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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU”
Estado e Cidadania
A sociedade mobilizada para a eficiência do poder público
Aluno
André Luis de Carvalho Brum
Prof. Orientador
Jorge Vieira
Rio de Janeiro 2010
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU”
Estado e Cidadania
A sociedade mobilizada para a eficiência do poder público
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau
de pós-graduado em Gestão Pública.
Por André Luis de Carvalho Brum
3
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer à Flávia Martins de Carvalho,
professora do Instituto A VEZ DO MESTRE, que com
suas aulas e observações críticas acerca da atuação e
funcionamento do Estado, me deu o mote para a
realização deste estudo.
Também desejo agradecer à CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL, meu empregador, pela qualidade de vida
que me proporcionou desde o primeiro dia de trabalho,
e por subsidiar parcialmente o custeio deste curso,
possibilitando que eu pudesse voltar a estudar após 10
anos sem freqüentar um banco escolar.
4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos os professores
brasileiros, sobretudo os da rede pública de ensino
básico e médio – verdadeiros heróis, que contra más
condições de trabalho, remunerações aviltantes e
desinteresse dos alunos, seguem executando seu
papel, fundamental para a construção de um país. Sem
educação, não há cidadania!
5
RESUMO
O ideal da democracia exprime-se na concepção de que o poder emana do
povo e por ele é exercido. No entanto, no Brasil esse poder popular não tem se
materializado em razão do Estado, conduzido por um governo constituído de
legítimos “procuradores” dos interesses da população, atuar de forma muitas
vezes alheia e até oposta aos compromissos assumidos e anseios de seus
outorgantes. Assim, distancia-se o esse governo dos preceitos da democracia
representativa, e por conseqüência, do povo, levando a sociedade a insurgir-se,
seja invadindo gradativamente as esferas de atuação essencialmente pública, seja
exercendo o papel de crítico e fiscalizador da ação estatal. Este processo de
difusão do exercício da cidadania, provocado pela ineficiência do setor público em
cumprir com as suas obrigações constitucionais, e insuflado em grande parte pela
imprensa livre e pelo desenvolvimento das tecnologias aplicadas à comunicação,
acaba por fazer com que o próprio Estado venha incentivar a maior participação
da sociedade na vida política do país. No entanto, nesta relação dialética onde o
fiscalizado também precisa cada vez mais ceder espaços aos fiscalizadores para
legitimar-se, questões como o fisiologismo político, transparência na administração
pública e baixo nível de instrução média da população constituem sérios óbices
para o pleno exercício da cidadania, de forma que da mitigação destes problemas
depende a implementação de uma verdadeira governança democrática da nação.
6
METODOLOGIA
Este estudo foi desenvolvido através de pesquisas bibliográficas e pesquisas
na Internet. Quanto à bibliografia, os principais autores utilizados foram Dalmo
Abreu Dallari, José Murilo de Carvalho, João Luiz Martins Esteves e Fabio Ribas
Jr. Quanto à Internet, entre os muitos sites consultados cito como principais os
br.monografias.com, www.e.gov.br, www.ibge.gov.br, www.terceirosetor.org.br,
www.observatoriodaimprensa.com.br e www.advogado.adv.br. Além disso, muito
do que foi escrito baseia-se na experiência empírica do aluno - que há mais de
vinte anos se interessa e acompanha as questões políticas e sociais do país, e em
conhecimentos disseminados em sala de aula, que por falta de registro físico não
são mencionados nas referencias de pesquisa.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................Pág. 08
CAPÍTULO I
O PAPEL DO ESTADO E SEU FUNCIONAMENTO ................Pág. 10
CAPÍTULO II
A CIDADANIA E SUA HISTÓRIA NO BRASIL .........................Pág. 18
CAPÍTULO III
ESTADO E CIDADANIA ............................................................Pág. 29
CONCLUSÃO ............................................................................Pág. 46
BIBLIOGRAFIA .........................................................................Pág. 48
ANEXOS ....................................................................................Pág. 51
ÍNDICE .......................................................................................pág. 55
8
INTRODUÇÃO
A democracia nos é um ideal muito caro, não apenas pelo que ela representa
para o nosso estilo de vida, mas também pelo preço pago pela sua conquista ao
longo dos séculos. Após uma história repleta de percalços, vivemos hoje sob um
regime político de representatividade popular, temos liberdade de imprensa, de
escolhas, e uma Carta Magna que institucionaliza o bem estar social. Todavia, ao
olhar para o lado, nos deparamos com diversos exemplos de que esse bem estar
não foi efetivamente conquistado. Segundo o IBGE, temos ainda 14 milhões de
analfabetos (2008), lutamos contra uma taxa de mortalidade infantil de 23,30%
(2008) e sofremos com uma taxa média de desemprego de 7,6% (2010). A
Fundação Getúlio Vargas aponta que 15,54% da população vive na miséria (2009).
Estes números preocupantes, ainda que em declínio, somados à violência e às
desigualdades sociais advindas da má distribuição de renda, são mazelas que
certamente não compõe o rol de aspirações da sociedade brasileira, e a
democracia representativa ainda se consolida, não obstante os 22 anos já corridos
desde a promulgação da nossa chamada Constituição Cidadã. A sociedade, por
sua vez, cansada de esperar pela ação efetiva do Estado, busca pelos seus
próprios meios mitigar os problemas que obstam o pleno desenvolvimento da
nação, através de intensa mobilização social na forma de diversas associações
sem fins lucrativos calcadas nos princípios da cidadania. Mas de que forma se dá
esse movimento, e em que medida é eficaz? Compreender a mecânica desta
intervenção da sociedade na esfera pública é a razão deste estudo.
Conforme observa Ribas Jr. (2005), as organizações não governamentais e
demais entidades assistenciais estão em fase de redescoberta, sendo vistas como
organismos que oferecem uma nova alternativa de desenvolvimento para a
sociedade, uma vez que são de caráter privado, mas com finalidade pública. Na
verificação da contribuição do fenômeno para a implementação do bem estar
social no Brasil reside a importância deste trabalho.
9 No início desta dissertação faremos uma breve análise da democracia
representativa no Brasil, relacionando-a com a estruturação do Estado na clássica
divisão dos três poderes, demonstrando alguns dos vícios que permeiam o
sistema e comprometem as premissas democráticas que deveriam nortear a
atuação do poder público. Em seguida, contaremos em linhas concisas a evolução
da nossa cidadania, verificando sua intrínseca relação com a nossa história
constitucional e identificando no modelo de colonização portuguesa aplicado em
nosso país a raiz da difícil construção do cidadão brasileiro. No último capítulo,
exploraremos o conceito de cidadania plena em correlação com a educação e a
imprensa livre, observando diversos exemplos de seu exercício. Longe de
pretender esgotar o assunto, este estudo objetiva mostrar a importância da maior
participação da sociedade civil na administração do Estado Brasileiro, colaborando
para a maior eficiência da gestão pública no atendimento às demandas da
população, na aderência aos preceitos constitucionais e legitimando o regime de
representação política.
10
CAPÍTULO I
O PAPEL DO ESTADO E SEU FUNCIONAMENTO
1.1 A razão do Estado
Pessoas são unidades autônomas, dotadas de meios próprios de força de
trabalho, pensamento, expectativas, códigos morais e princípios éticos. Embora
autônomas, em virtude de sua natureza sociável e necessidade de vínculos
afetivos e associação para fins de subsistência, se reúnem em comunidades;
agregadas por elementos unificadores como etnia, cultura e religião, formam as
nações. Todavia, em razão de sua diversidade individual, precisam as pessoas de
regras universais estáveis e poderes mediadores, de forma a tornar possível o seu
convívio. Desta forma, temos a figura do Estado como a organização metódica e
normatizada da nação. O governo, por outro lado, é o conjunto de instituições que
num dado momento administram o Estado.
O Estado, portanto, existe em função das pessoas que compõem a
comunidade, e tem a função de provê-la dos bens e serviços necessários à
satisfação de suas necessidades e do bem estar comum, além de regular os
relacionamentos associativos de acordo com princípios gerais aceitos como
adequados a boa condução de sua existência. Essa regulação se dá através da
elaboração das regras através das quais os membros da comunidade se
relacionarão, execução das mesmas e monitoramento destas atividades, assim
como da vida comunitária, objetivando garantir que tudo se dê em conformidade
com os princípios gerais acima citados – que se materializam como norma
máxima do relacionamento comunitário na figura da Constituição Federal.
“Quando se trata da Constituição em sentido formal, tem-se a lei fundamental de
um povo, ou o conjunto de regras jurídicas dotadas de máxima eficácia,
concernentes à organização e ao funcionamento do Estado” (Dalari, 1998, pág.
73). É denominado Estado de Direito aquele que pauta sua atuação dentro dos
11 parâmetros determinados pela Constituição. Assim, o Estado Democrático de
Direito será aquele onde tais parâmetros reflitam o pensamento e anseios das
pessoas que compõe a comunidade, onde o governo seja constituído através da
representatividade da população e atue em estrita consonância com os seus
interesses e necessidades.
Existem discussões acerca da limitação da função da Constituição Federal;
enquanto uns entendem que deveria ser apenas um manual de funcionamento do
Estado, outros apregoam que deve também definir os princípios políticos que vão
nortear suas atividades. No caso da Constituição Federal brasileira, verificamos
que prevalece a segunda premissa, posto que em diversos momentos o texto
afirma a democracia e o humanismo como elementos balizadores das relações
sociais, além de ser claro quanto à valorização da livre concorrência, pluralidade
de pensamento, etc. O texto busca cobrir todas as esferas das relações sociais –
ainda que apenas definindo princípios, delegando à leis específicas e futuras a
atividade reguladora completa.
1.2 A tripartição do Estado
O Estado brasileiro, em seu papel de regulador das relações sociais, já possuiu
várias configurações, como a monarquia, onde o poder era centralizado nas mãos
de um governante, com decisões unilaterais e presença estatal muito acentuada
na vida da população e no controle das atividades econômicas. Por força da
insatisfação popular e eclosão dos pensamentos liberais, evoluiu à forma como
hoje se desenha. Democrático, precisa manter sua atuação dentro dos limites
constitucionais, e como tem na premissa de poder emanado do povo e no
pluralismo de pensamento alguns de seus princípios essenciais, impõe-se a
necessidade de segmentação do poder do estado nas suas esferas de atuação,
com a garantia de independência entre os órgãos que executam suas funções.
Explica Dalari (1998) que quando se pensa na desconcentração do poder,
atribuindo o seu exercício a vários entes, uma das maiores preocupações é
12 justamente a manutenção das liberdades, porque quanto maior for a concentração
do poder, maior será a possibilidade de um governo autoritário. E ainda completa:
“Foi a intenção de enfraquecer o poder do Estado,
complementando a função limitadora exercida pela
Constituição, que impôs a separação de poderes como um
dos dogmas do Estado Moderno, chegando-se mesmo a
sustentar a impossibilidade de democracia sem aquela
separação” (Dalari, 1998, pág. 79).
Desta forma, a administração do estado, a confecção das leis que regem o
estado e a monitoração e controle jurisdicional do estado e da sociedade devem
ser executadas por entes distintos e autônomos entre si – sempre no intuito de
evitar a concentração do poder, legitimando-o pela garantia da representação
popular. A Constituição Federal brasileira (1988) garante esta premissa em seu
artigo 2º, quando define que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes
da União, independentes e harmônicos entre si. A Carta também disciplina as
atividades inerentes (típicas) de cada um dos poderes; ainda que seja possível e
lícita a interseção das atividades de um poder nas atividades do outro (atípicas),
vemos algumas distorções na gestão da coisa pública no Brasil.
Há uma relação de forte interdependência entre os poderes legislativo e
executivo; o legislativo precisa submeter à sanção ou veto do presidente da
república o resultado do seu trabalho; o executivo, no entanto, também precisa da
aprovação de suas medidas administrativas por parte do legislativo, e as
atividades de ambos estão submetidas à atuação jurisdicional do poder judiciário.
Esta circunstância, desdobramento da divisão do estado, comumente conhecida
como sistema de freios e contrapesos, é uma mecânica salutar enquanto
instrumento garantidor da democracia e da desconcentração do poder, e deveria
ser de fácil condução, se todos os entes do processo funcionassem
adequadamente. No caso da relação Executivo x Legislativo, em vez de uma
13 relação saudável baseada em debate ideológico, temos disputa pelo poder, por
espaços na administração pública, dificultando ou mesmo impedindo o
funcionamento produtivo dos dois poderes. Legislativo, ocupado com fisiologismo,
fortalecimento partidário e favorecimento a segmentos específicos da sociedade,
acaba por tornar-se óbice à execução das políticas públicas por parte do executivo;
improdutivo, não cumpre com sua primordial função de legislar, e o resultado é
uma série de lacunas no compêndio legal que rege a sociedade. Assim, não atua
conforme os interesses da coletividade, fere o caráter impessoal de que se deve
revestir o Poder Público, negando o seu compromisso com a representatividade.
“Não raro, também o legislativo, dentro do sistema de
separação de poderes, não tem a mínima representatividade,
não sendo, portanto, democrático. E seu comportamento,
muitas vezes, tem revelado que a emissão de atos gerais
obedece às determinações ou conveniências do executivo.
Assim, pois, a separação dos poderes não assegurou a
liberdade individual nem o caráter democrático do Estado”.
(Dalari, 1998, pág. 79)
1.3 As Medidas Provisórias
O Poder Executivo, por outro lado, tem no artigo 62 da Constituição a
possibilidade de edição de Medida Provisória, instrumento que lhe permite a
imposição de suas deliberações, com força de lei, sem que de fato o sejam, visto
que a apreciação do poder legislativo dar-se-á em momento posterior à sua edição.
Assim, é uma ferramenta que dá ao poder executivo a capacidade de legislar.
Conforme explica Szklarowsky (2003), é ponto pacífico para o STF que a medida
provisória é um ato legislativo, e como tem efeito imediato, não revoga disposições
legais anteriores, como costumam entender erroneamente os Chefes do Executivo.
Embora seja premissa para seu uso o caráter de urgência, as Medidas Provisórias
14 têm sido utilizadas com muita freqüência, constituindo-se num atalho legal para
evitar a morosidade do legislativo e animosidade de grupos políticos que o
compõe. Entende ainda Szklarowsky que o Estado moderno não pode prescindir
de certos instrumentos que garantam agilidade bastante para a solução de
questões que não possam esperar pelos ritos morosos das vias normais. Não
obstante, apesar do pragmatismo de sua aplicação, da necessidade de ser
apreciada e aprovada pelo congresso e da limitação das matérias das quais pode
ser objeto, a Medida Provisória tem o efeito politicamente indesejável de prejudicar
a equidade entre os poderes, visto que burla o mecanismo de freios e contrapesos,
e exclui num primeiro momento do processo legislativo justamente aqueles que
foram eleitos para legislar – configurando-se numa forma do executivo atuar de
modo alheio ao processo democrático. Além disso, como o presidente da
república é obviamente militante de um único partido, e o poder legislativo abriga a
representação de vários, através da MP legisla-se sem o devido debate ideológico,
ignorando a importância da pluralidade de pensamento, expressa politicamente na
premissa constitucional da pluralidade partidária.
Se de um lado as MP permitem celeridade à atuação do Executivo, por outro
emperram ainda mais os trabalhos das casas legislativas, uma vez que a
Constituição Federal determina que após 45 dias sem apreciação, as MP ganham
caráter de urgência sobre as demais deliberações. Assim, “trancam a pauta” de
votações do legislativo, ocasionando uma espécie de bola de neve, já que para
apreciar projetos de lei o legislativo precisa primeiro deliberar sobre as MP, e o
executivo, pela inconveniência de aguardar a disponibilidade do legislativo, atua
através das MP. No final, o Poder Legislativo acaba extremamente onerado,
inclusive perante a opinião pública. Tal aspecto ficou evidente quando o
presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, apresentou uma
interpretação da Constituição segundo a qual as MP não sobrestariam todas as
proposições legislativas, mas apenas aquelas que podem ser objeto de MP – as
leis ordinárias. Diferente do que até então vinha sendo praticado, porém
15 referendado pelo Supremo Tribunal Federal, este entendimento encontra eco nas
premissas constitucionais de separação e igualdade entre os poderes.
1.4 O fortalecimento do Poder Judiciário
A ausência de instrumentos legais como lei complementar sobre direito de
greve no serviço público, sobre definição de percentuais de tributos e critérios de
rateio de verbas a serem usados para financiamento da saúde pública e sobre a
cooperação entre os entes federados e municípios em questões relevantes como
a preservação do patrimônio histórico, habitação e educação, contribuem para a
má qualidade dos serviços prestados à população, tornando o estado ineficiente
na busca pelos seus objetivos, previstos no artigo 3º da Constituição Federal,
posto que a regulamentação insuficiente também compromete a efetiva oferta de
bens públicos e meritórios. Além disso, a falta de regulamentação legal nos casos
acima e em muitos outros leva a sociedade a buscar no poder judiciário a garantia
de direitos e a dissolução de contendas, constituindo o que se chama de ativismo
judicial. Esse evento assume maior vulto quando pensamos no quanto o judiciário
tem sido instado a decidir em questões tributárias, previdenciárias, questões
relativas a privatizações e processo eleitoral, tornando-o um agente cada vez mais
presente na vida política do país. Ainda que seja seu papel primordial o controle
jurisdicional do estado e da sociedade, o judiciário acaba por invadir a esfera
legislativa ao restringir, delimitar ou definir o alcance e interpretação das leis e
atos normativos, e atua como poder executivo ao decretar sua
inconstitucionalidade, como se fosse um veto presidencial – com a grande
diferença que o veto presidencial pode ser derrubado pelo legislativo, ao contrário
das deliberações do Supremo Tribunal Federal. Conforme o parágrafo único do
artigo 1º da Constituição, o povo exerce o poder através de seus representantes
eleitos direta ou indiretamente. Como os ministros do STF são indicados pelo
presidente da república e esta indicação precisa ser avalizada pelo Senado
Federal, então os membros da nossa corte suprema são legitimamente
16 representantes do povo; todavia, não foram eles os eleitos para cumprir funções
legislativas, assim como não o foi o presidente da república, e desta forma é
plausível considerar que o conceito essencial de democracia é ferido, como
também é, mais uma vez, o princípio da equidade entre os poderes e o sistema de
freios e contrapesos – ainda mais se considerarmos que a instância de recorrência
do STF é o próprio STF. Como bem observa o Promotor de Justiça Alves de Melo
(2001), um outro aspecto desta judicialização é que através do Ministério Público a
classe jurídica passa a governar o país ao lado do judiciário. Em princípio, há
aspectos positivos, só que no entanto tratam-se de duas instituições autocráticas e
que não possuem respaldo popular.
Sob um outro aspecto, na medida em que as relações sociais se degradam de
forma a tornar necessária a elaboração de leis como o Estatuto da Criança de do
Adolescente, Estatuto do Idoso e Código de Defesa do Consumidor, e quanto
mais o Estado falha na execução das políticas públicas sociais de sua
responsabilidade constitucional, mais a sociedade busca no Poder Judiciário a
mediação para solução de problemas e garantia de seus direitos sociais.
Conforme explica Martins Esteves:
“É possível enxergar que os sindicatos, as organizações
sociais não governamentais, além do próprio cidadão de
maneira individual, depois de uma série de batalhas no
âmbito político, passaram a procurar, através do ingresso de
ações judiciais, um posicionamento do Poder Judiciário
quanto à garantia e efetivação daqueles direitos”. (Martins
Esteves, 2004, pág. 119)
Observa ainda que a procura da sociedade pelo judiciário, para intermediação na
solução de conflitos sociais e exercício de sua cidadania, não é um fenômeno
exclusivamente brasileiro. Ele acontece nas chamadas democracias de cunho
17 social. E o fato do poder judiciário no Brasil estar se deparando com este tipo de
demanda demonstra a crescente consolidação da instituição democrática no país.
Exemplos do reconhecimento da importância do Judiciário são os juizados
especiais, antecedidos pelo Tribunal de Pequenas Causas, que dispensando a
representação por advogado e dotados de rito mais simples e célere, facilitaram o
acesso à justiça para a grande massa populacional de pouca instrução e recursos.
De fato, o judiciário é dos três poderes o mais acessível à população, o mais
presente na vida cotidiana da sociedade, é o braço do estado mais próximo do
cidadão. É fácil encontrar o mais simples cidadão que, de alguma forma lesado,
diz que vai à justiça buscar os seus direitos, mas quantos vão às Câmaras
Municipais ou às Assembléias Legislativas, ou ao Prefeito ou Governador? O
acesso aos poderes democraticamente instituídos é difícil ao cidadão. Já a justiça
é acessível a todos, muito embora os juízes não sejam eleitos pelo voto popular.
O STF, como guardião e intérprete oficial da Constituição Federal, tem agido
de maneira cada vez mais atuante na vida política do país, e tem buscado
legitimar o poder que efetivamente tem exercido chamando à participação no
processo decisório os seus interessados mais diversos, nas chamadas audiências
públicas, além de considerar pareceres técnicos e jurídicos na construção de suas
deliberações. Ainda que não se configure exatamente como uma abertura
democrática nos ritos da suprema corte, é evidente que tais medidas colaboram
para atenuar o aspecto absolutista que geralmente impregna decisões unilaterais,
além de aprimorar o processo decisório pelo compartilhamento de opiniões e
conhecimentos. Em todo caso, em razão de seu intenso ativismo, o STF está
sempre no foco da mídia, de forma que hoje alguns de seus ministros são mais
famosos que a maioria dos demais ministros de estado, e certamente muito mais
conhecidos da população do que a maioria dos deputados, senadores e
vereadores. Todavia, não obstante esta busca pelo judiciário também ratificar o
desenvolvimento da cidadania, se pensarmos nela como resultado secundário da
ineficiência do Estado, evidencia-se o afastamento deste do sentido estrito da
democracia – governo do povo.
18
CAPÍTULO II
A CIDADANIA E SUA HISTÓRIA NO BRASIL
2.1 Considerações Iniciais
Falar sobre a evolução da cidadania no Brasil não é tarefa das mais simples;
em razão da conturbada história política do nosso país e da formação de sua
população, sob os aspectos étnicos e culturais, a cidadania brasileira
desenvolveu-se de forma não linear, com avanços e recuos, e este
desenvolvimento está até hoje em curso. O próprio conceito de cidadania é
abordado de maneiras distintas pelos estudiosos da sociologia, e tem sentido
difuso no imaginário da população. Tem o indivíduo comum a idéia de que é um
cidadão porque vota, paga seus impostos e tem os seus direitos; de fato, o
exercício do voto é um elemento fundamental à constituição da cidadania, e uma
definição didática clássica da cidadania, inclusive, é identificá-la como o gozo de
direitos garantidos nas esferas política, civil e social, além dos fundamentais,
como a vida e a liberdade. É comum também se confundir a história da cidadania
com a história da luta pelos direitos humanos. Porém, não obstante ser
imprescindível o reconhecimento dos direitos individuais no corolário legal de um
país, entendemos que a cidadania é ainda mais que isso. Para existir em toda sua
plenitude, deve surgir como uma convicção em cada um – fruto da consciência de
seu papel na coletividade e da razão precípua da existência do estado.
O indivíduo habita um território, que autônomo, é administrado pelo Estado,
constituindo-se numa nação. Isto posto, a cidadania terá terreno fértil para
desenvolver-se no indivíduo que se compreende como beneficiário da existência
do estado e elemento constituinte e fundamental da nação, como ordenador do
poder público, patrão dos agentes públicos, ou ainda mais além: ele mesmo um
verdadeiro agente público, ainda que atuando apenas na esfera privada de sua
vida humana.
19 Embora nosso país não tenha existido como nação antes do séc. XIX, a difícil
evolução da cidadania no Brasil começa mesmo no séc. XVI, pois o modelo de
colonização adotada pelos portugueses é a semente dos percalços que se
impuseram no caminho do pensamento liberal, e que de uma forma ou de outra
ainda persistem até hoje, mistificando a democracia e obstando o
desenvolvimento do sentimento da cidadania na grande massa da população
brasileira.
2.2 Período Colonial
Praticamente abandonado por três décadas após sua descoberta, quando
serviu como mera passagem para as rotas marítimas portuguesas e latifúndio
extrativista, apenas em 1532 o Brasil começou a ser levado a sério pela coroa
portuguesa, com a instituição das capitanias hereditárias. Estas, embora tenham
iniciado a colonização, objetivavam a organização da produção de modo a
potencializar a geração de riquezas a serem transferidas para Portugal, e desta
forma permaneceu nosso país por quase trezentos – um quintal distante a ser
explorado, sem estado próprio, já que submetido às leis portuguesas, e com uma
população sem identificação pátria com o solo que habitava, visto que formada em
sua base por aventureiros portugueses em busca de fortuna, índios (apegados às
suas próprias tradições) e escravos negros (estrangeiros seqüestrados e
degredados de suas nações). Conforme explica o jornalista Laurentino Gomes
(2008), era o Brasil apenas um monte de regiões mais ou menos autônomas, cada
uma com seu governante e sua milícia, desprovidas de comércio ou qualquer
outra forma de relacionamento entre si, e que só tinham como pontos em comum
o idioma português e a submissão à coroa portuguesa, do outro lado do oceano
Atlântico. A comunicação entre estas regiões era precária, e de um modo geral,
uma ignorava a existência da outra. Vemos assim que também não tinha a
população a percepção de unidade territorial, óbice ao desenvolvimento do
sentimento pátrio. A população se concentrava no litoral, e de cada três habitantes,
20 um era escravo. Sequer a palavra “brasileiro” era reconhecida para designar as
pessoas nascidas na terra. Escreveu ainda Caio Prado Júnior:
“Observamos nos seus diferentes aspectos esse aglomerado
heterogêneo de raças que a colonização reuniu aqui ao acaso,
sem outro objetivo que realizar uma vasta empresa comercial,
e para que contribuíram conforme as circunstâncias e as
exigências daquela empresa, brancos europeus, negros
africanos, indígenas do continente”. (Prado Jr, 1973, pág. 341)
A coroa portuguesa exerceu controle rígido e muitas vezes violento na
manutenção do poder político da colônia. Ao contrário da Espanha, que desde o
início permitiu a fundação de universidades em suas colônias (Universidade
Nacional de San Marcos, no Peru, em 1551, e Universidade Nacional Autônoma
do México, também em 1551, entre outras), Portugal coibiu o desenvolvimento do
conhecimento em sua maior colônia ultramarina, impedindo inclusive a circulação
de jornais. Neste panorama, e considerando que a imensa maioria da população
era analfabeta, percebe-se a quase impossibilidade do surgimento do pensamento
liberal, democrático e autônomo. A administração colonial, primeiro exercida pelos
donatários (titulares das capitanias hereditárias), e depois pelos governadores
gerais, ambos designados pelo governo português, a este se submetiam e
administravam pelos interesses da metrópole. A relação do indivíduo com o poder
instituído, quando se dá, é baseada no interesse pessoal deste com os agentes
daquele, e o acesso à administração somente é possível aos abastados – situação
que perdurará até a independência e outorga de nossa primeira constituição.
Não obstante, com o passar dos muitos anos e conseqüente formação de uma
população originariamente brasileira, poderemos verificar o despontar do
nativismo ainda no séc. XVII, com a participação de brasileiros nas lutas contra a
invasão holandesa em Pernambuco e levantes como a revolta contra o monopólio
do comércio no Maranhão, em 1684. No séc. XVIII temos a expulsão dos
21 franceses do Rio de Janeiro, a guerra dos Emboabas em Minas Gerais e dos
Mascates em Pernambuco, entre outros. Ainda que muitos eventos não
trouxessem em seu bojo o anseio pela autonomia política e defendessem
interesses de ordem meramente comercial, fica claro que os segmentos mais
esclarecidos na então sociedade brasileira já não toleravam o controle absoluto da
coroa portuguesa, insatisfação esta que culminou no movimento da Inconfidência
Mineira, onde já não se proclamava apenas liberdade comercial ou redução de
tributos a serem pagos à Portugal, mas a própria elevação do Brasil à condição de
País. Este momento da história é exemplo do que seria a tônica dos movimentos
políticos no Brasil, salvo raras exceções – anseios surgidos no âmbito de uma elite
pensante que tenta ser politicamente ativa, enquanto a massa populacional
assiste o desenrolar dos fatos como mera expectadora.
No final do séc. XIX se dá a expansão napoleônica na Europa. Invasor da terra
alheia, paradoxalmente o ditador francês tem papel importante no surgimento do
Brasil como nação. Com a vinda da corte portuguesa em 1808, vários eventos
ocorreram, como a abertura dos portos brasileiros, retiradas da proibição de
existência de indústrias, a fundação da casa da moeda, do Banco do Brasil e da
Biblioteca Nacional, entre outros. Politicamente, nada mudou! O governo
continuava centralizador, e as relações com a administração continuaram
calcadas nos interesses pessoais, clientelismo e confusão entre público e privado.
A imprensa foi enfim permitida, porém apenas a oficial, governista.
“Quem ousasse expressar opiniões em público contrárias
ao pensamento vigente na corte portuguesa corria o risco de
ser preso, processado e, eventualmente, deportado. Imprimi-
las, então, nem pensar. Até mesmo reuniões para discutir
idéias eram consideradas ilegais”. (Gomes, 2008, pág. 134)
Todavia, a transferência do poder para cá e o aprimoramento infra-estrutural
experimentado deram ao Brasil aparatos próprios de um país autônomo, e sua
22 elevação de status, em 1815, de colônia para Reino Unido, colaborou para a
solidificação do sentimento de nativismo, de pertencimento, de identificação pátria
com a terra habitada.
Ainda em 1808 começou a circular o jornal Correio Braziliense, fundado pelo
jornalista Hipólito José da Costa, produzido na Inglaterra e importado
clandestinamente. Acabou cooptado pela coroa. Conta Laurentino (2008) que
Hipólito, que defendia a liberdade de expressão e idéias liberais, acabou por
inaugurar no Brasil o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo.
Através de um acordo secreto, D. João começou a custear a permanência do
jornalista na Inglaterra e a garantir a compra de certa quantidade de exemplares
do Correio Braziliense, objetivando se prevenir contra possíveis radicalizações nas
matérias do jornal. A publicação encerrou suas atividades em 1822, um ano após
a supressão da censura por D. Pedro I. Em todo caso, sua doutrina liberal, embora
sem defender a independência da colônia, marcou o início da nossa imprensa
política, que como veremos adiante, cumpre papel fundamental no
desenvolvimento da cidadania.
2.3 Independência
Com a proclamação da independência, temos finalmente uma nação: um
território (já praticamente consolidado), um poder estatal próprio e uma população
nativa, com unidade lingüística. O cidadão, no entanto, começa a se delinear dois
anos depois. Em 1824, a nossa primeira Carta Magna, embora outorgada, traz
importantes elementos para a construção da cidadania no Brasil. Explica-nos o
historiador José Murilo de Carvalho (1996) que a legislação eleitoral brasileira, no
tocante à amplitude do direito de voto, era das mais liberais da época se
comparada à legislação dos países europeus. Não se fazia restrições quanto ao
grau de instrução, o que permitia a inclusão dos analfabetos no processo.
Considerando a inexistência da participação legal do cidadão na vida política
durante o período colonial, é de se surpreender tamanha liberalidade; mesmo com
23 os critérios excludentes de renda e idade mínimos, propiciou a extensão do direito
de voto a cerca de 13% da população livre nas eleições de 1872. Todavia, como
completa Carvalho, tal circunstância tão promissora da cidadania política acabou
sofrendo um duro golpe em 1881, quando foi introduzida a eleição direta. Aos
analfabetos foi tomado o direito de voto. Com esta medida e a elevação da renda
exigida, o quantitativo de eleitores caiu para cerca de 10% dos votantes em 1872.
Essa abertura à prática democrática, no entanto, não teve resultados
satisfatórios quanto ao exercício da cidadania, visto que havia muitas fraudes,
intervenção do governo no processo, comercialização do voto e voto de cabresto –
circunstâncias propiciadas pelo caráter paroquial e de servilidade que davam
cunho às relações sociais no país, agravadas pelo aculturamento da população. A
prática do clientelismo, da troca de favores, estendeu-se no sufrágio, e eleitores
votavam mediante promessas de cargos, bens materiais ou outras vantagens.
Além do direito ao voto, a constituição de 1824 também trouxe a figura do júri
popular e a Guarda Nacional. Muito embora houvesse regras restritivas para que
alguém pudesse fazer parte destas instituições, como o estabelecimento de renda
mínima, e apesar de serem funções preenchidas por indicação e por isso muitas
vezes servirem de moeda política, foram de qualquer forma novas oportunidades
para o cidadão participar da vida pública brasileira. O serviço militar,
paradoxalmente, representava o afastamento da cidadania, visto que o
recrutamento era obrigatório, os soldados sofriam castigos físicos e não podiam
votar. E mais paradoxalmente ainda, foi justamente num evento militar, a Guerra
do Paraguai, que se observou a mais forte manifestação de cidadania no período,
expressa no civismo do recrutamento voluntário e no patriotismo, uma
demonstração de que o povo reconhecia-se como pertencente a uma nação.
No sentido inverso, de participação ativa do estado na vida do indivíduo,
tivemos o alistamento militar, o recenseamento, o registro civil e o casamento civil.
Apesar de representarem esforços positivos para tornar a máquina pública mais
eficiente, tais medidas foram vistas pela população como intromissões do poder
público na sua vida privada, e foram muitas as revoltas populares, o que pode, no
24 entanto ser considerado positivo enquanto manifestação de defesa de suas
crenças e privacidade. Uma cidadania às avessas, mas ainda assim expressão de
ativismo político. Nas palavras de Carvalho:
“Outras intervenções estatais típicas do século XIX,
sobretrudo aquelas que visavam a aumentar o controle
sobre a vida dos cidadãos, como o registro civil de
nascimento, casamento e óbito e o recenseamento,
constituem também momentos ricos para a análise da
natureza da cidadania”. (Carvalho, 1996, pág. 342)
No final das contas, todos os esforços apresentados para trazer o indivíduo à
participação na administração do estado, embora tenham representado grande
avanço, permanecem eivados de hipocrisia, já que continuavam à margem a
maioria da população branca masculina, as mulheres, e sobretudo os negros.
Com o fim da escravidão, em 1888, estes se viram homens livres num país de
população racista. Para eles, a construção da cidadania viria a ser ainda mais
difícil, perdurando até os dias de hoje.
2.4 República
Com a proclamação da república, logo no início já tivemos um ensaio do que
aconteceria a partir de 1964: nosso primeiro presidente da república, insatisfeito
com uma lei que reduziria seus poderes, fechou o congresso nacional e decretou
estado de sítio no país (supressão dos direitos civis) e impôs a censura à
imprensa. Afastado do poder, a situação foi logo revertida pelo nosso segundo
presidente, Campos Salles. Ganhamos em 1891 nossa segunda constituição, que
estabeleceu o federalismo, desvinculou a igreja do estado, fixou eleições diretas
para presidente, governador, senador, deputados estaduais e federais, e trouxe o
voto universal, muito embora as mulheres, os analfabetos e os militares de baixa
patente continuassem excluídos do processo. Também não reconheceu a
25 educação como obrigação do estado, não obstante o analfabetismo ainda fosse
elevadíssimo, girando em 1920 na casa dos 64%. Como foi um período de
predominância das oligarquias agrárias, sobretudo de São Paulo e Minas Gerais,
o poder dos chefes políticos do interior e dos grandes proprietários de terras foi
ampliado. No esforço de manutenção deste poder, praticava-se o chamado voto
de cabresto, onde os trabalhadores rurais eram induzidos ou mesmo coagidos a
votarem nos candidatos de interesse de seus empregadores. Para estes, o
exercício da cidadania expresso no voto tornou-se um engodo, e nos rincões
interioranos as eleições eram meras formalidades a serem cumpridas para a
continuidade da manutenção do poder nas mãos das famílias ricas e tradicionais.
Como resultado prático da valorização agrária no sudeste, a indústria foi pouco
fomentada, e cresceram as desigualdades regionais no país. Ocorreram também
as primeiras greves e o crescimento de movimentos anarquistas e comunistas nos
grandes centros urbanos, expressões de sentimento cívico, posto que
manifestação de ativismo político.
Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, a cidadania experimentou um
forte retrocesso quanto aos direitos políticos. O chamado “governo provisório” já
se instaurou com o fechamento do congresso nacional, e Getúlio governou com
plenos poderes até 1934, quando foi eleito indiretamente. Neste ano, com uma
nova constituição, agora promulgada, houve um relaxamento quanto à liberdade
política e de imprensa, o que permitiu nos meios de comunicação o surgimento de
grupos críticos ao governo, além de partidos políticos de oposição, como a Aliança
Nacional Libertadora. Outro avanço foi a extensão do direito de votar às mulheres
e o estabelecimento do voto secreto. A partir de 1937, outorgando outra
constituição, governou de forma ditatorial, suprimindo os direitos políticos e
individuais, fechando o poder legislativo nas três esferas, e impondo severa
repressão aos opositores, utilizando-se inclusive de aparato burocrático legal - o
Departamento de Ordem e Política Social (DOPS), o qual funcionava como uma
polícia política, investigando e reprimindo movimentos contrários ao regime e
perseguindo dissidentes e lideranças sindicais. Por outro lado, a cidadania
26 avançou no aspecto dos diretos sociais, com medidas de proteção ao trabalhador,
como a legislação trabalhista, o salário mínimo, a carteira de trabalho, o
estabelecimento de jornada de trabalho de 48 horas semanais e a proibição do
trabalho aos menores de 14 anos, entre outros.
Com a deposição de Getúlio do poder, ganhou o Brasil outra constituição, que
assegurou o voto secreto e universal (embora ainda tenha excluído os militares e
analfabetos), o pluripartidarismo, a divisão do estado em três poderes
independentes, restaurou as garantias individuais aos cidadãos e pôs fim à
censura. Apesar de garantir direitos civis e políticos aos cidadãos brasileiros, o
governo criou óbices à reorganização dos sindicatos, interveio nos mesmos e
reprimiu os movimentos de cunho comunista, em flagrante desrespeito às
liberdades constitucionalmente previstas. De qualquer forma, com liberdade de
imprensa, pluripartidarismo, liberdades individuais e voto universal secreto
estendido às mulheres, o período até 1964 foi pela primeira vez, de fato, uma
época de vivência democrática e de cidadania. Exemplo disso é que o mesmo
Getúlio, que dissolvera os partidos políticos e reprimira a imprensa, em seu
segundo governo sofreu a pressão da insatisfação popular e das greves, além da
perseguição da imprensa ativista.
Em 1964, com o golpe militar, ao longo da edição de 17 Atos Institucionais,
todas as conquistas democráticas obtidas até então foram revogadas. A cidadania
foi extirpada! Associações civis e partidos políticos foram extintos, greves foram
proibidas, o Congresso Nacional foi mantido como mero adorno institucional,
homens públicos tiveram seus direitos políticos cassados, a imprensa e a livre
expressão do pensamento foram cerceadas, dissidentes foram perseguidos e
assassinados, foi instituída a pena de morte por fuzilamento, etc. Uma nova
constituição, em 1967, legaliza a práxis governamental. O cidadão, construído ao
longo de tanto tempo, novamente voltou a ser apenas um governado, sem
participação na condução de seu país. Isso institucionalmente falando, pois na
prática o período foi de grande e variado ativismo político marginal, nas searas
estudantil, classista e sindical, no seio de uma população bem mais urbanizada
27 graças ao desenvolvimento industrial, já mais instruída e também acostumada à
democracia. Tal circunstância perdura até o início da década de 80, quando o
regime, já enfraquecido e fracassado diante da insatisfação popular e da aguda
crise econômica, torna a permitir o pluripartidarismo, instaura a anistia política e
convoca eleições diretas para governador. Em 1985 são definidas eleições diretas,
em dois turnos, para presidente da república, e finalmente o direito de voto é
estendido aos analfabetos.
Com a promulgação da atual constituição, em 1988, finalmente vemos
assegurados institucionalmente os direitos individuais e coletivos. Com a garantia
da livre associação, livre expressão do pensamento, supressão da censura, voto
universal e secreto, direito de ampla defesa e definição da saúde, educação,
moradia, segurança e trabalho como obrigações do poder estatal, temos enfim o
desenho de um estado em função do indivíduo. Por outro lado, a incapacidade
que o Estado demonstrou, ao longo do tempo, de cumprir com muitas das destas
premissas constitucionais, colaborou para o crescimento da insatisfação da
sociedade, incentivando sua mobilização na forma de verdadeiros organismos
paraestatais, conforme veremos no capítulo seguinte.
A previsão constitucional para a realização de plebiscitos em algumas
circunstâncias, como criação de municípios e estados e decisão quanto ao regime
governamental a ser instituído no país denotam o caráter democrático desta nova
Carta. Mais adiante, a informatização do processo eleitoral significou um reforço
ao exercício da cidadania pelo voto, visto que aumentou a efetividade quanto à
garantia do sigilo e também reduziu drasticamente a possibilidade de manipulação
e fraude. A edição de instrumentos legais como o Estatuto do Menor e
Adolescente, Estatuto do Idoso e Lei de Defesa do Consumidor também vem
corroborar o esforço do estado na garantia dos direitos individuais. Além disso, o
acesso facilitado ao judiciário, a imprensa livre e politicamente engajada,
juntamente com a redução do analfabetismo, colaboram para a formação de uma
população mais ciente da sua importância para a construção de uma nação justa e
igualitária, muito embora certamente ainda existam diversos entraves, como a falta
28 de comprometimento público de alguns políticos, que utilizam seus mandatos para
fins pessoais, disputas partidárias que fogem do embate ideológico e tornam a
política um combate fisiológico, a falta de instrumentos de efetiva avaliação do
desempenho dos agentes públicos e o voto secreto nas sessões do legislativo,
que obstam a transparência e comprometem com isso o acompanhamento da
atuação destes prepostos por parte do cidadão.
Ainda que tenhamos pela frente um longo caminho até alcançar um estágio de
cidadania plena, se olharmos para trás e lembrarmos as circunstâncias de
formação da sociedade brasileira, e nossa tortuosa história política, é evidente o
avanço obtido no curso de modestos 200 anos em que existimos como um povo
autônomo. Em todo caso, verificamos que a evolução da cidadania no Brasil
acontece de forma indissociável com a história do nosso direito constitucional; é,
portanto, ainda um aspecto em desenvolvimento, assim como é também a própria
Constituição Federal, que a cada emenda torna-se um instrumento mais adequado
à direção do país.
29
CAPÍTULO III
ESTADO E CIDADANIA
3.1 A cidadania plena
Embora no aspecto jurídico a cidadania pareça estar sob céu de brigadeiro, na
prática ainda não a vivenciamos em sua plenitude. Além do Estado não ser capaz
de cumprir com as funções sociais a que se obriga, o brasileiro ainda não
internalizou o significado do termo “cidadão”. Como já vimos, ser cidadão vai além
de ver garantido direitos, ser cidadão passa pela adoção, por cada um, de
comportamento cívico, comprometido com a coletividade e com a legalidade. A
cidadania é uma individual, inclusive na vida privada. Não há exercício pleno da
cidadania quando se vota em troca de favores, quando se age com
desonestidade, quando se é omisso, por conveniência ou preguiça, ou quando se
joga lixo nas ruas ou depreda-se o patrimônio alheio. Cidadania é, enfim, no seu
sentido mais amplo, participar positivamente da construção da sociedade, o que
nem sempre é cômodo e conveniente. Conforme Carvalho,
“O elenco de temas relevantes para a formação da
cidadania política pode ser expandido para além do
exercício de direitos. Se a cidadania é concebida como a
maneira pela qual as pessoas se relacionam com o Estado,
não há por que excluir de seu estudo o cumprimento de
deveres cívicos como o serviço militar no Exército, na
Armada e na Guarda Nacional. O cumprimento desses
deveres requer contatos estreitos com instituições e
autoridades do Estado e certamente contribui para a
internalização de valores, positivos ou negativos, referentes
ao poder público”. (Carvalho, 1996, págs. 341-342)
30 Como todo esse discurso acerca de participação do povo da direção do país
traz em si o ideal democrático, faz-se importante neste momento estabelecer uma
diferenciação quanto às definições de democracia e cidadania. Se a democracia é
o governo do povo, tal qual extrai-se do grego, cidadania será a exigência do povo
em exercer esta prerrogativa. Como num condomínio, onde todos os moradores
tem direito a voto nas assembléias, porém alguns, por preferir não ocupar seu
tempo e atenção, preferem não participar e assim sabem que terão que acatar o
que for decidido pela maioria. Não terão, portanto, o legítimo direito de reclamar
de decisões tomadas, já que não exercem sua cidadania ao abrir mão de seu
direito de co-participação. Assim, cidadão de fato será aquele que vê, deseja e
valoriza a sua participação individual na condução da comunidade, na definição do
seu destino, como os gregos na antiguidade, conforme explica Wilba Bernardes:
“A cidadania era para os gregos um bem inestimável. Para eles a plena realização
do homem se fazia na sua participação integral na vida social e política da Cidade-
Estado”. (Bernardes, 1995, pág. 23).
Se a democracia, como vimos no primeiro capítulo deste estudo, vê-se
ameaçada nos meandros viciados da estrutura estatal e no exercício, muitas
vezes carente de compromisso, do poder público, mais ainda ficará quanto menor
for o desenvolvimento do espírito de cidadania na população. Assim, a cidadania é
um princípio do qual não pode prescindir um povo que se pretende democrático.
Para a real existência da democracia é preciso que o povo queira de fato participar
da vida democrática, que escolha com critério e responsabilidade os seus
governantes – sinalizando aquilo que aprova e o que não aprova nas suas
atuações. Isto pressupõe uma consciência de pertencimento à vida política do
país: almejar participar do processo de construção dos destinos da própria Nação.
Ser cidadão é sentir-se responsável pelo bom funcionamento das instituições. É
interessar-se pelo bom andamento das atividades do Estado, exigindo, com
postura de cidadão, que ele seja coerente com os seus fundamentos, eficiente no
cumprimento das suas finalidades e intransigente em relação aos seus princípios
31 constitucionais. Dallari (1998) explica que a cidadania é um conjunto de direitos
que permite a participação ativa na vida e do governo de seu povo. Aquele que
não tem cidadania está à margem da vida social e da tomada de decisões, ficando
socialmente em posição de inferioridade.
3.2 A imprensa livre
Como vimos no capítulo anterior, essa inferioridade social foi a realidade da
maioria da população em diversos momentos de nossa história. Na verdade, sob
um certo aspecto, ainda é, já que as garantias constitucionais, enquanto meros
instrumentos legais, não produzem a efetiva democracia. Elas dependem do
exercício da cidadania para transmutarem-se em realidade, e a cidadania, para tal
fim, depende de informação. Como funciona a administração pública, que
assuntos são discutidos e decididos pelos políticos, com ou sem implicações
diretas ou indiretas na vida população, e sobretudo como estão atuando os
agentes públicos aos quais a população outorgou poderes de representatividade –
tudo isso precisa ser exposto, publicado, levado a conhecimento do povo de forma
simplificada, livre de jargões burocratas e pseudo-intelectuais. A transparência da
coisa pública é fator elementar para o exercício da cidadania e conseqüente
direcionamento da atuação do poder consoante as premissas da democracia.
Assim, não é equivocado pensar no acesso à informação como um direito civil,
ainda mais que a Constituição Federal o prevê em seu artigo XIV, e estabelece,
em seu artigo I, a própria cidadania como um dos fundamentos da república.
Em qualquer país, mas principalmente num país com as dimensões e
heterogeneidade social e cultural do nosso, a imprensa livre cumpre papel
essencial na disseminação da informação e conseqüente fomento à cidadania.
Mas como sua atividade implica em pesquisar para conhecer e então informar, a
imprensa realiza, num estado democrático, um papel de fiscalizador da sociedade
– e do Estado, que é o aspecto que nos interessa neste estudo. Esta faceta,
conforme observou o sociólogo Martins da Silva (2002), é a relação mais
32 tradicional entre imprensa e cidadania, onde a imprensa pratica uma função
fiscalizadora do Poder Público nos seus três poderes – o que originou o conceito
de que seria a imprensa uma espécie de quarto poder, já que, por delegação
informal da sociedade, exerce o poder de fiscalizar os outros poderes, o que se dá
na tarefa de dar visibilidade à coisa pública. Essa visibilidade é uma condição
necessária à existência da democracia. Como seria impossível a cada cidadão,
apenas com seus próprios meios, exercer o papel de fiscal, tal função é então
delegada à imprensa.
De fato, ainda que de forma muitas vezes “aos trancos e barrancos”, ineficiente
ou parcial, podemos percebemos o papel que a imprensa tem cumprido no cenário
brasileiro, como mediadora dessa relação muitas vezes conturbada entre a
opinião pública e os poderes instituídos. Crises políticas envolvendo suspeitas de
corrupção, fraudes, assuntos os mais variados de interesse público vem à baila
através da mídia, sem a qual escândalos seriam muito facilmente escamoteados e
questões fundamentais para o país seriam decididas sem a ciência da população.
A informação cria a indignação, instiga o pensamento crítico e arregimenta as
pessoas ao redor de idéias e princípios. Vejamos que, se não é certo que hoje há
mais corrupção no Brasil do que havia no passado, com certeza temos essa
impressão, pois é indubitável que as denúncias e meras suspeitas chegam agora
ao conhecimento da população com muita rapidez e, não raro, já com juízo de
valor formado.
Os exemplos do poder da opinião pública são diversos, sendo balizar o
episódio do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. A mesma imprensa
que ajudou a alavancar o ex-governador de Alagoas à presidência da república
também iniciou e solidificou sua derrubada – lembrando que o processo de sua
desmoralização pública iniciou-se com reportagens das revistas Veja e Istoé, dois
dos maiores semanários do país. A imprensa, dando visibilidade aos fatos,
provocou a indignação da sociedade, gerando o chamado evento dos “cara-
pintada”. Afora especulações acerca de possíveis manipulações políticas das
33 massas, ficou evidente o poder da opinião pública quando milhares de estudantes
e demais segmentos da população foram às ruas em passeata clamar pela
destituição do presidente, constituindo-se num grande momento de exercício da
cidadania pela população. Quando o povo sai de seu silêncio e protesta, as coisas
acontecem! Conforme escreveu o cientista político Murillo Aragão (2010), sem
essa mobilização o jogo político fica isolado da sociedade e transforma-se num
diálogo exclusivo entre seus players, cujos interesses podem não ser os mesmos
da sociedade que representam.
Relevante também é o fato da fatídica votação na Câmara dos Deputados, que
aprovou o processo de impeachment, ter acontecido por voto aberto, e
transmissão ao vivo pela televisão para todo o país, e que concluiu-se com o
expressivo placar de 441 votos a favor e apenas 38 contra. E se a votação fosse
através do voto secreto, como são usualmente as sessões legislativas, teria o
impeachment acontecido? Teriam os parlamentares votado consoante o clamor da
sociedade naquele momento ou a negariam, expondo-se à execração da opinião
pública e retaliação das urnas? Este foi um momento em que a transparência foi
crucial para o desfecho da história, e exemplar para um funcionamento mais
democrático e compromissado dos agentes públicos. A atuação do Estado precisa
ser absolutamente aberta e visível, o eleitor precisa saber com exatidão e minúcia
o que cada outorgado seu faz com o mandato que lhe foi confiado, para que seu
trabalho possa ser avaliado e aprovado ou não. “Em uma palavra: quando entra
em jogo o fator opinião pública, regras e parâmetros da partida em curso mudam
completamente”. (Farhat, 1992, pág. 05)
3.3 Educação e Cidadania
Se a cidadania é um estado de compreensão do indivíduo acerca de sua
condição de agente de transformações da sociedade, e seu exercício depende da
interação ativa do cidadão com as diversas instituições que o circundam e da
percepção e análise crítica das informações postas à disposição pela mídia,
34 evidencia-se que a educação é elemento primordial para a construção de uma
população cônscia de seus direitos e deveres para com o bem comum. E a
educação no Brasil, como se é largamente sabido, é deficiente e socialmente
discriminatória. Conforme dados do IBGE (2008), o percentual de analfabetos com
idade superior a 15 anos no país é de 10%, o que já é um avanço em relação aos
números apurados anteriormente (14,7%), mas ainda assim é muito preocupante.
O ensino público, que é o acessível à maioria da população, é defasado e
compete com a evasão escolar – que por sua vez tem motivações sobretudo de
ordem econômica. Neste cenário, mais do que a falta de transparência na
atuação do Estado, e mais do que os vícios que eivam o funcionamento do poder
público, a questão da educação é o principal entrave ao desenvolvimento da
cidadania no Brasil. Conforme proclamado pela UNESCO,
“A educação pública de qualidade é uma das principais vias
para construção de uma sociedade mais justa, solidária e
democrática. Nesse sentido, constitui-se em uma poderosa
ferramenta para a mudança social. Em primeiro lugar,
porque a educação é o elemento fundamental para o
desenvolvimento pessoal e para a realização da vocação de
ser humano. Segundo, porque é o caminho para formar
pessoas sensíveis para as questões que afetam a todos e a
grupos minoritários, para a prática da liberdade e para o
exercício da cidadania.” (UNESCO, 2005, pág. 11)
A educação ineficiente compromete a formação acadêmica do indivíduo, o que
colaborará para fazê-lo mão de obra pouco qualificada, em situação de fragilidade
no mercado de trabalho e despreparado culturalmente para requerer seus direitos
e cumprir adequadamente com suas obrigações de cidadão. A má formação
educacional, portanto, é óbice ao desenvolvimento pleno da pessoa, obstáculo à
implementação da vivência da cidadania pela população e sério problema a ser
35 combatido pelas políticas públicas – haja vista a questão ir de encontro à premissa
constitucional de que a educação deve ser promovida visando o pleno
desenvolvimento da pessoa (CF, 1988, pág. 137). Naturalmente, não há de se
impingir ao Estado a responsabilidade exclusiva pela tarefa, pois como diz a
sabedoria popular, educação começa em casa, no seio familiar, ao qual compete a
sedimentação de princípios como a responsabilidade e o respeito às pessoas, à
propriedade e às diferenças. Não obstante, é competência do Estado garantir nos
currículos escolares conteúdos que atentem para a importância do pensamento
crítico, para a perpetuação de valores como a solidariedade e o civismo, que
colaborem para a conscientização dos jovens acerca de seu papel na sociedade,
de forma que este aluno tenha no futuro melhores condições de agregar valores
positivos à coletividade. A criança de hoje é o agente político de amanhã, e da
educação que tiver dependerá seu sucesso como elemento de intervenção na
realidade do país, inclusive no sagrado momento do voto. Dalari (1998) diz que é
evidente que o fato de uma pessoa cumprir os requisitos legais para exercer o
direito de voto não significa necessariamente que esteja preparada para isto, e
que é competência de um governo democrático promover a educação política de
seu eleitorado, por meio da disseminação de conhecimentos específicos nos
programas escolares – além de permitir à população amplas formas de exercício
de seus direitos políticos, de maneira a que possa usufruir desta experiência
educacional.
A imprensa, como já vimos, vem buscando cumprir o seu papel de agente
fiscalizador da atuação do Estado, fruto de um longo percurso de luta pelo direito
da livre expressão do pensamento, mas uma melhor e mais profícua penetração
da informação necessita de um público receptor com um grau cognitivo que
permita a análise crítica dos fatos veiculados, sob risco de tornar-se a própria
informação um elemento mistificador da realidade e instrumento de manipulação e
alienação. Afinal, como compreender a importância de uma crise financeira
internacional ou a relevância de 1 ou 2 pontos percentuais na taxa SELIC sem um
conhecimento primário do funcionamento da economia? Como desenvolver juízo
36 de valor acerca de acordos políticos inter-partidários sem entender minimamente
de política? Como entender porquê o governo simplesmente não aumenta o
salário mínimo sem ter ciência das dificuldades da previdência social? No extremo
do analfabetismo, como ser um cidadão pleno sem saber ler? O aculturamento de
uma população é empecilho à sua compreensão da realidade da sociedade,
prejudicando sua capacidade de ponderação, e conseqüente avaliação da atuação
do poder público, obstando o exercício da cidadania. Se o grau cognitivo de uma
pessoa varia conforme a pluralidade de sua experiência cultural, de forma que
quanto mais vivência tiver a pessoa, neste aspecto, maior será sua capacidade de
discernimento e postura crítica, conclui-se que o desenvolvimento da cidadania
terá terreno mais fértil naquela população que conta com um melhor sistema de
ensino. Assim, a educação de qualidade, com fomento à leitura, ao pensamento
crítico e à busca do conhecimento, é ferramenta para a formação de um cidadão
pleno. Ou ainda melhor: a educação focada para a cidadania é um instrumento do
qual realmente não pode prescindir um país que se pretende um Estado
democrático. . “Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos
não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é
substantivamente formar” (Freire, 1997, pág. 11).
3.4 O Terceiro Setor
A Constituição Federal de 1988, se por um lado representou um grande avanço
institucional ao consagrar direitos sociais como obrigações do Estado, por outro
eleva substancialmente as expectativas da sociedade quanto à atuação deste
Estado. Acontece que uma realidade social não pode ser mudada com a simples
edição de instrumentos legais; leis não produzem por si sós efeitos, sem as
necessárias estruturas logísticas e provisões financeiras. Marshall (1967) já
lembrava que a igualdade ao direito de acesso não significa o acesso em si, ou
seja, o direito à propriedade não garante a posse da propriedade, o direito de
acesso ao trabalho não garante o emprego. De fato, as aspirações de cunho
37 democrático e social da nova Carta se viram obstadas em sua implementação por
uma cadeia de serviços públicos ineficiente, crises financeiras, inflação e altos
índices de desemprego, resultantes de um modelo econômico altamente
concentrador de renda. Neste cenário, de crescente aumento da demanda pela
intervenção do poder público, o Estado por fim mostrou-se incapaz de cumprir
com as suas obrigações constitucionais.
Num panorama de degradação das condições de vida em razão da miséria e
violência advindas do aumento das desigualdades, a sociedade acorda para a
necessidade de participar ativamente da construção de soluções para as mazelas
sociais do país, mobilizando-se e associando-se com o objetivo de buscar suprir
ela própria as deficiências do Estado na assistência social às populações mais
necessitadas. “A crise do estado do bem-estar social fez com que se buscassem,
na sociedade civil, alternativas para responder às demandas da população por
bens e serviços cujo provimento era, num passado recente, visto como dever
estatal” (Santos Leite, 2003, pág. 02). Este fenômeno, de participação da
sociedade na execução de atividades públicas de suporte social, tem sua origem
ainda na segunda metade do séc. XIX, com as Santas Casas de Misericórdia, e
tradicionalmente é relacionado à atuação das igrejas, sobretudo a Católica, e
sempre se caracterizou pelo aspecto assistencialista da caridade. Todavia, o que
vivenciamos hoje é um paulatino e sólido incremento da participação da sociedade,
em seus mais diversificados setores, na edificação de uma nação mais justa e
igualitária. Conforme Martins Esteves,
“Esta tomada de consciência política pode ser constatada a
partir da verificação da montagem de milhares de
associações civis nos últimos quinze anos, que se
movimentam no sentido de reivindicar e garantir os direitos
fundamentais proclamados não somente na Constituição,
mas também outros derivados de uma esfera internacional”
(Martins Esteves, 2004, pág.120).
38 Esta larga mobilização da sociedade civil, invadindo a seara pública, é
nomeada pelos estudiosos das ciências sociais como o Terceiro Setor. Neste caso,
o primeiro setor é o próprio governo, a quem compete a execução das políticas
sociais. O segundo é o setor privado, responsável pelo desenvolvimento
econômico e geração de empregos através da livre iniciativa – isto é, os agentes
não públicos da coletividade. Com o fracasso do Estado na execução das políticas
sociais, o setor privado passa a participar ativamente na mitigação dos problemas
sociais, através das inúmeras instituições, como as Fundações e as ONG –
Organizações Não Governamentais, as quais compõem o dito terceiro setor. Ou
seja, ele é constituído por organizações sem fins lucrativos e não públicas, que
tem como objetivo proporcionar serviços de caráter essencialmente público.
Assim, tal qual o morador de um prédio que cansa de esperar o síndico realizar
um conserto e resolve fazê-lo ele mesmo, a sociedade resolve auxiliar o Estado na
execução de suas obrigações no âmbito social. Desejosa de um estado de bem
estar comum, a esfera privada invade os campos de atuação pública, atuando
como se pública fosse, ante a incapacidade do governo. Longe de calcar-se
meramente em princípios de solidariedade e caridade, a sociedade civil sabe que
a coletividade, para existir e desenvolver-se harmoniosamente, precisa combater a
pobreza, a ignorância e a violência. No entanto, ao contrário do que se observava
no passado, hoje a atuação destes atores sociais não estaciona na mera
benevolência do assistencialismo, mas sim busca fomentar o desenvolvimento da
população através de diversas práticas voltadas para a profissionalização,
inclusão digital, educação, valorização cultural e racial, além da execução de
projetos voltados para a geração de renda em comunidades carentes, entre outros,
buscando o resgate da cidadania na mudança de atitudes e posicionamentos das
populações diante de sua realidade social. Durão (1999) explica que a atuação do
Terceiro Setor vai muito além do impacto imediato de suas ações, que os
resultados dos projetos e programas desenvolvidos, na medida em que
contribuem para a mudança das relações entre o Estado e a coletividade, induzem
os próprios movimentos populares a superarem o mutismo e a passividade política,
39 tornando-se atores não corporativos nas discussões acerca das definições e
implementações das políticas públicas sociais. Ou seja, o amparo social que
transcende o caráter assistencialista da caridade acaba por constituir-se num
eficaz mecanismo de disseminação do sentimento de cidadania.
O Estado, por sua vez, tende a atuar cada vez menos como fornecedor
exclusivo de serviços públicos, valorizando as ações construídas em parceria com
os demais agentes da sociedade. E de fato o chamado Terceiro Setor cresceu
tanto que a legislação que o regulamentava foi revista ainda na década de 90, e
hoje o próprio Estado subsidia financeiramente uma série de instituições, como se
fosse quase uma terceirização das suas obrigações precípuas.
“Subordinado à lógica da exploração financeira a que
submeteu a sociedade brasileira, o Estado, nos anos 90,
tem acionado sistematicamente o discurso das parcerias
com a sociedade civil como disfarce ideológico do abandono
de responsabilidades irrenunciáveis do Estado, de acordo
com a lógica privatista da reforma do Estado em curso nos
governos Collor e FHC.” (Durão, 1999, pág. 01)
Além disso, no entendimento de ROSEMBERG (1996), as Organizações Não
governamentais, além de terem se transformado em importantes instrumentos da
sociedade nas lutas pela cidadania e justiça social, tornam-se inclusive uma nova
fonte de empregos para muitas pessoas, sobretudo trabalhadores da classe média,
que até então buscavam uma colocação profissional nos órgãos do governo. Ou
seja, o Terceiro Setor, surgido no seio do Segundo Setor, também cumpre tarefa
deste, uma vez que é sua competência a geração de postos de trabalho.
O princípio da cidadania, norteador das atividades do Terceiro Setor, alcança
também o empresariado, cooptando-o, fazendo surgir o conceito de cidadania
corporativa – onde o meio empresarial, indo além de suas atribuições de gerar
emprego e riquezas à sociedade, também colabora para a construção do bem
40 estar comum, como um legítimo integrante do Terceiro Setor. A postura cidadã de
uma empresa, denominada Responsabilidade Social Empresarial (RSE), tal como
as ONG muitas vezes é relacionado à atividades de cunho filantrópico, como
doações, construção de creches, plantio de árvores, etc, de forma que uma
empresa socialmente responsável seria aquela que pratica a caridade, reparte sua
riqueza e preserva o meio ambiente. Ainda que tais aspectos sejam importantes e
muito significativos, sobretudo num país jovem como o nosso, de severas
carências e desigualdades e com um poder estatal ineficiente no atendimento às
necessidades da população, o conceito de RSE é mais abrangente que isso!
“A Responsabilidade Social Empresarial é a forma de
gestão que se define pela relação ética e transparente da
empresa com todos os públicos com os quais ela se
relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que
impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade,
preservando recursos ambientais e culturais para as
gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a
redução das desigualdades sociais”. (Instituto ETHOS)
Assim, temos que a RSE é uma conduta, um princípio ao qual deve estar
alinhada a administração estratégica da empresa, de forma que esta exerça suas
atividades em consonância com as aspirações da coletividade, e com isso
solidifique uma imagem positiva junto aos seus diversos públicos – ou
stakeholders, como pretendem os estudiosos da administração. Atualmente, a
RSE é discutida nas principais economias do mundo e é praticamente impossível
separá-la do conceito de desenvolvimento sustentável. A cada dia mais e mais
empresas adotam a postura da responsabilidade social na gestão de seus
negócios; outrossim, a evolução dos meios de comunicação e a gradual elevação
da consciência crítica da população levam as empresas neste sentido, de forma
que ser socialmente responsável torna-se cada vez mais um fator de diferenciação
competitiva no mercado.
41 Algumas das maiores empresas brasileiras já aderiram aos princípios da RSE,
e há anos já colaboram para a mitigação dos problemas sociais brasileiros. A
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL incentiva diversos projetos em todo o Brasil
voltados, por exemplo, para a geração de renda em comunidades carentes,
inclusão digital e fomento ao empreendimento individual; a PETROBRÁS é notória
no patrocínio cultural, e também investe vastos recursos em programas de
preservação ambiental; o BRADESCO, que desde a década de 60 já mantém uma
fundação que proporciona ensino de alta qualidade para jovens carentes,
recentemente ingressou na área de implementação da inclusão digital, e o Grupo
VOTORANTIM investe em programas para a inclusão cultural de jovens
portadores de deficiência. Estes são poucos exemplos da inserção do
empresariado na mobilização social a que se lançou a sociedade civil brasileira
nos últimos anos. Conforme observa Ribas,
“As empresas privadas vêm demonstrando um crescente
interesse pela participação mais ativa e responsável na área
social. Pesquisas realizadas mostram um avanço na
consciência social do empresariado e revelam o crescimento
das iniciativas de utilização dos talentos, competências e
tecnologias das empresas para a solução de problemas
sociais” (Ribas, 2004, pág. 04).
É plausível que o consumidor escolha o produto de determinada empresa, e
não de outra, em razão de seu notório compromisso com o meio-ambiente ou com
patrocínio cultural, assim como poderá rechaçar uma marca por sabidamente
explorar a mão de obra de seus empregados ou usar métodos perigosos ou pouco
higiênicos em suas linhas de produção – ainda que estas hipóteses dependam
primeiramente de condições de igualdade de qualidade e preço. A tecnologia
aplicada à informação garante o seu acesso, e a visibilidade dos fatos, que como
já vimos é elemento fundamental ao exercício da democracia, dá à sociedade as
42 condições para uma escolha ponderada e responsável. E o que a sociedade exige,
cada vez mais, é o compromisso com a ética, a cidadania e a construção do bem
estar comum. A consciência coletiva ainda evolui, assim como os mecanismos
legais de controle das atividades empresariais, mas ainda chegará o dia em que
ser socialmente responsável será um fator decisivo para a permanência ou não de
uma empresa no mercado.
3.5 O chamado do Estado
Na esteira desse processo, de compartilhamento das responsabilidades
estatais com a sociedade civil, veio a tendência cada vez mais forte de busca do
Estado por uma maior aproximação com o cidadão. Se essa intervenção gentil
que vimos acaba abraçada pelo poder público, fica intrínseca a assunção por
parte deste da sua incapacidade de atender com qualidade e quantidade as
demandas da população. E esta, como resultado das suas sucessivas
demonstrações de insatisfação com o poder, vê aumentarem seus espaços de
participação na gestão pública, fenômeno alavancado pela evolução das
tecnologias aplicadas à comunicação. Desta forma, como elementos
indispensáveis que são para o exercício da cidadania e legitimação da democracia
representativa no Brasil, a transparência e a informação chegam a um número
cada vez maior de pessoas através da Internet. Explica o cientista da informação
Henrique Silveira (2001) que em cinco anos, a partir de 1990, a Internet chegou
mundialmente a 50 milhões de pessoas – marca que o rádio levou 38 para atingir,
e a televisão, 16 anos. Em termos gerais, mostrou-se o mais efetivo instrumento
de mídia já criado, muito embora não se possa esquecer seu caráter ainda elitista
em razão do custo de um computador e da razoável complexidade que há em lidar
com ele. Em todo caso, no aspecto que nos interessa neste estudo, tal ferramenta
veio ao encontro das aspirações democráticas da sociedade, pois está se
tornando um prático canal de acesso às informações e serviços públicos.
Segundo o sociólogo Manuel Castells,
43 “A Internet encerra um potencial extraordinário para a
expressão dos direitos dos cidadãos e a comunicação de
valores humanos. Certamente não pode substituir a
mudança social ou a reforma política. Contudo, ao nivelar
relativamente o terreno da manipulação simbólica, e ao
ampliar as fontes de comunicação, contribui de fato para a
democratização”. (CASTELLS, 2003, pág. 135)
O poder público tem efetivamente lançado mão desta ferramenta, na forma do
chamado e-gov – governo eletrônico. A iniciativa baseia-se na idéia de utilizar o
poder de penetração da Internet para tornar mais fácil acessível, simples e
cômodo a prestação de serviços de natureza estritamente pública e
compartilhamento de dados sobre a gestão governamental, colaborando para o
fortalecimento do processo democrático e promovendo a cidadania. Mas há ainda
outros valores agregados, visto que o uso da Internet permite também a economia
de recursos humanos e materiais, uma vez que possibilita a maior celeridade,
diversificação e extensão dos serviços prestados sem o concomitante aumento de
custo que normalmente seria demandado para este fim.
“O que se pretende com o Programa de Governo Eletrônico
brasileiro é a transformação das relações do Governo com
os cidadãos, empresas e também entre os órgãos do próprio
governo de forma a aprimorar a qualidade dos serviços
prestados; promover a interação com empresas e indústrias;
e fortalecer a participação cidadã por meio do acesso a
informação e a uma administração mais eficiente”
(www.governoeletronico.gov.br).
Neste espírito, diversas instituições públicas como a CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL, Previdência Social e Receita Federal tem disponibilizado em seus sites
informações acerca dos serviços prestados, documentos necessários, prazos de
44 atendimento, agendamento para atendimento presencial, etc. Portais como o
www.brasil.gov.br e www.transparencia.gov.br , e sites como o do senado federal
(www.senado.gov.br) e da presidência da república (www.planalto.gov.br) vem
buscando garantir a publicidade dos atos dos entes públicos, além de prestar
serviços, como o download gratuito de leis, decretos e demais atos administrativos.
As ouvidorias do Banco Central e agências reguladoras, por exemplo, também são
um simples e producente canal de exercício da cidadania pelo protesto contra
serviços públicos deficientes. O Programa Nacional de Gestão Pública –
GESPÚBLICA, criado em 2005, vem atuando no sentido de tornar a máquina
estatal mais competente e produtiva no atendimento às demandas e anseios
populares, assim como busca fomentar a cidadania possibilitando a qualquer
cidadão com CPF em situação regular inscrever-se no seu site
(www.gespublica.gov.br) em cursos on-line gratuitos sobre funcionamento e
gestão do poder público.
Se por um lado a tecnologia é aliada da cidadania enquanto ferramenta eficaz
na propagação da informação e disponibilização de serviços, por outro lado pode
também cumprir, num país de sérias desigualdades sociais como o nosso, um
triste papel segregador da população - entre os que tem e os que não tem acesso
à Internet. De acordo com dados do IBGE (2008), somente 34,8% da população
maior de 10 anos acessava a Internet; em cartilha sobre os desafios do e-gov, o
programa Governo Eletrônico aponta que em 2007 menos de 8% das pessoas
enquadradas nas classes D e E tinham acesso à rede, e pior: apenas 2%
possuíam computador. Desta forma, paralelamente à expansão da tecnologia no
setor público devem correr políticas públicas de inclusão digital.
É essencial trabalhar para criar mecanismos permanentes de informação e
interação, como a Carta de Serviços – instituída pelo Governo Federal, que
determina que os órgãos públicos devem produzir e divulgar documentos
explicitando seus serviços à disposição da população. Também é importante a
implementação do Programa Governo Eletrônico em todas as esferas do governo,
nos três poderes, como instrumento de fortalecimento da cidadania, mas é
45 igualmente importante garantir acesso à Internet à maioria da população, sob risco
de subverter o valor que a tecnologia pode agregar à administração pública. A
realidade social brasileira, infelizmente, propicia isso. Com milhões de miseráveis
e analfabetos, e com um sistema público de ensino antiquado e deficiente, a
evolução da tecnologia aplicada às relações de cidadania pode produzir um
estado de apartheid moderno, onde aqueles que não tem acesso à tecnologia, por
razões financeiras ou por deficiência de instrução, ficam alijados do processo
democrático de construção do bem estar comum.
46
CONCLUSÃO
O Brasil pretende-se, e é por direito, um país democrático, já que a democracia
representativa está cristalizada no texto na Constituição Federal. Mas se o Brasil é
gerido indiretamente pelo povo, o fato de ainda ser longínquo o sonho do bem
estar social demonstra que o exercício deste poder não está sendo efetivamente
levado a cabo. De fato, as mazelas que afligem a população e obstam o
desenvolvimento do país revelam que a idéia de outorga do poder pelo povo,
unicamente, não é suficiente para garantir a governança democrática. Se o ditado
popular diz que é o olho do dono que engorda o boi, tal princípio também aplica-se
para que os organismos públicos funcionem adequadamente e produzam os
efeitos dos quais a sociedade necessita. A população não pode acreditar que
basta delegar responsabilidades e virar as costas, aguardando as benesses
prometidas; é necessário entender, fiscalizar, mas antes de tudo preparar-se para
delegar poderes com sabedoria. É preciso, enfim, que cada brasileiro adote uma
postura de plena cidadania, assumindo-se como co-responsável pela coletividade,
e vendo o seu próprio bem como razão precípua dos poderes instituídos,
rompendo o espírito patriarcal e o distanciamento entre governo e governados,
que macula as relações políticas brasileiras desde o período colonial.
Se nossa história é permeada de autoritarismo, hoje os tempos são outros.
Desde o fim da ditadura militar vivemos nosso mais longo período sob a égide da
democracia, e a industrialização, a urbanização e o avanço tecnológico tem
produzido uma sociedade mais instruída e informada, portanto em melhores
condições de intervir positivamente no Estado, de forma a mantê-lo alinhado às
expectativas da população. A capacidade de organização e mobilização das ONG,
sindicatos, associações civis e movimentos sociais populares revela a crescente
politização da população, e a pressão exercida sobre o comportamento das
empresas demonstra a força da opinião pública. A informação é, sem dúvida, a
principal ferramenta a serviço do exercício da cidadania, e ela está cada vez mais
facilmente disponível, e mais poderosa ela será quanto melhor aparelhado
47 educacionalmente for o povo. Por isso é preciso garantir a educação de qualidade
estendida a toda a população, de forma a trazer para a luz do esclarecimento o
grande contingente de brasileiros que hoje estão relegados à alienação política.
A transparência na administração pública ainda deixa a desejar, porém
iniciativas como a do programa Governo eletrônico mostram que a pressão
exercida pelo engajamento da sociedade civil e a atuação da imprensa livre já
produzem conquistas. Por outro lado, também já impulsionam o Estado a buscar
melhorias em suas práticas, de forma a tornar-se mais eficiente e menos
burocrático, como atestam o GESPÚBLICA e a Carta de Serviços. A própria a
assunção do Estado, de que não pode prescindir do compartilhamento de
atribuições, demonstra que a sociedade também não pode negar seu papel de
fiscalizador e co-responsável pela administração do país. Como se vê, a cômoda
perspectiva de cidadania pelo pagamento de impostos, exercício do voto e posse
de direitos, discutida no segundo capítulo deste estudo, não poderá prevalecer
num país que se pretende democrático de fato. Se dos esforços empreendidos
pelo individuo dependerá a graça de sua existência, também dos esforços
empreendidos pela sociedade dependerá a sua qualidade de vida. E como se
falou tanto em educação neste texto, concluiremos propondo uma equação, que
de certa forma sintetiza o conteúdo deste estudo:
Informação x Educação + Cidadania ÷ Povo = Bem Estar Social
* * *
48
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negócios e a sociedade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2003.
• Programa Governo Eletrônico. Conheça o E-GOV. Texto disponível em: < http://www.governoeletronico.gov.br/o-gov.br> Acesso em 10/08/2010.
51
ANEXO I
Taxa de analfabetismo no Brasil em 2008 – IBGE. Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1233&
Taxa de mortalidade infantil no Brasil em 2008 – IBGE. Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1507&
52
ANEXO II
Taxa média anual de desemprego – IBGE
Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1598&id_pagina=1
Percentual da população Brasil em condição de Miséria – FGV. Disponível em
http://www.fgv.br/cps/Pesquisas/miseria_queda_grafico_clicavel/FLASH/
53
ANEXO III
Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1517
54
ANEXO IV
Disponíveis em
http://www.setip.salvador.ba.gov.br/palestras/Governo%20e%20Cidadania-Informa%C3%A7%C3%A3o%20ao%20Alcance%20da%20Popula%C3%A7%C3%A3o%
20-%20Rog%C3%A9rio%20Santana.pdf
55 ÍNDICE
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................Pág. 08
CAPÍTULO I
O PAPEL DO ESTADO E SEU FUNCIONAMENTO ................................................Pág. 10
1.1 A razão do Estado .............................................................................................Pág. 10
1.2 A tripartição do Estado ......................................................................................Pág. 11
1.3 As Medidas Provisórias .....................................................................................Pág. 13
1.4 O fortalecimento do Poder Judiciário ................................................................Pág. 15
CAPÍTULO II
A CIDADANIA E SUA HISTÓRIA NO BRASIL ..........................................................Pág. 18
2.1 Considerações inicias ........................................................................................Pág. 18
2.2 Período colonial ................................................................................................Pág. 19
2.3 Independência ..................................................................................................Pág. 22
2.4 República ..........................................................................................................Pág. 24
CAPÍTULO III
ESTADO E CIDADANIA ............................................................................................Pág. 29
3.1 A cidadania plena ..............................................................................................Pág. 29
3.2 A imprensa livre .................................................................................................Pág. 31
3.3 Educação e cidadania .......................................................................................Pág. 33
3.4 O Terceiro Setor ................................................................................................Pág. 36
3.5 O chamado do Estado .......................................................................................Pág. 42
CONCLUSÃO ............................................................................................................Pág. 46
BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................Pág. 48
ANEXOS ....................................................................................................................Pág. 51
ÍNDICE ......................................................................................................................Pág. 55
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