felizmente há luar! o paralelismo histórico (1)

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FELIZMENTE HÁ LUAR!PARALELISMO HISTÓRICO

Felizmente Há Luar!

REGIME POLÍTICO:ABSOLUTISMO RÉGIO

D. João VI, ausente no Brasil

Junta de Governadores

Influência da Igreja

REGIME POLÍTICO:DITADURA FASCISTA

Américo Tomás, Presidente da República (sem poder efectivo)

Salazar, Presidente do Conselho de Ministros

Influência da Igreja

TEMPO DA HISTÓRIA1817

TEMPO DA ESCRITA1961

Felizmente Há Luar!

Crise Política e Social Pós Invasões

Francesas Imposição do Poder

Militar Britânico Revolta de 1817

Crise Política e Social 

Tentativas goradas de Golpes Militares

Guerra Colonial

TEMPO DA HISTÓRIA1817

TEMPO DA ESCRITA1961

Felizmente Há Luar!

General Gomes Freire d’ Andrade

Denunciado por delatores

Condenado à forca por traição à Pátria

General Humberto Delgado

Candidato da oposição às Eleições Presidenciais

Perseguido pela PIDE Assassinado em 1965

TEMPO DA HISTÓRIA1817

TEMPO DA ESCRITA1961

Felizmente Há Luar!

Vítimas do Regime Político

  Exílios

Prisões Mortes

Vítimas do Regime Político

Exílios Prisões Mortes

TEMPO DA HISTÓRIA1817

TEMPO DA ESCRITA1961

Felizmente Há Luar!

=

1834, Triunfo do Liberalismo

 =

  1974, Triunfo da Democracia

TEMPO DA HISTÓRIA1817

TEMPO DA ESCRITA1961

O TÍTULO(elemento paratextual)

D. Miguel Forjaz -- Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada Excelência, e o cheiro há-de-lhes ficar na memória durante muitos anos... Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro...

(Com raiva)É verdade que a execução se

prolongará pela noite, mas felizmente há luar...

Matilde de Melo – (Para o povo) Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim...

(Pausa) Felizmente –

felizmente há luar!

D. Miguel Matilde de Melo

- o carácter épico da peça -

Teatro didáctico baseado no efeito da distanciação, que se opõe ao teatro tradicional, no qual o espectador funciona como um observador crítico de um mundo em permanente devir.

  Opõe-se à premissa aristotélica, segundo a

qual o espectador deveria sentir que aquilo que se passa em palco se desenrola naquele local e naquele momento.

- o carácter épico da peça -

O espectador não deve crer na presença das figuras que se movimentam em palco, não deve querer identificar-se com estas, mas, antes, percorrer o caminho proposto pelos poetas épicos, o que lhe permite concluir que aquilo que vê em cena é um conjunto de acontecimentos passados, aos quais deve assistir com um desprendimento crítico.

  O teatro épico consiste no efeito da distanciação, o que

pressupõe que o que é apresentado é uma demonstração do comportamento humano, pelo que deve ser analisado numa perspectiva científica e não como uma imitação do real.

- o carácter épico da peça -

O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais que ocorrem ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de construção da sociedade.

  O drama já não se destina a criar o terror e a

piedade, isto é, já não é a função catártica, purificadora, realizada através das emoções, que está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir sentir por pensar.

- o carácter épico da peça -

Os acontecimentos devem ser apresentados como uma narração de algo que teve lugar num tempo anterior, num determinado espaço. E aquilo a que o espectador assiste deve funcionar como uma lição de vida e motivar a reflexão. É a vertente histórica que merece relevo (relembremos que os poemas épicos contavam as histórias, as aventuras de um herói, peripécias que eram narradas como eventos passados).

  A concepção e a formulação de personagens assenta na sua

função social e os seus comportamentos realizam-se através de um conjunto significativo de elementos que os exprimam e que passam pela palavra, pelos jogos fisionómicos, pela movimentação, pelos gestos, pela entoação, tradutores da relação dos indivíduos com o meio social e das relações sociais das personagens.

- o carácter épico da peça -

A intenção subjacente ao teatro épico é a crítica social, pois aquilo a que se assiste é um retrato objectivo de determinados quadros que merecem uma intervenção, uma reflexão por parte do espectador.

 

As didascálias

constituem a explicitação ideológica da peça;

texto paralelo que integra a construção da totalidade do enunciado;

cumprem, muitas vezes, as funções da descrição, do narrador interventivo, de uma focalização interna, de um convite à reflexão, entre outras.

As didascálias Explicações do autor: O público tem de entender,

logo de entrada, que tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso. Mais: que os gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos duma linguagem a que tem de adaptar-se.

  Referência à posição das personagens em cena:

Ao dizer isto, a personagem está quase de costas para os espectadores.

  Indicações aos actores: O desespero de Matilde

perante a atitude dos populares tem de ser evidente.

As didascálias

Caracterização do tom de voz das personagens e suas flexões: Muda de tom à voz; ...Volta ao seu tom de voz habitual; ...O tom é irónico; ...Fala com escárneo.

Indicação das pausas: Pausa.

Saída ou entrada de personagens: (Corvo e Morais Sarmento saem pela esquerda do palco.) 

As didascálias

Apresentação da dimensão interior das personagens: o gesto é lento, deliberadamente sarcástico. (O advérbio de modo “deliberadamente” permite-nos concluirdo acesso à interioridade da personagem, traduzindo a sua intencionalidade.)

Indicações sonoras ou ausência de som: Começa a ouvir-se, ao longe, o ruído de tambores; ...Este silêncio é pesado.

Ilações que funcionam como informações e como forma de caracterização das personagens: Fala com entusiasmo. Vê-se que Gomes Freire é o seu herói:; ...Fala com ironia, como um homem que, tendo sido aceite num clube de acesso difícil, se adapta imediatamente à linguagem dos sócios mais antigos.

As didascálias

Sugestão do aspecto exterior das personagens: Beresford vem fardado. A farda, ainda que regulamentar, não é espaventosa e está um pouco usada.

Movimentação cénica das personagens: Ao falar da cara, levanta-se, assumindo a posição dum senador romano.; ... D. Miguel anda, no palco, dum lado para o outro, com passos decididos.

Expressão fisionómica dos actores; linguagem gestual a que, por vezes, se acrescenta a visão do autor: As personagens olham para as mãos e para os lados.; ...O antigo soldado encolhe os ombros.; ...De repente olha para os polícias.; ...Abre os braços num gesto que abrange os presentes, o fundo do palco, a miséria.

Expressão do estado de espírito das personagens: Irritado., Com escárneo.; Impaciente.

ASPECTOS SIMBÓLICOS

A SAIA VERDE – o verde está conotado com a esperança, traduz uma sensação de repouso, envolvente e refrescante. Oferecida pelo general a Matilde, como expressão do amor e da felicidade, Matilde escolhe-a para esperar o companheiro após a morte, acabando o verde da saia por simbolizar a esperança de que o martírio do general dê os seus frutos.

 

ASPECTOS SIMBÓLICOS

A NOITE – a noite simboliza o tempo das gestações, das germinações, das conspirações, que desabrocharão em pleno dia como manifestação de vida. A noite apresenta um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o futuro, e o da preparação do dia, donde brotará a luz da vida.

Há inúmeras referências à noite: “Ontem à noite entraram mais de dez pessoas em casa de...”; “Passaram toda a noite a prender gente por essa cidade...”; “Mas como, Matilde, como é que se pode lutar contra a noite?”. De facto, é durante a noite e madrugada que se efectuam as prisões e as execuções prolongam-se pela noite.

ASPECTOS SIMBÓLICOS

A LUA – a Lua é o símbolo do conhecimento indirecto, discursivo, progressivo, frio. Simboliza a dependência e o princípio do feminino (salvo excepção), bem como a periodicidade e a renovação. Sob este aspecto, ela é o símbolo de transformação e de crescimento.

Para Matilde, o luar é a luz que permite que todos observem a injustiça que cometem com a morte de Gomes Freire e, consequentemente, existirá uma possibilidade de transformação.

ASPECTOS SIMBÓLICOS

A FOGUEIRA / O LUME – A fogueira não era destinada à execução de militares. No entanto, Gomes Freire, após ser enforcado, foi queimado. Contudo, aquilo que inicialmente é aviltante acaba por assumir um carácter redentor. Na verdade, o fogo simboliza também a purificação, a morte da “velha ordem” e o ponto de partida para um mundo novo e diferente. O clarão da fogueira confirma, cenicamente, o clima apoteoticamente trágico (e redentor) que o autor assumidamente deseja para esta peça.

 

ASPECTOS SIMBÓLICOS

A MOEDA DE CINCO RÉIS – A moeda de cinco réis que Matilde pede a Rita assume, assim, um valor simbólico, teatralmente simbólico. Assinala o reencontro de personagens em busca da História, por um lado, e, por outro, é o penhor de honra que Matilde, emblematicamente, usará ao peito, como “uma medalha”.

O TEMPO HISTÓRICO

A acção representa a história do movimento liberal oitocentista, no rescaldo das Invasões Francesas e a “protecção” britânica que se lhe seguiu, revelando as condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a acção de resistência dos mais esclarecidos, organizados frequentemente em sociedades secretas. A conspiração encabeçada por Gomes Freire de Andrade, manifestava-se contra a ausência da corte no Brasil, contra o poder absolutista e tirânico dos governadores e contra a protecção/presença inglesa personificada pelo generalíssimo Beresford.

Manuel – “Vê-se a gente livre dos Franceses, e zás!, cai na mão dos ingleses!”

O TEMPO HISTÓRICO

Vicente – Querem saber porque vendo os meus irmãos? Pois vendo-os por amor a N. S. Jesus Cristo e a El-Rei D. João VI, que há tantos anos anda pelos Brasis cuidando dos nossos interesses...”

Principal Sousa – “Veja, Sr. D. Miguel, como eles transformaram esta terra de gente pobre mas feliz num antro de revoltados?”

  D. Miguel – “Sempre a Revolução Francesa...”

Matilde – “Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Melo, mulher de Gomes Freire de Andrade, hoje 18 de Outubro de 1817.”

TEMPO DA ESCRITA - um texto metáfora

dois tempos para um só texto;

a falta de liberdade evidente nos dois tempos;

a vigilância apertada e a repressão policial;

a ignorância do povo facilmente manipulável;

esperança na chegada da liberdade corporizada na figura de dois generais.

O TEMPO DA ACÇÃO

As indicações temporais fornecidas pelo texto permitem-nos verificar que a intriga se desenrola de forma linear e progressiva, embora não sejam muito precisas as indicações sobre a duração da acção.

  Historicamente, sabe-se que o general Gomes

Freire de Andrade foi preso a 25 de Maio de 1817 e executado a 18 de Outubro de 1817. Logo a acção decorrerá entre estes dois marcos temporais.

O TEMPO DA ACÇÃO

As expressões temporais do Acto I revelam uma duração de, sensivelmente, dois dias:

  A Rita dorme. A que horas chegou ela? Saiba, meu senhor, que a Senhora D. Rita chegou tarde. Eram quase cinco horas pelo meu relógio de ouro. Temos ordens para te levar, ainda hoje, à presença... Excelências: trago comigo um patriota que pode testemunhar

o que ontem contei ao Sr. Marechal. Não percam tempo, senhores. O momento é grave e a causa

é justa. Ontem à noite entraram mais de dez pessoas em casa de... Há dois dias que quase não durmo...

O TEMPO DA ACÇÃO

O Acto II pressupõe uma duração de 150 dias:

Esta madrugada prenderam Gomes Freire... E eu na descarga das barcaças, todo o dia sem saber

de nada. Ao chegar a S. Julião da Barra, meterem-no logo numa

masmorra e aí ficou todo o dia...Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.

Esta praga lhe rogo eu (...) hoje dia 18 de Outubro de 1817.

É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar...

O TEMPO DA ACÇÃO No Acto I, o tempo parece desenrolar-se muito

rapidamente, contrariamente ao Acto II, em que a passagem do tempo parece ser muito mais lenta, intensificando o drama íntimo vivido pelas diferentes personagens.

A tortura, degradação e humilhação de Gomes Freire; O desespero e impotência de Matilde a contrastar com

a indiferença dos representantes do poder; A desesperança de um povo miserável e sem

perspectivas de futuro é personificada na voz do antigo soldado que profere, desalentado, “Prenderam o general... Para nós a noite ainda ficou mais escura...”

ESPAÇO CÉNICOA acção desenrola-se em três espaços,

interiores e exteriores, principais:

A sede do Conselho de Regência

A casa de Gomes Freire

O alto da serra (serra de Santo António), de onde é possível ver-se o Forte de São Julião da Barra.

ESPAÇO CÉNICOOutros espaços referenciados nas indicações

didascálicas e nos adereços cénicos ou através das falas das personagens:

“No Cais do Sodré há um café, Excelência, onde se reúnem todos os dias os defensores do sistema das cortes...”

“Senhor: há dois dias o meu amigo Morais entrou no botequim do Marrare ...”

A mudança de espaço é essencialmente indicada pelo autor, no texto secundário.

O ESPAÇO PSICOLÓGICO Caracteriza-se pela relação afectiva que

algumas personagens mantêm com determinados espaços que, evocados pela memória, sugerem características psicológicas das personagens que lhes fazem referência:

 Matilde – Tenho o corpo no Rato e a alma em

São Julião da Barra, mas enquanto houver vida nestas pernas cansadas... e força nestas mãos que Deus me deu...

O ESPAÇO SOCIAL

As indicações didascálicas relativamente ao guarda-roupa e adereços, atitudes e movimentação das personagens, as informações transmitidas pelas personagens e registo de língua utilizado são fundamentais para a caracterização do espaço social.

As personagens - General Gomes Freire

Personagem central da peça, embora nunca apareça em cena. A sua presença é construída através das falas das outras personagens, para as quais, para o bem e para o mal, se torna uma obsessão.

Homem instruído e letrado (“um estrangeirado”), um militar que sempre lutou em prol da honestidade e da justiça. É também o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais e, por isso, considerado subversivo e perigoso para o poder instituído.

As personagens - General Gomes Freire

símbolo da luta pela liberdade, da defesa intransigente dos ideais e daí que a sua presença se torne incómoda, não só para os “reis do Rossio”, mas também para os senhores do regime fascizante dos anos 60.

A sua morte, duplamente aviltante para um militar (ele é enforcado e depois queimado, quando a sentença para um militar seria o fuzilamento), servirá de lição a todos aqueles que ousem afrontar o poder político e económico, representado pela tença que Beresford

As personagens - General Gomes Freire

O martírio de Gomes Freire e a sua lição de coragem constituem os principais elementos da construção do carácter épico desta personagem.

As personagens - Matilde

Companheira de todas as horas, é ela que dá voz à injustiça sofrida pelo seu homem. As suas falas, imbuídas de dor e de revolta, constituem uma denúncia da falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja.

É uma personagem que evolui ao longo da peça, uma vez que se apresenta inicialmente como uma mulher que apenas quer salvar o seu homem, nem que para isso tenha de abdicar de valores que sempre defendeu, e que quando toma consciência de toda a trama maquiavélica que envolve o general acaba por assumir a luta de Gomes Freire, revelando-se firme e corajosa.

As personagens - Beresford

Personagem cínica e controversa, aparece como alguém que, desassombradamente, assume o processo de Gomes Freire, não como um imperativo nacional ou militar, mas apenas motivado por interesses individuais: a manutenção do seu posto e da sua tença anual.

As personagens - Beresford

A sua posição face a toda a trama que envolve Gomes Freire é nitidamente de distanciamento crítico e irónico, acabando por revelar a sua antipatia face ao catolicismo caduco, que marcam a realidade portuguesa. e ao exercício incompetente do poder

As personagens - Beresford

Será pertinente interpretar o papel de Beresford como o de uma voz crítica e mesmo distante em relação à actuação decadente de D. Miguel e do Principal Sousa.

As personagens – Principal Sousa

Para além da hipocrisia e da falta de valores éticos que transmite (“Agora me lembro de que há anos, em Campo de Ourique, Gomes Freire prejudicou muito a meu irmão Rodrigo!” – Acto I), simboliza também o conluio entre a Igreja, enquanto instituição, e o poder e a demissão da primeira em relação à denúncia das verdadeiras injustiças.

As personagens – Principal Sousa

Nas palavras do Principal Sousa, é igualmente possível detectar os fundamentos da política do “orgulhosamente sós” dos anos 60: “Enquanto a Europa se desfaz, o nosso povo tem de continuar a ver, no céu, a cruz de Ourique.” – Acto I.

 

As personagens - D. Miguel

É o protótipo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria.

As personagens - D. Miguel

Todo o seu discurso gira em torno de uma lógica oca e demagógica, construindo verdades falsas em que talvez acabe mesmo por acreditar. Os argumentos do “ardor patriótico”, da construção de “um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor”, são o eco fiel do discurso político dos anos 60. D. Miguel, conjuntamente com o Principal Sousa, são talvez as duas personagens mais execráveis de todo o texto, pela falsidade e pela hipocrisia que veiculam.

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