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A terapia medicamentosa no idoso: cuidados na medicação

Pharmacotherapy in the elderly: precautions with medication

1 Núcleo de Estudos emSaúde Pública, Centro de Estudos AvançadosMultidisciplinares,Universidade de Brasília (UnB). SCLN 406, bloco A, sala 201/202, Asa Norte,70847-510, Brasília DF. 2 Programa de Pós-Graduação em Gerontologia.Universidade Católica de Brasília (UCB)nobrega@pos.ucb.br

Otávio de Tolêdo Nóbrega 1, 2

Margô Gomes de Oliveira Karnikowski 1, 2

Abstract Medical literature points out that age-ing predisposes to a greater consumption of pre-scription and “over the counter” medicines. How-ever, physiological changes related to aging suchas modification of body composition and reduc-tion of the renal and hepatic functions may sig-nificantly alter the pharmacokinetics and phar-macodynamics of several drugs, rendering elderlypeople susceptible to much more intense adverseor therapeutic effects. In this scenario, the medicalliterature has been continuously enriched withstudies pointing out explicit medications or med-ications categories that should be generally avoid-ed or used with caution by older adults. This workhas the purpose of briefly describing a few, con-sensual information on these inappropriate drugsfor the elderly, addressing some active principlesavailable for the Brazilian population.Key words Drug utilization, Clinical pharma-cology, Elderly

Resumo A literatura médica reconhece que oenvelhecimento predispõe a um consumo aumen-tado de medicamentos prescritos e não-prescritos.No entanto, mudanças fisiológicas relacionadasao envelhecimento, tais como a modificação dacomposição corporal e a redução das funções re-nal e hepática, podem alterar em muito a farma-cocinética e a farmacodinâmica de diversos fár-macos, fazendo com que indivíduos idosos este-jam suscetíveis com maior freqüência a efeitosadversos ou terapêuticos mais intensos. Neste ce-nário, a literatura médica tem sido constante-mente enriquecida com estudos que apontam ex-plicitamente para medicamentos específicos oucategorias de medicamentos cujo consumo por in-divíduos idosos deve ser evitado ou utilizado comcautela. Este trabalho se propõe a descrever bre-vemente algumas informações consensuais acercadestes medicamentos impróprios para idosos, res-saltando alguns fármacos que se encontram dis-poníveis à população brasileira. Palavras-chave Uso de medicamentos, Farma-cologia clínica, Idoso

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Introdução

A parcela de idosos na população brasileira vemcrescendo muito nas últimas décadas. Entre asdécadas de 1940 e 1970, houve um grande au-mento da expectativa de vida da população, de-vido, sobretudo, às ações de saúde pública, co-mo vacinação e saneamento básico; e devidoaos avanços médico-tecnológicos. Além disso,os processos de urbanização e planejamento fa-miliar que marcaram a década de 1960 acarre-taram uma significativa redução da fecundida-de, resultando um aumento da proporção depessoas com 65 anos ou mais (Fonseca & Car-mo, 2000; Chaimowicz, 1997). Estima-se queem 2025, a população brasileira terá aumenta-do cinco vezes em relação à de 1950, ao passoque o número de pessoas com idade superior a60 anos terá aumentado cerca de 15 vezes. Esseaumento colocará o Brasil na condição de por-tador da sexta maior população de idosos domundo, em termos absolutos (Fonseca & Car-mo, 2000), o que demandará melhorias no mo-delo de atenção à saúde prestado no país, so-bretudo no tocante às deficiências da assistên-cia farmacêutica prestada à população (Karni-kowski et al., 2004).

Sendo marcado por uma elevação da fre-qüência de doenças crônico-degenerativas, oprocesso de envelhecimento é acompanhadopor uma maior demanda pelos serviços de saú-de e por medicamentos, o que predispõe gran-demente a população geriátrica aos riscos daprática de polifarmácia e aos efeitos adversosdos medicamentos (Anderson & Kerluke, 1997).No entanto, deve-se atentar para o fato de que oorganismo idoso apresenta mudanças em suasfunções fisiológicas que não devem ser descon-sideradas, pois podem levar a uma farmacoci-nética diferenciada e maior sensibilidade tantoaos efeitos terapêuticos quanto adversos dasdrogas.

Mudança dos parâmetrosfarmacológicos no organismo idoso

De todos os parâmetros farmacológicos, tal-vez a distribuição e a metabolização sejam osmais afetados pelo envelhecimento do organis-mo. A biodisponibilidade de drogas hidrosso-lúveis administradas por via oral, por exemplo,pode estar aumentada, haja vista que o idosopossui menor teor de água no organismo, oque acarreta redução em seu volume de distri-

buição (Beyth RJ & Shorr RI, 2002). Além dis-so, o fluxo sanguíneo hepático costuma estardiminuído, por vezes reduzido quase à metade,com conseqüente redução do metabolismo deprimeira passagem dos fármacos (Fonseca &Carmo, 2000; Beyth RJ & Shorr RI, 2002; ThornBurg, 1997).

Drogas lipossolúveis, como o diazepam, porexemplo, apresentam maior volume de distri-buição no idoso, pois a proporção de tecidoadiposo nesses indivíduos é maior (Beers et al.,1991). Duas outras condições que freqüente-mente se apresentam no idoso podem contri-buir para uma distribuição irregular dos medi-camentos: a) a concentração plasmática de al-bumina tende a ser menor, o que faz com que aligação das drogas a essas proteínas tambémesteja reduzida, resultando maior fração livreda droga no plasma e maior volume de distri-buição; b) a eliminação renal pode estar preju-dicada, prolongando a meia-vida plasmáticados fármacos e aumentando a probabilidade decausar efeitos tóxicos (Beyth & Shorr, 2002;Thorn Burg, 1997; Beers et al., 1991).

Neste contexto, algumas categorias de me-dicamentos passaram a ser consideradas impró-prias para o idoso, seja por falta de eficácia te-rapêutica ou por um risco aumentado de efei-tos adversos que supera seus benefícios quandocomparadas com outras categorias de medica-mentos, devendo ter seu uso evitado. Em 1991,Beers et al (1991) publicaram os primeiros cri-térios definindo medicamentos impróprios pa-ra idosos asilados. Apesar desses critérios teremsido inicialmente desenvolvidos para os idososmais frágeis e doentes que residem em casas as-sistenciais, muitos autores passaram a utilizá-los com adaptações para avaliação das prescri-ções realizadas aos idosos não institucionali-zados (Stuck et al., 1994; Willcox et al., 1994).Com o advento de um maior número de alter-nativas terapêuticas e a publicação de estudosconsensuais entre especialistas em geriatria efarmacologia (Beers, 1997; Pollow et al., 1994),passou a ser possível generalizar determinadoscritérios a toda população idosa, a despeito denível de fragilidade, co-morbidades associadasou local onde residem. A descrição das princi-pais conclusões de alguns destes estudos e suasprincipais justificativas para considerarem de-terminados produtos farmacêuticos imprópriospara idosos encontram-se transcritas no qua-dro 1, onde foram enfocados, sobretudo aque-les referenciados por diferentes autores comomedicamentos a serem evitados a todo custo.

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Quadro 1Medicamentos considerados impróprios para o consumo por idosos e suas principais características para tal.

Medicamentos Justificativas para inapropriação

Agentes sedativosBenzodiazepínicos de longa Possuem meia-vida longa em idosos. Estão associadosação (diazepam e flurazepam) com sedação durante o dia e aumento do risco de quedas

e fraturas ósseas.

Agentes antidepressivosAmitriptilina Efeitos anticolinérgicos e hipotensão ortostática

são maiores que os de outros antidepressivos tricíclicos.

Antiinflamatórios não esteroidais (AINEs)Indometacina Efeitos adversos sobre o sistema nervoso central.Fenilbutazona Elevado risco de ocasionar agranulocitose.

Hipoglicemiantes oraisClorpropamida Meia-vida longa podendo causar hipoglicemia

prolongada; risco de causar síndrome da secreçãoinadequada do hormônio antidiurético.

Agentes analgésicosPropoxifeno Baixa potência analgésica; pode causar dependência,

sedação e confusão; pode causar toxicidade cardíaca e sobre o SNC.

Pentazocina Causa os maiores efeitos adversos no sistema nervoso central, incluindo confusão e alucinações.

Inibidores de agregação plaquetáriaDipiridamol Causa cefaléia, vertigem e distúrbios do SNC; doses

toleradas por idosos possuem eficiência questionável.

Drogas cardiovascularesDisopiramida Efeito inotrópico negativo, podendo induzir falência

cardíaca; também possui efeitos anticolinérgicos fortes.Digoxina Pela depuração renal diminuída, doses raramente

devem exceder 0,125 mg/dia intenso, exceto quando para tratamento de arritmias atriais.

Metildopa Metildopa pode causar bradicardia e exacerbar depressão.Reserpina Elevado risco de ocasionar depressão, impotência,

sedação e hipotensão ortostática.

Relaxantes musculares Carisoprodol, Ciclobenzaprina Pouco tolerados por idosos, levando a efeitos adversose Clorzoxazona anticolinérgicos; a efetividade dos mesmos nas doses

toleradas pelos idosos é questionável.

Agentes antiespasmódicosHioscina, Propantelina Pouco tolerados por idosos, levando a efeitos adversose Diciclomina anticolinérgicos; a efetividade dos mesmos nas doses

toleradas pelos idosos é questionável.

Drogas antieméticasTrimetobenzamida É a droga antiemética menos efetiva em idosos,

e ainda pode causar efeitos adversos extrapiramidais.

AntihistamínicosDifenidramina, Prometazina Propriedades anticolinérgicas potentes. Preparações parae Dexclorfeniramina tosse e resfriado que não apresentam antihistamínicos

são preferíveis.

Fonte: Beers et al., 1991; Stuck et al., 1994; Willcox et al., 1994; Beers, 1997.

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Alguns medicamentos imprópriosencontrados no Brasil

Os fármacos considerados pelo quadro 1 foramarbitrariamente selecionados com base em suarelevância clínica e no fato de estarem disponí-veis no mercado nacional. Dentre os principaisinconvenientes destes medicamentos, costu-ma-se dar destaque ao fato de a maioria pos-suir propriedades anticolinérgicas intensas, cu-jos sinais e sintomas quase sempre apresentamrepercussão sistêmica (taquicardia, secreções eperistaltismo diminuídos, retenção urinária)e/ou neurológica (ansiedade, confusão, delírio,esquecimento) (Beyth & Shorr, 2002; ThornBurg, 1997). Tais propriedades foram responsá-veis por se julgar os riscos associados a diferen-tes drogas antiespasmódicas e relaxantes mus-culares como superiores aos benefícios propor-cionados (Beers et al., 1991; Beers, 1997). Emadição, fármacos que apresentam biodisponi-bilidade aumentada tais como o hipoglicemi-ante clorpropamida e o agente inotróprico di-goxina acabam por induzir efeitos terapêuticosprolongados, afetando por sua vez a homeosta-se do organismo idoso (Beers, 1997). Sendo as-sim, o uso de medicamentos impróprios podetrazer sérias conseqüências clínicas para o or-ganismo idoso, variando entre reações adversasque afetam a independência funcional e o bem-estar psicossocial do indivíduo até um risco au-mentado de mortalidade (Beers et al., 1991;Beers, 1997; Stuck et al., 1994; Willcox et al.,1994). Sabendo-se que os medicamentos po-dem constituir uma ferramenta terapêutica degrande valia, não se deve ignorar que nem to-dos os medicamentos comercializados são pró-prios para utilização por pacientes anciães eque pode haver, mesmo entre aqueles que são

utilizados com relativa segurança, a necessida-de de ajuste de dosagem em decorrência das al-terações fisiológicas observadas com o envelhe-cimento. Cabe ainda ressaltar que o uso conco-mitante destes medicamentos, por vezes inevi-tável, predispõe o idoso aos riscos de seus efei-tos aditivos (sinérgicos). No Brasil, diferentesestudos apontam que a utilização destes medi-camentos ainda é amplamente difundida entrepacientes com idade superior a 60 anos (Ro-zenfeld, 2003; Mosegui et al., 1999). Nossos re-sultados indicam que a prescrição destes pro-dutos para indivíduos idosos não cessa, nemsequer diminui, mesmo quando os pacientes seencontram em faixas etárias ainda mais avan-çadas (Nóbrega et al., no prelo).

Conclusões: cuidados na prescrição

Diante do cenário exposto acima, é importanteque uma prescrição adequada para o idoso: a)considere o estado clínico geral do paciente; b)minimize o número de drogas a serem adminis-tradas para evitar interações medicamentosas emaiores possibilidades de reações adversas; c)seja iniciada com pequenas doses e adequadaconforme a resposta; d) evite ao máximo o usode medicamentos considerados impróprios pe-la literatura médica e científica; e) e em situa-ções em que os mesmos não possam ser evita-dos, que seu uso se dê com cautela e monitora-mento constante. O uso racional de medica-mentos pelos idosos é fundamental para evitargastos excessivos com múltiplos medicamentose prevenir internações desnecessárias, de modoa desonerar o sistema público de saúde bemcomo assegurar boa qualidade de vida a essesindivíduos.

Colaboradores

OT Nóbrega e MGO Karnikowski contribuíram igual-mente para a concretização deste artigo. OT Nóbrega pro-cedeu à revisão bibliográfica inicial acerca do tema, ten-do redigido versão preliminar. MGO Karnikowski contri-buiu por meio de revisão criteriosa e pesquisa bibliográfi-ca complementar.

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Nóbrega OT, Melo GF & Karnikowski MGO. Pattern ofdrugs prescribed for community-residing middle-agedand older adults from the outskirts of Brasília. Brazi-lian Journal of Pharmaceutical Sciences (no prelo).

Pollow RL, Stoller EP, Forster LE & Duniho TS 1994. Drugcombinations and potential for risk of adverse drugreaction among community-dwelling elderly. NursRes 43(1):44-49.

Rozenfeld S 2003. Prevalence, associated factors, and mi-suse of medication in the elderly: a review. Cadernode Saúde Pública 19(3):717-724.

Stuck A et al. 1994. Inappropriate medication use in com-munity-residing older persons. Arch Intern Med 154:2.195-2.200.

Thorn Burg JE 1997. Farmacologia geriátrica. In BrodyTM, Larner J, Minneman KP, Neu HC. Farmacologiahumana – da molecular a clínica (2a ed.). Ed. Guana-bara Koogan, Rio de Janeiro.

Willcox SM, Himmelstein DU & Woolhandler S 1994.Inappropriate drug prescribing for the community-dwelling elderly. JAMA 272:292-296.

Artigo apresentado em 12/04/2003Aprovado em 25/08/2004Versão final apresentada em 04/10/2004

Referências bibliográficas

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Chaimowicz F 1997. A saúde dos idosos brasileiros às vés-peras do século XXI: problemas, projeções e alterna-tivas. Revista de Saúde Pública 31(2):184-200.

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Mosegui GBG, Rozenfeld S, Veras RP & Vianna CMM1999. Quality assessment of drug use in the elderly.Revista de Saúde Pública 33(5):437-444.

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