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Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-gradução ECMVS
Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de
movimentação de lobo-guará, Chrysocyon
brachyurus, no Parque Nacional da Serra da
Canastra, MG.
Mayra Pereira de Melo Amboni
Orientador Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de mestre em Ecologia, Manejo e Conservação da Vida Silvestre.
Belo Horizonte, MG, 2007
2
AMBONI, M. P. M. Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de movimentação do lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Orientador: Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação (mestrado) – Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. Palavras-chave: dieta; disponibilidade alimentar; área de vida e área central de atividade; padrão de movimentação; Chrysocyon brachyurus; Serra da Canastra; Cerrado.
BANCA EXAMINADORA
Flávio Henrique G. Rodrigues (orientador)____________________________________
Jader Soares Marinho Filho________________________________________________
Kátia Gomes Facure______________________________________________________
Marcos Rodrigues (suplente)_______________________________________________
3
Sumário Índice de Figuras........................................................................................................... 4
Índice de Tabelas.......................................................................................................... 6
Agradecimentos............................................................................................................ 8
Resumo.......................................................................................................................... 10
Abstract......................................................................................................................... 12
Introdução Geral.......................................................................................................... 14
Referências bibliográficas................................................................................... 18
Capítulo I - Variação temporal da dieta do Lobo-Guará (Chrysocyon brachyurus) no
Parque Nacional da Serra da Canastra, MG................................................................... 22
Introdução........................................................................................................... 22
Metodologia........................................................................................................ 24
Resultados........................................................................................................... 30
Discussão............................................................................................................ 38
Referências Bibliográficas.................................................................................. 44
Capítulo II - Disponibilidade alimentar e Dieta do Lobo-Guará (Chrysocyon
brachyurus) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: oportunismo vs seleção
de presas......................................................................................................................... 50 Introdução........................................................................................................... 50
Metodologia........................................................................................................ 51
Resultados........................................................................................................... 56
Discussão............................................................................................................ 66
Referências Bibliográficas.................................................................................. 72
Capítulo III - Disponibilidade alimentar e padrão de movimentação do lobo-guará
(Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.................... 77 Introdução........................................................................................................... 77
Metodologia........................................................................................................ 79
Resultados........................................................................................................... 86
Discussão............................................................................................................ 91
Referências Bibliográficas.................................................................................. 96
Considerações Finais.................................................................................................. 101
Referências Bibliográficas................................................................................ 103
Anexo 1........................................................................................................................ 104
Anexo 2........................................................................................................................ 107
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Índice de Figuras
Figura 1. Distribuição atual do Lobo-Guará (Chrysocyon brachyurus). Fonte: Rodden et al. 2004.................................................................................................................... 15
Figura 1.1. Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG e sua delimitação original de 200.000 ha, em cinza escuro, e a zona de amortecimento, em cinza claro......................................................................................................................... 25
Figura 1.2. Temperatura média (barra) e precipitação (linha) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, nos anos de 2005 e 2006. No mês de dezembro não houve coleta suficiente de dados de precipitação. Dados coletados pelo Ibama e fornecidos pelo Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Uberlândia, UFU..................................................................................................... 26
Figura 1.3. Curva acumulativa de itens alimentares expressa em porcentagem, em relação ao número de fezes de lobo-guará analisadas (n = 307), coletadas entre os meses de setembro de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................... 31
Figura 1.4. Distribuição do número de itens encontrados por amostra fecal de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG....................................................... 32
Figura 1.5. Porcentagem de biomassa consumida por mês para cada um dos três principais frutos consumidos por lobo-guará entre os meses de agosto de 2005 e setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG......................... 35
Figura 2.1. Produtividade dos frutos consumidos pelo lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, durante meses de 2005 e 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A lobeira, Solanum lycocarpum, está representada em termos de biomassa disponível por planta e os demais em gramas por ha.............................. 57
Figura 2.2. Consumo de itens alimentares (�) por lobo-guará tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), de: a) outros frutos; e b) lobeira (Solanum lycocarpum), em meses de 2005 e 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................................... 60
Figura 2.3. Consumo de lobeira (○) e de outros frutos (●) pelo lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e setembro de 2006..................................................................................................... 61
Figura 2.4. Biomassa disponível de frutos potenciais para consumo por lobo-guará, por mês, em cada um dos ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................................... 62
Figura 2.5. Consumo de pequenos mamíferos (�) por lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), em relação: a) número de indivíduos; e b) biomassa, entre os meses de setembro de 2005 a setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG......................... 63
Figura 2.6. Biomassa estimada de pequenos mamíferos ao longo dos meses, por ambiente, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG...................................... 65
Figura 3.1. Tipos vegetacionais e uso do solo no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fonte: modificado de MMA & Ibama (2005)................................................. 81
5
Figura 3.2. Freqüência de localizações de 25 lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, em cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A barra sólida representa a estação chuvosa (n = 359) e a vazada a estação seca (n = 412). Dados coletados entre fevereiro de 2004 a fevereiro de 2007............................................ 90
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Índice de Tabelas
Tabela 1.1. Freqüência de ocorrência e biomassa consumida estimada, expressas em porcentagem, das categorias alimentares encontradas nas fezes dos lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas em três anos diferentes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG............................................................................................ 33
Tabela 1.2. Porcentagem de fezes de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, (n = 191 para estação seca e n = 116 para estação chuvosa) com determinada categoria alimentar nas estações seca e chuvosa, bem como os valores de G; e proporção de biomassa bruta consumida para cada categoria nas estações seca e chuvosa, e seus valores de U. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG............................................................................................ 35
Tabela 1.3. Freqüências de ocorrência, expressas em porcentagem das categorias alimentares encontradas nas fezes do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) nas estações chuvosa e seca no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, em três diferentes anos......................................................................................................... 37
Tabela 2.1. Coeficiente de similaridade das espécies de frutos disponíveis para o consumo do lobo-guará entre os pontos amostrais de cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................ 58
Tabela 2.2. Biomassa disponível dos principais frutos para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006............................................ 61
Tabela 2.3. Número de indivíduos disponíveis de pequenos mamíferos (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada mês) para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: campo úmido (CU), cerrado (CE), campo limpo (CL) e campo rupestre (CR). Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006............................................ 64
Tabela 2.4. Freqüência de presas de lobo-guará na dieta (observado) e no campo (esperado). Dados coletados entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................ 66
Tabela 3.1. Biomassa de pequenos mamíferos e frutos disponíveis (gramas por ha) para o lobo-guará em cada um dos ambientes amostrados do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, para as épocas seca e chuvosa, bem como para o ano inteiro....................................................................................................................... 86
Tabela 3.2. Número de localizações e área de vida de lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, capturados no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007..................................................................... 88
Tabela 3.3. Área central de atividade de lobos-guará e proporções (%) de ambientes dentro de cada área core.......................................................................................... 89
Tabela 3.4. Correlações de Spearman entre tamanho de área de vida (MPC 95%) e área central de atividade (MPC 50%) de lobos-guará (n = 10) e porcentagens de vegetação dentro de cada área, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Em nenhuma das áreas centrais houve cerrado incluído................................................ 89
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Tabela 3.5. Freqüência de utilização de cada ambiente (% localizações, n = 771) por lobos-guará (n = 25), disponibilidade de cada um dos ambientes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG (% habitat) e índice de seletividade (IS). Dados coletados entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007............................................ 90
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Agradecimentos
À minha mãe, pela paciência, carinho, por ter suportado meus maus momentos e
por tolerar fezes de lobo-guará na pia da churrasqueira. Ao meu pai, pelo amor e por
estar sempre disposto a me ajudar. À toda minha família que de alguma forma estiveram
presente neste momento, me apoiando sempre.
Ao Felipe, pelo amor, companheirismo, pelas orientações, dúvidas e sugestões, e
por ter tornado mais fáceis os momentos difíceis. Obrigada também por ter me apoiado
na decisão de fazer o mestrado em Minas, mesmo que isso implicasse em menos tempo
juntos, e em idas e vindas cansativas.
À todos meus amigos, em especial àqueles que fiz na Canastra: Fernanda, Lísia,
Alessandra, Joares, Jean, Renata, Flávia, Carla, Lucas, que sempre tornaram mais
divertida minha estada na Serra. Agradecimento especial à Lucía, que além de dividir a
casa, dividimos problemas e trabalho, e foi minha grande amiga e companheira durante
todas as etapas do mestrado. À todos os estagiários que passaram pelo projeto do lobo,
em especial ao Thiago, que esteve presente em quase todas as amostragens e no qual a
ajuda foi essencial. À Toninha e seu Amadeo, que sempre foram super atenciosos e
carinhosos. Ao Kato e a Misha, os gatinhos queridos no qual a companhia foi de suma
importância.
Agradecimento especial ao Flávio, por ter me dado a oportunidade de trabalhar
com o lobo-guará na Canastra, pelos ensinamentos e amizade. Ao Rogério, por ter
concordado em me aceitar no projeto, pelos conselhos essenciais e pela amizade.
Novamente aos amigos Fernanda, Joares e Jean, que estiveram no campo coletando os
dados de monitoramento dos lobos-guará, e que sem eles, a realização do Capítulo III
não seria possível.
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Ao curador do Herbário da UFMG (BHCB) Alexandre Salino, aos pesquisadores
Marcos Eduardo Guerra Sobral, João Renato Stehmann e Maria Cândida Mamede pela
identificação das plantas. À professora Carolyn Proença, do Herbário da UnB, pela
identificação das sementes. Ao curador da coleção de mamíferos da UFMG, Heitor
Cunha, pela identificação dos pequenos. À professora Kátia Gomes Facure, da UFU, pelo
auxílio na identificação dos fragmentos animais. Ao professor Jader Marinho Filho, da
coleção de mamíferos da UnB, por me permitir ter acesso à coleção e por disponibilizar
a lupa de seu laboratório para identificação dos fragmentos dos pequenos mamíferos. Ao
professor Paulo César Motta, do laboratório de Aracnídeos da UnB, e ao professor
Fernando Amaral da Silveira, do Laboratório de Sistemática e Ecologia de abelhas da
UFMG, por disponibilizarem seus laboratórios e um microscópio para identificação das
presas através dos pêlos. Ao professor Miguel Ângelo Marini, da coleção de aves da
UnB, por auxiliar na identificação das aves e por me permitir o acesso à coleção. Ao
professor Guarino Rinaldi Colli, do laboratório de Ecologia de répteis da UnB, pela
identificação dos répteis.
Ao programa de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida
Silvestre da UFMG, pelo apoio técnico e estrutural. Ao diretor do Parque Joaquim Maia
Neto e a todos funcionários do Ibama. Ao Laboratório de Climatologia e Recursos
Hídricos da UFU por disponibilizar os dados de temperatura e precipitação. À Zootech
pelo apoio técnico. Agradecimento especial a Instituição Pró-Canrívoros, que forneceu
condições para realização deste trabalho, e no qual sem o apoio financeiro este trabalho
não poderia ser realizado. À CAPES, pela bolsa concedida.
E não poderia deixar de agradecer ao canídeo mais simpático do Cerrado, lobo-
guará, que com seu jeito desengonçado me conquistou. Ele é a razão deste trabalho!
Mais uma vez, o meu muito obrigada a todos!
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Resumo
O lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, é um canídeo generalista e onívoro que se
alimenta de itens animais e vegetais. Apesar de haver vários trabalhos que relatam a dieta
desta espécie, poucos analisaram a disponibilidade alimentar e apenas um testou se o
padrão de movimentação da espécie é influenciado pela quantidade de alimento
disponível. Neste sentido, os objetivos dessa dissertação foram: (1) verificar a atual dieta
do lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, bem como realizar uma análise
temporal levando em consideração os outros trabalhos já realizados no Parque; (2)
verificar se os lobos-guará se alimentam conforme a disponibilidade de alimentos no
ambiente; e (3) verificar se a disponibilidade alimentar é um agente influenciador no
padrão de movimentação da espécie. A análise de amostras fecais mostrou que o lobo-
guará se alimenta de frutos e pequenos animais, tendo como principal item a lobeira,
Solanum lycocarpum. Quando feita a análise temporal de sua dieta, observou-se clara
mudança nos itens ingeridos ao longo dos anos, principalmente de frutos, como reflexo
das alterações no ambiente após implementação do Parque. Análises de marcação e
recaptura de pequenos mamíferos, quantificação da produção de frutos nos diferentes
ambientes do Parque, juntamente com a análise das amostras fecais, mostraram que, no
geral, o lobo-guará consumiu os itens alimentares conforme a disponibilidade no
ambiente, consumindo maiores quantidades de frutos na época chuvosa e de itens
animais na época seca. Contudo a lobeira foi consumida em maior proporção quando
presente em menores quantidades no ambiente, sugerindo que o lobo-guará procura este
frutos em época de escassez de outros itens vegetais. Algumas espécies de pequenos
mamíferos foram também consumidas em proporções maiores das encontradas no
ambiente, porém isto pode ser explicado por alguns efeitos secundários. Ainda,
observou-se que a movimentação dessa espécie é influenciada pela disponibilidade
11
alimentar, concentrando suas atividades em áreas mais ricas em alimento. No entanto os
resultados indicam que há outros fatores desconhecidos que também influenciam na
movimentação da espécie.
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Abstract
The maned wolf, Chrysocyon brachyurus, is a generalist omnivorous canid that feeds on
small animals and fruits. In spite of the fact that many studies examined the maned
wolf’s diet, few of them analyzed the availability of food on the environment, and just
one tested if the availability of food had any influence on the maned wolf’s moving
pattern. Therefore, the objectives of this dissertation were to: (1) verify the current diet of
the maned wolf in the Serra da Canastra National Park (Brazil) and compare with
previous studies performed in the Park; (2) verify if the maned wolf feeds according to
the availability of food; and (3) verify if the availability of food is an agent that influence
on the maned wolf’s moving patterns. Analysis of fecal samples showed that the maned
wolf feeds on fruits and animals, and the main item of its diet is lobeira (Solanum
lycocarpum). The comparison with previous studies demonstrated that there was a clear
change in the items ingested by the maned wolf during the years, especially fruits, which
was probably caused by a change on the type of vegetation, that occurred after the Park
implementation. Mark and recapture analysis, quantification of fruit production in
differents types of vegetation in the Park together with the fecal analysis showed that, in
general, the maned wolf consumed the food according to its availability, consuming more
fruits in the raining season and small animals in the dry season. However, lobeira was
consumed in a higher proportion when its productivity was lower, suggesting that maned
wolf look for this fruit in times of low availability of others fruits. In addition, some
small mammals species were consumed in a higher proportion than expected, which
could be explained by some secondary effects. Moreover, it was also observed that the
availability of food has an influence on the moving pattern of the maned wolf, since the
individuals were more frequently located in the habitats with more food. However, the
13
results also indicate that there are other non-identified factors that influence in the maned
wolf moving pattern.
14
Introdução Geral
O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus Illiger 1815) é o maior canídeo Sul-
Americano. Quando adulto pesa em média 25 kg e tem o comprimento total médio de
aproximadamente 150,4 cm, no qual 44,6 cm correspondem a sua cauda (Rodden et al.
2004). Suas pernas são longas e as orelhas compridas, facilitando a movimentação e o
forrageamento nas gramíneas altas do Cerrado, ambiente no qual está amplamente
distribuído (Rodden et al. 2004). Sua pelagem é de cor avermelhada, com o focinho e
parte inferior das patas negras. Os pêlos da garganta, de dentro das orelhas e da ponta da
cauda são brancos. Possuem uma crina escura que vai da nuca até os ombros. Os padrões
de coloração do pêlo sofrem pouca variação entre os indivíduos.
Ocorre no Brasil desde a desembocadura do Rio Parnaíba no Nordeste até o Rio
Grande do Sul. Distribui-se ainda no Chaco Paraguaio, Bolívia, Argentina, Uruguai e no
oeste dos Pampas Del Health no Peru (Rodden et al. 2004) (Figura 1). Apesar de sua
ampla distribuição está inserido na categoria vulnerável pela lista brasileira de espécies
ameaçadas (MMA 2003) e perto de estar ameaçada pela lista da IUCN (2006).
Uma das características da ecologia do lobo-guará que o coloca em risco é a
necessidade de grandes áreas para exercer suas atividades rotineiras. A média das áreas
de vida dos lobos-guará, entre os locais já estudados, pode variar de 25,2 a 57,0 km2
(Dietz 1984; Silveira 1999; Rodrigues 2002; Melo et al. 2007). Há uma grande variação
intra-específica local e regional dos tamanhos das áreas de vida nos trabalhos publicados,
que poderiam ser atribuídas a fatores como variação nos tamanhos de áreas de vida entre
machos e fêmeas, devido a necessidades distintas entre os sexos (Mizutani & Jewell
1998; Biró et al. 2004), ou ainda a diferentes quantidades ou qualidade de alimento nas
áreas ocupadas por cada indivíduo (Mizutani & Jewell 1998). Porém nenhum trabalho
realizado com área de vida do lobo-guará testou qual fator pode determinar esta grande
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variação intra-específica (Dietz 1984; Carvalho & Vasconcellos 1995; Silveira 1999;
Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues 2002; Melo et al. 2007).
Figura 1. Distribuição atual do Lobo-Guará (Chrysocyon brachyurus). Fonte: Rodden et al 2004.
Por precisar de grandes áreas, a fragmentação e perda do hábitat é a maior ameaça
a conservação do lobo-guará (Fonseca et al. 1994). Grande parte do Cerrado, Bioma no
qual o lobo-guará está amplamente distribuído, foi destruída e as partes remanescentes
encontram-se fragmentadas, o que, em conjunto com o alto grau de endemismo, coloca
este Bioma entre os mais ameaçados do mundo (Myers et al. 2000). Até a década de
1950 os Cerrados permaneceram quase que inalterados, mas a partir de 1960, com a
interiorização da capital e a construção de estradas rodoviárias, os impactos das ações
antrópicas aumentaram significativamente (Cavalcanti & Joly 2002). No início da década
de 90, ao menos 67% da região do Cerrado já havia sido convertida em uso intensivo
humano, e algumas estimativas recentes indicam 80% de degradação (Myers et al. 2000;
Cavalcanti & Joly 2002). Até o ano de 2002 já haviam sido desmatadas 54,9% da área
16
original até o ano de 2002 (Machado et al. 2004), e atualmente apenas cerca de 2% da
área total do Cerrado encontra-se protegida (Ratter et al. 1997).
A fragmentação pode causar a perda de variabilidade genética (por isolamento de
sub-populações), aumento de espécies invasoras, aumento no número de atropelamentos
e aumento da caça. Todos estes fatores combinados podem agravar o status de
conservação da espécie, tendo em vista que o lobo-guará é uma espécie aparentemente
suscetível a todos estes fatores. Com a fragmentação de hábitats, os lobos-guará podem
interagir mais facilmente com cães domésticos (Canis familiaris), podendo haver
competição por recursos ou ainda introdução de doenças, causando sérios riscos a
população silvestre (Rodden et al. 2004). Além disso, a maioria das Unidades de
Conservação são cercadas por rodovias, onde os carros trafegam em alta velocidade,
tornando-se fator de risco e matando diversas espécies, inclusive o lobo-guará (Rodrigues
2002). A caça sobre o lobo-guará pode aumentar também, uma vez que próximo as
Unidades de Conservação normalmente há fazendas com criações de galinhas e outras
aves, que com freqüência são atacadas por carnívoros de modo geral. No entanto, muitas
vezes o principal acusado pelas predações de galinhas são os lobos-guará (Corral 2007),
sendo alvo de caça e perseguição. Além disso, algumas crenças de que o lobo-guará
traria sorte ou curaria certas doenças ainda é motivo para caça.
Ainda, por ser um animal considerado oportunista, alimentando-se conforme a
disponibilidade de alimentos no ambiente (Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 2000;
Bueno et al. 2002) e pelo fato da lobeira, fruto geralmente considerado o mais importante
da sua dieta (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 1997, 2000; Juarez &
Marinho-Filho 2002; Jácomo et al. 2004; Rodrigues et al. 2007), ser favorecida em
ambientes alterados (Oliveira-Filho & Oliveira 1988), o lobo-guará, com o crescente
processo de fragmentação, pode passar a usar mais freqüentemente áreas antropizadas,
podendo ocorrer aumento no consumo de frutos cultivados (Santos et al. 2003; Jácomo et
17
al. 2004; Rodrigues et al. 2007) ou criações domésticas, diminuindo ainda mais a
aceitação dos humanos pelo lobo-guará, e aumentando, conseqüentemente, a caça sobre a
espécie.
Apesar de haver vários trabalhos que tratam da dieta do lobo-guará, poucos
verificaram a disponibilidade alimentar e apenas um testou se a disponibilidade alimentar
é um fator influente no padrão de movimentação da espécie (Silva & Talamoni 2004). No
sentido de colher mais informações acerca da ecologia alimentar e do comportamento de
forrageamento do lobo-guará, e tendo em vista a importância dessas informações para a
tomada de medidas de conservação, os objetivos gerais deste trabalho foram: (1) verificar
a atual dieta do lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, bem como
realizar uma análise temporal levando em consideração os outros trabalhos já realizados
no Parque; (2) verificar se os lobos-guará se alimentam conforme a disponibilidade de
alimentos no ambiente; e (3) verificar se a disponibilidade alimentar influencia no padrão
de movimentação da espécie.
A tese esta subdivida em três capítulos. O primeiro capítulo trata da dieta do lobo-
guará no PNSC. Neste, foram feitas análises através de amostras fecais onde foi
verificada a composição de sua dieta e a importância de cada item, além de verificar a
sazonalidade no consumo de presas animais e itens vegetais. Foi feita também uma
comparação da dieta do lobo-guará encontrada atualmente com dados publicados desde a
década de 80 (Dietz 1984; Queirolo 2001), para verificar se houve mudanças nos itens
alimentares ingeridos pela espécie.
O segundo capítulo trata da disponibilidade alimentar, correlacionado com a
dieta, com objetivo de verificar se o lobo-guará se enquadra no hábito alimentar
oportunista ou se seleciona algumas presas em detrimento de outras. Foram estimadas as
quantidades de pequenos mamíferos e de frutos nos principais ambientes do PNSC, e
estes correlacionados com os de dieta.
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O terceiro e último capítulo é a respeito da disponibilidade alimentar e do padrão
de movimentação da espécie. Neste procura-se uma relação entre as áreas de vida ou
áreas centrais de atividade dos lobos-guará com a disponibilidade alimentar encontrada
nos diferentes ambientes amostrados do Parque. Para isso foram interseccionadas essas
áreas com um mapa de classificação da vegetação, para ver se a quantidade de cada
ambiente varia conforme o tamanho da área que cada indivíduo ocupa.
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22
Capítulo I
Variação temporal da dieta do Lobo-Guará
(Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da
Serra da Canastra, MG.
INTRODUÇÃO
A dieta do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) vêm sendo estudada desde a
década de 70 (Langguth 1975; Carvalho 1976), porém foi na década de 80 que a primeira
pesquisa envolvendo uma abordagem mais completa da importância de cada item
alimentar foi realizada (Dietz 1984). A partir daí, vários estudos enfocando dieta de lobo-
guará foram publicados (Motta-Junior et al. 1996; Azevedo & Gastal 1997; Motta-Junior
1997, 2000; Aragona & Setz 2001; Queirolo 2001; Bueno et al. 2002; Motta-Junior &
Martins 2002; Santos et al. 2003; Silva & Talamoni 2003; Bueno & Motta-Junior 2004;
Jácomo et al. 2004; Cheida 2005; Rodrigues et al. 2007).
Os diversos trabalhos publicados mostram uma dieta onívora e generalista,
constituída principalmente de frutos e de pequenos vertebrados. Entre as presas animais,
os trabalhos apontam pequenos mamíferos ou tatus como principais fontes de proteína
animal. Aves, répteis e vertebrados de médio e grande porte também são encontrados na
alimentação do lobo-guará. Alguns trabalhos relatam peixes e anfíbios na sua dieta, mas
sempre em proporções muito baixas (Dietz 1984; Bueno et al. 2002).
Entre os frutos, o principal geralmente é a lobeira (Solanum lycocarpum), que
frutifica o ano inteiro (Oliveira-Filho & Oliveira 1988; Rodrigues 2002), mas alguns
trabalhos já registraram outras espécies de frutos, que não a lobeira, como sendo os
principais (Queirolo & Motta-Junior 2000; Queirolo 2001).
23
Itens de origem animal e vegetal aparecem nas fezes em proporções semelhantes
ao longo de todo ano (Rodrigues et al. 2007), no entanto o lobo-guará apresenta variação
sazonal da dieta, ingerindo maior quantidade de pequenos vertebrados na época seca, e
de frutos na época chuvosa (Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 2000; Bueno et al.
2002), épocas nas quais estes itens estão disponíveis em maiores quantidades no
ambiente. Alguns autores sugerem que o lobo-guará pode ser seletivo para alguns itens
alimentares, como a lobeira (Motta-Junior 2000; Rodrigues et al. 2007) ou algumas
espécies de pequenos mamíferos (Bueno & Motta-Junior 2006).
Todos os estudos realizados com hábitos alimentares do lobo-guará analisam a
dieta através das fezes. A importância de cada item alimentar é analisada em termos de
freqüência de ocorrência (Dietz 1984), volume (Dietz 1984), peso seco (Azevedo &
Gastal 1997) ou biomassa ingerida (Motta-Junior et al. 1996). Apesar da freqüência de
ocorrência ser um método que superestima pequenos itens alimentares (Corbett 1989), é
ainda o método mais utilizado por pesquisadores que investigam a dieta do lobo-guará.
A análise da dieta ao longo de vários anos pode auxiliar no planejamento de
estratégias de manejo e conservação da espécie. No entanto, às vezes a informação está
apresentada em estudos esparsos, e é interessante unir essas informações para verificar se
há variações significativas no comportamento alimentar da espécie. Contudo, deve-se
também levar em consideração que os diferentes resultados podem ser apenas variações
anuais ou cíclicas da disponibilidade de alimentos no ambiente e conseqüentemente, do
consumo destes itens.
No Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC), MG, dois trabalhos foram
realizados com dieta do lobo-guará e estes mostram dados contrastantes. Dietz (1984)
aponta a lobeira, Solanum lycocarpum, como principal item alimentar, enquanto Queirolo
(2001) conclui que outra espécie de fruto, Parinari obtusifolia, tem maior importância na
dieta. Ainda, Queirolo & Motta-Junior (2000) acreditam que o lobo-guará estaria
24
substituindo a lobeira por outros frutos, alegando que as condições existentes até o final
da década de 70, com grande quantidade de gado consumindo e disseminando o fruto da
lobeira, agiam como fator facilitador no estabelecimento desta planta. Sugerem ainda que
com a posterior retirada dos fazendeiros e construção de cercas delimitando o Parque no
início da década de 80 as condições de sobrevivência da lobeira diminuíram e
aumentaram as de outros frutos, que antes eram inibidas pelas queimadas constantes e
pelo forrageio do gado. Os autores sugerem que essas alterações no ambiente poderiam
estar causando mudanças na dieta do lobo-guará dentro do Parque.
Neste sentido, os objetivos deste trabalho foram: (1) verificar a importância atual
dos itens alimentares na dieta do lobo-guará através da análise de fezes, no Parque
Nacional da Serra da Canastra, MG; (2) avaliar o efeito da sazonalidade na ingestão de
itens alimentares durante as épocas seca e chuvosa; (3) analisar temporalmente a dieta do
lobo-guará levando em conta outros trabalhos realizados anteriormente no PNSC.
METODOLOGIA
Área de estudo
O Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) foi criado em 1972 pelo Decreto
nº 70.355. O projeto possuía inicialmente área de 200.000 ha, porém, em 1977, foi
realizado o levantamento e a demarcação em apenas 71.525 ha. Para este mesmo ano há
relatos de que havia ainda aproximadamente 20.000 cabeças de gado dentro do Parque e
que o sistema tradicional de queima e pastagem ainda era mantido. Foi apenas em 1980
que houve a saída, forçada pela Polícia Federal, de todos aqueles que ainda estavam
presentes dentro do Parque. Hoje o PNSC abrange cerca de 71.525 ha e sua sede está
situada no município de São Roque de Minas, sudoeste de Minas Gerais, a 360 km de
Belo Horizonte (Figura 1.1) (MMA & IBAMA 2005).
25
Figura 1.1. Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG e sua delimitação original de 200.000 ha, em cinza escuro, e a zona de amortecimento, em cinza claro.
O Parque está inserido no domínio fitogeográfico do Cerrado, sendo a maior parte
coberta por formações campestres, como campo limpo, campo sujo e campo rupestre. O
clima predominante é tropical sazonal, de inverno seco. A temperatura média mensal não
varia muito ao longo do ano, ao contrário da precipitação (Figura 1.2), que possui picos
elevados na primavera e verão (outubro a março), caracterizando a estação chuvosa.
Entre os meses de abril e setembro há uma redução na incidência de chuvas onde os
índices pluviométricos podem chegar a zero, resultando numa estação seca que pode
durar de três a cinco meses (MMA & IBAMA 2005).
Fonte: modificado de Ibama-MMA 2005. Plano de Manejo PNSC.
26
0
5
10
15
20
25
A S O N D J F M A M J J A S
Temperatura m
édia (Celsius)
0
50
100
150
200
250
300
350
Precipita
ção (mm)
Figura 1.2. Temperatura média (barra) e precipitação (linha) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, nos anos de 2005 e 2006. No mês de dezembro não houve coleta suficiente de dados de precipitação. Dados coletados pelo IBAMA e fornecidos pelo Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Uberlândia, UFU.
Dieta do lobo-guará
Para análise de dieta do lobo-guará, as fezes encontradas entre agosto de 2005 e
outubro de 2006, dentro e fora do PNSC, foram coletadas em sacos plásticos onde foram
anotadas a data e a localização (ponto georreferenciado). As fezes de lobo-guará eram
reconhecidas pelo odor característico, diâmetro ou rastros e pegadas próximas, ou ainda
pela presença de pêlos do predador. Aquelas fezes cuja origem não pode ser confirmada
como sendo do lobo-guará não foram analisadas.
Dentre todas as fezes coletadas foram apanhadas aleatoriamente 30 fezes por mês.
Nos meses com baixa coleta (menos de 30) foram triadas todas as fezes de lobo-guará
encontradas. Para verificar a suficiência do tamanho amostral foi traçada a curva do
coletor.
chuva seca
27
As fezes foram triadas em água corrente, com o auxílio de peneiras de malhas de
2 mm. Todas as sementes e fragmentos animais (pêlos, ossos, dentes, bicos, penas, casca
de ovo, escamas) encontrados foram separados para posterior quantificação e
identificação.
As sementes encontradas nas fezes foram identificadas comparando-as com
sementes coletadas na área de estudo ou com a ajuda de botânicos.
A identificação dos pequenos mamíferos foi feita através da comparação dos
dentes e mandíbulas encontradas nas fezes com as de espécimes da coleção de mamíferos
da Universidade de Brasília (UnB) e com os padrões molares descritos na literatura
(Carleton & Musser 1989; Hershkovitz 1990a, 1990b, 1993; Musser et al. 1998;
Eisenberg & Redford 1999). Quando não encontrados dentes ou mandíbulas nas fezes, a
identificação foi feita através da estrutura medular dos pêlos, uma vez que o processo da
digestão não afeta sua estrutura (Quadros & Monteiro-Filho 1998). Foram utilizados uma
chave de identificação (Quadros 2002), literatura correlata (Chehébar & Martín 1989) e
pêlos coletados de espécimes da Coleção de Mamíferos da UnB para reconhecer os
padrões das medulas. A coleta e preparação dos pêlos para visualização em microscopia
óptica, utilizando aumentos de 100X e 400X, foi feita de acordo com metodologia
proposta por Quadros & Monteiro-Filho (2006). A identificação dos pequenos mamíferos
através dos pêlos só foi possível para grandes categorias (Muridae, Caviidae,
Didelphidae). Para identificação de mamíferos de médio porte, além dos padrões
medulares, foram levados em consideração características macroscópicas, como padrão
de cor, comprimento e espessura.
As escamas dos répteis encontradas nas amostras foram identificadas com ajuda
de um especialista. As aves foram identificadas através da análise das bárbulas das penas,
com auxílio de microscopia óptica, utilizando como referência penas retiradas de
espécimes da coleção de aves da UnB e a chave de identificação de Day (1966).
28
Os itens alimentares encontrados foram agrupados em 10 categorias: Solanum
lycocarpum, Parinari obtusifolia, Allagoptera campestris, Miscelânea de Frutos,
Artrópodes, Répteis, Aves, Tatus, Pequenos Mamíferos e Outros Vertebrados. As três
primeiras categorias representam as principais espécies de frutos consumidos pelo lobo-
guará (aquelas encontradas em mais de 100 fezes). A miscelânea de frutos representa as
outras espécies de frutos. O capim não foi considerado na análise uma vez que não traz
valor nutricional para a espécie, servindo mais como facilitador do processo digestivo ou
para eliminar marcações de território feitas por outros indivíduos (Dietz 1984).
A importância de cada item alimentar foi determinada a partir do cálculo da
freqüência de ocorrência e da biomassa ingerida. A freqüência de ocorrência é calculada
a partir do número de fezes em que um determinado item foi encontrado em relação ao
número total de ocorrências (Dietz 1984). Porém, como a freqüência tende a
superestimar a importância de itens pequenos (e.g. artrópodes), foi também estimada a
biomassa ingerida (Corbett 1989). Para calcular a biomassa das diferentes espécies de
pequenos mamíferos foi utilizado o peso médio dos animais capturados durante este
estudo (metodologia descrita no capítulo II) e multiplicados pelo número de indivíduos
encontrados nas fezes. A biomassa média das espécies de pequenos mamíferos que não
foram capturadas ao longo do estudo, bem como a de outros vertebrados, foram
compiladas da literatura (Motta-Junior et al. 1996; Eisenberg & Redford 1999; Rodrigues
et al. 2007). Para os animais não identificados foi feita uma média ponderada da
biomassa dos indivíduos identificados. A biomassa dos artrópodes foi estimada com base
no comprimento médio dos indivíduos encontrados (Sage 1982). A biomassa dos frutos
consumidos foi estimada multiplicando-se o número de sementes encontradas nas fezes
pelo peso médio dos frutos e este valor dividido pelo número médio de sementes por
fruto. O número de sementes e os pesos médios foram obtidos através da literatura
29
(Motta-Junior et al. 1996; Silva Junior 2005; Rodrigues et al. 2007) e consulta a
botânicos.
A amplitude do nicho foi calculada utilizando o Índice de Levins padronizado.
Este índice mede a amplitude do nicho analisando a uniformidade da distribuição de
indivíduos entre as categorias alimentares e é dado pela seguinte fórmula: BA = [(1/∑pi2)
– 1] /n-1. Onde BA é o índice de Levins padronizado, pi é a freqüência de cada categoria
utilizada e n o número de categorias (Krebs 1999). Este índice é expresso numa escala de
0 a 1, quanto menor o valor, mais especializada é a dieta.
Sazonalidade alimentar
Para verificar se há sazonalidade no consumo de itens alimentares pelo lobo-
guará as fezes foram separadas entre estação seca (de abril a setembro) e estação chuvosa
(outubro a março). Foi feito um gráfico representando a distribuição do número de itens
alimentares por fezes ao longo de todo ano e para verificar se as médias do número de
itens variou entre as duas estações foi feito o teste não-paramétrico Mann-Whitney U,
uma vez que os números de tipo de item por fezes não apresentaram distribuição normal
(Kolmogorov-Smirnov: Z = 3035; N = 307; P < 0,001).
Os itens foram agrupados nas 10 categorias já descritas e foi calculada a
porcentagem de fezes com determinada categoria alimentar para cada uma das estações
(número de fezes contendo certo item alimentar em relação ao número total de fezes para
cada época). Foi realizado teste G para verificar se a porcentagem variou entre as duas
estações.
Ainda, foi analisada a sazonalidade alimentar levando em consideração a
biomassa ingerida. O teste Kolmogorov-Smirnov mostrou que nenhuma das categorias
apresentou distribuição normal, desta forma, o teste não paramétrico Mann-Whitney U
30
foi utilizado para constatar se houve diferença na proporção de biomassa consumida para
cada categoria por fezes durante as épocas seca e chuvosa.
Análise temporal da dieta do lobo-guará
Com o intuito de analisar a variação temporal da dieta do lobo-guará, os
resultados deste estudo foram comparados com os estudos de Queirolo (2001) e Dietz
(1984). Para facilitar a comparação entre estudos foi feita uma padronização das
categorias adotadas. Duas categorias alimentares apresentadas no estudo de Queirolo
(2001) foram unidas. O autor separou as categorias de aves em duas, Tinamiformes e
outras aves, estas foram somadas e então formada a categoria aves. Os dados de Dietz
(1984) também foram organizados dentro das categorias adotadas neste trabalho.
A amplitude de nicho trófico foi calculada para os trabalhos de Dietz (1984) e
Queirolo (2001) a partir das categorias padronizadas e seguindo fórmula descrita
anteriormente. Não foi possível calcular as amplitudes de nicho para as estações seca e
chuvosa separadamente, pois os autores não apresentaram os dados de todas categorias
adotadas aqui.
Para todos os testes foi utilizado o programa estatístico SPSS 13.0 para Windows,
com nível de significância de 0,05 e bicaudais.
RESULTADOS
Dieta do lobo-guará
Foram analisadas 307 fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006. A
média de fezes analisadas por mês foi de 20,5 ± 11,6 (Média ± DP), sendo que para o
mês de outubro de 2006, apenas uma amostra foi analisada. Esta foi descartada quando
considerados os meses separados.
31
Foram identificados 77 itens alimentares, 40 de origem animal e 37 de origem
vegetal, num total de 1064 ocorrências, 516 de origem animal e 548 de origem vegetal. O
tamanho amostral foi suficiente para descrever a dieta do lobo-guará uma vez que 95%
dos itens alimentares já haviam ocorrido pelo menos uma vez quando a 230a fezes foi
triada, o que corresponde a 75% do total de fezes analisadas (Figura 1.3).
0
20
40
60
80
100
1 51 101 151 201 251 301
Número de fezes
Porcentagem acu
mulativ
a de itens
Figura 1.3. Curva acumulativa de itens alimentares expressa em porcentagem, em relação ao número de fezes de lobo-guará analisadas (n = 307), coletadas entre os meses de setembro de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
A média de tipos de itens alimentares por amostra fecal foi de 3,48 ± 2,12. A
maior parte (23,20%) das amostras fecais teve dois tipos de itens alimentares, 18,30%
teve três itens por amostra, 17,00% teve um item e 41,50% das amostras tiveram entre 4
a 10 tipos de itens (Figura 1.4). As distribuições dos números de itens nas fezes
correspondentes às estações seca e chuvosa não apresentaram diferença significativa
(Mann-Whitney: U = - 1,082; Nchuvosa = 116; Nseca = 191; P = 0,279).
32
0
5
10
15
20
25
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Número de item / amostra fecal
Porcentagem de fe
zes
Figura 1.4. Distribuição do número de itens encontrados por amostra fecal de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
O lobo-guará consumiu uma grande variedade de itens animais e vegetais. Dentre
todas as categorias alimentares, a mais freqüente foi a dos pequenos mamíferos, seguidos
pela lobeira e pela miscelânea de frutos. Porém, quando analisado em termos de
biomassa, o item mais importante foi a lobeira, seguido pelos pequenos mamíferos e tatus
(Tabela 1.1).
Os frutos mais consumidos em termos de biomassa, em ordem decrescente, foram
Solanum lycocarpum, Parinari obtusifolia, Allagoptera campestris, Cordiera cf.
concolor, frutos da família Myrtaceae e Bromelia sp. (Anexo 1). Observou-se que a
lobeira teve alta representatividade quando levado em consideração tanto a biomassa
consumida, quanto o número de ocorrências (Tabela 1.1). Mais de metade dos frutos
(59,46%) apresentaram baixa freqüência de ocorrência nas fezes (ocorrências menores ou
iguais a quatro) (Anexo 1).
As categorias de presas animais mais representativas em termos de biomassa
foram, em ordem decrescente, pequenos mamíferos, tatus, aves e outros vertebrados.
Répteis e artrópodes tiveram pouca representatividade. Porém, quando considerada a
33
freqüência de ocorrência, os répteis e artrópodes ganham considerável importância na
dieta do lobo-guará (Tabela 1.1). Dentre os pequenos mamíferos, foram encontrados 549
indivíduos. Entre os roedores, a espécie com maior consumo, em termos de biomassa,
foram: Bolomys lasiurus, seguido de Cavia aperea e Oxymycterus roberti. Em relação
aos marsupiais, Gracilinanus sp. foi o que teve maior representatividade, seguido de
Monodelphis sp. e Lutreolina crassicaudata (Anexo 1).
Tabela 1.1. Freqüência de ocorrência e biomassa consumida estimada, expressas em porcentagem, das categorias alimentares encontradas nas fezes dos lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas em três anos diferentes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Ocorrência Biomassa Ano 1980 (1) 2000 (2) 2006 (3) 2000 (2) 2006 (3) Solanum lycocarpum 36,65 11,97 13,30 10,55 22,54 Parinari obtusifolia 0,00 12,88 10,30 17,10 13,43 Allagoptera campestris 0,00 3,09 9,50 0,43 5,07 Miscelânea de frutos 9,08 17,02 18,40 13,39 7,70 Subtotal vegetal 45,73 43,96 51,50 41,47 48,74 Artópodes 6,40 4,80 4,00 0,08 0,22 Répteis 0,33 10,18 3,30 2,83 0,42 Aves 13,51 13,99 9,30 15,05 8,60 Pequenos mamíferos 28,67 25,82 31,10 16,78 18,09 Tatus 3,45 0,99 0,60 11,52 17,88 Outros vertebrados 1,91 0,26 0,20 12,26 6,05 Subtotal animal 54,27 56,04 48,50 58,53 51,26 Amplitude do nicho 0,336 0,594 0,508 Número absoluto 1828 1522 1064 173699,10 g 140588,40 g Número de amostras 740 399 307 399 307 (1) Dietz 1984; (2) Queirolo 2001; (3) este estudo.
Sazonalidade alimentar
Do total de 307 fezes, 191 correspondem à época seca e 116 à época chuvosa.
Em ambas estações, os itens vegetais foram encontrados em um número maior de fezes
do que os itens animais, sendo que na estação chuvosa, todas as fezes apresentaram pelo
menos um tipo de fruto. No entanto, quando analisadas em termos de biomassa
34
consumida, houve maior consumo de itens animais na estação seca e de itens vegetais
na estação chuvosa (Tabela 1.2).
O consumo de Solanum lycocarpum pelo lobo-guará apresentou sazonalidade,
sendo maior na época seca, enquanto Parinari obtusifolia foi mais consumida na estação
chuvosa. Não houve diferença significativa entre as duas estações para a miscelânea de
frutos, tanto em porcentagem de fezes contendo esta categoria, quanto para proporção de
biomassa consumida (Tabela 1.2).
Apesar de A. campestris ter estado presente em proporção maior nas fezes da
época chuvosa, teve maior quantidade de biomassa consumida na época seca (Tabela 1.2).
Sugerindo que o lobo-guará consumiu maior quantidade de A. campestris por evento na
época seca do que na chuvosa. Este item alimentar teve seu pico de consumo em abril, fim
da época chuvosa e início da época seca (Figura 1.5).
Quando comparada a porcentagem de biomassa em cada mês para os três
principais frutos consumidos pelo lobo-guará, observa-se que a medida que o consumo de
lobeira cai, aumenta o de P. obtusifolia, e, quando este começa a cair, o de A. campestris
aumenta (Figura 1.5). Ou seja, o lobo-guará consome frutos o ano inteiro, tendo lobeira e
A. campestris maior representatividade, em termos de biomassa, nos meses
correspondentes à época seca e P. obtusifolia na época chuvosa (Tabela 1.2).
Os itens animais, de forma geral, foram mais consumidos na época seca. Porém
apenas os pequenos mamíferos apresentaram sazonalidade significativa no seu consumo
pelo lobo-guará, os demais não tiveram diferença marcante na quantidade ingerida entre
as duas épocas (Tabela 1.2).
35
Tabela 1.2. Porcentagem de fezes de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, (n = 191 para estação seca e n = 116 para estação chuvosa) com determinada categoria alimentar nas duas estações, bem como os valores de G; e proporção de biomassa bruta consumida para cada categoria nas estações seca e chuvosa, e seus valores de U. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes com item (%) Biomassa consumida (%)
Seca chuva G P seca chuva U P Solanum lycocarpum 60,21 22,41 43,346 ≤ 0,001 32,57 8,28 6654,5 ≤ 0,001 Parinari obtusifolia 14,4 71,55 106,424 ≤ 0,001 2,50 28,96 4060,0 ≤ 0,001 Allagoptera campestris 26,70 43,10 8,687 0,003 5,35 4,68 9595,0 0,019 Miscelânia de frutos 38,74 45,69 1,431 0,231 5,23 11,20 9795,5 0,057 Subtotal vegetal 91,10 100,00 17,760 ≤ 0,001 45,65 53,12 7378,5 ≤ 0,001 Arthropoda 12,04 12,93 0,052 0,819 0,24 0,19 10998,0 0,853 Reptilia 12,57 8,62 1,176 0,278 0,56 0,22 10602,0 0,247 Aves 34,03 28,45 1,044 0,307 8,86 8,23 10525,0 0,375 Pequenos mamíferos 72,25 45,69 21,541 ≤ 0,001 24,20 9,41 7005,5 ≤ 0,001 Tatus 1,57 2,59 0,377 0,539 13,45 24,17 10966,0 0,536
Outros vertebrados 0,52 0,86 0,124 0,725 7,03 4,65 11041,0 0,725
Subtotal animal 81,15 62,93 12,274 ≤ 0,001 54,35 46,88 7473,0 ≤ 0,001
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
A S O N D J F M A M J J A S
Porcentagem de biomass
a
Solanum lycocarpum
Parinari obtusifolia
Allagoptera campestris
Figura 1.5. Porcentagem de biomassa consumida por mês para cada um dos três principais frutos consumidos por lobo-guará entre os meses de agosto de 2005 e setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
chuva seca
36
A amplitude do nicho trófico foi calculada a partir das freqüências de cada uma
das categorias e obteve-se um valor de 0,508 (Tabela 1.1). O índice de Levins
padronizado foi calculado também para época seca (BA = 0,417) e para época chuvosa
(BA = 0,549), levando em consideração a freqüência de ocorrência para cada uma das
categorias em cada uma das estações (Tabela 1.3), mostrando uma dieta mais
especializada na época seca.
Análise temporal da dieta do lobo-guará
Em termos de freqüência de ocorrência, em 1980 o principal item alimentar na
dieta do lobo-guará foi a lobeira, seguido de pequenos mamíferos. Ainda, houve uma
freqüência baixa de consumo de outros frutos, sendo que Parinari obtusifolia e
Allagoptera campestris não foram encontrados nas fezes do lobo-guará naquele ano. Os
outros vertebrados ocorreram em baixas freqüências, mas quando comparado com os
outros anos de estudo, a ingestão desta categoria foi mais alta na década de 80 (Tabela
1.1). Dietz (1984) encontrou espécies que não foram encontradas nas fezes deste estudo
nem no de Queirolo (2001), como tamanduá-bandeira, Myrmecophaga tridactyla (n = 6),
e tamanduá-mirim, Tamandua tetradactyla (n = 2), além de peixes e anfíbios.
Em 2000 os pequenos mamíferos foi a categoria mais freqüente nas fezes, e o
principal fruto consumido pelo lobo-guará foi Parinari obtusifolia. No entanto, quando
analisado em termos de biomassa ingerida, P. obtusifolia passa ter maior representação
do que todos os outros itens alimentares (Tabela 1.1).
Quanto à sazonalidade, em 2000 e 2006 houve maior consumo de presas animais
na época seca e itens vegetais na época chuvosa. Em relação aos frutos, a lobeira foi
consumida em proporções semelhantes nas duas épocas do ano de 1980, porém nos
outros anos houve variação sazonal no consumo deste fruto, sendo mais consumido na
época seca. Ainda, nos anos em que foram encontrados Parinari obtusifolia e
37
Allagoptera campestris na dieta, estes foram mais consumidas na época chuvosa. Apesar
de Queriolo não ter separado Allagoptera campestris em uma categoria, esta teve
representatividade alta, sendo o quarto fruto de maior consumo, perdendo apenas para P.
obtusifolia, lobeira e Melancium campestris. Em relação aos itens animais, os três
trabalhos mostram maior consumo de pequenos mamíferos na época seca (Tabela 1.3).
A amplitude de nicho foi diferente para os três anos. Com os dados de 1980 foi
obtido o índice mais baixo. Os de 2006 e 2000 foram mais altos e não diferiram muito,
ou seja, o lobo-guará apresentou uma dieta mais especializada do que os outros anos
(Tabela 1.1).
Tabela 1.3. Freqüências de ocorrência, expressas em porcentagem das categorias alimentares encontradas nas fezes do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) nas estações chuvosa e seca no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, em três diferentes anos.
Estação Chuvosa Estação Seca 1980 (1) 2000 (2) 2006 (3) 1980 (1) 2000 (2) 2006 (3)
Solanum lycocarpum 37,81 7,02 6,75 40,63 16,04 16,94 Parinari obtusifolia 0,00 14,97 21,56 0,00 10,19 3,98 Allagoptera campestris 0,00 ** 12,59 0,00 ** 7,51 Miscelânea de frutos 9,45 25,15 21,04 5,42 13,64 16,94 Subtotal Vegetais 47,26 47,13 62,34 46,05 39,88 45,37 Artópodes 7,59 5,73 3,90 4,66 3,60 4,12 Répteis * 8,54 2,60 * 12,29 3,68 Aves 15,42 14,27 8,57 13,00 13,64 9,72 Mamíferos pequenos 25,37 22,57 21,56 33,15 29,99 36,52 Tatu 4,35 1,29 0,78 3,14 0,60 0,44 Outros vertebrados * 0,47 0,26 * 0,00 0,15 Subtotal Animais 52,74 52,87 37,66 53,95 60,12 54,63 Totais de ocorrências 804 855 393 923 667 689 (1) Dietz 1984; (2) Queirolo 2001; (3) este estudo. * O autor não separou entre estações seca e chuvosa devido à baixa freqüência de ocorrência destas categorias, portanto as porcentagens foram feitas sem estes dados. ** O autor não apresentou os dados de freqüência para A. campestris em separado, portanto este fruto encontra-se dentro da categoria Miscelânea de frutos. As freqüências sublinhadas significam que os autores encontraram sazonalidade significativa para estas categorias.
38
DISCUSSÃO
O lobo-guará no PNSC apresentou uma dieta generalista e onívora, concordando
com os outros estudos sobre sua dieta (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Azevedo &
Gastal 1997; Motta-Junior 1997; Aragona & Setz 2001; Queirolo 2001; Bueno et al.
2002; Bueno & Motta-Junior 2004; Cheida 2005; Rodrigues et al. 2007). Quanto à
freqüência de ocorrência, os pequenos mamíferos foram os mais comuns, seguidos pela
miscelânea de frutos e pela lobeira. Embora a maioria dos trabalhos indique que a lobeira
é o item mais freqüente na dieta do lobo-guará (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996;
Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues et al. 2007), outros autores encontraram
resultados semelhantes a este estudo, onde os pequenos mamíferos representaram a
categoria alimentar mais freqüente (Queirolo 2001; Bueno et al. 2002).
No entanto, a freqüência de ocorrência tende a superestimar itens pequenos
(Corbett 1989), que não representam muito em termos de biomassa ingerida, como
miscelânea de frutos, répteis e artrópodes. Como um dos objetivos deste trabalho foi
avaliar a importância de cada categoria alimentar e não apenas descrever a composição
da dieta, é mais interessante dar um enfoque maior na biomassa ingerida do que na
freqüência de ocorrência. Neste sentido, os itens com maior representatividade foram, em
ordem decrescente, a lobeira, pequenos mamíferos e tatus. Em termos de biomassa, a
lobeira passa a ser o item mais importante da dieta do lobo-guará no PNSC, concordando
com Dietz (1984), que apesar de não ter analisado em termos de biomassa, analisou em
termos de volume relativo e freqüência de ocorrência, e em ambas análises a lobeira foi
tida como principal item alimentar do lobo-guará. Os tatus, que tinham freqüência de
ocorrência muito baixa, passam a ser o terceiro principal item alimentar. Outros trabalhos
que analisam a importância dos itens alimentares a partir da biomassa ingerida, também
verificaram que os tatus e outros vertebrados maiores, ganham relativa importância
39
(Juarez & Marinho-Filho 2002), podendo chegar a ser a categoria mais representativa da
dieta (Motta-Junior 2000; Bueno et al. 2002; Rodrigues et al. 2007).
Dentre os itens de origem vegetal, observou-se que mais da metade das espécies
de frutos foram encontrados em baixas freqüências nas fezes, com baixa representação
em termos de biomassa, e poucos tiveram presença marcante, como S. lycocarpum, P.
obtusifolia e A. campestris. O alto consumo de lobeira pelo lobo-guará pode ser
explicado pela sua disponibilidade ao longo de todo o ano (Rodrigues et al. 2007;
Capítulo II).
As aves, apesar de terem sido a terceira categoria alimentar de origem animal
mais importante em termos de biomassa, podem ter sido subestimadas. As penas parecem
sofrer bastante com o processo digestivo, restando apenas fragmentos microscópicos
(Reynolds & Aebischer 1991). Nenhum trabalho sobre dieta do lobo-guará analisa estes
fragmentos (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 2000; Aragona & Setz
2001; Queirolo 2001; Bueno et al. 2002; Silva & Talamoni 2003; Jácomo et al. 2004;
Rodrigues et al. 2007), tornando-se interessante realizar um estudo que verifique a real
importância das aves na dieta do lobo-guará.
Os répteis representam pouca importância na dieta do lobo-guará no PNSC, tanto
neste estudo quanto em outros realizados também no Parque em anos diferentes (Dietz
1984; Queirolo 2001). Os artrópodes também não foram muito freqüentes. Ao contrário,
esta categoria alimentar tem altas freqüências na dieta da raposa-do-campo Lycalopex
vetulus, em particular de cupins do gênero Syntermes (Dalponte 1997; Juarez & Marinho-
Filho 2002).
Outros vertebrados de maior porte não foram representativos na dieta do lobo-
guará neste estudo. O consumo de presas grandes pelo lobo-guará não é comum, porém
já foi encontrado consumo relativamente alto de veado campeiro, Ozotoceros
bezoarticus, no Parque Nacional das Emas (Jácomo et al. 2004). Como o lobo-guará é
40
um animal oportunista, é esperado que estas presas grandes sejam obtidas por carcaças,
ou por predação de animais doentes. No entanto, Bestelmeyer & Westbrook (1998)
registraram ataques, com sucesso de captura, de lobo-guará a veado campeiro. Deve-se
tomar cuidado especial quando analisadas fezes onde a freqüência de presas grandes é
alta, isso porque os restos de um mesmo indivíduo podem ser eliminados em mais de
uma fezes, superestimando a biomassa ingerida relativa a este tipo de presa (Weaver &
Hoffman 1979).
Houve maior consumo de itens vegetais na época chuvosa e de itens animais na
época seca. Observou-se sazonalidade marcante para os principais frutos consumidos
pelo lobo-guará no PNSC, bem como para os pequenos mamíferos, confirmando a
sazonalidade já descrita na dieta do lobo-guará (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996;
Motta-Junior 2000; Queirolo 2001; Bueno et al. 2002).
A amplitude do nicho alimentar para o lobo-guará no PNSC (0,508) está entre os
valores encontrados para a espécie em outros trabalhos realizados no Cerrado, onde a
média e o desvio padrão é de 0,493 ± 0,073 (Rodrigues 2002). Na época seca este valor
foi um pouco mais baixo do que o encontrado para época chuvosa, sugerindo uma dieta
mais especializada. Isso porque o índice leva em consideração as freqüências de
ocorrência de cada categoria alimentar. Como a categoria com maior freqüência foi a de
pequenos mamíferos, e o consumo desta foi maior na época seca, é certo que a alta
freqüência de pequenos mamíferos levou a amplitude do nicho referente à época seca a
uma dieta mais especializada. Embora este índice sugira uma dieta mais especializada na
época seca, devido ao alto consumo de pequenos mamíferos nesta época, este período é
também o de maior disponibilidade desta categoria alimentar no ambiente (Capítulo II),
caracterizando o hábito oportunista do lobo-guará.
A grande maioria das fazendas no entorno do Parque cria galinhas soltas, para
consumo próprio, e houve, concomitante com o período do estudo, grandes quantidades
41
de ocorrência de ataques às criações domésticas (Corral 2007). O lobo-guará é visto
pelos fazendeiros como o principal responsável pelos ataques, no entanto, foram
registrados na dieta apenas 4 Galliformes entre todas as aves encontradas (Anexo 1).
Apesar da maioria das fezes terem sido coletadas dentro do Parque, a maioria dos lobos-
guará que utilizam as áreas de dentro do Parque utilizam também as áreas do entorno
(capítulo III) e os lobos-guará podem percorrer grandes distâncias em apenas um dia
(Melo et al. 2007), sendo possível predar uma galinha nas fazendas do entorno e defecar
dentro dos limites do Parque. Para analisar melhor a questão seria interessante aumentar
o número de coletas de fezes no entorno do Parque. No entanto, este não foi o único
estudo a apresentar baixa freqüência de consumo de Galiformes no PNSC (Dietz 1984;
Queirolo 2001) e em outras localidades (Motta-Junior et al. 1996; Rodrigues et al. 2007),
reforçando a idéia de que o lobo-guará parece não ser o principal responsável pela
predação das galinhas.
Mesmo com altas freqüências de ataque, a predação de galinhas parece ter pouca
importância para os fazendeiros e parece não resultar em grandes prejuízos, e, mesmo
sendo considerado o principal culpado, o lobo-guará tem uma imagem positiva para com
os fazendeiros da região do entorno do PNSC (Corral 2007). Porém, apesar de sua
imagem positiva, ainda é interessante mostrar para a comunidade local, através de
educação ambiental, que o lobo-guará parece não ser o principal responsável pela
predação das criações domésticas.
Quando comparamos os três trabalhos realizados no Parque Nacional da Serra da
Canastra verificamos modificações na dieta do lobo-guará. Nos anos 80 a espécie
apresentou altas proporções de lobeira e baixas proporções de outros frutos em sua dieta.
Isso levou a uma dieta menos variada, como pode ser observada pela baixa amplitude de
nicho calculada, em relação aos estudos posteriores. Em 2000, houve uma inversão no
consumo de frutos, onde a espécie com maior importância foi Parinari obtusifolia. Neste
42
estudo foi encontrado que atualmente a lobeira é o principal fruto consumido pelo lobo-
guará, mas, diferente do encontrado por Dietz (1984) há proporções altas de algumas
outras espécies, como Parinari obtusifolia e Allagoptera campestris. Nenhuma destas
duas espécies de frutos foi identificada por Dietz (1984) na dieta do lobo-guará e outras
espécies também foram pouco consumidas, ao passo que em 2000, A. campestris foi
relativamente pouco representada na dieta do lobo-guará (Queirolo 2001). Assim, parece
haver uma alternância na importância das espécies de frutos na dieta, que pode ser
creditada a uma mudança nos hábitos alimentares do lobo-guará ao longo destes anos ou,
mais provavelmente, a uma alteração na disponibilidade destes alimentos. Ainda, a
amplitude de nicho foi maior no estudo de Queirolo (2001), porém não muito distinta da
encontrada neste estudo (respectivamente 0,594 e 0,508), provavelmente refletindo
variações anuais na disponibilidade de alimento, principalmente de frutos. Esta mudança
na disponibilidade de frutos de cerrado pode ser resultado da recuperação dos ambientes,
após a implementação do Parque em 1972, porém efetivamente apenas em 1980 (MMA
& IBAMA 2005), tornando possível a germinação de frutos que antes não eram
abundantes, como Parinari obtusifolia e Allagoptera campestris. Porém é improvável
que o lobo-guará, como acreditam Queirolo & Motta-Junior (2000), esteja substituindo a
lobeira por outras espécies de frutos. Os dados aqui apresentados mostram que a lobeira
segue sendo o principal item alimentar.
Todos os três trabalhos foram realizados no terço mais a leste do Parque, ou seja,
é pouco provável que as diferenças encontradas no consumo dos itens alimentares seja
devido a diferenças nos locais de amostragem. Ainda, Dietz (1984), ao analisar a
freqüência de cada categoria alimentar nas três áreas de amostragem de seu estudo,
verificou que não houve diferença, reforçando a idéia de que as alterações encontradas na
dieta não foram decorrentes de diferentes locais de amostragem.
43
Em relação às presas animais, Dietz (1984) foi o único que encontrou tamanduá
bandeira, Myrmecophaga tridactyla, e tamanduá mirim, Tamandua tetradactyla, porém
em baixas freqüências e com pouca representatividade. A ingestão de tamanduá por lobo-
guará no PNSC parece ser eventual, ocorrendo apenas quando encontra carcaças destes
animais, pois o que se observa, quando avistadas as duas espécies próximas, é que ambas
parecem não prestar atenção uma na outra (Dietz 1984). Desta maneira, é provável que
os lobos-guará ainda estejam se alimentando de carcaças de tamanduás, porém são
eventos esparsos, que, com análise de um número maior de amostras fecais, estas presas
poderiam ser encontradas.
Quanto à variação sazonal no consumo de presas e itens vegetais, houve, nos três
trabalhos, maior consumo de pequenos mamíferos na época seca. Quanto a lobeira, Dietz
(1984) foi o único que não encontrou variação sazonal no consumo. Isso reforça a idéia
de que naquela época havia menores quantidades de outros frutos, fazendo com que o
lobo-guará consumisse maiores quantidades de lobeira, e que atualmente, com a
incorporação do Parque e a possível recuperação de sua vegetação natural, há maior
consumo de outras espécies vegetais, que apresentaram maior consumo na época
chuvosa.
Alguns ambientes do PNSC que não sofreram alterações antrópicas demasiadas,
antes de sua delimitação, apresentam alto potencial regenerativo. Algumas áreas que
antes funcionavam como retiro e desde a implementação do Parque não sofrem qualquer
tipo de pressão, a não ser queimadas eventuais, apresentam-se bem preservadas, com
grande número de espécies representativas (Romero 2002). Este potencial de recuperação
dos ambientes relatado por Romero (2002) sustenta a hipótese de que a implementação
do Parque trouxe como conseqüência o aumento na abundância de outros frutos e,
conseqüentemente, a um maior consumo de outros frutos por parte do lobo-guará em
detrimento da lobeira, já que esta é favorecida por ambientes alterados (Oliveira-Filho &
44
Oliveira 1988). Outro fator que ampara esta hipótese é que nos três momentos (1980,
2000 e 2006) foi feita avaliação da disponibilidade alimentar e todos os trabalhos relatam
que o lobo-guará se alimenta conforme a disponibilidade no ambiente (Dietz 1984;
Queirolo 2001; Capítulo II).
Tendo em vista a atual situação do Cerrado essa informação tem grande
relevância para conservação do Bioma e também do lobo-guará. A implementação de
reservas, cuja vegetação tenha alto potencial regenerativo, tem como conseqüência óbvia
o aumento de áreas naturais, podendo levar a um aumento na abundância de tipos de
itens vegetais para o lobo-guará e outras espécies frugívoras, que por sua vez podem
ajudar na dispersão de algumas sementes, levando a uma recuperação mais rápida da
vegetação. Áreas utilizadas como pastagens naturais para gado, ainda que
fisionomicamente não destoam tanto de áreas sem pastoreio, podem conter uma menor
representatividade de espécies vegetais e conseqüentemente, menor disponibilidade de
alimento para os animais.
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50
Capítulo II
Disponibilidade alimentar e Dieta do Lobo-Guará
(Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da
Serra da Canastra, MG: oportunismo vs seleção de
presas.
INTRODUÇÃO
Estudos enfocando dieta de carnívoros são importantes para esclarecer o papel
destes animais como predadores no ecossistema. A quantidade de presas disponíveis
pode alterar o comportamento de forrageamento de um predador ou influenciar na
abundância de predadores em uma área (Jaksic et al. 1992). Estes fenômenos são
denominados, respectivamente, resposta funcional e resposta numérica. A resposta
funcional se dá através da mudança dos hábitos alimentares e do comportamento de
forrageamento do predador, quando a abundância de determinada presa cai,
conseqüentemente a quantidade ingerida dessa presa também cai, podendo ocorrer
alternância de alimento (Pyke et al. 1977), passando a se alimentar de outras presas com
maior abundância. A resposta numérica tem a ver com a abundância de predadores na
área. Se a abundância das presas cai, os predadores podem emigrar ou aumentar a
mortalidade. Ao contrário, quando a abundância de presas aumenta, novos indivíduos
podem ocupar a área ou o número da prole pode aumentar, porém sem diminuir a
quantidade de presas ingeridas por indivíduo.
Ainda, dentre os comportamentos dos predadores, existem aqueles que consomem
suas presas conforme sua disponibilidade no ambiente (oportunistas) e outros que dentre
uma gama de presas em potencial, escolhem aquela no qual terá maior aproveitamento de
energia (Griffiths 1975). O lobo-guará é tido como oportunista, alimentando-se de presas
51
animais e itens vegetais conforme sua disponibilidade no ambiente (Dietz 1984). Apesar
de vários trabalhos sobre lobo-guará enfocarem na sua dieta, poucos verificam se há uma
seletividade de presas e itens vegetais (Queirolo 2001; Bueno & Motta-Junior 2006).
Outros trabalhos verificaram que o lobo-guará seleciona o fruto da lobeira em época de
escassez de outros frutos (Motta-Junior 2000; Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues
et al. 2007).
A dieta do lobo-guará apresenta sazonalidade, com maiores quantidades de itens
vegetais na época chuvosa e de itens animais na época seca (Motta-Junior et al. 1996;
Motta-Junior 2000; Bueno et al. 2002; Rodrigues et al. 2007). Entre as presas animais, os
pequenos mamíferos são os mais representativos na dieta do lobo-guará (Dietz 1984;
Bueno & Motta-Junior 2004) e sua abundância no cerrado parece ser maior também na
época seca (Alho et al. 1986). O fruto da lobeira (Solanum lycocarpum), relatado pela
maioria dos autores como sendo o principal item alimentar, também é consumido na
época seca, quando a disponibilidade de outros frutos é baixa, indicando seletividade do
lobo-guará por este item (Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues et al. 2007).
Sendo assim, os objetivos deste trabalho foram: (1) quantificar a disponibilidade
de alimento para lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG; (2) analisar o
consumo de itens alimentares frente a sua disponibilidade no ambiente; e (3) verificar se
o lobo-guará seleciona algumas presas animais em detrimento de outras.
METODOLOGIA
Área de estudo
O Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) está inserido no domínio
fitogeográfico do Cerrado e está localizado a 360 km da cidade de Belo Horizonte, MG.
Foi criado em 1972 pelo Decreto nº 70.355 e possui uma área de 71.525 ha. Sua
vegetação consiste, em grande parte, em formações campestres, que englobam o campo
52
limpo, campo sujo e campo rupestre. Em menores proporções há também formações
savânicas (cerrado sensu strictu) e formações florestais (mata ciliar, mata de galeria,
mata de encosta, mata seca e cerradão). O clima é tropical sazonal, apresentando inverno
seco e verão chuvoso. As temperaturas médias mensais não variam muito ao longo do
ano, ao contrário da pluviosidade, que entre os meses de abril e setembro apresentam
índices próximos a zero, e entre os meses de outubro a março ocorre aumento na
freqüência das chuvas, caracterizando a época chuvosa (MMA & IBAMA 2005).
Dieta do lobo-guará
Todas as fezes de lobo-guará encontradas entre agosto de 2005 e outubro de 2006
foram coletadas e armazenadas em sacos plásticos. Posteriormente, em laboratório, foram
triadas com peneira (malhas de 2 mm) em água corrente. Todas as sementes e fragmentos
animais foram separados para posterior identificação e quantificação.
Para analisar a distribuição das fezes coletadas e analisadas ao longo do mês, foi
calculada a proporção de fezes coletadas no início (do dia 1 ao 10), no meio (11 a 20) e
no final do mês (21 a 30/31) para todos os meses ao longo do período de amostragem.
Foi feito o teste não-paramétrico Kruskal-Wallis H para verificar se há diferença
significativa na média das freqüências encontradas para cada período do mês.
As sementes foram identificadas comparando com amostras colhidas em campo
ou com ajuda de especialistas. Os fragmentos de répteis também foram identificados com
ajuda de especialista. As aves foram identificadas através das bárbulas das penas (Day
1966) e por comparação com espécimes da coleção de aves da UnB. Os pequenos
mamíferos foram identificados através do padrão molar dos dentes (Carleton & Musser
1989; Hershkovitz 1990a, 1990b, 1993; Musser et al. 1998; Eisenberg & Redford 1999)
e através do padrão medular dos pêlos (Chehébar & Martín 1989; Quadros 2002). Os
mamíferos de médio porte foram identificados através, além dos padrões medulares,
53
também por características macroscópicas dos pêlos, como textura, coloração, diâmetro e
comprimento.
As biomassas dos frutos e dos pequenos mamíferos foram estimadas a partir dos
pesos obtidos nas amostragens ou na literatura correlata (Motta-Junior et al. 1996;
Eisenberg & Redford 1999; Rodrigues et al. 2007). Para maiores detalhes da
metodologia utilizada para analisar a dieta do lobo-guará ver capítulo I.
Disponibilidade alimentar
Para estimar a quantidade de alimento disponível para o lobo-guará foram
realizadas amostragens mensais de pequenos mamíferos (roedores e marsupiais) e de
frutos. As amostragens foram realizadas em quatro fitofisionomias diferentes: campo
limpo, campo úmido, campo rupestre e cerrado/campo sujo. Para cada ambiente diferente
foram selecionados três locais, totalizando 12 áreas de amostragem. As áreas foram
escolhidas por questões logísticas, de forma a minimizar o tempo gasto do pesquisador
na movimentação entre uma área e outra e desta forma facilitar a amostragem. Exceto
uma área de cerrado, todas as outras se encontravam dentro do limite do Parque. Esta
área fora do Parque foi escolhida devido à escassez desta fitofisionomia dentro do PNSC.
Para quantificar a disponibilidade de roedores e marsupiais foram realizadas
amostragens mensais, entre setembro de 2005 e setembro de 2006. Seis áreas eram
amostradas nos primeiros cinco dias de campanha e outras seis nos outros cinco dias
subseqüentes. Em cada área eram colocadas 30 armadilhas do tipo shermann dispostas
em três transectos distanciados por 20m. Cada transecto possuía dez armadilhas distantes
10m entre si, provendo uma área de amostragem de 100 x 50 m (incluindo 5 metros de
margem), ou 0,5 ha. As armadilhas eram deixadas por cinco noites consecutivas em cada
área, totalizando em 1800 armadilhas * noite por mês em um total de 6 ha. Nas
armadilhas eram colocadas iscas feitas a base de creme de amendoim, banana, sardinha e
54
fubá. Todos os dias entre 0630 e 0930hs as armadilhas eram verificadas e os animais
capturados eram pesados, identificados, marcados, sexados e soltos. A marcação foi feita
utilizando brincos de metal numerados. Para cada espécie pelo menos um indivíduo foi
coletado com intuito de confirmar a identificação e todos estão depositados na coleção de
mamíferos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A amostragem dos frutos foi feita entre novembro de 2005 e setembro de 2006.
Foram marcadas 15 parcelas para cada ambiente, 5 em cada área de amostragem,
próximas aos transectos de captura de pequenos mamíferos, totalizando 60 parcelas.
Cada parcela media 20 por 20m, e distanciavam uma da outra por pelo menos 10m. A
área total amostrada para frutos foi de 2,4ha. Mensalmente, concomitante com a
amostragem de pequenos mamíferos, todas as parcelas eram percorridas e todos os frutos
de potencial consumo pelo logo-guará eram contados ou estimados. Foram considerados
frutos potenciais todos aqueles carnosos e com aparente síndrome de dispersão
zoocórica, bem como aqueles que já estavam relatados na literatura como fruto
consumido pelo lobo-guará, levando-se em consideração principalmente estudos
realizados no PNSC (Dietz 1984; Queirolo 2001). Para aquelas espécies com grande
quantidade de frutos pequenos ou com a copa muito alta ou densa, não permitindo a
contagem de todos os frutos, foi feita uma estimativa onde foi dividida a copa em partes
iguais e contadas apenas uma ou mais partes. O número então foi extrapolado para o
restante da planta. Segundo Chapman et al. (1992), quando a amostragem é feita por
apenas um pesquisador e para estudos onde se analisa a variação na quantidade de frutos
ao longo de um tempo ou compara-se a produtividade entre árvores de mesmo porte em
diferentes áreas, o método de contagem visual para estimar o número de frutos em uma
árvore é apropriado. Todas as plantas foram coletadas e prensadas, a identificação foi
feita com ajuda de um botânico da UFMG. Parte da coleção está depositada no Herbário
da UFMG (BHCB) e parte no Laboratório de Ecologia de Mamíferos da UFMG.
55
Para verificar similaridade entre os pontos amostrais de cada ambiente amostrado
foi calculado o coeficiente de Jaccard (Krebs 1999) utilizando a fórmula Sj = a / a + b +
c. Onde Sj é o coeficiente de Jaccard, “a” é o número de espécies que ocorrem nos pontos
amostrais 1 e 2, “b” é o número de espécies que ocorrem apenas em 2 e “c” é o número
de espécies que ocorrem apenas em 1.
A amostragem de frutos de lobeira (Solanum lycocarpum) foi feita à parte. Foram
marcados trinta indivíduos no início do estudo, porém ao longo dos 13 meses (setembro
de 2005 a setembro de 2006), alguns foram destruídos ou queimados. Dezessete
indivíduos se encontravam dentro dos limites do Parque e os outros treze nas fazendas do
entorno. Mensalmente os indivíduos eram visitados e o número de frutos registrados. O
cálculo médio de frutos por planta levou em consideração apenas indivíduos
sobreviventes naquele mês.
Para verificar se houve diferença na produtividade de frutos e de pequenos
mamíferos entre as épocas seca e chuvosa, foram feitos testes não-paramétricos Mann-
Whitney U.
A dieta do lobo-guará foi ainda analisada em relação à disponibilidade alimentar
durante os meses de amostragem, utilizando correlação de Spearmann para verificar se o
consumo de itens alimentares seguiu sua disponibilidade no ambiente. Para esta análise
as fezes coletadas em cada mês foram comparadas com o número de indivíduos ou
biomassa encontrada para o mesmo mês no campo.
Seleção de pequenos mamíferos por lobo-guará
Para verificar se o lobo-guará consumiu espécies de pequenos mamíferos de
maneira oportunista, ou seja, de acordo com a disponibilidade destes no ambiente, ou se
houve seleção, foi feito um teste qui-quadrado onde as freqüências observadas
correspondem aos números de indivíduos de cada espécie encontrados nas fezes, e a
56
freqüência esperada é relativa ao número de indivíduos capturados por espécie nas
armadilhas. Para realizar o qui-quadrado algumas espécies foram agrupadas para
satisfazer as premissas do teste, formando seis grupos: Akodon sp., Bolomys lasiurus,
Calomys/Oligoryzomys, Oxymycterus roberti, Outros roedores e Marsupiais. Calomys sp.
e Oligoryzomys sp. foram agrupadas devido à dificuldade encontrada em identificar essas
duas espécies a partir dos fragmentos das amostras fecais. Como muitas espécies foram
agrupadas para realizar o teste qui-quadrado, foi calculado também intervalos de
confiança para as freqüências observadas de cada espécie (Neu et al. 1974), sendo
possível, dessa maneira, observar se houve preferência ou não por parte do lobo-guará
para cada espécie de presa.
Para todos os testes, com exceção àqueles referentes à seleção de presas, foi
utilizado o programa estatístico SPSS 13.0 para Windows. O teste qui quadrado foi feito
através do pacote estatístico SigmaStat 3.11 para Windows e os intervalos de confiança
em planilha do Excel 2002 segundo fórmula descrita em Neu et al. (1974). Todos testes
com nível de significância de 0,05 e bicaudais.
RESULTADOS
As fezes analisadas para avaliar a dieta apresentaram distribuição diferencial ao
longo do mês, sendo que, em média, 19% foram coletadas no início, 34% no meio e 47%
no final do mês. A diferença ficou próxima do nível de significância (Kruskal-Wallis: H
= 5,621; N1 = N2 = N3 = 15; P = 0,060).
A amostragem de frutos para avaliar a disponibilidade de alimentos mostrou que
há uma grande variedade de espécies disponíveis para consumo pelo lobo-guará. Os
frutos com maior representação, em termos de biomassa disponível, foram, em ordem
57
decrescente, Allagoptera campestris, Solanum lycocarpum, Parinari obtusifolia, espécies
da família Myratceae (em particular Psidium guineense) e Byrsonima spp. (Anexo 2).
Os três principais frutos consumidos pelo lobo-guará tiveram maior abundância
nos meses correspondentes a época chuvosa. Solanum lycocarpum teve seu pico de
disponibilidade no mês de fevereiro, Parinari obtusifolia no mês de novembro,
apresentando uma queda brusca nos meses subseqüentes, e Allagoptera campestris
apresentou disponibilidade semelhante entre os meses de novembro a fevereiro,
ocorrendo uma queda acentuada nos meses seguintes. O restante dos frutos teve maior
disponibilidade em dezembro ocorrendo decréscimo nos meses posteriores (Figura 2.1).
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
S O N D J F M A M J J A S
Biomass
a (gramas
) / h
a
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
Biomass
a (gramas
) / p
lanta
Parinari obtusifoliaAllagoptera campestrisOutros frutosSolanum lycocarpum
Figura 2.1. Produtividade dos frutos consumidos pelo lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, durante meses de 2005 e 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A lobeira, Solanum lycocarpum, está representada em termos de biomassa disponível por planta e os demais em gramas por ha.
Houve uma baixa similaridade de espécies de frutos entre os pontos amostrais de
cada ambiente do PNSC. O ambiente que apresentou maior similaridade foi o campo
limpo, e os menores foram o campo úmido e o campo rupestre, sendo que um ponto
amostral do campo úmido (3) parece diferir grandemente dos outros dois (Tabela 2.1).
chuva seca
58
Tabela 2.1. Coeficiente de similaridade das espécies de frutos disponíveis para o consumo do lobo-guará entre os pontos amostrais de cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Pontos de amostragem Coeficiente de
Jaccard Campo Limpo 1 e 2 0,33 Campo Limpo 1 e 3 0,44 Campo Limpo 2 e 3 0,38 Campo Úmido 1 e 2 0,50 Campo Úmido 1 e 3 0,10 Campo Úmido 2 e 3 0,06 Cerrado 1 e 2 0,26 Cerrado 1 e 3 0,28 Cerrado 2 e 3 0,31 Campo Rupestre 1 e 2 0,20 Campo Rupestre 1 e 3 0,17 Campo Rupestre 2 e 3 0,13
Na amostragem dos pequenos mamíferos foram capturados 659 indivíduos, num
total de 1100 capturas (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada
mês). A espécie de roedor com maior quantidade de biomassa disponível por mês para
consumo pelo lobo-guará foi Bolomys lasiurus, seguido de Oxymycterus roberti e
Akodon sp. Os marsupiais mais representativos foram Lutreolina crassicaudata, seguido
por Monodelphis domestica. (Anexo 2).
Algumas espécies de pequenos mamíferos, como Holochilus sp., Nectomys
squamipes, Rhipidomys mastacalis e Thalpomys lasiotis foram registradas nas fezes,
porém não foram capturadas durante o período de amostragem. Isso também aconteceu
para algumas espécies vegetais, como Melancium campestre, Bromelia sp. e ainda outros
frutos de menor representatividade (Anexos 1 e 2).
A disponibilidade de frutos em geral (todos, exceto lobeira) teve uma correlação
positiva muito forte com seu consumo pelo lobo-guará (Spermann: R = 0,955; N = 11; P <
0,01). Houve uma maior produção destes frutos na época chuvosa do que na época seca
59
(Mann-Whitney: U = 26271; N1 = N2 = 5; P < 0,001), e conseqüentemente maior
biomassa consumida deste item durante os meses correspondentes a época chuvosa
(Figura 2.2a).
A lobeira mostrou um padrão diferente. Quando correlacionados a disponibilidade
de lobeiras ao longo do ano com seu consumo pelo lobo-guará, observou-se uma relação
negativa (Spermann: R = -0,797; N = 13; P < 0,01). A lobeira produziu frutos ao longo
do ano todo, sendo que a produção na época chuvosa (X ± DP = 503,1 ± 328,4 g/planta;
N = 6) foi maior do que na época seca (X ± DP = 287,8 ± 176,0 g/planta; N = 7), mas
esta diferença não apresentou valores significativos (Mann-Whitney: U = 11,000; N1 = 6;
N2 = 7; P = 0,153). Foi nos meses correspondentes à época de menor disponibilidade que
a lobeira foi mais freqüente nas fezes dos lobos-guará (Figura 2.2b).
Houve uma relação negativa forte entre o consumo de lobeira e o consumo de
outros frutos (Spermann: R = -0,780; N = 14; P < 0,001). Quando o consumo de lobeira
foi alto, na época seca, houve menor consumo de outros frutos. Da mesma forma, na
época chuvosa, o lobo-guará ingeriu maior quantidade de outros frutos, e menor
quantidade de lobeira (Figura 2.3).
A produção dos quatro principais frutos consumidos pelo lobo-guará, exceto a
lobeira, apresentou maior quantidade de biomassa disponível no ambiente cerrado,
seguido pelo campo úmido, campo limpo e por último o campo rupestre (Tabela 2.2).
Levando em consideração todos os potenciais frutos disponíveis para o lobo-guará,
observa-se que há maior produção nos meses correspondentes à época chuvosa. Nota-se
que a disponibilidade no campo rupestre é a mais baixa ao longo de todo o ano (Figura
2.4).
60
a)
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
N D J F M A M J J A S
biomass
a de outros frutos / h
a (gramas)
0
50
100
150
200
250
300
350
biomass
a de outros frutos / feze
s (gramas)
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
S O N D J F M A M J J A S
biomass
a de lo
beiras / p
lanta (gramas)
0
50
100
150
200
250
300
350
biomass
a de lo
beiras / feze
s (gramas)
Figura 2.2. Consumo de itens alimentares (�) por lobo-guará tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), de: a) outros frutos; e b) lobeira (Solanum lycocarpum), em meses de 2005 e 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
b)
chuva seca
chuva seca
a)
61
0
50
100
150
200
250
300
350
A S O N D J F M A M J J A S
Biomas
sa de ou
tros
frutos
(gram
as) / fez
es
0
50
100
150
200
250
300
350
Biomas
sa de lobe
ira (gram
as) / fez
es
Figura 2.3. Consumo de lobeira (○) e de outros frutos (●) pelo lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e setembro de 2006.
Tabela 2.2. Biomassa disponível dos principais frutos para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006.
CU CE CL CR Parinari obtusifolia 5440,0 63060,0 393,3 0,0 Allagoptera campestris 0,0 81480,0 2520,0 0,0 Myrtaceae 878,7 45800,0 921,0 81,0 Cordiera cf. concolor 0,0 2053,3 0,0 0,0 TOTAL 6318,7 192393,3 3834,3 81,0 (CU) Campo Úmido; (CE) Cerrado; (CL) Campo Limpo; (CR) Campo Rupestre.
chuva seca seca
62
0
2
4
6
8
10
12
N D J F M A M J J A
Ln [Biomas
sa de frutos
(gram
as) / h
a]
Campo Limpo Campo RupestreCampo Úmido Cerrado
Figura 2.4. Biomassa disponível de frutos potenciais para consumo por lobo-guará, por mês, em cada um dos ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
O consumo de pequenos mamíferos por lobo-guará, quando considerado o número
de indivíduos, seguiu sua disponibilidade no ambiente, havendo uma correlação
significativa (Spermann: R = 0,627; N = 13; P = 0,022) (Figura 2.5a). Houve maior
disponibilidade de pequenos mamíferos na época seca (X ± DP = 16,6 ± 2,7 n / ha; N = 7)
do que na chuvosa (X ± DP = 11,2 ± 3,2 n / ha; N = 6), mostrando uma diferença
significativa (Mann-Whitney: U = 4,000; N1 = 6; N2 = 7; P = 0,015) e, portanto, maior
consumo de indivíduos nos meses correspondentes a época seca. No entanto, quando
considerada a biomassa, a disponibilidade na época seca (X ± DP = 711,4 ± 172,3 g / ha;
N = 7) e na época chuvosa (X ± DP = 544,2 ± 88,9 g / ha; N = 6) não foram
significativamente diferentes (Mann-Whitney: U = 9,000; N1 = 6; N2 = 7; P = 0,086) e a
correlação com o consumo também não foi significativa (Spermann: R = 0,396; N = 13; P
= 0,181) (Figura 2.5b).
chuva seca
63
0
5
10
15
20
25
S O N D J F M A M J J A S
Núm
ero de pe
que
nos / h
a
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
Núm
ero de peq
uen
os / feze
s
0
200
400
600
800
1000
1200
S O N D J F M A M J J A S
Biomassa de pequenos (gram
as) / ha
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Biomassa de pequenos (gram
as) / fezes
Figura 2.5. Consumo de pequenos mamíferos (�) por lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), em relação: a) número de indivíduos; e b) biomassa, entre os meses de setembro de 2005 a setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Em relação aos pequenos mamíferos, observa-se que o consumo precede a
disponibilidade alimentar, ou seja, no mês de maio de 2006, por exemplo, há um pico no
consumo (em termos de número de indivíduos), e no mês subseqüente, junho, há um pico
na disponibilidade (Figura 2.5a). Este padrão segue assim tanto para número de
indivíduos quanto para a biomassa (Figura 2.5). A correlação entre biomassa de pequenos
mamíferos encontrada em campo e na dieta possui significância quando comparados os
valores de campo com os de dieta do mês anterior (Spermann: R = 0,685; N = 12; P =
a)
b)
chuva seca
chuva seca
64
0,014). E, apesar de já ter dado valores significativos anteriormente para número de
indivíduos, quando correlacionados em meses deslocados, observa-se que há uma
correlação mais forte (Spermann: R = 0,841; N = 12; P = 0,001).
O ambiente que teve maiores quantidades de indivíduos de pequenos mamíferos
disponíveis foi o campo úmido, cerrado, campo limpo e por último campo rupestre.
Monodelphis domestica e Oligoryzomys sp. estiveram mais presentes no campo rupestre.
Akodon sp., Oxymycterus roberti, Cavia aperea, Gracilinanus agilis e Lutreolina
crassicaudata foram mais encontrados no campo úmido. No cerrado, Calomys sp. e
Cerradomys subflavus foram mais abundantes e no campo limpo, Bolomys lasiurus
(Tabela 2.3).
Tabela 2.3. Número de indivíduos disponíveis de pequenos mamíferos (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada mês) para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: campo úmido (CU), cerrado (CE), campo limpo (CL) e campo rupestre (CR). Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006. CU CE CL CR TOTAL MURIDAE Akodon sp. 85 6 42 3 136 Bolomys lasiurus 98 160 217 35 510 Calomys sp. 16 86 3 12 117 Oligoryzomys sp. 8 16 12 48 84 Cerradomys subflavus 6 17 0 6 29 Oxymycterus roberti 93 2 6 17 118 ECHYMIIDAE Thricomys apareoides 0 3 0 3 6 CAVIDAE Cavia aperea 4 0 0 0 4 DIDELPHIDAE Gracilinanus agilis 4 0 0 0 4 Monodelphis domestica 0 14 5 46 65 Monodelphis sp. 2 0 2 0 4 Lutreolina crassicaudata 26 0 5 6 37 TOTAL 342 304 292 176 1114
65
Apesar de não ter sido observada diferença sazonal significativa na disponibilidade
de pequenos mamíferos, observa-se que em todos os ambientes amostrados, exceto campo
rupestre, houve maior disponibilidade de pequenos mamíferos por hectare nos meses
correspondentes à época seca. No campo rupestre a biomassa disponível de pequenos
mamíferos por hectare foi similar ao longo de todo o período amostral (Figura 2.6).
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
S O N D J F M A M J J A S
Biomas
sa de pe
queno
s (gramas) / ha
Campo Úmido CerradoCampo Limpo Campo Rupestre
Figura 2.6. Biomassa estimada de pequenos mamíferos ao longo dos meses, por ambiente, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Seleção de pequenos mamíferos
As freqüências de ocorrência esperada (disponibilidade) e observada (nas fezes)
para cada espécie foram diferentes (χ2 = 42,371; gl = 5; P < 0,001), mostrando que há
seleção de pequenos mamíferos. Quando analisados espécie por espécie observa-se que
Akodon sp., Cerradomys subflavus, Thrichomys apereoides e o grupo Didelphidae foram
consumidos em menores proporções do encontrado no ambiente. Ao contrário, as
espécies Bolomys lasiurus, Holochilus sp., Nectomys squamipes, Rhipidomys mastacalis,
Oxymycterus roberti, Thalpomys lasiotis e Cavia aperea foram consumidos em maiores
proporções do encontrado no ambiente, indicando seleção por estas espécies. Apenas as
chuva seca
66
espécies agrupadas Calomys/Oligoryzomys foram consumidas em proporção semelhante
à encontrada no ambiente (Tabela 2.4).
Tabela 2.4. Freqüência de presas de lobo-guará na dieta (observado) e no campo (esperado). Dados coletados entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Observado Esperado N Po N Pe
Intervalo de confiança
Akodon sp. 28 0,057 81 0,123 0,049 ≤ Po ≤ 0,064 - Bolomys lasiurus 238 0,482 282 0,428 0,466 ≤ Po ≤ 0,498 + Calomys/Oligoryzomys* 104 0,211 135 0,205 0,198 ≤ Po ≤ 0,223 = Holochilus sp. 3 0,006 0 0,000 0,004 ≤ Po ≤ 0,009 + Nectomys squamipes 1 0,002 0 0,000 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 + Rhipidomys mastacalis 1 0,002 0 0,000 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 + Cerradomys subflavus 5 0,010 24 0,036 0,007 ≤ Po ≤ 0,013 - Oxymycterus roberti 68 0,138 56 0,085 0,127 ≤ Po ≤ 0,149 + Thalpomys lasiotis 9 0,018 0 0,000 0,014 ≤ Po ≤ 0,022 + Cavia aperea 16 0,032 4 0,006 0,027 ≤ Po ≤ 0,038 + Thricomys apereoides 1 0,002 4 0,006 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 - Didelphidae 20 0,040 73 0,111 0,034 ≤ Po ≤ 0,047 - (+) proporção de consumo foi maior do que o esperado pela sua disponibilidade no ambiente; (=) proporção de consumo foi semelhante a proporção no ambiente; (-) proporção de consumo foi menor do que a proporção no ambiente. * Estas espécies foram agrupadas pois houve dificuldade em diferenciá-las nas fezes através do padrão molar dos dentes.
DISCUSSÃO
Os três frutos com maior disponibilidade no ambiente foram também os mais
consumidos pelo lobo-guará. Parinari obtusifolia, apesar de ter sido mais consumido do
que Allagoptera campestris, apresentou menor disponibilidade no ambiente ao longo dos
meses de amostragem, sendo o terceiro fruto com maior representatividade no ambiente.
No entanto, P. obtusifolia teve seu pico de produtividade em novembro de 2005, época
na qual havia pouca quantidade de outros frutos disponíveis, e provavelmente por esse
motivo o lobo-guará consumiu maiores quantidades deste fruto. Queirolo (2001) também
encontrou grandes quantidades de P. obtusifolia nas amostras fecais analisadas no PNSC,
67
levando-nos a crer que este fruto tem papel importante na dieta do lobo-guará no Parque,
uma vez que está presente em grandes quantidades quando a disponibilidade de outros
frutos é mais baixa.
Embora os frutos com maior disponibilidade tenham sido os mais consumidos,
alguns com relativa representatividade na dieta não foram encontrados nas amostragens
em campo, como Melancium campestre e Bromelia sp.. Tendo em vista que a
similaridade entre os pontos amostrais foi baixa, apontando que há variação na
composição de espécies de planta dentro dos ambientes, pode ser que as áreas que não
foram amostradas abriguem estas espécies de plantas que foram consumidas porém não
encontradas em campo. Ainda, alguns tipos de ambiente não foram amostrados, como
mata e todos aqueles encontrados fora do PNSC, por exemplo os de uso agropecuário.
Apesar da área de amostragem ter sido ampla (2,4 ha), não foi o suficiente para ter acesso
a todos os frutos disponíveis para o lobo-guará.
O consumo da lobeira é maior quando esta se encontra em menor disponibilidade
no ambiente, sugerindo que a lobeira é um item selecionado pelo lobo-guará. Ainda, o
período de maior ingestão de lobeira coincidiu com o de menor disponibilidade e
consumo de outros frutos. Resultados semelhantes também foram obtidos em outros
lugares onde a dieta do lobo-guará e disponibilidade alimentar foram analisadas (Motta-
Junior 2000; Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues et al. 2007) levando-nos a crer
que a lobeira tem um importante papel na alimentação do lobo-guará, uma vez que seu
consumo foi maior quando os outros foram menos freqüentes, permitindo o consumo de
alimentos de origem vegetal pelo lobo-guará em altas proporções ao longo de todo o ano.
O lobo-guará apresentou clara resposta funcional quanto aos outros frutos. Quando a
disponibilidade destes foi maior, seu consumo também foi maior, caracterizando o habito
oportunista da espécie.
68
Em relação aos pequenos mamíferos, quando considerado o número de indivíduos
capturados de cada espécie e o número de indivíduos consumidos, observou-se que há
correlação positiva significativa, ou seja, o lobo-guará se alimenta conforme sua
disponibilidade no ambiente. No entanto, quando considerada a biomassa ingerida,
observa-se que não há correlação significativa entre disponibilidade e consumo. Nota-se,
contudo, que o maior consumo de biomassa de pequenos mamíferos precede o de maior
disponibilidade de biomassa no ambiente, ou seja, há um consumo maior de presas
exatamente antes de ocorrer uma maior disponibilidade alimentar. Quando feita esta
outra correlação observou-se que foi positiva e significativa entre biomassa consumida e
disponível, e, quanto ao número de indivíduos, a correlação foi ainda mais forte. Isso
pode ter ocorrido porque a maioria das fezes foi coletada no final dos meses, enquanto
que a amostragem de disponibilidade alimentar era feita, preferencialmente, no meio dos
meses. Ao contrário do encontrado aqui, outros trabalhos que verificaram se há resposta
funcional para os pequenos mamíferos não encontraram valores significativos, apesar do
lobo-guará consumir maiores quantidades de presas nos meses em que estes estão mais
abundantes no terreno (Motta-Junior 2000; Queirolo 2001; Bueno & Motta-Junior 2006).
Quando analisados por espécie de presa, o lobo-guará parece selecionar algumas
em detrimento de outras. Entre as espécies mais representativas na dieta no PNSC estão
Bolomys lasiurus, Cavia aperea e Oxymycterus roberti. Tanto B. lasiurus quanto O.
roberti foram capturados em grande quantidade no PNSC, porém poucos indivíduos de
C. aperea foram capturados. É provável que a abundância desta espécie tenha sido
subestimada, uma vez que as armadilhas utilizadas eram pequenas para estes animais e
apenas uma pequena parcela da população pôde ser capturada. Além disso, a isca
utilizada não é apropriada para capturar esta espécie, já que possui uma dieta
basicamente folívora (Marinho-Filho et al. 2002). Apesar de Oxymycterus roberti e
Bolomys lasiurus terem sido capturado em grandes quantidades, houve maior consumo
69
do que o esperado. A primeira espécie ocorreu em maiores quantidades no campo úmido,
ambiente que teve também maior disponibilidade de pequenos mamíferos. Isso sugere
que o lobo-guará passa mais tempo neste ambiente de maior disponibilidade do que em
outros. Da mesma forma, Cavia aperea, além do problema amostral, pode ter sido
consumida em uma quantidade maior devido ao maior tempo gasto forrageando nestas
áreas, já que foi o campo úmido foi o ambiente com maior disponibilidade desta espécie.
O alto consumo de Bolomys lasiurus, espécie mais abundante no ambiente mais comum
do Parque, campo limpo, reforça a teoria de que o lobo-guará é uma espécie adaptada a
forragear nas gramíneas altas do cerrado (Dietz 1987). Ainda, por se tratar de uma
espécie exclusivamente terrestre (Eisenberg & Redford 1999) e por estar presente em
todos os ambientes amostrados do Parque, parece ser uma presa fácil para o lobo-guará.
Outras espécies foram capturadas menos do que o esperado: Akodon sp.,
Cerradomys subflavus, Thrycomys apereoides e as espécies da família Didelphidae.
Apesar de Akodon sp. ter apresentado maior abundância no ambiente mais rico em
alimento (campo úmido), foi consumido em menores proporções do que o esperado. O
trabalho de Queirolo (2001) também registrou um menor consumo de Akodon sp. do que
o esperado, e o autor sugere que esta espécie deve possuir algum mecanismo anti-
predação que lhe dá vantagens em relação às outras presas de lobo-guará. Cerradomys
subflavus é a espécie mais comum do cerrado s.s. (Alho et al. 1986) e apesar de não ter
sido a mais capturada nos cerrados amostrados, foi encontrada em maiores quantidades
neste ambiente. Como existem apenas pequenas áreas de cerrado dentro do Parque, tende
a ser menos capturado pelo lobo-guará. Já Trichomys aperoides é mais comum em
ambientes rochosos (Eisenberg & Redford 1999), como o campo rupestre. Neste estudo,
a abundância dessa espécie foi igual para o ambiente mais raro do Parque (cerrado) e
para o mais pobre em alimento (campo rupestre), sugerindo que esta espécie é consumida
em menor quantidade devido aos ambientes em que ela está disponível. Dentro da família
70
Didelphidae, as espécies mais abundantes foram Monodelphis domestica e Lutreolina
crassicaudata. Monodelpnhis domestica foi mais abundante no ambiente com menor
disponibilidade de pequenos mamíferos, campo rupestre, fazendo-nos acreditar que o
baixo consumo desta espécie tenha sido em decorrência de pouco tempo forrageando
nesta área. Apesar de Lutreolina crassicaudata ser mais abundante no ambiente com
maior quantidade de alimento, é uma espécie ágil, ótima nadadora e com tendência a se
esconder em buracos e fazer tocas nas gramíneas, além de ser ótimas arborícolas
(Marshall 1978), podendo ser uma presa mais dificilmente capturada pelo lobo-guará.
Algumas espécies de pequenos mamíferos não foram capturadas durante a
amostragem, mas foram registradas nas fezes do lobo-guará (Holochilus sp., Rhipidomys
mastacalis, Nectomys squamipes e Thalpomys lasiotis). Isso pode ter ocorrido devido ao
tamanho da armadilha, que pode ser limitado para algumas espécies, pela raridade ou
pelo hábito de vida. Holochilus sp. é uma animal grande (144 a 455g), raro e que habita
ambientes florestais (Marinho-Filho et al. 2002). Rhipidomys mastacalis tem hábitos
arborícolas (Eisenberg & Redford 1999), dificultando sua captura, uma vez que as
armadilhas foram postas apenas no chão. Nectomys squamipes é grande (255 g), semi-
aquático, habitando preferencialmente ambientes florestais bastante úmidos (Eisenberg &
Redford 1999). Thalpomys lasiotis é uma espécie rara (Vieira & Baumgarten 1995;
Marinho-Filho et al. 2002), já foi capturada no PSNC, em ambientes de transição entre
cerrado e campo (Dietz 1983), porém não foi capturada neste estudo nem no de Queirolo
(2001). Além disso, todas estas espécies, com exceção de Thalpomys lasiotis, são
preferencialmente florestais. As florestas não foram amostradas neste estudo, porém,
como os resultados indicam, eventualmente (por ter tido um número baixo de indivíduos
dessas espécies nas fezes), o lobo-guará pode forragear em floresta ou borda de floresta.
O fato de ter sido encontrado nas fezes espécies não capturadas nas armadilhas
sugere também que a análise de fezes de lobo-guará, ou de carnívoros em geral, pode ser
71
uma ferramenta útil no levantamento de espécies de uma área, uma vez que os animais
têm acesso a presas que armadilhas podem não ter, ou espécies de plantas com
distribuição restrita. Motta-Junior (1991), por exemplo, relatou predação de uma ave rara,
Micropygia schomburgkii, por lobo-guará em um cerrado do Distrito Federal.
Os resultados das correlações indicam uma clara resposta funcional do lobo-guará
frente a disponibilidade de alimentos no ambiente, caracterizando o hábito oportunista do
lobo-guará. Porém, quando analisados por espécie de presa observa-se que o lobo-guará
parece selecionar algumas em detrimento de outras, contrariando seu hábito oportunista.
É preciso levar em consideração, no entanto, que alguns ambientes não foram
amostrados, como mata e áreas de uso agropecuário, e que essa alta seletividade de
presas pode ser reflexo de problema amostral, ou como já discutido, de outros fatores,
como tempo de forrageamento diferencial em cada ambiente, disponibilidade de habitats,
comportamento e biologia das presas.
Concluindo, o lobo-guará apresentou aparente oportunismo no consumo de
animais e vegetais. Os frutos, em geral, e os pequenos mamíferos, foram mais
consumidos quando presentes em maiores quantidades no ambiente. Contudo, o padrão
de consumo de lobeira frente a sua disponibilidade foi diferente do que o encontrado para
os outros itens, apresentando uma relação negativa, sugerindo que o lobo-guará procura
frutos de lobeira em épocas de escassez de outros itens de origem vegetal (Motta-Junior
2000; Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues et al. 2007).
Uma vez que a lobeira ocorre em ambientes abertos e alterados (Oliveira-Filho &
Oliveira 1988), que o lobo-guará seleciona este fruto, e que possui hábito alimentar
aparentemente oportunista, leva-nos a acreditar que este canídeo é um animal de relativa
fácil adaptação a ambientes fragmentados e antropizados (Courtenay 1994). No entanto,
quando habita um ecossistema fragmentado, pode vir a consumir maiores quantidades de
frutos cultivados (Santos et al. 2003; Jácomo et al. 2004; Rodrigues et al. 2007) e
72
criações domésticas, devido seu hábito alimentar oportunista, tornando-se alvo fácil para
caça e motivo de perseguição. Portanto, apesar do hábito oportunista do lobo-guará num
primeiro momento parecer favorável à sobrevivência da espécie, pode levar a uma menor
aceitação da sua presença pela população, quando este animal passa a se alimentar de
itens disponíveis nas áreas antropizadas.
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Capítulo III
77
Disponibilidade alimentar e padrão de
movimentação do lobo-guará (Chrysocyon
brachyurus) no Parque Nacional da Serra da
Canastra, MG.
INTRODUÇÃO
A área de vida de um indivíduo compreende uma determinada área na qual o
animal utiliza para suas atividades normais como forrageamento, reprodução e cuidado
parental (Burt 1943). No entanto, os animais usam a área de vida de maneira
desproporcional, alguns locais são mais intensamente utilizados, onde os indivíduos
concentram suas atividades. Essas áreas de maiores intensidades de uso são denominadas
áreas centrais de atividade ou áreas core (Hayne 1949). O tamanho dessas áreas e o
padrão de movimentação de uma espécie podem ser determinadas por diversos fatores,
como disponibilidade alimentar (Gehrt & Fritzell 1998; Broomhall et al. 2003),
distribuição de fêmeas (Mizutani & Jewell 1998; Biró et al. 2004), distribuição de tocas e
abrigos (Chamberlain et al. 2003), qualidade do alimento (Mizutani & Jewell 1998),
presença de predadores (List & Macdonald 2003), presença de atividade humana (Adkins
& Stott 1998; Dickson & Beier 2002; Riley et al. 2003), densidade populacional
(Viggers & Hearn 2005; Benson et al. 2006), entre outros.
A relação entre área de vida e disponibilidade alimentar geralmente é negativa
(Herfindal et al. 2005; Benson et al. 2006), ou seja, quanto mais rico um ambiente é em
alimento, menor tende ser a área de vida necessária para as atividades rotineiras do
animal, e menor é seu gasto energético na procura de alimento. Isto influencia a
quantidade de tempo e energia disponíveis para outras atividades nas quais também
contribuem para o valor adaptativo do indivíduo.
78
Os lobos-guará são os únicos canídeos de grande porte que tem como estratégia
de forrageamento a caça solitária (Moehlman 1989). No entanto, por se tratarem de
animais generalistas, que se alimentam principalmente de pequenos animais e frutos
(Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Capítulo I), essa parece ser a estratégia
energeticamente mais econômica.
Ainda há poucos trabalhos envolvendo área de vida do lobo-guará (Dietz 1984;
Carvalho & Vasconcellos 1995; Silveira 1999; Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues
2002; Melo et al. 2007), e pouco se sabe sobre os fatores que podem influenciar no seu
padrão de movimentação. Alguns autores sugerem que machos e fêmeas possuem áreas
de vida próximas, com grande sobreposição, e que um estaria influenciando o padrão de
movimentação do outro (Dietz 1984; Rodrigues 2002), ou ainda que a disponibilidade de
alimento poderia influenciar (Rodrigues 2002), mas nenhum deles realmente testou essas
hipóteses. Rodrigues (2002) ao explicar a variação entre os tamanhos de áreas de vida de
populações diferentes de lobo-guará, sugere que a disponibilidade alimentar poderia ter
uma relação positiva com o tamanho de áreas de vida. Dentre todos os trabalhos sobre
lobo-guará há apenas um no qual o objetivo é verificar se a disponibilidade alimentar
influencia no padrão de movimentação da espécie e, neste caso, a população de lobos-
guará em estudo não está sob condições naturais, uma vez que recebem suplementação
alimentar (Silva & Talamoni 2004).
Tendo em vista a falta de estudos referentes ao assunto e sabendo da importância
do conhecimento dos fatores que influenciam no padrão de movimentação do lobo-guará
para sua conservação, os objetivos deste trabalho foram testar as hipóteses de que: (1) a
área de vida e a área central de atividade do lobo-guará serão tanto menor quanto maior
as proporções de ambientes ricos em alimento; e (2) que os lobos-guará passam mais
tempo nos ambientes mais produtivos. Para isso, foi avaliado se o tamanho das áreas de
vida e das áreas centrais de atividade dos lobos-guará variam conforme a quantidade de
79
ambientes com alta ou baixa disponibilidade alimentar, se há diferenças nas áreas de vida
dos lobos-guará nas épocas seca e chuvosa, correlacionando com a disponibilidade
alimentar e se há seleção de uso de hábitat tendo em vista a disponibilidade dos
ambientes para os lobos-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
METODOLOGIA
Área de estudo
Em 1972, pelo Decreto nº 70.355, o Parque Nacional da Serra da Canastra
(PNSC) foi criado. Uma área de aproximadamente 200.000 ha foi proposta inicialmente,
porém, efetivamente apenas 71.525 ha foram desapropriados e cercados. Localizado no
sudoeste de Minas Gerais, está inserido no domínio fitogeográfico do Cerrado, sendo a
maior parte constituída de formações campestres (campo limpo, campo sujo e campo
rupestre), e em menores proporções de áreas de formações savânicas (cerrado sensu
strictu) e formações florestais (mata ciliar, mata de galeria, mata de encosta, mata seca e
cerradão) (Figura 3.1). O entorno do Parque é constituído basicamente por pastagens
naturais, com pouca proporção de agricultura. A temperatura média ao longo do ano não
varia muito, ao contrário da precipitação, apresentando picos elevados entre os meses de
outubro a março (estação chuvosa) e apresentando uma queda do índice, que pode chegar
a zero, entre os meses de abril a setembro (estação seca) (MMA & IBAMA 2005).
O mapa de classificação da vegetação do PNSC foi elaborado pelo Instituto Terra
Brasilis com parceria com o Ibama, a partir de uma imagem ETM – LANDSAT de junho
de 2000 e com os dados adquiridos nas duas fases de campo da Avaliação Ecológica
Rápida para a elaboração do Plano de Manejo do Parque. Foram reconhecidas nas
análises as seguintes classes de vegetação: mata, campo rupestre, cerrado, campo limpo,
reflorestamento e também áreas de solo exposto, como aquelas de uso agropecuário e
mineração. Algumas classes não foram claramente diferenciadas (e.g. Campo Limpo de
80
Campo Sujo). A grande variedade de tipos fitofisionômicos existentes na região dificulta
a elaboração de um mapa de classificação da vegetação. Além disso, algumas
fitofisionomias não são claramente visualizadas no mapa devido sua pequena extensão no
PNSC (Romero 2002). As áreas não definidas no mapa são aquelas que não puderam ser
classificadas. E as áreas de campo englobam os campos limpos, campos sujos e campos
úmidos (Figura 3.1).
Disponibilidade alimentar
Entre setembro de 2005 e setembro de 2006 foram armadas mensalmente 360
armadilhas do tipo shermann para estimar a quantidade de pequenos mamíferos
disponíveis no ambiente. Nos primeiros cinco dias de campanha eram armadas 180
shermanns e outras 180 nos outros cinco dias subseqüentes. Doze áreas diferentes foram
amostradas, três para cada um dos ambientes (campo limpo, campo úmido, campo
rupestre e cerrado). Em cada área foram colocadas 30 armadilhas, dispostas em três
transectos. Cada armadilha estava a 10 metros de distância uma da outra, e os transectos
a 20 metros, totalizando uma área de amostragem de 0,5 ha (100 x 50 m, incluindo 5
metros de margem). O esforço amostral foi de 1800 armadilhas * noite por mês numa
área amostrada total de 6 ha. As armadilhas eram iscadas com uma mistura feita de
banana, sardinha, pasta de amendoim e fubá. Todas as manhãs as armadilhas eram
checadas e todos os animais capturados eram sexados, pesados, identificados, marcados e
soltos.
81
275000
275000
300000
300000
325000
325000
350000
350000
375000
375000
772
5000 77
25000
775
0000 77
50000
777
5000 77
75000
VegetaçãoCampoCampo RupestreCerradoCorpos dágua e sombrasMataMineraçãoNão definidoReflorestamentoUso agrícola e pecuária
Delimitação atual do PNSCDelimitação orignal do PNSC
1:500000
N
Figura 3.1. Tipos vegetacionais e uso do solo no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fonte: Modificado de MMA & Ibama (2005).
82
Entre novembro de 2005 e setembro de 2006 foram vistoriadas 60 parcelas (20 x
20m) nas quais todos os frutos de potencial consumo pelo lobo-guará foram contados ou
estimados. As áreas de amostragem de frutos foram contíguas às áreas de amostragem de
pequenos mamíferos, de forma que cada ambiente tinha três áreas de amostragem e em
cada foram marcadas cinco parcelas, totalizando 15 parcelas por ambiente. As parcelas
estavam distanciadas a pelo menos 10 m uma da outra. Foram amostrados 0,6 ha por
ambiente ou 2,4 ha no total.
A estimativa da biomassa disponível de pequenos mamíferos e de frutos foi feita
a partir dos pesos obtidos em campo ou por consulta a literatura (para maiores detalhes
sobre a metodologia utilizada para estimar a disponibilidade alimentar verificar capítulo
II).
Para verificar se houve diferença na disponibilidade de frutos entre as áreas de
cada ambiente e entre os ambientes amostrados durante o ano, foi realizado o teste não-
paramétrico Kruskal-Wallis. Para as épocas seca e chuvosa foi feito o teste pareado não-
paramétrico Wilcoxon.
Captura e Monitoramento dos lobos-guará
Os lobos-guará foram capturados pela equipe do projeto lobo-guará no PNSC,
utilizando 18 armadilhas de desarme automático, iscadas com frango cozido e sardinha, e
vistoriadas diariamente pelas manhãs. As armadilhas foram colocadas dentro e fora do
Parque e armadas entre janeiro de 2004 e janeiro de 2007. Todos os lobos-guará
capturados foram anestesiados utilizando Zoletil e Telazol, marcados com brinco
numerado e colar rádio-transmissor (Telonics e Wildlife Matterials), sexados, pesados,
estimada a idade, retirado dados de biometria e feita a coleta de material biológico
(sangue, fezes, pêlos, tecidos e ectoparasitos).
83
As localizações dos indivíduos foram feitas através de radiotelemetria, capturas
ou visualizações. A radiotelemetria convencional foi realizada, utilizando sempre a
freqüência na faixa VHF (Very High Frequency) de 164 a 166 MHz. As estradas do
Parque, os aceiros e as estradas das fazendas do entorno eram percorridas por um veículo
automotor equipado com uma antena não-direcional. Quando o sinal era captado,
utilizava-se então uma antena direcional onde se tirava o azimute. Todas as localizações
feitas por radiotelemetria foram baseadas em estimadores de máxima verossimilhança
(e.g. três ou mais pontos utilizados para triangulação). Em cada ponto era registrada a
data, hora, coordenada geográfica em UTM (Universal Transfer Mercator), azimute,
condições do tempo e qualidade do sinal. Para aqueles animais equipados com rádio
colar com sensor de movimento também era anotado sua atividade. As localizações
através de telemetria foram feitas através do método de triangulação e com intervalo
mínimo de 12 horas, para garantir a independência das amostras.
O monitoramento dos lobos-guará através de radiotelemetria foi feito em
horários alternados entre manhã, tarde e noite. Procurou-se localizar cada indivíduo pelo
menos uma vez por semana, mas nem sempre isso foi possível.
Tamanho de áreas de vida e das áreas centrais versus vegetação
O método do Mínimo Polígono Convexo (MPC) 95% e 50% são,
respectivamente, estimadores robustos da área de vida e da área central de atividade
(Mizutani & Jewell 1998), além de serem as mais comumente encontradas na literatura
referente ao lobo-guará (Silveira 1999; Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues 2002).
Portando, foram obtidos os MPC’s para as áreas de vida e as áreas centrais de atividade,
utilizando, respectivamente, 95% e 50% das localizações mais próximas da média
harmônica. Apesar da literatura apresentar geralmente as áreas de vida dos lobos-guará
como MPC 100% (Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues 2002) neste trabalho foram
84
retirados 5% dos pontos mais externos, porque geralmente essas localizações são
excursões ocasionais, de caráter puramente exploratório, não fazendo parte da área de
vida do animal (Burt 1943).
As áreas de vida e as áreas centrais foram então interseccionadas com o mapa de
classificação da vegetação para verificar a porcentagem de cada ambiente. Em seguida
foram feitas correlações de Spearman entre as variáveis: tipos vegetacionais e tamanho
da área de vida (MPC 95) ou tamanho da área central (MPC 50).
Como o objetivo principal do trabalho foi relacionar tamanho de área de vida e
tamanho de área central com disponibilidade alimentar, e tendo em vista que apenas
ambientes dentro do PNSC foram amostrados, foram utilizados apenas aqueles lobos-
guará que possuíam todas ou mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC e que
possuíam um número mínimo de 30 localizações. Para verificar se houve suficiência
amostral de localizações foi feito, para cada lobo-guará, um gráfico cumulativo entre área
e número de localizações.
Sazonalidade
As localizações dos lobos-guará foram separadas entre estação seca (abril a
setembro) e estação chuvosa (maio a outubro). Uma vez que os tamanhos das áreas de
vida apresentaram distribuição normal para época seca (Kolmogorov-Smirnov: Z =
0,404; N = 6; P = 0,997), para época chuvosa (Kolmogorov-Smirnov: Z = 0,385; N = 6;
P = 0,998) e também para os tamanhos das áreas centrais (seca: Kolmogorov-Smirnov: Z
= 0,549; N = 6; P = 0,924; chuva: Kolmogorov-Smirnov: Z = 0,760; N = 6; P = 0,610),
foram feitos testes-t pareados para verificar se os tamanhos das áreas de vida e das áreas
centrais de atividade diferiram entre as estações. Foram utilizados apenas lobos-guará
que possuíam mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC e que tinham no
85
mínimo 25 pontos, após retirada dos 5% mais externos (MCP 95), em cada uma das
estações.
Uso de hábitat
Todas as localizações que estavam dentro dos limites do Parque, de todos os
lobos-guará capturados, foram plotadas no mapa de vegetação. E com estas mesmas
localizações foi feito um MPC 100% para verificar a quantidade de hábitat disponível. O
polígono resultante foi então interseccionado com o mapa de vegetação, para cálculo das
proporções de cada ambiente disponível. Ainda, foi calculado um índice de seletividade
(IS), proveniente da fração entre a proporção de localizações dos lobos-guará em cada
ambiente pela proporção de sua disponibilidade (Medri & Mourão 2005). Quando o
índice foi maior que 1, indica preferência por estes tipos de hábitat, quando menor que 1,
indica que há um sub-uso destas áreas, e quando igual a 1, que os lobos-guará utilizam
estes hábitats na mesma proporção de sua disponibilidade. Foram também separadas as
localizações em estações seca e chuvosa para ver se a escolha do hábitat diferiu entre as
estações. Foi realizado o teste qui-quadrado para verificar diferença entre as épocas.
Todos os testes, exceto o qui-quadrado, foram feitos através do programa
estatístico SPSS 13.0 para Windows, com nível de significância de 0,05 e bicaudais.
Ainda, foram utilizadas as extensões Animal Movement e Spatial Analyst do programa
ArcView GIS 3.2 para calcular os tamanhos das áreas de vida e áreas centrais, retirar os
pontos mais externos através do método da média harmônica, fazer as triangulações,
plotar as localizações no mapa de vegetação e fazer a intersecção dos dados de área de
vida e vegetação. O teste qui-quadrado foi feito utilizando o programa SigmaStat 3.11
para Windows.
86
RESULTADOS
Disponibilidade alimentar
O ambiente que apresentou maior quantidade de biomassa disponível de pequenos
mamíferos para o lobo-guará foi o campo úmido, seguido de cerrado, campo limpo e
campo rupestre. Em todos os ambientes houve maior quantidade de pequenos mamíferos
disponíveis na época seca (Tabela 3.1). No entanto o cerrado e o campo limpo
apresentaram valores mais representativos, uma vez que no cerrado houve 82% a mais de
biomassa disponível de pequenos mamíferos na época seca do que na época chuvosa e,
no campo limpo, 62% a mais.
A biomassa disponível de frutos para o lobo-guará durante o ano diferiu entre os
ambientes (Kruskal-Wallis: H = 31,618; gl = 3; P ≤ 0,001). O cerrado apresentou maior
quantidade de biomassa disponível de frutos, seguido pelo campo úmido, campo limpo e
campo rupestre. Entre as estações seca e chuvosa, o cerrado (Wilcoxon: t = -3,408; n =
15; P ≤ 0,001), o campo limpo (Wilcoxon: t = -3,233; n = 15; P = 0,001), o campo
rupestre (Wilcoxon: t = -2,497; n = 15; P = 0,013) e o campo úmido (Wilcoxon: t = -
2,353; n = 15; P = 0,019) mostraram diferença significativa, com maior disponibilidade
na época chuvosa (Tabela 3.1).
Considerando a biomassa disponível de frutos e pequenos mamíferos observa-se
que o ambiente mais rico em alimento para o lobo-guará é o cerrado, seguido pelo campo
úmido, campo limpo e campo rupestre.
Tabela 3.1. Biomassa de pequenos mamíferos e frutos disponíveis (gramas por ha) para o lobo-guará em cada um dos ambientes amostrados do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, para as épocas seca e chuvosa, bem como para o ano inteiro.
PEQUENOS MAMÍFEROS FRUTOS chuva seca total chuva seca total
Cerrado 591,5 1253,8 1845,3 366728,3 22004,3 388732,5 Campo Limpo 629,6 1186,9 1816,5 9706,7 1609,3 11315,9 Campo Rupestre 682,1 806,3 1488,4 631,8 84,8 716,5 Capo Úmido 1331,8 1678,2 3010,0 14610,9 459,8 15070,8
87
Capturas
Ao longo do estudo 28 lobos-guará foram capturados dentro e fora do PNSC,
sendo 16 fêmeas e 12 machos. Destes, 14 lobos-guará possuem mais de 30 localizações,
dos quais 10 possuem todas ou mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC
(Tabela 3.2). Estes 10 indivíduos foram utilizados para cálculo das áreas de vida e áreas
centrais de atividade. Apenas um indivíduo (M2) alcançou a assíntota em relação ao
tamanho da área de vida, este indivíduo foi o que obteve maior número de localizações
(Tabela 3.2).
De um total de 1247 localizações, a maioria foi feita através de triangulação
(79,6%), outras por observação direta (10,7%) e outras por capturas (9,7%). Deste total,
118 apresentam sinal de atividade, sendo que 62,7% das vezes o animal encontrava-se
ativo e 37,3% inativo.
Quando plotadas as áreas de vida com o mapa de vegetação do Parque, não houve
correlação entre a porcentagem de cada tipo de vegetação com o tamanho da área de
vida. Porém, quando analisadas as áreas centrais de atividade, houve uma relação
positiva entre o tamanho da área e a porcentagem de campo limpo presente e negativa
entre a área e proporção de campo rupestre, mata e área não definida (Tabelas 3.3 e 3.4).
A porcentagem de área com uso agropecuário e corpos d’água e sombras não mostraram
relação significativa (Tabela 3.4).
88
Tabela 3.2. Número de localizações e área de vida de lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, capturados no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007.
idade peso Localizações data de última Área (km2) (kg) Total % PNSC captura localização MCP 95 MCP 50
F1 a, b, c ad 24 95 100,0 23/4/2004 10/2/2007 48,36 12,04 F2 a, b, c ad 30 62 77,4 24/7/2004 21/6/2005 34,33 2,89 F3 a, b ad 25 34 100,0 25/8/2004 3/1/2006 70,50 17,98 F4 ad 32 131 0,8 4/9/2004 15/2/2007 18,86 3,36 F5 b, c ad 21 76 100,0 5/5/2005 16/2/2007 95,77 22,73 F6 sub 25 14 0,0 13/5/2005 21/6/2005 - - F7 b sub 20 45 100,0 14/6/2005 12/2/2007 47,86 3,84 F8 ad 26 48 8,3 21/6/2005 3/1/2007 83,90 13,01 F9 ad 31 68 17,6 31/7/2005 17/2/2007 96,27 20,98 F10 b, c ad 26 72 54,2 21/10/2005 15/2/2007 69,66 9,01 F11 sub 15 6 83,3 15/02/2006 1/6/2006 - - F12 sub 25 5 0,0 5/6/2006 30/6/2006 - - F13 sub 17 28 100,0 15/6/2006 16/2/2007 - - F14 ad 25 10 0,0 7/9/2006 14/2/2007 - - F15 ad 26 4 100,0 24/10/2006 24/1/2007 - - F16 a ad 23 8 100,0 5/12/2006 10/2/2007 - - M1 b, c sub 12 80 85,0 27/2/2004 29/8/2004 4,06 0,34 M2 b, c ad 28 162 100,0 2/4/2004 30/1/2007 65,91 16,82 M3 a, b velho 28 39 84,6 19/5/2004 24/12/2005 14,43 1,96 M4 sub 25 4 100,0 5/6/2004 27/7/2004 - - M5 b sub 21 44 100,0 3/7/2004 26/3/2005 25,01 5,64 M6 sub 26 7 100,0 4/5/2005 21/5/2005 - - M7 ad 30 104 1,9 22/6/2005 15/2/2007 18,35 2,41 M8 sub 29 10 80,0 19/10/2005 25/9/2006 - - M9 ad 31 29 34,5 26/3/2006 10/2/2007 - - M10 ad 29 14 100,0 4/7/2006 15/2/2007 - - M11a ad 32 24 79,2 4/7/2006 16/12/2006 - - M12 ad 29 4 25,0 29/11/2006 16/2/2007 - - a Indivíduos que foram encontrados mortos ao longo do estudo; b Indivíduos utilizados para correlacionar tamanhos de área de vida e de área central com porcentagem de ambiente; c Indivíduos utilizados para verificar sazonalidade nas áreas de vida e áreas centrais de atividade;
89
Tabela 3.3. Área central de atividade de lobos-guará e proporções (%) de ambientes dentro de cada área core. lobo área (km2) CL CR Água Mt NDef Agri F1 12,04 87,47 0,05 1,25 1,22 10,01 0,00 F2 2,89 48,30 20,34 7,02 5,21 19,14 0,00 F3 17,98 84,98 0,00 1,19 1,60 12,22 0,00 F6 22,73 88,18 0,00 1,94 0,44 9,44 0,00 F8 3,84 76,19 0,05 2,74 3,36 17,66 0,00 F11 9,01 33,13 14,98 16,28 14,48 16,34 4,79 M1 0,34 39,53 24,43 19,61 3,61 12,82 0,00 M2 16,82 86,84 0,04 1,69 1,14 10,30 0,00 M3 1,96 62,70 6,08 1,26 5,02 24,94 0,00 M5 5,64 83,77 0,09 2,45 2,12 11,58 0,00 CL, Campo Limpo; CR, Campo Rupestre, Água, corpos d’água e sombras; Mt, Mata; Ndef, área não definida; Agri, Uso agrícola e pecuário.
Tabela 3.4. Correlações de Spearman entre tamanho de área de vida (MPC 95%) e área central de atividade (MPC 50%) de lobos-guará (n = 10) e porcentagens de vegetação dentro de cada área, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Em nenhuma das áreas centrais houve cerrado incluído.
ln (área MPC 95%) ln (área MPC 50%) R P R P
Campo limpo 0,455 0,187 0,758 0,011 Campo rupestre 0,030 0,934 - 0,851 0,002 Cerrado 0,069 0,849 Corpos d’água e sombras - 0,139 0,701 - 0,552 0,098 Mata - 0,188 0,603 - 0,733 0,016 Não definido - 0,055 0,881 - 0,758 0,011 Uso agrícola e pecuária 0,109 0,764 0,058 0,873
Quanto ao uso de hábitat, os lobos-guará apresentaram maiores proporções de
localizações em áreas de campo rupestre e áreas não definidas do que em relação às suas
disponibilidades, mostrando seleção por estes ambientes. Campo limpo e mata
apresentaram índice de seletividade muito próximos a 1, mostrando ser ambientes não
seletivos pelos lobos-guará.. O cerrado e áreas de uso agrícola apresentaram pequenas
proporções de disponibilidade de habitat, próximas a zero, não sendo possível calcular o
índice de seletividade (Tabela 3.5).
90
Tabela 3.5. Freqüência de utilização de cada ambiente (% localizações, n = 771) por lobos-guará (n = 25), disponibilidade de cada um dos ambientes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG (% habitat) e índice de seletividade (IS). Dados coletados entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007.
% loc % habitat IS Campo 74,71 79,93 0,93 Campo rupestre 6,10 1,82 3,35 Cerrado 0,00 0,06 - Corpos d'água e sombras 3,11 5,25 0,59 Mata 2,33 2,05 1,14 Área não definida 13,75 10,86 1,27 Uso agrícola e pecuária 0,00 0,03 - IS > 1 → seleção por algum tipo de ambiente; IS < 1 → sub-uso do ambiente; IS = 1 → uso do ambiente na mesma proporção de sua disponibilidade;
Não houve diferença de uso de habitat entre as estações seca e chuvosa (χ2 =
1,825; gl = 3; P = 0,609). Na estação seca há uma quantidade ligeiramente maior de
localizações no campo limpo. O campo rupestre, ao contrário, apresentou maior
quantidade de localizações na estação chuvosa. O ambiente mata apresentou a mesma
proporção em ambas estações, porém não houve diferença significativa (Figura 3.2).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Campo Camporupestre
Corposd'água esombras
Mata Não def inido
Porce
ntage
m de loca
lizaç
ões
Figura 3.2. Freqüência de localizações de 25 lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, em cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A barra sólida representa a estação chuvosa (n = 359) e a vazada a estação seca (n = 412). Dados coletados entre fevereiro de 2004 a fevereiro de 2007.
91
Quanto à sazonalidade, apenas seis lobos-guará possuíam 25 ou mais localizações
em cada estação e tinham mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC (Tabela
3.2). Não foi encontrada diferença significativa entre as áreas de vida dos lobos-guará
(teste-t pareado: t = 0,603; gl = 5; P = 0,573), nem para as áreas centrais de atividade
(teste-t pareado: t = 0,612; gl = 5; P = 0,567) entre as épocas seca e chuvosa.
DISCUSSÃO
A hipótese de que áreas de vida menores possuem maior quantidade de ambientes
ricos em alimento foi rejeitada. Não foi encontrada nenhuma relação entre tamanho de
área de vida e proporção dos ambientes. No entanto, a hipótese de que indivíduos com
área central de atividade possuem menor área quando ocupam ambientes mais ricos foi
em parte corroborada, pois foi encontrada relação negativa tanto com ambientes ricos em
alimento, quanto pobres. Já a hipótese que os lobos-guará passam mais tempo nos
ambientes mais produtivos foi rejeitada, uma vez que o maior número de localizações foi
encontrado em campo rupestre, ambiente de menor produtividade amostrado.
Alguns indivíduos possuem área de vida muito reduzida em relação a outros, o
que nos leva a crer que talvez haja algum outro fator, que não disponibilidade alimentar,
que possa moldar os tamanhos da área de vida de cada indivíduo. Podem estar atuando
fatores intrínsecos ao animal, como sexo (Mizutani & Jewell 1998; Biró et al. 2004;
Herfindal et al. 2005), idade ou peso corporal (Kelt & Vuren 1999) ou ainda fatores
extrínsecos, como presença da atividade humana (Adkins & Stott 1998; Dickson & Beier
2002; Riley et al. 2003). Em muitos carnívoros solitários foi encontrado que a área de
vida da fêmea é influenciada pela disponibilidade alimentar enquanto que a do macho é
mais fortemente influenciada pela distribuição de fêmeas no local (Mizutani & Jewell
1998; Herfindal et al. 2005). Isso se deve ao fato de que o sucesso reprodutivo das
fêmeas está vinculado ao cuidado de sua prole e o dos machos, pelo encontro do maior
92
número de fêmeas possível. Os lobos-guará são animais solitários que formam casais na
época reprodutiva (Dietz 1984), onde o macho ajuda no cuidado da prole, como
observado em cativeiro (Dietz 1984; Veado 1997; Bestelmeyer 2000) e como Melo et al.
(2007) sugerem em vida livre. Sendo assim, tanto o macho quanto a fêmea são
responsáveis pelo cuidado parental e, portanto, é improvável que a área de vida do macho
seja determinada pela distribuição de fêmeas num determinado local.
Um outro fator que pode ser levado em consideração, para explicar a grande
variação nos tamanhos das áreas de vida dos lobos-guará é a idade. Filhotes ficam na
área de vida da mãe por aproximadamente um ano, depois começam a dispersar (Rodden
et al. 2004). Neste processo de dispersão a área de vida de um indivíduo não está
estabelecida ainda. Além disso, também pode haver diferentes números de localizações
para cada individuo, resultando em grande variação nos tamanhos de área de vida. Neste
estudo, apesar do esforço amostral ter sido alto, sendo o maior estudo de análise de área
de vida do lobo-guará já realizado, apenas um indivíduo alcançou a assíntota, tendo sua
área estabilizada.
Apesar de não haver correlação entre o tamanho da área de vida e a porcentagem
de cada ambiente, o tamanho da área central de atividade variou conforme a quantidade
de ambientes presentes nele. Os fatores que influenciam na movimentação de uma
espécie podem ser melhores visualizadas, ou mostrar padrões mais claros, quando
analisado a área central de atividade, uma vez que é nestas áreas que o animal passa a
maior parte do seu tempo e, teoricamente, é nela que o animal encontra todos os
elementos críticos para sobrevivência e reprodução, como tocas, abrigos e alimentos.
Houve uma correlação positiva entre tamanho da área central de atividade e porcentagem
de campo limpo, ou seja, quanto maior o tamanho da área central, maior a proporção de
campo limpo encontrada. Ao contrário, os ambientes mata e campo rupestre
apresentaram uma relação negativa com o tamanho da área central, ou seja, quanto
93
maiores as proporções destes ambientes, menor o centro de atividade. Em outras
palavras, o lobo-guará concentra suas atividades nestes dois últimos ambientes.
Era esperado que áreas com maior proporção de ambientes mais ricos em
alimentos representassem uma área central de atividade de menor tamanho. Neste
sentido, era esperada que áreas centrais menores tivessem maiores proporção de campo
úmido e cerrado. Embora no mapa de vegetação utilizado para fazer as análises o
ambiente campo úmido não esteja identificado, sua presença está associada a mata, uma
vez que estas formações florestais, no PNSC, estão associadas com maior disponibilidade
de água (MMA & IBAMA 2005). Sendo assim, parece haver uma relação entre o
tamanho da área central e a disponibilidade alimentar. Desta forma, a seletividade por
mata, encontrada acima, pode ser apenas ruído de amostragem e de fato o campo úmido
pode estar sendo selecionado. Lobos-guará que possuem maior quantidade de matas em
sua área central e, conseqüentemente, de campo úmido, ambiente no qual foi encontrado
maior quantidade de alimento de origem animal, ocupam menor área, otimizando seus
gastos energéticos. Os dados de disponibilidade e dieta apresentados no capítulo II e os
dados aqui relatados reforçam a idéia de que os lobos-guará concentram suas atividades
em áreas de campo úmido, aumentando sua eficiência na captura de alimento, já que se
trata de áreas ricas neste recurso.
Quanto ao cerrado, existem poucas áreas deste ambiente dentro do PNSC, e
mesmo as que estão presentes, parecem não terem sido representadas fielmente no mapa
de vegetação utilizado. Nenhuma das áreas centrais continha locais de cerrado, e não foi
possível calcular preferência por este tipo de ambiente, uma vez que houve baixa
disponibilidade de cerrado e nenhuma localização de lobo-guará foi registrada para este
habitat. Apesar de não termos dados suficientes para tirarmos conclusões a respeito deste
tipo de ambiente, Dietz (1984) relata que o lobo-guará passa cerca de 43% do seu tempo
em áreas de cerrado. Portanto, não se deve descartar a importância que este deve ter em
94
moldar as áreas centrais de atividade, uma vez que é o ambiente mais rico em itens de
origem vegetal.
É importante evidenciar aqui que o mapa de classificação da vegetação utilizado
foi feito para o plano de manejo do Parque e não com este propósito. Neste sentido, as
áreas mais ricas em alimento não estão evidenciadas. O mais interessante seria fazer um
mapa de habitat útil para a espécie no PNSC, classificando as diferentes áreas utilizadas
pelo lobo-guará. Foi elaborado recentemente um mapa para o nordeste do estado de São
Paulo para tais fins (Bertoluzzi & Mantovani 2005), mas os resultados referentes a
utilização de cada ambiente ainda não foram publicados.
O campo limpo não apresentou grandes quantidades de alimento, assim como o
campo rupestre. Porém, para o campo limpo, tendo em vista que é um dos ambientes
mais pobres em alimento, a hipótese inicialmente proposta foi corroborada, uma vez que
quanto maior o tamanho da área central, maior também a proporção deste ambiente, ou
seja, aqueles indivíduos que têm em sua área central de atividade maiores proporções de
campo limpo, têm menores quantidades de alimento, sendo necessário percorrer uma área
maior do que aqueles indivíduos que tem áreas mais ricas em alimento para chegar a
ambientes com maior disponibilidade. Dietz (1984) verificou ainda que o lobo-guará
ocorre em menores proporções em campo do que o esperado por sua disponibilidade, e
do que em qualquer outro tipo de ambiente, a qualquer hora do dia.
Como observado no capítulo II, os ambientes mata e campo rupestre parecem ser
pouco utilizados pelos lobos-guará para forrageamento e, uma vez que houve correlação
negativa entre tamanho de área central e proporção destes ambientes, talvez haja outro
fator atuando. No entanto, como já discutido, a mata pode estar associada a presença de
campos úmidos (ambiente rico em alimento), mas não deve-se descartar a possibilidade
de uso de matas para outras atividades.
95
Os dados referentes a uso de habitat mostraram que o lobo-guará é seletivo
apenas para o campo rupestre, uma vez que houve maior proporção de localizações neste
ambiente do que o esperado pela sua disponibilidade. No entanto, isso provavelmente
não se deve a disponibilidade alimentar, pois o campo rupestre foi o ambiente mais pobre
em alimento. Alternativamente, é possível que o campo rupestre seja um ambiente mais
favorável para o abrigo, garantindo maior quantidade de tocas, e protegendo sua prole de
eventuais predadores. Ainda, mesmo que a maioria das triangulações que apresentavam
sinal atividade mostre que os lobos-guará foram monitorados em período de atividade, há
uma grande proporção de localizações onde o animal encontra-se inativo. E, mesmo que
tenha sido feito um esforço para monitorar os animais em todos os horários do dia, há
uma maior quantidade de triangulações realizadas no período da manhã, quando os
lobos-guará já apresentam menor atividade (Melo et al. 2007). Esse viés na coleta de
dados nos leva a sugerir outra hipótese para a seletividade destes ambientes, como a de
que o lobo-guará procura os campos rupestres e mata para descansar.
No entanto, é importante ressaltar também que as aves não foram amostradas
neste trabalho. E como ainda não se sabe a real importância desses animais na dieta do
lobo-guará, pelo fato das penas sofrerem bastante com o processo digestivo (Reynolds &
Aebischer 1991), pode ser que as estas possuem maior representatividade na alimentação
do lobo-guará do que se imagina, e que os ambientes campo rupestre e mata ofereçam
grande quantidade desse tipo de presa, justificando a concentração de atividade nestes
ambientes.
Esperava-se também que houvesse diferença de tamanho entre as áreas de vida
entre as estações seca e chuvosa, uma vez que a dieta e a disponibilidade alimentar
apresentam sazonalidade marcada (capítulos I e II). Porém, não foi observada variação
nos tamanhos das áreas de vida e áreas centrais entre as estações. Este fato pode ter
relação com o gasto de se defender um território. Talvez seja mais vantajoso para o lobo-
96
guará permanecer numa mesma área central de atividade, mesmo que isso signifique
mais tempo forrageando, do que gastar mais energia defendendo diferentes áreas,
conforme a variação na disponibilidade de alimento.
Embora ainda existam outros fatores a serem estudados, os resultados aqui
apresentados mostram que o padrão de movimentação do lobo-guará é influenciado pela
disponibilidade alimentar. Silva & Talamoni (2004) também encontraram dados
semelhantes. Na sede da RPPN Serra do Caraça, onde os lobos-guará recebem
suplementação alimentar, a intensidade de registros é bem mais elevada do que nos
outros locais da Reserva. Há outros fatores que parecem influenciar nas áreas de
atividade dos lobos-guará, porém ainda existem poucas informações sobre a organização
social e comportamento desta espécie em vida livre. Portando, sabendo que a distribuição
dos alimentos é um dos fatores que influenciam o padrão de movimentação do lobo-
guará, é essencial ter em mente os recursos alimentares quando forem propostas medidas
de manejo e conservação do lobo-guará.
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101
Considerações Finais
O trabalho aqui apresentado mostrou, como já esperado, que a dieta do lobo-guará
é onívora e generalista, consumindo maiores quantidades de itens vegetais na época
chuvosa e itens animais na época seca, conforme a disponibilidade destes itens no
ambiente, mostrando um certo oportunismo alimentar da espécie. Porém, quando
analisados os itens separados, observa-se que a espécie seleciona alguns em detrimento
de outros. A lobeira foi o principal item consumido pelo lobo-guará e seu consumo foi
maior quando a produtividade deste foi menor no ambiente, mostrando que, por frutificar
o ano inteiro, o lobo-guará procura pela lobeira em épocas de escassez de outros frutos.
Algumas espécies de pequenos mamíferos foram consumidas em maiores quantidades do
que o esperado pela sua disponibilidade, isso porque os ambientes no Parque Nacional da
Serra da Canastra não estão presentes em proporções similares e algumas espécies são
mais abundantes em alguns ambientes, além de terem vulnerabilidade a predação por
lobo-guará diferente uma das outras.
Quanto à análise temporal da dieta do lobo-guará, comparando os resultados aqui
encontrados com os outros dois realizados no Parque Nacional da Serra da Canastra
(Dietz 1984; Queirolo 2001), foi verificado que desde o final da década de 70 até os dias
de hoje o lobo-guará apresentou mudanças nos itens ingeridos, provavelmente devido a
diferença na disponibilidade alimentar em cada época. A implementação do Parque
parece ter favorecido algumas espécies de plantas, e a partir do ano 2000 alguns frutos
que não eram encontrados antes na dieta do lobo-guará tem atualmente relativa
importância na sua composição.
Constatou-se ainda que o lobo-guará, no PNSC, concentra suas atividades nos
ambientes campo úmido e campo rupestre. Os dados referentes a dieta e a
disponibilidade alimentar demonstram que o campo úmido é um ambiente favorável ao
102
forrageamento. Ao contrário, o campo rupestre parece ter pouca disponibilidade
alimentar. No entanto, é importante ressaltar que as aves não foram amostradas aqui
neste trabalho, e como já discutido, ainda não se sabe a real importância dessa presa na
dieta do lobo guará, uma vez que as penas sofrem bastante com o processo digestivo
(Reynolds & Aebischer 1991). Outra possibilidade é que o campo rupestre pode ser
utilizado para outras atividades que não o forrageamento.
Para elucidar as perguntas aqui propostas seria interessante realizar um estudo no
qual utilizasse um mapa de habitat mais detalhado, unidos com dados de telemetria, dieta
(analisando os fragmentos microscópicos) e comportamento, que poderiam tornar mais
claros os fatores que influenciam o padrão de movimentação da espécie.
Este trabalho aqui apresentado trás implicações fortes para a conservação do
lobo-guará, uma vez que mostra que a disponibilidade alimentar tem influência na
movimentação da espécie e que parece não ser o único agente atuante. Ainda, mostram
como a implementação do Parque Nacional da Canastra foi importante para a
conservação dos lobos-guará. Além de ter uma dieta mais ampla atualmente,
principalmente quando se diz respeito aos itens vegetais, o Parque ainda abriga e protege
dois ambientes que o lobo-guará utiliza com freqüência.
Portanto, mesmo que o lobo guará pareça uma espécie com relativa plasticidade
ambiental, já que se alimenta de acordo com a disponibilidade de alimento, há outros
fatores que podem moldar as atividades dos lobos que ainda são desconhecidas. Este
trabalho abre possibilidades de outras pesquisas para que se possam responder essas
perguntas e que, assim, as medidas de manejo e conservação possam ser mais eficientes.
103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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carnivore diet by faecal analysis: a critique, with recommendations, based on a
study of the Fox Vulpes vulpes, Mammal Review 21:97-122.
104
Anexos
Anexo 1. Lista de itens alimentares encontrados nas fezes dos lobos-guará (n = 307), bem como o número de fezes com cada item alimentar (ocorrência) e sua freqüência (%), biomassa estimada para cada item (gramas) e sua porcentagem. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Ocorrência Biomassa
Número de indivíduos Número % Gramas %
VEGETAIS Annonaceae Annona cf. crassiflora 3 3 0,28 58,9 0,04 Annonaceae sp. 1 1 0,09 16,7 0,01 Duguetia furfuraceae 5 4 0,38 156,0 0,11 Arecaceae Allagoptera campestris 101 101 9,49 7130,0 5,07 Arecaceae sp. 1 1 0,09 20,0 0,01 Bromeliaceae Bromelia sp. 93 20 1,88 2098,3 1,49 Chrysobalanaceae Parinari obtusifolia 1888 110 10,34 18880,0 13,43 Cucurbitaceae Melancium campestre 25 19 1,79 1274,0 0,91 Ericaceae Gaylussacia brasiliensis 309 9 0,85 152,6 0,11 Erythroxylaceae Erythroxylum sp. 13 4 0,38 2,6 0,00 Fabaceae Fabaceae sp. 30 5 0,47 6,0 0,00 Malpighiaceae Byrsonima spp. 1 1 0,09 0,5 0,00 Melastomataceae Miconia spp. 196 3 0,28 39,2 0,03 Myrtaceae Campamonesia sp. 43 10 0,94 186,7 0,13 Hexachlamys humilis 1 1 0,09 5,0 0,00 Myrcia sp. 1 800 6 0,56 400,0 0,28 Myrcia sp. 2 344 5 0,47 172,0 0,12 Psidium cf. buergerianum 2 2 0,19 18,3 0,01 Psidium sp. 1 36 17 1,60 1080,0 0,77 Psidium sp. 2 36 13 1,22 902,7 0,64 Ochnaceae Ouratea sp. 2 1 0,09 0,4 0,00 Poaceae Zea mays 4 4 0,38 11,3 0,01 Rubiaceae Cordiera cf. concolor 476 15 1,41 3756,0 2,67 Psychotria sp. 32 3 0,28 16,0 0,01
105
Sabicea brasiliensis 1 1 0,09 0,2 0,00 Rutaceae Citrus sp. 1 1 0,09 44,0 0,03 Sapotaceae cf. Pradosia sp. 22 16 1,50 201,0 0,14 Pouteria sp. 2 2 0,19 60,0 0,04 Solanaceae Solanum lycocarpum 151 141 13,25 31686,1 22,54 Espécies não identificadas sp 1 6 2 0,19 1,2 0,00 sp 2 3 3 0,28 8,0 0,01 sp 3 41 3 0,28 20,5 0,01 sp 4 14 1 0,09 2,8 0,00 sp 5 7 1 0,09 1,4 0,00 sp 6 69 12 1,13 13,8 0,01 sp 7 10 4 0,38 82,0 0,06 sp 8 71 3 0,28 14,2 0,01 ARTHROPODA Coleopetra 35 22 2,07 136,5 0,10 Diptera 10 1 0,09 35,0 0,02 Hemiptera 29 1 0,09 87,0 0,06 Isoptera 1 6 0,56 3,9 0,00 Orthoptera 7 6 0,56 27,3 0,02 Não identificado 7 7 0,66 22,4 0,02 REPTILIA Squamata Serpentes Viperidae Bothrops sp. 3 3 0,28 135,0 0,10 Serpente não identificada 1 1 0,09 45,0 0,03 Sáuria Anguidae Ophiodes sp. 1 1 0,09 35,0 0,02 Scincidae Mabuya sp. 19 19 1,79 95,0 0,07 Teiidae não identificado 5 5 0,47 75,0 0,05 Tropiduridae Tropidurus sp. 6 6 0,56 210,0 0,15 AVES Casca de ovo 2 2 0,19 2,0 0,00 Galliformes 4 4 0,38 2800,0 1,99 Passeriformes Troglodytidae sp. 2 2 0,19 40,0 0,03 Passeriforme não identificado 2 2 0,19 40,0 0,03 Psitaciformes 4 4 0,38 460,0 0,33 Tinamiformes 10 10 0,94 5000,0 3,56 Aves não identificadas 75 75 7,05 3750,0 2,67
106
MAMMALIA Rodentia Muridae Akodon sp. 28 23 2,16 543,2 0,39 Bolomys lasiurus 238 98 9,21 9329,6 6,64 Calomys sp. 34 20 1,88 513,4 0,37 Holochilus sp. 3 3 0,28 978,0 0,70 Nectomys squamipes 1 1 0,09 255,0 0,18 Rhipidomys mastacalis 1 1 0,09 100,0 0,07 Oligoryzomys sp. 70 37 3,48 1036,0 0,74 Cerradomys subflavus 5 5 0,47 370,5 0,26 Oxymycterus roberti 68 43 4,04 4216,0 3,00 Thalpomys lasiotis 9 9 0,85 315,0 0,22 Muridae não identificado 50 50 4,70 1750,0 1,24 Cavidae Cavia aperea 16 16 1,50 4857,6 3,46 Echimyidae Thrichomys apereoides 1 1 0,09 245,7 0,17 Dasyproctidae Dasyprocta sp. 1 1 0,09 2700,0 1,92 Didelphimorphia Didelphidae Lutreolina crassicaudata 1 1 0,09 202,6 0,14 Gracililnanus sp. 16 15 1,41 345,6 0,25 Monodelphis sp. 3 3 0,28 219,3 0,16 Didelphidae não identificado 5 5 0,47 153,5 0,11 Xenarthra Dasypodidae Dasypus novemcinctus 3 3 0,28 11100,0 7,90 Euphractus sexcinctus 3 3 0,28 14040,0 9,99 Carnivora Canidae Cerdocyon thous 1 1 0,09 5800,0 4,13 TOTAL 5620 1064 100,00 140588,4 100,00
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Anexo 2. Estimativa da disponibilidade de frutos e pequenos mamíferos disponíveis para consumo por lobo-guará, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A quantidade de frutos foi calculada a partir da soma do número de frutos encontrados nas parcelas em cada mês (nov/05 a set/06). A quantidade de pequenos mamíferos é relativa a soma de primeiras capturas de cada indivíduo, em cada mês (set/05 a set/06).
Quantidade Biomassa Número % Número % VEGETAIS Anacardiaceae Anacardium cf. humile 47 0,01 1880 0,35 Annonaceae Duguetia furfuracea 49 0,01 4410 0,82 Aquifoliaceae Ilex affinis 42 0,01 21 0,00 Arecaceae Allagoptera campestris 1800 0,54 126000 23,48 Arecaceae sp. 5 0,00 100 0,02 Celastraceae Salacia sp. 103 0,03 3090 0,58 Chrysobalanaceae Parinari obtusifolia 10334 3,10 103340 19,26 Ebenaceae Diospyros burchellii 66 0,02 1980 0,37 Ericaceae Gaylussacia brasiliensis 2594 0,78 1297 0,24 Gaylussacia sp. 66 0,02 33 0,01 Erythroxylaceae Erythroxylum cf. campestre 125472 37,63 25094,4 4,68 Lauraceae Cinnamomum cf. haussknechtii 15 0,00 3 0,00 Malpighiaceae Byrsonima cf. variabilis 89320 26,79 44660 8,32 Byrsonima intermedia 265 0,08 132,5 0,02 Byrsonima verbascifolia 1373 0,41 686,5 0,13 Melastomataceae Miconia albicans 6947 2,08 1389,4 0,26 Miconia cf. theaezans 44271 13,28 8854,2 1,65 Miconia sp 1 2793 0,84 558,6 0,10 Miconia sp 2 894 0,27 178,8 0,03 Miconia sp 3 2611 0,78 522,2 0,10 Miconia sp 4 4461 1,34 892,2 0,17 Miconia sp 5 19688 5,90 3937,6 0,73 Myrtaceae Blepharocalyx salicifolia 313 0,09 156,5 0,03 Campomanesia rufa 232 0,07 1160 0,22 Campomanesia adamantium 713 0,21 3565 0,66 Campomanesia pubescens 100 0,03 500 0,09 Eugenia cf. bimarginata 4 0,00 12 0,00 Eugenia punicifolia 42 0,01 126 0,02
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Hexachlamys humilis 1 0,00 5 0,00 Myrcia bella 11004 3,30 5502 1,03 Myrcia depauperata 125 0,04 62,5 0,01 Myrcia guianensis 26 0,01 13 0,00 Myrcia vestita 118 0,04 59 0,01 Psidium cf. firmum 5 0,00 250 0,05 Psidium sp. 224 0,07 8960 1,67 Psiduim guineense 1023 0,31 51150 9,53 Ochnaceae Ouratea spectabilis 4022 1,21 804,4 0,15 Rubiaceae Alibertia vaccinioidis 4 0,00 32 0,01 Cordiera cf. concolor 385 0,12 3080 0,57 Palicourea sp. 5 0,00 50 0,01 Sabicea brasiliensis 180 0,05 36 0,01 Solanaceae Solanum lycocarpum 200 0,06 125000 23,30 Solanum subumbellatum 1392 0,42 6960 1,30 Verbenaceae Lantana camara 91 0,03 9,1 0,00 Total vegetal 333425 100,00 1130553 100,00 MAMMALIA Rodentia Muridae Akodon sp. 132 12,00 2560,8 5,18 Bolomys lasiurus 503 45,73 19717,6 39,86 Calomys sp. 118 10,73 1781,8 3,60 Oligoryzomys sp. 82 7,45 1213,6 2,45 Cerradomys subflavus 29 2,64 2148,9 4,34 Oxymycterus roberti 119 10,82 7378 14,91 Echymiidae Thricomys apareoides 6 0,55 1474,2 2,98 Cavidae Cavia aperea 4 0,36 1214,4 2,45 Didelphimorphia Didelphidae Gracilinanus agilis 4 0,36 86,4 0,17 Lutreolina crassicaudata 35 3,18 7091 14,33 Monodelphis domestica 64 5,82 4678,4 9,46 Monodelphis sp. 4 0,36 122,8 0,25 Total pequenos 1100 100,00 49467,9 100,00
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