entre séries

Post on 23-Mar-2016

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fotografias, etc

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ignez capovillaentre séries

“Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos,

cheios de uma nova visão.”

Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

_introdução

“Me vejo no que vejo”

Com a fotografia pude exercitar o meu olhar e o dialogo com o cotidiano. Absorvi cada lugar, cada frame, e aqui apresento alguns encontros, luzes, paisagens e séries.

Se o enquadramento seleciona a paisagem e exclui todo o universo fora do quadro, a junção dessas paisagens, desses frames, geram acontecimentos simultâneos. Diferentes lugares passam a pertencer ao mesmo lugar, ao mesmo tempo, multiplicando o sentido da paisagem.

“Entre séries” é a uma seleção de imagens recombinadas, se não é possível voltar, recrio narrativas possíveis.

“Céu e chão eram um halo sem luz e sem peso. Dentro dele eu caminhava a lembrança de caminhar sem saber que caminhava. E caminhar uma lembrança é necessariamente já ter chegado a algum lugar, é necessariamente vol-tar. Mas voltar é também ir de novo para trás. Se eu cheguei a algum lu-gar e quero voltar, eu tenho que ir, ir de novo na direção do que já foi. Caminhar uma lembrança é gerar futuro no passado. Céu e chão, de onde e para onde as coisas vieram e voltarão. O restante são flores no jardim da memória.” (Cao Guimarães)

_ sobre encontros “Como cada um de nós era vários, já era muita gente. Uti-lizamos tudo que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante. Por que preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito. Para passarmos despercebidos. Para tornar imperceptível, não a nós mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar. E, finalmente, porque é agradável falar com todo mundo e dizer o sol nasce, quando todo mundo sabe que essa é apenas uma ma-neira de falar. Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao ponto em que já não tem mais qualquer importância dizer ou não dizer EU. Não somos mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus. Fomos ajudados, as-pirados, multiplicados.” (Deleuze)

O encontro é uma potência. Ponto de interseção criativo entre memorias, materiais, pessoas, livros ou paisagens. Conexões que podem despertar a imaginação e refletir consequências produtivas.

Numa exposição ou num filme, numa conversa de bar ou num seminário. As reações acontecem quando estamos pre-parados e abertos para permitir que essas ligações ac-onteçam.

Apropriar-se de uma ideia é multiplicar um pensamento, acrescentar sentido àquilo que se vê.

_sobre séries

Assim como a escrita, que costuma ter uma narra-tiva lógica, as séries apresentam observações con-tínuas sobre um mesmo assunto.

Recortes do mundo que se cristalizam e se des-fazem a cada instante, criando uma sequência, uma história. David Hockney usou a câmera fotográfica pra apresentar vários pontos de vista sobre um mesmo objeto/paisagem. Dizia que “com cinco fotos, você é forçado a olhar cinco vezes. Isso obriga a olhar mais cuidadosamente.”

Quando me distancio da câmera e me proponho a im-ergir nessas imagens é que descubro séries. Lado a lado, revivo o percurso, o calor, a cor e a luz daquele lugar, daquela hora.

É possível vagar por essas imagens e criar difer-entes formatos, montagens, multiplicar os senti-dos.

_sobre luzes

“A cidade impõe ganhar tempo. Andar depressa é esquecer rápido, re-ter apenas a informação útil no momento. Seria anamnese o antípoda da pressa, da velocidade? Em vez de acelerar mais, diferenciar: conservar varias temporalidades no mesmo tempo, simultaneidade de passado e presente, presente e futuro. Introduzir um intervalo – uma diferença – no ritmo das coisas, provocando uma sobreposição de andamentos.” (Nelson Brissac)

A luz revela a paisagem, o fotografo, artista ou pesqvuisador rev-ela a luz. Para que a luz se torne visível é preciso encontrar seu tom, seu enquadramento.

quando nada mais for preciso, quando a paisagem disser por sí, a fotografia aparece.

_sobre paisagem

“A paisagem vê. Em geral, qual grande escritor não soube criar esses seres de sensação que conservam em si a hora de uma dia, o grau do calor do momento? O percepto é a paisagem anterior ao homem, na ausência do homem. Mas em todos estes casos, por que dizer isso, já que a paisagem não é independente das supostas percepções dos personagens, e, por seu intermédio, das percepções e lembranças do autor? E como a cidade poderia ser sem homem ou antes dele, o espelho, sem a velha que nele se reflete, mesmo se ela não se mira nele? É o enigma (freqüentemente comentado) de Cézanne: “o homem ausente, mas inteiro na paisagem”. Os personagens não podem existir, e o autor só pode criá-los porque eles não percebem, mas entraram na paisagem e fazem eles mesmos parte do composto de sensações.” (Deleuze)

Vivemos assim: acumulando e esquecendo. Presenciando a saturação do instante, e é difícil dissolver essas camadas em memoria viva.

Na natureza encontramos a paisagem, potência presente que pode ser recortada, transformada, reconfigurada, e é lugar fértil para pensamentos e intervenções infinitas. A fotografia entra para permitir a convergência de nossas memo-rias e expectativas.

_considerações

A fotografia surge na procura de sentido, de for-malizar uma ideia, e sair da tendência ao acúmulo. Mas é, por si só, o próprio sentido. Pois retorna rebate, espelha, reflete. Se utiliza da materi-alidade do mundo.

Quando os segundos se misturam e todas as camadas tendem ao mesmo plano, a imagem aparece. Entre um lugar e outro, numa cidade, num campo, num plano, num quarto fechado. Numa tela totalmente preta, numa sala totalmente branca, num risco, numa ação, numa linha. Uma ideia é apenas uma ideia, interi-or. O exterior é o outro e conecta-lo é potência.

Não importa o lugar, e sim a experiência/ação gerada a partir do contato presente. Cada clique, um frame de segundo que escapa ao próximo, e ao próximo. Onde o instante nunca alcança a magia do presente, e a verdade absoluta não existe. O que resta são capturas de memórias, capítulos de pas-sados projetados para o futuro.

“Sonhamos então, nostálgicos, com um universo em que o homem, em vez de agir com tanta fúria sobre a aparência visível, se dedicasse a desfazer-se dessa aparência, não somente recusando qualquer ação sobre ela, mas desnudando-se o bastante para descobrir esse lugar secreto, dentro de nós mesmos, a partir do qual seria possível uma aventura humana de todo diferente.” (Jean Jenet)

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