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Perfil do DJ português Suarez

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73»noticiasmagazine 06.DEZ.2009

independenteCoração

TEXTOSarah Adamopoulos ¬ FOTOGRAFIABruno Grilo

Luís Soares,Suarez,vai tudo dar à mesma pessoa:um rapaz alentejanode 25 anos que nos idos de 1990 se ligou à cultura hip hop enquanto an-dava pelas ruas de Beja com os amigos a tentar perspectivar futurossem ter de «papar disto».¬ «Isto» é uma sociedade dominada pelos mo-delos americanos a que aponta o dedo,atribuindo-lhes as culpas pelo mal--estar da generalidade.¬ Uma voz, o vazio.¬Uma explicação para arevolta dos que não compreendem a que raio de mundo vieram parar.

PERFIL

DIZER AS VERDADESNum dos temas do disco agora disponibiliza-do na internet (e apenas), o músico diz pre-cisar de um «motivo que motive a sua vida»,um objectivo, coisa infelizmente comumnestes estes tempos desencantados, que a to-dos pesam, mas talvez mais (e com maiorgravidade e consequência) aos jovens. Diz--se (canta-se) desiludido, cansado da «falsi-dade e da hipocrisia» dos que olham para elecomo um «puto malcriado, um falhado ouum parasita». Alguns por vezes da mesmaidade, porém «de nariz empinado», apesarde entregues a vidas mornas, que na verdadenão escolheram – muitas vezes reproduto-ras de modelos comprovadamente gerado-res de disforias. Jovens tornados incapazesde correr riscos, muitos amedrontados pelotrabalho precário e pelos contratos sociaisque a era liberalíssima instituiu, negando-lhes as oportunidades – de realização pes-soal, de ascensão social, etc. Que vidas são es-tas? Não as escolhemos... Retrato duro masrealista, este que os temas de Suarez fazemdo país «vendido aos espanhóis» e reverenteperante uma União Europeia muito alheadadas questões da preservação identitária dasnações (onde Suarez não consegue venderdiscos cantados em português).

HIP HOP ACÚSTICOMas se já se sabia que o hip hop é desde osseus momentos fundadores uma cultura dereacção, usada pelos mais desfavorecidos edescontentes como arma de arremesso con-tra o que vai mal na sociedade, o trabalho deSuarez não deixa de surpreender, porquevem de um lugar português (o Alentejo) on-de, apesar de todas as resistências da histó-ria política e social recente, os cantares e osdizeres assentam essencialmente nas tradi-ções locais rurais, porque Suarez é um poe-ta, talentoso com as palavras que usa para fa-lar de assuntos mais vastos do que os do seubairro (ou, neste caso, da sua terra), assuntosque interessam a todos, e que ele expõe deforma crua mas sem perder a poesia, aquientendida como o encantamento, o sortilé-gio, que salva da amargura demasiada – só[lhe] restam as palavras para continuar, dizLuís Soares, que no entanto não se reclamanem rapper, nem poeta, nem escritor, masapenas um «gajo que escreve merdas con-soante o seu humor»; e, por fim, porque mu-sicalmente Blue Note é muito diferente doque estamos habituados a ouvir em matériade hip hop. Trata-se de um trabalho acústico,cheio de instrumentos e sonoridades ines-peradas que transformaram alguns dos te-

mas do disco anterior, Visão de Um Estranho[2007], noutra coisa, «num segundo filhomuito especial».

IDENTIDADES MUSICAIS Um filho que não é apenas diferente emtermos musicais, já que Blue Note foi feitono pressuposto verificadíssimo de que fa-zer um disco para vender é hoje em diauma ilusão cheia de amarguras para colhermais à frente. É nos concertos que um artis-ta pode esperar retorno financeiro, já queaos antigos compradores de música se su-cederam, como todos bem sabemos, osdownloaders – é esse o costume hoje inscri-to nos hábitos de consumo dos mais jovensem particular, para quem o acesso univer-sal e gratuito à música é um dado que a des-regulação do mercado discográfico trazidapela internet tornou adquirido. Assim pen-sou e melhor fez Suarez, que disponibili-zou na rede o seu trabalho para download.Mas apesar do desassombro, o músico ecompositor independente que canta con-tra as editoras e as rádios não se esquece delembrar aos interessados que um discocontinua a ser uma aventura dispendiosapara quem o faz e produz. Se a internet per-mite facilmente a cada um construir iden-

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tidades musicais, a verdade é que a ausên-cia de regulação em matéria de direitos deautor inibe a maior parte dos jovens auto-res de produzirem primeiros trabalhos – o que ameaça a construção das suas iden-tidades enquanto músicos.

PRETO NO BRANCO «Queres lançar um disco? Suporta cinco mileuros de estúdio, 1500 de publicidade eimagem, quinhentos de promoção, mil deduplicação (mil cópias) e tens a módicaquantia de oito mil euros como total. Sevenderes o teu disco a 15 euros, como será?

Vamos supor que para o teu disco estar nu-ma das FNAC a 15 euros terás de o vender auma distribuidora por quatro, para que elescoloquem três euros “por cima” e o estabe-lecimento mais cinco euros (sim, eles nãosão malucos), mais IVA menos IVA, temosum CD a 14,99 euros. Mas se o autor inves-tiu oito mil euros, por que motivo só tem umretorno de quatro mil. Isto se vender as milcópias. Escusado será dizer que vender milcópias, neste momento, é utópico, devido àpirataria e ao amigo do amigo ou ao CD doamigo do amigo.... Com tudo isto quero di-zer apenas que estou a assumir uma posi-ção de independência, como sempre fiz atéhoje, e se faço isto com o chamado amor àcamisola, sem ganhar dinheiro algum, por-que irei “enriquecer” outros? O meu novodisco, Blue Note, está ao dispor e à distânciade um clique, basta fazeres download e, seeventualmente quiseres contribuir, podesdepositar o que quiseres na minha contabancária, que eu agradeço.» Assim fezquem para sobreviver decidiu criar uma es-trutura própria, à semelhança de outrosmúsicos já reconhecidos que apenas na in-ternet vendem os seus discos, uma tomadade posição contra a cadeia de intermediá-rios que anteriormente monopolizavam ocomércio da música. Disponibilizado paradownload no passado dia 21 de Setembro,Blue Note está a ser extraordinariamentebem recebido, contabilizando-se uma mé-

dia de 150/200 downloads por dia. E tam-bém, pasme-se, depósitos de ouvintes es-crupulosos e gratos, que escolhem transfe-rir para a conta bancária de Suarez valoresdestinados a remunerar o autor.

«ONE LOVE»Mentor do grupo Movimento Clandestinoos Manos, com o qual deu os primeiros pas-sos ainda adolescente, Suarez começou portrabalhar com dois gravadores e cassetes,após o que, já nos anos de 2000, produziu,por exemplo, Projecto de Surra, Alémdotejo eRusga – com o selo da Covil, a produtora en-tretanto criada que pôs Beja na rota do hiphop nacional. Dotado para as cadências e pa-ra as rimas que definem o próprio hip hop,Luís Soares é um alentejano com convic-ções, atento aos movimentos do mundo eclaramente empenhado em fazer dele umlugar melhor: a «vida não é estranha, nós éque a estranhamos». Autor de temas simul-taneamente poéticos e percucientes, o mú-sico faz com Blue Note um corte com as for-mas mais tradicionais de rapper, mesclandoa soul, funk e blues com o rap, sempre o rap,claro. One love, a máxima que afirma o hiphop como um movimento que, ao invés doque muitos pensam, não se faz de violênciamas de amor ao próximo, qualquer que eleseja – amor ao outro, a música e a palavraaqui entendidas como forma de tocar o ou-tro no coração da sua humanidade.«

DISCOGRAFIAMovimento Clandestino Em o Poder do Verso 2002PDS Projecto de Surra 2004Colectânea Alémdotejo 2005Colectânea Rusga 2005Praso Cofre Nocturno 2005Zikler EP Eu Sou Isto 2006Visão de Um Estranho Suarez 20071 Música 1 Arma Sensei D 2007participação em Suarez Mãos de SenseiAlt e Paró Balho Biex & DJ Lois 2008 participação em Poder AmarBest Off – Compilação Rap 2009 participação em 100% Independente

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