farrapos de poesia e som com f.pessoa

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Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar, Sem nada já que me atraia, nem nada que desejar, Farei um sonho, terei meu dia, fecharei a vida, E nunca terei agonia, pois dormirei de seguida.

A vida é como uma sombra que passa por sobre um rio Ou como um passo na alfombra de um quarto que jaz vazio; O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é; A glória concede e nega; não tem verdades a fé.

Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo, E a noite chega sem que eu saiba bem, Quero considerar-me e ver aquilo Que sou, e o que sou o que é que tem

Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro, Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há, Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro, E a minha bondade inversa não é nem boa nem má …

Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!

O porto que sonho é sombrio e pálido E esta paisagem é cheia de sol deste lado… Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol…

Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo… O vulto do cais é a estrada nítida e calma Que se levanta e se ergue como um muro, E os navios passam por dentro dos troncos das árvores Com uma horizontalidade vertical, E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro…

O sonho é ver as formas invisíveis Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp´rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte- Os beijos merecidos da verdade.

É brando o dia, brando o vento É brando o sol e brando o céu. Assim fosse meu pensamento ! Assim fosse eu, assim fosse eu !

E a orla branca foi de ilha em continente,Clareou, correndo, até ao fim do mundo,E viu-se a terra inteira, de repente,Surgir, redonda, do azul profundo.

Bate a luz no cimo Da montanha, vê... Sem querer eu cismo Mas não sei em quê.... Não sei que perdi Ou que não  achei... Vida que vivi,  Que mal eu a amei !...

Mas sonho... O mar é água, é água nua, Serva do obscuro ímpeto distante Que, como a poesia, vem da lua Que uma vez o abate outra o levanta. Mas, por mais que descante Sobre a ignorância natural do mar, Pressinto-o, vazante, a murmurar.

Ah quanta melancolia!Quanta, quanta solidão!Aquela alma, que vazia,Que sinto inútil e friaDentro do meu coração!

Como é por dentro outra pessoaQuem é que o saberá sonhar?A alma de outrem é outro universoCom que não há comunicação possível,Com que não há verdadeiro entendimento

Sossega, coração! Não desesperes!Talvez um dia, para além dos dias,Encontres o que queres porque o queres.Então, livre de falsas nostalgias,Atingirás a perfeição de seres.

Tudo quanto penso,      Tudo quanto sou      É um deserto imenso      Onde nem eu estou. 

Refresca-me a alma de espuma...Pra além do mar há a bruma...

De aqui a pouco acaba o dia Não fiz nada Também que coisa é que faria ? Fosse o que fosse, estava errada De aqui a pouco a noite vem . Chega em vão Para quem como eu só tem Para contar o coração.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

O mar anterior a nós, teus medosTinham coral e praias e arvoredos.Desvendadas a noite e a cerração,As tormentas passadas e o mistério,Abria em flor o Longe, e o Sul sidério'Splendia sobre as naus da iniciação.

Eu amo tudo o que foi,Tudo o que já não é,A dor que já me não dói,A antiga e errónea fé,O ontem que dor deixou,O que deixou alegriaSó porque foi, e voouE hoje é já outro dia.

Uma maior solidãoLentamente se aproximaDo meu triste coração. Enevoa-se-me o serComo um olhar a cegar,A cegar, a escurecer.

E como entre os arvoredos Há grandes sons de folhagem, Também agito segredos  No fundo da minha imagem

Há no firmamento  Um frio lunar. 

Um vento nevoento  Vem de ver o mar. 

Quase maresia  A hora interroga, 

E uma angústia fria  Indistinta voga. 

Hoje que a tarde é calma e o céu tranqüilo, E a noite chega sem que eu saiba bem, Quero considerar-me e ver aquilo Que sou, e o que sou o que  é que tem.

Meus dias passam, minha fé também. Já tive céus e estrelas em meu manto. As grandes horas, se as viveu alguém, Quando as viveu, perderam já o encanto.

MEUS VERSOS são meu sonho dado. Quero viver, não sei viver, Por isso, anónimo e encantado, Canto para me pertencer. O que soubemos, o perdemos. O que pensamos, já o fomos. Ah, e só guardamos o que demos  E tudo é sermos quem não somos.

NADA QUE SOU me interessa.

Se existe em meu coração Qualquer que tem pressa Terá pressa em vão.

Nada que sou me pertence. Se existo em que me conheço

Qualquer coisa que me vence Depressa a esqueço.

Nada que sou eu serei. Sonho, e só existe em meu ser, Um sonho do que terei. Só que o não hei de ter.

Sim, tudo é certo logo que o não seja.  Amar, teimar, verificar, descrer.  Quem me dera um sossego à beira ser  Como o que à beira-mar o olhar deseja. 

 

Uma composição de angolano29@gmail.comA.S.Lopes 20.05.07

Fim

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