dissertacao_ final_katia aparecida andrade coutinho
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomdico
Faculdade de Enfermagem
Katia Aparecida Andrade Coutinho
O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia
hipxico-isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a
enfermagem
Rio de Janeiro
2015
-
Katia Aparecida Andrade Coutinho
O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia hipxico-
isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a enfermagem
Dissertao apresentada, como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem,
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
rea de concentrao: Enfermagem, Sade e
Sociedade.
Orientadora: Prof. Dra. Sandra Teixeira de Arajo Pacheco
Rio de Janeiro
2015
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CATALOGAO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBB
Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta
dissertao, desde que citada a fonte.
________________________________________ _________________________
Assinatura Data
C871 Coutinho, Katia Aparecida Andrade.
O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia
hipxico-isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a
enfermagem / Katia Aparecida Andrade Coutinho. - 2015.
172 f.
Orientadora: Sandra Teixeira de Arajo Pacheco.
Dissertao (mestrado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Enfermagem.
1. Crianas deficientes. 2. Crianas Cuidado e higiene. 3. Cuidadores.
4. Famlia. 5. Enfermagem peditrica. 6. Hipxia-Isquemia Enceflica. I.
Pacheco, Sandra Teixeira de Arajo. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Ttulo.
CDU
614.253.5
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Katia Aparecida Andrade Coutinho
O cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia hipxico-
isqumica no contexto domiciliar: contribuies para a enfermagem
Dissertao apresentada, como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao
Programa de Ps-Graduao em Enfermagem,
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
rea de concentrao: Enfermagem, Sade e
Sociedade.
Aprovada em 16 de janeiro de 2015.
Banca Examinadora:
_________________________________________________
Prof. Dra. Sandra Teixeira de Arajo Pacheco (Orientadora)
Faculdade de Enfermagem - UERJ
__________________________________________________
Prof. Dra. Benedita Maria Rgo Deusdar Rodrigues
Faculdade de Enfermagem - UERJ
__________________________________________________
Prof. Dra. Liliane Faria da Silva
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro
2015
-
DEDICATRIA
Dedico esta dissertao aos meus filhos Felipe e Jlia, que souberam respeitar meus
momentos de dedicao s leituras, conviver com minha ausncia e, embora ainda crianas, me
incentivaram como gente grande.
Dedico tambm s famlias das CRIANES, que participaram desde estudo abrindo as
portas de suas casas, compartilhando suas histrias, sem as quais nada disto teria sido possvel.
Minha gratido ser eterna.
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AGRADECIMENTOS
Segundo os dicionrios, a gratido o ato de reconhecimento de uma pessoa por
algum que lhe prestou um benefcio, um auxlio, um favor etc. A gratido traz junto dela
uma srie de outros sentimentos, como amor, fidelidade, amizade e muito mais.
Em um contexto mais amplo, pode ser explicada tambm como recognio abrangente
pelas situaes e ddivas que a vida lhe proporcionou e ainda proporciona.
Neste sentido, sou grata...
Primeiramente a Deus, ser superior, de bondade infinita que me possibilitou, h anos
atrs, escolher a Enfermagem como profisso e dela viver e sobreviver, aprendendo e
apreendendo diariamente o verdadeiro sentido do cuidar.
Aos meus pais Moacyr e Ana por terem constantemente me estimulado tanto na vida
pessoal quanto profissional e pelo apoio incondicional em todas as minhas empreitadas.
A minha irm que no momento em que precisei, se disps a me ajudar de uma maneira
simples, mas extremamente valiosa.
Ao meu marido Milton, pela pacincia e compreenso devido as minhas ausncias
neste processo de dedicao ao estudo; e aos meus filhos Felipe e Jlia, pelo fato de, mesmo
ainda crianas, terem sido capazes de me oferecer o apoio necessrio nesta jornada.
A minha secretria Vilma, por cuidar da minha casa e dos meus filhos para que eu
pudesse me dedicar aos estudos.
A todos os professores do Programa de ps Graduao Strictu Sensu da Faculdade de
Enfermagem-UERJ, por partilharem seus saberes possibilitando, desta maneira, meu
crescimento profissional.
Aos Enfermeiros Rogrio Marques, Renata de Oliveira Maciel e Glria Regina Gomes
da Silva, respectivamente, Coordenador de Enfermagem, Chefe de Servio de Enfermagem da
Mulher e da Criana e Chefe da Unidade Neonatal do Hospital Universitrio Pedro Ernesto
UERJ, por possibilitarem minha liberao parcial para a realizao do curso de mestrado.
Aos meus colegas da Unidade Neonatal do HUPE, em especial s Enfermeiras
Angelina Maria Aparecida Alves e Ana Beatriz Miranda de Freitas, pelo incentivo
permanente e por compreenderem minhas ausncias.
Edna Pineda, grande companheira, que tantas vezes se disps a me ouvir falar das
visitas realizadas s casas das CRIANES e o quanto estas me impactaram, alm da grande
ajuda na hora certa.
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s Enfermeiras Michelle de Oliveira Guimares e Rosngela Barbosa, queridas
amigas, pelo estmulo quando participar da seleo para o mestrado era apenas um projeto de
vida e pelas trocas permanentes de nossas experincias profissionais.
Enfermeira Ana Paula Monteiro, pela colaborao nos trmites burocrticos.
Fonoaudiloga Renata Lobb, com quem partilhei minhas angstias acerca dos
cuidados das famlias s crianas portadoras de necessidades especiais de sade, quando o
mestrado nem era um projeto em minha vida, reforando o quanto importante trabalhar em
equipe.
s colegas que antecederam minha turma de mestrado, em especial, Mirian Carla
Rosse Dionsio, Ana Paula Rocha Gomes e Glaucia Ranquine pela demonstrao de
companheirismo ao compartilharem informaes otimizando, com isto, nosso tempo. Adoro
vocs!
Antnia Cylindro, colega de trabalho que como companheira de algumas disciplinas
(ela como doutoranda e eu como mestranda) nos conhecemos melhor e certamente iniciamos
uma duradoura amizade.
Tas Folgosa, minha companheira de orientaes, com quem dividi as ansiedades
tpicas desta trajetria e outras tantas. Espero poder contar com sua amizade para sempre!
s funcionrias da Secretaria do Programa de Ps-Graduao/Mestrado, Aime Luana
Rissi Paixo, Fabola Cardoso Santos e Glaucia Araripe de Paula Fonseca, por nos ajudarem
com pacincia, competncia e dedicao na resoluo de nossas demandas administrativas.
bibliotecria Krin Paz, pela presteza e competncia na correo do trabalho.
Aos familiares cuidadores das crianas portadoras de encefalopatia participantes do
estudo, agradeo por abrirem a porta de suas casas, dispensarem parte de seu tempo,
oportunizando-me, desta maneira, conhecer mais de perto suas realidades e assim ter a
possibilidade de ajudar outras famlias.
Aos Professores componentes da banca examinadora, Prof.a Dra. Liliane Faria da
Silva, Prof.a Dra. Benedita Maria Rgo Deusdar Rodrigues, Prof.
a Dra. Juliana Rezende
Montenegro Medeiros de Moraes e Prof.a Dra. Maria de Ftima Hasek Nogueira, pela
disponibilidade em ler o material apresentado desde a qualificao e partilharem seus saberes,
contribuindo de forma valiosa para a construo do material final.
querida Prof.a Dra. Benedita Maria Rgo Deusdar Rodrigues, Ben, como ela
prefere ser chamada e como respeitosamente conhecida no meio acadmico, quero
agradecer profundamente pela maneira gentil e carinhosa com que sempre teceu suas
observaes acerca deste trabalho, pela credibilidade que sempre depositou em mim e por
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no ter se deixado contaminar pela vaidade destrutiva muitas vezes vista entre aqueles que
possuem tantos ttulos e que, mesmo imbuda dos ttulos de que fez jus, mantm a docilidade
e simplicidade dos tempos em que fui sua aluna na graduao.
E, finalmente, mas com a importncia devida, sou grata a minha querida orientadora
Prof.a Dra. Sandra Teixeira de Arajo Pacheco, que de forma inteligente e brilhante me
iniciou no universo da pesquisa, conduzindo-me de forma magistral para a execuo deste
trabalho e, mesmo em meio as adversidades que s ELE sabe o porqu necessitamos delas,
me ofereceu seu exemplo de compromisso, responsabilidade, dedicao e amor ao que faz.
Agradeo muito por voc compartilhar seus conhecimentos e dedicar-se de maneira
to comprometida aos iniciantes na pesquisa; pela pacincia em nos conduzir, muitas vezes
quase nos carregando nos braos por este caminho to difcil, mas to fascinante que a
trajetria do pesquisador. Voc merece ser chamada de mestre!
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As tarefas que nos propomos, devem conter exigncias que paream ir alm de nossas foras.
Caso contrrio, no descobrimos nosso poder, nem conhecemos nossas energias escondidas e
assim deixamos de crescer.
Leonardo Boff
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RESUMO
COUTINHO, Katia Aparecida Andrade. O cuidado prestado pela famlia criana
portadora de encefalopatia hipxico-isqumica no contexto domiciliar: contribuies
para a enfermagem. 2015. 172f. Relatrio final da Dissertao (Mestrado em Enfermagem)
Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
Os avanos tecnolgicos ocorridos nas ltimas trs dcadas na rea da sade tm
garantido a sobrevivncia de crianas nascidas extremamente prematuras ou asfxicas, o que
acabou gerando as chamadas crianas com necessidades especiais de sade, dentre elas, as
portadoras de encefalopatia hipxico-isqumica. A encefalopatia acomete as crianas em
graus variados requerendo cuidados especficos, o que implica na incluso de suas famlias
nas aes de cuidados a criana quando no domiclio. Objeto de estudo: o cuidado prestado pela famlia criana portadora de encefalopatia hipxico-isqumica no contexto domiciliar. Objetivos: descrever as demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia no
domiclio, identificar as prticas de cuidados desenvolvidas pelos familiares cuidadores junto
a essas crianas e discutir os desafios determinados por esses cuidados para os familiares
cuidadores de criana com encefalopatia no domiclio. Metodologia: pesquisa qualitativa,
desenvolvida a partir do mtodo criativo sensvel, utilizando a dinmica corpo-saber no
domiclio de cinco grupos de familiares cuidadores, totalizando doze familiares. O perodo de
gerao dos dados ocorreu de fevereiro a abril de 2014. Os dados foram analisados a partir da
anlise de discurso, em sua corrente francesa, e interpretados luz da concepo freiriana, com destaque para os conceitos de crtica reflexiva, processo de conscientizao e educao dialgica e
o cuidado centrado na famlia. Resultados: as prticas de cuidados dos familiares apontaram
modificaes nos cuidados habituais de alimentao, higiene, desenvolvimento e
medicamentoso. Na prtica da alimentao, os familiares expressaram suas condutas frente
alimentao por via oral ou por gastrostomia e suas crenas e atitudes frente a essas prticas alimentares. Quanto higiene, revelaram a necessidade de adaptaes na prtica habitual do
banho. No que se refere aos cuidados voltados ao desenvolvimento, apontaram o lazer e as
brincadeiras como elementos adjuvantes ao favorecimento do desenvolvimento infantil. O
cuidado medicamentoso emergiu como parte do universo das famlias, apontando a
necessidade dos profissionais de sade, em especial, os da enfermagem, inclurem esta
temtica em suas pautas de orientaes. Quanto aos desafios vividos pelos familiares, esses
estiveram relacionados ao medo e a inexperincia no cuidar da criana, ao enfrentamento e a
aceitao da necessidade especial de sade, a necessidade de uma rede de solidariedade
cooperando nas dificuldades econmicas e ao atendimento em sade por diferentes
profissionais e especialidades. Concluso: as mltiplas dimenses de cuidados apresentadas
pelas crianas com necessidades especiais de sade apontam para o profissional de enfermagem a necessidade de desenvolver seu papel educador junto aos familiares pautado na
dialogicidade e horizontalidade facilitando, assim, a relao com os estes, em benefcio da
criana e promovendo a aproximao profissional/famlia, O estudo assinala a necessidade de
dos profissionais de sade, em especial, o enfermeiro, perceberem a famlia como um
elemento chave no processo de cuidar da criana com necessidades especiais de sade quando
no domiclio.
Palavras-chave: Criana com Deficincia. Cuidado da Criana. Cuidador. Famlia.
Enfermagem
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ABSTRACT
COUTINHO, Katia Aparecida Andrade. The care provided by the family to children with hypoxic-ischemic encephalopathy in the home context: contributions to nursing. 2015.
172f. Relatrio final da Dissertao (Mestrado em Enfermagem) Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
The technological advancements in the last three decades in health care have ensured
the survival of extremely premature infants or with asphyxia, which has led to what is called
children with special health care needs, among them, the carriers of hypoxic-ischemic
encephalopathy. Encephalopathy affects children in varying degrees requiring specific care,
which implies the inclusion of their families in child-care actions when at home. Object of
study: the care given by the family to children with hypoxic-ischemic in the home context.
Objectives: to describe the demands of care to child carrier of encephalopathy at home; to identify the care practices developed by family caregivers with these children and to discuss
the challenges determined by such care for family caregivers of children with encephalopathy
at home. Methodology: qualitative research, developed from the sensitive creative method,
using the dynamic body-know in the household of five groups of family caregivers,
amounting to twelve family members. The period of data generation occurred from February
to April 2014. Data were analyzed from the speech analysis, in its French chain, and
interpreted in the light of Freire's conception, especially the concepts of reflexive criticism,
awareness process and dialogical education and family-centered care. Results: family care
practices showed changes in usual care of feeding, hygiene, development and medical care. In
the practice of feeding, family members expressed their behavior in face of oral or gastrostomy feeding and their beliefs and attitudes about these eating habits. As for hygiene,
they revealed the need for adjustments in the bath usual practice. With regard to care aimed at
the development, they pointed leisure and play as adjuvant elements to favor the child
development. Medical care has emerged as part of the universe of the families, pointing to the
need for health professionals, in particular nursing professionals, to include this issue in their
agendas guidelines. On the challenges faced by families, these were related to fear and
inexperience in caring for the child, to coping and acceptance of special health need, the need
for a solidarity network cooperating in economic difficulties and in health care by different
professionals and specialties. Conclusion: the multiple dimensions of care presented by
children with special health care needs point to nursing professionals the need to develop their
educational role with relatives ruled in dialog and horizontality, thus facilitating the relationship with them, for the benefit of the child and promoting professional/family
approximation. This study points out the need for health professionals, especially nurses, to
realize the family as a key element in the care process to child with special health care needs
when at home.
Keywords: Children with Disabilities. Child Care. Caregiver. Family. Nursing.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares
criana portadora de necessidades especiais de sade ...............................
30
Quadro 2 - Descrio do planejamento e organizao da Dinmica de Criatividade e
Sensibilidade Corpo Saber .........................................................................
52
Quadro 3 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Davi ............................... 55
Quadro 4 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Ana ................................ 57
Quadro 5 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Eva ................................ 60
Quadro 6 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Ddimo .......................... 62
Quadro 7 - A famlia da criana portadora de encefalopatia Elisa .............................. 64
Quadro 8 - Universo temtico relacionado aos cuidados com o corpo cognoscvel
componente das demandas e prticas de cuidados das famlias de
crianas com encefalopatia hipxico isqumica.........................................
71
Quadro 9 - Universo temtico relacionado aos desafios impostos pelas demandas e
prticas de cuidados das famlias com as crianas portadoras de
encefalopatia hipxico isqumica...............................................................
129
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Fluxograma da operacionalizao do MCS ............................................... 49
Figura 2 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Elisa................ 76
Figura 3 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Ana................. 78
Figura 4 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Eva ................. 90
Figura 5 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Davi ............... 99
Figura 6 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Ddimo ........... 106
Figura 7 - Produo e fragmento da produo artstica da famlia de Elisa................ 112
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD Anlise de discurso
AGE cido graxo essencial
APGAR
ABRASCO
Parmetro utilizado na avaliao do recm nascido em sala de parto
Associao Brasileira de Sade Coletiva
BDENF Banco de Dados Bibliogrficos Especializada na rea de Enfermagem
BIREME Biblioteca Regional de Medicina
BPC Benefcio de Prestao continuada da Assistncia Social
BVS Biblioteca Virtual em Sade
CCF Cuidado Centrado na Famlia
CEP Comit de tica em Pesquisa
CONEP Comisso Nacional de tica em Pesquisa
CPAP(ingls) Presso positiva contnua na via area
CRIANES Criana com necessidade especial de sade
CSHCN Children with special healt care needs
DBP Displasia broncopulmonar
DCS Dinmica de Criatividade e Sensibilidade
DNM
IBGE
Disfuno neuromuscular
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IG
IPEA
Idade gestacional
Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada
LILACS Literatura Latini-Americana em Cincias de Sade
MCS Mtodo criativo sensvel
NES Necessidades especiais de sade
MS Ministrio da Sade
PC Paralisia cerebral
PNI
RIPSA
Programa nacional de imunizao
Rede Interagencial de Informaes para a Sade
SHI Sndrome hipxico-isqumica
SIM Sistema de informao sobre mortalidade
SINASC Sistema de informao sobre nascidos vivos
SMS/RJ Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro
-
SNC Sistema nervoso central
SVS Secretaria de Vigilncia em Sade
TCLE Termo de consentimento livre e esclarecido
TMI Taxa de mortalidade infantil
TMM5 Taxa de mortalidade entre menores de 5 anos
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UTIN Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal
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SUMRIO
CONSIDERAES INICIAIS ............................................................. 16
1 JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA ................................................... 26
1.1 As demandas de cuidados da criana da criana portadora de
encefalopatia hipxico isqumica ..........................................................
26
1.2 Localizando na literatura cientfica as prticas de cuidados dos
familiares s crianas com necessidades especiais de sade ...............
27
2 REFERENCIAL TERICO ................................................................. 34
2.1 Contribuies da concepo freireana para o cuidado familiar criana portadora de encefalopatia hipxico isqumica .....................
34
2.2 O cuidado centrado na famlia .............................................................. 38
3 ABORDAGEM E MTODO DE PESQUISA ..................................... 42
3.1 Tipo de Pesquisa e Mtodo .................................................................... 42
3.2 Participantes do estudo .......................................................................... 44
3.3 Procedimentos e estratgias de desenvolvimento da pesquisa ........... 46
3.4 Descrio do planejamento e implementao da DCS corpo saber ... 50
3.5 Aspectos ticos da pesquisa ................................................................... 53
3.6 Critrios para o encerramento do trabalho de campo ........................ 53
3.7 Perodo de produo de dados .............................................................. 54
3.8 Os familiares cuidadores de CRIANES portadoras de encefalopatia hipxico isqumica .................................................................................
54
3.8.1 Davi, sua famlia e suas condies de vida .............................................. 55
3.8.2 Ana, sua famlia e suas condies de vida ............................................... 57
3.8.3 Eva, sua famlia e suas condies de vida ................................................ 60
3.8.4 Ddimo, sua famlia e suas condies de vida .......................................... 62
3.8.5 Elisa, sua famlia e suas condies de vida .............................................. 64
4 ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS ................... 66
5 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ................ 71
5.1 Os cuidados cotidianos dos familiares junto s crianas com encefalopatia hipxico isqumica ..........................................................
71
5.1.1 A prtica de cuidados com a alimentao ................................................ 72
5.1.2 A prtica de cuidados com a higiene corporal ......................................... 88
5.1.3 A prtica de cuidados voltadas para o desenvolvimento da criana ..... 96
5.1.3.1 Estmulo ao desenvolvimento propriamente dito ..................................... 96
-
5.1.3.2 Estmulo ao desenvolvimento motor ........................................................ 98
5.1.3.3 Estmulo ao desenvolvimento cognitivo .................................................. 102
5.1.3.4 Estmulo ao desenvolvimento scio afetivo ............................................. 107
5.1.4 A prtica de cuidados medicamentosos .................................................... 118
5.2 Os desafios dos familiares no cuidar da criana com encefalopatia hipxico isquemica .................................................................................
129
5.2.1 O medo e a inexperincia no cuidar da criana ........................................
130
5.2.2 O enfrentamento e a aceitao da necessidade especial de sade............ 134
5.2.3 A rede de solidariedade ajudando a superar as dificuldades econmicas 144
5.2.4 O atendimento de sade por diferentes profissionais e diversas
especialidades ...........................................................................................
147
CONSIDERAES FINAIS ................................................................. 153
REFERNCIAS .................................................................................... 157
APNDICE A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............ 167
APNDICE B Instrumento de Entrevista Semi-Estruturada ............... 169
ANEXO - Aprovao do Comit de tica em Pesquisa........................... 171
-
16
CONSIDERAES INICIAIS
Aproximao com a temtica
A atuao como Enfermeira, prestando assistncia na rea da Sade da Criana em
instituies pblicas do Municpio do Rio de Janeiro, fez-me, ao longo de minha trajetria
profissional, buscar constantemente a qualificao necessria condio de enfermeira lder
de equipes.
Neste percurso, surgiu a docncia na rea da Sade da Criana, em uma Faculdade de
Enfermagem da rede privada, supervisionando acadmicos do 7 perodo em estgio
curricular, o que me proporcionou experincias variadas e enriquecedoras relacionadas ao
cuidado a esta clientela.
Nos ltimos anos, a atuao assistencial e docente em um hospital peditrico da
Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro possibilitou-me observar vrias mudanas
no perfil das crianas admitidas. A Unidade de Internao Clnica, onde sou responsvel pela
superviso dos acadmicos, atendia a uma clientela peditrica com patologias clnicas de
baixa complexidade e de especialidades diversas. Com o passar dos anos, diante dos avanos
tecnolgicos introduzidos na rea da sade, contribuindo para a sobrevivncia de crianas
com diversos diagnsticos, esta clientela foi sendo constituda por crianas com patologias
crnicas, muitas delas necessitando de tecnologias para suporte de vida.
Neste contexto, participei da trajetria de muitas famlias que acompanhavam a
hospitalizao de suas crianas por longos perodos ou vrias internaes durante o ano, e
sempre me sensibilizei com suas vivncias. Na maioria das vezes, as famlias eram
representadas pelas mes, muitas destas, mes de crianas portadoras de encefalopatias
decorrentes de causas variadas.
Durante a internao hospitalar, elas relatavam frequentemente que o diagnstico de
encefalopatia de seus filhos havia provocado alteraes no contexto familiar, as quais
precisaram se adaptar a fim de conviverem com essa nova realidade em suas vidas.
Percebia que o impacto nessas famlias causado por essa doena crnica e/ou
incapacitante era intenso e atingia-lhes social, econmica, fsica e emocionalmente.
Para cuidar dessa criana com necessidades especiais de sade (NES), essas mulheres
acabavam por no ter vida social, relacionada ao lazer, pois precisavam dedicar-se quase que
24 horas do dia a este filho. Esta dedicao criana, normalmente, gera um aumento na
-
17
carga de trabalho da me, pois as demandas so muitas e variadas, e fazem com que elas
deleguem aos familiares o cuidado com os outros filhos.
Quanto aos aspectos financeiros, a extensa e pesada demanda de cuidados dessas
crianas levava a maioria das mes a deixarem seus empregos, o que diminua a renda per
capita das famlias.
No que tange aos aspectos fsicos, era visvel o desgaste sofrido no decorrer dos anos,
pois as crianas cresciam, o nvel de dependncia aumentava, tornando o esforo fsico
demasiadamente grande.
Em relao s questes emocionais, pelo fato de precisarem apropriar-se de novos
saberes e prticas para cuidar de seus filhos, as mes acabavam se sentindo inseguras, com
dvidas e medo de prestar cuidados a estes, apontando para ns, profissionais de sade, a
necessidade de ajud-las a transpor essas barreiras.
Recentemente, j determinada a candidatar-me a uma vaga no Programa do Ps-
Graduao Strictu Sensu da Faculdade de Enfermagem UERJ, em nvel de Mestrado, cursei
a disciplina Tendncias do Cuidar/Cuidado: um enfoque centrado na famlia, na qual se
buscou discutir, dentre outros aspectos, a importncia do reconhecimento da famlia como
unidade de cuidado da enfermagem e a valorizao dessa no cuidado criana seja no
contexto hospitalar ou domiciliar.
Assim, a partir dessa trajetria profissional, senti-me motivada a desenvolver este
estudo dando voz s famlias acerca dos cuidados prestados aos seus filhos portadores de
encefalopatia quando no domiclio.
-
18
Contextualizando a problemtica do estudo
a) A criana com necessidades especiais de sade
Nos ltimos anos, inmeros esforos tm sido realizados no sentido de atribuir um
conceito que melhor identifique as vrias crianas que vivem em condies crnicas de sade,
bem como o impacto que esta clientela provoca nos servios de sade e de assistncia social.
(HOCKENBERRY; WILSON, 2011)
De acordo com os autores supracitados, crianas com necessidades especiais de sade
(CRIANES) so definidas como aquelas que apresentam ou esto em maior risco de
apresentarem dficit na condio fsica, de desenvolvimento, comportamental ou emocional,
alm de necessitarem dos servios de sade, especialmente os relacionados s especialidades,
em maior demanda que as exigidas pela maioria das crianas.
Cunha e Cabral (2001) retratam as dcadas de 80 e 90 como cruciais para o
surgimento desta clientela especial devido aos avanos tecnolgicos relativos a equipamentos,
medicamentos e tcnicas adotados nas Unidades Neonatais, objetivando a assistncia s
crianas nascidas com extrema prematuridade, muito baixo peso ou patologias congnitas
antes incompatveis com a vida, gerando uma clientela que elas denominaram de herdeiros
da terapia intensiva.
Nesta mesma linha de pensar, Almeida et al (2006) reforam que os investimentos
tecnolgicos relativos assistncia hospitalar provocaram o aumento da sobrevida de
pacientes graves e com doenas crnicas, o que contribuiu para o surgimento de outra
situao peculiar que a alta hospitalar, numa frequncia cada vez maior de pacientes de
todas as idades com sequelas e dependentes de cuidados temporrios ou permanentes.
Tal situao afeta no somente as crianas com necessidades especiais de sade em
razo das modificaes em suas vidas decorrentes dos cuidados especficos a que devem ser
submetidas mas tambm a famlia que ganha destaque como cuidadora principal, j que no
seio familiar podem ser observadas as principais alteraes de sade decorrentes do
diagnstico. Assim, a famlia deve participar do processo de cuidado desde a hospitalizao,
visto que a doena e a hospitalizao alteram a dinmica familiar, gerando o estresse que
-
19
permeia as relaes interpessoais, podendo at mesmo gerar uma crise entre os membros da
famlia (SILVEIRA; NEVES, 2011).
A singularidade e a complexidade dos cuidados de que necessitam apontam para a
equipe de sade e tambm para o familiar /cuidador das CRIANES os desafios no cuidar
destas crianas (NEVES; CABRAL, 2008a).
Rezende e Cabral (2010) assinalam que, no Brasil, as classes econmicas menos
favorecidas encontram-se mais expostas s doenas e agravos, pois possuem menos acessos s
aes de ateno primria e aos servios de sade, diminuindo, portanto, a probabilidade de
receber tratamentos essenciais e encaminhamentos a servios de nvel secundrio e tercirio.
Deste modo, a CRIANES, cuja famlia encontra-se nesta situao socioeconmica, est em
risco em funo de sua vulnerabilidade social, o que pode torn-la mais frgil clinicamente.
Neste contexto, percebe-se que as necessidades de sade dos indivduos envolvem um
conjunto de atributos que, presentes ou ausentes em suas vidas, influenciam de maneira direta
ou indireta em seu estado de sade. Tais necessidades dependem das condies de vida, do
acesso s tecnologias que melhoram ou prolongam a vida, do vnculo existente entre os
usurios das aes/servios e os profissionais de sade, alm do grau de autonomia de cada
indivduo na conduo da prpria vida (COLLET et al, 2012).
b) Aspectos epidemiolgicos das crianas com necessidades especiais de sade no Brasil e no
mundo
No Brasil, o Ministrio da Sade (MS), por meio do Sistema de Informao sobre
Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informao sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria
de Vigilncia em Sade (SVS), se responsabiliza pela coleta, anlise e divulgao de dados
relativos ao nascimento e sade da populao brasileira, e estes vm apresentando uma
progressiva tendncia queda relativa s taxas de mortalidade desde a metade da dcada de
1990 (HOCKENBERRY e WILSON, 2011).
A Rede Interagencial de Informaes para a Sade (RIPSA) concebida por grupo de
trabalho do qual fazem parte as principais estruturas do Ministrio da Sade, a Organizao
Pan-Americana da Sade e instituies-chave da poltica de informaes em sade no Pas
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE, Associao Brasileira de Sade
Coletiva - ABRASCO, Faculdade de Sade Pblica da USP e Instituto de Pesquisa e
Economia Aplicada - IPEA), apresenta os indicadores de mortalidade a partir de informaes
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organizadas pelo Sistema de Informaes sobre Nascidos Vivo (SINASC) e Sistema de
Informao sobre Mortalidade (SIM) (BRASIL, 2012).
De acordo com a RIPSA, a taxa de mortalidade entre menores de cinco anos (TMM5)
vem apresentando significativa queda com nmeros que variam de 53,7/1000 nascidos vivos
no ano de 1990, para 30,1/1000 nascidos vivos em 2000 e 17,7/1000 nascidos vivos em 2011.
A mesma fonte tambm informa uma progressiva queda nas taxas de mortalidade
infantil TMI (menores de 1 ano), que no ano de 1990 apresentava-se com 47,1/1000 nascidos
vivos, em 2000, 26,1/1000 nascidos vivos e em 2011 15,3/1000 nascidos vivos.
Estes dados tornam evidente o impacto causado pelos avanos tecnolgicos na rea
neonatal e peditrica apontado por Neves e Cabral (2009) como responsveis pelo
prolongamento da vida de crianas clinicamente frgeis, provocando o crescimento de
crianas sobreviventes com sequelas advindas da recuperao dos quadros agudos de doenas
e/ou do processo teraputico.
Para as autoras supracitadas, trs fatores contriburam de forma determinante para a
mudana no perfil da infncia brasileira. Primeiramente, a melhoria das condies ambientais
e nutricionais da populao infantil brasileira; a seguir, a implementao de programas,
estratgias e aes de sade direcionadas ao quadro de morbimortalidade infantil, como por
exemplo, o Programa Nacional de Imunizao (PNI) provocando impacto sobre a reduo das
doenas infecciosas e imunoprevinveis; e, por ltimo, a incorporao de novas tecnologias na
recuperao das doenas infantis por causas congnitas e adquiridas.
No Brasil, no h estatsticas oficiais sobre as crianas com necessidades especiais de
sade, porm dados resultantes de um estudo realizado no Municpio do Rio de Janeiro,
relativos ao perodo de 1994 a 1999, demonstraram que 74,2% das crianas egressas da
terapia intensiva neonatal necessitaram de terapia de longo prazo e 6,3% de 1.355 crianas da
terapia intensiva peditrica possuam algum tipo de necessidade especial de sade (CABRAL,
MORAES, SANTOS 2003; CABRAL et al., 2004).
Vernier e Cabral (2006) referem que, no Sul do Brasil (Santa Maria - RS), o ndice de
necessidades especiais atribudas a intercorrncias no perodo perinatal foi de 58,5%.
O estudo de Neves e Cabral (2008b) apontam as causas perinatais como origem da
necessidade especial de sade. Em seus estudos, as autoras referem que 58,5% dos
diagnsticos iniciais de crianas com necessidades especiais de sade se relacionaram s
causas perinatais, achados que coincidem com dados do Ministrio da Sade da mesma poca
que apontam que 57,5% das causas de internaes hospitalares, entre menores de cinco anos,
foram atribudas s afeces perinatais e malformaes congnitas.
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Assim, pode-se observar que a rpida evoluo da tecnologia referente a
medicamentos e equipamentos trouxe benefcios sade das crianas e gerou uma nova
clientela, denominada, em 1998, pelo Maternal and Health Children Bureau (EstadosUnidos),
de Children with Special Health Care Needs - CSHCN.
Essas crianas representam um grupo especfico da clientela peditrica, pois
demandam cuidados especiais de sade, seja de natureza temporria ou permanente, com uma
pluralidade de diagnsticos mdicos, dependncia contnua dos servios de sade e de
diferentes profissionais devido sua fragilidade clnica (NEVES; CABRAL, 2008b).
No Brasil, estudos tm apontado que um percentual de crianas egressas da terapia
intensiva peditrica pertence ao grupo de crianas com demandas de cuidado especiais
(CABRAL; MORAES; SANTOS, 2003; CABRAL et al, 2004).
Em pases desenvolvidos, esse panorama no diferente. O nmero de crianas
portadoras de necessidades especiais de sade crescente.
Nos Estados Unidos da Amrica, os avanos tecnolgicos tambm contriburam para o
aumento substancial da sobrevida dos recm-nascidos de extremo baixo peso e muito baixo
peso ao nascer. Como resposta a esta situao, observou-se uma estimativa de que 15 a 18%
das crianas americanas vivem com alguma doena crnica ou incapacitante, exigindo uma
demanda de cuidado especializado ou com uma magnitude superior geralmente requerida
pela maioria das crianas (HOCKENBERRY; WILSON, 2011).
Estes autores tambm afirmam que as doenas respiratrias, acompanhadas de
comprometimento da fala, sentidos especiais e inteligncia retratam as condies que mais
comumente causam incapacidade nas crianas americanas. Os transtornos mentais e do
sistema nervoso representam cerca de 1/6 de todas as incapacidades na infncia.
c) As necessidades especiais de sade da criana portadora de encefalopatia hipxico-
isqumica
Sendo o crebro responsvel pelo comando das funes fisiolgicas do nosso corpo
como respirao, controle das eliminaes, movimentos, pensamento e os sentidos, uma
agresso ainda que pequena nesta estrutura acarreta consequncias muitas vezes irreversveis.
A leso, dano ou disfuno do sistema nervoso central (SNC) que acomete
frequentemente crianas, no incio da vida e conhecida como paralisia cerebral, no deve ser
vista como uma doena, e sim, como uma condio mdica especial. Esta condio
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caracteriza-se como um termo coletivo para descrever as encefalopatias crnicas infantis no
progressivas.
Foi descrita pela primeira vez em 1843, sendo representada, principalmente, por
rigidez muscular, podendo ser relacionada s intercorrncias no parto. A expresso Paralisia
Cerebral (PC) foi sugerida por Freud, para se referir s crianas que apresentavam transtornos
motores leves, moderados ou severos, devido leso no sistema nervoso central. Embora seja
um distrbio no progressivo, as manifestaes clnicas evoluem com a maturao cerebral.
(ANDERS; SOUZA, 2008; SIMES et al, 2013)
A evoluo vertiginosa da neurologia, nos ltimos anos do sculo XX, trouxe novos
paradigmas teraputicos associados a novos compostos farmacolgicos, aumentando a
capacidade de diagnstico e interveno s crianas portadoras de distrbios desta ordem.
Atualmente, as doenas neurolgicas em crianas e adolescentes ocupam um espao
importante no grupo de patologias que acometem esta populao, gerando situao de
dependncia para a criana e a famlia, repercutindo significativamente nas demandas fsicas,
econmicas, sociais e emocionais (CARVALHO; BRITO, 2012).
As alteraes ocorridas nas estruturas cerebrais podem gerar grandes limitaes fsicas e
de desenvolvimento neuropsicomotor, transformando as crianas acometidas em indivduos
que apresentam incapacidades de ordem motora, limitao para o desempenho de atividades
que vo desde a simples movimentao ao relacionamento interpessoal (GODIM;
PINHEIRO; CARVALHO, 2009).
Autores como Kliegman et al (2006) referem que a encefalopatia na infncia pode ser
decorrente de variadas causas sendo consideradas como principais as decorrentes de fatores
pr-natais (prolapso de cordo umbilical, infeces uterinas etc.), perinatais (anxia
decorrente de parto prolongado ou prematuridade etc.) e ps-natais (acidentes vasculares,
intoxicaes, entre outros). Tal condio ocasiona distrbios na funo motora, de incio, na
primeira infncia, caracterizados por paralisias, espasticidade e/ou movimentos involuntrios
dos membros, anormalidades nos padres posturais, interferindo nas habilidades funcionais,
podendo estar associada a alteraes cognitivas, visuais, auditivas e distrbios da fala.
Desta forma, avalia-se que as leses neurolgicas desta ordem podem interferir de
maneira considervel na interao da criana em contextos relevantes, influenciando a
aquisio e o desempenho de marcos motores bsicos como rolar, sentar, engatinhar e andar, e
tambm atividades da rotina diria, como tomar banho, alimentar-se, vestir-se, locomover-se
em ambientes variados (MANCINI et al, 2004).
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Em razo de o crescimento e o desenvolvimento nas crianas serem considerados
processos que envolvem transformaes, aquisio de habilidades e competncias, alteraes
relacionadas a estes fatores deixam-nas vulnerveis em cada etapa de suas vidas.
Portanto, na perspectiva de atender s demandas de cuidados impostas por esta situao,
devemos considerar as peculiaridades de sade de cada fase do processo de crescimento e
desenvolvimento, alm das situaes existenciais concretas, que constituem as necessidades
de sade dos indivduos, que envolve a possibilidade de acesso e consumo de toda tecnologia
de sade capaz de melhorar e prolongar sua vida.
Com relao situao de doena crnica na infncia, por ser um fator que interfere
diretamente no desenvolvimento, impe limites s atividades dirias, cujas repercusses no
processo de crescimento e desenvolvimento afetam o cotidiano de todos os membros da
famlia, alm de requerer assistncia e seguimento por profissionais de sade de diversas
especialidades.
No que tange ao cuidado domiciliar criana portadora de encefalopatia, autores
afirmam que esta necessita de um cuidado diferenciado, pois apresenta limitaes no
desempenho das atividades da vida diria, como autocuidado, higiene, interao social,
precisando da ajuda de familiares cuidadores (DANTAS et al, 2012).
Godim, Pinheiro e Carvalho (2009) sinalizam que as famlias no esto preparadas para
o nascimento de uma criana que apresente alteraes fsicas e/ou mentais, pois as
expectativas esto voltadas para receber uma criana inteligente, produtiva, integrada e que
seja, acima de tudo, saudvel e perfeita fisicamente.
Para as autoras supracitadas, a notcia de uma criana com uma doena crnica ou
incapacitante recebida com perplexidade pelos pais e, posteriormente, por toda a famlia,
porm, Dantas et al (2012) afirmam que, na dinmica cotidiana, a famlia busca condio
para se readaptar e enfrentar a nova situao, com o objetivo de resgatar o bem-estar comum.
Cuidar de uma criana com o que se denomina padro de crescimento e de
desenvolvimento normal uma tarefa complexa e que necessita de tempo. No que se refere
criana portadora de encefalopatia, sentimentos e cuidados mais simples, esperados da me
para com seu filho, como olhar, segurar no colo, aliment-lo, podem ser geradores de intensa
dificuldade, tanto por limitaes desta, decorrentes das alteraes de tonicidade muscular,
como pelo transtorno emocional vivenciado pela me. A superao de tais sentimentos requer
mobilizao emocional da famlia para a aceitao do filho (DANTAS et al, 2010).
A dependncia de um cuidador para realizar atividades consideradas habituais como
higiene pessoal, alimentao ou caminhar notria, portanto, o cuidado a estas crianas torna-
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se mais difcil, principalmente em decorrncia das alteraes clnicas da disfuno, como
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, distrbios de movimento, linguagem, cognitivo
etc. Com o aumento da estatura, do peso da criana e o agravamento do quadro neurolgico,
as dificuldades para o cuidado, sobretudo, relacionadas locomoo, aumentam; no entanto,
com o passar do tempo, muitas famlias se adaptam a esta condio transformando estas
dificuldades em atividades de rotina (DANTAS et al, 2012).
De acordo com Godim, Pinheiro e Carvalho (2009), no que diz respeito ao cuidado s
crianas portadoras de encefalopatias, fica evidente a importncia da instrumentalizao dos
familiares cuidadores, uma vez que estas CRIANES trazem consigo necessidades de sade
com maior nvel de complexidade. O surgimento dessas necessidades reflete diretamente no
comportamento da famlia envolvida, devendo-se oferecer condies para minimizar as
consequncias malficas da patologia, objetivando a qualidade de vida da CRIANES.
A este respeito, para Barbosa, Balieiro e Pettengill (2012), a famlia de uma criana
portadora de necessidades especiais apresenta dificuldades para reconstruir metas e escolher
os caminhos para realizar os cuidados a seu filho com necessidades especiais de sade, pois
esta vivncia permeada pela ausncia de informaes e pelo distanciamento do profissional
de sade.
As autoras ainda referem que diante desta experincia algumas famlias superam o
desafio, enquanto outras apresentam maior dificuldade, no conseguindo reorganizar-se. Tal
condio pode ser evidenciada pelas demonstraes de desesperana, desnimo e cansao
diante da jornada imposta pelos cuidados com a criana, ameaando sua estrutura e sua
capacidade de reagir frente s situaes de crise.
Neste sentido, Neves e Cabral (2008b) apontam que as aes de sade devem incluir a
famlia cuidadora no planejamento dos cuidados, favorecendo a interao entre cuidadores e
profissionais, uma vez que eles precisam apreender diferentes saberes e prticas alheias ao seu
cotidiano. Nesse contexto, a equipe de enfermagem se constitui como mediadora desses
saberes e prticas, valorizando os aspectos scio-histrico-cultural e promovendo o
empoderamento da famlia cuidadora para o processo de cuidar de uma CRIANES por meio
da relao dialgica.
Portanto, o dilogo estabelecido entre os profissionais de sade e a famlia representa
um dos inmeros caminhos para negociar saberes e prticas sobre os cuidados s CRIANES e,
portanto, a prtica dialgica (eu-tu no dilogo) um instrumento de conscientizao e
cidadania, que implica dar voz ao outro, rompendo com a cultura do silncio, construindo
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saberes de modo que o outro que est em mim influencia e influenciado pelo contedo
scio- histrico- cultural e ideolgico que ele traz consigo (NEVES; CABRAL, 2008b).
Diante do exposto, delineou-se como objeto deste estudo: o cuidado prestado pela
famlia criana portadora de encefalopatia no contexto domiciliar.
Assim, pretendeu-se responder s seguintes questes norteadoras:
a) Quais as demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia no
domiclio?
b) Quais os cuidados realizados pelos familiares com a criana portadora de
encefalopatia no domiclio?
c) Quais os desafios dos familiares para cuidar da criana portadora de
encefalopatia no domiclio?
A fim de atender as questes acima, foram traados os seguintes objetivos:
a) Descrever as demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia no
domiclio;
b) Identificar as prticas de cuidados desenvolvidas pelos familiares cuidadores
junto a essas crianas;
c) Discutir os desafios determinados por esses cuidados para os familiares
cuidadores de criana portadora de encefalopatia no domiclio.
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1 JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA
1.1 As demandas de cuidados da criana portadora de encefalopatia hipxico isqumica
A sndrome hipxico-isqumica (SHI) consiste em uma doena multissistmica, com
acometimento generalizado, decorrente de significativa hipoperfuso tecidual e consequente
diminuio da oferta de oxignio relacionada s mais diversas etiologias (PROCIANOY;
SILVEIRA, 2001).
A injria ao feto ou ao recm-nascido, decorrente da falta de oxignio (hipoxemia)
e/ou falta de perfuso (isquemia), denominada como asfixia perinatal. Quando a asfixia
compromete a perfuso tecidual cerebral pela diminuio significativa da oferta de oxignio,
alterando o metabolismo celular aerbico para anaerbico, com consequente disfuno
mltipla de rgos e graves leses cerebrais manifestadas por convulses e outros sinais
neurolgicos, caracteriza-se a encefalopatia hipxico-isqumica (CRUZ; CECCON, 2010).
As ocorrncias perinatais, incluindo aquelas relacionadas s condies de parto e
nascimento, representam a causa principal para o surgimento da encefalopatia e consequente
necessidade especial de sade na criana (CABRAL et al, 2004).
Hockenberry e Wilson (2011) descrevem que os recm-nascidos so especialmente
vulnerveis leso cerebral principalmente por isquemia causada pela variao do fluxo
sanguneo cerebral decorrente da asfixia, tornando a paralisia cerebral um dos distrbios
neurolgicos mais comuns entre recm-nascidos a termo ou pr-termo que sofreram
encefalopatia hipxico-isqumica secundria asfixia perinatal.
As crianas portadoras de encefalopatia hipxico isqumica apresentam
hipertonicidade, dificuldades motoras finas e grossas, fraqueza motora, movimentos
desconexos, involuntrios, comprometimento da coordenao, dificuldade de deglutio,
atraso no desenvolvimento, comprometimento sensorial, convulses dentre outros
(HOCKENBERRY; WILSON, 2011).
Assim, como j descrito por Cabral (1998a), tais crianas representam um conjunto de
crianas que demandam cuidados especiais de sade. Estas demandas foram classificadas em
quatro tipos: cuidados tecnolgicos, habituais, de desenvolvimento e medicamentosos
(CABRAL et al, 2004).
Os cuidados de desenvolvimento so realizados junto s crianas que apresentam
algum tipo de disfuno neuromuscular (DNM) que necessitam de acompanhamento
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psicomotor; os cuidados habituais modificados dizem respeito ao conjunto de prticas
implementadas nas atividades da vida diria da criana associadas ao processo de cuidar
como, por exemplo: medidas antirrefluxo, higiene pessoal, alimentao, entre outros.
J os cuidados tecnolgicos so aqueles dispensados s crianas que necessitam de
algum tipo de tecnologia para sobreviver, tais como: oxigenoterapia, gastrostomia;
finalmente, no que se refere aos cuidados relacionados terapia medicamentosa, estes esto
dizem respeito administrao de medicamentos de maneira contnua ou prolongada no
domiclio pelos familiares cuidadores (CABRAL et al, 2004; NEVES, 2008).
Por terem maior possibilidade de adquirir doenas, apresentar distrbios nutricionais
(desnutrio) e dificuldades motoras, as crianas com encefalopatia podem apresentar vrias
demandas de cuidados, podendo variar entre os cuidados de desenvolvimento, cuidados
habituais modificados, cuidados tecnolgicos e cuidados medicamentosos ou, ainda, a
combinao de duas ou mais demandas.
Assim, entendendo que, no domiclio, cuidar da criana portadora de encefalopatia
representa uma tarefa complexa para a famlia, devido necessidade de ajuste nas demandas
associadas ao seu processo de cuidar (por exemplo: banho, alimentao, higiene, dentre
outros), penso ser relevante estudar as prticas de cuidado a essa criana a partir de seus
familiares.
Alm disso, no ambiente domiciliar que a famlia se depara com alguns desafios para
a realizao do cuidado, visto no contar com a presena constante de um profissional de
sade e, em especfico, o da enfermagem.
Particularmente no grupo de crianas com encefalopatia hipxico-isqumica, todas as
demandas de cuidado foram os focos desta investigao.
1.2 Localizando na literatura cientfica as prticas de cuidados dos familiares s
crianas com necessidades especiais de sade.
Em uma busca sistemtica por estudos que pudessem demonstrar o panorama atual das
pesquisas abordando a temtica das prticas de cuidados dos familiares junto s crianas com
necessidades especiais de sade, observou-se que a realizao deste estudo ainda justificava-
se pelo fato de haver escassez na literatura cientfica que abordasse o cuidado dos familiares
frente criana portadora de encefalopatia.
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Nos meses de janeiro e fevereiro de 2013, foi realizada uma pesquisa nas bases de
dados BIREME relacionadas s Cincias da Sade da Biblioteca Virtual em Sade BVS
(LILACS - Literatura Latino-Americana em Cincias de Sade e BDENF - Banco de Dados
Bibliogrficos Especializada na rea de Enfermagem do Brasil), com recorte temporal no
perodo de 2003 a 2012, em busca de publicaes nacionais, de estudos desenvolvidos por
enfermeiros ou outros profissionais de sade e que tivessem como foco de pesquisa as
prticas de cuidados dos familiares junto s crianas com necessidades especiais de sade e
que estivessem disponibilizados com o texto na ntegra.
Os descritores utilizados na busca foram: encefalopatia, crianas, famlia, cuidadores e
enfermagem peditrica. Ao combinar os descritores encefalopatia e crianas, encefalopatia e
famlia, encefalopatia e cuidadores e encefalopatia e enfermagem peditrica, nas bases de
dados mencionadas, foi encontrada apenas uma publicao, que tinha como foco as
dificuldades fsicas, emocionais e sociais envolvidas na relao familiar das crianas com
encefalopatias. Em funo do estudo no abordar as questes referentes ao cuidado dessa
criana, este no foi selecionado.
Optou-se ento por substituir o descritor encefalopatia por crianas com
deficincias e, assim, realizou-se nova busca com os descritores: crianas com deficincias,
famlia, cuidadores e enfermagem peditrica, combinados inicialmente em pares e,
posteriormente, em trios.
Com estes descritores foram encontradas 48 publicaes das quais 21 foram
inicialmente selecionadas como relevantes para o estudo, pois a partir da leitura dos resumos,
observou-se tratarem de questes relacionadas aos cuidados das crianas portadoras de
deficincias e suas famlias.
Foram excludas as publicaes repetidas nas duas bases de dados pesquisadas, as
indisponveis ao acesso, alm das produes do tipo estudo de caso, artigos de reflexo e de
reviso.
No banco de dados LILACS, usando o descritor crianas com deficincias e famlia,
foram captadas 21 produes, das quais foram excludas: um resumo de conferncia, sete
produes fora do recorte temporal estabelecido, uma tese que abordava a vivncia da me de
uma criana portadora de deficincia e uma tese com foco nas prticas de educao em
famlias de crianas com paralisia cerebral.
Para anlise, permaneceram 11 artigos que, pela leitura dos resumos, apresentavam
aderncia ao estudo. Dos 11 artigos selecionados, um tratava-se de artigo de reflexo e um
artigo de pesquisa do tipo estudo de caso. Portanto, nove produes foram analisadas e apenas
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dois estudos selecionados por terem sido desenvolvidos na perspectiva do cuidado prestado
pelo familiar criana portadora de necessidades especiais de sade.
Ao pesquisar os descritores crianas com deficincias e cuidadores, foram
encontrados um artigo e uma tese, ambos repetidos na busca anterior.
A busca pelos descritores crianas com deficincias e enfermagem peditrica
apontou quatro produes sendo uma tese que objetivava resgatar vivncia e experincias de
famlias de crianas portadoras de necessidades especiais de sade com foco na rede de
atendimento e, portanto, sem aderncia com o estudo, dois artigos repetidos na busca anterior
e uma publicao estrangeira, no restando publicaes para anlise.
Um artigo que j havia aparecido em outra busca emergiu quando utilizados os
descritores crianas com deficincias e famlia e cuidadores.
Para os descritores crianas com deficincias e famlia e enfermagem peditrica,
apareceu apenas uma dissertao cujo objetivo era revelar experincias e compreender a
vivncia de mes de filhos deficientes, estando, desta forma, em dissonncia com o foco do
estudo, alm de apresentar-se fora do recorte temporal.
J com os descritores crianas com deficincias e cuidadores e enfermagem
peditrica, puderam ser identificadas duas produes, sendo uma delas, uma tese, sem
aderncia com o estudo e j vista em busca anterior e um artigo selecionado anteriormente.
No banco de dados da BDENF, usando os descritores crianas com deficincias e
famlia, emergiram trs produes, sendo: um artigo de reflexo, que tinha aparecido em
outra busca, um estudo cujo foco foi a vivncia das mes de crianas portadoras de paralisia
cerebral e outro cujo objetivo foi a de compreenso das mes de crianas portadoras de
deficincias acerca do suporte social para atendimento de seu filhos; por isso, nenhuma
dessas produes foram selecionadas para o estudo.
Os descritores crianas com deficincias e cuidadores, crianas com deficincias e
enfermagem peditrica, crianas com deficincias e cuidadores e enfermagem peditrica,
crianas com deficincias e famlia e enfermagem peditrica apontaram uma publicao
cujo objetivo foi discutir os desafios impostos pelos cuidados especiais de sade aos
familiares cuidadores de CRIANES no contexto domiciliar e, desta forma, aderente ao estudo.
Assim, destacamos e apresentamos no Quadro 1 os estudos selecionados como
relevantes referente s produes cientficas relacionadas s prticas de cuidado dos
familiares criana portadora de necessidades especiais de sade que emergiram a partir dos
descritores: crianas com deficincias e famlia, crianas com deficincias e cuidadores e
criana com deficincia e enfermagem peditrica.
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Quadro1 - Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares criana portadora de necessidades especiais de sade
Brasil, 2003 2012 (continua)
AUTOR
TTULO
TIPO DE
PUBLICAO e
FONTE
OBJETIVOS DO
ESTUDO
RESULTADOS
CONCLUSO
GAIVA, M. A.
M; NEVES, A. de Q.;
SIQUEIRA, F.
M. G. de
O cuidado da criana com
espinha bfida pela famlia no domiclio.
Artigo.
Esc. Anna Nery Rev Enferm 2009
out-dez; 13 (4):
717-25
Descrever a experincia
das famlias que tm crianas portadoras de
Espinha Bfida no
cuidado cotidiano
O estudo revelou a condio de cronicidade
das crianas portadoras
desta m formao decorrente das sequelas e o
quanto esta situao
interfere no cotidiano das famlias em especial para
as mes, so as que
assumem os cuidados com a criana no domiclio.
O estudo conclui que para
as famlias, ter um filho portador de espinha bfida
um processo associado a
sofrimento e que a vivncia desta situao possui
padres de comportamento
semelhantes entre as famlias. As interferncias
no cotidiano das famlias
faz com que desenvolvam estratgias de auxlio dentro
e fora do lar para a
prestao dos cuidados. Refere necessidade de que
os profissionais de
enfermagem, assim como os demais profissionais de
sade, reflitam sobre novos
modelos de cuidar, centrados nas necessidades
das famlias.
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Quadro1 - Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares criana portadora de necessidades especiais de sade
Brasil, 2003 2012 (continuao)
NEVES, E. T.; CABRAL, I. E.
Cuidar de crianas com necessidades especiais de
sade: desafios para as
famlias e enfermagem peditrica
Artigo. Rev. eletrnica
enferm;11(3), set.
2009. ilus.
Descrever e discutir os desafios determinados
pelos cuidados especiais
de sade para as cuidadoras de CRIANES
no domiclio.
O estudo revelou a
natureza complexa dos
cuidados a uma criana
com necessidades
especiais de sade,
apontando a relevncia de
realiz-los embasadas por
saberes e prticas que no
fazem parte do cotidiano
das famlias. Em virtude
dos cuidados serem
intensos, constantes,
contnuos e complexos,
passam a serem fontes
geradoras de estresse e
opresso pessoa que os
realiza. Indicou tambm,
que por ser um cuidado de
sobrevivncia, as pessoas
responsveis pelo cuidado
sentem-se com um
compromisso afetivo e
moral na sua realizao.
O estudo aponta as
CRIANES como um grupo
emergente na rea da Sade
da Criana representando
um desafio para a
Enfermagem Peditrica.
Conclui que a incluso das
crianas e suas famlias na
assistncia de enfermagem
representa fator
fundamental possibilitando
enfermagem compartilhar
seus saberes e suas prticas
de cuidados cientficos,
buscando ampliar o poder
de negociao das mulheres
no cuidado s CRIANES
para alm do cuidado de
sobrevivncia.
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Quadro1- Produo cientfica relacionada s prticas de cuidados dos familiares criana portadora de necessidades especiais de sade
Brasil, 2003 2012 (concluso)
MATSUKURA, T. S.; SIME, M.
M.
Demandas e expectativas de famlias de crianas com
necessidades especiais: de
situaes do cotidiano aos tcnicos envolvidos no
tratamento
Artigo. Temas
desenvolv;16
(94):214-220, set.-out. 2008
Identificar as principais demandas e expectativas
de famlias de crianas
com necessidades especiais, relativas ao
enfrentamento do
cotidiano e aos profissionais envolvidos
no tratamento da criana.
O estudo apontou que as mes destas crianas
abdicaram do trabalho
formal e de sua vida social, em funo da
sobrecarga de trabalho
domstico decorrentes dos cuidados com a criana.
Tambm refere demandas
emocionais relativas aceitao da criana pela
prpria me, pela famlia e
pela sociedade.
O estudo refere a necessidade de reflexo a
cerca das possibilidades de
interveno com a famlia e tambm com a prpria
criana buscando o
enfrentamento da situao. Aponta tambm para a
necessidade de polticas
pblicas mais eficazes.
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33
Diante destes achados, observou-se que os estudos, na maioria, tiveram como sujeitos,
pais e familiares cuidadores.
Entretanto, estiveram centrados: na experincia e nas interferncias no cotidiano
familiar relativas ao cuidado; nas demandas, expectativas e desafios das famlias e cuidadores
de criana portadora de espinha bfida; e nas alteraes no cotidiano das famlias de crianas
portadoras de necessidades especiais, levando-as a desenvolver estratgias de auxlio para o
cuidado dentro e fora de casa. Sinalizam tambm as estratgias de enfrentamento das
dificuldades no cotidiano e o envolvimento dos pais/familiares com os filhos portadores de
necessidades especiais, alm de apresentarem as demandas emocionais relativas aceitao
da criana pela prpria me, pela famlia e pela sociedade.
Apenas um estudo trouxe as demandas de cuidados apresentadas pelas crianas com
necessidades especiais de sade, discutindo os desafios enfrentados pelos cuidadores na
realizao dos cuidados revelando a sua complexidade.
Portanto, diante do exposto, percebeu-se uma lacuna no que diz respeito ao cuidado da
famlia criana portadora de encefalopatia no contexto domiciliar, apontando, desta forma, a
relevncia e a justificativa para a realizao deste estudo.
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2 REFERENCIAL TERICO
Compreendendo que os familiares cuidadores de CRIANES portadoras de
encefalopatias adquirem novos saberes e prticas ao cuidar de sua criana, quando no
contexto domiciliar, e que a dialogicidade entre o profissional de sade e esses familiares
deve ser um dos caminhos para a negociao dessas prticas de cuidados, elegemos a
concepo freiriana com destaque para os conceitos de crtica-reflexiva, processo de
conscientizao e educao dialgica como suporte terico-filosfico deste estudo.
Alm disso, tambm entendemos que o encontro da concepo freiriana com o
cuidado centrado na famlia (CCF) deve articular-se como matrizes para um cuidado familiar
individualizado, pois acreditamos que a adoo de uma assistncia de enfermagem peditrica
pautada nos princpios do CCF deve estar alicerada na crena de que as necessidades
emocionais e de desenvolvimento da criana, bem como o bem-estar de toda a famlia, podem
ser alcanados de forma mais eficiente, quando os servios de sade ativam a capacidade da
famlia para atender s necessidades da criana, o que se d atravs de seu envolvimento no
planejamento dos cuidados (SHIELDS et al, 2009).
2.1 Contribuies da concepo Freiriana para o cuidado familiar criana portadora
de encefalopatia hipxico-isqumica.
De acordo com a teoria de Paulo Freire1, ensinar no transferir conhecimentos,
contedos, mas criar condies para a sua produo ou sua construo atravs de um processo
educativo baseado na dialogicidade. Ele ainda refere que no h educador sem educando e,
assim, reservadas as diferenas de cada uma das partes, ambos so sujeitos, no podendo ser
reduzidos a condio de objeto um do outro. O ensinamento e o aprendizado so recprocos.
1 Paulo Freire (1921-1997) foi um educador brasileiro que viveu um perodo difcil da histria do nosso pas,
permanecendo em exlio poltico na dcada de 60 (sc. XX) durante a ditadura militar. Freire surpreendeu seus
contemporneos com ideias inovadoras sobre o processo educativo, especialmente de adultos, na qual focou sua
obra. Em meados da dcada de 80 do sculo XX, passado o perodo de 16 anos de exlio, Paulo Freire retornou
ao Brasil, tendo seu trabalho mundialmente reconhecido, sendo considerado ainda hoje, um dos maiores
pensadores educacionais do sculo XX. (MIRANDA e BARROSO, 2004)
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Nesta forma de educar, Freire preconiza o respeito ao dilogo e a unio entre ao e
reflexo. Dessa forma, classifica esta pedagogia como instrumento de libertao do oprimido
(FREIRE, 2011a).
Assim, se o educador se coloca como sujeito formador do processo educativo e os
educandos como objetos, que necessitam ser formados, que recebem passivamente os
conhecimentos, ocorrer um esvaziamento da relao dialtica no processo de aprendizagem.
O educador v o educando como um ser vazio, que necessita de depsitos de
conhecimentos e, para Freire (2001), esta pedagogia tem uma perspectiva opressora, a qual
ele denominou de educao bancria. Esta forma de educar est pautada na verticalizao
da comunicao, contrariando o dilogo, servindo como instrumento de domesticao e
desumanizao.
Portanto, Freire defendia a educao como possibilidade de libertao dos homens,
porm, para que esta educao seja realmente prtica de liberdade, preciso que o homem
tenha conscincia da sua realidade; no uma conscincia ingnua em que ele faa um mero
reconhecimento da realidade sem uma insero crtica, sem transformao da realidade
objetiva, mas uma conscincia crtica da realidade, pois s o indivduo capaz de distanciar-
se do objeto para admir-lo, tornando a realidade objetiva e agindo conscientemente sobre ela
a partir da ao e reflexo ou prxis humana. Sendo assim, para que haja conscientizao, o
homem tem que ultrapassar a esfera de apreenso espontnea da realidade e chegar a uma
esfera crtica e isto no pode existir sem o ato ao-reflexo (FREIRE, 2013).
De acordo com Freire (2001), o nvel de conscincia crtica do homem ocorre em dois
momentos: primeiro chamado de codificao, no qual o homem parte de uma situao
existencial real, ou seja, de uma situao que faz parte da sua realidade. Ele ento se distancia
do objeto cognoscvel e, neste momento, educador e educando passam a refletir juntos, de
modo crtico, sobre o objeto que os mediatizam. Com a descodificao, que a substituio
da abstrao pela percepo crtica do concreto, o homem atinge um nvel crtico de
conhecimento.
Desta forma, a teoria freiriana tem como finalidade o desenvolvimento da conscincia
crtica, ocorrendo reflexo sobre a realidade a partir da dialtica reflexo-ao-reflexo, isto ,
o sujeito transita da tomada de conscincia para a tomada de deciso. Assim, a
conscientizao o desenvolvimento crtico da tomada de conscincia, na qual o indivduo
supera a viso ingnua da realidade, obtendo uma viso crtica, em que a realidade se d como
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objeto cognoscvel onde a pessoa assume uma posio epistemolgica, transformando-se em
sujeito, produzindo cultura e histria (FREIRE, 2001).
O entendimento de que o ser humano histrico e est submerso em condies
espao-temporais resume o pressuposto inicial de Freire. Nesta situao, quanto mais o
homem reflete de maneira crtica sobre sua existncia, mais ser influenciado e ter mais
liberdade. Esta filosofia se apoia em seis pressupostos que Freire denomina de ideias-fora.
(FREIRE, 2001, 2011b)
A primeira ideia-fora enfoca que toda ao educativa deve estar precedida de reflexo
sobre o homem e de uma anlise do meio de vida do educando, isto , a quem o educador quer
ajudar a educar. Relaciona-se reflexo do sujeito e diz que a educao para ser vlida deve
ter como ponto de partida o ser humano concreto e sua realidade concreta considerando sua
vocao ontolgica de sujeito de suas aes.
A segunda ideia refere-se reflexo do homem sobre a realidade concreta, afirmando
que quanto maior a reflexo, maior o comprometimento do homem com a mudana a partir de
uma atitude crtica. Desta forma, o homem torna-se sujeito pela reflexo sobre sua situao,
sobre seu ambiente concreto. Ocorre o estmulo tomada de conscincia e reflexo crtica,
acarretando mudana da realidade e possibilidade de libertao.
A terceira aponta a capacidade de discernimento e tomada de deciso do sujeito.
Atravs da integrao do homem com o seu contexto, haver a reflexo, o comprometimento,
construo de si mesmo e o ser sujeito. O homem, consciente da sua temporalidade e
historicidade, tem capacidade de discernimento, de reconhecer que existem realidades que lhe
so exteriores e, por este motivo, relaciona-se com a realidade e com outros seres. Portanto,
atravs dessas relaes o homem transforma-se em sujeito. O discernimento o leva a perceber
a realidade externa compreendendo-a como desafiadora. Atravs da reflexo, ao, crtica e
deciso, o homem responde a este desafio transformando a realidade, se constituindo como
homem integrado e no adaptado.
A quarta ideia-fora refere-se trajetria de vida do homem e a sua bagagem cultural.
A integrao do homem ao seu contexto de vida faz com que ele reflita e obtenha respostas
aos desafios apresentados criando, desta forma, cultura que, para Freire (2001), resulta de toda
atividade humana atravs do esforo criador e recriador do homem sobre a natureza.
Na quinta ideia, Freire revela que o homem criador de cultura e fazedor da histria,
pois, na medida em que tem o poder da criao e da deciso, as fases vo se formando e
reformando. Neste contexto, surge a historicidade e temporalidade do sujeito. O homem cria
sua histria a partir da captao de temas referentes sua poca podendo, com isto, cumprir
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tarefas referentes a estes temas. No entanto, ao surgirem novos temas e valores inditos, o
homem prope uma nova formulao questo e lana uma mudana nas atitudes e
comportamentos.
Finalmente, a sexta ideia-fora de Freire revela a inteno do pressuposto inicial, pois
aborda a educao como instrumento de liberdade que permite ao homem ser sujeito de sua
prpria histria, dando-lhe a possibilidade de constituir-se como pessoa, transformar o
mundo, estabelecer relaes de reciprocidade a fim de determinar sua cultura e sua histria.
Ao incorporar as ideias freirianas ao cotidiano da prtica educativa/cuidativa da
enfermagem, o profissional tem a possibilidade de transformar ou reconstruir saberes dentro
de um grupo que no possui o conhecimento tcnico cientfico a partir do estmulo ao
pensamento crtico e reflexivo, alm de apropriar-se dos conhecimentos provenientes do
universo comum (ALVIM; FERREIRA, 2007).
Logo, os conceitos de Freire podem ser entendidos como forma de compreender o
mundo, refletir sobre ele, transformando a realidade a partir de uma ao consciente,
colaborando de forma significativa na construo de uma educao reflexiva, crtica e
problematizadora na enfermagem, tendo como propulsor o dilogo (MIRANDA; BARROSO,
2004).
Os familiares cuidadores de CRIANES portadoras de encefalopatias necessitam
adquirir saberes e prticas distantes de suas realidades concretas devido necessidade de
estabelecer um novo modo de cuidar no contexto domiciliar. Sob esta tica, a enfermagem
torna-se mediadora desses saberes e prticas medida que consegue valorizar o contexto
scio-histrico-cultural das famlias destas CRIANES, possibilitando-as construir sua prpria
histria, no como objetos, mas como sujeitos protagonistas desse processo.
Acredita-se que a prtica educativa seja a fonte de transformao do ser humano em
sujeito de sua prpria histria e a teoria freiriana pode ser o veculo desta transformao
atravs da participao ativa dos sujeitos no processo ensino-aprendizagem.
Assim, utilizar as concepes filosficas de Freire como suporte para o processo
reflexivo decorrente da leitura do material emprico possibilitou compreender o modo de
cuidar desenvolvido pelas famlias de CRIANES portadoras de encefalopatia hipxico-
isqumica no contexto do domiclio.
Para isto, utilizaram-se os princpios contidos nas obras: Conscientizao: Teoria da
Libertao (Freire, 2001), Educao como Prtica de Liberdade (Freire, 2011a), Pedagogia da
Esperana Um Reencontro com a Teoria do Oprimido (Freire, 2011b), Pedagogia da
Autonomia (Freire, 2011c) e Pedagogia do Oprimido (Freire, 2013).
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2.2 O Cuidado Centrado na Famlia
H evidncias importantes de que antes da dcada de 1920 as enfermeiras prestavam
cuidados que levavam em considerao as necessidades sociais e psicolgicas das crianas
(CRUZ; NGELO, 2011).
Em meados de 1969 o termo cuidado centrado na famlia (CCF) comeou a ser
elaborado com o objetivo de definir a qualidade do cuidado hospitalar de acordo com a viso
dos pacientes e suas famlias, alm de discutir a autonomia dos pacientes frente s suas
necessidades de sade (PACHECO et al, 2013).
As autoras ainda referem que, inicialmente, o termo utilizado era medicina centrada no
paciente, que, posteriormente, evoluiu para cuidado centrado no paciente e em 1990 foi
includo o termo famlia, com o objetivo de melhor descrever a abordagem pretendida.
O CCF uma abordagem de assistncia que estende o cuidado famlia
reconhecendo-a tambm como cliente e assegurando a participao de todos no planejamento
das aes, revelando, deste modo, uma nova maneira de cuidar que oferece oportunidade para
que a prpria famlia defina seus problemas (BARBOSA; BALIEIRO; PETTENGILL, 2012).
A possibilidade dessa nova abordagem no cuidado surge ao mesmo tempo em que a
enfermagem compreende que o comportamento do ser humano, seja em condies de sade
ou de doena, influenciado por seu contexto cultural, social e histrico e portanto, a esse
modelo assistencial garante que o cuidado seja planejado em torno de toda a famlia, e no
somente da criana, sendo todos os membros reconhecidos como receptores de ateno
(MARCON; ELSEN, 1999; CRUZ; NGELO, 2011).
Diante desta perspectiva, as autoras supracitadas referem que a famlia passou a se
constituir em objeto de investigao, trabalho e, portanto, objeto de cuidado de enfermagem,
no se concebendo a partir deste enfoque, cuidar do indivduo (doente ou sadio) de forma
completa sem considerar o seu contexto mais prximo, que a famlia qual ele pertence,
pois vrios estudos demonstram que a famlia pode ser entendida tanto como geradora de
sade como de doena para seus membros.
Para Marcon e Elsen (1999), a sade dos indivduos possui estreita ligao com as
crenas, valores e relaes do sistema familiar, pois as concepes culturais, a estrutura social
e o ambiente em que vivem influenciam a sua percepo e vivncias acerca da sade e da
doena e suas necessidades de cuidados, logo, tal condio determina o modo de cuidar das
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famlias em relao a seus membros, pois possuem significaes de sade e doena e prticas
prprias de cuidar, originadas de seu contexto sociocultural.
Neste sentido, na anlise da relao entre sade e famlia, observa-se que com a
formao de uma nova famlia, seus membros transportam suas foras biolgicas e
emocionais, bem como suas vulnerabilidades, seus valores e hbitos referentes sade, sendo
o estado de sade de cada famlia nico e distinto (MARCON; ELSEN, 1999).
Sob esta tica de cuidado, alguns princpios importantes devem ser observados como:
reconhecer a famlia como algo constante na vida do indivduo, j que o sistema de sade
sofre modificaes peridicas; compreender que a famlia por possuir crenas, conhecimentos
e dispositivos pessoais tem a possibilidade de agir, utilizando diferentes mtodos para lidar
com as questes de sade nas quais esto envolvidas (PACHECO et al, 2013).
Para Pacheco et al (2013), nesta perspectiva de cuidar, h a necessidade de ter a
comunicao facilitada, manter a famlia informada, estimular o apoio interfamiliar,
valorizando, assim, a participao efetiva da famlia no cuidado, reconhecendo seu direito de
decidir e intervir em processos de sade e tambm rompendo com o paradigma da assistncia
centrada na patologia e no profissional.
O CCF beneficia todos os envolvidos: pacientes, famlias, profissionais de sade e
gestores j que os benefcios gerados so considerveis, estando cada vez mais ligado a
melhoras nos resultados de sade, tais como diminuio dos custos no cuidado em sade,
melhor distribuio de recursos, reduo de erros e processos mdicos, maior satisfao do
paciente, famlia e dos profissionais de sade em razo de seus princpios estarem cada vez
mais relacionados com a qualidade e a segurana do cuidado (JOHNSON; ABRAHAM;
SHELTON, 2009)
Cunha e Cabral (2001) descrevem que a prtica do CCF, em especial para a
enfermagem peditrica, requer do enfermeiro uma mudana no modelo assistencial, com
atitudes que priorizem as relaes e outros aspectos familiares como centro da vida da
criana, contemplando a famlia no seu plano de cuidados. Assim, torna-se imprescindvel
reconhecer que o CCF abrange uma diversidade de estruturas familiares, desenvolvendo
novas habilidades essenciais para a prtica do cuidado criana.
De acordo com Wernet e ngelo (2003), incluir a famlia no cuidar implica em estar
disponvel s interaes, ao impacto das vivncias, conhecendo as dinmicas, crenas, e
formas de adaptao a situaes diversas. Porm, apenas esta compreenso no suficiente
para possibilitar de fato o cuidado famlia, necessitando que o enfermeiro interaja com a
famlia e compartilhe suas vivncias.
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Na filosofia do CCF, a famlia includa como parceira na melhoria das prticas e do
sistema de cuidado de seus membros por se considerar que esta exerce influncia direta sobre
a sade do paciente. Pelo fato de a famlia ser considerada um elemento fundamental no
cuidado de seus membros, o isolamento social um fator de risco para os indivduos doentes
em especial para aqueles com maior grau de dependncia como as crianas e os portadores de
doenas crnicas (PINTO et. al, 2010).
Assim, Wernet e ngelo (2003) descrevem famlia como um grupo autoidentificado
de dois ou mais indivduos, cuja associao se caracteriza a partir de termos especiais, que
podem ou no estar relacionados consanguinidade ou linhas legais, cujo funcionamento faz
com que se considerem como tal, portanto, cuidar de famlia envolve a compreenso de que
ela quem ela diz ser.
As autoras apresentam outra definio para famlia a qual consiste em uma comunho
interpessoal de amor, cujo termo interpessoal refere-se interao de pessoas, comunho
representa o compromisso entre estas e, no amor, encontra-se a base desta associao
(WERNET; NGELO, 2003).
Ainda de acordo com Wernet e ngelo (2003), estas concepes de famlia retratam o
funcionamento e interao do sistema familiar no qual toda e qualquer vivncia poder
interferir e alterar o seu funcionamento, no entanto, esta sempre ir buscar uma forma de se
reestruturar a fim de dar continuidade aos seus ideais, sejam eles novos ou antigos. Com isto,
a famlia demonstra possuir capacidade de adaptabilidade frente s novas situaes.
Na perspectiva do CCF da criana portadora de encefalopatia, Milbrath et al (2012)
enfocam que o vir a ser famlia desta criana um processo delicado e complexo, que exige
de seus componentes um redimensionamento do seu modo de ser-no-mundo, e a adaptao
familiar s novas situaes depender das experincias prvias, crenas, valores de cada um
de seus integrantes, alm da influncia do espao que ocupam e dos papis que desempenham
no contexto familiar.
Milbrath et al (2012) ainda reforam que o processo de reorganizao do projeto
existencial da famlia imprescindvel para o desenvolvimento da criana, pois, de forma
organizada e consciente do seu papel como cuidadora, a famlia poder atender as
necessidades da criana, compreendendo-a como um ser no mundo em processo de
construo, tanto nos aspectos biolgicos como simblicos e que, portanto, necessita de amor
e cuidado para manifestar-se plenamente.
Neste processo de adaptao familiar sua nova condio, o profissional de sade
desempenha importante papel medida que estabelece uma relao prxima e contnua com a
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famlia e, por esta proximidade, consegue resgatar a essncia do cuidado integral para
enxergar as necessidades do outro considerando os aspectos sociais, culturais e afetivos.
Assim, o foco do cuidado no est centrado apenas no biolgico, mas amplia para a escuta
sensvel e o dilogo reflexivo. Pelo fato de a doena apresentar um prognstico obscuro, com
limitaes nas atividades de vida diria e dependncia, as famlias apresentam dificuldades na
realizao de cuidados que poderiam ser classificados como simples (DANTAS et al, 2012).
Dantas et al (2012) referem que, neste contexto, importante que a equipe de sade e
a famlia compreendam a criana para alm da sua deficincia e construam juntas uma
proposta de cuidado tendo, como fio norteador, o cuidado ampliado multidisciplinar.
Embora as famlias estejam cada vez mais participativas nos cuidados de sade de
seus membros, ainda no so vistas como clientes do cuidado pelos profissionais de
enfermagem e sim como um suporte em favor do indivduo doente, permanecendo margem
dos cuidados de sade e das tomadas de decises (MARCON; ELSEN, 1999).
Nesse sentido, Cruz e ngelo (2012) apontam que para a prtica prevalente da
abordagem de CCF em nosso meio, torna-se necessrio no s a mudana comportamental da
equipe, mas a transformao nos modelos que atualmente orientam a assistncia dos servios
de sade, abrangendo uma colaborao que reconhea o envolvimento da famlia como
central tambm no cuidado ao paciente. Para que o processo de mudana se estabelea,
inicialmente deve haver uma redefinio dos relacionamentos triviais empreendidos com as
famlias por parte dos profissionais de enfermagem de modo que tenham como alicerce a
parceria, a colaborao e a negociao.
notrio o benefcio do CCF para a famlia, para os profissionais de sade e, em
especial, para a criana que necessita do cuidado. Assim, compreender as mltiplas
experincias vividas pelos familiares cuidadores e identificar a partir de suas demandas as
possibilidades de ajud-los no manejo do cuidado no ambiente domiciliar um aspecto que
necessita sobressair nas pesquisas na rea de enfermagem peditrica. Desta forma, estes
profissionais sensibilizados podero aproximar-se das famlias entendendo-as tambm como
cliente do cuidado, fomentando uma prtica assistencial pautada nos conceitos do CCF no s
em mbito hospitalar, mas estendendo-se ao contexto domiciliar.
Diante do exposto e frente problemtica da criana portadora de encefalopatia, pode-
se afirmar que a abordagem do CCF um tipo de anlise que nomeia os familiares como
participantes ativos no desenvolvimento das vrias demandas de cuidados que estas
CRIANES apresentam no cenrio domiciliar.
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