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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM MATO GROSSO: RELATÓRIO DE UMA PROFESSORA DA ESCOLA MIXTA ESTADUAL EM 1923
Simone Simionato dos Santos Laier Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática –
REAMEC/UFMT simonesslaierufmt@gmail.com
O texto apresenta informações preliminares do Projeto de Tese em desenvolvimento, para o Programa de Pós-Graduação do Doutorado da Rede Amazônica de Ensino de Ciências e Matemática – REAMEC. A partir dos estudos fomentados pelo Grupo de História da Educação Matemática – GHEMAT, orientamos a construção de nossa pesquisa no processo de profissionalização docente para a carreira do magistério primário no Estado de Mato Grosso, com foco em saberes elementares matemáticos a ensinar. As ferramentas teórico‐metodológicas do projeto pautam-se nas perspectivas ligadas à História Cultural (Chartier, Julia, Chervel, Certeau), para a fundamentação do uso de documentos como fontes de pesquisa nos embasaremos em Le Goff. Na apropriação de teorias que discutem saberes para uma profissionalização docente, iniciamos leituras dos trabalhos de Hofstetter e Schneuwly. Assim tomamos como ponto de partida as fontes históricas existentes de instituições escolares a partir de 1900. O mapeamento e localização das fontes vem sendo realizado no Arquivo Público Estadual de Mato Grosso, Museu Histórico de Cuiabá e Museu da Casa da Instrução Publica (Casa Barão de Melgaço). Neste percurso além de valermo-nos da coleta e análise documentos relacionados à Escola Normal de Cuiabá, nos importa também muitas outras fontes interessantes e passíveis de discussão que são encontradas nos documentos. Para além de inventariar essa documentação, nos aportaremos em teorias fundamentais que tratam da História Cultural, projetando o foco para a Cultura Escolar. Além disso, neste texto apresentamos um relatório escrito por uma professora de uma Escola Mista de Mato Grosso, que nos indica a presença da aritmética como sendo um saber elementar para o curso primário. Palavras-Chave: Saberes elementares matemáticos. Profissionalização Docente.
Saberes a ensinar.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
9701ISSN 2177-336X
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INTRODUÇÃO
O estudo da história da educação matemática é acompanhando de
transformações ocorreram em todo o mundo. O que nos implica é compreender
processos históricos que foram importantes para o desenvolvimento da educação
matemática. Resumidamente, as pesquisas sobre história da educação matemática no
Brasil estão tomando uma dimensão importante como o movimento de grupos de
pesquisadores que em suas diversas perspectivas teórico-metodológicas, avançam para a
produção de conhecimento no campo da Educação Matemática. Estas, tem como objeto
de estudo a escolarização de saberes elementares, e com todo esse movimento, vem à
tona questões de como ensinar, o que ensinar e para quem ensinar. Envolvem-se em
tratar da constituição e transformação dos saberes elementares matemáticos, a
matemática nos primeiros anos escolares, a construção de uma importante base de dados
de diferentes estados brasileiros que servem de fontes de pesquisas, elaboração de
estudos e análises de materiais dessa base de dados.
Cursando o Doutorado do Programa de Pós-Graduação da Rede Amazônica de
Educação em Ciências e Matemática, sob a orientação do Professor Dr. Wagner
Rodrigues Valente, surgiu a oportunidade de participar das reuniões do GHEMAT –
Grupo de História da Educação Matemática. Imersa nas discussões sobre história da
educação matemática no Brasil, passamos a construir a proposta de investigação que
está pautada nos saberes elementares matemáticos a ensinar. Com a pretensão de
explorar a trajetória das transformações da Cultura Escolar de Mato Grosso, buscaremos
a construção historiográfica acerca da matemática elementar presente na Escola Normal
de Cuiabá entre 1910 e 1940.
Em primeira aproximação com o tema, e ainda em busca de ideários teóricos-
metodológicos que fundamentarão a pesquisa, uma das etapas que vem sendo
cumpridas envolve a busca de fontes históricas oriundas das escolas de Mato Grosso
durante o final do século XIX e início do século XX. Nessa Premissa, o que
apresentaremos neste pôster é fruto de arquivos encontrados no acervo do Arquivo
Público de Mato Grosso – APMT.
Um achado interessante...
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Ainda sem saber o que de fato poderia ser encontrado, todos os registros que
dizem respeito às instituições escolares da época (a partir de 1900), que fazem menção
ao ensino da matemática, vem sendo recolhidos, a fim de construirmos um acervo
pessoal que servirá de base de dados para a pesquisa.
Em meio à busca por material, encontramos documentos guardados em caixas
avulsas tais como: registros de correspondências da Instrução Pública Geral das aulas;
registro de matrículas dos alunos das escolas públicas do Estado; atas de nomeações de
professores; portarias expedidas pela diretoria geral da Instrução Pública; registro de
ocorrência de diversas escolas públicas; termos e atas de exames de concurso para
professores do ensino primário; registro de mapas e relatório mensais e anuais das
escolas públicas e particulares do Estado; correspondências diversas de diretores e
professores das escolas; listas de materiais escolares para as escolas; provas escritas
aplicadas à alunos da escola primária e muitos outros documentos que circularam pelas
escolas de Mato Grosso.
Dentre esses achados, nos chamou atenção foi um relatório, elaborado pela
professora Sara Fernandes de Toledo, que relata à Direção da Instrução Pública de Mato
Grosso, em 31 de dezembro de 1923, parte de seu trabalho com os alunos, e seus
esforços para obter bons resultados. Na parte introdutória do relatório ela descreve um
mapa demonstrativo (figura 1) dos alunos da Escola Pública Mista Santa Rita do
Araguaia, que contém informações de idade, data da matrícula, grau de instrução e
observações sobre os conteúdos dominados por cada um deles, usando os seguintes
temos: i) estuda todas as disciplinas do 1º grau; ii) leitura, escrita, aritmética, desenho,
civ. mor.; iii) leitura e escrita; iv) leitura, escrita, cálculos e tabuada.
Como pode ser observado na figura 2, a professora, ao tecer sobre o
aproveitamento das alunas, escreve:
Ao iniciar o meu curso primário, vi que as minhas alunas eram infimamente atrasadas, não conhecendo a maior parte delas o alfabeto. Entretanto consegui que, ao encerrar o ano letivo, lessem todas com certo desembaraço e fizessem, as mais atrasadas, as operações de adição e subtração (Excerto de relatório escrito pela professora em 1923)
Após descrever sobre o aproveitamento das alunas, a professora relata sobre os
exames aplicados (figuras 3 e 4), justificando sua importância como modo de avaliar
seu trabalho bem como de a escola ser reconhecida pela Diretoria da Instrução Pública
do Estado, escrevendo:
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Esse desenvolvimento, de certa forma animados, deu-me coragem de no fim do ano, apresentar a exame três alunas, provetas nas disciplinas do 1º Grau, exames estes que, embora não sejam exigidos pela lei de ensino, dão, entretanto, amostra do aproveitamento das minhas disciplinas. Junto a esse relato, envio as provas escritas de uma das alunas, para que essa diretoria Pública do nosso Estado, demoverá todos esses tropeços, fazendo surgir [...] mais um estabelecimento de instrução pública que recomente a administração estadual. Com meus respeitosos cumprimentos envio a V. Exª. Cordiais Saudações. Santa Rita do Araguaia 31 de dezembro de 1923. Sara Fernades de Toledo. Professora Pública (Excerto de relatório escrito pela professora em 1923).
Na prova anexada no relatório, nos interessou a prova de Aritmética (figuras 5,
6 e 7), contendo uma parte escrita, com perguntas sobre a operação da soma; e outra
parte, descrita na prova como problemas, com algumas operações para serem efetuadas.
Para a professora, a operação de soma faz parte de um saber fundamental para a
aritmética, que entra como saber matemático elementar.
CONSTRUINDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...
Essas informações fazem parte da investigação, posto que o trabalho de coleta
das fontes ainda continua, e nesse panorama, intensificamos as atividades investigativas
para a construção do objeto, que é imperativo à pesquisa (BORBA; VALDEMARIN,
2010). Neste processo investigativo, a história da educação matemática tem lugar de
destaque.
“Na análise histórica da cultura escolar, parece-me de fato fundamental estudar
como, e sobre quais critérios precisos foram recrutados os professores de cada nível
escolar: quais são os saberes requeridos de um futuro professor? ” (JULIA, 2001, p. 24).
Assim, acreditamos importante considerar aspectos do papel desempenhado
pela profissionalização docente, além de critérios de recrutamento de professores por
meio do estudo da cultura escolar. Seguindo esta indicação de Julia, os autores Xavier e
Sá (2008) esclarecem que o processo de profissionalização do trabalho docente de Mato
Grosso, a partir do século XIX, é passível de investigação.
Optando por uma abordagem da história, não só buscaremos evidenciar as
semelhanças aos estudos já realizados, mas sim de destacar sua singularidade e
especificidade e estabelecer as possíveis relações existentes entre esses objetos
“específicos” e a totalidade histórica educacional.
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A cultura escolar é novamente impactada com a nova linguagem matemática e com o conceito de concreto que orienta os materiais estruturados. Ao estudarmos as transformações da cultura escolar, materializadas nos vestígios de passado histórico, foi possível compreender as finalidades que a sociedade impôs à escola primária no Estado de Mato Grosso e as formas singulares como as normas e ideários foram apropriados pelos principais sujeitos da educação, professores e alunos envolvidos no ensino da Matemática dos primeiros anos de escolarização (ALMEIDA, 2010, p. v).
Sabemos que as práticas de ensino de matemática nas séries inicias
contribuíram para as transformações da cultura escolar, no Estado de Mato Grosso; e
temos assim, a possibilidade de ampliar esses dados, com o estudo de aspectos da
profissionalização docente no estado, para os saberes matemáticos elementares.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, L. I. M. V. Ensino de Matemática nas séries iniciais no Estado de Mato Grosso (1920-1980): uma análise das transformações da cultura escolar. Tese (Doutorado em Educação). PUC-PR, 2010. BORBA, S.; VALDEMARIN, V. T. A Construção Teórica do Real: uma questão para a produção do conhecimento em educação. Currículo sem Fronteiras. v. 10, n. 2, p. 23-37, jul./dez. 2010. CERTEAU. M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2000. CHARTIER, R. História Cultural: entre práticas e representações. Tradução: Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n. 2. Porto Alegre, RS, 1990. HOFSTETTER, R; SCHNEUWLY, B. Les Savoirs : Un enjeu crucial de l'institutionnalisation des formations à l'enseignement. Valérie Lussi Borer in Rita Hofstetter et al., Savoirs en (trans)formation. De Boeck Supérieur. Raisons educatives. 2009 . p. 41 à 58. JULIA, D. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. Traduzido por Gizele de Souza. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas-SP, n. 1, p. 9-38, 2001. LE GOFF. J. Memória-História. In: Enciclopédia Einaudi. V.1. Verbete “Documento/Monumento”. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984. XAVIER, A. P. S.; SÁ, N. P. A Escola Normal de Mato Grosso no século XIX. Série Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB: Campo Grande/MS. n. 25, p. 123-132, jan./jun. 2008.
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Figura 1: Mapa de alunos da Escola Santa Rita do Araguaia, de 30 de setembro de 1923.
Fonte: APMT – registros fotográficos da pesquisadora.
Figura 2: aproveitamento das alunas.
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Fonte: APMT – registros fotográficos da pesquisadora.
Fonte: APMT – registros fotográficos da pesquisadora
Figura 3: Sobre os exames aplicados.
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Fonte: APMT – registros fotográficos da pesquisadora
Fonte: APMT – registros fotográficos da pesquisadora
Figura 4: Fechamento do relatório.
Figura 5: prova de aritmética.
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Fonte: APMT – registros fotográficos da pesquisadora
Fonte: APMT – registros fotográficos da pesquisadora
Figura 6: resolução da prova de aritmética (parte 1).
Figura 7: Resolução da prova de aritmética (parte 2).
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