, “dos lados”, “o vento”, “o
soco”, “quando passa em cima da lombada”, são sensações exclusivamente táteis, que dão ao
sujeito a noção de que ele não está parado em relação ao solo, mas que ele se move junto com
o carro. Supostamente tais informações - juntamente com informações auditivas das quais
destacaríamos o efeito Doppler, e a variação da intensidade do som - seriam responsáveis na
construção das noções de movimento, bem como de velocidade para sujeitos cegos. O que
notamos, é que quando questionamos nossos sujeitos sobre suas noções de velocidade, eles
baseavam suas explicações em distância entre cidades e um certo tempo para percorrer tais
distâncias:
E: O que significa 300km/h?
S5: É uma coisa muito alta, rápida. Seria mais ou menos como ir daqui
(Bauru) à São Paulo em uma hora.
Também num exemplo fornecido por S5, suas explicações envolveram um
fenômeno onde a participação do efeito Doppler parece-nos de fundamental importância.
E: O que você pensa sobre velocidade?
S5: Velocidade... há uma diferença entre velocidade baixa e velocidade alta.
Dá pra perceber que há diferença. Velocidade depende da intensidade dela, pode ser
pequena como a gente estar andando a pé normalmente, passeando, caminhando e você ver
um carro de fórmula 1 a 300 km/h.
Quando um ouvinte se aproxima de uma fonte sonora estacionária, a frequência
do som que ele percebe é maior do que quando ele está em repouso. Se o ouvinte se afasta da
131
fonte estacionária, ele escuta um som mais grave do que se ele estivesse parado. Observa-se
resultados semelhantes quando a fonte se movimenta aproximando-se ou afastando-se de um
ouvinte estacionário (Resnick e Halliday, 1983).
É clara , portanto, a partir da descrição do efeito Doppler, a relação entre
movimento e frequência do som. Isto ocorre pois a velocidade do som independe da
velocidade da fonte, e as variações de frequências decorrentes de tal fenômeno, são
prontamente captadas pelo ouvido humano e servem como experiências de objetos em
movimento, especialmente para o cego. S5, de uma certa forma, referiu-se implicitamente ao
efeito Doppler em suas explicações de velocidades altas e baixas quando relatou-se ao carro
de fórmula 1, pois é nítida a percepção das mudanças de frequência do som proveniente de
um desses carros, quando passa por um observador fixo no solo. Além da percepção das
variações de frequência, devemos considerar as percepções da variação da intensidade do som
proveniente de uma fonte sonora em movimento que, juntamente ao efeito Doppler,
contribuem ao conjunto do experiências auditivas que participam na formação do conceito de
velocidade para um indivíduo cego.
Portanto, como explicitado nesta seção, outros estímulos sensoriais, além do
visual, são responsáveis pelo conjunto de experiências vivenciadas por um indivíduo.
Observações como tocar ou lançar um objeto, ouvir impactos, ruídos, sentir o vento, ouvir
alterações na frequencia de um som proveniente de uma fonte móvel, som à distância, entre
outras, representam para um indivíduo cego sua base de referências e levam-no à construção
de modelos explicativos de fenômenos que estão acontecendo ao seu redor. Um indivíduo
cego, observa através de estímulos táteis e auditivos, uma grande quantidade de fenômenos
relacionados a repouso e movimento, contudo, deixa de observar outra grande parte, porém,
os fenômenos que por eles são observados, conduzem-no a formação de modelos e esses
modelos, são utilizados por eles na explicação dos fenômenos não observados. Por muitas
132
vezes notamos que a descrição de alguns eventos, por parte do indivíduo cego, fica limitada
ou influenciada pelas informações provenientes de outras pessoas, contudo, ao que se refere
às explicações ou previsões desses fenômenos, o comportamento do cego está totalmente
relacionado ao seu modelo, e esse modelo, como discutido na seção anterior, é semelhante ou
quase idêntico ao de uma pessoa que enxerga.
As concepções alternativas, de que força mantém o movimento, e de que
objetos caem, pois cair faz parte de sua natureza intrínseca, não são exclusividades de pessoas
que enxergam, das quais destacaríamos Aristóteles, exímio observador dos fenômenos da
natureza. O ato de observar, não é singularidade dos videntes e assim como Aristóteles
observou o mundo ao seu redor, e propôs um modelo a fim de explicar suas observações,
todos nós, videntes ou cegos, o fazemos, e tais observações do mundo físico, sejam elas
através de estímulos visuais ou não, conduzem a conclusões, que se não idênticas quanto à
representações mentais, semelhantes ao que se refere à construção de conceitos.
133
7POSSÍVEIS VANTAGENS DA AUSÊNCIA DE VISÃO NA FORMAÇÃO
DE ALGUNS MODELOS CIENTÍFICOS
Evidentemente que o tema a ser tratado neste tópico, carece ser analisado
melhor, visto que, trata-se de uma suposição que teve origem em um debate realizado por
circunstância da 2ª reunião técnica do curso de Mestrado em Educação para a Ciência, da
Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru, acerca dos anteprojetos da primeira turma
de aprovados no ano de 1997. No final da exposição de minhas idéias, surgiu a hipótese de
que pessoas portadoras de deficiência visual, por não receberem influencias externas sob o
contexto do estímulo luminoso, poderiam sugerir idéias, formular modelos, ou até mesmo
abstrair realidades do ponto de vista quântico, que uma pessoa “normal”, pelo fato de
enxergar, teria mais dificuldade.
Sabemos que a mecânica quântica trabalha com uma realidade microscópica
sob a óptica das dimensões e com velocidades próximas a da luz, e que necessita de um certo
grau de abstração. Tal realidade, se apresenta aparentemente inviável para a vida cotidiana,
centrada num mundo macroscópico que estabelece com nossos sentidos, noções de grandezas
totalmente compreensíveis e perceptíveis (Resnick e Halliday, 1984). Fora isso, o tratamento
probabilístico que o referido modelo apresenta em suas explicações, tem gerado discussões
filosóficas quanto as localizações espaciais, temporais e energéticas, por isso, nos parece
oportuno analisarmos a reflexão já citada anteriormente, acerca do desenvolvimento, a
psicofisiológica.
Conforme já visto, este termo indica as funções fisiológicas que realizam a
mais alta forma de vida do organismo, isto é, a sua vida mediada pela reflexão psíquica da
realidade. A análise inclui as funções sensoriais, as funções mnemônicas, as funções tônicas.
134
Nenhuma atividade psíquica pode ser executada sem envolvimento destas funções, mas esta
atividade não consiste apenas nas funções e não pode ser derivada delas. Todas estas funções
constituem igualmente a base dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto
é, sensações, experiências emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a
“matéria subjetiva”, por assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo, e a plasticidade da
representação do mundo na consciência humana. Por este motivo, se excluirmos as cores de
nossa mente a imagem se apresentará pálida, sem vida e, se ocultarmos o som, tudo nos
parecerá como num filme mudo, no entanto uma pessoa cega é capaz de desenvolver modelos
para fenômenos luminosos tão sofisticados quanto os de uma pessoa não cega sem, contudo,
ter visto a luz. (Leontiev, 1988).
Sabe-se que muitos fenômenos concernentes à luz são, do ponto de vista
sensorial, inviáveis. Exemplos: caráter dual da luz, proposto por Einstein a fim de explicar o
fenômeno fotoelétrico (Halliday e Resnick, 1983) - este modelo propõe que em algumas
ocasiões a luz deva se comportar como partícula e em outras, como onda - modelo da
velocidade da luz independente do referencial - supõe que em qualquer referencial a
velocidade da luz é de 300.000.000m/s. O fato em si de Einstein enxergar perfeitamente não
ajudaria muito na elaboração de tais modelos. O que nos parece sensato afirmar sob esta
óptica, é que em algumas ocasiões o caráter sensorial fica em segundo plano e quiçá traria
algum tipo de vantagem aos portadores de deficiência, especificamente os visuais sob o
aspecto da má influência sensorial, visto que, muitos modelos propostos para explicar
fenômenos estão relacionados com a constatação sensorial feita de uma simples análise.
Como já vimos, Leontiev (1988), conclui afirmando que embora os conceitos e
os fenômenos sensíveis estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente
eles são categorias diferentes de consciência. Tal afirmação coloca o deficiente em iguais
135
condições sob o contexto psicológico com os não deficientes e quem sabe, em vantagem sob
aspectos de algumas concepções científicas.
136
8
CONCLUSÕES
Neste texto, fizemos inicialmente uma análise de alguns estudos realizados nas
últimas três décadas sobre concepções alternativas de repouso e movimento, bem como, da
parte conceitual da Física Aristotélica e da Física Medieval de Impetus. Desta forma,
procuramos enfocar, sob aspectos históricos e visuais, as concepções alternativas sobre
repouso e movimento de um grupo de seis sujeitos cegos, tendo em vista os objetivos
específicos definidos previamente. Verificamos que para o nosso grupo de sujeitos, existe
uma forte tendência de suas idéias “espontâneas” convergirem aos modelos pré-científicos de
movimento, elaborados principalmente por Aristóteles ao que se refere a princípios gerais de
seu paradigma, como os de movimento forçado, e de lugar natural, o que resulta ao conceito
de movimento natural. Um outro aspecto conceitual verificado junto ao pensamento
espontâneo de nossos sujeitos, foi o de força impressa proposto por Philoponus, e
complementado por Jean Buridan acerca do movimento de objetos que não mantém mais o
contato com o movedor. Como apontam várias pesquisas nesta área, tais tendências também
são verificadas junto a sujeitos videntes e portanto, podemos afirmar que nossos sujeitos,
embora cegos, não representam exceção à maneira espontânea de como o senso comum
aborda questões relacionadas ao movimento.
Deste fato, poderíamos afirmar que a “construção espontânea” de modelos
explicativos do movimento, feita por qualquer pessoa não perita em Física, não parece
depender fundamentalmente de aspectos visuais, embora estes, sejam de fundamental
importância na interação do homem com o meio físico, já que sensações auditivas e táteis
participam de modo relevante na “construção” de tais modelos. Acreditamos que tais
aspectos, deveriam ser levados em conta por professores de Física que trabalhem com alunos
137
cegos ou videntes, na construção de seu conhecimento científico pela superação de seus
modelos espontâneos. Como já abordado anteriormente, as concepções espontâneas ou
alternativas, exibem características extremamente significativas, pois são resultados de
experiências e observações, e consequentemente, são extremamente resistentes à mudança. De
acordo com nossos resultados, ao se excluir a observação visual de um indivíduo, suas
concepções alternativas de repouso e movimento, praticamente não se alteram, o que nos leva
a concluir que além da influencia social, observações não visuais participam diretamente na
construção de modelos de repouso e movimento, e dessa forma, atividades de ensino baseadas
em experiências táteis e auditivas, podem se tornar extremamente significativas ao ensino de
Física de pessoas cegas, e por que não dizer, de pessoas que não sejam cegas.
Contudo, deve-se definir alguns princípios gerais importantes para se adaptar o
ensino às necessidades educacionais do aluno cego, como solidez, unificar experiência e
aprender fazendo. Destes princípios, conclui-se que o conhecimento do aluno
educacionalmente cego é obtido principalmente através da audição e do tato. Para que o aluno
realmente compreenda o mundo ao seu redor, devemos apresentar-lhe objetos que possam ser
tocados e manipulados. Através da observação tátil de objetos, o aluno pode conhecer a sua
forma, o seu peso, a sua solidez, as qualidades de superfície e a sua maleabilidade
(propriedades físicas dos objetivos). Como a experiência visual tende a unificar o
conhecimento em sua totalidade, um aluno deficiente visual não consegue obter essa
unificação, a não ser que os professores lhe apresentem experiências como “unidades de
experiência”. É necessário que o professor ponha “os todos” em perspectiva através da
experiência concreta real e tente unificá-las através de explicações e de sequências. Para que o
aluno cego aprenda a respeito do ambiente, é necessário iniciá-lo na auto-atividade. Como a
visão domina praticamente todos os estágios da aprendizagem, que representa a base para
138
muitos dos processos intelectuais superiores, torna-se importante oferecer alguma
programação sistemática de experiências para as pessoas cegas.
Sob uma abordagem mais geral, acreditamos que tais princípios não devam
necessariamente ser aplicados somente a alunos cegos, já que a consciência do “estar em
movimento”, bem como as concepções alternativas relacionadas a este tema, não são
exclusividade dos videntes. A introdução de situações problemas ao ensino de Física, que
envolvam observações auditivas e táteis, de fenômenos relacionados a repouso e movimento,
pode gerar conflitos que façam com que o aluno questione seus modelos alternativos.
Acreditamos que através da adaptação e/ou da criação de atividades de ensino de Física à
pessoas cegas, pessoas não cegas possam se aproveitar dessas atividades e através disso,
obterem uma melhor compreensão ou mesmo alterarem seus modelos de repouso e
movimento.
Desta forma, gostaríamos de propor uma abordagem positiva da questão da
deficiência visual, isto é, sugerir que a cegueira, além de representar uma barreira social, que
pode e deve ser superada, tanto por parte do deficiente, através da super compensação
(Vygotski, op. cit.), quanto por parte da sociedade, deva ser encarada como algo que venha
despertar a consciência de todos os educadores para a importância de experiências não
visuais, na construção de suas atividades de ensino
Portanto, como resultado de nosso estudo, obtivemos uma relação de igualdade
ao que se refere às concepções alternativas de repouso e movimento de pessoas cegas e
videntes, e tal relação, assemelha-se sob a óptica dos modelos Físicos aos princípios
aristotélicos de movimento. Um outro aspecto importante a se ressaltar em nosso trabalho,
refere-se aos tipos de experiências que participam na construção de tais concepções
alternativas, já que a interação do homem com o meio físico, é feita da relação/interpretação
constituída de aspectos sociais e sensoriais, o que nos leva a afirmar que situações problemas
baseadas em observações auditivas e táteis, podem gerar conflitos que conduzam os sujeitos à
questionamentos, reflexões e tomadas de posições.
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