evangelico ariovaldo ramos e ricardo bitun e tempo de refletir
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TTEEMMPPOO DDEE RREEFFLLEETTIIRR
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitn
Edio especial para distribuio gratuita pela Internet, atravsdo Letras Santas, com autorizao do Autor. Todos os direitosreservados. A reproduo no todo ou em parte deste livro, porqualquer meio, sem autorizao do autor.
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ndice
ApresentaoComo (e por que) este livro nasceu
Prembulo
I A Insero da F Protestante no Brasil
Tentativas e fracassos
Imigrantes e missionrios
O choque petencostal
Manoel de Mello e as igrejas autctones
Paraeclesiticas, o regime militar e a reao jovem
II F em Expanso: Os Anos de Crescimento
Trs ondas
A quarta onda: os neopentecostais
A seduo da mdia e a paixo pelo crescimento
F e sincretismo
Liderana e personalismo
III Por Uma Nova Eclesiologia
F e auto-ajuda
Eplogo
Bibliografia
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Apresentao(Texto do prefaciador)
Como (e por que) este livro nasceu(Texto do Ari)
PrembuloA Bblia registra em 1 Timteo 6:9: Ora, os que querem ficar ricos
caem em tentaes, e cilada, e em muitas concupiscncias insensatas e
perniciosas, as quais afogam os homens na runa e na perdio. As
palavras do apstolo Paulo ganham um tom ainda mais proftico quando
aplicadas ao momento atual da Igreja Evanglica Brasileira. Ele adverte
contra a seduo da riqueza e a insensatez de se perseguir o sucesso
material. Esse caminho, diz o apstolo, est pavimentado de ciladas e s
pode terminar em runa e perdio.Nas ltimas duas dcadas, uma corrente teolgica vinda dos Estados
Unidos invadiu o Brasil. Travestida de verdade revelada, ela subverte o
Evangelho e pe em xeque nossa herana protestante. A Teologia da
Prosperidade, nome pelo qual essa corrente conhecida, encontrou ampla
acolhida no mundo editorial. Com raras excees, as editoras evanglicas
inundaram o mercado com obras que propagandeavam os ensinamentos do
Movimento da F, como tambm chamada a escola doutrinria iniciada
pelo americano Kenneth Hagin, autor dos best-sellers A autoridade do
Crente e Compreendendo a Uno.
Restrita no comeo a uma ala do protestantismo brasileiro, a Teologia
da Prosperidade se espalhou rapidamente entre ns e pode ser ouvida dos
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mais insuspeitos plpitos. Entra-se numa igreja e l est um sujeito
pregando mensagens mais prximas da auto-ajuda do que da teologia dos
reformadores. O povo no quer ouvir falar de renncia e sofrimento pela
causa do Reino, rendem-se os pastores. A Cruz tournou-se outra vez uma
vergonha, mas ironicamente para aqueles que dela deveriam fazer sua
profisso de f.
O pastor sobe ao plpito acreditando combater foras ocultas, que
talvez no sejam l to ocultas, mas assim mesmo cridas como sendo. O
crente vai ao templo para ouvir uma palavra positiva, para cima; anela poruma mensagem de refrigrio, de bno. Falar de arrependimento e
converso seria trair sua confiana, frustrar sua expectativa. Ento, sob esse
aspecto, a Teologia da Prosperidade venceu.
O mundo editorial no foi, porm, o nico a contribuir para a ascenso
da Teologia da Prosperidade. Da noite para o dia, os canais de televiso
passaram a abrigar em suas grades programas apresentados por estrelas do
Movimento da F como Valnice Milhomens e R. R. Soares. O poder do
meio amplificou o efeito, e no demorou para que a Teologia da
Prosperidade ganhasse o status de pensamento oficial da Igreja
Evanglica Brasileira, tamanha sua influncia e de seus lderes.
Um dos seus mais destacados representantes, R. R. Soares declarou,em entrevista recente revistaEclsia, preferir mil vezes pregar a teologia
chamada da prosperidade do que a teologia do pecado, da mentira, da
derrota, do sofrimento. O triunfalismo esnobe dos arautos da Prosperidade
emerge na afirmao: No creio (sic) na misria. Essa histria conversa
de derrotados. So todos um bando de fracassados, cujas igrejas so um
verdadeiro fracasso. E desafia: Todo mundo que est na derrota tem que
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aprender correndo a tomar posse da beno, seno vai continuar na derrota
e dando pssimo testemunho. Esse negcio de falar que Deus bom mas
no cura, no liberta, no prospera (sic), que bondade essa?.1
Retrucaramos: Que teologia essa? Que evangelho esse?
As pginas que se seguem no so uma refutao da Teologia da
Prosperidade. Pelo menos trs volumes j foram dedicados a esse tema com
relativo sucesso. Dois so de autoria do pastor e pesquisador Paulo Romeiro
e um do pastor Ricardo Gondim.2
Nosso objetivo mais modesto. Temos em mente o leitor que,
bombardeado pelas mensagens dos mensageiros da Prosperidade, foi
tomado de dvidas sobre sua f e, sem respostas, sente o cho fugir-lhe.
Sofre com a falta de conhecimento e de argumentos para rebater aos que o
acusam de ser ele um crente fraco, sem poder.
Pensamos tambm no pastor que se angustia por no ter encontrado achave do crescimento e do sucesso para o seu ministrio e se impacienta
com a prpria falta de criatividade. Ele ouve relatos de igrejas onde as
pessoas se espremem porque o lugar ficou pequeno para tanta gente; onde o
pastor tem um programa de televiso e o nome do seu ministrio est na
boca de todo mundo. A ele para e se pergunta: Onde est o segredo?
Ao fazer um excurso atravs da histria da Igreja Evanglica
Brasileira, tive a inteno de mostrar duas coisas: primeiro, que no temos
1 Evangelho de Resultados, entrevista publicada na edio de Junho de 2001 da revistaEclsia.,pp. 24 e ss. O missionrio R. R. Soares, fundador e presidente da Igreja Internacional da Graa.2 As obras so: SuperCrentes O Evangelho Segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e osProfetas da Prosperidade. Mundo Cristo. So Paulo, 1993 eEvanglicos em Crise: DecadnciaDoutrinria na Igreja Brasileira. Mundo Cristo. So Paulo, 1995 (de autoria do Pr. Paulo
Romeiro); O Evangelho da Nova Era: Uma Anlise e Refutao Bblica da Chamada Teologia daProsperidade. Abba Press. So Paulo, 1993 (do Pr. Ricardo Gondim).
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por que nos envergonhar da nossa herana protestante; segundo, que
possvel crescer e manter a identidade com essa mesma herana. Se logrei
sucesso, somente leitor poder dizer.
No precisamos fazer concesses para nos tornar mais respeitveis ou
ganhar a aprovao da sociedade. Paradoxalmente, depois de anos como
minoria religiosa, os evanglicos podem vir a se tornar uma maioria que
no faz diferena.
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IA I N S E R O D A
F P R O T E S T A N T E N O B R A S I L
Tentativas e fracassosA Igreja Evanglica Brasileira nova. Comeou a fixar-se a partir da
segunda metade do sculo XIX, quando o Brasil j havia conquistado suaindependncia de Portugal e era governado por um imperador (D. Pedro II).
Houve, no perodo Colonial, tentativas de implantar por aqui a f
protestante, mas ela s viria a vingar entre ns muito tempo depois de o
catolicismo tornar-se a religio oficial do Brasil. De fato, a Constituio
Imperial de 1824 apenas ratificou um domnio j existente na prtica.
Villegaignon, comandante da expedio francesa que aportou na
Guanabara em 1555 e teve o apoio do huguenote Gaspard de Coligny,
escreveu a Calvino e Igreja de Genebra pedindo que para c fossem
enviados crentes reformados. Dois anos depois era celebrado o primeiro
culto evanglico em terras brasileiras.
Mais tarde, o francs expulsaria os calvinistas da recm-fundadaFrana Antrtica, por discordar deles acerca da administrao dos
sacramentos.
No sculo XVII, durante a dominao holandesa do Nordeste (1630 a
1654), o Evangelho teve nova chance. Instalada sob a proteo de Maurcio
de Nassau, a Igreja Reformada chegou a ter duas dezenas de igrejas e
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congregaes, atendidas por mais 50 pastores e predicantes, alm de dois
presbitrios e um snodo. Os holands deixaram o pas em 1654, depois que
a Companhia das ndias Ocidentais negociou com Portugal sua sada do
Nordeste.
Um fato curioso na histria da Igreja no Brasil foi o movimento
iniciado por Frei Caneca, ento regente do Imprio, para separar a Igreja
brasileira do Vaticano. O religioso chegou mesmo a convidar telogos de
Westminster para virem ao Brasil, com o intuito de criar aqui uma nova
teologia, de traos protestantes e anglicanos. O religioso foi destitudo dasua regncia e condenado por traio. Fracassou, desse modo, mais uma
tentativa de implantar a Igreja Evanglica em nosso pas, o que s viria a
acontecer com a chegada dos imigrantes europeus (principalmente alemes,
que abriram igrejas luteranas no sul do pas) e das primeiras misses
estrangeiras na segunda metade do sculo XIX.
Imigrantes e missionriosOs imigrantes tiveram um papel decisivo na insero da f protestante
no Brasil. Em 1810, Portugal e Inglaterra haviam firmado o Tratado de
Comrcio e Navegao que, entre outras coisas, protegia os imigrantes
protestantes de perseguio religiosa. Isso incentivou a chegada deles em
grande nmero, vindos principalmente dos Estados Unidos, Esccia e
outras naes europias. Foram os imigrantes alemes, entre eles muitos
luteranos e reformados, porm, que criaram comunidades de colonos,
instalando-se principalmente nos estados do Sul do pas. No comeo, seus
pastores foram escolhidos entre os prprios leigos, e ficaram conhecidos
como colonos-pregadores. S bem mais tarde, missionrios e ministros
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foram enviados da Sua e da Prssia para cuidar do rebanho alemo no
Brasil.
As primeiras aes missionrias no pas foram resultado do trabalho
das sociedades bblicas. O clima de tolerncia da poca (era ainda o tempo
de vigncia dos tratados assinados com a Inglaterra, uma nao protestante)
permitiu que homens como Daniel Parish Kidder e James Cooley Fletcher
realizassem um extraordinrio trabalho de colportagem. O primeiro era
episcopal; o segundo, presbiteriano. Kidder chegou aqui em 1842 e fundou,
com o rev. Fountain Pitts, a primeira escola dominical do Brasil. Sua maiorrealizao, contudo, foi como distribuidor de bblias, tendo viajado por todo
o pas.
Como Kidder, Fletcher foi agente da Sociedade Bblica Americana e
um verdadeiro apaixonado pelo trabalho de divulgao do Evangelho.
Enviado ao Brasil pela Unio Crist Americana Estrangeira, escreveu, em
1857, O Brasil e os Brasileiros, obra que viria a influenciar ningum menos
do que Robert Reid Kalley.
Mdico de formao, Kalley foi missionrio na Ilha da Madeira, de
onde fugiu vtima de perseguio religiosa. Nos Estados Unidos, encontrou-
se com Fletcher, de quem ouviu relatos sobre o grande campo recm-
aberto no Brasil. E para c Kalley veio, em 1855, acompanhado de SarahPoulton, sua esposa, co-autora com ele do mais famoso e influente hinrio
evanglico brasileiro, o Salmos e Hinos.3
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MENDONA, Antonio Gouveia. O Celeste Porvir A Insero do Protestantismo no Brasil.Aste. So Paulo, 1995., pp 29 e 176
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Do trabalho dos Kalleys nasceu a Igreja Evanglica Fluminense, uma
comunidade que reunia madeirenses e brasileiros. Robert Kalley foi um
destacado defensor da liberdade religiosa e o primeiro missionrio a usar a
lngua portuguesa para divulgar o Evangelho no pas.4
Outro missionrio pioneiro foi o presbiteriano Ashbel G. Simonton,
enviado ao Brasil pela Junta de Misses Estrangeiras, de Nova York
(EUA). Sua figura decisiva na evoluo do presbiterianismo brasileiro.
Apesar de ter escolhido o Brasil como campo missionrio, Simonton no
dominava o Portugus e enfrentou muita dificuldade para se adaptar aopas. Por oito anos esteve frente da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro,
fundada por ele em 1862. Veio a falecer em 1867. 5
O trabalho de Simonton foi secundado pela vinda de outros
missionrios presbiterianos, como Alexander Blackford e Francis
Schneider.
Depois de uma malsucedida tentativa com Thomas Jefferson Bowen
dez anos antes, os batistas se instalaram entre ns em 1871 na cidade de
Santa Brbara DOeste, onde existia uma comunidade de imigrantes
confederados vindos dos Estados Unidos. A primeira igreja comeou a
funcionar em Setembro daquele ano, tendo frente o pastor Richard
Ratcliff. Somente uma dcada mais tarde, em 1881, a Junta Missionria deRichadmond enviou ao Brasil William B. Bagby. No ano seguinte sua
chegada, ele fundaria, ao lado de um ex-padre (Antnio Teixeira), a
primeira igreja batista brasileira.6
4 Ibidem, p. 1765
Ibidem, pp. 29 e 178-1856 Ibidem, p. 31
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Os episcopais foram, entre as denominaes histricas, os ltimos a se
estabelecerem no pas. Lucien Kinsolving e James Watson Morris
chegaram aqui em 1889, enviados pela American Church Missionary
Society. Foram para Porto Alegre no ano seguinte, onde se fixaram e deram
incio a um dos mais promissores trabalhos missionrios daquela poca.
Apesar da presena dos colonos luteranos na regio e dos presbiterianos j
haverem iniciado uma misso na cidade de Rio Grande, a Provncia do Rio
Grande Sul era pouco ocupada por misses. Em poucos anos os episcopais
cresceram e, num s ano (1897), foram confirmados 150 fiis. Dois anos
mais tarde a Igreja Episcopal do Brasil sagrou seu primeiro bispo residente,
Lucien Lee Kinsolving.7
A Igreja Evanglica Brasileira permaneceu, da sua instalao at o
incio do sculo XX, sendo tradicional, cujas caractersticas mais marcantes
eram a erudio bblica e o formalismo litrgico. Havia tambm acentuada
nfase na educao, compreensvel pelas altas taxas de analfabetismo dapopulao brasileira da poca.
Antonio Gouva Mendona, autor de O Celeste Porvir, argumenta que
o protestantismo implantado no Brasil manteve, contrariamente ao que se
poderia esperar, uma certa unidade teolgica e ideolgica. Duas coisas
contriburam para isso: a origem comum (EUA) da maioria das misses e apredominncia do culto catlico entre os brasileiros. As diferenas entre as
denominaes eram de natureza secundria, niveladas que foram pela
teologia originada dos movimentos religiosos norte-americanos, de um
lado, e das condies peculiares do Brasil, por outro.8
7
Ibidem, pp. 31 e 328 Ibidem, p. 83
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Essa unidade ir, pouco a pouco, sofrer abalos medida que os
evanglicos crescem, at resultar na ruptura e no isolamento dos anos 80.
O aparecimento dos pentecostais ser, por mais de uma razo, o
elemento desencadeador das fissuras que levaro ao racha entre os
tradicionais, principalmente nos crculos batistas e presbiterianos. Eis o
motivo para nos voltarmos a eles agora.
O choque petencostalOs pioneiros foram a Congregao Crist do Brasil, aqui chegada em
1910 pelas mos de um italiano, Luigi Francescon, e a Assemblia de Deus,
fundada no ano seguinte pelos missionrios suecos Gunnar Vingren e
Daniel Berg. As duas permaneceram como as maiores foras do movimento
pentecostal no Brasil at o final dos anos 40, quando dissidentes criaram
ministrios independentes. Surgiram, ento, trs novos protagonistas. Dois
deles (a Pentecostal O Brasil Para Cristo e a Deus Amor) sesingularizaram por marcarem a emergncia das igrejas autctones. O
terceiro (a Evangelho Quadrangular) foi trasladado dos Estados Unidos para
c.
Francescon morou nos Estados Unidos no perodo em que William
Seymour iniciou, num prdio alugado na cidade de Los Angeles, o que
ficou conhecido como o Sculo Pentecostal. Era o ano de 1906. Francescon
e sua esposa, Rosina Balzano, moravam em Chicago quando receberam o
batismo com o Esprito Santo. Eles deixariam os Estados Unidos em
1909 rumo ao Brasil.
Aqui Francescon freqentou a Igreja Presbiteriana do Brs, bairro da
capital paulista com uma enorme colnia italiana. Suas idias acerca do
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ministrio do Esprito Santo causaram um verdadeiro racha na igreja.
Apoiado por fiis (presbiterianos, batistas, metodistas e at catlicos)
descontentes com suas denominaes, Francescon abriu a primeira casa de
orao da Congregao Crist no Brasil.9
A igreja fundada no Par, em 1910, por Gunnar Vingren e Daniel
Berg, tornou-se a maior denominao evanglica brasileira em menos de
cem anos. A Assemblia de Deus a traduo mais bem sucedida tanto
em ternos doutrinrios quanto numricos do pentecostalismo entre ns.
Intrigante na trajetria da Assemblia de Deus o fato de ter nascidonuma regio do pas que nunca despertou grande interesse nas outras
denominaes. Ao recensear a histria da evangelizao no Brasil, Elben
Lenz Csar registra que os protestantes histricos (luteranos, presbiterianos,
congregacionais, metodistas, episcopais e batistas a includos) instalaram-
se nas regies Sul e Sudeste, ao passo que os pentecostais deram incio
sua expanso a partir do Norte.10
No obstante o isolamento, a Assemblia de Deus crescia. E crescia
muito. Quando, nos anos 60, d-se o encontro entre tradicionais e
pentecostais, o resultado quase um cisma na Igreja Evanglica Brasileira,
um choque que levou a toda sorte de diviso.
Os pentecostais, liderados pela Assemblia de Deus, ganharam
expresso e invadiram os arraiais das denominaes tradicionais. O fogo
caiu. E caiu sob dois aspectos: caiu o fogo do Esprito Santo e pegou fogo a
relao entre os irmos. Igrejas histricas se dividiram, movimentos
9 CSAR, Elben M. Lenz.Histria da Evangelizao do Brasil Dos Jesutas aos
Neopentecostais. Ultimato Editora. So Paulo, 2a
edio, 2000, p. 11510 Ibidem, p. 119
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secessionistas surgiram com mpeto. Duas formas de servir ao Senhor, dois
enfoques. O encontro gerou um racha, mas os pentecostais se
estabeleceram. So eles que iro protagonizar o extraordinrio crescimento
experimentado pela Igreja Evanglica Brasileira nos anos 70 e 80.
Manoel de Mello e as igrejas autctonesNo final dos anos 50 um fenmeno novo surge, provocando uma
mudana no cenrio evanglico nacional. So as igrejas autctones. Sua
figura de maior destaque e, curiosamente, menos estudada o
pernambucano, pedreiro de profisso e missionrio por vocao, Manoel de
Mello. Ele e a igreja que fundou (Igreja Evanglica Petencostal O Brasil
Para Cristo) so um marco no protestantismo brasileiro. Fruto talvez de
preconceito, Mello permanece mal compreendido, apesar da sua
singularidade e da influncia que teve na histria da Igreja Evanglica
Brasileira.Manoel de Mello representou uma mudana radical, uma ruptura no
curso at ento trilhado pela Igreja Evanglica Brasileira. De repente, um
homem oriundo da Assemblia de Deus (como a maioria dos outros
fundadores de igrejas autctones no Brasil) comeou a sacudir os crentes.
Sua pregao, proftica e belicosa, ultrapassou as fronteiras das
denominaes evanglicas e alcanou o mundo poltico. Se hoje a relao
entre f e poltica est pacificamente incorporada aos nossos debates, no
devemos esquecer o quanto Manoel de Mello tem a ver com isso, rompendo
o isolamento dos protestantes e se fazendo ouvir pelos polticos.
Se a histria falar bem ou mal dele, uma questo discutvel. Mas
que Manoel de Mello transps as fronteiras, disso no se pode ter a menor
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dvida. E o fez de maneira original. No s porque era um grande
comunicador de massas e possua aquele af que prprio dos pentecostais,
de cura, libertao. Aquela palavra poderosa que constrange e exige
deciso. No, no foi s por isso. Foi tambm porque corajosamente fez
escolhas que o levaram por caminhos desconhecidos das lideranas
evanglicas tradicionais.
Emblemtica nesse itinerrio foi sua filiao, em 1969, ao Conselho
Mundial de Igrejas (CMI), porque corajosa. Imagine-se um lder procedente
das lides da Assemblia de Deus, com uma igreja autctone, com o nomemais autctone possvel (O Brasil Para Cristo) formando fileira com o CMI.
Mello era um homem de atitudes radicais, convices fortes e
declaraes explosivas. Um exemplo dessa explosividade aparece quando
profetizou: Roma deu ao mundo a idolatria; a Rssia, os terrores do
comunismo; os Estados Unidos, o demnio do capitalismo; ns, brasileiros,
nao pobre, daremos ao mundo o Evangelho.11 Noutra entrevista,
pontificou: O atesmo cresce devido s situaes de injustia, de misria
em que o povo vive. Os pregadores esto pregando sobre um futuro
longnquo e se esquecem que Jesus deu valor e ateno ao momento em que
o povo vivia.12
Marcante na biografia de Manoel Mello foi tambm sua declarao,durante um programa de televiso no qual ele e Dom Paulo Evaristo Arns
falavam sobre o CMI. O reprter perguntou ao pastor como era possvel a
convivncia com o cardeal Arns (aquele era um tempo em que os
11 ANTONIAZZI, Alberto e FRESTON,Paul.Nem anjos nem demnios InterpretaesSociolgicas do Pentecostalismo. Editora Vozes. Petrpolis, 1994, p.11812
REILY, Duncan.Histria Documental do Protestantismo no Brasil. Aste. So Paulo, 1984,p.389
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evanglicos ainda tinham os catlicos como alvo). Mello, ento, sem
mostrar qualquer constrangimento, ps a mo no ombro do cardeal e disse:
Ah, se todos os padres fossem como Dom Paulo, nossa relao seria
diferente.
Naquela poca, um gesto como esse era simplesmente revolucionrio.
Rompia a um tempo com o preconceito e abria uma possibilidade de
convivncia e comunho com os cristos de confisso catlica. No futuro,
quando historiadores se debruarem sobre esse perodo da histria da Igreja
Evanglica Brasileira, haver quem se surpreenda com esse homem.
Paraeclesiticas, o regime militar e a reao jovemEstamos no final dos anos 60 e incio dos 70. Os militares se
instalaram no poder e a vida nacional mergulhou num perodo de
incertezas, angstia e medo. Os anos que se seguiro ao golpe sero os mais
negros da nossa histria. Nem mesmo a breve bonana experimentada como milagre econmico nos anos setenta, tida como a maior realizao do
governo dos generais, diminui o travo que ainda hoje sentimos ao lembrar
aquela dcada.
E, no entanto, o sopro do Esprito se fez sentir sobre A Igreja
Evanglica Brasileira. Outro milagre, agora da f, tambm acontece no
meio evanglico. Um fervor evangelstico toma conta das igrejas com o
surgimento das misses paraeclesiticas. So fruto tanto do zelo
missionrio dos pentecostais quanto da diligncia evangelstica dos
tradicionais. As paraeclesiticas eram misses pioneiras, queriam levar a
Boa Nova a todos os rinces do pas, ser o sal fora do saleiro.
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Algo de extraordinrio havia nesse fenmeno. No exatamente do
ponto de vista evangelstico, pois as denominaes protestantes sempre
empreenderam aes evangelizadoras entre o povo. As paraeclesiticas
configuraram-se, na evoluo do protestantismo brasileiro, num novo locus,
no sentido sociolgico do termo. Numa religio marcada por divises,
permitiram a superao de diferenas doutrinrias pontuais. Nenhum grupo
reivindicava o monoplio da verdade, ningum defendia territrios. O
resultado era um esforo conjunto na evangelizao do pas, com um
significativo aumento da distribuio de literatura crist, abertura de
institutos bblicos e encontros, que reuniam pastores e lderes de diferentes
orientaes denominacionais.
Num corte propriamente sociolgico, pode-se dizer que as
paraeclesiticas eram um espao mais democrtico para o exerccio do
mandato missionrio deixado por Jesus. Paul Freston alarga esse conceito
quando diz que elas permitiam expressar alianas e oposiescontemporneas mais relevantes do que as velhas fronteiras
denominacionais. E conclui que nelas os que se sentiam marginalizados
em suas denominaes de origem podiam encontrar um espao
alternativo, onde suas aes talvez pudessem influenciar o conjunto do
protestantismo, mesmo que essa influncia se restringisse a uma rea
especfica da f.13
A Revoluo de 64 inaugurou em nossa histria uma era de sombra e
terror que se estendeu at meados da dcada de 80, quando deu-se o incio
da redemocratizao do pas. Do mesmo modo que para outro grupos, o
golpe representou para os evanglicos um enorme desafio. Apesar da sua
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importncia, esse um perodo da histria da Igreja Evanglica que ainda
espera por um exame apurado por parte dos estudiosos.
O regime instaurado pelos militares deixava pouca ou nenhuma
alternativa para os de pensamento diverso. Era o tempo do ame-o ou
deixe-o. A intelligentsia brasileira viu-se, da noite para o dia, transformada
em inimiga do pas, caada em todos os cantos. A perseguio foi
implacvel: prises, interrogatrios, julgamentos sumrios, exlios, mortes.
Lideranas de destaque da Igreja Evanglica Brasileira alinharam-se
esquerda, num movimento claramente oposto ao tomado pelos setoresconservadores da igreja Catlica. Quem se der ao trabalho de consultar os
registros da poca nos arquivos da antiga Confederao Evanglica
Brasileira descobrir, no sem um certo assombro, o quanto havia de
vanguarda nas idias defendidas pelos irmos.
A Confederao era uma instituio progressista, com um iderio mais
prximo dos partidos de esquerda brasileiros. A clima poltico da poca
parecia no deixar outra opo que no a do exlio. E foi para ele que
muitos lderes partiram.
H os que vero em tudo isso algo de inusitado. Mas o fato mesmo de
se constituir em novidade para algum denuncia, por si s, o descuido que
temos com a nossa histria. E assoma maior razo para que se encare com
urgncia um estudo sobre a atuao da Igreja Evanglica nos anos de
chumbo.
Os lderes no foram os nicos acossadas pelo regime. Outro alvo da
intransigncia militar foram as organizaes jovens evanglicas. Como suas
13 FRESTON, Paul. Opus cit. p. 389
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congneres estudantis, elas tambm sentiram o peso do arbtrio: portas
foram fechadas, diretorias destitudas, documentos confiscados. Os jovens
foram silenciados pelo argumento dos fuzis.
Como sempre na histria dos homens e mulheres que constrem o
Reino de Deus, a f e a esperana abriram caminho em meio s pedras e
espinhos do mundo. Assim, no final dos anos 60 e incio da dcada de 70,
precisamente quando os militares lanavam mo dos mais perversos
expedientes para se manter no poder, brotou entre os jovens uma vigorosa
reao.Um renovado fervor surgiu no seio das igrejas protestantes,
arregimentando milhares de jovens para o trabalho de evangelizao. a
poca de movimentos como Influncia de Palavra da Vida, Mocidade para
Cristo, Jovens da Verdade, Jovens em Cristo e ABU. Chega tambm ao
Brasil a Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo. A seara era grande, e
eles respondiam ao chamado do Senhor da seara.
Foi a dcada dos jovens. O mundo testemunhava um milagre: colnias
inteiras de hippies nos Estados Unidos e na Europa convertiam-se a Jesus.
Uma gerao inteira vai se inspirar em homens como David Wilkerson. No
Brasil, jovens tornam-se ousados pregadores do Evangelho. A Igreja
Evanglica Brasileira no ser mais a mesma desde ento.
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I IF E M E X P A N S O :
O S A N O S D E C R E S C I M E N T O
Trs ondasA dcada de 60 marcou a insero definitiva da Igreja Evanglica na
sociedade Brasileira. A Assemblia de Deus cresceu de forma expressiva eganhou projeo nacional. O Pr. Manoel de Mello tornou-se alvo do
assdio de polticos, cientes do peso que ele e sua igreja representavam em
termos eleitorais. Os evanglicos passaram a ser percebidos como uma
fora no s numrica, mas ideolgica. Nasce a primeira grande onda de
crescimento da igreja.
A simplicidade das teses acima pode levar falsa concluso de que a
Igreja Evanglica Brasileira apenas seguiu seu curso evolutivo natural. A
rpida emergncia dos pentecostais e a reao dos tradicionais dizem muito
de como nada de natural houve nessa evoluo.
Ancorados num rgido formalismo litrgico e numa slida erudio
bblica, os tradicionais condenavam os excessos emocionais dospentecostais, tidos como pouco letrados. Estes ltimos deploravam a
frieza e a falta de poder dos primeiros. O choque foi inevitvel.
Hoje, beneficiados pela perspectiva histrica, compreendemos como
esse encontro entre o formal e o espontneo, o racional e o emocional, o
erudito e o operoso, foi salutar para o crescimento da Igreja Evanglica
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Brasileira. As brigas no enfraqueceram o corpo, antes o tornaram mais
forte. No necessariamente mais coeso, apenas mais forte.
Se a Assemblia de Deus avanava em direo ao Nordeste e ao Sul
do pas, sua visibilidade, contudo, no rivalizava com a das igrejas fundadas
por missionrios como Manoel de Mello ou David Miranda.
A Igreja Evanglica Pentecostal O Brasil Para Cristo, como j se
defendeu aqui, o eptome das igrejas autctones. A figura do Pr. Manoel
de Mello sintetiza esse movimento e permanece, como sugerimos algumas
linhas atrs, ignorado pelos estudiosos. Para sustentar nossa tese, bastarecordar aqui um episdio ocorrido com Manoel de Mello no ano em que
Adhemar de Barros concorria prefeitura de So Paulo.
Em retribuio ao apoio recebido, o candidato presenteou Mello com
um terreno, onde foi construdo um templo provisrio. Uma vez eleito,
Adhemar de Barros mandou demolir a construo, cedendo a presses da
Cria Metropolitana.
Manoel de Mello era um homem com um projeto poltico. Aps o
incidente com Barros, lanou e apoiou diversos candidatos, at que a
interveno dos militares em 64 veio interromper suas investidas no mundo
da poltica.
Manoel de Mello tinha uma viso. Suas idias, ousadas para a poca,
o colocavam na vanguarda. Um autntico lder, era aceito por polticos, mas
visto com desconfiana pelo evanglicos. Com sua morte, ocorrida em
1990, no morreu o sonho de ganhar o Brasil para Cristo!
Em David Miranda temos outro exemplo de lder carismtico, embora
de magnitude e intenes algo distantes das de Mello. A denominao
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fundada por Miranda, a Igreja Pentecostal Deus Amor, experimentou um
crescimento to vertiginoso a ponto de, em 1991, contar mais de cinco mil
templos e missionrios em quase duas dezenas de pases.14
Com a Deus Amor surgiu um discurso que far escola nas dcadas
seguintes: a cura como eixo do discurso religioso. A Assemblia de Deus, a
Quadrangular e a Congregao Crist tambm a enfatizavam, mas nenhum
ministrio faria da sua pregao marca registrada. Importa menos perguntar
se do ponto de vista doutrinrio essa nfase aceitvel do que identificar na
Deus Amor o embrio dos tele-ministrios de Edir Macedo, R. R. Soarese outros.
O elemento mercadolgico, o carter propagandstico e o apego
mdia esto todos presentes na Deus Amor. Ela foi a primeira entre as
pentecostais a usar os programas de rdio maciamente. Lenz Csar
menciona, em seu Histria da Evangelizao do Brasil, que a Deus Amor
irradiava 581 horas dirias de programa no incio da dcada passada.15
Quando seu fundador anuncia-se como o maior pregador de curas
divinas e seu nome aparece nos letreiros afixados porta de seus
templos16, no resta dvida de que o protestantismo brasileiro entrou na era
dos lderes como estrelas, da personalizao do Evangelho.
Os quadrangulares tambm impulsionaram a expanso da f
protestante na dcada de 60. A Igreja do Evangelho Quadrangular foi
fundada nos Estados Unidos na dcada de 20 por Aimee Semple
McPherson, canadense de nascimento e trazida para o Brasil em 1951 pelo
14 CSAR, Elben M. L. Opus cit. p. 14115
Ibidem, p. 14016 Ibidem, p. 140
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A literatura passa a ser cada vez mais usada como meio para divulgar
as Boas Novas do Reino. Numa nao de iletrados e onde livros eram
artigos de luxo, essa era uma estratgia audaciosa, para no dizer
revolucionria. A revista Mensagem da Cruz, publicada pela Editora
Betnia, reproduzia textos de David Wilkerson, j a essa altura
mundialmente conhecido. Os livros de Billy Graham, best-sellers no pas,
enchiam as prateleiras das livrarias (no s evanglicas) e eram lidos
avidamente. Foi um verdadeiro boom!
Uma mudana de mentalidade vai aos poucos se processando no seioda Igreja Evanglica Brasileira. O fervor evangelstico e o sucesso de
algumas denominaes (principalmente as pentecostais) na conquista de
fiis ajudou a sedimentar a idia de que os evanglicos podiam crescer no
Brasil. Essa nova confiana contrapunha-se timidez excessiva dos
evanglicos no passado. At ento, acreditvamos que nunca chegaramos a
conquistar este pas, to grandes eram os obstculos a superar. Era como senos contentssemos em ser uma minoria. No apenas silenciosa, mas auto-
refreada. Isso foi deixado para trs nos anos 70. Entramos na terceira onde
de expanso.
A dcada de 80 foi marcada por um crescimento slido e sustentado
dos evanglicos. As denominaes, contudo, permaneceram em seuisolamento uma das outras. Cada uma s sabia de si, avanava consciente
de seu crescimento individual, enquanto ignorava o que acontecia aos
outros irmos. Em parte isso foi resultado do debate em torno do Esprito
Santo, causa da diviso entre pentecostais e tradicionais.
No final dos anos 80 a mdia passou a divulgar que as denominaes
evanglicas cresciam assustadoramente. ramos expressivos, contvamos e
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passamos a ser notados como nunca acontecera antes na histria da Igreja
Evanglica Brasileira.
Havamos crescido e no tnhamos nos dado conta disso. Um fato
ilustrativo dessa ignorncia aconteceu durante uma entrevista na qual me
indagavam sobre como era possvel explicar o crescimento da Igreja
Evanglica Brasileira. Quase ca na tentao de perguntar: Que
crescimento? Disse, ento, ao jornalista: A partir de que dados voc est
falando? Assustei-me quando ele me forneceu os nmeros. No queria
revelar minha desinformao. Passei, ento, a falar a partir do que ele medissera.
E como crescemos?
Embora a Assemblia de Deus continuasse a liderar as ondas de
crescimento, este veio principalmente em decorrncia da multiplicao de
ministrios independentes, muitos deles rebentos de igrejas pentecostais
como a Nova Vida, a Quadrangular e a prpria AD. Entre as denominaes
tradicionais, os batistas cresceram expressivamente.
A quarta onda: os neopentecostaisUm historiador j afirmou que o poder no convive com o vcuo, mas
com o vazio. Foi exatamente isso que ocorreu com a Igreja EvanglicaBrasileira no fim dos anos 80 e incio dos 90. O pentecostalismo explodia,
seus templos se multiplicavam pelo pas e atraiam verdadeiras multides.
Estavam colocadas as condies para o surgimento de uma nova liderana,
voluntariosa, de homens prontos para fazer a obra do Senhor.
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Alguns desses novos lderes haviam sado da Assemblia de Deus,
tinham uma base slida, pois haviam crescido atravs da orao. Mas entre
eles tambm contavam-se homens que converteram-se h pouco, estavam
fora e foram atrados pelo crescimento extraordinrio do Evangelho.
Queriam fazer parte disso e a decidiram criar seus prprios ministrios.
Movimentos como a ADHONEP (Associao dos Homens de Negcio do
Evangelho Pleno) serviram de plataforma para projet-los.
O aparecimento dessa nova liderana coincide com uma importante
mudana ocorrida no fim dos anos 80. At ento havia uma concentrao defiis nas s classes menos favorecidas (C, D e E). Com o surgimento dos
neopentecostais, o Evangelho comea a ter penetrao tambm nas classes
A e B. Inicia-se a um processo, por assim dizer, de elitizao da f. Essa
mudana sintomtica, uma vez que a partir desse instante uma corrente
doutrinria especial vai se tornando prevalente, cuja nfase vai estar
exatamente na bem-aventurana material do crente e na pregao dosucesso como intrnseco condio de filho de Deus.
Surgida na esteira do crescimento dos pentecostais, a nova liderana
precisou disputar espao com a estrutura tradicional de poder da Igreja
Evanglica Brasileira. A velha liderana, contudo, no estava preparada
para absorv-la nem aceitar seus mtodos. Via com desconfiana essescrentes vindos de fora, impactados pela mensagem do Evangelho,
desejosos de por fogo no mundo, mas sem pacincia para aprender.
Sem se intimidar, os novos lderes no perderam tempo: iniciaram
ministrios, abriram suas prprias igrejas e foram para a mdia. Assim teve
incio a ascenso meterica dos neopentecostais.
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O que, afinal, h de errado com essa nova liderana? Embora honestos
em sua f, seus representantes no se livraram dos vcios sincrticos da
cultura brasileira. Da seus ministrios serem sincrticos, com uma
pregao tambm sincrtica. Pentecostais no discurso, pregam parte das
nfases evanglicas, mas pagam tributo herana catlica e esprita
populares. Carecem de cincia teolgica para separar as coisas.
Os que identificam no discurso neopentecostal a unio espria entre f
e superstio, denunciam como herticos seus propagadores. Escand-
alizados, batem a porta na cara deles. E declaram: Vamos parar por a, issoj passou dos limites. Os que assim agem falam a partir do conhecimento
que possuem da histria e da teologia da Igreja Evanglica Brasileira. O que
os preocupa menos a polmica do que a integridade da f; mais a defesa
do Evangelho do que a prerrogativa de ser histrico.
A seduo da mdia e a paixo pelo crescimentoOs movimentos neopentecostais so bem sucedidos por diversos
motivos. Primeiro, por que surgiram como ministrios autctones ou deles
derivaram. Depois, porque lanam mo de modernas estratgias de
marketing para se promover. E, por fim, usam a mdia como veculo
primordial para propagar sua mensagem.
A televiso sempre exerceu fascnio sobre os evanglicos. Poucos,
porm, arriscaram-se nesse veculo. No passado, houve tmidos ensaios,
como o programa apresentado por Silas Gonalves. Mas at a dcada de 90,
os evanglicos permanecem na periferia do sistema, comprando horrio na
grade das emissoras para falar de Jesus. A mudana acontece quando eles
passaram para o outro lado do balco e tornaram-se donos de canais de TV,
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como a Universal do Reino de Deus (Rede Record) e a Renascer em Cristo
(Rede Gospel).
Se algumas incurses primavam pelo bom gosto e correo
doutrinria ( o caso de Pare e Pense, programa apresentado pelo Pr. Caio
Fbio na extinta TV Manchete que obteve expressivo ibope, angariando
telespectadores at fora dos arraiais evanglicos), o mesmo no se pode
dizer dos programas exibidos atualmente nos canais abertos e na TV paga.
O uso indiscriminado da mdia tornou-se um trao marcante dos
neopentecostais. O sucesso extraordinrio de seus telepastores j induziumuita gente bem intencionada a proclam-los como a ltima palavra em
evangelizao. possvel que, em grandes aglomerados urbanos com as
cidades de So Paulo e do Rio de Janeiro, seja a forma mais eficaz de
transmitir o Evangelho. Ser, porm, sempre uma ao coadjuvante, jamais
substituindo as formas tradicionais de pregao ou as comunidades locais,
onde o povo de Deus se rene para compartilhar a Palavra e adorar a Deus..
preciso repetir: o sucesso miditico da nova liderana evanglica
no deve nos impedir de ver o quanto h de perigoso para a f (e para a
Igreja Evanglica Brasileira, em especial) numa pregao que se caracteriza
por um lao teolgico fraco, seno duvidoso.
Os evanglicos, inebriados pela prpria imagem, fizeram da mdia seu
bezerro de ouro. Usam a TV como um instrumento neutro, nunca parando
para se perguntar se ali onde est a oportunidade (levar a mensagem do
Evangelho a todos os lares!), tambm no reside o maior perigo (a
descaracterizao dessa mesma mensagem). Os evanglicos aceitaram a
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mdia pelo seu valor de face, receberam-na como lhes foi ofertada. O preo
parece todos comeamos agora a pagar.
A Igreja pode e deve fazer uso dos meios de comunicao. Colocados
a servio do Reino de Deus, so instrumentos poderosos na propagao do
Evangelho. O erro est no uso indiscriminado e acrtico da mdia, em
sucumbir sua seduo, ao glamour e ao poder que ela confere aos que
esto na frente das cmeras. preciso reconhecer: h meios que se
contrapem Palavra de Deus, trazem em si a negao mesmo da
mensagem (o amor de Deus pelo mundo) que anunciam. E os evanglicosfalharam desgraadamente em no ter esse discernimento.
O que teria obliterado aquele salutar apego ortodoxia da doutrina,
correo teolgica, to caracterstico do protestantismo? Por que nos
deixamos hipnotizar pelo poder transitrio e elusivo da mdia?
H muito a palavra de ordem entre os evanglicos tem sido crescer.
Circunscrita no comeo aos grupos pentecostais, a preocupao com o
crescimento foi, pouco a pouco, entrando para agenda das denominaes
protestantes histricas.
Crescer tornou-se nossa paixo. Uma paixo que nos obseda, turva
nossa razo e arrasta-nos para longe dos propsitos de Deus. No nasce do
sincero desejo de trazer homens salvao, encher o aprisco do Senhor.
No, essa paixo pelo crescimento emerge como sanha mal disfarada em
operosidade, cobia travestida de fervor. Queremos crescer a qualquer
custo. E para qu? Para ter poder, visibilidade, sucesso!
Ningum parece ter escapado a isso. Todo pastor, no importa a qual
denominao pertena, j ouviu falar, pelo menos uma vez, de modelos
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que prometem crescimento rpido: igreja em clulas, G12 etc. Trinta mil
clulas em cinco anos? Opa, eu quero. Aqui e ali se ouve uma crtica a este
ou aquele modelo, mas ningum quer abrir mo do crescimento. preciso
crescer, e crescer rpido.
F e sincretismoTalvez nenhum outro pas tenha um caldo cultural to complexo
quanto o Brasil. Somos miscigenados. Uma raa que todas e nenhuma. O
efeito desse mosaico de traos culturais dspares revela-se mais fortemente
em nossa religio, acentuadamente sincrtica.
Esta uma constatao assustadora. No Brasil, afirma Ricardo
Gondim, em seu O Evangelho da Nova Era, negros, europeus e nativos
deixaram de ser africanos, brancos e ndios para assumirem simplesmente
uma nova identidade. E completa: Se esta peculiaridade ajudou para que
o Brasil tivesse uma s lngua, uma s cozinha, contribuiu tambm para quenascesse uma religio nova, autenticamente nacional.20
O movimento neopentecostal se fortalece precisamente desse
sincretismo religioso, desse ambiente indistinto, no qual as verdades nas
se excluem, antes se reforam. Numa religio sincrtica o Evangelho
ganhar todos e nenhum sentido na boca de catlicos, espritas e
evanglicos. a f a la carte!
Todos os componentes msticos autnticos do Cristianismo como que
se diluem, perdem sua fora em contato com elementos esprios que tem
apelo menos razo do que ao corao, capturam mais a imaginao do
20
GONDIM, Ricardo, O Evangelho da Nova Era: Uma Anlise e Refutao Bblica da ChamadaTeologia da Prosperidade. Abba Press. So Paulo, 1993, p.10
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crente do que sua capacidade de pensar. A supertio toma o lugar da f, o
transcendente d lugar ao esotrico, o espiritual confunde-se com o oculto.
Entramos na esfera do sobrenatural, mas no necessariamente na presena
de Deus.
Liderana e personalismoOs novos lderes retomam ainda o coronelismo, trao que marca a
cultura brasileira e permeia todas as estruturas sociais, quer privadas ou
pblicas, laicas assim como religiosas. Poderia ser diferente, tendo esse
movimento erguido-se em torno de igrejas autctones? duvidoso.
Os neopentecostais so reconhecidos pela centralizao do poder nas
mos do lder, da ser at natural que prticas coronelistas de mando
medrem entre eles. Mas seria isso de todo mal? Ao assimilar o coronelismo,
os lderes neopentecostais estariam mais prximos do povo e da cultura
brasileira do que as igrejas tradicionais com seu modelo maisparlamentarista de organizao. Se, por outro lado, estariam mais prximos
do Evangelho algo aberto discusso.
Nenhuma igreja, contudo, exemplifica melhor isso do que a Universal
do Reino de Deus, e ningum levou essa frmula perfeio como seu
fundador e lder, o Pr. Edir Macedo. possvel at ver tentativas mais ou
menos bem sucedidas de copiar o sucesso da Universal em igrejas como a
Casa da Beno e a Internacional da Graa, ou ministrios como Sara Nossa
Terra e Renascer em Cristo. Mas a trajetria da Universal paradigmtica e
at agora permanece como o maior triunfo da onda neopentecostal.
A Universal teve o mais meterico e sustentado crescimento entre as
trs mais importantes igrejas autctones brasileiras (as outras duas so a
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Brasil para Cristo e a Deus Amor). Edir Macedo um dissidente da Igreja
da Nova Vida, celeiro de onde saram outros lderes neopentecostais, como
R. R. Soares (da Internacional da Graa) e Miguel ngelo (da Cristo Vive).
Saber como a Universal se tornou dona de um imprio miditico menos
importante do que identificar em seus mtodos e discurso a gnese da mais
perigosa corrente doutrinria a ameaar nossa herana reformada: a
Teologia da Prosperidade.
Se no pentecostalismo a nfase recai sobre as lnguas estranhas, a cura
de enfermidades e a expulso de demnios, na pregao da Universal esseselementos subordinam-se a uma viso mais ampla da existncia crist, na
qual sobressaem a realizao financeira e o desfrute do sucesso individual.
Nessa viso, a salvao ganha novo sentido.
Antes de tudo, porm, preciso reconhecer que a Universal no uma
igreja hertica. A rigor, nada do que ensina pode ser tido como contrrio
ortodoxia protestante. Ela anuncia que o homem pecador e est distante de
Deus, prega a necessidade de arrependimento e a salvao pela f no
sacrifcio expiatrio de Jesus. Proclama o Senhorio de Cristo, sua segunda
vinda e a unidade da igreja. Sua doutrina do Esprito Santo em nada difere
do pregado pela Assemblia de Deus e outras igrejas pentecostais
histricas. Tudo isso pode ser dito a favor da Universal, semnecessariamente se fazer uma apologia de suas prticas litrgicas ou de seus
ensinamentos sobre o poder do crente. precisamente neste ponto que as
coisas ganham contorno e colorao diferentes.
A jornalista e professora da PUC de So Paulo Mrcia Benedetti
Machado sugere que a Universal vai alm do que se pode chamar de uma
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igreja convencional, preocupada com a salvao do homem e a
proclamao do Evangelho. A Universal defende um verdadeiro iderio,
cujo carter ideolgico nem sempre percebido por seus crticos.
Autora de Deus vence o Diabo: O Discurso dos Testemunhos da
Igreja Universal do Reino de Deus21, Mrcia Benedetti afirma sustentar-se
esse iderio em trs conceitos: salvao, cura e prosperidade. Eles
preencheriam lacunas deixadas outras religies, principalmente pelo
catolicismo. Parte do sucesso alcanado pela Universal residiria exatamente
a. Percebe-se, ento, o entorno que delimita claramente a soterologia daUniversal.
A salvao no mais privilgio a ser desfrutado apenas depois da
morte, pondera a professora. E conclui: Ser salvo no Juzo Final
certamente uma promessa da igreja, mas a salvao est estreitamente
relacionada felicidade que o indivduo pode conquistar ainda hoje, no
plano terreno. Pode-se afirmar que, enquanto mantm os elementos
transcendentes da f crist, a pregao da Universal introduz-se um
componente mundano, secular, imanente, que associa a salvao da alma a
conquistas materiais.
Mrcia Benedetti prossegue em sua anlise e diz: A cura, por sua
vez, mobiliza todas as dores humanas. Ela abrange no s a cura fsica, mastambm a dos sofrimentos emocionais. O fim das desavenas familiares e
do desejo do suicdio, por exemplo, esto no mesmo nvel das doenas
21 Tese de doutorado defendida na PUC de So Paulo
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fsicas. O ltimo componente dessa linha de pensamento , segundo a
professora, o apelo realizao financeira e ao sucesso.22
No difcil entender por que a Universal experimentou um
crescimento to extraordinrio em pouco mais de duas dcadas. Chegou a
um milho de membros apenas 17 anos depois de fundada23. Em 1989, a
Universal tornou-se proprietria da Rede Record de Televiso. Que a
aquisio esteja cercada de suspeitas e Edir Macedo tenha sido
freqentemente atacado por seus maiores concorrentes (os Marinhos, da
Rede Globo) no diminui o tamanho da proeza nem anula o efeito que a elase seguiu.
Mrcia Benedetti adverte contra a aparente simplicidade do discurso
da Universal. Seu estudo dos testemunhos ouvidos nos templos dessa igreja
revela uma lgica complexa. O homem dotado de livre-arbtrio, pode
escolher seguir os preceitos de Deus ou no. Deus, por sua vez, est
disponvel para o homem, desde que este de fato queira suas benesses. Se o
homem chamar e tiver f, Deus atender, explica Mrcia Benedetti.
Surge, ento, a indagao: Qual a medida da f?. A resposta, diz a
professora, que no h como sabermos. O indivduo pode pedir a Deus
que atenda seus desejos e ainda assim nada acontecer. Nunca ser culpa de
Deus, e sim falta de f.
22 As citaes feitas aqui foram retiradas de uma entrevista, concedida por Mrcia Benedettimachado ao Observatrio da Imprensa. A ntegra pode ser lida no site do Observatrio (www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos).23 CSAR, Elben M. L.,Histria da Evangelizao do Brasil: Dos Jesutas aos Neopentecostais.Ultimato Editora. So Paulo, 2a. edio, 2000, p. 149. A Universal foi fundada em 1977, no Rio deJaneiro, com o nome de Igreja da Beno, num prdio antes ocupado por uma funerria. No ano
seguinte veio a chamar-se pelo nome atual. Alm de Macedo, foram fundadores da Universal R. R.Soares e Miguel ngelo. At hoje ignora-se o motivo de sua separao.
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Mrcia Benedetti avana um pouco mais em seu exame para mostrar
como f e bem-aventurana material se vinculam no discurso da Universal.
Entra a um segundo elemento complicador, diz ela, que a expresso
da f por meio do sacrifcio financeiro. Doando mais do que poderiam, as
pessoas desafiam Deus a cumprir os seus desejos. Estabelece-se desse
modo uma relao anmala, na qual o Criador torna-se refm da criatura.
Essa inverso de prerrogativas (o homem dando ordens a Deus, exigindo
que Sua bondade se manifeste por meio da resposta a uma splica) fica
como que escamoteada na orao do fiel que diz: Sou Teu filho, Senhor,
ouve minha orao. J fiz o meu sacrifcio, agora d o que Te peo.
Por mais que a anlise de Mrcia Benedetti seja acertada (e o em
mais de um ponto), ele deixa de fora o que mais nos preocupa aqui:
identificar o elo que une a ascenso da Universal , por assim dizer,
institucionalizao da Teologia da Prosperidade no Brasil.
Na igreja fundada por Edir Macedo encontramos todos os elementos
subjacentes ao discurso dos telogos da Prosperidade: a nfase no poder da
orao para curar os males do corpo como do esprito; o poder do crente
para exercer domnio sobre o mundo espiritual; a prosperidade material
como sinal de espiritualidade elevada e f imbatvel; a relao intimista
com Deus e a subjetividade como instncia ltima das certezas do fiel; ouso da palavra para comandar e mover o intangvel; e, por fim, o incentivo
posse das bnos divinas.
Uma vez mais, porm, preciso fazer a ressalva de que nem Edir
Macedo nem a sua igreja podem ser tidos em conta como responsveis pela
maneira como essa corrente, com o perdo do trocadilho, prosperou entre
ns.
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I I IP O R U M A N O V A E C L E S I O L O G I A
F e auto-ajudaQuando o Evangelho comeou a ser pregado no Brasil, fomos
ensinados que pertencamos a Deus. Converter-se era sair do estado de
rebelio e vir para o de submisso. As igrejas de teologia tradicional, tantoas histricas quanto as de orientao petencostal, ensinavam que converso
implicava rendio, entrega incondicional. Era a poca do Deus, vem, me
quebra, faz de mim um vaso novo, tudo Te entregarei. Sou Teu, senhor!
Essa humilde confisso deu lugar a um discurso triunfalista, de
exaltao do indivduo e suas necessidades, uma declarao de posse
(Deus meu e tudo meu), que se no reduz Deus a um objeto, o torna
refm de quem se proclama seu seguidor. Eis a profisso de f da Teologia
da Prosperidade.
Nascida nos Estados Unidos, a Teologia da Prosperidade espalhou-se
com extrema rapidez pelo Brasil. Seus defensores no se encontram apenas
entre os neopentecostais. Tem conquistado adeptos tambm entre os
evanglicos tradicionais e seu alastramento representam srios desafios
Igreja Evanglica Brasileira. Com nfase nas bnos e indisfarvel
averso Cruz (metfora do sofrimento, dor e perseguio que
acompanham os verdadeiros seguidores de Cristo), A Teologia da
Prosperidade coloca em xeque nossa herana protestante.
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Uma frmula pregada com exagerada nfase por esse novo credo
afirma ser o crente uma pessoa especial, subtrada quase s leis da vida e
para quem no existira pobreza e doena. Experiment-las seria sinal de
falta de f. Sade e riqueza tornam-se, por assim dizer, sinais genunos da
salvao, do estado de graa do fiel. Da esse movimento tambm ser
conhecido como Wealth and Health Gospel.24
O pobre de Nazar que nasceu numa manjedoura (Lc 2.7) e no tinha
onde reclinar a cabea (Mt 8.20); o filho de um carpinteiro que pregava o
desapego aos bens deste mundo e ensinava a juntar tesouros onde a traa eo ferrugem no corroem (Mt 6.19-21); o profeta, enfim, que terminou seu
ministrio abandonado pelos discpulos (Mc 14.50) e pregado num madeiro
(J 19.17) fez da Cruz, e no do bem estar fsico e material, o centro do seu
Evangelho.
Numa inverso de valores, os profetas da prosperidade colocam a
conquista da felicidade no plano terreno como o summu bonus da bem-
aventurana crist, quando a Bblia exorta-nos a buscar em primeiro lugar o
reino de Deus e sua justia (Mt 6.33). A posse das bnos deixa de ser uma
promessa dada por Deus para ser um direito, exigido pelo fiel com quem
pleiteia uma herana ou reclama um bem.
Um exemplo de como esse discurso se instalou entre ns pode ilustrarmelhor o abismo entre a Teologia da Prosperidade e o Evangelho. Certa
ocasio, encontrava-me numa igreja e o pregador da noite anunciou que nos
ensinaria a orar a partir da histria do filho prdigo (Lc 15.11-32). Isso
vai ser brbaro!, pensei, porque nessa parbola realmente h uma lio de
24
CSAR, Elben M. L.,Histria da Evangelizao do Brasil: Dos Jesutas aos Neopentecostais.Ultimato Editora. So Paulo, 2a. edio, 2000, p. 148
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arrependimento, humildade, converso. A surpresa veio quando o pregador
aferrou-se apenas ao versculo 12, em que se l Pai, d-me a parte dos bens
que me cabe.
O que se seguiu foi estarrecedor. Ele dizia: Irmos, vocs tm que
chegar a Deus e dizer: D o que meu. Aos berros, continuava:
Cheguem diante do trono da glria, olhem para Deus e digam: D o que
meu. Embora honesto em suas convices, esse irmo cara vtima do
discurso triunfalista da Teologia da Propriedade, deixara-se seduzir pela
idia de que o cristo precisa desafiar Deus a demonstrar seu amor por ns,respondendo as nossas splicas.
Como estamos distante da Reforma. E mais distantes ainda do
Evangelho de Jesus Cristo.
H, por trs de frases como Deus para mim!, Sou cabea e no
cauda e Eu tenho direito, sou filho Deus, uma definio do homem que
no crist nem bblica. As Escrituras ensinam que nossa existncia deve
refletir a glria de Deus. O cerne da mensagem do Evangelho esse: Deus
cria o homem para sua glria. O cristo (e a igreja) antes de tudo aquele
que adora o seu Criador, que exalta Seu nome. Essa nossa resposta ao amor
de Deus.
Numa pequena obra em que refleti sobre a natureza e a misso da
igreja, afirmei: O primeiro projeto a ser entabulado pela igreja deve ser o
de adorar, fomentar uma relao de amor e gratido com Deus.25 Nisso
parece residir o sentido ltimo da revelao divina.
25 RAMOS, Ariovaldo,Igreja: E eu com isso?. Editora Sepal. So Paulo, 2000 p. 22
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Quando criticamos acima a busca frentica por crescimento, tnhamos
em vista precisamente isso: a subordinao do carter adorador da igreja
preocupao com o seu tamanho. Nossa crtica no implica na renncia ao
crescimento em si, apenas maneira equivocada como ele tem sido
encarado pelos lderes. Quando se fala de projeto para a Igreja local,
pensa-se logo na questo do crescimento. Porm, o que a Igreja pode fazer
em termos de aumento numrico , no poder do Esprito Santo, pregar
fielmente a palavra de arrependimento e de submisso ao Senhor Jesus
Cristo.26
A Igreja Evanglica precisa com urgncia recuperar sua eclesiologia,
sob pena de perder sua identidade. Precisa outra vez encontrar o rumo,
voltar quela viso do Evangelho de que fomos feitos para a glria de Deus.
Na corrida para crescer, deixamos para trs nossa herana reformada e com
ela o sentido de ser igreja.
Muitos j no sabem nem para onde esto levando suas igrejas. Numa
reunio de pastores, tempos atrs, presenciei uma discusso sobre a melhor
maneira de se administrar uma igreja. Depois de ouvir o que todos tinham a
dizer, perguntei: Digam-me, numa frase, o que uma igreja edificada?
Como vocs podem ter certeza de que esto edificando a Igreja de Jesus
Cristo? Calaram-se sem resposta, surpresos com a prpria ignorncia. incua qualquer discusso sobre mtodos, quando no se tem
resposta para essas perguntas. Se ignoramos o destino, por que nos
preocupar em saber que caminho tomar?
Qual o caminho?, perguntou a menina.
26 Ibidem, p. 22
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Para onde voc quer ir?, devolveu o gato.
Ah, para qualquer lugar.
Mas para quem quer ir para qualquer lugar, qualquer caminho
serve.
Esse dilogo acontece no clssico de Lewis Carrol Alice no Pas das
Maravilhas e ilustra, de modo um tanto trgico, o dilema da Igreja
Evanglica Brasileira. Numa era dominada pelo marketing religioso e pelos
plpitos miditicos, a igreja v-se acossada pela angstia de ter perdido seu
Norte. Da a urgncia de recuperar o senso eclesiolgico dos reformadores,
a teologia paulina do Corpo de Cristo.
Da tambm a necessidade de repetir o que dissemos acima: a Igreja
precisa recuperar aquela viso do homem que o cerne do Evangelho, de
que fomos feitos para a glria de Deus. Eis uma verdade esquecida e que
precisa ser repetida uma vez mais. O assalto que a Teologia da Prosperidade
representa verdade bblica sobre o ser cristo coloca a Igreja EvanglicaBrasileira no limiar de uma revoluo, s que de conseqncias desastrosas.
No se pode transigir com a Revelao, fazer concesses aqui e ali
para tornar o Evangelho mais palatvel e lotar templos. Jesus no precisa
disso. O risco diluir o chamado ao arrependimento e converso em auto-
ajuda, transformar a igreja num clube.Denunciei esse outro evangelho quando escrevi: Ainda que a igreja
local, num projeto de evangelizao, possa desenvolver metodologias que a
tornem mais eficaz na pregao do Evangelho, preciso compreender que a
Igreja prega, mas s o Esprito Santo converte. No d, portanto, para ter
garantias de crescimento, a menos que se troque o verdadeiro Evangelho de
arrependimento por tcnicas de manipulao de massa; a menos que, em
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lugar da Cruz, ofeream-se tcnicas de auto-ajuda; que se substitua a busca
prioritria do Reino pelo conforto descompromissado dos filhos do rei;
que, ao invs da comunho [...] forme-se um clube, e em lugar do Senhor
Jesus apresente-se um gnio da lmpada.27
O processo que permitiu a assimilao pela Igreja Evanglica
Brasileira de elementos estranhos tradio reformada e sua prpria
herana histrica pode ser melhor compreendido se olharmos para o modo
como os pastores de hoje lem a Bblia. Eles orientam-se por uma exegese
de convenincia, sua leitura distorce o texto e fora-o a deitar numa camade Plocustro. Pegam um texto e no se sabem o que ele diz. Falham em
encontrar o sentido original que o texto tinha quando foi escrito, nem sabem
como interpret-lo para os nossos dias ou como podemos aplic-lo s
nossas vidas.
Lembro-me de conversar com um irmo que acabara de pregar sobre a
promessa contida em Fl 4.13. Escutei o sermo e o procurei para saber se
ele havia entendido o contexto do famoso versculo. Minha pergunta no
fez sentido para ele, assim como lhe escapara a compreenso do que Paulo
dizia ali. Insisti e perguntei: Escuta, voc sabe o que o apstolo diz aqui?
Ele no afirma o que voc falou. Paulo declara que, porque Deus o
fortalece, ele pode viver tanto na pobreza como na riqueza, na abundnciacomo na escassez. isso que ele diz: No importa a situao em que voc
est, pois sustentado pelo Deus que fortalece; a fora dele vem de Deus, e
no das coisas que esto sua volta. Voc no viu isso no contexto?.
27 Ibidem, p. 23
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Tudo isso agudiza ainda mais a sensao de que perdemos o rumo, de
que nos encontramos deriva, sem leme e sem bssola.
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Eplogo
Houve um tempo em que a nica coisa a nos dividir era saber qual amelhor forma de ser santo. Tradicionais e pentecostais colocavam-se em
campos opostos, estes dizendo que era preciso receber o batismo com o
Esprito Santo e ser cheio dos dons espirituais enquanto aqueles afirmavam
ser suficiente o estudo cientfico da Bblia para se alcanar santificao.
Uns buscavam o fogo do Consolador; os outros, a compreenso da Palavra.
Era um tempo em que, por assim dizer, valia a pena brigar.
No deixa de ser irnico a Igreja Evanglica Brasileira experimentar
hoje uma tal desorientao doutrinria, marcada que sua trajetria pela
presena de denominaes protestantes ditas histricas. Que tenhamos
chegado a esse dilema (crescer e manter a identidade) menos
surpreendente do que assustador.
Reatar o vnculo com os princpios da Reforma e voltar quela fonte
primeira e ltima da verdade (Palavra de Deus revelada na Bblia) a mais
urgente tarefa a nos esperar. E na histria da Igreja Evanglica Brasileira
que encontraremos a inspirao e a coragem necessrias para realiz-la. O
senso de dever deveria nos lembrar nossa dvida com aqueles que lutaram
(e at morreram) para trazer o Evangelho para este pas.
Queria concluir este pequeno livro com palavras mais otimistas,
acreditando numa sada para o dilema enfrentado pelo protestantismo
brasileiro. Queria compartilhar com o leitor a esperana de ver a Igreja
Evanglica Brasileira trilhando novamente o caminho aberto pelos
pioneiros da f. A honestidade intelectual, no entanto, me obriga reconhecer
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que fomos vitimados pela idia de que precisamos ter igrejas grandes para
ter o poder poltico e econmico, aquela coisa de todo mundo me conhece,
sabe quem eu sou. Sucumbimos exatamente quilo contra o que Paulo
advertia Timteo: Ora, os que querem ficar ricos caem em tentaes, e
cilada, e em muitas concupiscncias insensatas e perniciosas, as quais
afogam os homens na runa e na perdio. Que a graa de Deus nos
ampare.
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Bibliografia
ARAJO FILHO, Caio Fbio.A igreja Evanglica e o Brasil Profecia, Utopia e
Realidade. Proclama Editora. Niteri, 1997.ANTONIAZZI, Alberto e FRESTON,Paul.Nem anjos nem demnios Interpretaes Sociolgicas do Pentecostalismo. Editora Vozes. Petrpolis, 1994.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, Templo e Mercado Organizao eMarketing de Um Empreendimento Neopentecostal. Co-edio Editora Vozes,Umesp e Edies Simpsio. Petrpolis, 1997.
CSAR, Elben M. Lenz.Histria da Evangelizao do Brasil Dos Jesutas aosNeopentecostais. Ultimato Editora. So Paulo, 2a edio, 2000.
GONDIM, Ricardo. O Evangelho da Nova Era Uma Anlise e Refutao Bblica
da Chamada Teologia da Prosperidade. Abba Press. So Paulo, 1993.MENDONA, Antonio Gouveia. O Celeste Porvir A Insero do Protestantismono Brasil. Aste. So Paulo, 1995.
RAMOS, Ariovaldo. Igreja, e eu com isso? Compreendendo a Igreja Para PoderViv-la. Editora Sepal. So Paulo, 2000
REILY, Duncan.Histria Documental do Protestantismo no Brasil. Aste. SoPaulo, 1984
ROMEIRO, Paulo.Evanglicos em Crise Decadncia Doutrinria da IgrejaBrasileira. Mundo Cristo. So Paulo, 1995.
ROMEIRO, Paulo. Supercrentes O Evangelho segundo Kenneth Hagin, ValniceMilhomens e os Profetas da Prosperidade. Mundo Cristo. So Paulo, 1993.
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