curso clÍnica psicanalÍtica 2012 - aula 4 - histeria e atuação: corpo e gozo

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Clínica Psicanalítica:manejo e subjetivações na

contemporaneidade

Tema:

Histeria e atuação: corpo e gozo

Coordenação Alexandre SimõesALEXANDRE SIMÕES

® Todos os direitos de

autor reservados.

De início, as primeiras histéricas escutadas por Freud mantinham um

aparente distanciamento das atuações

Elas exibiam um mal-estar que, em boa medida, era veiculado pelo

sintoma clássico da histeria:

o sintoma conversivo

Isto já indicava uma abertura do corpo à escrita sintomática

Mas, havia a ideia de que enquanto uma histérica falasse do seu sofrimento, ela não atuaria

O sintoma histérico na sua

perspectiva

conversiva era zeloso quanto ao

corpo

Tanto que no caso de uma convulsão histérica havia um

imaginário que, em certa medida, guiava a clínica:

se os desmaios e convulsões trouxessem um sério risco à integridade

do corpo, estaríamos diante de uma epilepsia.

Se o desmaio - seguido ou não de convulsões - não implicasse em danos

ao corpo, estaríamos nas águas da histeria;

O que esta fórmula - de alcance duvidoso - acaba

por mostrar é precisamente a forma como o corpo estava

apropriado na histeria:

tratava-se ali de um corpo erótico, envolvido pela lógica libidinal;

A partir principalmente do caso da jovem homossexual (“Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina”, de 1920), o

modelo clínico da histeria começa a passar, em Freud, por uma transição

Trata-se de uma jovem que, em um dado momento, joga-se de uma ponte sobre os

trilhos do trem

O tratamento psicanalítico foi iniciado seis meses após esse acontecimento. A adolescente já se

encontrava refeita dos seus ferimentos – estes foram muito sérios, mas não deixaram sequelas físicas.

Essa atitude da jovem paciente de Freud foi considerada mais do que uma simples

encenação:

foi tomada por Freud como uma autêntica tentativa de suicídio

Temos, pois:

Um corpo que se deixa cair

Um corpo tocado

pelo sintoma

Um pouco mais do que isto, na atualidade:

Um corpo que se deixa cair, rasgar, abrir, transformar.

Um corpo tocado

pelo sintoma

Como o mal-estar se inscreve, hoje, no corpo do sujeito

histérico?

Fragmento clínico:

Há alguns anos, recebi em meu consultório uma jovem na faixa dos 27 anos de idade, muito

vivaz e de inteligência bem afinada.

Nascida no interior do Estado, ela vai para a capital completar o segundo grau e dar ingresso

à vida universitária. Em Belo Horizonte, foi acolhida pela tia (uma executiva bem sucedida,

solteira e sem filhos) e assim realizou seus estudos, desfrutando das melhores condições

materiais que podia obter na época.

Ao lado dos estudos, destacou-se como nadadora, chegando a ganhar alguns torneios

e , em alguns momentos, foi uma praticante de triathlon.

Via-se como uma jovem aplicada em seus estudos e com uma vida bastante

saudável.

A sua trilha universitária iniciou-se em meio a um desagrado. O seu curso

superior foi, segundo ela, decidido pela tia. A tia preocupava-se muito com a futura inserção profissional de sua sobrinha e a conduziu a se decidir por fazer o mesmo curso realizado anteriormente por ela (a

própria tia) e que tinha relação direta com a sua área de atuação.

Esperava-se, assim, que a sobrinha desse

continuidade à carreira da tia.

Aqui, há um detalhe acerca do vínculo bastante estreito entre esta menina e a sua tia. A relação da paciente com

a sua mãe era extremamente tensa, desde os anos iniciais da infância. A mãe surgia como uma mulher descuidada

acerca da maternidade e, adicionado a isto o uso de álcool, não se mostrava em condições de cuidar da filha.

Neste cenário, é desde bem cedo que esta tia ocupará um lugar de referência para a paciente: uma referência

feminina transversalizada por uma atitude fálica.

Esta referência não era feita sem se acompanhar da indicação do desmerecimento da progenitora em ser mãe.

A paciente se forma na área de atuação almejada pela tia e dá início às suas atividades profissionais.

Porém, nos locais em que ela atuou, rapidamente se embaralhou em dificuldades de relacionamento com alguns colegas e também com os gestores, aliadas a

um questionamento político que ela fazia de sua atuação e da lógica do mercado que acabava

influenciando diretamente sua atuação profissional.

Não tardou o aparecimento de questionamentos cada vez mais inviáveis

acerca de sua carreira e a manifestação de uma grande infelicidade quanto à sua profissão.

A permanência em Belo Horizonte e na atuação direta da profissão tornaram-se inviáveis e a

paciente voltou para sua cidade, vindo a exercer um cargo burocrático junto à Prefeitura.

Na sua nova atuação profissional, não cessava de considerar os gestores e seus

chefes imediatos como pessoas sem inteligência e como legítimos burocratas de

plantão. Neste cenário, ela se via desperdiçada em suas qualidades.

um conjunto amplo de atuações com sérias repercussões para sua integridade física e saúde. Ao lado disso, havia também diversas exposições de caráter erótico que, em

alguma medida, tornavam melindroso o lugar desta paciente em meio às suas relações sociais e

profissionais.

Nos últimos anos, com o retorno para a sua cidade natal, esta paciente

começa a notar algo que até então não fazia parte de sua vida:

Um encontro bastante intenso com vários tipos de drogas associou-se ao

uso de álcool. Tornou-se cada vez mais frequente estes usos se darem em meio

a uma atmosfera boêmia: a paciente passava muitas noites seguidas em

bares, chegando em casa de dia.

Em alguns momentos, após diversas aventuras sexuais (tanto hetero quanto homoeróticas, algumas delas arriscadas), era tomada de forte culpabilidade. Era

sobretudo nestas ocasiões que a paciente punha-se a cortar seu corpo insistentemente com um estilete. Ao

lado disso, ela realizava um intenso uso de medicamentos vindo, mais de uma vez, a ser encontrada desacordada

após a associação fármaco-álcool.

Em mais de uma ocasião, seja na vida profissional ou na trajetória boêmia, esta

pessoa portava a indagação: ‘qual é o meu lugar?’, ‘o que sou para o Outro?’

O que, em termos de condução do tratamento, pode nos conduzir a indagar se as atuações - por mais problemáticas que possam ser - não possibilitam a

este sujeito um chamado:

reapropriar-se de sua condição desejante

Prosseguiremos com o tema:

07/05: Adolescência e transgressão: o supereu imperativo

Até lá!

Acesso a este conteúdo:www.alexandresimoes.com.br

ALEXANDRE SIMÕES

® Todos os direitos de autor reservados.

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