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Fabiana Severi. Marcio H. Ponzilacqua. Cynthia Carneiro
(Organizadores)
Direitos Humanos em Ribeirão Preto - SP 2012
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
NAJURP/2012
Direitos Humanos em Ribeirão Preto - SP
2012: Relatório do Núcleo de Assessoria Jurídica
Popular da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
USP - NAJURP
FABIANA CRISTINA SEVERI; MARCIO HENRIQUE
PEREIRA PONZILACQUA; CYNTHIA SOARES CARNEIRO
(ORGANIZADORES)
1ª edição
Ribeirão Preto
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
2012
2
Direitos Humanos em Ribeirão Preto – 2012
Realização: Núcleo de Assessoria Jurídica Popular da FDRP/USP
Organizadores: Fabiana Cristina Severi (FDRP/USP). Márcio
Henrique Ponzilacqua (FDRP/USP). Cynthia Carneiro (FDRP-USP)
Colaboradores: Juliana Machado (Defensoria Pública do Estado de
São Paulo). Regina de Brito (SEAVIDAS-Ribeirão Preto). Natália
Trevillato (Delegacia da Mulher de Ribeirão Preto). José Marcelino de
Rezende Pinto (FFCLR/USP). Eliana Camolese (Secretaria de
Assistência Social de Ribeirão Preto). Cooperativa Mãos Dadas. José
de Jesus Filho (Pastoral Carcerária –SP). Grupo Seminário Gramsci.
Autores: André Luis Gomes Antonietto. Ana Cláudia Mauer dos
Santos. Bruna de Sillos. Bruna Salgado. Bruna Serra. Caroline Pereira
Dos Santos. Cinthia de Cassia Catoia. Danilo Donato Xavier. Eliana
Miki T. Nakamura. Gabriel Medeiros Caires. Graziela Prates Viol. Igor
Muniz. Jessica Satie Ishida. Juliana Rocco Nunes. Letícia Salomon
Sesso. Nádia Assis Batistteti Lima. Natália Gois. Raysa Masson
Benatti.
Edição: Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP
Diagramação: Bruna Serra. Caio Gracco Pinheiro Dias. Cinthia de
Cássia Catoia. Fabiana Cristina Severi.
Tiragem: 200 exemplares. Distribuição gratuita.
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular da FDRP/USP - NAJURP
Avenida Bandeirantes, 3900 – Monte Alegre – Ribeirão Preto – SP.
Campus USP – Avenida Professor Aymar Baptista do Prado, 835 –
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto. CEP: 14040-906
ISBN: 978-85-62593-06-2
Foto da Capa: André Luis Gomes Antonietto.
1ª edição, 2012.
163 páginas.
3
4
Sumário
Prefácio ................................................................................................... 6
Introdução ............................................................................................. 10
Acesso à justiça e defensoria pública na cidade de Ribeirão
Preto: uma conquista para comemorar e muitos desafios a serem
superados .............................................................................................. 14
Violência doméstica e contra a mulher em Ribeirão Preto:
conquistas e desafios ............................................................................ 21
Questionamentos e controvérsia acerca do instituto jurídico da
adoção internacional: efetivação do direito da criança e do
adolescente ou violação? ...................................................................... 44
O Sistema Prisional no Brasil e a violação de Direito
Fundamentais ........................................................................................ 62
Conselhos Municipais e participação democrática: uma análise
do Conselho Municipal de Educação em Ribeirão Preto ..................... 74
Plano Municipal de Educação de Ribeirão Preto, um trabalho em
vão?....................................................................................................... 84
Direitos, instituições e adolescentes em conflito com a lei: alguns
apontamentos ........................................................................................ 91
5
Cooperativas de reciclagem e a gestão de resíduos sólidos em
Ribeirão Preto ....................................................................................... 99
Direito à moradia e mobilização social: um breve panorama das
condições habitacionais em Ribeirão Preto ........................................ 115
Da forma à experiência democrática: uma descrição do quadro
geral dos conselhos populares existentes em Ribeirão Preto .............. 135
Reforma agrárioambiental na região de Ribeirão Preto ..................... 157
6
Prefácio
Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua
Por inúmeros influxos de correntes de pensamento que a
supunha imune aos contágios sociais, quer no âmbito da dogmática,
quer no âmbito da hermenêutica e até mesmo em certos segmentos da
sociologia, a ciência do direito acabou por subestimar, durante décadas,
a perspectiva social, interdisciplinar e crítica, que é um dos seus
elementos axiais e sua válvula de respiro e sobrevivência. As próprias
disciplinas propedêuticas, como a teoria do estado, a filosofia e a
sociologia, essenciais para a compreensão de tudo o que diz respeito à
norma e suas consequências sociais, foram preteridas na academia e na
prática dos operadores de direito.
Em outras palavras, sem uma constante atenção acerca dos
aspectos antropossociais das normas, elas perdem sua fecundidade e
sentido existencial. É necessário contemporizar, ao se analisar as
normas, como são criadas, os mecanismos de sociais intervenientes de
sua elaboração , promulgação e publicação, as disputas para “dizer o
direito”, o sentido e a clareza das normas, os sistemas de acesso à
justiça, sua democratização, as estruturas judiciárias e jurisprudenciais,
enfim, quantidade enorme e complexa de fatores intervenientes que
vão para além da norma posta e se encontram com suas raízes e destino
que é comunidade dos que participam daquele específico sistema de
direito. Ela, a comunidade, é força agregadora, mas também imbuída de
muitos paradoxos, é espaço especial de realização e conflito, de fusão
7
de interesses, tradições, tensões, disputas. É, ao lado da categoria
“indivíduo”, fundamental para o reconhecimento do direito em seus
diversos matizes e concreções histórias. Nela subjaz o sentido
metanormativo a que aponta a estrutura de pensamento jurídico. Na
comunidade deve se processar a dialogia para a obtenção de consensos
mínimos acerca dos valores fundamentais a alicerçarem todas as
relações recíprocas.
Tomás Morus, no início do século XVI, em seu clássico
“Utopia” já denunciava a insensatez e inocuidade de uma norma
desprovida de conexão com o substrato axiológico, e cuja linguagem
não fosse igualmente clara o suficiente para ser lida, conhecida e
interpretada por aqueles a ela subordinados, sem necessidade de
mediação.
Neste contexto é que deve ser entendido o presente projeto,
coordenado pela Professora Fabiana Severi. Compõe o núcleo de
propostas coletivas e metaindividuais que emergem e se consolidam
nos bons cursos da ciência do direito, que albergam o tripé essencial
para uma adequada formação acadêmica e profissional: o ensino, a
pesquisa científica e a extensão universitária. Na abordagem ora
apresentada subsistem os três: 1. uma orientação docente apurada de
novas abordagens científicas, em métodos igualmente participativos e
desbravadores, além de recorrer a práticas profissionais inovadoras, sob
a cuidadosa e eficiente supervisão da docente responsável, a professora
Fabiana, a quem devem ser especialmente creditados os méritos de
tutoria neste trabalho; 2. a pesquisa científica, que deflui como
8
elemento norteador dos relatórios ora apresentados – investigação
fundamental para o delineamento de cada tema; 3. a proposta de
estabelecer uma intersecção com os segmentos sociais de maior
vulnerabilidade, sem perder a consistência e o ponto de partida, ou seja,
de incrementar e aprimorar o ensino e a formação discente – que
qualifica o trabalho também no âmbito da cultura e extensão
universitária.
Várias consequências importantes resultam deste árduo e
meticuloso trabalho e implicam numa série de vantagens à academia,
aos alunos, aos profissionais envolvidos e, maiormente, à comunidade e
aos segmentos vulneráveis. À academia, sobretudo à Ciência do
Direito, proporciona novos ares, condutas inovadoras, prospectivas e
perspectivas inusitadas, a desafiarem os arcanos estabelecidos e a
fomentarem aquilo que é próprio da ciência, ou melhor, da boa ciência,
a saber: a suscetibilidade aos argumentos novos e à crítica, redundando
numa aprimoramento constante e na inovação, pela superação
paradigmática. Aos alunos, a possibilidade de descortinarem “novos
mundos” a conviverem com realidades desafiantes e a se indagarem
sobre a repercussão e implicações de sua formação jurídica, dotando-os
de sensibilidade especial aos problemas sociais de maior relevância e
urgência. É oportunidade para os profissionais se atualizarem,
dialogarem, aprimorarem conhecimentos e técnicas e também
crescerem em solicitude social. O fato de se buscarem um quadro
estatístico, com análises de dados acerca de uma importante região
administrativa, como é a de Ribeirão Preto, per si, justifica o trabalho
9
em favor da comunidade onde se insere. Todavia, o escopo vai além: as
próximas etapas do processo é servir de referência ou baliza, tanto para
a Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo,
como para todos os interessados, agentes públicos ou privados, outras
faculdades, operadores do direito, lideranças sociais. Vem de encontro
às reivindicações emergenciais e cogentes engendradas no tecido social.
Por essas e outras razões a serem descobertas ao longo da
leitura, recomendamos efusivamente o relatório, especialmente, por se
tratar de um instrumento profilático, como subsídios às políticas
públicas, além de se constituir um registro do empenho excepcional de
professores, alunos e alunas voluntários do curso de direito da FDRP –
USP, especialmente sensíveis aos desafios sociais, alguns apenas
ingressados no “novo mundo” da universidade - assombroso, sedutor e
exigente, com seus encantos e armadilhas. A eles, com sua exímia
orientadora, a Prof. Fabiana, nossa gratidão, especialmente pelo mérito
de nos fazerem ver que há muito a descortinar, de outridade, de verdade
e de sabedoria, para além de nossos horizontes cristalizados.
10
Introdução
Os relatórios de direitos humanos, originariamente, são um tipo
de mecanismo dos sistemas de proteção aos direitos humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU). Geralmente, eles são
realizados por relatores especialistas em determinados assuntos ou por
grupos de trabalho, com os propósitos de identificar casos ou situações
graves de violação a direitos ou subsidiar políticas de promoção e
proteção dos direitos humanos em determinados países ou regiões do
mundo.
A sistemática de elaboração de relatórios tem sido cada vez
mais incorporada como prática importante de uma multiplicidade de
organizações, associações, movimentos sociais e militantes das mais
variadas áreas para se buscar conhecer e, simultaneamente, denunciar a
situação dos direitos humanos em âmbito nacional, regional ou mesmo
local. Eles servem, portanto, para o registro de violações e para
apresentar reflexões teóricas ou políticas sobre a efetivação de direitos.
Muitos desses relatórios têm produzido impactos significativos
no que refere ao reconhecimento de demandas de amplos setores
sociais. É o caso, por exemplo, das lutas pela reforma agrária, pela
água, pela soberania alimentar, pelo direito à moradia e alimentação
adequadas, pela não-discriminação, por uma sociedade livre da
violência e pela educação pública e de qualidade. São temas que se
incorporaram às lutas gerais pela efetivação dos direitos humanos. Os
relatórios também colocam, por muitas vezes, em evidência o papel do
Estado como promotor e, simultaneamente, violador dos direitos que
11
ele próprio reconhece na lei. Mais ainda, os relatórios são expressão do
fortalecimento, em alguma medida, da capacidade de organização
social para o exercício do controle sobre o Estado.
É nesse contexto geral que gostaríamos de situar essa nossa
experiência de elaboração do primeiro Relatório de Direitos Humanos
do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto (NAJURP),
composto por professoras e professores, alunos e alunas do curso de
Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo (FDRP/USP).
Nós do NAJURP começamos a nos organizar no ano de 2011
para instituir, na jovem FDRP/USP, a atividade de assessoria jurídica
popular a pessoas, grupos e movimentos sociais da região de Ribeirão
Preto que lidam com demandas jurídicas de caráter coletivo e difuso e
violação de direitos humanos, seguindo inicialmente um modelo já
existente em muitas universidades brasileiras.
A formação dos primeiros grupos de assessorias jurídicas
populares no país deu-se dentro de um movimento que buscava integrar
extensão universitária comunitária com a reivindicação de
responsabilidade social para as universidades, em que se podia perceber
o interesse em se valorizar direitos comunitários, locais, populares e
mobilizá-los em favor das lutas das classes populares, confrontadas
tanto no meio rural como no meio urbano, com um direito oficial hostil
ou ineficaz.
A despeito da diversidade de experiências nesse campo, pode-
se afirmar que a maior parte das assessorias populares são realizadas
12
nos marcos da educação popular e dos direitos humanos, enfatizando a
abordagem dialógica de estudantes e grupos/movimentos sociais. São
também entendidas como orientação e suporte técnico jurídico a
hipossuficientes, como orientação, ou como processo jurídico-
educativo que pode, ou não, englobar atividades de assistência jurídica
no sentido tradicional. Nossa proposta tentará servir-se dessa rica
experiência de vários grupos já existentes e também construir sua
própria identidade e forma de articular ações em pesquisa, ensino e
extensão.
Esse relatório é o resultado de nossos primeiros passos para, de
um lado, poder conhecer a realidade de algumas das demandas e parte
de grupos e lideranças regionais. De outro lado, partilhar tais saberes
com a comunidade local e com nossos colegas da FDRP/USP e, por
essa via, tentar construir as nossas próximas formas de ação no grupo e
outros tipos de reflexões e práticas em favor da promoção de direitos
humanos na região.
Os trabalhos apresentados aqui refletem, em muito, vários dos
aspectos que são do próprio grupo que os elaborou. A diversidade de
temas demonstra o forte interesse por conhecer melhor uma região que
é, ambiguamente, conhecida pelos altos índices de riqueza e por graves
problemas e riscos ambientais decorrentes, em boa parte, dos próprios
processos que geram sua prosperidade econômica. O modo de
apresentação e de análise dos dados é expressão dos olhares ávidos pelo
desvelamento da realidade social, contraditória e dissimulada, dos pés
13
de principiantes no caminho da crítica social e do compromisso que se
desperta para a práxis jurídica libertária.
E, é com nossos erros e acertos, com as parcerias produzidas e
partilhas a serem realizadas é que marcamos, com a publicação deste
relatório, o início formal do NAJURP na FDRP/USP e esperamos que
esse seja o primeiro, de muitos outros!
Organizadores
14
Acesso à justiça e defensoria pública na cidade de
Ribeirão Preto: uma conquista para comemorar e muitos
desafios a serem superados
Bruna de Sillos
O acesso à justiça é um direito humano consagrado nas
principais cartas internacionais dos direitos humanos, entre elas, a
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) e a Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Há várias dimensões em que pode ser pensado o acesso à
justiça. Entre elas, estão: a garantia da igualdade constitucional de
acesso ao sistema judicial para resolver conflitos, a democratização da
relação da população com os órgãos judiciais, a busca pela efetividade
dos direitos humanos, a necessidade de respostas aos conflitos que
chegam ao sistema de administração da justiça a partir das demandas
dos mais fracos, e a melhoria das condições gerais do sistema de
administração da justiça para lidar com conflitos ligados a novos
direitos, sobretudo, de natureza coletiva e difusa.
Sob a óptica dos direitos humanos, o tema do acesso à justiça
tem sido tratado de modo a acentuar duas dessas dimensões acima
tratadas: o acesso à justiça dos pobres e minorias e a tutela dos direitos
coletivos e difusos a eles ligados. É nesse cenário de desafios que a
Defensoria Pública ganha destaque entre os vários atores do sistema de
administração da justiça brasileiro. Isso porque os defensores e
defensoras são responsáveis por traduzirem o conflito social, individual
15
ou coletivo, por demandas jurídicas ligadas a direitos fundamentais.
Para a garantia do acesso à justiça.
No estado de São Paulo em 1984, no governo de Franco
Montoro, foi pactuado um convênio com a OAB para dar assistência
judiciária à população carente, como uma solução transitória a grande
demanda apresentada por tal classe social. Até então tal assistência era
exercida pela procuradoria geral do estado, em seu núcleo de
procuradoria de assistência jurídica, sem que toda a demanda fosse
contemplada. Esse convênio enraizou-se na estrutura judiciária no
estado de São Paulo, uma vez que passou a ser fonte de renda
importante dos advogados dativos e a fortalecer o papel das chamadas
casas de apoio administradas pela OAB.
Posteriormente a constituição 1988 instituiu o órgão
“Defensoria Pública” como um dos atores indispensáveis à
concretização de uma ordem jurídica justa. Como enunciado pelo artigo
5 LXXIV - “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita
aos que comprovarem insuficiência de recursos;”. Da constituição
federal, se aposta na criação da defensoria um grande avanço em prol
de direito ao acesso à justiça. Por ser um órgão com preparo
organizacional, que atue não só em prol dos direitos das pessoas
economicamente carentes, mas também dos direitos difusos e coletivos.
De acordo também com a Constituição Federal, em seu artigo
134 o qual evidencia a essencialidade da defensoria pública como órgão
jurisdicional, o defensor é um servidor público assim devidamente
preparado e concursado, dessa forma a autonomia funcional e iniciativa
16
do defensor contribuí para que as defesas dos réus carentes sejam mais
efetivas.
O estado de São Paulo teve dificuldades para criar tal órgão,
uma vez que o convênio com a OAB se tornou de difícil dissolução,
principalmente porque transmitia a falsa impressão de suprimento da
demanda. Dessa forma juntamente com Goiás, Santa Catarina e o
Distrito Federal, São Paulo mantinha-se inerte à criação da defensoria
pública.
Em 2004 surgiram movimentos da sociedade civil e de alguns
procurados em prol da criação da defensoria pública. Um dos
entendimentos compartilhados pela maior parte dos grupos e
movimentos sociais que lutavam pela criação da Defensoria no estado
de São Paulo era o de que as demandas de categorias sociais
empobrecidas e grupos vulneráveis pela judicialização dos conflitos
envolvendo direitos coletivos e difusos não eram supridos pelo
convênio com a OAB.
Inúmeras manifestações foram desencadeadas internamente à
Procuradoria de Assistência Jurídica, e foram abarcados por ONGs e
por movimentos sociais. Como resultado de tal pressão social, em 2006,
foi criada a Defensoria Pública do estado de São Paulo pela Lei
complementar 988/06, mesmo enfrentando resistência de parte da
assembleia legislativa.
No inicio, a Defensoria foi criada com 400(quatrocentos)
cargos de defensores públicos, e havia o número estimado de 1800 (mil
e oitocentos) cargos de defensores para suprir toda a demanda
17
populacional do estado e de suas comarcas. Hoje, após seis anos de sua
criação, existem 500(quinhentos) cargos de defensores públicos, um
crescimento muito aquém do esperado. Elas estão espalhadas por 29
(vinte e nove) cidades. Só com esses dados, já é possível dizer que o
tripé da justiça encontra-se desigual, pois existem 2000 (dois mil)
cargos de juízes estaduais, 1800(mil e oitocentos) cargos para o
Ministério Público e 500(quinhentos) cargos para a Defensoria Pública.
Espera-se da Defensoria Pública maior iniciativa na proteção
dos direitos difusos e coletivos, como também é importante ressaltar a
maior possibilidade de resolução dos conflitos individuais por modos
alternativos de resolução de conflitos como a mediação e conciliação.
Em contrapartida no modelo terceirizado (convênios) a defesa ocorre
maneira judicial e em processos únicos. A Lei Orgânica da Defensoria
Pública (Lei n. 988/06) atribuiu funções para a defensoria, sempre
tomando como base direito dos mais necessitados, sem que isso
signifique qualquer forma de caridade por parte do Poder Público: a
Defensoria Pública visa garantir o direito humano, previsto
constitucionalmente, de democratização do acesso à justiça.
Ribeirão Preto é uma das cidades que conta com a Defensoria
Pública instalada desde 2006. Sua origem foi marcada pela atuação em
temas penais que se sobressaíram em relação aos civis.
No processo penal a defensoria já age automaticamente caso a
parte não constitua advogado para que ao réu não recaiam os efeitos da
revelia. Assim, não apenas os réus passaram a contar com uma defesa
mais efetiva, como também aumentou o número de processos enviados
18
aos tribunais superiores. Já no âmbito civil a defensoria de Ribeirão
Preto recebe a demanda populacional e os demandantes passam por
uma triagem econômica no qual são atendidas as pessoas que obtêm até
três salários mínimos por família.
Para ilustrar o enfoque da defensoria é válido ressaltar sua
estrutura. Ao todo, são trezes defensores em Ribeirão Preto, sendo que
quatro deles atuam nos processos penais (fase de conhecimento e de
execução), um na área de infância, juventude e idoso, e oito com toda a
área civil. A Defensoria se localiza em prédio próprio e é considerado
de fácil acesso, pois se localiza em uma área tradicionalmente
frequentada por aqueles que buscam órgãos do sistema de justiça.
Contudo ainda existem muitas pessoas que não apresentam condições
financeiras de pagar a passagem de ônibus, fazendo o trajeto do seu
bairro até a defensoria pública a pé. Ainda, sobre o acesso físico, não há
divulgação específica, e muitas pessoas tomam conhecimento sobre a
defensoria no órgão que ela foi previamente atendida, como por
exemplo, as delegacias.
Os temas mais recorrentes na defensoria pública de Ribeirão
Preto são os que envolvem causas individuais, de cunho privado, como
patrimoniais e família. Uma característica desse tipo de demanda é que
eles se esgotam no caso, sem promoverem revoluções sociais. As
demandas de cunho social (ligados a direitos sociais difusos e
coletivos) raramente aparecem e, quando isso acontece, elas são
tratadas como demandas individuais.
19
Dessa forma, podemos dizer que a criação da Defensoria
Pública em Ribeirão Preto foi uma enorme conquista em termos de
democratização do acesso ao poder judiciário de algumas categorias
específicas. Todavia, ainda é cedo para dizer que ela significa, na sua
prática cotidiana, uma conquista em termos de acesso à justiça,
sobretudo quando se consideram os direitos de dimensão coletiva e
difusa.
Podemos atribuir essa realidade a diversas causas, dentre elas
um reflexo da cultura jurídica, ou também a uma deficiência estrutural,
na qual os defensores estejam absorvidos por suas atuais funções. As
demandas sociais coletivas e difusas são existentes em Ribeirão Preto,
porém a opção político-jurídica seguida nessa cidade não possibilita o
devido atendimento por parte da defensoria pública a essas demandas.
Essa realidade é mais acentuada no interior paulista, pois na
Defensoria Pública da capital já existem núcleos especializados na
tutela de direitos humanos e de direitos difusos e coletivos. Nesses
núcleos além da defesa jurídica dos direitos humanos, há um processo
de educação em direitos, que não ocorre em Ribeirão Preto. Como uma
provável consequência disso não há na Defensoria Púbica de Ribeirão
Preto nenhum caso emblemático da atuação da Defensoria Pública na
efetivação de direitos humanos ou resolução de conflito de natureza
difusa ou coletiva.
Para que tal realidade aconteça também em Ribeirão Preto, há a
necessidade, por exemplo, de criação de cargos diferenciados na
estrutura da Defensoria, além da instalação de polos regionais os
20
núcleos especializados. Os mesmos temas que aparecem em São Paulo
capital poderiam, sem prejuízos, ser tratados em Ribeirão Preto, em
especial a defesa coletiva dos cidadãos carentes, como: habitação,
urbanismo, saúde, meio ambiente e defesa do consumidor. Para a
criação desses cargos ou Núcleos na Defensoria são necessárias
decisões políticas, como lei complementar que defina uma forma de
participação da defensoria no FAD (Fundo de Assistência do
Judiciário).
Assim, a criação da Defensoria é um passo para que haja um
acesso à justiça mais efetivo. Explicitado no artigo 5º inciso XXXV, o
acesso à justiça é um dos direitos humanos, e só será efetivo quando
houver uma defensoria que atenda a todas as demandas populacionais,
assim como todos os órgãos de jurisdição. Em Ribeirão Preto já houve
a criação da defensoria, no entanto nem todas as pessoas carentes
dispõem desse serviço, dessa forma ainda há muito para ser feito em
nosso município.
21
Violência doméstica e contra a mulher em Ribeirão
Preto: conquistas e desafios
Bruna Serra
Danilo Donato Xavier
Raysa Masson Benatti
O presente texto tem como objetivo geral apresentar algumas
instituições que trabalham na assessoria das questões de violência
doméstica e de gênero em Ribeirão Preto. Foram reunidos aqui dados
gerais sobre tais instituições como: estruturação e forma de
administração, como agem, qual é o tempo para uma assessoria
completa das vítimas, de que instrumentos se utilizam, em quais outras
instituições se apoiam, de que recursos se utilizam para garantir os
direitos das vítimas, qual é o seu desempenho, bem como dados
estatísticos sobre a demanda de casos dentro do município de Ribeirão,
perfil das vítimas de violência doméstica e de gênero, quais tipos de
violência são recorrentes, entre outras informações essenciais para a
orientação inicial daquele que se interessa pelas questões de
atendimento/atividade direta com as vítimas de violência (prática).
Espera-se que tais dados possam ser úteis para a criação de
mecanismos de monitoramento e avaliação dos grupos em vista, para
conhecer a realidade local e, quem sabe, dar início à análise e criação
de políticas públicas para desenvolver e aperfeiçoar essa realidade.
22
Antes de dar início à apresentação dos dados, faz-se necessário
lembrar que a violência contra a mulher se dá em um “contexto
complexo, onde estão em jogo, atravessando as pessoas em cena, a
realidade externa, a cultura, os fluxos, as forças inconscientes,
fantasias, traumas, desejos de vida, desejos de destruição – morte”1.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência
como:
o uso intencional da força física ou do poder, real
ou em ameaça, contra si próprio, contra outra
pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade,
que resulte ou tenha possibilidade de resultar em
lesão, morte, dano psicológico, deficiência de
desenvolvimento ou privação.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará/ONU
considera como violência contra a mulher "todo ato baseado no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à
mulher, tanto na esfera pública como privada".
Para acessar a complexidade desta violência, é preciso
desvendar suas estruturas e seus mecanismos a partir da perspectiva de
gênero. Nesse sentido, entenda-se gênero como uma construção
histórica e sociocultural que atribui papéis rígidos de função e
comportamento aos sexos - por exemplo, às mulheres: o feminino e,
diretamente ligado a esse, a passividade, a fragilidade, a emoção, a
1 PORTO, Madge. Intervenção psicológica em abrigo para mulheres em
situação de violência: uma experiência. Psic.: Teor. e Pesq. vol.24 no. 3
Brasília July/Sept. 2008, p. 4.
23
submissão; aos homens: o masculino, a atividade, a força, a
racionalidade, a dominação –, como se fossem atributos naturais ou
biológicos. A dimensão de gênero torna-se ainda mais importante para
entender que a violência sexual não se restringe unicamente às
mulheres e aos adolescentes. É, antes, um impulso agressivo
fundamentado num modelo que estrutura as relações de gênero
enquanto relações de poder, implicando uma usurpação do corpo do
outro, e que se configura, em geral, entre homens e mulheres, mas não
exclusivamente.
As mulheres, no presente trabalho, serão entendidas como as
principais destinatárias da violência por se encontrarem em situação de
maior vulnerabilidade do ato agressivo. Todavia, é bom lembrar que
não são as únicas (homens, crianças, adolescentes, idosos, deficientes,
gays, bissexuais, pessoas em situação de cárcere e dependentes
químicos são somente alguns exemplos frente à imensa esfera de
indivíduos que podem estar em situação de vulnerabilidade) e, por isso,
a importância da denominação violência de gênero, o que traz a
necessidade de foco, mas não de exclusividade em tal tema.
A violência pode se manifestar de várias maneiras entre as
pessoas, sendo sempre uma forma de abuso de poder. A violência
doméstica seria a prática de atos violentos e desrespeitosos, nas
relações entre cônjuges, pais e filhos ou de filhos com seus pais idosos,
nos espaços de convivência familiar, gerando medo e danos à saúde
física e psicológica.
24
Os principais tipos de violência doméstica e de gênero são: a)
abuso físico (sinais no corpo sugestivos de atos violentos, com uso da
força física ou agressão com objetos, arranhaduras, hematomas, marcas
na pele, lesões, traumas, ferimentos, queimaduras, mutilações entre
outros); b) abuso sexual (ato ou jogo sexual que visa estimular ou
utilizar pessoas sem condições de discernimento (crianças, deficientes
ou idosos) para obtenção de excitação sexual ou realização de práticas
eróticas impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças;
c) abuso psicológico (prática de discriminação, depreciação, rejeição,
desrespeito, humilhação, ameaça de violência ou abandono; d)
abandono (considerado como manifestação extrema de negligência,
como por exemplo, a desproteção por ausência dos pais ou cuidadores e
a moradia na rua; e) negligência (relato ou evidência de omissões de
cuidados, em pessoas dependentes de medicamentos, privações de
atendimentos (médicos, psicológicos, sociais), reabilitação, descuido
com a higiene, com a proteção (frio, calor, perigo), não provimento de
estímulos ou contato social; f) confinamento (imposição de privação de
liberdade) g) exploração financeira e econômica (apropriação de bens
ou rendas ou utilização da imagem ou do corpo da pessoa em condições
de dependência (física, social ou psicológica)
A década de 1980 foi marcada, no Brasil, pela implantação das
primeiras delegacias especializadas de atendimento à mulher – DEAM2.
Posteriormente, vieram as casas-abrigo, na década de 90, e, mais
2 CAMARGO, Márcia. Novas políticas públicas de combate à violência. São
Paulo: Perseu Abramo, 1998.
25
recentemente, os centros de referência. Contudo, parece que essas
políticas foram surgindo de uma forma evolutiva, ou seja, uma
experiência levava à constatação de que algo mais era necessário.
As políticas para a saúde da mulher, também defendidas como
direitos, começavam a aparecer como uma necessidade urgente. O
Programa de Atendimento Integral à Mulher – PAISM foi criado em
1983 e em 2004 houve a publicação, realizada pelo Ministério da
Saúde, da política nacional de atenção integral à saúde da mulher que
apresenta, de forma atualizada e ampliada, diretrizes já apontadas pelo
PAISM.
Porto (2002) apresenta as ações, propostas por gestores/as
municipais, para um atendimento mais qualificado às mulheres em
situação de violência no Sistema de Único de Saúde - SUS. Entretanto,
essas propostas são entendidas e discutidas num contexto de relação
estreita entre a gestão municipal e o movimento feminista, reforçando a
ideia de que as questões referentes às repercussões da violência na
saúde da mulher fossem um problema das feministas e não um
problema de saúde pública e de qualidade de vida que não se restringe
apenas às mulheres3.
A trajetória do movimento feminista promoveu a construção de
políticas de inclusão e valorização das mulheres, culminando no início
do Século XXI, no Brasil, com a criação da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres – SPM; a realização, em 2004, da I
Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres; e, por fim, o Plano
3 PORTO, Madge. op. cit.
26
Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) – fruto dessa
conferência e que agora serve de documento básico para a
implementação dessas políticas específicas. O PNPM apresenta como
estratégia de proteção às mulheres e consolidação das políticas públicas
de enfrentamento à violência o estabelecimento de redes de cidadania e
parcerias.
Assim, as políticas foram sendo implementadas
sucessivamente, avaliadas, reformuladas e, nesse processo, a noção de
trabalho em rede começou a aparecer como um princípio fundamental
nas ações de combate à violência contra a mulher4.
Após essa breve exposição dos conceitos gerais relacionados ao
tema, podemos apresentar algumas informações sobre violência
doméstica e de gênero relacionadas ao município de Ribeirão Preto-SP.
Pra isso, iremos considerar, sobretudo, os dados levantados pela
Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto, do período de 2006 a
2011, sendo que, os dados de 2011 somente correspondem ao primeiro
semestre do ano.
Com relação ao coeficiente de incidência, por 100.000
habitantes entre o período considerado e por distrito (região) de
residência da vítima, percebemos um crescimento geral dos casos de
violência na cidade. Os distritos Norte e Oeste apresentam maior
incidência de casos e os distritos Central e Sul apresentam menor
incidência. O número baixo de incidências na zona rural não reflete,
4 CAMARGO, Márcia. Novas políticas públicas de combate à violência. São
Paulo: Perseu Abramo, 1998.
27
necessariamente, a realidade de casos de violência em tal região, mas,
eventualmente, a baixa procura das vítimas aos órgãos e instituições de
denúncia.
Com relação aos tipos de violência, percebe-se que as mais
recorrentes nas queixas são física e psicológica. Destaca-se o fato da
ocorrência de violência financeira patrimonial estar aumentando ao
longo dos anos, o que pode estar relacionado, em um primeiro
momento, à maior percepção das vítimas sobre os tipos de relação que
envolvem o tema como um tipo de violência.
Quando consideramos o tipo de relação do agressor com a
vítima, percebemos a predominância dos vínculos conjugais. Na grande
maioria das vezes, são os cônjuges, ex-cônjuge e namorados os
principais agressores.
Os dados sobre violência em Ribeirão Preto, quando
consideramos o sexo da vitima, apontam para o predomínio da mulher
em relação ao homem, já que são apenas 1/5 dos casos, em media, que
envolvem o homem como vítima.
Quanto à frequência dos casos de violência no município de
Ribeirão Preto, no período de 2003 a 2011, em cada 100.000 habitantes,
percebe-se um aumento brusco dos anos de 2003 para 2004 e 2005 para
2006, o que pode ensejar, principalmente no último período citado, uma
atenção maior do município frente aos casos de violência e, por
conseqüência, uma política pública de notificação compulsória de
casos, além do incentivo a políticas e campanhas que façam atentar
para a importância da denúncia.
28
Com relação à cor ou etnia, a branca é a que revela a maior
incidência de violência, seguida pelas cores parda e preta, sendo que os
números relacionados a amarelos e indígenas são irrelevantes. Com
relação às cores que mais sofrem violência (branca, parda e preta),
todas apresentam um aumento digno de atenção no período que vai de
2006 a 2011 (com raras exceções).
Já no que se refere à idade, a violência aumenta
progressivamente do zero até os dezenove anos, atingindo seu ápice no
intervalo que vai dos vinte aos 29 anos de idade, sendo que após isso se
reduz progressivamente até se tornar mínima em idades maiores que 70
anos, descrição que se cumpre em todos os anos analisados, de 2006 a
2011.
Ribeirão Preto tem atualmente uma série de agentes
combatentes dos casos de violência, entre os quais, órgãos públicos
especializados no tema e comissões ou conselhos próprios, que contam
a participação popular. Passamos, então, a citar os principais deles.
a) Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. O projeto que
criou o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM) foi
aprovado, no município de Ribeirão Preto, no ano de 1994, através da
Lei Complementar n° 217/94. As incumbências conferidas ao CMDM
são as seguintes: deliberar, normatizar, fiscalizar e executar políticas
relativas aos direitos da mulher; ser um centro permanente de debates
entre os vários setores da sociedade; manter compromisso com a
democratização das relações sociais; fiscalizar o cumprimento de leis,
que atendam aos interesses das mulheres; formular diretrizes e
29
promover atividades que objetivem a defesa dos direitos da mulher, a
eliminação das discriminações e a plena integração da mulher na vida
social, econômica, política e cultural; desenvolver programas que visem
à participação da mulher em todos os campos de atividade; acompanhar
a elaboração de programas de governo em questões relacionadas com
os interesses das mulheres; sugerir ao Poder Executivo e à Câmara
Municipal a elaboração de projetos de lei que visem assegurar ou
ampliar os direitos da mulher; estabelecer intercâmbio com entidades
afins; criar comissões especializadas ou grupos de trabalho para
promover estudos, elaborar projetos, fornecer subsídios ou sugestões
para apreciação pelo conselho, com o prazo previamente fixado;
deliberar, estabelecer diretrizes de funcionamento e critérios gerais
relativos à organização e funcionamento do Abrigo de Mulheres e sua
relação com a comunidade. Enfim, o CMDM foi criado para agir como
instituição guardiã e efetivadora dos interesses e direitos das mulheres
sem, no entanto, realizar o contato direito com as vítimas de violência,
ou seja, podemos dizer que é um órgão teórico, responsável por criar a
prática (no que diz respeito à maneira de atender aos interesses das
mulheres) e, concomitantemente, conferir suporte a essa prática, não se
esquecendo de fiscalizá-la.
Uma das maneiras de que o CMDM se utiliza para manter o
equilíbrio administrativo da instituição é a diversidade na delegação de
cargos. O Conselho possui representantes que vão desde a OAB,
passando pela Delegacia de Defesa da Mulher, pelo Centro de Defesa
dos Direitos Humanos e pela Universidade de São Paulo; até a
30
Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos. A designação de
membros do Conselho deve considerar e comprovar sua atuação na área
dos direitos da mulher. Qualquer membro do Conselho poderá elaborar
propostas ou fornecer sugestões devidamente arrazoadas. Quem elabora
o regimento interno da instituição é o próprio CMDM.
Reunidas as devidas considerações teóricas, ilustraremos com o
relato de descobertas realizadas devido a uma visita ao CMDM no ano
de 2011. Um dos relatos interessantes foi o de que a DDM (Delegacia
de Defesa da Mulher) abarca os casos de violência contra a mulher, no
entanto, os casos mais graves (como “mulheres de traficantes”, ou as
que necessitam ser encaminhadas a “casas abrigo”, ou violência física
grave) são dirigidos ao CMDM, o qual acaba por realizar atividade
extra ao que realmente lhe cabe. Atualmente, o CMDM realiza a função
de acolhimento de mulheres que sofrem violência e explicação a elas de
qual providência devem tomar, além da realização futura de
encaminhá-las às “casas abrigo”, ou seja, trabalham a parte psicológica
e social das mulheres. Exemplo de ação: acompanham o oficial de
justiça na retirada do homem agressor da casa, na qual convive com a
mulher. Obs.: as mulheres somente são encaminhadas às “casas abrigo”
se estiverem sofrendo risco de morte, ou seja, em casos extremos.
Quando não há lugar nessas casas, as mulheres são encaminhadas ao
Cetrem (Central de Triagem e Encaminhamento do Migrante e
Itinerante e Morador de Rua), local em que ficam misturadas a homens,
o que, em muitas situações, agrava seu estado psicológico. As “casas
abrigo” devem ser sigilosas, móveis e todos os funcionários que lá
31
prestarem serviços devem ser do sexo feminino, até mesmo a guarda
municipal. Em relação às “casas abrigo”, quando a do município de
Ribeirão Preto começar a funcionar, será função do Conselho da
Mulher enviar uma equipe composta por assistente social e psicóloga,
para auxiliar na recuperação e no fortalecimento das mulheres, no
entanto não há previsões de que a casa seja temporária e discreta,
problema de responsabilidade do CMDM.
Uma demanda importante é relativa à autonomia da
Coordenadoria do Conselho, a qual é extremamente limitada, tendo as
decisões que passar pela Diretoria Municipal da Mulher, criada em
2009, burocratizando problemas que exigem determinada rapidez em
sua resolução. Além do citado anteriormente, outro gargalo na
administração municipal é a não existência, ainda, de uma “Secretaria
da Mulher”.
Outro relato foi o de que o CMDM é um serviço novo e teve
início em 2002. Tem em vista uma parceria com a Defensoria Pública
(DP), ou seja, necessitam de funcionário (os) da DP no próprio local
onde se encontra instalado o Conselho, a princípio, às terças e quintas,
para agilizar o processo de atendimento às mulheres que sofrem
violência doméstica.
Propôs a nós, inicialmente, uma parceria, a qual seria efetivada
com a nossa prestação de serviços, em esfera jurídica, às vítimas que
recorrem ao Conselho, com a carga horária de oito horas semanais por
estudante (três estudantes), em troca de permissão ao acompanhamento
das reuniões realizadas pelo CMDM com as vítimas de violência. A
32
título de curiosidade, a proposta da “troca de serviços” foi, para nós,
inviável devido ao período integral e ao estágio obrigatório propostos
na grade acadêmica, além da inexperiência de alunos iniciantes no
curso de Direito para lidar de forma adequada com as vítimas na
assessoria jurídica, dessa maneira, não tivemos o privilégio de colher
informações relacionadas às vítimas de violência doméstica que se
dirigem ao CMDM, o que teria sido muito proveitoso aos nossos
estudos de extensão. Fica, então, como crítica construtiva, a mudança
no paradigma administrativo do CMDM, identificado como um dos
gargalos da instituição, já que a permissão de acompanhamento das
reuniões a estudantes universitários, sem terem de prestar serviço em
troca, poderia ser uma parceria edificante para ambos, uma vez que,
para o CMDM, os estudos comparativos ou provenientes de doutrinas e
relacionados com a instituição, poderia trazer à luz projetos de políticas
públicas com a proposição de soluções para a otimização das atividades
da instituição e de outros processos de assessoria ligados às vítimas da
violência doméstica, o que traria a proximidade da efetividade, ou ela
por inteiro no que concerne à garantia dos direitos das mulheres
vitimizadas; e para os estudantes, a experiência prática com as vítimas
poderia enriquecer futuras decisões jurídicas, elevar o nível dos
projetos acadêmicos de extensão e, em alguns casos, até mesmo
liquidar “pré-conceitos”, ampliando a visão de mundo daqueles que
pretendem gerenciar o Poder Judiciário. Para deixar claro, o ponto
principal de nossa parceria com o Conselho da Mulher seria o acesso a
políticas públicas e ao que as Secretarias e Ministérios relacionados
33
com o assunto estão pensando atualmente para solucionar ou minimizar
questões de violência doméstica, mas também a isso não tivemos
acesso, via CMDM; uma grande falha, já que, sabendo que o espaço
tem como base ser eminentemente comunitário, não deve, por lógica,
atuar como espaço fechado.
Uma tentativa importante do CMDM é a busca recursos para a
construção de um “Centro de Referência” para atendimento às mulheres
vitimizadas porque, na realidade, a função da Coordenadoria do
Conselho seria, como já foi dito, somente a de pensar / pesquisar
políticas públicas, do que ressalta a ação de abraçar uma função que
não é a dela. Em termos estatísticos, em dois anos foram atendidas, em
média, 800 pessoas.
b) Delegacia da Mulher. Há pelo menos dois aspectos que
ajudam a explicar o lugar estratégico que é ocupado pelas Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher quando o tema é acesso à
justiça. Primeiro, considerando o sistema de justiça criminal brasileiro,
as delegacias de polícia estão situadas como porta de entrada no “fluxo
da justiça”. No exercício de suas atribuições de polícia judiciária, as
DEAMS devem registrar ocorrências criminais e realizar os devidos
procedimentos de investigação, recolhendo provas técnicas e
testemunhais que servirão como evidências para fundamentar a
denúncia pelo Ministério Público e, consequentemente, dar início ao
processo criminal e seu encaminhamento até um desfecho judicial (aqui
entendido como sentença condenatória ou absolutória). A partir do
registro policial de ocorrências criminais espera-se que estas delegacias
34
garantam o conhecimento pelo Estado de um problema que até poucas
décadas atrás era definido e reconhecido socialmente como um
problema das relações privadas e familiares. Espera-se, também, que a
partir deste conhecimento, o Estado garanta mecanismos, leis e
políticas públicas que possibilitem a responsabilização criminal
daqueles que cometem esses crimes. Tal abordagem sobre a atuação das
DEAMS refere-se, principalmente, ao acesso à justiça formal, ou seja,
aquela que se realiza nos espaço dos tribunais através da aplicação justa
das leis.
O segundo aspecto está relacionado com a concepção de
especialização que orientou a criação das DEAMS e definiu seu campo
de atuação. Como unidades policiais especializadas no atendimento a
mulheres em situação de violência, estas delegacias foram criadas com
o propósito de oferecer um atendimento diferenciado – baseado no
acolhimento e na não discriminação. Na proposta inicial, um dos
componentes desta especialização referia-se à constituição de um corpo
de policiais mulheres, o que, acreditava-se, facilitaria a denúncia dos
fatos pelas mulheres-vítimas.
Outros componentes desta especialização referiam-se à
constituição de espaços independentes e apropriados para garantir a
privacidade e segurança das mulheres, proporcionando o atendimento
exclusivo para mulheres vítimas de violência baseada no gênero, com
ênfase nos casos de agressões nas relações conjugais e familiares e de
violência sexual; e a integração do atendimento policial a outros
serviços para atendimento de natureza psicológica, jurídica e social,
35
garantindo às mulheres o acesso a informações, orientações e apoio que
as ajudassem a sair da situação de violência. Estas características do
atendimento especializado receberam um importante reforço a partir
dos anos 2000 com a edição da Norma Técnica de Padronização das
DEAMS.
A Delegacia da Mulher (DM) realiza atendimento e apuração
de crimes praticados contra as pessoas do sexo feminino, bem assim
atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência. Além
disso, quando necessário, encaminhamento desses aos órgãos
competentes. Em visita de pesquisa à DM, conseguimos as várias
informações que seguem.
Na cidade de Ribeirão Preto há apenas uma Delegacia da
Mulher; há também, outras delegacias especializadas (entorpecentes,
idoso – agredido maior de 60 anos -, infância e juventude – quando o
autor do delito é menor).
Qualquer delegacia pode efetuar qualquer registro (ex.: a
delegacia da mulher pode registrar ocorrência de alguém que foi
furtado e foi fazer o Boletim de Ocorrência lá). Entretanto, a
especialização da Delegacia da Mulher são casos em que a vítima de
violência é mulher, adolescente ou criança. Aqui é importante não
confundir com Delegacia da Infância e Juventude, quando o menor de
idade é autor, não vítima.
Na esfera de vinculação com outros órgãos de defesa da mulher
na cidade, oficialmente, não há. A delegada pode dar ciência a outros
órgãos competentes, de acordo com o caso (ex: possibilidade
36
extraoficial de avisar a secretaria de assistência social em casos, por
exemplo, de extrema miséria da vítima e sua família; possibilidade de
encaminhar para o Seavidas, o qual dá apoio em casos,
especificamente, de abusos sexuais - em muitos casos com vítimas
crianças – mas não necessariamente esse encaminhamento ocorre), mas
não é uma obrigação ou vinculação necessária. Em relação à Defensoria
pública, também não há vinculação; a delegada pode, dependendo do
caso, orientar a vítima para procurar a Defensoria, ou fornecer uma lista
com telefones de advogados que atendem gratuitamente, mas não deixa
de ser apenas uma orientação.
Em relação às políticas públicas, na opinião da Delegada, é
uma área muito deficiente na cidade, pois não há interesse político em
desenvolvê-la. O acompanhamento psicológico insuficiente da vítima
atrapalha demasiadamente a devida aplicação da legislação de proteção
à mulher, o que será melhor descrito mais à frente. Afirma que tem a
intenção de montar um projeto responsável pela devida assistência às
vítimas, com a participação de psicólogos, assistentes sociais,
profissionais da saúde, entre outros. Já há, inclusive, um espaço físico
pronto, mas nunca conseguiu desenvolvê-lo por falta de interesse do
Poder Público em fornecer recursos.
Estatísticas: de acordo com a delegada, em um mês, correm
cerca de 600 inquéritos na Delegacia. Funciona da seguinte maneira: a
partir do momento em que a vítima registra o B.O., inicia-se um
período de seis meses de tempo limite para decidir se fará
representação/iniciará o processo (que é a condição essencial para que
37
seja instaurado inquérito policial). A delegada não pode fazer
absolutamente nada sem a iniciativa de representação da vítima, exceto
se da agressão resultou lesão de natureza grave, comprovada pelo
legista. Das vítimas que registram B.O., apenas cerca de 30% decide
prosseguir com a representação. Dentro desses 30%, aproximadamente
50% se retratam na delegacia, ou seja, “desistem”, por assim dizer, de
dar prosseguimento ao inquérito. Fora isso, das que seguem até o final,
ainda há as que desistem da causa em juízo. Por fim, na prática, poucos
agressores realmente são penalizados. Na opinião da delegada, isso se
deve à falta de eficaz acompanhamento psicológico da vítima, a qual
tem, em muitos casos, uma dependência emocional em relação ao
agressor. Por isso, conforme citado antes, a devida aplicação da lei é tão
difícil de ser obtida.
Sobre a Lei Maria da Penha, trata-se de uma lei processual –
não trouxe crimes novos, e sim novos procedimentos, especiais para a
defesa e proteção da mulher. Na opinião da Delegada, é uma ótima Lei,
que realmente significou um avanço para os direitos das mulheres e
trouxe mecanismos reais de proteção; entretanto, é possível que caia em
descrédito, pois, segundo a delegada, infelizmente é, em muitos casos,
utilizada de forma indevida – por exemplo, para facilitar ações de
separação na vara de família; para a mãe conseguir mais facilmente a
guarda dos filhos ou até mesmo para i forma de abusar da lei, uma vez
que o pai, a princípio, tem o direito de ver os filhos ainda que tenha
agredido a mãe); entre outros abusos, estimulados, muitas vezes, pelos
advogados e aplicadores do Direito em geral.
38
Com relação à DM, o diagnosticamos que há profissionais
competentes no trabalho com as vítimas de violência doméstica, no
entanto, os fomentos às políticas públicas e iniciativas de projetos
ligados ao melhoramento nos processos de atendimento aos que têm
seus direitos violados deixam a desejar, o que acaba interferindo na
eficiência da lei, a qual é criada almejando à excelência, mas encontra
diversas dificuldades devido a determinadas incúrias.
Por fim, como último impasse a ser citado, nas visitas
realizadas na Delegacia da Mulher descobrimos que, ao receber as
vítimas de violência doméstica e realizarem o B.O., a pedido das
mesmas, há a constatação de que pouquíssimas mulheres dão entrada na
representação, ou seja, a minoria das mulheres segue em frente
iniciando um processo judicial contra o agressor. Essas mulheres
justificam que vão à DDM apenas com o intuito de “dar um susto” no
agressor, mas não querem que o mesmo seja intensamente penalizado
ou preso, fato que deixa a DDM de “mãos atadas” e contribui com a
impunidade dos agressores.
c) Coordenadoria da Mulher. A criação da Coordenadoria da
Mulher (CM) é mais um instrumento de difusão e implementação de
políticas de inclusão e defesa das mulheres. A iniciativa tem base nas
estatísticas municipais analisadas, que mostram que a Delegacia da
Mulher atende de 20 a 30 mulheres por dia, vítimas de violência
doméstica, onde o agressor é geralmente o marido, o companheiro, o
namorado. No ano de 2009, por exemplo, foram registrados cerca de
39
quatro mil boletins de ocorrência, sem contar as agressões que não são
levadas ao conhecimento da autoridade policial.
A CM atende mulheres vitimas de violência doméstica.
Possibilita proteção a integridade física, sexual e psicológica, moral e
patrimonial a mulheres vitimas de violência doméstica, além de
promover sua autoestima, sua reintegração social e defesa de seus
direitos como cidadã. A instituição faz parte do Departamento de
Proteção Social Especial, órgão que compõe a Secretaria Municipal de
Assistência Social (SEMAS).
d) Serviço de Atendimento à Violência Doméstica e Agressão
Sexual (SEAVIDAS). Através de um semestre de pesquisas na
instituição SEAVIDAS e do gentil impulso de sua diretora e
coordenadora ao nos ceder documentos com importantíssimas
informações conseguimos abordar estruturação, função, metodologia,
gargalos entre outras informações pertinentes ao entendimento do leigo
sobre como tal serviço de atendimento procede. Seguem as informações
abaixo.
O SEAVIDAS (Serviço de Atenção à Violência Doméstica e
Agressão Sexual) é um trabalho do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto- USP, que tem se dedicado a estudar as
estratégias para a implantação de uma assistência humanizada a vítimas
de violência.
Inicia o trabalho em 1999, enquanto GEAVIDAS com objetivo
de promover a interlocução dos serviços e equipamentos públicos do
município para prevenção da violência e para efetivação de uma Rede
40
de Apoio subsidiando os profissionais da saúde em suas ações e
procedimentos.
Com vários parceiros no município, o SEAVIDAS vem
desenvolvendo recursos para informação e capacitação de profissionais,
através de reuniões, supervisões, treinamentos e sensibilizações, para
intervenções eficazes.
Quanto à assistência a vítimas de violência recém-ocorrida,
como no caso do abuso sexual, o SEAVIDAS articulou com o
Programa Estadual DST/AIDS, Programa Saúde da Mulher e com o
Ministério da Saúde, em 1999, o atendimento diferenciado em Ribeirão
Preto, garantindo assistência emergencial de nível terciário, em um
ponto central do município (Unidade de Emergência do HCFMRP-
USP), sem burocracias, com bom acolhimento na recepção, assistência
médica integral, profilaxia para as doenças sexualmente transmissíveis,
tétano e anticoncepção para mulheres em idade fértil. Nesse
atendimento são realizados boletim de ocorrência e exame médico legal
(obrigatório no caso de crianças e adolescentes) e todas as orientações
para a continuidade do tratamento médico, social e jurídico. Ao final do
atendimento, a pessoa leva consigo as medicações necessárias para
garantir o tratamento até a reavaliação médica, que é agendada para a
semana seguinte, no Hospital das Clínicas – FMRP-USP. O
atendimento psicológico é proposto durante essa consulta médica, ou
seja, no período logo após o fato ocorrido.
O SEAVIDAS dispõe, desde 2000, de assistência psicológica
para pessoas recém violentadas, que são acolhidas e preparadas, em três
41
encontros, para maior aceitação de ajuda psicoterápica e adesão a uma
modalidade de tratamento: psicoterapia individual ou em grupo, para
adolescentes e mulheres adultas e ludoterapia, para crianças.
Quanto à violência doméstica, o SEAVIDAS desde 2000, dá
assessoria aos Núcleos da Estratégia de Saúde da Família (ESF), em
encontros regulares, onde as situações de violência percebidas pelos
profissionais, durante o atendimento às famílias, são estudadas em
grupo (os técnicos da Unidade, técnicos do SEAVIDAS e profissionais
especializados convidados), facilitando a visibilidade e compreensão da
violência doméstica e as condições de risco; surgem, do próprio grupo,
as propostas para as intervenções junto à família e às condições que
mantém o risco.
O SEAVIDAS promove palestras, encontros e cursos para
sensibilização e capacitação dos profissionais da Saúde do Município e
região e produz material informativo para divulgação de conhecimentos
específicos e orientações, quanto a intervenções eficazes em rede, para
assistência em situações de violência.
Com profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF),
constituiu um grupo de trabalho para firmar compromisso de ações em
rede. Esse grupo de trabalho se propôs a realizar as adaptações
necessárias para padronização da Ficha de notificação de suspeita ou
casos confirmados de violência, abuso sexual / maus tratos – crianças,
adolescentes e adultos, a ser preenchida nos Serviços de Saúde, Escolas
e locais de atendimento a vítimas de violência no município e enviada a
Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal da Saúde de
42
Ribeirão Preto. Essa Ficha de Notificação foi oficialmente implantada
no município em outubro de 2003 e desde então tem sido utilizado para
identificação dos casos e monitoramento das intervenções.
A partir de então esse grupo de trabalho passou a compilar as
informações para preparação de um guia de orientações sobre a Rede
Social de Apoio de Ribeirão Preto, lançando sua primeira edição no
início de 2004.
Por fim, considerando toda a evolução teórica e empírica obtida
nos processos de combate à violência contra a mulher, após a análise da
grande maioria das instituições que lidam com tal processo, concluímos
que ainda assim é preciso atentar para a contínua necessidade de
desenvolvimento, afinal, diante de casos tão atrozes quanto os de
violência doméstica, os quais desrespeitam e reduzem a dignidade
feminina devido a padrões machistas de sociedades retardatárias, faz-se
prioritário o processo de criação de respostas compatíveis com a
extensão das atrocidades cometidas pelo agressor e também resolutivas,
já que devem por fim a situações que, sabemos, são dignas de
reprovação moral, legal e cultural.
Dessa maneira, seguem sugestões de revisão, mudança e
desenvolvimento nas seguintes esferas: Saúde Ocupacional, Segurança
no Trabalho, Técnicas de Escuta, Análise Estatística de Dados
Criminais, Administração Legal do uso da Força, Mediação de
Conflitos, Valorização e Capacitação Profissional, Inteligência Policial,
Técnicas de Atendimento ao Público, Técnicas de Investigação,
43
Direitos Humanos, Noções sobre Violência Doméstica, entre outras
relacionadas à questão da Violência Doméstica e de Gênero.
44
Questionamentos e controvérsia acerca do instituto
jurídico da adoção internacional: efetivação do direito da
criança e do adolescente ou violação?
Eliana Miki Tashiro Nakamura
Graziela Prates Viol
Raysa Masson Benatti
Quais as possíveis justificativas para a resistência, encontrada
no âmbito de alguns debates jurídicos e de decisões judiciais, à adoção
internacional? Em que medida as afirmações contrárias ou favoráveis à
adoção internacional apoiam-se em dados e análises de circunstâncias e
contextos sociais concretos? Quais os argumentos a serem utilizados
para se defender que os direitos das crianças e dos adolescentes
estariam mais bem garantidos se eles permanecessem no Brasil?
No período de 2004 a 2010, no Estado de São Paulo, 11425
crianças e adolescentes foram adotados por brasileiros e estrangeiros
residentes no exterior. 1142 vidas com histórias diversas, projetos e
sonhos, 1142 sujeitos de direitos que apenas se reintegraram a uma
nova família devido ao instituto jurídico da adoção internacional que se
delineia como a adoção na qual a pessoa ou casal postulante é residente
ou domiciliado fora do Brasil (art. 51 do Estatuto da Criança e do
5Disponível em:
<http://www.tj.sp.gov.br/Shared/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=33504>.
Acesso em: 29 dez. 2011.
45
Adolescente6). Esse instituto apresenta uma série de proteções a fim de
atender ao bem superior da criança e do adolescente do direito à
convivência familiar e comunitária (art. 227 da Constituição Federal7),
buscando também evitar sequestros, vendas ou tráficos de menores8.
Contudo, controvérsias surgem diante de matéria tão delicada, visto que
mais do que se ater a números, deve-se atentar ao aspecto de que são
vidas que se unem a novos países, a novas culturas e, especialmente, a
novas famílias.
A adoção internacional é submetida, de acordo com a Lei
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA), ao princípio da excepcionalidade (art. 319), uma vez que ela
somente é considerada quando se constata a impossibilidade de a
criança ou o adolescente se integrar à sua própria família ou à família
substituta dentro do território nacional. Ainda, os brasileiros que vivem
no exterior têm preferência em relação aos estrangeiros. O assunto é
também regulado pelo Código Civil brasileiro de 2003 e, no âmbito dos
tratados internacionais, é protegido pela Convenção de Haia sobre
6“Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal
postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil (...)” 7“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.” 8Conforme a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em
Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia, em 29 de maio de 1993. 9“A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional,
somente admissível na modalidade de adoção.”
46
Cooperação Internacional em matéria de Adoção Internacional de
Crianças, de 1993, promulgada pelo Decreto nº. 3.087, de 21 de junho
de 1999.
Alguns instrumentos e instituições foram criados no Brasil para
o controle desse tipo de adoção, estando presentes, entre eles, a
Autoridade Central Federal e as Autoridades Centrais Estaduais,
seguindo o disposto na Convenção de Haia que estabelece, em seu
artigo 6, que cada Estado-membro deve possuir uma única Autoridade
Central, a menos que adote o regime federativo.
Para tanto, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do
Ministério da Justiça, existente desde 1977 dentro do Ministério da
Justiça e elevada ao status de ministério em 2003, sendo um órgão
responsável pela articulação de políticas de promoção e proteção aos
Direitos Humanos no Brasil, como: propor políticas e diretrizes
referentes a matérias de Direitos Humanos, apoiar projetos referentes a
eles, articular parcerias (como, por exemplo, junto ao Poder Judiciário,
ao Poder Legislativo, à sociedade civil), receber e encaminhar
informações e denúncias de violações desses direitos, atuar como
Ouvidoria Nacional em matérias de direitos humanos, foi designada,
em relação à adoção internacional, como Autoridade Central
Administrativa Federal conforme o Decreto Federal n.º 3174, de 16 de
setembro de 1999, em observância às regras e princípios estabelecidos
pela Convenção de Haia.
Assim, é a estrutura encarregada de dar cumprimento às
obrigações impostas por tal Convenção, bem como de representar os
47
interesses do Estado na manutenção dos direitos da criança e do
adolescente; receber todas as comunicações provenientes das
Autoridades Centrais dos Estados contratantes e dirigi-las, se for o
caso, às Autoridades Centrais dos Estados federados brasileiros e do
Distrito Federal; fornecer dados estatísticos referentes às matérias
incluídas em sua alçada e informações sobre a legislação brasileira em
matéria de adoção; promover ações de cooperação e colaboração entre
as Autoridades Centrais dos Estados federados brasileiros e do Distrito
Federal; gerenciar banco de dados utilizado para analisar e decidir
questões intrínsecas à adoção internacional, como, por exemplo,
questões referentes a estatísticas dos adotantes e adotados fornecidas
pelas Autoridades Centrais de cada Estado contratante; fornecer ao
Ministério das Relações Exteriores dados dos adotados, presentes nesse
banco de dados, para que seja efetuada a matrícula dos brasileiros
residentes no exterior pelas Repartições Consulares brasileiras; tomar
todas as medidas para prevenir benefícios materiais induzidos em
virtude da adoção e para impedir práticas contrárias aos objetivos da
Convenção de Haia10
.
Possui também papel fundamental como Autoridade Central
designada pelo artigo 6 da Convenção sobre os Aspectos Civis do
Sequestro Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de
outubro de 1980. E outra importante atribuição caracteriza-se por
promover o credenciamento dos organismos que atuam em adoção
10Atribuições estabelecidas no artigo 2º do Decreto nº 3.174, de 16 de
Setembro de 1999.
48
internacional no Estado brasileiro (art. 2º, V, do Decreto nº 3.174, de 16
de Setembro de 199911
), visto que critérios devem ser seguidos, como
os estabelecidos pela Portaria nº 26 da Secretaria, de 24 de fevereiro de
2005: ter unicamente fins não lucrativos; ser dirigido e administrado
por pessoas qualificadas por sua integridade moral e por sua formação
ou experiência para atuar na área de adoção internacional; entre outros.
Outro instrumento são as Comissões Estaduais Judiciárias de
Adoção, e, nesse caso, no Estado de São Paulo, configura-se a CEJAI-
SP (Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Estado
de São Paulo). Ela segue o disposto na Constituição Federal (art. 227,
§5º12
) que determina que a adoção deve ser assistida pelo Poder
Público, estabelecendo as condições de efetivação para estrangeiros,
obedece à previsão do ECA e é considerada Autoridade Central
(Autoridade Central Estadual) conforme a Convenção Relativa à
Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção
Internacional (Haia)13
.
11“Promover o credenciamento dos organismos que atuem em adoção
internacional no Estado brasileiro, verificando se também estão credenciadas
pela autoridade Central do Estado contratante de onde são originários,
comunicando o credenciamento ao Bureau Permanente da Conferência da
Haia de Direito Internacional Privado.”
12
“A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que
estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.”
13
“Um Estado federal, um Estado no qual vigoram diversos sistemas jurídicos
ou um Estado com unidades territoriais autônomas poderá designar mais de
uma Autoridade Central e especificar o âmbito territorial ou pessoal de suas
funções. (...)”
49
A CEJAI-SP tem como principal função não de propriamente
concretizar a adoção internacional, mas sim de conceder habilitação aos
pretendentes para a prática de tal ato. Além disso, possui outras
atribuições14
, como: realizar o exame prévio dos pedidos de habilitação
para adoção; gerenciar os cadastros centralizados estaduais de
pretendentes habilitados para adoções nacional e internacional;
fiscalizar os organismos estrangeiros credenciados no Estado que atuam
em adoções internacionais e elaborar estudos estatísticos sobre as
adoções. E ainda é por meio das Comissões Estaduais Judiciárias de
Adoção que se pode certificar se a adoção internacional atende ou não
aos direitos fundamentais da criança e do adolescente e, por
conseguinte, se o trabalho delas tem sido eficaz, uma vez que as
famílias residentes no exterior que adotam no Brasil devem ser
acompanhadas mediante relatórios pós-adotivos periódicos enviados à
CEJAI-SP pelas entidades que realizaram a adoção internacional.
Assim, a CEJAI exerce um fundamental papel nos
procedimentos15
que acompanham a adoção internacional, a qual,
resumidamente, ocorre da seguinte forma: os interessados à adoção
internacional devem procurar no país onde residem organismo
(entidade/associação) habilitado para realizar adoção internacional e
credenciado pelos países ratificadores da Convenção de Haia. No
14Disponível em:
<http://www.tj.sp.gov.br/Institucional/Corregedoria/AdocaoInternacional/Sobr
eCEJAI.aspx?f=2>. Acesso em: 29 dez. 2011. 15
Disponível
em:<http://www.tj.sp.gov.br/Institucional/Corregedoria/AdocaoInternacional/
DocumentacaoProcedimentos.aspx?f=2>. Acesso em: 29 dez. 2011.
50
Brasil, ele deve ser ainda cadastrado na Polícia Federal, credenciado
pela Autoridade Central Administrativa (ACAF) da Secretaria de
Estado dos Direitos Humanos em Brasília (conforme informado
anteriormente) e ser habilitado pela CEJAI-SP que exige uma série de
documentos dos pretendentes residentes no exterior. Então, esses
documentos são autuados pela Secretaria da Vara competente para
Infância e Juventude e remetidos à Conclusão, para despacho inaugural,
dando-se vista ao Ministério Público. Se for necessário pode ser exigida
ainda uma complementação, para, por fim, os documentos serem
encaminhados para julgamento da CEJAI composta por sete
magistrados (três desembargadores, dois juízes de direito de segundo
grau de jurisdição e dois juízes de direito de primeiro grau).
Fornecido o Laudo de Habilitação pela CEJAI, com a posterior
ciência do Ministério Público, ele é entregue ao representante do
organismo estrangeiro que aguardará o chamado do Juízo da Infância e
da Juventude para realizar o cadastro dos pretendentes estrangeiros.
Somente com a inexistência de interessado nacional e a presença de
interessado localizado no exterior, o Juízo da Infância e da Juventude
solicita à CEJAI a expedição do “Acordo para a Continuidade do
Procedimento”, atestado esse que permite avisar os estrangeiros de que
estão sendo chamados ao estágio de convivência. O representante deve
enviar esse documento à Autoridade Central de seu país e encaminhar a
autorização do país de origem à CEJAI para que ela expeça a
“Autorização para o Início do Processo de Adoção” a qual permite a
vinda dos estrangeiros para iniciar o estágio de convivência. O estágio
51
de convivência é acompanhado pelo Setor Técnico da Infância e
Juventude (Serviço Social e Psicologia), sendo a adoção julgada
procedente, a CEJAI expedirá o “Certificado de Conformidade da
Adoção Internacional”, finalizando o procedimento e, concretizando,
portanto, a adoção.
Após essa descrição do procedimento da adoção internacional,
alguns podem considerá-lo uma dificuldade para se efetivar o direito à
convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes
institucionalizados, especialmente, devido à nova Lei da Adoção.
Posição essa presente em Maria Berenice Dias16
, vice-presidente
Nacional do IBDFAM, ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do
RS e advogada, que considera que a habilitação para a adoção
internacional transformou-se num processo com a nova Lei da Adoção
(Lei 12.010/2009), já que é necessária uma petição inicial e é exigida
uma série de documentos, entre eles: comprovante de renda e de
domicílio; atestado de sanidade física e mental; certidão de
antecedentes criminais e negativa de distribuição cível. Ainda os
candidatos têm sua inscrição condicionada a uma preparação
psicossocial e jurídica, assim, todos os figurantes no cadastro são
obrigados a se sujeitar a essa preparação no prazo de um ano, sob pena
de cassação da inscrição, não podendo ser deferida nenhuma adoção
enquanto as pessoas já habilitadas não realizarem esse procedimento.
Também o prazo de validade da habilitação foi reduzido de dois para
16Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=527>. Acesso
em: 27 jan. 2012.
52
um ano e os juízes têm de sete a oito meses para julgar um processo,
algo difícil de ser realizado, uma vez que estão “atolados de trabalho”,
como aponta o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo,
Antônio Carlos Malheiros17
.
Diante desse instituto, Maria Berenice Dias considera que o
ideal é sim que crianças e adolescentes cresçam junto a seus pais,
contudo, ela afirma que, quando a convivência é impossível ou
desaconselhável, melhor atende ao interesse da criança e do adolescente
a inserção em família que sonha em tê-los como filhos. Dessa forma,
segundo ela, a celeridade desse processo é o que garantiria a efetivação
do direito à convivência familiar, o que não tem sido observado com a
nova Lei que acentua a excepcionalidade e os entraves para se realizar a
adoção internacional, tendo como consequência o aumento de
brasileiros institucionalizados à espera de um lar18
. Assim, a adoção
internacional, que é importante para a efetivação dos direitos
fundamentais da criança em estado de risco e de abandono nas
entidades de abrigo, não se realiza. E ainda, devido à falta de
fiscalização e acompanhamento por parte de autoridades, os menores
17Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/2091/pdf>.
Acesso em: 27 jan. 2012. 18
36.551 crianças e adolescentes vivem em abrigos ou estabelecimentos
mantidos por organizações não governamentais, dado referente a 12 de
dezembro de 2011 e apontado pelo Cadastro Nacional de Crianças e
Adolescentes Acolhidos (CNCA). Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/17659:levantamento-mostra-que-365-mil-
criancas-e-adolescentes-vivem-em-abrigos&catid=223:cnj>. Acesso em: 27
jan. 2012.
53
são esquecidos nessas instituições que não atendem a suas necessidades
materiais e afetivas.
Por outro lado, as críticas à excepcionalidade e às resistências
construídas em torno desse instituto se chocam com a posição de outros
e até mesmo do próprio ordenamento que aplica o princípio da
subsidiariedade a ele. Como escrito anteriormente, a adoção
internacional é medida excepcional no ordenamento brasileiro. A
Convenção de Haia sobre Cooperação Internacional em matéria de
Adoção Internacional de Crianças, da qual o Brasil é país signatário e
apresenta suas normas incorporadas ao ECA, também enuncia a
subsidiariedade da adoção internacional, uma vez que cada país,
segundo tal Convenção, deve prioritariamente tomar medidas para
manter a criança em sua família de origem19
. Ademais esse tratado
internacional foi concluído, conforme o Prof. Dr. Wilson Donizeti
Liberati20
, com o objetivo primeiro de impedir o tráfico internacional de
crianças, assim como evitar problemas visíveis na comunidade
internacional, como: venda de crianças, abuso, suborno, corrupção,
coerção de pais biológicos. Para tanto, regulamentações foram feitas e
Autoridades foram designadas para dar cumprimento às obrigações
impostas. A CEJAI que se delineia como Autoridade Central Estadual
deve assegurar, pois, a proteção das crianças e realizar os objetivos da
19 “Recordando que cada país deveria tomar, com caráter prioritário, medidas
adequadas para permitir a manutenção da criança em sua família de origem”.
20
Disponível em: <http://www.abmp.org.br/textos/317.htm>. Acesso em: 09
fev. 2012.
54
Convenção, entre eles o de que a adoção atenda ao interesse superior do
menor. Diante disso, seus procedimentos com muitos detalhes e
exigências (como descritos anteriormente) poderiam ser justificáveis
por se tratar de vidas que devem ser cuidadas.
Todavia, críticas duras à adoção internacional também são
feitas, como pode ser resumido no título de “adoção-exílio”. Tal
denominação se refere ao fato de que crianças brasileiras seriam
“expatriadas e expropriadas de seu direito essencial à nacionalidade e
ao idioma da terra em que nasceram” 21
. E ainda observa-se que há uma
precariedade dos direitos dos estrangeiros em face aos nacionais,
existindo a possibilidade, caso não ocorra uma proteção adequada, de
que as crianças e os adolescentes não adquiram a nacionalidade do país
dos adotantes e sejam discriminados pelos filhos do casal. Assim, o que
a princípio se relacionaria à efetivação de um direito fundamental (o
direito à convivência familiar e comunitária), seria, na verdade, uma
violação aos direitos fundamentais da criança e do adolescente?
Desse modo, pergunta como essa e as controvérsias escritas
anteriormente deverão resultar em respostas e posicionamentos ao
longo do trabalho. Contudo, agora outro aspecto pode ser refletido: uma
comparação entre o perfil dos pretendentes estrangeiros e nacionais
relativo às características das crianças e adolescentes para os quais
manifestam disponibilidade.
21Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/2091/pdf>.
Acesso em: 27 jan. 2012.
55
Em relação aos estrangeiros, um estudo22
da CEJAI-SP
referente ao ano de 2009 revela a disponibilidade que eles apresentam
para adotar irmãos, uma vez que 64,34% aceitam grupos de até duas
crianças/adolescentes e, ainda, dados23
provenientes do período de 2004
a 2010 mostram que 80% das adoções internacionais realizadas foram
de grupos de irmãos. Quanto à idade, 53% dos pretendentes
aumentaram sua disponibilidade para crianças com idade superior à
desejada inicialmente, já que o Estado de São Paulo acolheu a
Recomendação nº3 de serem permitidas adoções internacionais
somente para crianças a partir de cinco anos24
.
Em relação ao sexo da criança/adolescente, 96,4% mostraram-
se indiferentes. Referente à cor da pele, a maioria também foi
indiferente (83,64%), o que expressa a disponibilidade dos
pretendentes, de maioria de cor de pele branca, para a adoção de
diferentes etnias e cor de pele. Em relação a problemas de saúde e
22O estudo indicado apresenta dados das pretensões manifestadas no pedido de
habilitação para a adoção internacional, visto que a pretensão inicial, muitas
vezes, muda até a solicitação de habilitação. Disponível em:
<http://www.tj.sp.gov.br/Shared/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=27408>.
Acesso em: 27 jan. 2012.
23
Disponível em:
<http://www.tj.sp.gov.br/Shared/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=33504>.
Acesso em: 27 jan. 2012. 24
“(...) a CEJAI acolheu a Recomendação da X Reunião Ordinária do Conselho
das Autoridades Centrais Brasileiras, no sentido de que fossem aceitas as
adoções internacionais somente para crianças maiores de sessenta meses, a
exceção de grupos de irmãos e em casos de crianças portadoras de
necessidades especiais.” Disponível em:
<http://www.tj.sp.gov.br/Shared/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=33504>.
Acesso em: 27 jan. 2012.
56
mental, a maior aceitação (61,4%) foi de problemas físicos de saúde
tratáveis e leves, assim como, problemas psicológicos leves (82,46%),
não existindo pretensão para problemas físicos não tratáveis e para
portadores de HIV nem problemas mentais não tratáveis ou tratáveis
graves. E ainda praticamente todos pretendentes (96,49%) têm
disponibilidade para crianças/adolescentes que foram vitimizados (cabe
observar que essa vitimização pode decorrer de um histórico familiar
com pais portadores de HIV, dependentes de álcool, drogas ou também
crianças provenientes de estupro, incesto ou ainda vítimas de maus-
tratos e estupro).
Em relação aos pretendentes nacionais, os dados destes são
provenientes do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado e
administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que
abrange diversas funções, como a fiscalização, orientação e
organização do Poder Judiciário. O CNA25
é um banco de dados
“online”, com informações tanto de crianças e adolescentes aptos a ser
adotados, quanto de pretendentes nacionais habilitados a adotar,
fazendo-se observar um lado mais humano, menos burocrático e mais
facilitador, lado esse raramente observado num órgão brasileiro. Cabe
observar que não é possível acessar o CNA para interesses particulares.
No caso de um particular desejar acessá-lo, apenas estará apto a
observar dados superficiais, quantitativos, como quantas crianças estão
disponíveis, quantas são de cada etnia, faixa etária e sexo. Esse tipo de
acesso se configura como a “Consulta Pública”, ou seja, qualquer
25Cadastro Nacional de Adoção. “Guia do Usuário”. Maio de 2009.
57
interessado que não possui usuário e senha pode acessar. O CNA
localiza-se no endereço eletrônico: cnj.jus.br/cna, sítio de fácil
navegação e precisão louvável, no qual são alojados dados somente de
brasileiros, por ser um Cadastro Nacional de Adoção, caracterizando-se
como um centro de dados de todo o Brasil, que busca acelerar o
processo de adoção, mantendo a boa qualidade dos serviços. Sendo
assim, é possível observar mais uma vez no ordenamento o princípio da
excepcionalidade presente na adoção internacional, uma vez que tal
Cadastro objetiva esgotar as possibilidades de adoção dentro do
território brasileiro, para que, somente com a não existência de
pretendente nacional, destine-se a criança para a adoção internacional.
Prosseguindo com os dados estatísticos, segundo levantamento
realizado pelo CNJ em 201126
, mais de 80% dos pretendentes nacionais
desejaram estritamente crianças com até um ano de idade (22.451 em
27.052) e não desejaram adotar irmãos (22.201 em 27.052). Quanto à
cor da pele, 91% declararam aceitar crianças brancas, no entanto,
apenas 1.616 das crianças disponíveis à adoção são de cor de pele
branca. Assim, num aspecto geral, os pretendentes brasileiros
apresentam exigências comuns: são queridas majoritariamente crianças
da cor branca, praticamente bebês e sem irmãos, características essas
que são o maior entrave para a adoção no Brasil, pois caracterizam um
perfil menos frequente no CNA. Desse modo, esgotadas as
possibilidades nacionais, as crianças não desejadas são destinadas à
26Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14925:534-criancas-
foram-adotadas-pelo-cadastro-nacional-de-adocao>. Acesso em: 27 jan. 2012.
58
adoção internacional, cujo procedimento já foi descrito anteriormente,
apresentando tal instituto posições controversas, defendido por alguns,
contudo, refutado por outros.
A adoção internacional, portanto, é instituto que tem abarcado
posicionamentos divergentes. Diante disso, voltaremos os olhos da
pesquisa à realidade de Ribeirão Preto, que, de acordo com dados
divulgados por estudo27
da CEJAI-SP, apresentou, no período de 2004 a
2010, nove adoções internacionais, sendo quatro em 2004 e cinco em
2005.
Por fim, realizar investigações sobre o tema, à luz dos direitos
da criança e do adolescente garantidos pelo Direito brasileiro e a partir
dos contextos sociais locais, parece-nos fundamental para aprofundar o
debate e buscar parâmetros mínimos que possam auxiliar na construção
dos sentidos de cada um dos institutos jurídicos envolvidos em tal
temática.
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62
O Sistema Prisional no Brasil e a violação de Direito
Fundamentais
Cinthia de Cassia Catoia
1. Introdução
A prisão no Brasil com o intuito de punição iniciou-se a partir
de 1850, com a criação do primeiro estabelecimento prisional,
denominado Casa de Correção da Corte (hoje denominado de
Complexo Frei Caneca, no Rio de Janeiro). Porém, foi com o advento
do Código Penal de 1890 que surgiu a idéia de punição como uma
forma de “reeducação”, criando-se assim regime penitenciário de
Caráter Correcional28
. Porém, o sistema penitenciário brasileiro
apresenta diversos e graves problemas que caracterizam a violação de
Direitos Fundamentais e a região de Ribeirão Preto não difere desse
quadro.
O presente relatório tem por objetivo apresentar como é
organizado o sistema penitenciário brasileiro, bem como destacar
alguns pontos importantes sobre a situação em que vive a população
privada de liberdade. O Relatório busca ainda destacar duas instituições
que desenvolvem trabalhos com a população carcerária na região de
Ribeirão Preto, a saber: a Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro (FUNAP);
e a Pastoral Carcerária.
28 JESUS, Silas Silva: Sistema Penitenciário brasileiro. In: XI Congresso de
Iniciação Científica da UNIVEM, 2009.
63
2. Caracterização do Sistema Pris ional
Os estabelecimentos prisionais são os locais em que as pessoas
condenadas cumprirão suas respectivas penas. Para cada regime foi
instituído um estabelecimento diverso. São eles: a Penitenciária, a
Colônia agrícola, industrial ou similar e casa de albergado ou
estabelecimento similar.
As Penitenciárias são as casas que abrigam os condenados
apenados por reclusão em regime fechado. As colônias agrícolas,
industriais ou similares são destinadas ao cumprimento da pena em
regime semiaberto. As casas de albergado são destinadas ao condenado
que cumpre pena em regime semiaberto.
2.1 Dados – Brasil29
População carcerária: 482.433
População carcerária masculina: 451.905
População carcerária feminina: 30.528
Estabelecimentos
Capacidade projetada para sentenciados 328.395
(déficit de vagas: 154.038)
Penitenciárias – 525
Colônias agrícolas, industriais ou similares – 37
Casas de albergado – 70
29 CNJ. Conselho Nacional de justiça. Disponível em
www.cnj.br/geopresídios.
64
Cadeias Públicas, Casas de Detenção ou similares –
1.847
Hospitais de Custódia e Tratamento psiquiátrico – 29
Delegacias – 277
2.2 Dados - Estado de São Paulo30
População carcerária: 164.633 - Vagas: 102.059
(déficit de vagas de 62.574)
População carcerária masculina – 154.924
População carcerária feminina – 9.709
A responsabilidade pela administração e organização
das unidades prisionais no estado de São Paulo foi
transferida da Secretaria de Justiça para a Segurança
Pública em 1992 e para a Secretaria de Administração
Penitenciária (SAP) criada em 1993 através da Lei
no8209 e organizada através do Decreto n
o 36.463.
Atualmente o estado conta com 150 unidades prisionais
distribuídas em:
74 penitenciárias 37 Centros de Detenção Provisória
(estabelecimento para sentenciados que aguardam
julgamento, construído para abrigar a população das
cadeias).
30 SAP. Secretaria de Administração Penitenciária. Disponível em
www.sap.gov.br
65
22 Centros de Ressocialização (unidade mista com
regimes fechado, semiaberto e provisório, administrado
em parceria com ONG com participação efetiva da
comunidade).
13 Centros de Progressão Penitenciária (Regime
Semiaberto).
01 Unidade de Readaptação Penitenciária - Presidente
Bernardes (celas individuais, segurança máxima;
regime disciplinar diferenciado).
03 Hospitais (02 hospitais de custódia e tratamento
psiquiátrico em Franco da Rocha I e II e 01 hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico em Taubaté)
01 Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário em São
Paulo – Sob direção da Santa Casa de São Paulo.
2.3 Dados – cidade de Ribeirão Preto
A cidade de ribeirão Preto tem uma penitenciária masculina,
com capacidade para 900 detentos, e com uma população em torno de
1429 pessoas, o que represente uma ocupação de 158,7%; a
penitenciária feminina disponibiliza o total de 300 vagas, e atualmente
apresenta uma população carcerária de 344 pessoas, o que caracteriza
uma ocupação de 114,67%. Ribeirão Preto tem ainda um Centro de
detenção Provisória (CDP) com capacidade para 448 pessoas, estando
atualmente com 755 pessoas, o que representa uma ocupação de
66
168,5%. Assim, Ribeirão Preto possui uma população carcerária em
média de 2.430 pessoas.
3. Diretos garantidos a população carcerária
As pessoas privadas de liberdade são sujeitos de direitos, que
devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. Assim, não estão
fora do direito, pois se encontram numa relação jurídica em face do
Estado, e exceto os direitos perdidos e limitados a sua condenação, sua
condição jurídica é igual à das pessoas não condenadas.
Com o intuito de reinserção do sentenciado, este tem o direito
de receber devido atendimento no durante a execução da pena. Assim, o
Estado tem o dever de prestar atendimento a população carcerária,
como um instrumento para que o sentenciado não reincida e ao mesmo
tempo se “ressocialize”. Esse dever estatal está garantido no art. 10 da
Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984 que é um estatuto específico que
regulamenta a execução penal.
Para garantir o respeito aos direitos dessa população, a
Constituição Federal possui dispositivos acerca da execução da pena
privativa de liberdade. Todos estão no artigo 5º.
a) cumprimento da pena em estabelecimentos distintos
(XLVIII) – De acordo com a natureza do delito, sexo e
idade, o apenado terá o estabelecimento específico. De
acordo com o art. 82, § 1º da LEP, “a mulher e o maior de
sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a
estabelecimento próprio e adequado à sua condição
pessoal”.
67
b) respeito à integridade física e moral (XLIX) – Ao que
cumpre pena privativa de liberdade garante-se a integridade física e
moral. Esse é um dos direitos da população carcerária. A Lei de
Execução Penal (LEP) prevê no art. 45, § 1º que as sanções
disciplinares não poderão colocar em risco a integridade física e moral
do condenado. Também o art. 40 impõe a todas as autoridades o
respeito à integridade dos condenados e dos presos provisórios.
c) direito das presas de permanecerem com seus filhos durante
o período de amamentação. Para assegurar o cumprimento desse
preceito a LEP institui em seu art. 89 que a penitenciária de mulheres
poderá ter uma seção para gestante e parturiente, além de creche para
assistência à criança cuja mãe esteja presa.
Código Penal trás ainda em seu artigo 38 outras garantia de
direitos da população carcerária: “O preso conserva todos os direitos
não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as
autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.
A Lei de Execução Penal (LEP) trás ainda a garantia dos
seguintes direitos, a saber: assistência material, assistência à saúde que
compreende atendimento médico, farmacêutico e odontológico em seus
dois aspectos – preventivo e curativo; A assistência educacional, o
Estado deverá proporcionar o ensino de 1º grau, profissional, além de
poder firmar convênios com entidades públicas ou privadas, que
instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.
Todo estabelecimento deverá possuir uma biblioteca para
auxiliar nos estudos dos reclusos; a assistência jurídica e religiosa (art.
68
41); quanto aos direitos civis, garante o direito de propriedade, o direito
de família, dentro das limitações da prisão.
Relativo aos direitos sociais a LEP garante ainda o direito à
educação e ao trabalho remunerado, juntamente com os benefícios da
seguridade social, descanso e recreação, bem como o direito ao acesso à
justiça por intermédio da defensoria Pública ou advogado constituído
(art.15).
O direito à informação, enunciado no art. 26 da declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, é fundamental para a
ressocialização do sentenciado, o direito à comunicação visa à
desinstitucionalização da prisão. A população carcerária não deve
perder o contato com a sociedade, para qual se prepara gradativamente.
4. Problemas com o sistema prisional no Brasil e a
violação de direitos fundamentais
Como foi destacado o sistema penitenciário brasileiro apresenta
diversos problemas. E, não é diferente do sistema penitenciário da
região de Ribeirão Preto, que apresenta boa parte dos problemas que
serão destacados no presente relatório.
Numa visão global da situação carcerária brasileira podemos
destacar dois grupos principais de violação contra a população
carcerária, a saber: (1) violação quanto à legalidade da prisão ou a
duração excessiva da pena; (2) violação quanto à maneira de execução
da prisão.
Nesse sentido, podemos destacar as prisões absolutamente
arbitrárias, prisões correcionais, por suposta “vadiagem”; prisões que
69
ultrapassam o cumprimento da pena estabelecida. Pode-se observar
ainda a superlotação das celas; falta de higiene; castigos arbitrários;
violência sexual, maus-tratos, violação do direito à intimidade, entre
outros.
A superlotação é um dos principais problemas do sistema
penitenciário brasileiro. Atualmente, no Brasil, segundo dados do
DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), os presos em regime
fechado chegam ao número de 174.372 (penitenciárias masculinas e
femininas). Estendendo-se do regime fechado ao aberto, os números
indicam 261.718 presos. Já em sua totalidade, abarcando também os
presos que cumprem medida de segurança e os provisórios, contabiliza-
se 482.433 presos no sistema penitenciário.
O número de presos é muito alto e o sistema não tem
capacidade para tal. O DEPEN indica que o sistema prisional brasileiro
possui capacidade para 328.395 apresentando um déficit de 154.038
vagas. Podemos observar a violação de um direito dos presos
garantidos pela LEP, a saber: cada preso deve ter um espaço de seis
metros quadrados reservado. Mas tal lei não é observada, pois há
presídios em que o preso só tem livre um espaço de 30 cm quadrados31
.
Segundo dados, em alguns presídios, os presos fazem
revezamento para dormir, sendo que alguns dormem em pé. Outros
presos ainda chegam a amarrar seus corpos às grades, pelo motivo de
que nem o chão da cela tem espaço suficiente para o repouso noturno.
31 JESUS, Silas Silva: Sistema Penitenciário brasileiro. In: XI Congresso de
Iniciação Científica da UNIVEM, 2009.
70
Esse problema não existe por si só, trazendo consigo outros
problemas, a saber: problemas de infraestrutura e higiene, prédios mal
conservados, insalubridade, falta de limpeza das celas, especialmente as
celas disciplinares, a presença de ratos e baratas, além do constante mau
cheiro; tais problemas acarretam constantes problemas de saúde à
população carcerária, evidenciado pelas mais variadas doenças, como
tuberculose, pneumonia e AIDS em número superior aos índices
nacionais.
O acesso à saúde, embora garantido como um direito
fundamental é violado de diversas maneiras, a saber: a falta de
profissionais da área de saúde para atendimento dessa população, bem
como o atendimento de saúde realizado por agentes penitenciários; as
dificuldades para o pronto-atendimento e a transferência de urgência ou
consultas médicas externas; e a falta de acompanhamento médico e a
permanência de sentenciados que deveriam ter acompanhamento
psiquiátrico em um hospital, e que são mantidos nas penitenciárias.
Podemos destacar o acesso à justiça como um dos principais
problemas que tem que ser enfrentado, visto que 80% dos presos não
têm como pagar um advogado e, quando dependem da Defensoria, o
profissional nem sempre é presente e atuante. Nesse sentido, fortalecer
a Defensoria é uma medida imediata32
.
Por fim, importante evidenciar ainda a violação de direitos
estendida aos familiares da população carcerária, por vezes, submetidos
32 SCHIVON, Fabiana. Só Vontade Política Pode dar fim à crise no Judiciário.
Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2010.
71
à revista vexatória e a falta de informação com relação a entes privados
de liberdade.
5. Instituições que desenvolvem trabalhos com a
população carcerária na região de Ribeirão Preto.
É importante destacar o trabalho de duas instituições existentes
na cidade de Ribeirão Preto que lidam diretamente com a população
carcerária, a saber: (1) a Pastoral Carcerária; (2) a Fundação Prof. Dr.
Manoel Pedro Pimentel (FUNAP).
A Pastoral Carcerária é um serviço vinculado à Igreja Católica
em prol dos indivíduos privados de liberdade e zela para que os direitos
humanos e dignidade humana sejam garantidos no sistema prisional.
Podemos destacar entre os objetivos do trabalho da Pastoral:
conscientizar a população a respeito da difícil situação do sistema
prisional com palestras nas comunidades, promover a dignidade
humana, durante as visitas às unidades prisionais, promover políticas
públicas: criação de conselhos das comunidades, Defensoria Pública,
ouvidorias de polícia e do sistema prisional independentes, e
reintegração do egresso.
No âmbito internacional: ganhar força e reconhecimento,
conhecer experiências positivas e denunciar toda a injustiça praticada
no sistema carcerário.
A atuação conta com:
Visitas semanais de escuta, celebração, evangelização à
pessoa encarcerada na sua totalidade, respeitando as
diferentes religiões presentes no cárcere.
72
Fazer controle social das unidades. Visita a todas as
suas dependências: celas em geral, inclusão, celas de
castigo, seguro, enfermaria etc.
Articulação/contato com autoridades em nível Federal
e Estadual e outras entidades para construção de um
sistema penal digno, de acordo com as regras mínimas
estabelecidas pela ONU.
Orientação aos egressos quanto a documentos pessoais,
estudo, trabalho etc.
Diálogo com a sociedade a fim de promover uma
consciência coletiva comprometida com a vida e a
dignidade da pessoa humana. Participação em debates e
de matérias na imprensa.
Elaboração de documentos para reflexão da questão
carcerária
Apoio jurídico e social às famílias de presos.
Acompanhamento de denúncias de violação de direitos
humanos.
Apoio aos funcionários de sistema prisional e discussão
para respeito e melhoria do trabalho deles.
A FUNAP é vinculada à Secretaria de Estado da Administração
Penitenciária e tem como objetivo contribuir para a inclusão social da
população carcerária buscando desenvolver seus potenciais como
cidadãos e profissionais. Nesse sentido, a FUNAP desenvolve e avalia,
no âmbito do estado, programas sociais nas áreas de assistência
73
jurídica, de educação, cultura, de capacitação profissional para pessoas
que se encontrem privadas de liberdade, contribuindo para a inclusão
dos mesmos.
Assim, na área de assistência jurídica, a FUNAP criou o
Projeto JUS – Apoio Jurídico ao Preso – com o objetivo de prestar
assistência jurídica integral aos presos sem recursos financeiros.
Na área de educação, a instituição oferece o Programa de
Educação Básica (Alfabetização, Ensino Fundamental e Médio), com
foco na formação cidadã e continuada de todos os sentenciados.
Na área cultural, a FUNAP desenvolve atividades nas unidades
prisionais, destacando-se: Salas de leituras, oficinas, cursos e palestras
sobre temas variados, como o artesanato, informática, teatro, musica e
línguas estrangeiras.
Por fim, na área profissional ainda, destaca-se a realização de
cursos profissionalizantes, com certificação que invistam na perspectiva
de formação integral, buscando facilitar o ingresso ao mercado de
trabalho; bem como atividades que possibilite a geração de renda.
74
Conselhos Municipais e participação democrática:
uma análise do Conselho Municipal de Educação em Ribeirão
Preto
Gabriel Medeiros Caires
1. Introdução
No presente relatório pretendemos traçar um panorama do
Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto, a fim de apresentar
um pouco da participação democrática da população nas atividades
educacionais no Município. Para isso, nos parece conveniente, antes,
apresentar um pouco do contexto de surgimento dos conselhos de
educação.
É importante lembrar que a ideia de “conselhos” é quase tão
antiga quanto às primeiras formas de organização social, na medida em
que os conselhos eram formas de tomada de decisão diante de
problemas não previstos. Sua ideia também nos remete, na história mais
próxima, à propostas de democracia radical, como no caso da forma de
organização autônoma denominada sovietes33
, em destaque na
Revolução Russa de 1905 e também no caso da Revolução Espanhola
de 193634
.
33 Palavra russa correspondente a conselho, um tipo de órgão deliberativo
autônomo organizado originalmente por operários sem hierarquia.
34
PINTO, J. M. R. O potencial de controle social dos conselhos do Fundef e o
que se pode esperar dos conselhos do Fundeb. In: Donaldo Bello de Souza.
75
Já no caso dos Conselhos de Educação no Brasil, sua história
parece caminhar no sentido de transformação de conselhos fortemente
vinculados ao Estado, que apenas auxiliavam o governo em questões
predominantemente administrativas, para conselhos com maior
autonomia, influenciados pelo objetivo de ampliar a participação
popular na democracia. De todo modo, as funções dos conselhos
variaram muito nas últimas décadas: o que antes possuía um caráter
mais formalista, legitimando as atividades do Estado, tornou-se
preponderantemente um espaço de participação popular.
Foi, sobretudo, o processo de redemocratização no Brasil, em
especial a Constituição Federal de 1988 com a previsão da gestão
democrática do ensino público no seu artigo 206, que possibilitou aos
conselhos o desenvolvimento de um novo papel na gestão de políticas
públicas:
Em decorrência [das alterações, com a
Constituição, da gestão educacional], as leis dos
Conselhos de Educação são alteradas, definindo
um caráter mais participativo a esses órgãos, que
passam a contar na sua composição com
representantes indicados por segmentos da
sociedade civil organizada, e não mais apenas por
membros escolhidos pelo Poder Executivo35
(Org.). Conselhos municipais e controle social da educação: descentralização,
participação e cidadania. 1 ed. São Paulo: Xamã, 2008, v. 1, p. 153-168, p.140 35
MINISTÉRIO EDUCAÇÃO. Programa Nacional de Capacitação de
Conselheiros Municipais de Educação Pró-Conselho: guia de consulta /
coordenação geral de articulação e fortalecimento institucional dos sistemas de
ensino. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2007, p. 16.
76
O novo caráter dos conselhos, portanto, consistia justamente
em aumentar o poder de diálogo da sociedade civil com o poder
público, de modo que suas possibilidades, no Brasil, foram além do
simples apoio36
administrativo, para uma posição de maior ingerência
concreta nas políticas públicas. Hoje, podemos definir os conselhos de
educação da seguinte maneira:
Órgãos colegiados autônomos, integrantes da
estrutura do poder público, representativos da
sociedade local, incumbidos de contribuir para a
democratização da gestão educacional no
Município e atuar na defesa intransigente do
direito de todos à educação de qualidade37
.
2. O Conselho Municipal de Educação de Ribeirão
Preto
O Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto
(CMERP) se instituiu formalmente por meio da lei complementar
municipal nº 310, de 30 de dezembro de 199338
, no governo municipal
do Ex-prefeito Antônio Palocci Filho.
Trata-se de uma enorme conquista, principalmente em razão de
a Lei ter constituído o Conselho como um órgão de caráter normativo,
36Alterada pela Lei Complementar n.1686 de 2004. Essa mudança representou
diminuição do número de conselheiros, além de outras alterações na atividade
do Conselho.
37
MINISTÉRIO EDUCAÇÃO. Programa Nacional de Capacitação de
Conselheiros Municipais de Educação Pró-Conselho: guia de consulta /
coordenação geral de articulação e fortalecimento institucional dos sistemas de
ensino. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2007, p. 15.
77
consultivo e deliberativo. Com a competência deliberativa, que se
traduz em um poder de decisão quanto às matérias a ele atribuídas, é
possível ao Conselho se desvincular, em determinada medida, da
política do governo em exercício, mantendo-se autônoma em relação a
ela para, inclusive, analisá-la criticamente. Ou seja, o Conselho deixa
de ser um mero auxiliar do Estado, com funções meramente
consultivas, para poder construir suas convicções com menor
ingerência governamental.
De acordo com tal Lei, o CMERP é composto por vinte e um
conselheiros titulares e vinte e um suplentes, nomeados pelo Prefeito
Municipal, com mandato de quatro anos. O Regimento Interno que
especifica sua estrutura e funcionamento foi homologado pelo Decreto
Municipal nº 173, de 21 de junho de 2006.
O CME é estruturado em quatro comissões permanentes com,
no mínimo, três membros: I. - Comissão de Educação Infantil; II. -
Comissão de Ensino Fundamental; III. - Comissão de Ensino Médio,
Modalidade e Normas Gerais; e IV. - Comissão de Planejamento,
Recursos Públicos e Avaliação.
Outros temas e assuntos específicos podem ser objeto de estudo
por Comissões Especiais Temporárias. Todas as decisões das
Comissões devem ser submetidas ao Plenário. O Colegiado reúne-se
em sessões ordinárias e, extraordinariamente, sempre que necessário.
As decisões e normas do conselho são elaboradas sob a forma de
deliberações, indicações e pareceres.
78
Na Lei Municipal de criação do CMERP é notável, quando se
trata de objetivos do CMERP, a convergência dele com os atuais
parâmetros de atividade e finalidade dos conselhos acima descritos, na
medida em que envolvem considerá-lo, o CMERP, como um dos
espaços de diálogo entre o poder público instituído e a sociedade civil
interessada. De modo especial, no artigo 2º da lei, observam-se metas
tais como a fixação de diretrizes de política educacional no município,
ou mesmo a elaboração de Planos Municipais de Educação. Há vários
outros exemplos de atribuições nas leis que demonstram, em suma, a
existência de certa liberdade legal para a atuação do CMERP, muito
embora a realidade demonstre que há uma precarização de tais
preceitos como veremos adiante.
3. Situação atual do CMERP
De início, quando se investiga a atividade do Conselho,
determinados elementos merecem ser comentados, tanto no sentido de
pontuarem características que tem fortalecido a sua atividade, como
aquelas que, contrariamente, são fontes de problemas e merecem ser
pensadas com seriedade.
O CMERP tem concretizado uma política de publicidade que
merece ser elogiada, isso porque vem divulgando em seu site as pautas
e atas das reuniões39
bem como outros documentos que auxiliam o
acesso as suas atividades.
39 Atas e Pautas das reuniões do Conselho disponíveis em:
http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/seducacao/conselho/i15ind-conselho.php.
(Ultimo acesso em 09/03/2012).
79
A formalidade é outra característica do CMERP que reputa
elogios. Em suas reuniões a liberdade de voz costuma ser respeitada,
inclusive para os que não são conselheiros e participam da reunião. Os
assuntos são discutidos com clareza pelos conselheiros, permitindo uma
participação democrática.
Obviamente, a observação da atividade do CMERP levanta
também questionamentos que merecem ser devidamente comentados,
pois revelam algumas deficiências e precariedades na atividade do
conselho.
No ano de 2011, o CMERP teve em suas reuniões debates que
demonstraram um sintoma crônico de muitos Conselhos atuais, a saber,
a falta de autonomia. Com extrema dificuldade podemos aferir
propostas concretas fruto de intensa discussão do Conselho que
refletem na melhora da educação municipal. Isso porque se observou
um uso demasiado do tempo para questões secundárias como, por
exemplo, a presidência do conselho. Ficou prejudicada a possibilidade
real de participação nas políticas públicas, em razão desses debates que,
no mínimo, suscitam a necessidade de se pensar diferenças entre o
papel do governo e o papel do conselho, para evidenciar como a falta
de autonomia reflete diretamente nas atividades do CMERP.
Bem se sabe que “todo poder emana do povo”. É garantia
constitucional de extrema importância na proposta de efetivação de um
Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, a atividade
governamental deve sempre agir em nome, e por isso nos interesses, da
população.
80
Concretamente, a atividade dos CMERP pode criar um espaço
para, como vimos anteriormente, um diálogo mais próximo entre o
poder governamental temporariamente instituído e a população. Se,
portanto, o Conselho é fundamental para a atividade de uma
democracia participativa, é de fundamental importância a autonomia do
CMERP frente ao poder estatal. Se não forem estabelecidos meios que
concretizem as diretrizes e finalidades para que fossem criados esses
conselhos, a sua existência estará subordinada a uma mera formalidade
retórica.
Em primeiro lugar, não existe uma autonomia administrativa e
orçamentária que possibilite ao Conselho uma melhor autogestão. Toda
a atividade de suporte administrativo das reuniões e do que é decidido
nelas costuma estar ao encargo de um só, ou alguns conselheiros, que
por maior boa vontade que tenham, não são servidores exclusivos do
órgão, e acabam sobrecarregados.
Há também problemas estruturais frutos da falta dessa
independência orçamentária. Por exemplo, a falta de estrutura de
transporte, que permitiria maior mobilidade aos conselheiros que já
estão no exercício de suas atividades bem como outros representantes
da sociedade que deixam de concorrer ao cargo em vista da dificuldade
de participação das reuniões.
Durante a participação das reuniões do CMERP, ficou evidente
o uso excessivo uso do tempo para discussões acerca dos assuntos
administrativos, ou assuntos que materialmente não trazem
consequências diretas para a educação, como o procedimento para
81
conselheiros que estavam faltando em demasia, a preparação de
eleições, enfim, assuntos que poderiam ser resolvidos muito mais
rapidamente se o CMERP possuísse um ou mais servidores
responsáveis pela atividade de organização do Conselho. Haveria maior
tempo para a execução das funções mais significativas do Conselho
ligadas, por exemplo, à fiscalização do orçamento destinado à
educação.
Em segundo lugar, para que a autonomia do conselho se
verifique na realidade, é fundamental que os conselheiros reflitam a sua
base de apoio, sejam representativos, tenham legitimidade frente ao
conselho. Em entrevista com o ex-presidente do CMERP este problema
ficou evidente. Se um representante dos pais, por exemplo, não possui
sua representação legitimada por alguma organização civil de pais, ele
fica atomizado, representando a si mesmo de forma isolada, de modo
que seu voto possa ser determinado por interesses outros que não os dos
pais de Ribeirão Preto.
Um exemplo claro disso é o caso dos professores da rede
municipal de ensino. Eles não possuem um sindicato próprio,
pertencendo ao Sindicado dos Servidores Públicos Municipal de
Ribeirão Preto e Guatapará. Sem uma base sindical própria, os
professores perdem apoio e podem ser cooptados, inclusive por esferas
do governo, já que o governo possui uma relação hierárquica com os
professores em sua atividade profissional.
A construção de um Conselho autônomo possibilita a formação
de opiniões sólidas nesse espaço de democracia participativa,
82
consolidando a consciência de demandas observadas na comunidade, e
que podem ser legitimamente expostas. De modo geral, podemos dizer
que, em última análise, a autonomia permite se formar uma voz de peso
no debate acerca das políticas públicas em educação.
Porém, o oposto leva a uma situação de descrédito no Conselho
por parte da população ribeirão-pretana. Não se consolida perante os
munícipes uma instituição sólida e democrática se conforme a mudança
da arquitetura governamental altera-se também a forma de lidar com os
assuntos relativos à educação. Essa vulnerabilidade que o Conselho ora
se coloca inviabiliza sua atividade e seus objetivos, como num círculo
vicioso que, muitas vezes, não se pode apurar um responsável, pois
nem há, mas trata-se de um problema reiterado estrutural e intrínseco à
própria forma de organização institucional. É interessante como o
próprio Ministério da Educação determina a importância da autonomia
na estruturação dos CMEs:
Portanto, sem condições de funcionamento
próprias, pela dependência administrativa e/ou
financeira, os conselhos perdem sua autonomia,
submetendo-se à vontade do secretário ou do
prefeito e às suas demandas, esvaziando o papel
que devem desempenhar na representação da
sociedade40
40 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa Nacional de Capacitação de
Conselheiros Municipais de Educação Pró-Conselho: Guia de consulta /
coordenação geral de articulação e fortalecimento institucional dos sistemas de
ensino. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2007, p.24.
83
Ainda que superficial, a análise aqui descrita espera que
concretamente se tenha dado algum passo na tarefa de melhoria de um
órgão de tamanha importância no debate acerca das políticas públicas
na área de educação, como é o caso do Conselho Municipal de
Educação em Ribeirão Preto.
84
Plano Municipal de Educação de Ribeirão Preto, um
trabalho em vão?
André Luís Gomes Antonietto
1. Introdução
Em 2008, o Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto
aprovou uma proposta de Plano Municipal de Educação (PME), que
para ter força normativa, precisaria ser aprovado pela Câmara
Municipal e sancionado pelo chefe do Executivo do município. Seu
texto foi fruto de um processo iniciado pela Secretaria Municipal de
Educação que durou cerca de um ano e do qual participaram cerca de
duas mil pessoas.
No entanto, passaram-se mais de três anos desde sua aprovação
no Conselho Municipal e seu texto ainda não foi sequer submetido ao
Legislativo Municipal. Qual o significado que ele, bem como todo o
processo de mobilização que lhe deu origem, tem - ou poderia ter - para
a melhoria das condições gerais da educação no município ou para a
concretização do direito fundamental à educação? Porque este Plano
ainda não foi aprovado?
85
2. A efetivação do Direito à Educação: os Conselhos
Municipais e os Planos de Educação.
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a educação como
um direito fundamental de todos, de responsabilidade do Estado e da
família promovê-lo e incentivá-lo, com a colaboração da sociedade,
“visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205).
Além disso, ela detalhou princípios que devem nortear o ensino, alguns
dos deveres do Estado para sua garantia e também definiu alguns
instrumentos jurídicos para sua defesa. Sem dúvida alguma, isso
significou uma conquista histórica importante, quando consideramos os
textos das constituições brasileiras anteriores.
Todavia, após quase 25 anos da promulgação da Constituição
Federal brasileira (1988), temos fortalecido, cada vez mais, o
entendimento de que não é suficiente reconhecer formalmente esse
direito para que ele se efetive na realidade: é fundamental construir
novas formas de agir por parte dos poderes públicos, sobretudo, em
caráter propositivo e de maneira planejada. Sua efetividade depende,
também, da contínua ampliação das formas de participação da
sociedade civil, considerando-se seus vários níveis e tipos de
organização sociopolítica e toda a conflitualidade e complexidade a eles
inerentes.
É nesse cenário que podemos entender a importância que tem
assumido, cada vez mais, a elaboração de políticas públicas para a
efetivação de direitos humanos e a ampliação da participação popular
86
nos processos que as engendram, destacando a relevância de um dos
principais instrumentos utilizados com este objetivo, que é a elaboração
de Planos de Educação relativos às necessidades de cada ente federado
(União, Estados e Municípios).
Assim, a elaboração de um Plano Municipal de Educação pode
trazer consequências muito relevantes do ponto de vista do
fortalecimento do direito fundamental à educação previsto na nossa
Constituição Federal de 1988 e do fortalecimento da democracia
participativa. Isso porque, é a partir do PME, por exemplo, que o
Município pode definir “de que maneira” e “quando” o município
planeja cumprir sua responsabilidade jurídica de garantir a educação,
definida pela Lei de Diretrizes e Bases41
.
Todo PME deve ser construído de forma articulada ao Plano
Estadual de Educação (PEE) e ao Plano Nacional de Educação (PNE),
ou seja, os seus objetivos gerais são os mesmos do PNE, previstos no
artigo 214 da CF: a) erradicação do analfabetismo; universalização do
atendimento escolar; melhoria da qualidade de ensino; formação para o
trabalho; promoção humanística, científica e tecnologia de País. Já as
suas metas e estratégias de ação na educação escolar precisam estar
fundadas no diagnóstico da realidade local, vocação, carências e demais
políticas públicas do município.
A principal função de um PME é orientar as ações do poder
público e sociedade civil por um período determinado que, em geral, é
de dez anos. A proposta é que, a cada decênio, todo o processo seja
41 LDB - Lei Nº 9.394, 20 de Dezembro de 1996.
87
reiniciado: novo diagnóstico, rearticulação dos atores públicos e
privados e redefinição das estratégias para elaboração de outro Plano.
Assim, esse tipo de documento permite aos municípios elaborarem
mecanismos próprios para a efetivação das suas obrigações que estão
previstas, sobretudo, na CF/88, na LDB e nos planos nacional e
estaduais de educação, considerando suas próprias trajetórias históricas
e contextos sociopolíticos e econômicos, seus demais planos e políticas
públicas, bem como os objetivos e demandas da população local. Ele
também atua como mecanismo contínuo de avaliação, por parte dos
municípios, do cumprimento de sua obrigação prevista
constitucionalmente ligada à efetivação do direito à educação.
3. O Plano Municipal de Educação de Ribeirão
Preto
No caso de Ribeirão Preto, o órgão responsável pela elaboração
do PME foi o Conselho Municipal de Educação. Os Conselhos
Municipais fortaleceram-se no Brasil no contexto das lutas pela
democratização, na década de 1980, como mecanismo de controle do
Poder Público pela sociedade civil organizada e de participação da
sociedade civil na definição de critérios e parâmetros orientadores da
ação pública.
O Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto foi
criado pela Lei Complementar nº 310, de 30 de dezembro de 1993, e,
como principal objetivo, dedica-se a zelar pela qualidade do ensino no
Município e incentivar seu aprimoramento, e dele participam
representantes de diversos segmentos da educação - como professores
88
de diferentes níveis de ensino, alunos e membros da administração
pública municipal. Dentre suas atribuições previstas em lei está a
aprovação do PME (Art. 6º, XI, a, Lei Complementar 1686), que deve
ser, posteriormente, submetido à Câmara Municipal, para conversão em
lei, e à Chefia do Poder Executivo Municipal, para ser sancionado.
O PME de Ribeirão Preto (aprovado na 1ª Conferência
Municipal de Educação em 28 de Maio de 2008 e homologado pelo
Conselho Municipal de Educação em 23 de Junho de 2008), buscando
atingir este objetivo, faz minuciosa análise da educação do município,
levantando informações gerais da cidade, aspectos históricos de sua
educação e traçando um diagnóstico de diversas esferas que compõe o
ensino: Educação Infantil; Ensino Fundamental; Ensino Médio,
Técnico de Nível Médio e Profissional; Educação Superior; Educação
de Jovens e Adultos; Educação Especial; Educação do Campo;
Formação e Valorização dos Profissionais da Educação; Financiamento
e Gestão; Processos de Avaliação Educacional.
O processo de criação deste documento foi marcado pela
participação de diversos seguimentos da sociedade nas várias plenárias
realizadas para elaborar o texto base, que foi discutido e aprovado na I
Conferência Municipal de Educação. Cerca de 2000 pessoas, entre pais,
estudantes, profissionais da educação e outras pessoas ou organizações
da sociedade civil participaram do processo, garantindo sua riqueza e
legitimidade democrática.
Por todo o exposto, vemos que o trabalho para analisar e
entender a situação da educação em Ribeirão Preto já foi feito, e de
89
modo bastante profundo. No entanto, mesmo tendo este documento
sido aprovado há mais de três anos pelo Conselho Municipal, estando
disponível para consulta popular no site da Secretaria Municipal de
Educação, o PME ainda não foi submetido à Câmara Municipal,
correndo risco de ser esquecido e de ter sido um grande desperdício de
dinheiro público e esforços, além de enorme desrespeito aos cidadãos
ribeirão-pretanos, e especial, aos participantes do processo de sua
elaboração.
Considerando que a convocação da conferência da qual
resultou o PME foi feita pelo próprio Poder Executivo Municipal, e que
a conferência é uma forma de participação popular direta, ou seja, um
espaço no qual o Executivo chama os cidadãos para que colaborem
diretamente na construção das políticas públicas, podemos dizer que
não aprovar o fruto deste trabalho, ainda mais em um país que diz
expressamente em sua Constituição que “todo o poder emana do povo”,
seria semelhante a convocar um plebiscito ou referendo e, após sua
realização, não viabilizar os anseios que dele resultem.
No mais, apesar de passado este tempo desde sua aprovação,
pode-se dizer que o documento continua atual e expressa de forma
bastante precisa as necessidades e metas da educação para a cidade, de
modo que sua aprovação, ainda que tardia, contribuiria imensamente
para a melhoria da educação na cidade, por meio do comprometimento
do Poder Público com as metas nele expostas e da fiscalização popular
de seu cumprimento, além de dar à sociedade um importante recado de
90
que o discurso de que vivemos em uma democracia real não é apenas
uma falácia (ou uma piada de mau gosto).
Referência bibliográfica
Plano Municipal de Ribeirão Preto. Disponível em:
http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/seducacao/conselho/
91
Direitos, instituições e adolescentes em conflito com a
lei: alguns apontamentos
Caroline Pereira dos Santos
Bruna Sillos
Igor Muniz
1. Introdução
O Estatuto da Criança e do Adolescente surge acompanhando
as direções internacionais que visam estabelecer a proteção integral
àqueles que ainda se encontram em um estágio de desenvolvimento.
Todavia, a realidade prática nem sempre efetiva os direitos
garantidos pelo referido Estatuto. Diferentemente das penas aplicadas
aos adultos, que se fundamentam no grau de culpabilidade para a
escolha da sanção, no caso dos adolescentes deve-se priorizar a
ressocialização, adotando-se a medida socioeducativa mais adequada à
realidade do jovem infrator.
Em outras palavras, o operador do direito deve analisar as
circunstâncias sociais do caso concreto a fim de aplicar uma medida
que priorize o caráter pedagógico sobre o punitivo, a fim de se
possibilitar a retirada deste indivíduo de um universo marcado pelo
crime. A ressocialização do infrator através de ações pedagógicas deve
ser a prioridade daquele que decreta a medida.
Devendo-se levar em conta os problemas sociais, o
envolvimento do adolescente com drogas, a possibilidade de integração
92
da família na efetivação da medida, assim como a capacidade de
cumprimento desta, surge um questionamento: as medidas se adéquam
à realidade do infrator? Em outras palavras, as medidas devem ser
individualizadas diante da situação apresentada por cada infrator, mas
na prática, como isso vem sendo concretizado?
Os questionamentos muitas vezes conduzem a uma realidade
que se apresenta de forma distinta daquela almejada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente. Por vezes, revela-se a existência de uma
diferenciação entre a teoria e a prática, entre o ser (significado material)
e o dever ser (significado instrumental).
No universo do “ser” busca-se uma perspectiva sobre o ponto
de vista daquele que está se submetendo a uma medida socioeducativa,
o efeito sentido por aquele que vivencia a realidade de estar internado.
A existência de uma conduta não desejada pela sociedade e
realizada pelo infrator promove a ocorrência de uma responsabilização.
O significado desta responsabilização para o infrator insere-se no
âmbito do “ser”, refere-se à substância da medida, como ela é sentida
por aquele que a vivencia.
Este significado passa a ser compreendido na medida em que se
revela qual é a perspectiva do infrator. Há crença nas técnicas
pedagógicas? Na ressocialização? Em uma vida desvinculada dos
delitos? Como eles vêm o trabalho daqueles que os acompanham
nessas medidas (psicólogos, religiosos, assistentes sociais e operadores
do direito)? Como os pais se envolvem no auxílio da ressocialização
dos filhos infratores?
93
Já o universo do “dever ser” analisa-se aquilo que se almeja, ou
seja, o que é pretendido pelas normas e pelas ações daqueles que estão
envolvidos neste trabalho. Visa-se descobrir a finalidade das medidas,
há um dever de prevenir? Há um dever de reeducar?
Diálogos com aqueles que lidam com essa realidade, sejam
operadores do direito, pessoas que trabalham a implantação das
medidas socioeducativas (funcionários da rede de internação,
psicólogos, voluntários entre outros) também permitem um maior
esclarecimento da finalidade das medidas.
Outras perguntas também favorecem o melhor entendimento
desta realidade, agora sob a perspectiva dos indivíduos que trabalham
para resolução desses problemas, como realizam suas funções? Há
recursos? Como são aplicadas as técnicas pedagógicas? Como eles
enxergam suas ações? Há um retorno oriundo dos jovens?
Os questionamentos direcionam a visualização mais clara do
significado instrumental das medidas, daquilo que é almejado por
aqueles que trabalham com os adolescentes infratores.
Sendo assim, inicia-se uma busca de informações advindas da
realidade de Ribeirão Preto na tentativa de melhor compreender o tema.
2. As Instituições da criança e do adolescente na
cidade de Ribeirão Preto
O tema “adolescentes em conflito com a lei” mostrou-se como
um grande desafio diante da dificuldade na obtenção de informações e
dados estatísticos relativos à região de Ribeirão Preto.
94
Nesta cidade, verifica-se a existência de diferentes instituições
no combate deste problema social: as DRADS (Divisão Regional de
Assistência e Desenvolvimento Social - Secretaria de Assistência e
Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo), Fundação Casa,
Organização Comunitária Santo Antônio Maria de Claret, entre outros.
Entretanto o levantamento de dados não se mostrou eficaz
através dos contatos que foram realizados com algumas destas
instituições, na medida em que não havia uma página eletrônica virtual
ou um banco de dados públicos que nos pudesse oferecer informações
relativas ao perfil socioeconômico desses adolescentes, tais como: qual
bairro mais afetado, qual a porcentagem de reincidentes, qual a idade
dos infratores entre outras informações.
Inicialmente ligações foram feitas para Fundação Casa, à
DRADS e à Secretaria Municipal de Assistência Social. Após o contato
telefônico, foram enviados e-mails para esses locais com
questionamentos sobre como era a realidade na região, tais como
perguntas sobre a existência de um banco informatizado, quantos casos
ocorriam por mês, quais medidas socioeducativas eram implantadas,
como era feito o trabalho de prevenção, como era realizado o trabalho
com os educadores e familiares, enfim uma série de perguntas sobre a
realidade vivenciada em Ribeirão Preto. No entanto, não foram
fornecidos dados acercas dos questionamentos realizados.
Dando prosseguimento na busca de informações, descobriu-se a
existência de uma estrutura organizada relativa ao tema. A cidade
possui três centros de atendimento da Fundação Casa, a CASA de
95
Semiliberdade (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
de Semiliberdade de Ribeirão Preto), o NAI Ribeirão Preto (Núcleo de
Atendimento Integrado de Ribeirão Preto) e a CASA Ribeirão Preto
(Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de Ribeirão
Preto).42
A cidade também apresenta um Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente43
, além de cinco entidades
conveniadas com a Secretaria Municipal de Assistência Social para a
prestação de dois serviços: o primeiro relativo ao Serviço de Proteção
Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de
Liberdade Assistida e o segundo de Prestação de Serviço à
Comunidade.
Estas cinco entidades são a Associação São Francisco de Assis
– Gewo Haus, a Associação Transformar de Ação Sócio Comunitária, a
Organização Comunitária Santo Antônio Maria de Claret, além do
Centro Renovado Cristão de Ensino Integral e o Instituto Plural de
Educação Cidadania Vila Bela.
Sendo assim, as informações relativas à estrutura
organizacional da cidade permitiu um melhor entendimento sobre quais
instituições poderiam auxiliar a pesquisa no levantamento de dados.
42Disponível em: http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/. Acesso em 20 de fev.
2012. 43
Disponível em:
http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/principaln.php?pagina=/scidadania/crianca/
i27principal.htm. Acesso em 20 de fev. 2012
96
3. O contato com os adolescentes
Devido à dificuldade de se obter dados oficiais com órgãos
como polícia e sistema judiciário, o método ficou muito restrito em
termos quantitativos. Assim, optou-se pela redução do campo amostral,
tendo como objetivo obter maior profundidade nas informações
coletadas.
O método baseou-se nas entrevistas de jovens em conflito com
a lei, sendo que não havia um roteiro definido. Apenas perguntava-se o
ato cometido e em seguida questões circunstanciais da vida dos jovens
eram feitas.
Foram entrevistados 10 (dez) jovens em dois dias e todos eles
estavam cumprindo liberdade assistida na instituição São Francisco de
Assis – Gewo Haus. Esta instituição presta serviços no bairro Branca
Sales e atende jovens que moram não só neste bairro mas também nos
vizinhos. Essa área é marcada por altos níveis de criminalidade, trata-se
de uma região periférica da cidade com muitas pessoas vivendo em
condição de invisibilidade para a população em geral e grande parte do
Estado.
Dos 10 (dez) jovens entrevistados, todos já tinham tido contato
com drogas de forma bem próxima. 8 (oito) jovens estavam cumprindo
liberdade assistida justamente por causa do envolvimento com tráfico
de drogas. Dos outros 3 (três), 1 (um) estava cumprindo medida
socioeducativa em razão de violência sexual e 2 (dois) por crimes
contra propriedade privada.
97
Do exposto, o que mais se destaca é o envolvimento com
drogas. Na média, essas jovens começaram a ter contato com tráfico
entre 10 e 12 anos de idade. Uma diferença em relação às informações
divulgadas pela mídia sobre o tráfico de drogas em grandes cidades
como São Paulo e Rio de Janeiro é que aqui os adolescentes são
cooptados de forma mais sutil. Todos eles afirmaram que administram
o tráfico de forma independente, sendo que negam supervisão ou
condução por um adulto. Os jovens simplesmente compram a droga de
um distribuidor e passam a vender por conta própria.
Quanto ao envolvimento desses indivíduos com instituições,
como escola e família, que deveriam exercer um papel de
desenvolvimento pró-social, verifica-se certa instabilidade e fragilidade
nesta relação. Como consequência, os jovens demonstram indícios de
estigmatização por parte da escola, colegas e familiares.
4. Os desafios deste trabalho
Diante dos fatos relatados percebeu-se a existência de um
grande desafio: a compreensão da dimensão deste problema social na
cidade de Ribeirão Preto. Permaneceu, pois a pesquisa permaneceu na
dimensão do “dever ser”, caracterizada por normas e estruturas
organizacionais não conseguindo se infiltrar na esfera do “ser”, na
esfera daquele que vive este problema social.
A ideia é tentar estabelecer um paralelo entre duas visões: a
primeira é daquele que trabalha com os adolescentes (seja ele um
defensor público, um psicólogo ou um educador); a segunda, por sua
vez, refere-se àquele que se submete a medida, ou seja, as perspectivas
98
de quem vive esta realidade seja um adolescente infrator ou um ente
familiar.
Desse modo, o envolvimento com o tema demonstrou que a
realidade é mais difícil do que aquela encontrada dentro de uma sala de
aula ou visualizada nos livros.
Destarte, a busca por mais informações, assim como o
estabelecimento de um contato mais efetivo com a realidade vivenciada
em Ribeirão Preto, estimula a pesquisa sobre dados mais concretos
acerca do tema, com o objetivo de melhor compreender a realidade da
cidade e determinar ações a serem desenvolvidas por estudantes
universitários para este problema social.
99
Cooperativas de reciclagem e a gestão de resíduos
sólidos em Ribeirão Preto
Jessica Satie Ishida
Letícia Salomon Sesso
1. Introdução
A gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos é prevista na
Lei n. 12.305/10 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos) e
compreende o conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para
os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política,
econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a
premissa do desenvolvimento sustentável. Ela está associada
diretamente à garantia do direito constitucional à sadia qualidade de
vida das presentes e futuras gerações.
Uma das experiências municipais mais comumente encontradas
de gestão integrada dos recicláveis e reutilizáveis são os programas de
coleta seletiva em parceria com catadores, organizados em associações
ou cooperativas de trabalho. Tais experiências visam configurar
modelos capazes de promover vários dos princípios definidos pela
Politica Nacional, entre eles, o reconhecimento do resíduo sólido
reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social,
gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania.
Todavia, são vários os problemas e desafios ligados a esse tipo
de parceria. No presente, trataremos de uma experiência no município
100
de Ribeirão Preto, de modo a ressaltar algumas das dificuldades e
conquistas, do ponto de vista dos direitos dos catadores de recicláveis e
reutilizáveis.
Ribeirão Preto, cidade que se encontra atualmente em acelerado
processo de crescimento populacional e mantém elevado padrão de
renda e consumo, apresenta sérios problemas socioambientais, entre os
quais a questão dos resíduos sólidos urbanos.
Por um longo período, a maior parte dos resíduos sólidos
urbanos era acumulada em lixões irregulares e áreas a céu aberto, sem
qualquer tipo de tratamento do solo ou cobertura. Os danos e riscos
produzidos por tal prática são sentidos até hoje na cidade, em especial a
contaminação do solo e do lençol freático, já que grande parte do
perímetro da cidade situa-se sobre uma área de recarga do Aqüífero
Guarani, um dos maiores reservatórios naturais subterrâneo de água
doce do mundo.
A partir de 1989 a questão do lixo assumiu alguma prioridade
na agenda politica local, o que resultou na terceirização dos serviços de
coleta por meio de contratos públicos com valores bem elevados e
algumas medidas pontuais de caráter socioambiental. Algumas medidas
pontuais também tentaram ampliar a coleta seletiva e a separação de
lixo nos bairros com a instalação de usinas de triagem de administração
e gerenciamento das entidades civis, sem fins lucrativos.
De acordo com Pirani (2010), entre 1989 e 2008, que abarca
diferentes administrações municipais, não houve na cidade uma
verdadeira política municipal de gestão sustentável, integrada e
101
compartilhada do lixo. Ao contrário, o que o autor percebe é uma
politização do tema em duas vertentes desarticuladas entre si: uma
empresarial, dedicada à soluções convencionais de coleta e tratamento,
marcada por esquemas fraudulentos de financiamento de campanha por
empresas concessionárias; e outra, a coleta seletiva e a reciclagem, com
uma participação tímida e precária dos catadores, servindo para
legitimar o discurso socioambiental do governo local.
Alguns dados sobre a coleta de resíduos em Ribeirão Preto
demonstram que a coleta seletiva em Ribeirão Preto é pouco eficiente.
Segundo dados do CEMPRE, Compromisso Empresarial para
Reciclagem, que reúne dados sobre coleta seletiva no Brasil desde
1994, no município de Ribeirão Preto foram recolhidas 110 toneladas
por mês no ano de 2010.
A pesquisa realizada pelo Compromisso Empresarial para
Reciclagem trata também dos custos com coleta seletiva.
Em 2010, por exemplo, foram coletadas 120 toneladas ao mês
de materiais recicláveis, atendendo apenas 4% da população da cidade.
No entanto os custos do serviço foram bastante elevados cerca de 303,5
dólares por tonelada.
Uma das primeiras iniciativas em relação a reciclagem em
Ribeirão Preto foi a Lei nº2.216/2000 de autoria da vereadora Joana
Leal Garcia , que criou o programa “ O lixo é um luxo”. O objetivo
dessa lei era desenvolver projetos de seletividade e reciclagem do lixo,
buscando a inclusão econômico-social dos “catadores” e a melhoria da
102
qualidade de vida e do meio-ambiente. O artigo 3º da citada lei
estabelece:
Para a implantação deste programa, a Prefeitura
Municipal deverá dividir a cidade em no mínimo
cinco grandes regiões, designando local
apropriado e com infraestrutura para receber todo
o lixo recolhido nessas regiões, para que, através
de convênios e/ou parcerias com associações ou
cooperativas de catadores de lixo, possam fazer
toda a seletividade e a reciclagem do lixo
domiciliar.
O programa ainda estabelece como responsabilidades da
Prefeitura: a disponibilização de assessoria técnica, logística e jurídica,
podendo encaminhar os diretores das associações ou das cooperativas
para obtenção de recursos junto ao "Banco do Povo".
É importante ressaltar que apesar da existência dessa lei o
programa “O lixo é um luxo” nunca foi colocado em prática na cidade
de Ribeirão Preto. Pelo contrário, a cidade tem um grande déficit
quando o assunto é coleta seletiva, já que hoje há apenas uma
Cooperativa de Reciclagem oficialmente em operação. Mas essa
situação não foi sempre assim, a cidade já contou com outra importante
cooperativa, a Cooperútil.
Em 2001 houve uma das primeiras iniciativas municipais de
coleta seletiva que buscou retirar os catadores que trabalhavam no
aterro sanitário da cidade, transferindo-os para um centro de triagem.
Foi proposto nessa época um acordo para registrar os catadores que
previu a remuneração de um salário mínimo por quatro horas de
trabalho diário e uma cesta básica para cada um dos catadores. Foram,
103
então, contratados cerca de 160 catadores que receberam equipamentos
de proteção para o trabalho, barracão, prensas e assistência técnica e
passaram por um treinamento.
Assim é que nasceu a Cooperútil (Cooperativa de Coleta,
Triagem, Reciclagem e Comercialização de Materiais Orgânicos e
Inorgânicos de Ribeirão Preto), fundada no dia 2 de julho de 2003,
situada no Anel Viário da SP-322, Km 318 mais 850 metros. Essa foi a
primeira cooperativa oficial da cidade, criada para solucionar um grave
problema: trabalhadores que recolhiam materiais recicláveis no aterro
sanitário do município:
Verificamos no atual aterro sanitário de Ribeirão
Preto um grande problema de ordem social e de
saúde pública: a presença de aproximadamente
100 catadores “clandestinos” que ocupam este
aterro há alguns meses. Trata-se de um problema
sério que a atual administração pública municipal
não conseguiu resolver. (...) O trabalho de catação
em busca de materiais recicláveis e de alimentos
em meio ao lixo é constante e nem mesmo é
interrompido durante as manobras de compactação
do lixo executadas pelo trator.44
(...) No aterro trabalhavam 300 pessoas, sendo 75
adolescentes e crianças, que frequentavam aquele
local em busca de lixo reciclável e restos de
alimentos. A prefeitura tentou realocá-los no
serviço de “capinagem” do município, mas não
obteve sucesso, pois os catadores alegavam ganhar
44 LEITE, Tânia Maria de Campos. Análise do mercado brasileiro de
reciclagem de resíduos sólidos urbanos e experiências de coleta seletiva em
alguns municípios paulistas. 2001.151 f. Dissertação (Mestrado em Geografia)
- Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista,
Rio Claro, 2001.
104
mais com o recolhimento de recicláveis e
voltavam ao aterro. A solução encontrada, em
2001, foi contratar 165 daqueles catadores para
trabalharem no Centro de Triagem da Coleta
Seletiva. A prefeitura fez um contrato temporário
de um ano, renovável por mais um, que incluía
registro formal em Carteira de Trabalho e salário
em torno de R$ 300,00. Essa situação permaneceu
até julho de 2003, quando a cooperativa
Cooperútil foi criada. O município cedeu as
instalações e o maquinário do Centro de Triagem
para os cooperados, que ficaram responsáveis pela
triagem e comercialização dos materiais. A coleta
seletiva continuou sendo realizada pela prefeitura.
Em alguns bairros os cooperados também
participavam da coleta porta a porta45
.
Apesar de suas conquistas, a Cooperútil passa por uma série de
dificuldades desde a sua criação. A primeira delas foi o
descontentamento dos cooperados, pois quando eram funcionários da
Prefeitura o salário era fixo e eles não precisavam gerenciar e vender os
materiais (a administração era feita pelo DAERP). A cooperativa
também sofreu com a diminuição dos valores recebidos, do número de
trabalhadores, a desconfiança dos cooperados em relação à
administração do dinheiro e com um assalto acontecido em 2003.
De acordo com relato de um dos cooperados, a Cooperativa não
possuía nenhuma reserva de caixa o que os impedia de estocar material
a espera de preços melhores. Dessa forma, eram obrigados a “entregar”
o material reciclável por qualquer preço. Em relação ao funcionamento
45 SANTOS, Luiz Cláudio dos. A questão dos resíduos sólidos urbanos: uma
abordagem socioambiental com ênfase no município de Ribeirão Preto (SP).
2004. 120 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e
Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2004.
105
da Cooperativa, os principais problemas eram: o uso de caminhões
compactadores na coleta, que transformavam o que era recolhido em
uma massa de resíduos que precisavam ser “descompactados” pelos
cooperados. E também a mistura de materiais recicláveis com resíduos
orgânicos de todo o tipo.
No entanto, o mais sério dos problemas enfrentados pela
cooperativa foi os administrativos e financeiros, como esclarece
reportagem da Revista Painel, publicada em setembro de 2009:
No final de 2008 a Cooperútil se desestruturou e ficou inativa.
Em 2007, a própria cooperativa pediu intervenção do MP denunciando
que lixo hospitalar estava sendo coletado junto com o lixo útil. O
promotor Sebastião Santos instaurou inquérito, em abril de 2009, e
novos problemas surgiram durante as apurações: a cooperativa estava
funcionando inadequadamente no aterro sanitário, estava
desorganizada, tinha dívida com o INSS – solucionada há cerca de um
mês – e, além do mais, parte do material coletado estava voltando para
o aterro sanitário.
Assim em dezembro de 2008 a Prefeitura desativou a Central
de Triagem que a Cooperútil utilizava em decorrência de problemas:
legais, estruturais e jurídicos, frutos da falta de assessoria técnica aos
cooperados. Esses foram convidados a integrar a Cooperativa Mãos
Dadas. Segundo a assistente social da Secretaria de Assistência Social e
técnica do Programa Mãos Dadas, dos doze integrantes da antiga
Cooperútil, oito cooperados permanecem até hoje trabalhando na
Cooperativa Mãos Dadas.
106
2. Criação da Cooperativa Mãos Dadas:
O Projeto Mãos Dadas teve início em junho de 2007
(aprovação da lei municipal nº11.221/0746
), com nome escolhido pelos
próprios catadores. No entanto , apenas em julho de 2008, a
Cooperativa foi juridicamente constituída. Na fase inicial os cooperados
trabalhavam de forma improvisada em um Galpão no Parque de
Exposições Permanentes. Em 2009 a empresa Leão & Leão, doou à
Prefeitura de Ribeirão Preto um galpão no bairro Jardim Branca Salles,
onde a Cooperativa está até hoje.
Um dos principais objetivos da Mãos Dadas é fornecer
condições mais dignas aos trabalhadores do ramo, que antes atuavam de
forma esparsa e de maneira insalubre dentro da cidade. Os coletores de
material reciclável sofriam muito com alimentação inadequada e eram
completamente marginalizados da sociedade, tanto em aspectos sociais
quanto econômicos.
Procurou-se, portanto, extinguir a realidade da coleta individual
feita com carrinhos de mão que chegavam a pesar até 200 quilos.
A criação da cooperativa auxiliou em diversos campos. No
aspecto profissional houve o incentivo à auto-gestão, pois são os
cooperados que comercializam os materiais e organizam as funções e
também a criação de contas bancárias através das quais recebem os
vencimentos mensais. Há também o aspecto psicológico, como o
enriquecimento cultural por meio da formação de um coral com os
46Inteiro teor em http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/681220/lei-11221-07-
ribeirao-preto-sp
107
cooperados que se apresentam em eventos do município e o
descobrimento da cidadania. Pudemos perceber em nossa visita em
2011 a Cooperativa que os cooperados se sentem verdadeiros agentes
ambientais, valorizados e relevantes para a sociedade.
A saúde dos cooperados é também uma preocupação. Há
campanhas de vacinação anuais e controle dos métodos de
armazenamento para evitar a proliferação de focos de dengue no galpão
onde são armazenados os recicláveis e na área externa do terreno
cedido pelo governo municipal, onde está instalada a cooperativa.
Outros pontos importantes são o lazer dos cooperados, através de
passeios e atividades externas, e a educação, pois aqueles que desejam
completar seus estudos são incentivados a fazê-lo.
A Cooperativa conta hoje com 60 cooperados que trabalham
das 7:30h às 17:30h, com intervalos para almoço e lanche que são
feitos na mesma área em que trabalham. Como é próprio da estrutura de
Cooperativas não há salário fixo, cada um ganha proporcionalmente ao
que trabalha e também aos preços obtidos com a venda dos materiais.
Segundo a assistente social a renda média é de 480 reais por mês.
A Secretaria de Assistência Social de Ribeirão Preto faz o
pagamento das contas de água, luz e telefone do galpão e também
disponibiliza dois servidores para auxiliar os cooperados. A prefeitura
municipal realiza também a manutenção dos equipamentos, fornece os
EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), lanches, transporte e,
juntamente com o Fundo Social de Solidariedade, faz a doação de
cestas básicas para os cooperados.
108
A coleta seletiva em Ribeirão Preto é feita em 27 bairros, o que
corresponde a 1% do município. Há também a coleta feita nos
Ecopontos, locais de entrega voluntária de materiais recicláveis,
instalados em supermercados como Pão de Açúcar e Savegnago. Outra
grande colaboração vem da Universidade de São Paulo, através do
Projeto USP Recicla que destina todo o material coletado nos seus 30
Ecopontos à Cooperativa Mãos Dadas. A USP Ribeirão Preto também
auxilia na formação de agentes multiplicadores da educação
socioambiental.
Segundo a Cooperativa Mãos Dadas a coleta é feita em 133
locais públicos e privados conveniados com a cooperativa, o que resulta
em cerca de 100 toneladas por mês de materiais recolhidos.
A coleta de todo esse material é coordenada e fiscalizada pela
CLU (Coordenadoria de Limpeza Urbana) e operacionalizada pela
Empresa Leão & Leão.
Todo o material recolhido na cidade é levado pelos caminhões
da Prefeitura ao galpão da sede da Cooperativa Mãos Dadas,
localizado na Rua Jorge Teixeira de Andrade, nº 200,no bairro Jardim
Branca Sales. Lá, os recicláveis são separados pelos próprios
cooperados por categorias e armazenados de forma a otimizar a futura
venda em maior quantidade.
O caminhão responsável pela coleta chega pelos fundos da
cooperativa, onde a matéria-prima é recolhida e encaminhada para uma
grande esteira mecânica. Ali, cerca de 20 cooperadas (a maioria das
trabalhadoras é do sexo feminino) distribuídas entre os dois lados da
109
esteira fazem a distinção entre o que será aproveitado e o que não. Os
poucos homens da Cooperativa trabalham nas prensas, serviço que
exige mais força física. Já as mulheres mais velhas fazem a separação
de materiais menores fora da esteira. Sacolas de fibra e grandes
recipientes de plástico azul fazem as vezes de compartimentos para os
recicláveis selecionados. Cada compartimento é destinado a um tipo de
produto a ser recolhido na esteira: um para garrafas PET, outro para
recipientes plásticos brancos, outro para vermelhos, um para papelão,
etc.
Os resíduos não recicláveis, separados dos recicláveis
manualmente, são encaminhados ao aterro sanitário. Segundo dados da
Cooperativa Mãos Dadas o rejeito totaliza cerca de 30 toneladas por
mês. Esse rejeito é composto por materiais não-recicláveis, como:
restos de alimentos, animais vivos e mortos, móveis, roupas, calçados,
colchões e também materiais sem compradores, como o isopor que
ocupa muito espaço e tem baixo valor comercial (já que a venda do
material é feita por quilo).
A venda para as empresas que reciclam, contudo, não é feita
diretamente pelos cooperados, existindo compradores intermediários
para cada tipo de produto que se encarregam de repassar os materiais
adquiridos, os chamados atravessadores. Isso acontece porque a
Cooperativa não tem quantidade de materiais suficiente para fazer a
venda diretamente para as empresas de reciclagem.
Segundo Santos (2004), um dos principais problemas da
Cooperútil no ano de 2004 era a taxa de desvio, pois apenas 1.63% de
110
todo lixo coletado era desviado do aterro. Isso quer dizer que apenas
uma pequena parcela de todo os produtos recolhidos como “recicláveis”
eram de fato aproveitados pela Cooperativa. Infelizmente esse ainda é
um dos principais problemas enfrentados hoje. Em visita no ano de
2011 a Cooperativa Mãos Dadas percebemos a diversidade de resíduos
inadequados coletados como material reciclável: restos de comida,
animais vivos e mortos, móveis e etc. Esse fato ressalta dois pontos
principais: o primeiro é a falta de informação e de políticas públicas de
educação socioambiental da população sobre o que deve ou não ser
colocado para a coleta seletiva. Já o segundo é o desperdício de
dinheiro público, pois a coleta seletiva é bem mais cara que a do lixo
comum.
Outro ponto bastante importante para o município seria a
participação dos catadores, sociedade civil em geral e outros
interessados, na elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico,
o que não foi claramente estabelecido pelo Poder Público.
Há também uma forte tendência de solucionar o problema do
lixo em Ribeirão Preto através da prática da incineração47
. Essa medida,
porém, considera apenas os interesses econômicos e não a questão
socioambiental48
, além de ir na contramão da proibição da incineração
47Site da Câmara Municipal de Ribeirão Preto: “Aeroporto, Parque Ecológico e
Incineração do Lixo, são os destaques de Maurílio Romano”. Acesso em
26/02/2012.
http://www.camararibeiraopreto.sp.gov.br/snoticias/i33principal.php?id=43 48
Jornal A Cidade: “Indefinição de descarte de resíduos enfraquece PPP”.
Matéria do dia 18/02/2012. Acesso em 26/02/2012.
111
do lixo que tem ocorrido em outras cidades do país495051
. A incineração
de qualquer natureza é considerada pela Lei Complementar 1616/04 de
Ribeirão Preto52
(art. 195, parag. 2º.)como poluidora do ar.
Em relação às condições de vida e trabalho dos cooperados é
preciso ressaltar que a renda ainda é pouco digna (cerca de R$ 480) e
insuficiente para o sustento de uma família com cerca de 8 ou 9
pessoas, caso comum entre esses trabalhadores. Comparando-se a
situação de Ribeirão Preto com a de outros municípios como Orlândia,
Morro Agudo, Rio Preto, São Carlos e Araraquara, onde a Prefeitura
completa a renda dos cooperados até um salário mínimo, fica claro que
há muito a avançar nesse aspecto.
Em nossa visita em 2011 também foi possível perceber que o
atual prédio da “Mãos Dadas” oferece condições de trabalho ruins aos
http://www.jornalacidade.com.br/editorias/politica/2012/02/18/indefinicao-de-
descarte-de-residuos-enfraquece-ppp.html 49
Site do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis: “Aprovado
Projeto de Lei que institui programa de coleta seletiva em Ourinhos”. Acesso
em 26/02/2012 http://www.mncr.org.br/box_2/blogsudeste/aprovado-projeto-
de-lei-que-institui-programa-de-coleta-seletiva-em-ourinhos
50
Jornal Meio Ambiente: “Catadores querem abolir incineração do lixo no
Paraná”. Matéria de 24/11/2011. Acesso em 26/02/2012.
http://jornalmeioambiente.com/materia/294/catadores-querem-abolir-
incineracao-do-lixo-no-parana
51
Site do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis: “Grito contra a
incineração do lixo é promovido em S. Bernardo do Campo”. Acesso em
26/02/2012. http://www.mncr.org.br/box_2/blogsudeste/grito-contra-a-
incineracao-do-lixo-e-promovido-em-s-bernardo-do-campo
52
Inteiro teor em http://www.coderp.com.br/leis/pesquisa/ver.php?id=6826
112
cooperados. A área externa tem apenas uma lona improvisada, o chão é
de “terra batida” e um dos muros caiu devido à chuva. Os cooperados
trabalham sob sol, em meio ao barro e à poeira e em condições de
pouca segurança.
Outro aspecto bastante preocupante é o fornecimento e uso de
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), tão importantes na função
de triagem dos materiais. Em nossa visita, pudemos constatar que os
trabalhadores não usavam todos os equipamentos necessários. Outro
ponto indicado pelos próprios cooperados foi a perda de mão-de-obra,
segundo eles muitos motivados por melhores condições de renda e
trabalho deixam a Cooperativa para exercerem outras atividades.
O projeto conta com a participação de diversas Secretarias
Municipais ,mas diante do que verificamos, as ações ainda parecem
muito tímidas. Poucas atividades são oficializadas, como as doações do
material reciclável proveniente do Programa de Coleta Seletiva do
Município à Cooperativa. Eliana Camolese confirma a situação e diz
que o Ministério Publico junto com a Cooperativa Mãos Dadas tem
procurado firmar o papel do Município, através da celebração de
Contratos ou Convênios. Essa seria uma forma de garantir o
cumprimento de que prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei
12.305/201053
) quanto ao fomento do Cooperativismo.
Outro ponto fundamental a ser mudado é a crença de que as
conquistas até aqui obtidas pelas Cooperativas são “favores”. É preciso
53Inteiro teor em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12305.htm
113
entender o Cooperativismo como uma política pública de inclusão
social e econômica.
3. Expectativas para o Futuro
Apesar dos evidentes avanços no Cooperativismo em Ribeirão
Preto ainda há um longo caminho a percorrer. Mas os cooperados da
Cooperativa Mãos Dadas, quando perguntados sobre o futuro,
mostraram-se otimistas. Segundo a assistente social Eliana Camolese:
“O município cedeu uma área para a construção de uma nova central de
triagem e a cooperativa já tem R$ 146.000 da Fundação Banco do
Brasil e 600 telhas doadas pela Tetra Pak, para iniciar a construção de
um novo galpão”. A outra boa notícia é que recentemente a
Cooperativa foi contemplada com dois caminhões, um proveniente da
FUNASA e outro da Cia de Bebidas Ipiranga, o que trouxe esperança
de melhoria na qualidade dos materiais recebidos e da renda dos
cooperados. Há também a expectativa de que a Cooperativa e seus
parceiros ampliem o número de Pontos de Entrega Voluntária de
Materiais Recicláveis. No entanto Eliana Camolese Borges, assistente
técnica da Cooperativa, ressalta que antes de ampliar a coleta é preciso
investir em educação socioambiental. Para ela é fundamental ensinar a
população sobre o que separar e como fazer isso, para evitar o
desperdício de dinheiro com uma coleta pouco eficiente.
4. Conclusão
Após a presente pesquisa, concluímos que o passo dado pelas
cooperativas de reciclagem Cooperútil e Mãos Dadas foi muito
114
importante para a cidade de Ribeirão Preto. Contudo, notamos a
existência de problemas estruturais, relacionados às condições de
trabalho e renda dos cooperados. Essa situação é agravada pela falta de
uma política municipal mais eficiente no sentido de dar maior
autonomia ao funcionamento das cooperativas e também pela falta de
conscientização da população. Tais dificuldades limitam o alcance
social pretendido por esse modelo de economia solidária. Vemos a
possibilidade de crescimento da Cooperativa Mãos Dadas, mas para
suprir a demanda de Ribeirão Preto serão necessárias novas iniciativas
como as estabelecidas pela Lei nº2.216/2000, que nunca chegaram a ser
postas em prática.
115
Direito à moradia e mobilização social: um breve
panorama das condições habitacionais em Ribeirão Preto
Ana Claudia Mauer
Nádia Assis Batistteti Lima
1. Direito à moradia na Constituição Federal de
1988
A Constituição Federal de 1988 representa um marco na
história brasileira, sobretudo no que diz respeito às garantias
individuais e sociais, identificadas, por tal documento, como os valores
máximos de nossa sociedade.
Eleita como valor supremo encontra-se a dignidade da pessoa
humana, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito
Brasileiro (Art. 1º, III CF). Objetivos também fundamentais do Estado
Brasileiro são, como prevê o artigo 3º, “a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação”.
Ainda dispõe, no artigo 5º, que “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se (...) a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”,
propriedade esta que deve atender à sua “função social; e que ninguém
será submetido a tratamento desumano ou degradante”.
116
Em seu artigo 6º, define serem “direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados”.
Faz-se necessária a menção, também, do artigo 225, que reitera
o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, e o dever do
Poder Público e da coletividade de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
A Constituição Brasileira também determina a competência das
unidades federativas e, dentre essas, a competência dos Municípios de
promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano (Art. 30, VIII CF), também o artigo 182, sobre a política de
desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal, com
o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
Para exercer suas funções, o Município deve seguir os ditames
de sua Lei Orgânica e efetivar o que for proposto no seu Plano Diretor.
Como se pode observar, é previsto na Constituição Federal, o
primeiro documento legislativo na ordem hierárquica das leis
brasileiras, o direito à moradia, como um direito social, isto é, inerente
a todos os brasileiros e que implica ao Estado, representado por suas
unidades federativas, o dever de sua promoção e proteção.
117
Ao contrário do senso comum empregado à expressão “direito à
moradia”, esta não se restringe ao elemento material, isto é, à casa
construída, e ao direito de propriedade a ela vinculado. O direito à
moradia não é o direito de possuir um bem, ou pelo menos não se
restringe a isso. Não basta, ainda que seja de extrema importância, ter
um teto sobre a cabeça se não há acesso a uma qualidade de vida
decente; digna.
À luz do princípio da dignidade da pessoa humana, então, a
garantia do direito de moradia abrange também as condições
necessárias para que haja qualidade de vida, e não só a simples
habitação. É uma porta de acesso a outros direitos, como saúde,
educação, trabalho, meio ambiente saudável, segurança, entre outros,
sendo obrigação do Poder Público a garantia dessas condições dignas
compreendidas no direito à moradia.
Os processos de desfavelização são exemplos da abrangência
desse direito. Realocam-se as famílias a conjuntos habitacionais,
lugares em que normalmente não há postos de saúde, escolas,
mercados, opções de transporte público, além de serem, na maioria dos
casos, distantes de onde viviam e, portanto, distantes de sues locais de
trabalho. Além dos maiores gastos com transporte, para ter acesso aos
serviços mencionados acima, as pessoas pagam prestações do imóvel
adquirido, contas de luz, de água, de gás... Ficando impossível manter-
se em tais locais. Como será visto posteriormente.
Percebe-se, assim, que não basta proporcionar a estrutura física
da casa, mas o acesso a toda uma infraestrutura e serviços mínimos para
118
uma vida digna. Logo, é necessário salientar que, sendo eleito como
valor supremo da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa
humana deve ser observada com prioridade na ponderação com os
demais direitos da pessoa, como a propriedade.
O direito à propriedade não se sobrepõe ao direito à dignidade.
E isso parece que não é muito claro na contemporaneidade, uma vez
que predomina a concepção de que o acesso à moradia se dá via
consumo, não como um direito humano.
Desde os anos 1980 e 1990, verifica-se como fenômeno
internacional a transformação da moradia como um direito para a
moradia como mercadoria, um objeto de consumo a ser produzido e
adquirido no mercado. Mais que produto, a moradia virou um ativo
financeiro, isto é, sujeito à especulação do mercado. Tanto isso é
verdade que a adoção desse paradigma foi um dos elementos que gerou
a crise econômica atual, iniciada em 2008.
Concomitantemente, o Brasil vive um momento de expansão e
desenvolvimento econômico. Esse avanço deu grande impulso aos
processos de espoliação e concentração da riqueza que, historicamente,
sempre estiveram ligados à questão do acesso à terra, tanto no meio
urbano quanto no rural. Essa concentração e espoliação, por meio da
especulação imobiliária, por exemplo, aliada à visão mercantilizada do
direito à moradia, minam esse direito e, gradativamente, desconstituem
os avanços legais.
119
2. Direito à moradia e a situação atual brasileira
Nunca houve tanta disponibilização de crédito e recursos
orçamentários públicos para a produção de moradia como está havendo
nos últimos anos, inclusive para o grupo que concentra a maior parte do
déficit habitacional, aquele que historicamente mais demandam
intervenção pública: a população que dispõe de zero a três e de três a
cinco salários mínimos de renda familiar.
São exemplos desse forte investimento programas federais
como o “Minha Casa Minha Vida”, a urbanização de favelas por meio
do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das Favelas. Desde
a aprovação, em 2005, do Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Nacional (SNHIS), instituiu-se um pacto federativo entre União,
estados e municípios que visa subsidiar a produção de moradia para a
população que mais precisa.
Entretanto, o que vem ocorrendo, nas últimas décadas, é um
aumento dos conflitos por moradia no país. Aparentemente um
paradoxo, já que dado a tamanho investimento espera-se melhora nesse
setor de desenvolvimento social, o que se vê é a emergência de várias
disputas acirradas e, por vezes, violentas.
Segundo Rolnik54
, a explicação para essa situação, em linhas
gerais, é que
a própria expansão de crédito e a política
habitacional, na ausência de uma diretriz urbana,
54 ROLNIK, R. Conflitos por moradia estão aumentando no Brasil. Le Monde
Diplomatique Brasil. Ano 5, número 55, 2012, p. 4.
120
de uma política fundiária, da aplicação do Estatuto
da Cidade e de mecanismos de controle da
transferência da riqueza produzida socialmente
para a terra e os imóveis, acabam por exacerbar os
conflitos.
Em outras palavras, ainda que haja recursos, deve haver maior
planejamento urbano, tanto no sentido de que a produção de novas
moradias não é a única opção, tampouco áreas periféricas da cidade,
uma vez que há como reciclar as áreas centrais precárias ou mesmo
recuperar o que já foi construído com precariedade pela população,
quanto no sentido de propiciar a infraestrutura necessária para que se
efetive o direito à moradia.
O que se nota é uma política habitacional precária e imediatista.
O principal objetivo desse investimento, como explica a Rolnik55
, é
promover uma:
dinamização econômica para enfrentar uma
possível crise e gerar emprego”, porém,
“completamente desconectada e uma política de
ordenamento territorial, fundiária, de intervenção
e modernização do espaço urbano a fim de
disponibilizar terra bem localizada para a
construção de moradia popular.
Logo, o Poder Público, que se comprometeu a construir uma
sociedade livre, justa e solidária, ao erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades, promovendo o bem de
todos, sem distinção (Art.3º CF), comporta-se, na realidade de maneira
contrária a essas expectativas, ou, ao menos, deixa muito a desejar.
55 ROLNIK, R. Conflitos por moradia estão aumentando no Brasil. Le Monde
Diplomatique Brasil. Ano 5, número 55, 2012, p. 5.
121
Embora tenha representado grande avanço o reconhecimento formal
dos direitos individuais e sociais, tal garantia e proteção não se verifica
na prática. Ao menos não a todos.
Não notamos o esforço dos governos em empreender projetos,
planejamentos, modelos de reabilitação, expansão e reciclagem das
cidades, isto é, refazer área que já estão feitas e recuperar o que foi
construído com precariedade pelo trabalhador com seus próprios
recursos, além da expansão da cidade. O que se vê são megaprojetos
excludentes, projetos de enobrecimento, expulsão da população,
mudança de patamar econômico da área e valorização imobiliária,
como o Porto Maravilha, no Rio, e a Nova Luz, em São Paulo.
Isso não significa que não houve avanços significativos em
benefício dos mais necessitados por meio de ações governamentais.
Contudo, ainda que haja a preocupação em desenvolver o setor
habitacional nos Planos Diretores Municipais, e haja a previsão de
projetos e programas da prefeitura, em parceria com a COHAB e
entidades privadas, para suprir às demandas relacionadas ao direito à
moradia, na prática, todas as promessas e todo o peso dado para tais
preocupações não se conjuga com a realidade; com as atitudes do Poder
Público para efetivá-las. Como já foi dito, essa não é a prioridade de
fato.
O modelo de gestão brasileiro, em geral, é dominado por
coalizões. Os interesses empresariais em torno da terra são articulados
aos interesses das empreiteiras, que produzem infraestrutura, e aos
interesses dos grupos políticos. Financiadas as suas campanhas pelos
122
grupos supracitados, viabiliza-se a reprodução de seus mandatos, o que
perpetua a falta de planejamento da expansão urbana, visando o bem de
todos.
Em razão dessa falta de compromisso real com as pessoas,
percebe-se a insurgência e organização de movimentos sociais, que
atuam como interlocutores da população com os órgãos estatais. Um
exemplo de sua atuação, entre outras de destaque, é a participação na
formulação de políticas públicas por meio dos Conselhos municipais e
estaduais e do Conselho Nacional das Cidades.
No entanto, os processos decisórios reais não passam por essas
instâncias participativas, mas pelos poderes executivo municipal e
estadual e, no caso Minha Casa Minha Vida, o setor empresarial da
indústria e da construção civil.
O acesso à terra também deve ser uma questão de extrema
importância, principalmente com a concentração de riquezas que
verifica-se atualmente. A população mais pobre não tem como competir
com o poder de compra que demanda o mercado. Com a especulação
imobiliária, o que se vê é o aumento da disputa pela terra. A terra que
não era de interesse do mercado transforma-se em nova fronteira de sua
expansão. Isso implica a remoção e deslocamento de comunidades que
historicamente viviam naquela determinada área e lá teriam o direito de
permanecer.
Sem alternativas, essa população passa ocupar novas áreas e a
competir por elas, tanto com outras pessoas na mesma situação quanto
com o mercado imobiliário.
123
Um exemplo disso é a condição em que se encontram a
população que concentra a maior parte do déficit habitacional, o grupo
de zero a três salários mínimos de renda familiar, nas grandes
metrópoles, onde o solo é mais caro. Nessa situação, o programa Minha
Casa Minha Vida não possibilita o acesso à moradia para essa faixa da
população. O caso recente da comunidade do Pinheirinho, em São José
dos Campos, é um exemplo categórico dessa infeliz situação.
3. O Caso Pinheirinho
Dizer que é uma infelicidade é pouco. O que ocorreu em São
José dos Campos é a trágica síntese da conjuntura nacional no que diz
respeito à violação do direito à moradia, bem como de outros direitos
fundamentais.
No dia 22 de janeiro deste ano, sob ordem judicial, a Polícia
Militar promoveu a remoção compulsória da população de baixa renda
que habitava a Ocupação Pinheirinho. Com extrema truculência, a
polícia expulsou cerca de 1.600 famílias (aproximadamente 8 mil
pessoas) submetendo ao sofrimento e humilhação os moradores daquela
comunidade, incluindo crianças, idosos e deficientes.
São José dos Campos é uma cidade consideravelmente rica para
os padrões nacionais, inclusive do estado de São Paulo (é a 3ª maior
economia do estado). Não tem tantos problemas quanto a recursos
financeiros e investimentos e é considerada um exemplo de cidade
moderna e desenvolvida.
Os recentes acontecimentos não só revelaram a face desumana
de São José ao registrar violações de direitos por parte da polícia e do
124
próprio Estado, mas também alertam para o modelo de
desenvolvimento pautado pelo lucro, como já foi explicado, em
detrimento do bem-estar da maioria da população.
O caso Pinheirinho explicita a política de exclusão social que
criminaliza a pobreza praticada já há anos, em várias regiões do país.
Utilizando de meios legais, como o a ação de reintegração de posse, o
poder público faz o uso da força para remover a população carente dos
locais em que há tempo viviam e que ocuparam determinada região por
falta de oportunidade de acesso à terra; de acesso à moradia digna e
tudo que esta abrange.
É comum que as pessoas removidas sofram novos processos de
remoção, cada vez para bairros mais periféricos, onde não é,
normalmente, oferecida infraestrutura básica, como luz, transporte,
saúde e educação, nem perspectivas de trabalho, o que coloca as
famílias em situação de extrema vulnerabilidade. E o Poder Público
também mostra-se negligente, sonegando o acesso e atendimento à
saúde nesses locais, por exemplo, ou excluindo-os de outros programas
sociais.
O que se vê, também, é a iniquidade. Como é de praxe, são
cometidas irregularidades durante todo o processo de remoção, não só o
ato em si, como as decisões judiciais, manipulações de prazo para a
remoção, entre outros. No caso do Pinheirinho, as comunidades
afetadas não participaram das discussões e definições quanto ao seu
próprio destino. A alegação de que a área era de risco e, por isso, as
pessoas teriam de ser removidas, foi desmentida posteriormente por
125
técnicos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e do Laboratório
de Urbanismo e Habitação da USP. Não foram oferecidas outras opções
de moradia ou compensação às comunidades afetadas. Moradores
foram ameaçados ou cooptados. Além do fato das famílias terem sido
removidas mediante força policial, após terem sido enganadas quanto
ao dia da execução da ação de reintegração de posse, dentre outros
procedimentos e atitudes duvidosas.
Depois de ter agido enfaticamente para a remoção das famílias,
com as mais diversas alegações e justificativas – que, no caso, foi dado
à “área de risco” – , vem sido adensada a construção de edifícios de
apartamentos para a população rica. O mesmo ocorreu na mesma
cidade com os moradores das favelas da Vila Nova Tatetuba, Caparaó e
Nova Detroit, onde, após as remoções, foram construídas nessa mesma
região empreendimentos de grande porte, como o hipermercado
Carrefour, uma fábrica e apartamentos financiados pela Caixa Federal.
4. Ribeirão Preto
Na cidade de Ribeirão Preto verificam-se problemas e situações
semelhantes ao ocorrido em São José dos Campos na Ocupação
Pinheirinho. Entretanto, o caso em Ribeirão, além da questão dos
efeitos da propriedade (tanto particular quanto pública) ociosa, contém
a peculiaridade da polêmica gerada pelo projeto de ampliação e
internacionalização do Aeroporto Leite Lopes, iniciada com a
construção de um Terminal de Cargas.
O projeto de ampliação do aeroporto data da década de 1990.
Em 1997, foi desenvolvido um projeto de viabilidade de ampliação
126
(visando à internacionalização) do aeroporto Leite Lopes por uma
empresa estadunidense, fundamentado em um estudo financiado pela
Trade Development Agency (TDA) – órgão dependente do
Departamento de Estado do governo dos Estados Unidos da América.
A prefeitura municipal à época, administração do Prefeito
Roberto Jábali (PSDB), aprovou o projeto. Foi acusada, entretanto, de
não observar os termos do Plano Diretor (Lei Complementar 501/95).
Tampouco os estudos foram validados pelo Ministério Público, pois
ignoravam a obrigatoriedade do EIA RIMA (Estudo de Impacto
Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental). No mesmo ano, a
Câmara Municipal de Ribeirão Preto aprovou o projeto de ampliação
após constituir uma Comissão Especial de Estudos (Resolução 43/97)
para análise da proposição.
Em 2001, foi aberta licitação para terminal de cargas
internacional sendo a outorga de internacionalização do aeroporto
apenas posteriormente requisitada e, em 2005, é criado o movimento
Decola Ribeirão (apelidados de Degola Ribeirão por não apresentarem
os estudos ambientais necessários), favorável à ampliação.
Criticados, elaboram o EIA-RIMA, mas os resultados do
relatório geraram polêmica ainda maior, pois a área do aeroporto é
apontada como a melhor dentre as estudadas, o que levantou suspeita
de manipulação de dados. Outro ponto controverso é a suposta
deficiência de informações, tais como o risco viário, a presença de
urubus no aeroporto e o risco para as crianças que moram na região e
brincam de empinar pipas.
127
Em 2007, o DAESP (Departamento Aeroviário do Estado de
São Paulo; órgão administrador do aeroporto) arquiva e desiste do EIA-
RIMA e dá início ao diálogo entre Ministério Público e a instituição
para acordo judicial no qual se formaliza o compromisso da não
ampliação do Aeroporto Leite Lopes.
Contudo, em 2011, a prefeitura municipal (gestão Dárcy Vera)
insiste na ampliação da pista do aeroporto em 300 metros e anuncia que
tentará anular o tratado de acordo (TAC) judicialmente. Neste mesmo
ano, o governador Geraldo Alckmin se manifesta favorável ao projeto
de ampliação.
Como pretendido, a prefeitura elabora e apresenta o projeto
executivo de ampliação apelidado de “puxadinho”, por meio do qual se
desviaria a av. Thomas Albert Watelly para ampliação da pista, sendo
que a principal crítica ao projeto se fundamenta na ausência de estudos
de impactos sócio-ambientais.
Em abril do mesmo ano o Governo do Estado cede para o
DAESP um terreno ao lado do aeroporto para a futura ampliação
(terreno de 300 m²). Em agosto, é anunciada a proposta de
internacionalização, denominada “Puxadão”.
A Prefeitura Municipal coloca na revisão da Lei do uso e
Parcelamento do Solo as áreas a serem desocupadas de residências para
se tornarem industriais ou comerciais, com base no Estudo de
Zoneamento de Ruído que ainda não foi aprovado pela ANAC.
É notório que o aeroporto ainda hoje não possui rede de esgoto
canalizada e por estas deficiências, dentre outras estruturais e de cunho
128
fortemente social, certa parcela da população organizou-se em
movimentos contrários à ampliação do aeroporto na localidade atual.
Dentre estes, o Movimento Pro Novo Aeroporto Regional de Ribeirão
Preto o qual possui como diretriz majoritária a construção de novo
aeroporto regional em outra localidade diversa do Jardim Aeroporto.
A divergência nessa questão não se encerra na necessidade de
um aeroporto com melhor infraestrutura e com capacidade para abarcar
voos internacionais. Os movimentos reconhecem esta demanda, posto
que Ribeirão Preto é um polo agroindustrial em franco crescimento. A
discórdia dos grupos (Movimento Decola Ribeirão e Movimento Pro
Novo Aeroporto Regional de Ribeirão Preto como maiores
representantes desse antagonismo) está nos liames do projeto.
Enquanto o primeiro grupo defende a rápida ampliação com a
construção do terminal de cargas alfandegado, o segundo critica tal
projeto em virtude da má estrutura do aeroporto atual, das lacunas do
projeto em importantes questões urbanísticas e principalmente dos
danos e violações causados à população residente nos arredores.
O aeroporto situa-se na zona norte da cidade, região que
concentra a maior parte de núcleos de favelas do município. A
coexistência das submoradias e do aeroporto (com mera acomodação de
transporte mais digna do os 3916 barracos da região obtém para abrigar
seus moradores) ilustra o quanto a desigualdade ainda fere os direitos
sociais garantidos pela Constituição Cidadã.
129
5. Dados Estatísticos e Casos Reais
No Brasil o déficit habitacional56
abarca por volta de 7,2
milhões de moradias enquanto Ribeirão Preto está em torno de 30 mil.
Em 2010, havia 44 núcleos de favelas nos quais 4% da população
ribeirão-pretana residia. A Zona Norte da cidade possui a maior
concentração de favelas com 27 núcleos nos quais habitam 19 005
pessoas (correspondente a 75, 60% da população em situação
semelhante na cidade) ocupando uma área de 455 914 m² (de 713 950
m² no total). Nesta região encontravam-se as favelas de: Itápolis, da
Mata, Adamantina, do Brejo, da Família e diversas outras.
As áreas referidas do Jardim Aeroporto e arredores foram
ocupadas por famílias, bairros construídos (até mesmo pela COHAB) e
núcleos de favelas, desde a década de 50. No entanto, com a construção
do terminal de passageiros e transformação do “campinho de aviação”
em aeroporto e a consequente pela ampliação do porte das aeronaves
que começaram a operar a partir de 1980, houve expansão da curva 2
de ruído. Esse fato aliado ao interesse de particulares em retomarem
suas terras (ociosas), a administração pública iniciou o processo de
desfavelamento da área.
Algumas famílias instaladas nas Favelas de Itápolis,
Adamantina e da Mata foram removidas para casas financiadas,
enquanto as demais foram expulsas da área com força policial, e sem
56 Fundação João Pinheiro. Centro de Estatística e Informações. Déficit
habitacional no Brasil. Belo Horizonte: Projeto PNUD-BRA-00/019 - Habitar
Brasil – BID, 2005.
130
outro suporte, por não constarem em determinado cadastro antigo.
Essas famílias ocuparam outro terreno próximo, também ocioso e
pretensamente à espera de especulação imobiliária, valorização essa
promovida pela possível construção do Terminal de Cargas
Alfandegado. Denominaram-na Favela da Família.
Entretanto, foram expulsas dessa área em operação policial.
Atualmente ocupam outro terreno particular em condições impróprias e
não estão incluídas em qualquer tipo de programa de assistência do
poder público.
A problemática da região não envolve somente as famílias que
sofreram o descaso e violência do poder público quanto ao seu direito a
moradias dignas, sendo expulsas sem qualquer assistência, mas também
aquelas que foram removidas e relocadas em outra área. Sofreram,
estas, o despreparo do Poder Público em lidar com a desfavelização.
As famílias foram transferidas para bairros distantes, longe de
suas raízes sociais, empregos, escolas e meios de subsistência. Alguns
moradores reclamam dos serviços públicos deficitários ou a ausência
destes nos novos bairros e conjuntos habitacionais (como Paiva e
Wilson Toni), tais como transporte e acesso a posto de saúde.
Há um complexo de direitos sociais fundamentais que
compõem a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia, que não
se limitam a uma parede artificial, como já dito. Acrescenta-se ao
acesso ruim a serviços básicos, a ausência de preparo prévio das
famílias quanto aos equipamentos comunitários e as condições locais de
moradia.
131
O desrespeito e desconsideração das opiniões dos moradores
não impressionam tanto devido à falsa impressão de que essas famílias
“ganharam” essas casas, por mera caridade, e que por tal não podem
fazer exigências. “Não ganhamos a casa, ganhamos um carnê para
pagar, como qualquer outro imóvel no ramo imobiliário” (frase dita por
um morador de conjunto habitacional da cidade).
Por fim, devido a vários problemas, como a distância do
emprego ou meio de subsistência o que implica um aumento nos gastos
familiares, diversas famílias abandonam suas casas e as vendem e
muitas acabam por voltar a morar em submoradias em novas favelas.
Os recentes acontecimentos sociais e políticos - desapropriação
violenta da região do Jardim Aeroporto, realocação das famílias para
áreas mal estruturadas, e outros - acabaram por sensibilizar e mover
parte da sociedade civil, em vários segmentos; como arquitetos,
promotores, professores, advogados, os próprios moradores (tornaram-
se engajados em associações e outros movimentos de defesa dos
direitos sociais); que se organizou formando grupos de defesa de
direitos e conscientização, tais como:
Movimento Pro Moradia e Cidadania (Teve início com
as condições degradantes e violentas da desocupação
da Favela de Itápolis e depois com a da Família e
fortaleceu-se com as ações em prol da cidadania na
Favela do Brejo);
132
Comitê de Crise (Criado por representantes da
sociedade civil para evitar que episódios como a
desocupação em julho de 2011 se repitam);
Movimento Pro Novo Aeroporto Regional de Ribeirão
Preto (Defesa de um novo aeroporto regional em uma
área mais apropriada para que não ocorra a mesma
situação de Congonhas em São Paulo);
Associações de moradores;
Associações de Moradores do Jardim Aeroporto;
Movimento “Decola Ribeirão” (Composto por
indivíduos que apoiam a ampliação e
internacionalização do Aeroporto Leite Lopes).
Conclusão
Constata-se, então, que Ribeirão Preto, assim como São José
dos Campos, é um exemplo do que ocorre no cenário nacional. Isto é,
em linhas gerais, o descaso com as reais necessidades da população
sem acesso à moradia digna, que são deixadas vulneráveis. Uma visão
de que qualquer investimento, qualquer movimento por mínimo que
seja em direção à melhora das condições de moradia é uma caridade,
uma “bondade” do Poder Público, que se coloca numa posição tanto
paternalista quanto indiferente, de quem “já fez muito e não podem
reclamar”.
Esquecem que a garantia do direito à moradia é um DEVER do
Estado, composto por todos os funcionários de seu aparato e, de
133
maneira mais extensa, também a própria sociedade civil, que precisa
reivindicar, se indignar e reclamar esses direitos. A sociedade como um
todo, não só as minorias.
Mais além, o descaso com as próprias pessoas, uma vez que são
constantemente ludibriadas, tratadas com indiferença, suas demandas
manipuladas para concretizar interesses político-econômicos, retiradas
frequentemente de onde estabeleceram domicílio e, por vezes (e não
são poucas), lidadas com força policial e violência.
Esquecem também que o direito à moradia não se restringe ao
acesso à habitação, dando margem para a mercantilização desse direito,
desvirtuando-o em favor de interesses particulares.
Em síntese, nota-se que, há elementos favoráveis ao acesso ao
direito à moradia, ou seja, as garantias legais para efetivar esse direito,
presentes na Constituição Federal, na Constituição Estadual, na Lei
orgânica Municipal de Ribeirão Preto, e no Plano Diretor; os grandes
investimentos no setor (Minha Casa Minha Vida, PAC das Favelas,
etc.); o desenvolvimento econômico; a criação de órgãos
governamentais (COHAB, CDHU...) e o a força dos movimentos
sociais.
No entanto, os direitos previstos em todos esses documentos
legais ainda não foram efetivados e, mais que isso, e principalmente,
não são prioridade nos interesses do Poder Público, que prioriza os
interesses da elite econômica.
No plano das ideias, da teoria, da palavra escrita, do discurso, o
direito à moradia é dever do Estado, das suas unidades federativas, de
134
seus órgãos, de seus funcionários e representantes, para promover o
bem-estar geral e todos os preceitos contidos nos primeiros artigos da
Constituição Federal, sem distinção de qualquer natureza, sem
discriminação, tendo em vista a garantia do meio ambiente saudável.
É como a metáfora de Raimundo Faoro a respeito da efetivação
dos direitos constitucionais: “a roupa está no armário recortada envolta
em naftalina, pronta para ser vestida, quando o corpo cresça e saiba
usá-la sem rasgá-la. Enquanto esse dia não chega, os detentores do
poder mandam e desmandam”.
135
Da forma à experiência democrática: uma descrição
do quadro geral dos conselhos populares existentes em
Ribeirão Preto
André Luís Gomes Antonietto
Bruna Salgado Chaves
Juliana Rocco Nunes
1. Introdução
Os Conselhos Populares de Direitos são, na perspectiva
democrática contemporânea, um dos principais meios de efetivação da
democracia direta. Criados para serem ambientes nos quais os cidadãos
podem participar da elaboração e fiscalização de políticas públicas
essenciais para a efetivação dos direitos humanos, estes conselhos
começam a ser implementados efetivamente a partir da promulgação da
Constituição de 1988, que prevê expressamente, logo em seu primeiro
artigo, a participação direta dos cidadãos na definição de políticas
públicas: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
No entanto, para que os conselhos alcancem a efetividade que
se imaginou quando de sua concepção, algumas questões ainda devem
ser superadas.
Inicialmente, para serem criados, os conselhos devem ser
instituídos por lei, e a lei que os institua deve, em regra, prever sua
composição respeitando a paridade entre membros da administração
pública e da sociedade. Assim, espera-se obter o equilíbrio entre os
136
anseios populares e a viabilidade administrativa da aplicação destes
anseios. Em Ribeirão Preto, grande parte dos conselhos populares
existentes atualmente foram criados na década de 1990, por meio de
leis complementares municipais, e respeitam este princípio de paridade,
geralmente elencando em sua composição membros de órgãos da
sociedade que representem setores relacionados ao objeto de cada
conselho.
Mas não basta que sejam criados. Para que suas decisões
possam vincular a administração pública, é necessário que sejam
instituídos como conselhos deliberativos. Assim, aquilo que for
decidido por este conselho terá o poder de obrigar os administradores a
agirem conforme essas decisões. Porém, infelizmente constatamos que
alguns conselhos populares são criados com caráter apenas consultivo,
de modo que suas decisões são seguidas apenas se o arbítrio do
administrador assim o desejar. No caso específico de Ribeirão Preto, a
ampla maioria dos Conselhos criados são deliberativos e, portanto,
estão juridicamente munidos deste poder para atuarem diretamente nas
políticas públicas do município.
No entanto, a realidade prática destes conselhos demonstra que
os maiores problemas enfrentados para efetivar seus objetivos não são
barreiras que impedem sua criação ou então a sua criação sem que se
garantam os devidos poderes para que possam agir. O que se percebe
em muitos destes conselhos, tanto em nível municipal, como estadual e
nacional, é que o grande entrave enfrentado ocorre na manutenção
destes conselhos e na efetivação das decisões daqueles conselhos já
137
devidamente constituídos. Quanto à manutenção, percebe-se que muitos
conselhos possuem problemas de irregularidades formais, como vícios
em eleições dos conselheiros, falta de publicidade dos atos dos
conselhos ou das datas das reuniões ou mesmo problemas
procedimentais que impedem a efetiva implementação do trabalho
realizado ou das decisões tomadas, por não ter sido cumprido algum
requisito formal que impede a efetiva cobrança daquilo que foi
deliberado. E mesmo quando todos estes problemas são evitados e o
conselho consegue realizar seus trabalhos sem qualquer vício legal,
muitas vezes enfrentam-se problemas de ordem política para que as
decisões sejam incorporadas pela administração pública ou pela
legislação, como resultado da sobreposição de interesses políticos ou
partidários sobre interesses sociais.
É fato que o principal motivo de todos esses entraves é a
implementação ainda relativamente recente dos conselhos, que se
defronta com uma cultura política ainda resistente à participação
popular direta. São resquícios da história política brasileira, repleta de
tradições antidemocráticas, que ainda subsistem no imaginário de nossa
sociedade. Desse modo, gestores públicos e parlamentares (e até
mesmo os membros dos conselhos), acabam, mitigando a força
legalmente constituída dos conselhos, tornado sua decisões, muitas
vezes, inócuas. Por este mesmo motivo, torna-se ainda mais relevante a
busca pela valorização e fortalecimento destes conselhos de direitos,
que além de garantir maior qualidade nas políticas públicas, garantirão
138
que o princípio da participação popular direta deixe de ser apenas uma
previsão constitucional e torne-se realidade.
2. Conselho Municipal de Saúde
Segundo determinação da Lei Orgânica de Saúde (Lei
8.142/90), a União, os estados e municípios deveriam criar conselhos
de saúde, que, portanto, existem nas esferas federal, estadual e
municipal. Segundo a mesma lei, “o conselho de saúde, em caráter
permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por
representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de
saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da
execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive
nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão
homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada
esfera do governo” (art. 1º, II, § 2º). É determinado, ainda, que os
conselhos tenham composição paritária, ou seja, que a soma dos
representantes dos usuários de saúde seja igual à soma dos
representantes dos trabalhadores de saúde e dos trabalhadores e
gestores do SUS.
Vinculado à Secretaria Municipal de Saúde, foi criado na
cidade de Ribeirão Preto pela lei municipal 5972/91, efetivando a
participação da população na organização e gestão do SUS, prevista no
artigo 198, inciso III, da Constituição Federal. Assim, conforme a
determinação da Lei Orgânica de Saúde, possui caráter consultivo e
deliberativo e é composto por 26 membros, e respectivos suplentes,
sendo 13 representantes do governo, dos servidores e profissionais de
139
saúde e 13 representantes dos usuários. Os membros são nomeados pelo
chefe do Poder Executivo, e são estabelecidos pelo artigo 8º da lei
municipal supracitada. O mandato do Conselho coincide com o
mandato do prefeito. Conforme orientações do SUS, o Conselho é
quem define o número de pessoas na sua parte administrativa e como
trabalharão, e deve funcionar baseado em seu regimento interno.
Entre suas competências destaca-se aprovar o Plano Municipal
de Saúde e estabelecer suas diretrizes, deliberar sobre tudo o que diga
respeito à organização e funcionamento do SUS, assim como propor
medidas para seu aprimoramento, estabelecer normas para as ações e
serviços públicos de saúde, acompanhá-los e fiscalizá-los, opinar sobre
a celebração de consórcios e outros contratos com entidades públicas
ou privadas e fiscalizar os recursos repassados à Secretaria Municipal
de Saúde e ao Fundo Municipal de Saúde.
O Conselho possui uma secretaria executiva, subordinada ao
seu plenário, sendo que este define sua estrutura e dimensão. Ela se
localiza na Rua Prudente de Moraes, nº 457, sendo sua secretária
Gláucia Valério Fernandes. O orçamento do Conselho vem da
prefeitura, através da secretaria de saúde, e deve ser gerenciado pelo
próprio Conselho para garantir sua independência.
Segundo o Regimento Interno homologado pelo Decreto nº 52
de 28 de fevereiro de 1992, o Conselho se reúne ordinariamente de três
em três meses, com as datas definidas em sua primeira reunião anual e
nas quais o Fundo Municipal de Saúde presta contas de sua atividade, e
extraordinariamente sempre que convocado pelo seu presidente ou
140
quando solicitado pela maioria de seus membros. No começo de cada
ano é divulgado um Calendário de Reuniões em seu site, de locais
definidos pelo Conselho. Suas reuniões são públicas, salvo casos
excepcionais definidos por 2/3 dos membros e previamente
manifestados ao Presidente. Em seus plenários, instalados pela maioria
absoluta dos membros, as deliberações serão definidas por maioria de
votos.
Vinculado ao Conselho Municipal de Saúde (CMS), atua a
Comissão Municipal de Saúde (COMSAUDE), que funciona conforme
as diretrizes por aquele estabelecidas. Seu Regimento Interno é
aprovado pelo CMS e homologado pelo Secretário Municipal de Saúde.
Entre suas atribuições, destaca-se a implementação das deliberações do
CMS, velando pelo cumprimento de suas diretrizes para as ações e
serviços públicos de saúde e apresentando relatório e parecer de suas
atividades ao CMS, além de fiscalizar a movimentação de recursos
repassados à Secretaria Municipal da Saúde e ao Fundo Municipal de
Saúde e o funcionamento do SUS com elaboração de relatórios e
pareceres ao CMS.
Suas reuniões se realizam na primeira terça-feira de cada mês,
às 19:00 horas no auditório da Secretaria Municipal da Saúde (Rua
Prudente de Moraes, 457, Centro). Conforme artigo 13 da lei municipal
5972/91, a COMSAUDE é presidida pelo Secretário Municipal da
Saúde e composta por membros indicados pelo CMS e nomeados pelo
prefeito, sendo eles cinco membros do CMS, um representante dos
prestadores de serviço da saúde, um representante dos profissionais da
141
saúde e três representante dos usuários dos serviços da saúde, além do
Diretor Técnico do Escritório Regional de Saúde ou seu representante
no CMS.
3. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente
Promulgado em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei Federal nº 8.069) impõe a necessidade de uma política de
Atendimento às Crianças e Adolescentes através de um conjunto
articulado de ações governamentais e não-governamentais nas esferas
federal, estadual e municipal. Assim, estabeleceu a criação dos
Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, numa
busca pela descentralização dos diagnósticos em relação às
necessidades e realidades de cada cidade. Desse modo, o Conselho
seria um fórum de discussão, formulação, controle, coordenação e
avaliação da política social da cidade em relação a sua juventude.
Criado pela lei municipal nº 6.115/91, o Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ribeirão Preto tem
composição paritária (a soma dos representantes do governo equivale à
soma dos representantes da sociedade civil), e função deliberativa e de
controle social de todas as ações da Secretaria Municipal de Garantia
dos Direitos da Criança e do Adolescente. Para tal, lhe compete
formular a Política Municipal de Atendimento e Proteção à Criança e
ao Adolescente, desenvolvendo os instrumentos de seu controle
(registro das entidades governamentais ou não que atuam com crianças
e adolescentes, inscrição de seus programas, gestão do FMDCA e
142
supervisão administrativa e acompanhamento dos Conselhos Tutelares
– para tal, trienalmente há a eleição dos novos membros e mensalmente
há a recepção de relatórios de informações públicas).
O Conselho se compõe de oito representantes da sociedade civil
e seus respectivos suplentes (respondem pela Associação Comercial e
Industrial de Ribeirão Preto, pelo Conselho Regional de Serviço Social
de São Paulo, pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, pela
OAB, pelas universidades, pelas entidades – dois representantes – e
pelos usuários), escolhidos por voto secreto de entidades envolvidas e
convocadas para esse fim por edital, e oito representantes do Poder
Público (respondem pelas Secretarias Municipais da Assistência Social,
da Cultura, de Planejamento e Gestão Ambiental, da Educação, da
Saúde e da Fazenda, pela Guarda Civil Municipal e pela Fundação de
Educação para o Trabalho), indicados pelo prefeito.
As reuniões ordinárias são divulgadas no começo de cada ano,
ocorrendo mensalmente na terceira segunda-feira do mês às 14h00, na
sede do Conselho (Rua Barão do Amazonas nº 143, Centro), com a
presença da maioria dos membros, sendo que as sessões extraordinárias
são convocadas quando necessárias.
Ao conselho cabe a regulamentação do Fundo Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA), órgão para, conforme
propõe o ECA, captar e gerir recursos para a execução de programas e
projetos de instituições públicas ou privadas de atenção aos direitos da
infância e juventude. Em Ribeirão Preto, o FMDCA foi criado através
da lei municipal nº 6.115/91 e regulamentado pela Resolução do
143
Conselho de 1994. O Conselho estabelece, em um Plano de Aplicação,
os determinados objetivos a que servirão e se vincularão os recursos do
FDMCA, conforme diretrizes das normas gerais de Direito Financeiro
estatuídas pela Lei nº 4320/64. Em Ribeirão Preto, as fontes desse
Fundo são porcentagens específicas de imposto de renda, de pessoas
físicas e jurídicas e multas decorrentes de condenações em ações cíveis
ou de imposições de penalidades administrativas.
4. Conselho Municipal de Promoção e Integração
das Pessoas Portadoras de Deficiência - COMPPID
Criado em Ribeirão Preto através da Lei Municipal nº 348/94, o
COMPPID tem caráter consultivo e normativo e é vinculado à
Secretaria Municipal do Bem Estar Social. Lhe compete assegurar os
direitos reservados aos portadores de deficiência física; encaminhar
propostas ao prefeito e à Câmara de Vereadores de políticas de
interesse da questão, bem como zelar pela sua execução; registrar
entidades governamentais ou não envolvidas na questão, cooperando
em seu exercício; emitir parecer técnico em relação a trabalhos,
projetos ou programas que envolvam portadores de deficiências físicas;
enviar anualmente as prioridades da política de promoção de pessoas
com necessidades especiais a fim de orientar o orçamento municipal.
O Conselho tem composição paritária, sendo seis membros
representantes de órgãos governamentais e seus suplentes (respondem
pelas Secretarias Municipais do Bem-Estar Social, da Educação, da
Saúde, de Obras e Serviços e de Governo e pelo Ministério Público),
sendo os representantes das secretarias indicados pelo prefeito e o
144
representante do Ministério o Curador das Pessoas Portadoras de
Deficiência. Os demais seis membros são pessoas portadoras de
deficiência física e seus suplentes (pelo menos um deficiente visual, um
deficiente auditivo, um deficiente físico, um representante de deficiente
mental e um representante do Fórum Pró-Cidadania), escolhidos por
eleição secreta em reunião do Fórum Pró-Cidadania, convocada para
esse fim. Os membros têm mandato de um ano, e elegerão entre si
Presidente, Vice Presidente, 1º Secretário e 2º Secretário.
O Conselho tem as reuniões ordinárias quinzenais e as reuniões
extraordinárias divulgadas no Diário Oficial do Município, são abertas
e tomarão lugar em local preparado pela Secretaria Municipal do Bem
Estar Social.
Vinculado ao Conselho, fica criado o Fundo Municipal da
Assistência Social para captar e aplicar recursos financeiros utilizados
segundo as deliberações no COMPPID.
5. Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
Criado através da Lei Municipal Complementar 329/94, o
CMDM tem por objetivo deliberar, normatizar, fiscalizar e executar
políticas relativas aos direitos da mulher. Para tal, lhes compete
formular diretrizes e atividades que visem a proteção dos direitos da
mulher e seus interesses, bem como estabelecer intercâmbio com
entidades afins e outros programas de governo, sugerir a elaboração de
projetos de lei que atendam a suas necessidades e fiscalizar sua
execução.
145
O CMDM se constitui de onze representantes e suas respectivas
suplentes, todas mulheres (respondem pela União de mulheres de
Ribeirão Preto, pela comissão de mulheres negras, pela OAB, pela
Delegacia de Defesa da Mulher, pela Central Única de Trabalhadores,
pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos, pelas universidades –
duas representantes –, pelas entidades que congregam mulheres dos
bairros periféricos, pela Secretaria do Bem Estar Social e pela
Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos). Seu mandato é de dois
anos, e são escolhidas, entre si, uma Presidente, uma Vice-Presidente e
uma Secretária Geral.
As reuniões do Conselho se dão de dois em dois meses.
6. Conselho Municipal de Segurança Alimentar e
Nutricional (COMSEAN)
Criado pela Lei Municipal Complementar nº 1496/03, o
CONSEAM tem caráter deliberativo com fins ao planejamento e
controle de políticas, programas e ações que assegurem o direito à
segurança alimentar a cada cidadão. Desse modo, lhe compete formular
o Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, propor e
acompanhar as ações no governo municipal nessa questão, articulando-
as com organizações da sociedade civil para o combate às causas da
miséria e da fome em Ribeirão Preto.
O Conselho tem composição paritária de 24 membros e seus
respectivos suplentes, nomeados pelo prefeito, sendo 12 representantes
da Sociedade Civil e 12 representantes do Poder Público, com mandato
146
de dois anos. Entre eles, são escolhidos um Presidente e um Secretário
Geral.
O CONSEAM pode receber doações de instituições, entidades
e demais interessados em contribuir para seus objetivos, conforme
artigo 9º da lei supracitada.
7. Conselho Municipal de Assistência Social
(CMAS)
Criado pela Lei Municipal 349 de 17/05/94 e alterado pelas
Leis Complementares nº 919/99 e 1884/05, o CMAS tem caráter
deliberativo, normativo, fiscalizador e consultivo, de composição
paritária entre Poder Público e Sociedade Civil e vinculado à Secretaria
Municipal da Cidadania e Desenvolvimento Cultural. A ele se vincula o
Fundo Municipal de Assistência Social, que tem por objetivo captar e
aplicar recursos de utilização deliberada pelo Conselho, e por cujo
patrimônio se responsabiliza quanto à garantia e integridade. Como
recursos do FMAS, se admitem receitas de convênios, renda
proveniente da aplicação de seus recursos no mercado de capitais,
dotação orçamentária do Orçamento da Prefeitura Municipal,
contribuições e doações para efeito de seus fins.
O Conselho se compõe de 18 membros e seus respectivos
suplentes, nomeados pelo prefeito, com mandato de dois anos, sendo 9
membros representantes do Poder Público (respondem pelas Secretarias
Municipais da Cidadania e Desenvolvimento Social – dois
representantes –, da Educação, da Saúde, do Planejamento e Gestão
Ambiental, da Fazenda, de Esporte, da Cultura e de Governo) e 9
147
membros representantes da Sociedade Civil (respondem pelo Conselho
Regional de Serviço Social, por entidades que prestam assistência ao
idoso, à criança e ao adolescente, às pessoas portadoras de deficiência,
pela União das Entidades Sociais Particulares de Ribeirão Preto, pela
OAB e pela Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto). O
Conselho elege, entre seus membros, um Presidente, Vice-Presidente,
Secretário Geral e 2º Secretário.
As reuniões ordinárias se dão mensalmente, na segunda terça-
feira do mês, às 14h30, conforme calendário divulgado em seu site.
Compete ao CMAS aprovar a política municipal de assistência
social, acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços da rede assistencial
pública e privada, articular-se com entidades governamentais ou não de
atividades afins para ação participativa ou complementar, bem como
registrar seus programas voltados à Assistência Social, propor estudos
para a qualificação sistemática dos recursos humanos e orientar e
fiscalizar a aplicação dos recursos do FMAS e apreciar a prestação de
contas anual apresentada pela Secretaria Municipal do Bem-Estar
Social.
8. Conselho Municipal do Idoso
Criado pela Lei Municipal Complementar nº 589 de 12/09/96 e
modificado pela Lei Complementar nº 1466/03, o CMI é vinculado à
Secretaria de Cidadania e Desenvolvimento Social, centro permanente
de debates entre os diferentes setores da sociedade, tendo caráter
consultivo. Os recursos orçamentários para sua implantação e
funcionamento provêm de dotações próprias consignadas no Orçamento
148
do Município, realocadas e liberadas pela Secretaria Municipal de
Cidadania e Desenvolvimento Social.
Compete-lhe fiscalizar o cumprimento de leis que atendam aos
interesses dos idosos, inscrever, acompanhar, avaliar e fiscalizar as
entidades de atendimento ao idoso, controlar e orientar a administração
do Fundo Municipal do Idoso, aprovar planos, serviços e programas
voltados ao idoso, apreciar a proposta orçamentária para os serviços e
programas destinados aos idosos de Ribeirão Preto, e desenvolver ações
voltadas para o atendimento das necessidades básicas do idoso,
mediante a participação da família, da sociedade e de entidades
governamentais e não-governamentais.
O CMI se compõe paritariamente de 20 membros e seus
respectivos suplentes, com mandato de dois anos, sendo 10
representantes de órgãos públicos (respondem pelas Secretarias
Municipais da Saúde, de Planejamento e Gestão Pública, da Assistência
Social, dos Negócios Jurídicos, da Cultura, do Esporte, da Educação, de
Governo e da Fazenda, e pela Delegacia do Idoso) e 10 representantes
da Sociedade Civil (respondem pela OAB, pela Federação das
Associações de Bairros de Ribeirão Preto, pelos usuários vinculados a
serviços diretamente relacionados ao idoso – três representantes – e por
entidades que realizem como finalidade principal o atendimento ao
idoso – três representantes, indicados por documento emitido pela
entidade atuante e inscrita no CMI).
As reuniões ordinárias do Conselho Municipal do Idoso se dão
mensalmente, sendo que as reuniões extraordinárias são convocadas
149
pelo seu presidente ou por um terço de seus membros. Entre seus
componentes, o CMI deve escolher um Presidente, um Vice-Presidente
e um Secretário Geral, que compõem sua diretoria executiva.
O Fundo Municipal do Idoso, gerido pelo Conselho, é
instrumento de repasse e aplicação de recursos para a implantação,
manutenção e desenvolvimento de programas, serviços e ações voltadas
aos idosos no Município. Como suas principais fontes de recursos,
destacam-se doações, contribuições e transferências de entidades e
organizações governamentais ou não, dotações orçamentárias do
Município, transferências do Município e recursos provenientes de
multas aplicadas com base no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741 de
01/10/03, Capítulos II e IV). O Fundo Municipal do Idoso deve prestar
contas anualmente à Secretaria Municipal da Fazenda quanto a
transferências e repasses de recursos provindos dos Governos Federal,
Estadual e Municipal.
9. Conselho da Diversidade Sexual
Criado pela Lei Complementar 2403 de 07/05/2010 (portanto
de implementação bastante recente), o Conselho da Diversidade Sexual
é um órgão consultivo vinculado à Secretaria Municipal de Assistência
Social. Compete-lhe assessorar a aplicação de políticas públicas de
interesse das pessoas com orientação GLBTT, bem como propô-las à
Secretaria Municipal de Assistência Social, colaborar na defesa dos
direitos das pessoas com orientação GLBTT por todos os meios legais
que se fizerem necessários, criar comissões para elaborar projetos,
fornecer subsídios ou sugestões para a apreciação do Conselho,
150
encaminhar sugestões referentes ao grupo GLBTT no processo das Leis
Orçamentárias e do projeto da Lei Orçamentária Anual.
O Conselho se compõe de 18 membros e seus respectivos
suplentes, com mandato de dois anos, paritariamente divididos em 9
representantes do Poder Público Municipal (respondem pelas
Secretarias Municipais da Cultura, da Saúde, de Educação, de
Assistência Social, do Governo e de Esportes, pela Guarda Civil
Municipal, pela Coordenadoria Municipal da Mulher e pela Câmara
Municipal), indicados pelo prefeito, e 9 representantes da Sociedade
Civil (respondem pelos gays, pelas lésbicas, pelos bissexuais, pelos
travestis, pelos transexuais, pelos transgêneros, pelos profissionais do
sexo, por uma Associação Civil com trabalho e atendimento voltados
ao grupo GLBTT – todos eleitos em reunião do Fórum Municipal
Bienal GLBTT – e pela OAB).
Dentre seus membros, o Conselho elege um Presidente, um
Vice-Presidente, o 1º Secretário e o 2º Secretário. O local, a
infraestrutura e demais condições necessárias para o seu funcionamento
serão propiciados pela Secretaria Municipal de Assistência Social.
10. Conselhos de Segurança dos Bairros (Consebs)
Os Consebs são formados por representantes da comunidade,
que em cada região discutem as prioridades de seus bairros na questão
da segurança. Dessa forma é possível à Secretaria de Segurança Pública
se informar das necessidades da comunidade e promover ações
integradas de segurança. No site da Prefeitura de Ribeirão Preto é
151
possível encontrar a relação de Conselhos por região e os respectivos
Bairros representados.
11. Conselho Municipal de Urbanismo
Criado pela Lei Complementar nº 695 de 4 de novembro de
1997 e regulamentado pelo Decreto nº 225 de 21 de outubro de 1998, o
COMUR tem caráter consultivo, de assessoria e apoio ao Poder Público
Municipal em relação ao Plano Diretor de Ribeirão Preto, e conta com
apoio técnico e administrativo da Secretaria de Planejamento e Gestão
Pública. Compete-lhe reunir pesquisas e estudos das diversas entidades
de classe, associações e órgãos públicos, sistematizando documentos
para a identificação das tendências de expansão urbana e das
características socioeconômicas da cidade; propor medidas e opinar
sobre o Plano Diretor e sobre todas as leis a ele complementares, sobre
o Código de Obras e Edificações e sobre a Lei de Zoneamento urbano,
promovendo as medidas necessárias à implementação de tais políticas;
emitir parecer sobre as operações interligadas a seu ramo de atividade.
Os membros representativos do COMUR se dividem em dois
grupos, sendo eles os membros natos (representantes do Poder
Executivo Municipal, com função de assessoria técnica) e conselheiros
(representantes do Poder Público Estadual e Federal e da Sociedade
Civil). Seus membros devem eleger, para sua Diretoria, um Presidente,
um Vice, 1º e 2º Secretários, Ouvidor e Tesoureiro, todos com
mandatos de 2 anos.
As reuniões ordinárias obedecem a um calendário aprovado em
sessão plenária, e divulgado no site do Conselho, sendo garantido seu
152
acesso aos cidadãos, com direito à palavra. As reuniões ocorrem na
Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto. Suas despesas são
custeadas pelos títulos orçamentários regularmente consignados na Lei
Orçamentária.
12. Conselho Municipal de Turismo
Criado pela Lei 8807 de 06 de junho de 2000, o COMTURP é
administrativamente vinculado à Secretaria de Planejamento e Gestão
Ambiental, tendo cunho deliberativo e de assessoria nas questões
referentes ao desenvolvimento do Turismo em Ribeirão Preto.
Desse modo, compete ao Conselho avaliar, opinar e propor
sobre a política e os planos municipais de turismo e assuntos
relacionados que lhe forem submetidos; propor programas e projetos de
interesse turístico, mantendo intercâmbio com as diversas entidades de
turismo; sugerir convênios com outros Municípios, Estados e União,
propor formas de captação de recursos; promover e divulgar as
atividades ligadas ao turismo, programando debates sobre o tema para a
cidade e região, ouvindo observações dos conselheiros e de pessoas da
comunidade.
O COMTURP possui vinte membros e respectivos suplentes,
de composição paritária, nomeados pelo Prefeito, sendo dez membros
representantes do Poder Público e dez membros representantes da
Sociedade Civil. Os componentes do Conselho têm mandato de dois
anos, podendo ser reindicados. Entre si, os membros devem eleger um
Presidente, um Secretário Executivo e um Secretário Adjunto.
153
Suas reuniões ordinárias se dão uma vez por mês, sendo
divulgadas e abertas ao público.
13. Conselho Municipal da Educação
Criado pela Lei Complementar 310 de 30 de dezembro de
1993, o CME tem caráter normativo, deliberativo e consultivo.
Estrutura-se em quatro comissões permanentes sendo elas: de Educação
Infantil, de Ensino Fundamental, de Ensino Médio, Modalidade e
Normas Gerais, e de Planejamento, Recursos Públicos e Avaliação.
O CME tem como escopo estabelecer diretrizes gerais da
política educacional de Ribeirão Preto, compatibilizando ações públicas
e privadas, competindo-lhe, para tal, participar da elaboração do Plano
Municipal de Educação; contribuir para estabelecer prioridades de
aplicação do orçamento, emitir pareceres sobre a aplicação, o
funcionamento e a implementação de inovações educacionais e
estabelecer normas gerais para criação e supervisão de cursos e escolas
da rede pública municipal de ensino.
Composto de vinte e nove membros e respectivos suplentes,
sendo estes representantes do Poder Público e também da Sociedade
Civil, homologados e nomeados pelo Prefeito e com mandato de quatro
anos. Dentre seus membros, serão eleitos um Presidente, um Vice-
Presidente e um Secretário.
O Conselho tem reuniões ordinárias ao mínimo mensais,
divulgadas em um calendário em seu site e abertas ao público. Suas
reuniões tomam lugar na sede da Secretaria Municipal da Educação.
154
14. Conselho Municipal de Defesa do Meio
Ambiente
Criado a partir da Lei Municipal Complementar n° 287 de 29
de novembro de 1993, o Conselho Municipal de Defesa do Meio
Ambiente (COMDEMA) tem como objetivo propor e colaborar na
execução de programas educativos e culturais que visem a preservação
e melhoria da qualidade ambiental; sugerir e colaborar na elaboração de
leis; fiscalizar o cumprimento de leis ambientais; receber denúncias
sobre agressão ao meio ambiente; deliberar sobre o uso, ocupação e
parcelamento do solo em áreas de interesse ambiental; propor e
colaborar com programas de educação ambiental; entre outras. É um
órgão colegiado, consultivo e deliberativo encarregado de assessorar a
população em assuntos referentes à proteção, conservação e melhoria
do meio ambiente.
O COMDEMA se constitui de representantes do Poder Público
e de representantes da Sociedade Civil Organizada de Ribeirão Preto,
legalmente constituídos como: entidades ambientalistas, sindicatos,
associações de classe, associações de moradores, universidades, clubes
de serviços e outros seguem seu Regimento Interno publicado no Diário
Oficial do Município em 23/06/94. Seus membros têm mandato de dois
anos, sendo permitida a sua recondução. Entre si, devem ser eleitos um
Presidente, um Vice-Presidente e um Secretário.
Suas reuniões são mensais e são divulgadas no site do
Conselho, estando abertas à participação popular e tomando lugar no
Bosque e Zoológico Municipal Fábio Barreto (Rua da Liberdade, s/nº).
155
15. Conselho Municipal de Cultura
Instituído em 1993 pela Lei Complementar 280, o Conselho
Municipal de Cultura (CMC) de Ribeirão Preto tem caráter consultivo e
deliberativo, e tem por objetivo atuar na formulação de estratégias e no
controle de execução da política cultural do Município, inclusive
quanto aos aspectos econômico-financeiros, desenvolvendo seus
trabalhos no âmbito da Secretaria Municipal de Cultura.
A Constituição de 1988, além de garantir “a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional” e
apoio e incentivo à “valorização e a difusão das manifestações
culturais”, prevê a criação do Plano Nacional de Cultura (Emenda
Constitucional nº 48, de 2005). No entanto, segundo informações do
site do próprio ministério da Cultura, o projeto de lei do PNC tramita na
Câmara dos Deputados desde 2006. A demora em sua aprovação causa
prejuízo à atuação dos conselhos, tendo em vista que o PNC será a
principal diretriz das políticas públicas em cultura no período de sua
vigência, que será de 10 anos.
Algo importante a ser constatado no CMC é sua composição
bastante abrangente, na qual, além dos representantes do governo e das
principais instituições fomentadoras de cultura, há a previsão da
participação de representantes de algumas áreas artísticas e culturais
específicas, como forma de evitar que o aparato institucional se
distancie do principal objetivo do conselho, que é garantir a promoção
da cultura em todas as suas dimensões. Houve, inclusive, uma
reformulação na composição do conselho no ano de 2003 (Lei
156
Complementar 1534), que o expandiu ainda mais. Nesse sentido,
garante-se a participação de um representante para cada uma das
seguintes áreas: I - Patrimônio Histórico e Cultural; II - Artesanato; III -
Artes Plásticas, IV - Cinema e Vídeo; V - Dança; VI - Fotografia; VII -
Literatura; VIII - Música; IX - Teatro; X - Movimentos Sociais; XI -
Carnaval; XII - Hip-Hop; XIII – Capoeira; XIV - Cultura Oriental.
Convém ressaltar a importância ainda maior da composição
bastante plural e democrática deste Conselho, tendo em vista que o
direito à Cultura embora também dependa da técnica jurídico-
administrativa, deve, para ser efetivo, garantir a liberdade e pluralidade
que a enriquecem.
Outra função importante do CMC é seu papel representativo,
que permite que ele próprio seja utilizado como um fórum de discussão
sobre temas culturais, e também como órgão facilitador para realização
de convênios que possibilitem a realização de eventos culturais na
cidade.
As reuniões do CMC são públicas e suas atas são
disponibilizadas por meio de site do órgão, sendo possível encontrar
neste mesmo local o Regimento Interno, o Calendário e a sua nominata.
E em que pese termos encontrado problemas com a atualização do
calendário, é louvável a disponibilidade dos membros, que além de seus
nomes e cargos, disponibilizam também seus e-mails e telefones para
contato direto, permitindo a qualquer cidadão entrar em contato direto
com o representante da área que pretende se inteirar.
157
Reforma agrárioambiental na região de Ribeirão Preto
Natália Gois
O debate sobre a questão agrária brasileira está intimamente
ligado ao processo histórico de colonização do país. O sistema de
produção implantado no Brasil-Colônia, alicerçado na monocultura, em
grandes extensões de terras, com trabalho escravo e produção
destinada, quase exclusivamente, ao mercado internacional, adaptou-se
convenientemente nas novas terras, reduzindo custos, facilitando a
colonização e instaurando a desigualdade econômica e social. Esse
sistema conhecido como plantation foi ratificado durante o Segundo
Reinado em 1850, pela imposição da Lei de Terras, que garantiu a
propriedade aos aristocratas como manobra para a manutenção do
poder economico e político dessas regioes.
Assim, corroborado o monopólio da propriedade rural, retira-se
da populaçao camponesa o acesso a terra, sua fonte de vida. Alem
disso, havia, e manteve-se por muito tempo, a prática da grilagem,
forma particular de assalto às terras e aos cofres públicos, praticada
sistematicamente por propietários de grande influencia política que com
anuencia do estado forjavam a documentaçao de titularidade do terreno.
Assim, com o fortalecimento do monopolio da propriedade rural, inicia-
se o êxodo rural brasileiro, que, com todas as suas implicações urbanas
de suposta atraçao, não foi caracterizado, em última análise, por busca
158
de melhores condiçoes de vida, mas sim, pois se apresentava como uma
das poucas opçoes restantes aos desprovidos de terras.
No caso do Estado de São Paulo, historicamente o processo de
ocupação fundiária sem regulação ocorreu a partir da produção
cafeeira. Monbeig, em sua obra sobre a ocupação do oeste de São
Paulo, já colocava que: “O movimento de conquista do solo entre 1890
e 1900 foi uma vasta especulação financeira”. É importante perceber
que os processos de ocupação das terras, de formacao das fazendas e da
entrada em regioes novas ocorrem em funcao da expectativa de
valorizacao dessas terras em funcao do café.
No final do século XIX a inflação e o dinheiro fácil criava
ambiente próprio à especulação; uma fazenda comprada por 230 contos
de réis era revendida por 500 e transferida a um terceiro por 1000
contos, tudo em alguns anos. Com os lucros de tais especulações,
compravam-se terras virgens e plantavam-se milhões de pés de café.
Em suma, o rápido movimento de ocupação que vem da região do Vale
do Paraíba, passando por Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio
Preto, e mais tarde adentrando as regiões de Ourinhos e Araçatuba,
decorre do desgaste das terras antigas com a conseqüente queda de sua
produtividade e é viabilizado pelos ganhos com a especulação de novas
terras.
Na cidade de Ribeirão Preto a primeira cultura dominante foi o
café. A crise de 1929 derrubou-o e temporariamente instalou-se na
região a policultura voltada para o consumo interno, até que nova
cultura de exportação assumisse a liderança agrícola. Com isto, os
159
pequenos produtores que exploravam a policultura, substituindo os
monocultores do café, acabariam perdendo o espaço na região,
enquanto este era retomado pelos grandes fazendeiros a desenvolverem
a nova cultura de exportação instalada.
A fase de decadência da estrutura econômica voltada para a
monocultura cafeeira, com o conseqüente desmembramento dos
latifúndios, pode ser considerada como o momento embrionário de uma
emergente categoria de produtores rurais na região: os usineiros. Estes
passaram a incorporar, nas décadas posteriores à crise cafeeira, os
pequenos lotes às suas propriedades, retomando assim, a concentração
da propriedade agrária, quando não, proporcionando condições para
que os pequenos proprietários, ilhados pelos canaviais, passassem a
produzir cana para as usinas.
Em 1964, devido à expansão do mercado externo e à
redistribuição das cotas pelas regiões, áreas e usinas do País, o Estado
de São Paulo passou a desenvolver grandemente seu parque açucareiro,
ampliando o número de usinas e modernizando a tecnologia da
produção. Tendo em vista a obtenção de maior economia de escala no
setor açucareiro, o governo lançou o Programa de Racionalização da
Agroindústria Açucareira, em 1971, que determinava a fusão,
incorporação e relocalização de usinas de açúcar e das cotas de cana em
todo o País. Esta medida acelerou grandemente o processo de expansão
do setor açucareiro e, por conseqüência, a concentração de terras na
região de Ribeirão Preto.
160
Pretendendo responder ao primeiro desafio do petróleo, em
violenta elevação de preço no período de 1973 a 1974, foi implantado a
partir de 1975 o projeto PROALCOOL. Com o estímulo governamental
ao pojeto, amplia-se a capacidade de produção alcooleira das usinas,
em melhor aproveitamento de sua infraestrutura preexistente.
Anteriormente, as atividades agrícola e industrial no setor açucareiro
eram separadas. O instituto do Açúcar e do Álcool eliminou a
separação, estabelecendo que as usinas podiam produzir até 50% da
cana por elas processada.
Esta medida acelerou tanto o processo de concentração de terra
quanto agravou os conflitos entre o usineiro e o produtor de cana. O
resultado disso sempre foi, em última análise, a concentração de terras
nas grandes propriedades, fenômeno que se manisfestava já na década
de 30, de maneira preocupante.
O agronegóocio surge como consequência natural nesse
contexto [de incentivo governamental a producao em larga escala,
facilitada a grande prorpiedade rural, monocultora, com capital
disponivel para investimento em tecnologia]. Como resultado desse
modelo produtivo, de maneira direta e indireta, ha a acentuacao da
concentração fundiária, ha a perda de biodiversidade, redução da
policultura, o agravamento da exploração da mão-de-obra, trabalho
escravo, mortes por exaustão, migrações, cana-de-açúcar na Amazônia,
poluição das águas e da atmosfera, milícias rurais a serviço do capital –
internacional e nacional, redução do emprego agrícola, aumento da
161
morbidade, desnacionalização das terras, capital especulativo, prejuízo
para a segurança alimentar, acirramento do conflito agrário.
As lutas sociais no interior paulista remetem, ao menos, ao
início do século XX, nas fazendas de café. Foram manifestações por
melhores condições de trabalho, contra maus tratos por parte de feitores
de fazendas de café, em virtude das baixas remunerações, pela
diminuição da jornada de trabalho. Foi no final da decada de 90, que as
lutas dos trabalhadores rurais na região de Ribeirão Preto ganhavam
força.
Nesse momento os sindicatos ainda se constituíam como um
dos principais instrumentos de organização da classe trabalhadora e, na
época, alguns deles, buscavam se articular, reunir forças, com a
intenção de aproximar a luta dos trabalhadores da cidade e do campo e,
com isso, fortalecer a organização dos trabalhadores.
É em 1999 que o MST chega em Ribeirao Preto. Do ponto de
vista político, a chegada do MST em Ribeirão Preto significou a
introdução de um debate contemporâneo sobre a reforma agrária e
temas adjacentes entre estudantes, professores, ecologistas, militantes e
ativistas políticos da esquerda, bem como integrantes de instituições
como o Ministério Público Estadual.
Assim, o processo de mobilização de famílias nas periferias de
Ribeirão Preto, como nos municípios vizinhos, passava a ganhar apoio
junto aos setores já organizados da sociedade. Nesse momento,
descobriu-se que no município existiam grandes áreas de recarga do
aqüífero Guarani, num espaço de fronteira entre o perímetro urbano e a
162
área rural de Ribeirão Preto. Essas áreas de recarga do aqüífero Guarani
estavam em uma fazenda, chamada Fazenda da Barra, pertencente à
Fundação Sinhá Junqueira. Na época, estimou-se uma área de cerca de
1.780 hectares, na fronteira entre o espaço urbano e rural, que até então
havia se dedicado à monocultura da cana- de-açúcar.
Além dos movimentos sociais como atores sociais importantes
nesse processo de desapropriaçao da fazenda da Barra, foram também
decisivas a atuaçao do ministério público de Sao Paulo, que encabeçou
disputas contra os representantes do modelo agrícola da regiao. Foi o
MP quem deu início ao processo administrativo que viria a constatar a
fazenda da Barra.
O representante do Ministério Público à frente da Promotoria
de Meio Ambiente e Conflitos Fundiários, Marcelo Pedroso Goulart,
relata que, quando assumiu a curadoria, no ano de 1994, já havia um
processo em andamento, no qual os proprietários da fazenda da Barra
foram condenados por práticas de desmatamentos de reserva legal no
imóvel rural.
A Igreja católica também atuou fortemente na regiao pelo
acesso à propriedade rural. O apoio da Diocese de Ribeirao preto
consolidou a organizaçao do MST nesse município e regiao. Cedeu
espaços para a realizaçao de atividades socio-pedagogicas e
organizacionais do MST.
Outro ator social imprescindível foi o INCRA. Após a
requisiçao do MP, o INCRA dá início ao procedimento de investigaçao
163
sobre improdutividade do imóvel, que constatou que a propriedade nao
atingia os valores mínimos necessarios para ser considerada produtiva.
Todos esses citados, simultaneamente, e em áreas específicas
de atuaçao, fizeram parte de um processo social dinâmico capaz de
modificar a realidade e concretizaçao de processo de reforma agrária.
Além disso, abre espaco para um modelo de produçao anti-hegemônica;
contrário à produçao causadora de degradaçao ambiental e exploração
social.
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