cos truÇÕes gerud ivas o portuguÊs europeu e brasileiro … · formando um predicado complexo ou...
Post on 14-Aug-2020
1 Views
Preview:
TRANSCRIPT
U�IVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS DEPARTAME�TO DE LI�GUÍSTICA GERAL E ROMÂ�ICA
CO�STRUÇÕES GERU�DIVAS �O PORTUGUÊS EUROPEU E BRASILEIRO
MARAÍSA MAGALHÃES ARSÉ�IO
DOUTORAME�TO EM LI�GUÍSTICA (Linguística Portuguesa)
2010
U�IVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS DEPARTAME�TO DE LI�GUÍSTICA GERAL E ROMÂ�ICA
CO�STRUÇÕES GERU�DIVAS �O PORTUGUÊS
EUROPEU E BRASILEIRO
Tese orientada por:
Maria Gabriela Ardisson Pereira de Matos (Professora Associada com Agregação, FLUL)
MARAÍSA MAGALHÃES ARSÉ�IO
DOUTORAME�TO EM LI�GUÍSTICA (Linguística Portuguesa)
2010
“Dedico este trabalho Dedico este trabalho Dedico este trabalho Dedico este trabalho aaaa Gabriela Matos, pela s Gabriela Matos, pela s Gabriela Matos, pela s Gabriela Matos, pela sábia orientaçbia orientaçbia orientaçbia orientação, o, o, o,
pelo apoio constante e pela amizadepelo apoio constante e pela amizadepelo apoio constante e pela amizadepelo apoio constante e pela amizade,,,, e à menina dos meus e à menina dos meus e à menina dos meus e à menina dos meus
olhos, Rafaela Arsénio, minha luz e esperança.”olhos, Rafaela Arsénio, minha luz e esperança.”olhos, Rafaela Arsénio, minha luz e esperança.”olhos, Rafaela Arsénio, minha luz e esperança.”
Esta tese foi realizada com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, através da bolsa SFRH/BD/21640/2005. Parte desta tese foi subsidiada pelo Projecto PTDC/LI�/66202/2006, intitulado Silent Constituents in the Grammar of Portuguese –Constituintes Silenciosos na Gramática do Português (SILC), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
A
Índice
Índice …………………………………………………………….... A Resumo ………………………………………………………………………. E
Abstract …………………………………………………………………….... F Capítulo 1
1. Introdução….…………………………..………….................................1 1.1 Quadro Teórico ………………………………………………… 2
1.1.1 A Teoria dos Princípios e Parâmetros …………….................. 2 1.1.2 Minimalismo …………………………………………………. 3
1.1.2.1 Arquitetura formal: principais características ................. 3 1.1.2.2 Traços e operações ………………………..………. ….. 4 1.1.2.3 Princípios gramaticais …………………...……...……... 5 1.1.2.4 O Léxico e a sua interpretação nos níveis de interface… 5 1.1.2.5 As Fases …………………………………….……......... 6
2 . Alargamento do conhecimento das gerundivas ……………...........6
3. As construções em estudo …………………………………….......... 7
4. As principais questões …………………………………………….... 9
5. Organização do trabalho ……………………………………..........11
Capítulo 2
2. A análise das construções de gerúndio nas gramáticas de referência do português, do italiano e do espanhol ………….........................… 13 2.1 Gramáticas do Português …………………………..………….13
2.1.1 Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984) ………...…..………15 2.1.2 Mateus et al. (1989, 2003) …………………….….……... 23
2.1.3 Bechara (1999) …………………………………….............29 2.2 As construções de gerúndio nas gramáticas descritivas do italiano
e do espanhol ………………………………………..................... 35 2.2.1 As orações adverbiais de gerúndio no italiano ……........... 36 2.2.2 Gerúndio adverbial e o gerúndio predicativo no espanhol ..41 2.2.3 Os gerúndios predicativos ……………………...………... 52
B
2.3 Observações finais ………………………………………….......... 56
Capítulo 3
3. Orações adverbiais gerundivas em português …………………....…61 3.1 Os valores das gerundivas adverbiais-As abordagens semântica
e pragmática ……………………………………………………61 3.1.1 Os valores das gerundivas em Ferrari (1997, 1999) …...…… 61 3.1.2 Os valores aspectuais das gerundivas temporais em Leal (2003)
…………………………………………….……...............…...66
3.1.3 Os valores semânticos das gerundivas adverbais em Móia e Viotti (2004) ……………………………..……………...........72
3.2. Abordagem sintáctica ………………………………………...… 83 3.2.1. As construções gerundivas em Lobo (2002, 2003, 2006) ....…83 3.2.2 A distribuição sintáctica das gerundivas adverbiais em Lobo...84 3.2.3 A natureza categorial das orações adverbiais gerundivas……. 92 3.2.4. Os sujeitos nas orações adverbiais gerundivas ………........... 97 3.2.5. A posição sintáctica e o valor discursivo das gerundivas
adverbiais …………………………………………........... 105 3.3 Posição Adoptada …………………………………….……..….. 106
3.3.1 Os valores das gerundivas adverbiais ……………………… 107
3.3.1.1. Os valores das gerundivas e o valor do morfema de gerúndio ……………………………………..…..…...107
3.3.1.2. Factores determinantes dos valores das gerundivas e seus valores centrais ……………………………............... 109
3.3.2. A distribuição das gerundivas adverbiais …………..……… 119 3.3.2.1. O valor das gerundivas e a sua posição na oração matriz
…………………………………………..................... 119
3.3.2.2. Casos de manutenção do valor das gerundivas em posição periférica e não-periférica ……………...................... 123
3.3.2.3.O valor central das gerundivas de predicado …………. 124
3.3.3 A estrutura das gerundivas adverbiais ……………………... 126 3.3.4. Gerundivas com sujeitos omitidos e realizados no português
europeu e brasileiro ….........................................................133 3.3.4.1. Gerundivas adverbiais com sujeitos realizados ……….134 3.3.4.2. Gerundivas adverbiais com sujeitos nulos …………… 142
3.4 CO�CLUSÃO AO CAPÍTULO …………………….………….148
C
Capítulo 4
4. As construções gerundivas predicativas no domínio frásico em português ……………………………………………………………..153 4.1 As gerundivas predicativas na literatura ……………………155
4.1.2 Os diferentes tipos de construções gerundivas predicativas ………………………………………………………………155
4.1.3 As propriedades gerais das gerundivas predicativas face às adverbiais …………………………………………….......... 160
4.2 As construções gerundivas de complemento predicativo ……. 169 4.3 Gerundivas predicativas adjunto ………………………............ 174
4.3.1 Gerundivas predicativas adjunto: valores semânticos e comportamento sintáctico …………………………………..175
4.3.1.1 Valores semânticos ……………………………………175 4.3.1.2 Comportamento Sintáctico ……………………………. 179
4.3.2 Estrutura das gerundivas predicativas adjuntas: oração pequena ou predicação secundária? ………………................……….187
4.3.3 As gerundivas descritivas: autonomia da oração pequena ou formação de predicado complexos........................................ 191
4.3.3.1. Nível de inserção das gerundivas descritivas no predicado da oração matriz ………………………........................ 193
4.3.3.2. Dependência das gerundivas predicativas descritivas face ao predicado matriz e sua posição no sintagma verbal . 198
4.3.3.3. Natureza categorial das Gerundivas descritivas predicativas …………………………………………. 205
4.4 Construções Gerundivas Resultativas …………...…………......211 4.4.1 A integração das Gerundivas de Resultado na frase principal
………………………………………………………………215 4.4.2 Estrutura interna das gerundivas de resultado face às
predicativas descritivas ……………………………………. 219 4.4.3 Os sujeitos Nulos nas gerundivas resultativas de evento
complexo ……………………………………………….………225 4.6 Conclusão ao Capítulo …………………………………………. 229
Capítulo 5
5. Conclusão …………………………………………………………... 233
D
Bibliografia …………………………………...........…………………………..239
E
RESUMO
Esta tese de Doutoramento, intitulada Construções com o Gerúndio no Português
Europeu e Brasileiro, tem por objectivo analisar as gerundivas adverbiais e as predicativas.
Relativamente às gerundivas adverbiais, procurarei: (i) afinar a proposta de Lobo
(2003) quanto à natureza categorial das gerundivas adverbiais, nomeadamente mostrando que
há gerundivas adverbiais não periféricas CPs que se adjungem a posições baixas como vP;
(ii) demonstrar que há dois valores inerentes às gerundivas adverbiais, tempo e modo, aos
quais outros sentidos se podem sobrepor: causa, condição, concessão, finalidade,
instrumento; (iii) dar conta da ordem dos sujeitos realizados nas gerundivas absolutas
periféricas, relacionando-a com o parâmetro de sujeito nulo no português europeu (PE) e a
sua perda progressiva em brasileiro (PB): Aux/V-S para as línguas pro-drop (PE) e S-V para
as não pro-drop (PB); (iv) caracterizar os sujeitos nulos das gerundivas no PB, tendo em
conta a sua natureza tendencialmente não pro-drop.
Quanto às gerundivas predicativas, procurarei: (i) demonstrar que há três tipos de
gerundivas predicativas: orações complemento, descritivas e resultativas; (ii) diferenciar as
predicativas descritivas das adverbiais de modo sintáctica e semanticamente; (iii) apresentar
diferenças e semelhanças entre predicativas descritivas e resultativas, demonstrando que as
primeiras são projecções deficitárias, AspP, e as segundas são TP que indicam o resultado do
evento da matriz (são resultativas de evento complexo), mas que, no que tange à sua
distribuição, ambas estão adjungidas ao VP matriz e mantêm uma relação estreita com o V,
formando um predicado complexo ou um evento complexo.
Penso ter demonstrado a adequação da Teoria de Princípios e Parâmetros para dar
conta das gerundivas adverbiais e predicativas: estas orações diferem sintáctica e
semanticamente devido à sua estrutura funcional (CP/TP, as adverbiais; AspP/TP, as
predicativas) e à categoria funcional a que se adjungem (a CP/TP/vP, as adverbiais; a VP as
predicativas descritivas e resultativas).
Palavras-chave: gerundivas adverbiais, gerundivas predicativas, predicados complexos,
eventos complexos, fases.
F
ABSTRACT This PhD thesis, entitled Gerund Constructions in European and Brazilian
Portuguese, aims to analyze adverbial and predicative gerund clauses.
Concerning adverbial gerunds: (i) I will refine the proposals of Lobo (2003) on the
categorial nature of gerund adverbials, namely by showing that non-peripheral adverbial
gerund clauses may be CPs that adjoin to vP; (ii) I will demonstrate that gerund adverbial
clauses present two inherent values, time and manner, with which other values may overlap:
cause, condition, concession, purpose, instrument; (iii) I will correlate the different order of
lexically realized subjects in absolute gerund clauses with the null subject parameter in
European Portuguese (EP) and its progressive loss in Brazilian (BP): Aux/V-S in pro-drop
languages (PE) and S-V in non-pro-drop languages (BP); (iv) I will also try to account for the
occurrence of null subjects in BP gerund adverbial clauses, taking into account its tendential
behavior as a non-pro drop language.
As for predicative gerund: (i) I will demonstrate that there are three types of clauses:
complement, depictive and resultatives gerunds; (ii) I will present syntactic and semantic
properties that differentiate depictive from manner gerunds; (iii) comparing depictive and
resultative gerunds, I will show that the former are defective projections, AspP, and the latter
are TPs that indicate the result of the matrix event; however, with regard to their distribution,
both types are adjoined to VP and establish a close relationship with the matrix V, forming a
complex predicate or a complex event.
Principles and Parameters Theory adequately accounts for gerund adverbial and
predicative clauses. They differ syntactically and semantically by their functional structure
(adverbial clauses are CP / TP; predicate clauses are AspP / TP) and the functional category
to which they adjoin (adverbial gerund clauses adjoin to CP / TP / vP, depictive and
resultative gerunds to VP).
Keywords: gerundive adverbials, gerundive predicate, complex predicates, complex events, phases.
1
CAPÍTULO 1
1. Introdução
As orações tradicionalmente denominadas reduzidas subdividem-se em gerundivas,
participiais e infinitivas. São orações não-finitas, de diferentes matizes semânticos
(temporais, modais, causais, entre outros). Estruturalmente parecem ter propriedades
estruturais distintas das orações subordinadas finitas, sendo tradicional a distinção entre
orações plenas vs. orações deficitárias.
A partir do objetivo mais amplo de confrontrar os diferentes tipos de orações não
finitas, o presente trabalho recorta, como objeto de estudo, as orações Gerundivas.
Assim, o tópico central desta tese de Doutoramento são as Construções de Gerúndio
no Português Europeu e no Português Brasileiro. Não obstante, dada a produtividade do uso
do gerúndio nas variantes do Português Europeu (PE) e do Português Brasileiro (PB), bem
como sua manifestação em diferentes contextos (Gerundivas adnominas, adverbiais,
independentes, coordenadas, predicativas, dentre outras), restringi o meu estudo às
construções Gerundivas adverbiais e predicativas.
O meu objectivo central foi o estudo das construções gerundivas adverbiais que
ocorrem na margem esquerda e direita da oração matriz com pausas e das gerundivas da
margem direita sem pausas. Considerando as últimas, procurei distinguir as gerundivas com
valor adverbial das gerundivas predicativas, e nestas, as gerundivas descritivas das
gerundivas resultativas. Centrei-me na sua estrutura interna, bem como na sua distribuição
na oração, observando a integração dessas gerundivas no predicado matriz.
2
1. 1 Quadro teórico
A presente tese de doutoramento, subordinada ao tema Construções Gerundivas no
Português Europeu (PE) e Brasileiro (PB), enquadra-se fundamentalmente na Teoria de
Princípios e Parâmetros.
1.1.1 A Teoria dos Princípios e Parâmetros
A Teoria dos Princípios e Parâmetros, iniciada em 1981 (Chomsky 1981), abarca dois
modelos gramaticais diferentes que partilham alguns aspectos comuns: a Teoria da Regência
e da Ligação, desenvolvida durante a década de oitenta do século XX e o Programa
Minimalista, que surge em inícios dos anos noventa do mesmo século.
No âmbito do Programa Minimalista, tem havido uma evolução, desde o seu advento,
tanto nos princípios considerados como nas operações envolvidas pelo sistema gramatical.
Constituem marcos de evolução relativamente à sua formulação inicial em Chomsky 1993, as
seguintes obras: Chomsky 1995, 2001a, 2001b, 2004, 2008.
Este trabalho tem como quadro de referência os estudos sobre fases desenvolvidos
desde Chomsky (2001b). No entanto, também ideias expostas em Chomsky (1981-1983), no
início da Teoria dos Princípios e Parâmetros no Quadro da Regência e da Ligação, serão
utilizadas na presente tese.
Como os conceitos vão sendo descritos à medida em que os dados os exigem, destaco
apenas as principais ideias do Programa Minimalista. Do mesmo modo, os trabalhos de
outros linguistas que se debruçaram sobre esta Teoria só serão mencionados quando for
necessário.
3
1.1.2 Minimalismo
A versão mais recente do gerativismo clássico - o Programa Minimalista (Chomsky,
1993-2008) - tem como principal objetivo construir uma teoria da gramática fundada sobre
conceitos naturais exclusivamente, baseando-se em uma visão de economia. A aquisição da
linguagem mantém-se como uma das preocupações teóricas centrais e questões relativas ao
uso são reconsideradas.
1.1.2.1. Arquitetura formal: principais características
Assume-se a noção de Faculdade da Linguagem, entendida como uma componente
específica da mente/cérebro humano, cujo estado inicial é determinado biologicamente e cujo
estado final estável constitui a gramática de uma língua específica, ou língua-interna
(Língua-I).
A geração de estruturas da língua é resultado da actuação de um sistema
computacional, que se encontra encaixado nos sistemas de performance.
Hauser, Chomsky & Fitch (2002) referem-se ao sistema computacional em si como
Faculdade de Linguagem em sentido restrito (FLN - Faculty of Language in the Narrow
sense) e ao conjunto desse e dos sistemas cognitivos com os quais FL/ faz interface como a
Faculdade de Linguagem em sentido lato (FLB -Faculty of Language in the Broad sense).
Os autores assumem dois níveis de representação para cada frase da língua,
responsáveis pelo emparelhamento entre som/forma e sentido: os níveis de representação
Forma Fonética (PF - do inglês Phonetic Form) e Forma Lógica (LF - do inglês Logical
Form), conceptualmente motivados por fazerem interface com os sistemas de performance:
sistema sensório-motor (interface fonético-fonológica) e os sistemas conceituais-intencionais
(interface semântica).
4
1.1.2.2 Traços e operações
Na visão minimalista, não há regras específicas a serem adquiridas. O léxico
comporta toda a informação paramétrica peculiar a uma dada língua e o sistema
computacional é sensível a esse tipo de informação. Essa codificação paramétrica é
possibilitada pela concepção de que os itens lexicais constituem conjuntos de traços que
apresentam tanto propriedades fonéticas e semânticas, como também propriedades
gramaticais, representadas por traços formais do tipo: gênero, número, pessoa, Caso, QU, etc.
O sistema computacional é composto por uma série de operações - Select, Merge,
Agree - que actuam sobre uma Numeração, i.e., um conjunto de itens lexicais seleccionados.
Mais especificamente, o sistema computacional actua sobre os traços formais/gramaticais dos
itens lexicais, a fim de que, em um determinado momento da derivação sintática (Spell-Out),
em que só restem traços fonológicos, semânticos ou
formais passíveis de interpretação pelos sistemas de pensamento, se envie a cada uma das
interfaces linguísticas a informação relevante para os sistemas de performance.
A selecção de itens lexicais e de seus respectivos traços para a formação da
Numeração determina, portanto, a actuação das operações do sistema computacional. A
combinação de elementos se faz pela actuação da operação Merge. A imposição de
interpretabilidade dos traços, advinda dos sistemas de interface, impõe ao sistema
computacional o accionar da operação Agree. Traços interpretáveis e não interpretáveis de
mesmo tipo podem ser associados a categorias que serão relacionadas no decorrer da
derivação sintáctica por meio dessa operação. A operação Move passa a ser entendida como
Merge+Agree. Cópias do elemento deslocado são geradas, que não serão pronunciadas no
output fonético, embora possam ser relevantes para questões de interpretação, na componente
semântica.
5
A derivação procede por subarranjos de itens lexicais disponibilizados na Numeração.
Desde 2001, admite-se que a derivação dos objectos sintácticos se processa por Fases.
1.1.2.3 Princípios gramaticais
No Minimalismo, identificam-se duas categorias de princípios: princípios
relacionados ao mecanismo de derivação sintáctica, os chamados Princípios de Economia e
as Condições de Localidade, e aqueles relativos aos níveis de representação que fazem
interface com os sistemas de performance - o Princípio de Interpretabilidade Plena e a
Condição de Inclusividade.
Em suma, no Minimalismo, tem-se uma caracterização da Faculdade da Linguagem
mais restrita com princípios de carácter mais geral, e parâmetros, definidos sobre
propriedades do léxico.
1.1.2.4 O Léxico e a sua interpretação nos níveis de interface
O léxico possui os traços, ou seja, as propriedades que precisam ser interpretadas na
interface. De maneira que se alguém diz "livro" o léxico contém estes traços que no nível da
interface semântica e fonológica serão compreendidos. E a interface compreenderá não
somente estes traços, mas também o modo como estão organizados. Então uma frase é uma
organização complexa. Assim, por exemplo, na interface semântica ela deverá ser
interpretada, não somente relativamente aos traços que a constituem mas também quanto ao
modo como estão organizados e as conexões que estabelecem.
6
1.1.2.5 As Fases
Chomsky propõe que derivações processam por Fases. Uma fase é um objecto
sintáctico cujas partes (mais especificamente, o complemento de seu núcleo) pode ser
inspeccionado para convergência. As estruturas sintácticas são construídas, cada fase a seu
tempo. No fim de cada fase, uma parte da estrutura sintáctica já formada transfere-se para as
componentes fonológicas e semânticas, deixando de ser acessível a futuras operações
sintácticas a partir desse ponto.
As estruturas sintácticas são construídas fase a fase. Chomsky sugere que as fases são
proposicionais por natureza, e incluem CP e vP transitivo (mais especificamente vP com
argumento externo, que ele denomina v*P). Seu raciocínio para considerar CP e v*P como
fases é que CP representa oração completa complexa (incluindo a especificação da força
ilocutória) e v*P apresenta uma estrutura temática completa (estrutura argumental) complexa
(incluindo um argumento externo).
2. Alargamento do conhecimento das gerundivas
A partir de estudos prévios, foi dada especial atenção aos trabalhos mais importantes
sobre as Orações Gerundivas no português, no espanhol, no italiano e no inglês.
Fizemos um capítulo de revisão bibliográfica das Gramáticas de referência sobre o
Gerúndio em Português, analisando especialmente Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984),
Bechara ( 1999) e Mateus et al (2003) para o português, Lonzi (1991) para o italiano e
Lagunilla (1999) para o espanhol.
Também buscamos embasamentos em artigos e teses que tratassem do assunto no
âmbito semântico como em Ferrari (1997, 1999), Leal (2003), Móia e Viotti (2004). Já no
âmbito sintáctico-semântico amparamo-nos em Lobo (2003) para o português europeu
7
(essencialmente), em Mioto & Kato (2006), Barbosa et al. (2005) e Neto & Foltran (2001),
para o português brasileiro.
3. As construções em estudo
As Construções de Gerúndio que estarão sob o escopo do nosso estudo serão:
(i) o gerúndio adverbial na periferia esquerda da oração subordinante (isto é,
anterior à oração matriz), que também pode ocupar posição posterior à
matriz. Em ambos os casos necessita de pausas que os separem da oração
matriz (vírgulas, na escrita);
(ii) o gerúndio adverbial na margem direita, sem pausas, com relação à oração
matriz, que está integrado no predicado da subordinante;
(iii) o gerúndio predicativo sem pausas, que ocorre na margem direita da
oração matriz e que têm uma relação mais próxima com o núcleo verbal
da subordinante.
Os seguintes exemplos ilustram cada um destes casos.
Ilustração de (i): Gerúndio periférico
(1) a. Sendo um bom atleta, ele ganhou a medalha de ouro.
b. Ele ganhou a medalha de ouro, sendo um bom atleta.
(2) a. Comprando uma casa nova, vamos ter um filho.
b. Vamos ter um filho, comprando uma casa nova.
(3) a. Adiantando a viagem durante o dia, o João pode parar para descansar.
b. O João pode parar para descansar, adiantando a viagem durante o dia.
(4) a. Mesmo estando doente, o João foi à faculdade.
b. O João foi à faculdade, mesmo estando doente.
8
Ilustração de (ii): Gerúndio adverbial integrado no predicado
(5) O Pedro escreveu a tese esforçando-se muito.
(6) A Ana digitou o trabalho utilizando um computador portátil.
(7) O João vendeu as acções prevendo a baixa da bolsa.
(8) Os atletas ganhariam a corrida treinando mais.
As construções gerundivas na margem direita da oração sem pausas têm
comportamentos sintático-semânticos distintos das orações gerundivas da periferia esquerda
da oração, assunto bastante explorado na literatura (cf. Lonzi (1991 para o italiano e Lobo,
2003 para o português europeu). Essa diferença constituirá um dos tópicos do capítulo 3.
Quanto à gerundiva em (7), é um caso que não foi observado no português: a sua posição na
oração matriz (integrada no predicado) não interfere no seu estatuto oracional pleno.
Ilustração de (iii): Gerúndio predicativo
Ainda na posição da margem direita sem pausas, o gerúndio pode ocorrer em contextos
que têm uma relação mais estreita com o verbo da oração subordinante ou com o conteúdo
proposicional do sintagma verbal (vP) da matriz.
(9) Maria saiu cantando.
(10) Ele recordou a Maria sambando.
(11) O Zé viu o filho fumando.
(12) O navio afundou matando os tripulantes.
9
Vale destacar que nas construções em (9-10) se estabelece uma relação mais estreita entre
o verbo nuclear e o verbo subordinante, comparativamente com o que acontece nas adverbiais
de modo em (5-7). As construções em (11) são estudadas a parte, por se tratarem de construções
predicativas complemento, diferentemente das demais que ocorrem em configurações de
adjunção. Já a construção em (12) é uma gerundiva de resultado que mantem uma relação
directa com o evento da matriz. Estas construções serão abordadas no capítulo 4.
O objectivo fundamental deste trabalho é fazer uma análise sintáctica destas
construções a partir do Quadro da Teoria de Princípios e Parâmetros. Considerando a
interface com a semântica lexical, procuraremos abordar aspectos relacionados com:
(i) as escolhas dos itens lexicais que entram na Numeração;
(ii) o conteúdo proposiconal da matriz e suas implicações no evento/estado da
subordinante;
(iii) os valores semânticos das gerundivas e sua adjunção a categorias
funcionais como CP, TP, vP e/ou lexicais como VP.
4. As principais questões
As construções em estudo suscitam vários problemas. Destacarei os principais.
No que diz respeito à distinção entre gerundivas adverbiais em geral, as seguintes
questões são centrais:
(i) Os valores semânticos das gerundivas mudam em função de sua distribuição na
frase?
(ii) A divisão entre periféricas e não periféricas para as gerundivas adverbiais é
suficiente?
10
(iii) Nas gerundivas adverbiais, o sujeito nulo ou realizado ocupa a mesma posição nas
duas variantes: português europeu e brasileiro?
Quanto às gerundivas adverbiais integradas no predicado da subordinante, alguns
aspectos precisam de ser esclarecidos:
(iv) Dentro das não periféricas, i.e., das gerundivas adverbiais integradas no predicado
da matriz, só existem construções gerundivas deficitárias?
(v) O estatuto oracional pleno ou deficitário das gerundivas adverbiais é o que define
sua adjunção a posições altas ou baixas?
(vi) Em termos de fases, todas as gerundivas adverbiais são fases CPs?
No que tange às gerundivas predicativas descritivas, colocam-se os seguintes
problemas:
(vii) Qual a diferença entre adverbais não periféricas e gerundivas predicativas, já que
ambas ocupam a mesma posição, i.e., a periferia direita integrada na oração
matriz?
(viii) É possível diferenciar as gerundivas predicativas das adverbiais de modo?
(ix) Por que as gerundivas predicativas não admitem deslocação? Estarão elas mais
integradas ao predicado da matriz do que as gerundivas adverbiais igualmente
integradas?
(x) Há possibilidade de as gerundivas predicativas não estarem adjungidas a vP mas a
VP? Isso acarretaria a formação de predicados complexos?
11
No que respeita às gerundivas resultativas, as seguintes questões se colocam:
(xi) As gerundivas predicativas, se comparadas com as de resultado, são mais
defectivas. De que decorre tal defectividade?
(xii) Por que as gerundivas de resultado são aparentemente orações temporalizadas
mas com tantas restrições sintácticas em termos de posição, uma vez que parecem
ter uma posição fixa na sentença?
(xiii) As gerundivas de resultado são construções que representam mais restrições em
termos de sujeitos nulos. Por que razão?
Estes são os principais problemas levantados pelos dados a estudar nesta tese. Serão
abordados nos capítulos 3 e 4 desta tese.
5. Organização do trabalho
A presente tese está organizada da seguinte forma: no capítulo 2, faço uma revisão
bibliográfica das construções de Gerúndio nas gramáticas de referência do Português,
consultando: Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984), Bechara ( 1999) e Mateus et al (2003),
para o português; Lonzi (1991), para o italiano; Lagunilla (1999), para o espanhol. Menciono
aspectos semelhantes e diferentes nas abordagens dos autores e comparo os exemplos do
italiano e do espanhol com os do português.
No capítulo 3, revisito os trabalhos sobre as gerundivas em português de Ferrari
(1997, 1999), Leal (2003), Móia e Viotti (2004) e Lobo (2003). A seguir, apresento a minha
proposta de afinamento de alguns aspectos do tratamento das orações gerundivas adverbiais
no português.
No capítulo 4, faço uma estudo sobre as gerundivas predicativas descritivas e as de
resultado. Com base nas ideias de Neto e Foltran (2001), Móia e Viotti (2004), Lobo (2002,
2003, 2006), para o português, e Fernandez Lagunilla (1999), para o espanhol, traço uma
12
análise mais detalhada sobre estas construções, já que estes autores não trabalharam de forma
exaustiva o tema. Para as construções gerundivas resultativas, amparo-me em Levin e
Rappaport (1999) e em Leite (2006). No que se refere às predicativas descritivas, neste
estudo, comparo as gerundivas predicativas descritivas com as adverbiais de modo, por
considerar que a divisão entre elas é muito ténue. Não obstante, a partir de alguns testes
sintácticos demonstro que há uma divisão clara entre estas estruturas. A comparação entre as
gerundivas predicativas e as resultativas também é feita, sendo demonstrado que as primeiras
são mais deficitárias se comparadas às segundas. As gerundivas resultativas – tratadas de
Resultativas de Evento Complexo – também são comparadas com as adverbiais. Não
obstante, demonstram não pertencer a este grupo – contrariamente ao que defende a literatura
– por não responderem bem aos testes aplicados às orações adverbais.
No capítulo 5, apresento as Conclusões.
13
Capítulo 2
2. A análise das construções de gerúndio nas gramáticas de referência do português, do italiano e do espanhol
Neste capítulo farei uma revisão bibliográfica das construções gerundivas em algumas
gramáticas de referência do Português, do Italiano e do Espanhol: Cunha (1972), Cunha e
Cintra (1984), Bechara (1999), Mateus at al (1989, 2003), para o Português; Lonzi (1991),
para o Italiano; Fernandez Lagunilla (1999), para o Espanhol.
2.1 Gramáticas do Português
As construções de gerúndio podem ocorrer em vários contextos, de entre eles, nas
orações denominadas de reduzidas na tradição gramatical e em sequências, ou perífrases,
verbais. Nas gramáticas do Português estes dois aspectos são destacados, tanto nas gramáticas
normativas como nas descritivas.
No que diz respeito às orações de gerúndio, nos compêndios tradicionais verifica-se
uma proposta de equivalência entre as construções não-finitas e as finitas. As estruturas não-
finitas são apresentadas como orações reduzidas, ou seja, formas “simplificadas” em relação às
substantivas, relativas e adverbiais plenas, como pode ser observado no trecho abaixo, retirado
de Cunha (1972, pp.566-67):
As orações subordinadas reduzidas, assim como as desenvolvidas, podem ser
substantivas, adjetivas e adverbiais.
14
/este período:
(1)“Convinha / perguntar.” (C.C. Branco, OS, II, 51)
a oração subordinada reduzida de infinitivo – perguntar – tem valor substantivo.
Exerce a função de sujeito da oração convinha e corresponde à oração
desenvolvida que perguntasse.
/este período:
(2) “As paredes circumpostas eram ladrilhadas de tijolo azul e apainelado,
/ figurando passagens mitológicas e campestres.”
(C.C.Branco, OS, I, 196)
a oração subordinada reduzida de gerúndio – figurando passagens mitológicas
e campestres – tem valor de adjetivo. Funciona como adjunto adnominal de um
termo da oração principal e equivale à desenvolvida – que figuravam passagens
mitológicas e campestres.
/este período:
(3) “Não direi somente que, / passados alguns dias do ajuste com o
agregado, / fui ver a minha amiga: eram dez horas da manhã.
(Machado de Assis, OC,1, 762.)
a oração subordinada reduzida de particípio – passados alguns dias do ajuste
com o agregado – tem valor de advérbio. Desempenha função de adjunto
adverbial da segunda oração ( que fui ver a minha amiga) e pode ser equiparada
à desenvolvida – depois que passaram alguns dias do ajuste com o agregado.
De facto, tais construções podem ser consideradas equivalentes, pois podem ser
parafraseadas pelas desenvolvidas. No entanto, tal equivalência não é tão linear como parece.
Podem ter valor semântico semelhante em termos de valor da oração e condição de verdade,
15
mas, na estrutura sintáctica são diferentes. Assim, as orações reduzidas merecem um estudo à
parte, já que sintacticamente são parcialmente diferentes.
2.1.1 Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984)
(i) As orações de gerúndio: função e valores
Cunha (1972) e Cunha e Cintra (1984) indicam que as orações reduzidas de Gerúndio
podem ser adjetivas ou adverbiais. Cunha e Cintra (1984: 610) apontam os seguintes
exemplos para as orações adjetivas:
(4) Virou-se e viu a mulher dando com a mão fazendo sinal para que ele
voltasse. (Luís Jardim, BA, I 8)
(5) Perdeu o desfile da milícia triunfante, marchando a quatro de fundo.
(José Saramago, MC, 348)
(6) Viu um grupo de homens conversando. (Pepetela, NA, 42)
Os autores fazem a seguinte observação:
“O emprego do Gerúndio com valor de Oração Adjetiva tem sido considerado por
certos gramáticos um galicismo intolerável. Cumpre, no entanto, acentuar que é antiga
no idioma a construção quando o Gerúndio expressa a idéia de atividade actual e
passageira.”
Apresentam o seguinte exemplo de D. Dinis, trovador que poetou em fins de século
XIII e princípios do século XIV:
16
(7) Ela tragia na mão
Um papai mui fremoso,
Cantando [=que cantava] mui saboroso...
(CBN 534 – CV 137)
Os autores afirmam que a oração adjectiva de Gerúndio é uma construção antiga em
Português e que vigorou na variante do Português europeu até ao século XVIII, mantendo-se
ainda no Português do Brasil.
Cunha e Cintra distinguem um outro tipo de gerúndio adjectivo “que designa um modo
de ser ou uma actividade permanente do substantivo a que se refere” (Cunha (1991:610)).
Acrescentam, no entanto, que esta construção é um decalque do Francês.
Distinto deste é o emprego, cada vez mais frequente nos dias que correm, do Gerúndio
como representante de uma oração adjetiva que designa um modo de ser ou uma
actividade permanente do substantivo a que se refere:
(8) Meu coração é um pórtico partido/
Dando excessivamente sobre o mar. /
(Fernando Pessoa, OP, 54)
(9) De onde estava via as torres da igreja metodista, / erguendo-se acima da
massa de arvoredo dum jardim../
(Érico Veríssimo, LS, 133)
Quanto às gerundivas adverbiais, os autores apontam, como função principal, a de
oração subordinada temporal (porque têm principalmente significado temporal), mas
consideram que podem ter outros valores, como o de causa, concessão ou condição. São
17
avançados os seguintes exemplos, em que a gerundiva tem, respectivamente, valor temporal
(10), causal (11), concessivo (12) e condicional (13) (Cunha e Cintra 1984: 611).
(10) Passando hoje pela porta do meu compadre José Amaro, ele me convidou
para tomar conta da sua causa.
(11) Pressentindo que as suas intenções haviam sido adivinhadas, Macedo tentou
minorar a situação.
(12) Aqui mesmo, ainda não sendo padre, se quiser florear com outros rapazes,
e não souber, há-de queixar-se de você, Mana Glória.
(13) Pensando bem, tudo aquilo era muito estranho.
Os autores consideram que há duas formas de gerúndio: simples e composta. “A forma
composta é de carácter perfeito e indica uma acção concluída anteriormente à que exprime o
verbo da oração principal” (Cunha e Cintra 1984: 490).
(14) Não tendo conseguido dormir, fui escaldar um chá na cozinha e dei de cara
com a Rosa e a Idalina. (O. Lara Resende, BD, 112)
A forma do gerúndio simples, que expressa uma ação em curso (aspecto inacabado),
pode indicar uma acção imediatamente anterior ou posterior à oração principal ou estabelecer
uma relação de simultaneidade. Os autores admitem que esta relação entre o Gerúndio
Simples e a oração principal depende da posição na frase (Cunha e Cintra 1984:491).
Assim, se o Gerúndio estiver colocado no início do período exprime:
1) Uma acção realizada imediatamente antes da indicada na oração principal:
(15) Proferindo estas palavras, o gardingo atravessou rapidamente a caverna e
desapareceu nas trevas exteriores. (A. Herculano, E, 180).
(16) Ganhando a praça, o engenheiro suspirou livre. (A. M. Machado, HR, 41.)
18
2) ou uma acção que teve começo antes ou no momento da indicada na oração principal
e que ainda continua:
(17) Estalando de dor de cabeça, insone, tenho o coração vazio e amargo.
( Otto Lara Resende, BD, 51)
(18) Estremecendo, vejo um casal de sessenta anos.
(Augusto Abelaira, QPN, 131)
Se o Gerúndio for colocado ao lado do verbo principal, expressa de regra uma acção
simultânea, correspondente a um adjunto adverbial de modo:
(19) Maciel ouvia sorrindo. (Machado de Assis, OC, II, 506)
(20) Chorou soluçando sobre a cabeça do cão. (Castro Soromenho, TM, 203)
(21) Arrastou-se penosamente, gatinhando na areia. (Carlos de Oliveira, AC, 91)
Se o gerúndio vier posposto à oração principal indica uma acção posterior e equivale
semanticamente, na maioria das vezes, a uma oração coordenada finita iniciada pela
conjunção e:
(22) As trajetórias recomeçaram, processando-se a um ritmo regular. (F.
Botelho, X, 158).
(22´) As trajetórias recomeçam e processavam-se a um ritimo regular.
(23) No regresso para os musseques elas cantavam-na bem perto da casa,
deturpando intencionalmente a letra da canção. (A. Santos, KOP, 53)
(23´) No regresso para os musseques elas cantavam-na bem perto da casa e
deturpavam intencionalmente a letra da canção.
(24) No quintal as folhas fugiam com o vento, dançando no ar em revira-voltas
de brinquedo. (L. Jardim, MP, 47).
19
(24´) No quintal as folhas fugiam com o vento e dançavam no ar em revira-voltas
de brinquedo.
Cunha e Cintra afirmam que quando se encontra precedido da preposição em, o
Gerúndio Simples “marca enfaticamente a anterioridade imediata da acção com referência à
do verbo principal”:
(25) Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
(Almeida Garrett, O, II, 123)
(26) Em se lhe dando corda, ressurgia nele o tagarela da cidade. (Monteiro
Lobato, U, 127)
O Gerúndio pode também ocorrer, segundo estes autores, em construções afectivas: O
aspecto inacabado do Gerúndio permite-lhe exprimir a ideia de progressão indefinida, mais
acentuada se a forma vier repetida, como nestes passos:
(27) Viajando, viajando, esquecia-se o mal e o bem.
(Adonias Filho, LBB, 101)
(28) Andando, andando, escureceu-nos.
(Aquilino Ribeiro, M, 137)
Na linguagem popular o Gerúndio substitui por vezes a forma Imperativa:
(29) Andando! [=Vá andando!Ande!]
20
(ii) As locuções verbais de gerúndio
O Gerúndio também pode aparecer em Locução Verbal. Assim, combina-se com os
auxiliares estar, andar, ir e vir, para marcar diferentes aspectos da execução do processo
verbal.
1. Estar seguido de Gerúndio indica uma acção durativa num momento preciso:
(30) Estavam todos dormindo,
Estavam todos deitados,
Dormindo,
Profundamente.
Manuel Bandeira, PP, I, 211)
2. Andar seguido de Gerúndio indica uma acção durativa em que predomina a ideia de
intensidade ou de movimento reiterado:
(31) João Fanhoso andava amanhecendo sem entusiasmo, sem coragem para
enfrentar os problemas que enchiam aqueles dias compridos.
(Mário Palmério, VC, 97)
(32) Andei buscando esse dia
pelos humildes caminhos…
(Cecília Meireles, OP, 277)
(33) A população andava agora vivendo dias grandes de chuva, ainda meio
arrelampada com aquela prodigalidade da natureza.
(Manuel Ferreira, HB, 146)
3. Ir seguido de Gerúndio expressa uma acção durativa que se realiza
progressivamente ou por etapas sucessivas:
21
(34) Chamas novas e belas vão raiando,
Vão-se acendendo os límpidos altares
E as almas vão sorrindo e vão orando…
(Cruz e Sousa, OC, 218)
(35) Vagaroso, o tempo foi passando.
(Miguel Torga, NCM, 21)
(36) A terra ia crescendo e a mata fechando-se cada vez mais.
(Ferreira de Castro, OC, I, 125)
4. Vir seguido de Gerúndio expressa uma acção durativa que se desenvolve
gradualmente em direcção à época ou ao lugar em que nos encontramos:
(37) Vinha amanhecendo, ainda havia um resto de escuridão, era difícil enxergar
as coisas afastadas.
(Graciliano Ramos, AOH, 109)
(38) Teresa veio arrastando uns chinelões de couro e resmungando.
(Afonso Arinos, OC, 507)
(39) A noite vem chegando de mansinho. (Fernando Namora, RT, 86).
Em suma: Cunha (1972) e Cunha e Cintra (1984) apresentam uma análise bastante
exaustiva das construções de gerúndio, comparativamente àquelas que encontramos na
literatura actual. Estes gramáticos mencionaram, a maioria dos contextos em que o gerúndio
pode ocorrer, a saber:
22
(i) Orações adverbiais
Nestas podem ocorrer com gerúndio simples ou composto; podem estar atreladas aos
valores de tempo, causa, concessão e condição.
Admitem que as gerundivas adverbiais estão associadas a valores temporais e indicar
posterioridade, anterioridade ou simultaneidade, consoante à posição na frase. Correlacionam
esses valores com a forma verbal da oração. Assim, o gerúndio composto indica um valor de
anterioridade com relação ao conteúdo da matriz; o gerúndio simples indica anterioridade se
estiver antes do predicado da subordinante, mas, se ocorrer após a oração matriz, pode
indicar posterioridade (sendo parafraseável por uma oração coordenada finita neste caso) ou
simultaneidade.
Os autores também fazem alusão às orações adverbiais com o conector em. Fazem
notar que as gerundivas podem vir acompanhadas do conector em, quando se trata de uma
acção anterior à da matriz.
Quando ocorre junto ao verbo principal, os autores admitem que não se trata de uma
oração adverbial mas de um adjunto adverbial de modo.
(ii) Orações gerundivas em locução verbal:
Neste ponto, os autores avançam muito na caracterização dos verbos que ocorrem com
o gerúndio: à excepção do verbo “estar”, os demais verbos comuns nas construções
gerundivas com perífrases verbais indicam movimento.
(iii) Orações gerundivas adnominais:
Os autores ainda se referem às gerundivas adnominais, que designam por gerundivas
adjectivas.
23
(40) Virou-se e viu a mulher dando com a mão fazendo sinal para que ele
voltasse. (Luís Jardim, BA, I 8)
Assim, a análise dos autores apresenta pistas importantes para desenvolver nos
capítulos que seguem.
2.1.2 Mateus et al. (1989, 2003)
Brito, em Mateus et al (1989) e em Mateus et al (2003), considera que o Gerúndio,
como o Infinitivo e o Particípio Passado, é uma “forma morfologicamente ligada ao verbo
mas com funções nominais, adjectivais ou adverbiais que, sintacticamente, ocorre em regra
em orações dependentes de uma oração finita” (Mateus 1989: 84). A sua função é a de
fornecer uma localização temporal subsidiária da oração finita de que dependem, mas não
exprime, por si só, um tempo natural.
Corroborando estas ideias, em Mateus et al. (2003:725), Brito afirma, acerca das
orações temporais reduzidas, que:
Estas orações têm função temporal subsidiária da localização temporal da oração de
que dependem; por outras palavras, as orações infinitivas, gerundivas e participiais,
ordenam temporalmente um determinado estado de coisas por referência ao intervalo
do estado de coisas descrito pela oração subordinante.
O Gerúndio pode apresentar uma forma simples ou composta e exprimir anterioridade,
simultaneidade ou mesmo posterioridade em relação à oração finita. Os seguintes exemplos
são avançados para ilustrar esta afirmação (Mateus et al. 1989:85): a gerundiva em (41)
exprime anterioridade, em (42) exprime simultaneidade e em (43), posterioridade:
24
(41) Tendo acabado o filme, os espectadores saíram.
(42) Todos se mascararam, rindo muito.
(43) Eles foram ao teatro, tendo encontrado lá o João.
Em Mateus et al (1989) faz-se notar que, em certos casos, a ordenação temporal entre
a gerundiva e a oração finita parece depender da sua posição no discurso. Apresentam os
seguintes exemplos: a gerundiva em (44) exprime posterioridade e em (45) exprime
anterioridade em relação à oração finita.
(44) A sessão foi encerrada, tendo os participantes abandonado a sala.
(45) Tendo os participantes abandonado a sala, a sessão foi encerrada.
Segundo Brito (2003), as orações gerundivas com o gerúndio simples podem exprimir
a simultaneidade do estado de coisas nela descrito relativamente ao intervalo de tempo em
que se situa o estado de coisas da outra oração (Mateus et al. 2003:726), como no exemplo
abaixo:
(46) Olhando pela janela, vi o Luís.
Já o gerúndio composto exprime anterioridade:
(47) Tendo olhado pela janela, vi o Luís.
A autora também afirma que as orações gerundivas adverbiais podem ocorrer
pospostas, embora o resultado seja menos natural do que nos casos em que a oração
gerundiva ocorre em posição anterior à oração matriz (Mateus et al. 2003:726):
(48) Vi o Luís, olhando pela janela.
(49) Vi o Luís, tendo olhado pela janela.
25
Também na referida Gramática se faz alusão à natureza e posição dos sujeitos nas
orações gerundivas adverbiais. Assim, a oração gerundiva pode ter sujeito nulo, como nos
exemplos acima apresentados, sendo esse sujeito interpretado como co-referente do sujeito
da outra oração. Pode também ter sujeito realizado disjunto, ocorrendo nestes casos
usualmente depois do verbo auxiliar ou do principal, como em:
(50) Tendo a Maria acabado o trabalho, o amigo telefonou.
(51) Acabando a Maria o trabalho, vamos sair.
Brito ( 2003: 726-727) refere ainda que o sujeito pode ocorrer em posição pré-verbal
se “a gerundiva comportar a preposição em”. Nestes casos a posição pós-verbal está
preferencialmente associada a foco contrastivo:
(52) a. Em a Maria acabando o trabalho, vamos sair.
b. ?Em acabando a Maria o trabalho, vamos sair.
c. Em acabando a MARIA o trabalho, vamos sair.
Outro aspecto do gerúndio mencionado nesta gramática é o seu uso na construção
progressiva. Oliveira (2003), em Mateus et al. (2003) refere apenas construções progressivas
com a+infinitivo, mas afirma que estas construções ocorrem no português brasileiro e no
Alentejo com o gerúndio. Veja-se os exemplos com o gerúndio em (b), a par dos
apresentados pela autora com a+infinito, em (a):
(53) a. A Maria está a ler o jornal.
b. A Maria está lendo o jornal.
(54) a. O Rui está a correr.
b. O Rui está correndo.
26
(55) a. A Carla está a ganhar a corrida.
b. A Carla está ganhando a corrida.
(56) a. A Ana está a espirrar.
b. A Ana está espirrando.
(57) a. O Pedro está a viver em Paris.
b. O Pedro está vivendo em Paris.
(58) a. * O Pedro está a ser alto.
b. * O Pedro está sendo alto.
A autora atribui a agramaticalidade de (58) às propriedades aspectuais do predicado da
oração. A construção progressiva não é compatível com um estado não faseável. Assim, “ser
alto” é um estado não faseável, enquanto “viver em Paris” é um estado faseável e por isso
pode ocorrer nesta construção.
Oliveira (2003) menciona construções progressivas com verbos aspectuais do tipo
andar+infinito, acabar +infinitivo, continuar+infinitivo. Estes verbos também ocorrem com o
gerúndio no português brasileiro (PB) e no Alentejo. 1
(59) a. O João anda a viajar.
b. O João anda viajando.2
(60) a. A Maria começou a ler o jornal.
b. A Maria começou lendo o jornal.
(61) a. O Pedro continua a trabalhar.
b. O Pedro continua trabalhando.
1 Há algumas restrições quanto ao uso do gerúndio: O João anda a ser simpático. *O João anda sendo simpático. No português brasileiro é aceitável “o João anda sendo simpático”. 2 Há algumas nuances de sentido nas duas sentenças: em andar a viajar compara-se a ele está a viajar, mas anda viajando é uma acção habitual, está sempre a viajar.
27
Com relação aos pronomes clíticos, Duarte (2003), em Mateus at al. (2003), refere-se
ao gerúndio como uma forma verbal que se qualifica como hospedeiro verbal para os
pronomes clíticos:
(62) Comportando-se deste modo, ela não consegue ter amigos.
Refere ainda que a ênclise é o padrão que se obtém em muitas frases não finitas, como
a de gerúndio:
(63) [Emprestando-lhe o carro], ele chega a horas no exame.
Em suma: Nesta obra observa-se uma incidência sobre os aspectos relacionados com
o valor temporal das orações gerundivas e com as propriedades aspectuais das construções
progressivas que podem comutar com o gerúndio.
No que diz respeito ao valor temporal destaca-se que: (i) as construções gerundivas
adverbiais apresentam valor temporal anterior, posterior e simultâneo; (ii) as gerundivas
adverbiais têm como referência o tempo da oração de que dependem; (iii) o tempo composto
nas gerundivas adverbiais indica anterioridade.
Vários dos aspectos mencionados acima, de uma certa forma, também foram tratados
em Cunha e Cintra (1984). Há, no entanto, de se observar que em Mateus et al. (1989, 2003)
não são referidos outros valores para as orações gerundivas senão os adverbiais, e dentro
destes, apenas são mencionados os valores temporais.
Não obstante, há outros aspectos das gerundivas em português que pela primeira vez
são destacados nesta gramática. Assim, em Mateus at al. (1989, 2003) faz-se referência aos
sujeitos (nulos e realizados) nas orações adverbiais gerundivas e à sua posição. A questão dos
sujeitos nas gerundivas e a sua posição são tópicos a abordar no presente trabalho (cf.
28
capítulos 3 e 4). Há diferenças entre o português brasileiro (PB) e no português europeu (PE),
no que respeita à colocação dos sujeitos realizados. No português europeu só as gerundivas
introduzidas por em apresentam sujeitos preverbais; nos restantes casos o sujeito ocorre
depois do verbo. Com efeito, se tomarmos a frase em (64) em português europeu (PE):
(64) Acabando a Maria o trabalho, vamos sair.
veremos que no português brasileiro (PB), teríamos3 :
(65) A Maria acabando o trabalho, vamos sair.
Quanto às construções progressivas, há de se fazer notar que o objectivo da Gramática
Descritiva de Mateus at al (2003) é estudar os dados do português europeu (PE) padrão. Por
isso, há apenas uma referência à comutação do a+infinitivo com o gerúndio, pois só em
algumas regiões de Portugal (Alentejo e parte do Algarve) se usa o gerúndio nestas
construções.
A possibilidade de ocorrência de pronomes clíticos com as formas verbais gerundivas
mas não com as participiais, propriedade mencionada em Duarte (2003), sugere que o
gerúndio nestas construções tem um domínio funcional temporal4, diferentemente das
orações participiais.
O estudo da estrutura interna das orações gerundivas adverbiais e predicativas será
abordado nesta tese nos capítulos 3 e 4.
3
Esta propriedade tem sido atribuída à diferente posição de V em português europeu e em português brasileiro (cf. entre outros, Mioto 2004 e Mioto e Kato 2006) 4 Note-se que Matos (1992) mostra que o gerúndio das orações adverbiais pode ser hospedeiro de pronomes clíticos em PE, mas que o mesmo não acontece nas perífrases verbais gerundivas do progressivo: (i) Não os lendo às crianças, a Maria fica triste (Matos 1992:271) (ii) *Eles estão lendo-lhes os livros (Matos 1992:270).
29
2.1.3 Bechara (1999)
A grande primeira questão que seleccionamos deste autor é o conceito de oração
reduzida, que ele define da seguinte forma:
“Dentro e fora da gramática portuguesa tem muito diversificado o conceito de oração
reduzida. A opinião mais generalizada, partindo da idéia de que o que caracteriza a
relação predicativa é a presença de verbo na forma finita, é que a construção com
verbo nas formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio) não constitui oração e,
neste caso, é uma subordinada da oração, um termo dela, quase sempre como um
adjunto adnominal ou adverbial. Esta maneira de ver se estende até àquelas
construções em que vem acompanhada a forma nominal de unidades que, se
estivessem numa oração com verbo finito, funcionariam como termo argumental ou
não-argumental (no caso de papel de adjunto adverbial).”
(Bechara 1999:513-514)
E ainda acrescenta:
Outros autores, nestas últimas construções, dão estatuto de orações à parte (nem
sempre usando a nomenclatura “reduzida”) apenas àquelas que encerram infinitivo e
gerúndio independentes, considerando as de particípio meros termos oracionais.5
(Bechara 1999: 514)
Bechara se posiciona da seguinte forma:
Optamos por dar estatuto à parte às reduzidas de qualquer forma nominal do verbo
desde que apresentem autonomia sintática dentro do enunciado e possam estar
5 Perini (1995) é um deles, ou seja, não considera o particípio como oração reduzida, defende que apenas o infinitivo e o gerúndio podem entrar numa configuração desse tipo e dar origem a uma oração complexa, contrariamente ao particípio. Para ele, o particípio não forma oração separada por ser apenas um adjetivo em todos os contextos em que ocorre. O autor considerando exemplos como o seguinte: Ele adotou costumes trazidos da Europa, afirma que costumes trazidos da Europa é um constituinte adjectival. Mas há outros exemplos, como as construções participiais adverbiais, em que não é possível argumentar que estas orações formam um constituinte adjectival.
30
estruturadas analogamente às orações com verbo de forma finita, as desenvolvidas.
(Bechara 1999:54)
O autor (1999:55) demonstra que as orações reduzidas são subordinadas e quase
sempre se podem substituir por orações desenvolvidas:
(66) Declarei estar ocupado= declarei que estava ocupado.
(67) Chovendo, não sairei = Se chover não sairei.
(68) Acabada a festa, retirou-se = Quando acabou a festa, retirou-se.
As orações reduzidas, para Bechara, podem ser substantivas, adjectivas e adverbiais. O
autor (1999: 516-517) faz notar que as orações reduzidas substantivas são infinitivas, as
reduzidas adjectivas são infinitivas, gerundivas ou participiais, e as adverbiais são infinitivas,
gerundivas ou participiais.
(69) “Agora mesmo, custava-me responder alguma coisa, mas enfim contei-lhe
o motivo da minha ausência.” [MA.I, 208) (reduzida substantiva subjetiva)
(Bechara 1999: 515)
(70) Realmente não sei como lhes diga que não me senti mal, ao pé da moça,
trajando garridamente um vestido fino... (reduzida adjectiva gerundiva)
(Bechara 1999: 517)
(71) Os anais ensanguentados da humanidade estão cheios de facínoras,
empuxados (=que foram empuxados) ao crime pela ingratidão injuriosa de
mulheres muito amadas, e perversíssimas.” [CBr. 1, 120] (reduzida
adjectiva participial)
(Bechara 1999: 518)
31
Passo a apresentar detalhadamente as orações gerundivas consideradas por Bechara.
(i) Orações gerundivas adjectivais
Para este autor, nas orações adjectivais, a oração reduzida de Gerúndio pode indicar
diferentes tipos de propriedades, acerca de um substantivo ou pronome:
1) Uma actividade passageira:
(72) Realmente não sei como lhes diga que não me senti mal, ao pé da moça,
trajando garridamente um vestido fino... (reduzida adjectiva gerundiva)
(Bechara 1999: 517)
2) Uma actividade permanente, qualidade essencial, inerente aos seres, própria das
coisas:
(73) “O livro V, compreendendo as leis penais, aquele que, após os progressos
efetuados na legislação e na humanidade, mas carecia de pronta
reformação” [Lco.1,I298]
(74) “Decreto de 14 de fevereiro de 1786, proibindo a entrada de meias de seda
que não fossem pretas, e decreto de 2 de agosto de 1786, suscitando a
observância e ampliando o cap. II…” [L Co. 1,I 298].
(75) “Algumas comédias havia com este nome contendo argumentos mais
sólidos” [FF apud SA. 2,249].
Bechara ainda acrescenta:
“Estes e muitíssimos outros exemplos atestam que tal emprego do gerúndio ocorre
vitorioso na língua culta portuguesa, desde longos anos, dando-nos a impressão de se
tratar de uma evolução normal, comum a mais de uma língua românica, e não de uma
simples influência francesa. Entretanto, notáveis mestres condenam este uso como
32
galicismo: Epifânio Dias, Júlio Moreira, Leite de Vasconcelos, Mário Barreto, entre
outros. Defendem-no Otoniel Mota, Said Ali, Eduardo Carlos Pereira, Cláudio
Brandão, entre outros.
Para os que têm a expressão como francesa, deve-se substituir o gerúndio por uma
oração adjectiva iniciada por pronome relativo, ou por uma preposição conveniente:
Livro contendo gravuras.
Livro que contém gravuras.
Ou
Livro com (ou de) gravuras.” (p.518)
(ii) Orações gerundivas adverbiais
Por sua vez, nas orações adverbiais, a oração reduzida de Gerúndio equivale, segundo
Bechara, às seguintes orações finitas:
1) A uma oração causal:
(76) “Vendo este os seus maltratados, mandou disparar algumas bombardas
contra os espingardeiros.” [AH.2,97]
vendo= porque visse
(Bechara 1999: 523)
2) A uma oração consecutiva:
(77) Isto acedeu por tal modo os ânimos dos soldados, que sem mandado, nem
ordem de peleja, deram no arraial do infante, rompendo-o por muitas
partes.” [AH. 2,97]
rompendo-o = e como consequência o romperam.
(Bechara 1999: 523)
33
3) A uma oração concessiva:
(78) Tendo mais do que a imaginavam não socorreu os irmãos.
Tendo = embora tivesse
(Bechara 1999: 523)
4) A uma oração condicional:
(79) Tendo livres as mãos, poderia fugir do cativeiro
Tendo livre as mãos= tivesse livre as mãos
(Bechara 1999: 523)
5) A uma oração que denota modo, meio, instrumento:
(80) a. “Um homem agigantado e de fera catadura saiu da choupana
murmurando sons mal articulados” [AH. 1 apud ED.2 parágrafo
316,b,1]6
b. “E não os (destinos) podia realizar senão ceifando cidades em lugar de
farragios, e enfeixando com mão robusta povos”. [AC. I apud ED. 2,2]
(Bechara 1999: 523)
6) A uma oração temporal:
(81) “El-rei, quando o mancebo o cumprimentou pela última vez, sorriu-se e
disse voltando-se: Por que virá o conde quase de luto à festa?” [RS apud
FB.5, 205]
voltando-se = enquanto se voltava
(Bechara 1999: 524)
No seguinte exemplo, a oração gerundiva temporal ocorre reforçada por um
advérbio de tempo: 6 (i) Murmurando sons mal articulados, um homem agigantado e de fera catadura saiu da choupana. Reparem que há possibilidade de deslocação o que demonstra ser uma estrutura adverbial.
34
(82) “Desviando depois a mão que o suspendia baixou mais dois degraus.” [RS
apud FB.5, 209]
desviando= depois que desviou, no momento em que desviou.
(Bechara 1999: 524)
Bechara faz ainda a seguinte observação:
“O gerúndio pode aparecer precedido de preposição em quando indica tempo,
condição ou hipótese. /este caso, o português moderno exige que o verbo da oração
principal denote acontecimento futuro ou ação que costuma acontecer”7:
(83) “Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir
à saída” [RB apud FB. 1,126]
em lhe chegando o turno= quando chegar o turno.
Paráfrase: i.e, ninguém que entrou conseguirá sair antes que lhe chegue o
turno.
(Bechara 1999: 524)
(84) “Em Vieira morava o gênio: em Bernardes o amor, que, em sendo
verdadeiro, é também gênio”. [AC apud FB. 1,186]. (Bechara 1999: 524)
Bechara faz notar que nesta passagem, o gerúndio exprime condição ou hipótese, e o
verbo da oração que é também gênio (subordinante da condicional) denota um acontecimento
que costuma ocorrer.
7 As construções gerundivas com a preposição em são mais comuns no Português Europeu e na Literatura Brasileira contemporânea e antiga.
35
(iii) Gerundio em locuções verbais
O autor (1999:529) salienta ainda que o gerúndio não constitui uma oração reduzida
quando faz parte de uma locução verbal:
(85) Estão saindo todos os alunos. (Bechara 1999:529)
Em suma: Bechara (1999) assume claramente que as orações reduzidas possuem
autonomia sintáctica dentro do enunciado. Esta questão da autonomia das orações reduzidas
será retomada nos capítulos seguintes.
Na sequência da sua análise, o autor demonstra que as orações adverbiais assumem
valores semânticos tais como causa, consequência, condição, modo ou instrumento e tempo.
É interessante notar que o Bechara menciona o uso da preposição “em” nestas
estruturas como indicando condição ou hipótese, diferentemente do que encontrámos nas
gramáticas previamente analisadas, em que a preposição “em” nas gerundivas adverbiais se
refere a tempo anterior (Cunha e Cintra 1991:489), ou posterior (Brito 2003).
Também vale ressaltar que Bechara considera que as perífrases verbais são
construções à parte, tal como também se assume em outras gramáticas, não podendo, pois,
estarem incluídas no grupo das adverbiais.
2.2 As construções de gerúndio nas gramáticas descritivas do italiano e do espanhol
A fim de confrontar os estudos do português com os do italiano e do espanhol,
busquei nas gramáticas descritivas de referência dessas línguas material que me pudesse
amparar na análise das gerundivas.
36
2.2.1 As orações adverbiais de gerúndio no italiano
Lonzi (1991), para o italiano, preocupa-se sobretudo com a sintaxe das gerundivas
adverbiais e os valores que assumem.
A autora subdivide as orações adverbiais de gerúndio em (i) gerundivas de predicado e
(ii) gerundivas de frase. Nas primeiras não há dois eventos distintos, diferentemente do que
acontece nas segundas, mas um adjunto adverbial interpretado como co-extensivo ao verbo
da oração principal.8 Em outras palavras, o gerúndio de predicado veicula um valor
semântico compatível com o do verbo da oração matriz. Este valor semântico pode ser
instrumental (cf.86), de modo (cf.87) ou de tempo (cf.88):
(86) Comunicava com l´ufficio centrale utilizando il numero riservato.
(87) Comunicava com l´ufficio centrale conversando.
(88) a. Alzando gli occhi dal libro, avevo visto la scena (preferencial)9
b. Avevo visto la scena alzando gli occhi dal libro (Lonzi 1991:579)
Também pode ocorrer o valor hipotético nas gerundivas de predicado:
(89) Prendendo l´antibiotico, la febbre scenderà.
8 Lonzi (1991) faz notar que é o verbo que determina o tipo de “adjunto” que é compatível com sua natureza aspectual. Assim, em português, em que não temos verbos estativos co-ocorrendo com “gerundivas adjuntas de modo, instrumento ou temporal”:
(i) a. ??Eu sei inglês estudando. b. ??Eu sei cavalgar treinando. (ii) a. * O Pedro está doente iniciando as aulas. b. * O Pedro está doente passeando pela praia.
9 Note-se que a gerundiva que ocupa a margem esquerda em (89) é considerada como uma gerundiva de predicado. Exemplos idênticos surgem em português: (i) Olhando por cima do livro, eu vi a cena. (ii) Eu vi a cena olhando por cima do livro.
37
A autora deixa claro que o gerúndio temporal no italiano, ocorre no início da frase,
preferencialmente, ao contrário dos outros dois, instrumento e modo, que ocorrem
tipicamente após a oração matriz.
Quanto às orações de gerúndio de frase, a autora diz que podem ter valor semântico
causal (neste caso, geralmente ocorrem com o gerúndio composto); valor semântico
hipotético e valor semântico concessivo. Quanto ao valor hipotético, no italiano, Lonzi faz
notar que parece depender mais do tempo da oração principal do que de si próprio ou do
conhecimento de mundo:
(90) øi avendo ormai preso la sua decisione, øi no si lació dissuadere dagli
argomenti più sottili. (causa)
(91) Arrivando Paolo, prenderei la macchina. (condição)
(92) Pur essendo incompetenti, vogliono insegnare agli altri. (concessão)
As propriedades sintácticas destacadas por Lonzi para cada um dos subtipos de
orações adverbiais gerundivas, de frase e de predicado (sec. 1. 2. e ), são:
(i) Realização ou não do sujeito
Os sujeitos da frase gerundiva, como acontece geralmente nas frases infinitas, podem
ser nulos. São geralmente co-referentes com o sujeito da frase principal (cf. (93 a e 93b)).
Quando o sujeito é realizado, ele encontra-se em posição pós verbal em italiano (cf. (94) e
(95)):
(93) a. Øi rientrando dalle vacanze, Giovannii è stato festeggiato da Paolo.
b. *Øi rientrando dalle vacanze, Giovanni è stato festeggiato da Paoloi.
(94) Spingendola Giovanni, la macchina forse ripartirebbe.
(95) Pur avendomi tu aiutato, non sono andata lontano.
38
(ii) Expressão da negação
Nas gerundivas de frase, a negação da frase matriz comporta-se como em qualquer
oração adverbial de frase, i.e., a subordinada não é negada:
(96) Non è uscito, dovendo aspettare um pacco.
Nas gerundivas de predicado somente as que têm valor de instrumento podem ser
negadas pela negação frásica da frase matriz:
(97) Non è uscito sbattendo la porta.
(iii) Tempo verbal
O tempo verbal do gerúndio define-se em relação ao tempo do verbo principal: o
gerúndio simples exprime fundamentalmente uma acção simultânea a esse verbo e o tempo
composto uma acção anterior:
(98) Assiterò /Assisto/ Ho assistito alle prove facendo tesoro diogni osservazione.
(99) Avendo chiesto l´autorizzazione, assisterò/ assisto / ho assistido alle prove.
A autora assume que há uma relação entre aspecto e acção: o gerúndio simples pode
ainda assumir valor de posteridade com relação à oração principal:
(100) a. Siamo usciti incontrando Paolo.
b. * Incontrando Paolo, siamo usciti.
39
(iv) Posição na frase
A posição na frase está relacionada com o valor adverbial. A posição não marcada,
normal, do gerúndio de predicado é no fim da frase sem pausa. No entanto, pode ocupar
outras posições:
(101) a. Piangendo, Paolo si era ritirato dall´esame.
b. Paolo, piangendo, si era ritirato dall´esame.
c. ??Paolo si era, piangeando, ritirato dall´esame.
d. Paolo si era ritirato dall´esame piangendo.
Contrariamente às gerundivas de predicado, as de frase estão sempre separadas por
pausas, sendo que é agramatical a frase em (c) por estar entre o verbo auxiliar e o principal:
(102) a. Giudicandosi impreparato, Paolo si era ritirato dall´esame.
b. Paolo, giudicandosi impreparato, si era ritirato dall´esame.
c. * Paolo si era, giudicandosi impreparato, rititrato dall´esame.
d. Paolo si er ritirato dall´esame, giudicandosi impreparato.
Quanto às gerundivas de predicado, somente as instrumentais podem apresentar
negação própria no italiano:
(103) Sono riuscita a farlo tacere no rispondendo alle sue provacazioni/
(diferente de: senza rispondere alle sue provocazioni).
As gerundivas de maneira/modo não aceitam negação própria e têm de ser substituídas
por senza+infinitivo:
(104) Avevo preso freddo senza accorgermene/*non accorgendomene.
40
Vale ainda ressaltar que Lonzi (1991) admite que o valor aspectual do gerúndio nas
gerundivas de modo/maneira é durativo (cf.105); em contrapartida, o gerúndio pode assumir
um valor pontual em gerundivas de predicado instrumentais, como (106):
(105) Eri tornato a casa correndo.
(106) Eri tornato a casa prendendo un taxi al volo.
Em suma, Lonzi faz notar que:
(i) As gerundivas podem ser classificadas como de frase ou de predicado, consoante a sua
distribuição na oração matriz;
(ii) Diferentes valores semânticos estão associados a essas posições: as gerundivas de frase
apresentam valores de tempo, causa, concessão e condição; já as de predicado possuem
valores de modo, instrumento, condição e tempo (simultâneo);
(iii) Refere que as gerundivas adverbiais podem ter sujeito explícito, que ocorre após o V em
italiano, ou sujeito implícito co-referente com o da matriz;
(iv) A negação frásica nas gerundivas de predicado em italiano ocorre somente nas
gerundivas com valor de instrumento;
(v) As gerundivas de predicado normalmente ocorrem em posição final, não marcada, mas
podem também ocupar outras posições.
Como Lobo (2003), na esteira de Lonzi (1991), faz um estudo sobre as gerundivas
adverbiais no português europeu, deixo para o capítulo 3 outras questões relevantes
apontadas no italiano e que apresentam correspondentes no português europeu.
41
2.2.2 Gerúndio adverbial e o gerúndio predicativo no espanhol
Fernandez Lagunilla (1999) distingue as construções de gerúndio adverbial, que
designa por gerúndio adjunto, das de gerúndio predicativo. Segundo Fernandez Lagunilla,
apenas as primeiras têm um estatuto oracional, as segundas têm o estatuto de predicados
modificadores do predicado da oração matriz.
(107) Inés recitó el poema de Lorca muy bien, aun estando enferma.
(108) Inés recitó el poema de Lorca temblando.
A autora argumenta que entre estes dois tipos é fácil estabelecer distinções, uma vez
que apresentam comportamentos opostos em relação a algumas propriedades formais e
semânticas, a saber:
(i) Posição
As orações adverbiais gozam de grande liberdade posicional: podem vir antepostas,
intercaladas e pospostas à oração a que se subordinam, também podendo ocorrer separadas
por vírgulas:
(109) a. Aun estando enferma, Inés recito el poema de Lorca muy bien.
b. Inés, aun estando enferma, recito el poema muy bien.
Os gerúndios modificadores aparecem normalmente pospostos ao verbo, o que pode
comprovar-se se compararmos os exemplos seguintes:
(110) a. Inés recitó el poema de Lorca temblando.
b. *Temblando Inés recitó el poema de Lorca.
42
(ii) Sujeitos
As orações gerundivas adverbiais têm sujeito próprio, explícito ou elíptico. O que
aparece explícito, tal qual para o italiano, ocorre após o verbo. Contrariamente, as gerundivas
modificadoras dos verbos não podem ter sujeitos distintos:
(111) a. Teniendo tabaco (Pedro), María fuma.
b. María recorrió un kilómetro arratrándose (*su padre).
(iii) Ausência/presença de restrições aspectuais à classe de predicadores
As gerundivas adverbiais admitem perífrases verbais (temporais, aspectuais, modais e
passivas) em que o gerúndio ocorre no auxiliar nas orações gerundivas. Tal não acontece nos
gerúndios modificadores do verbo:
(112) a. Havendo sido apressado el jepe, el resto del equipo abandono el plan.
b. Pudiendo quedarse en casa, Pedro decidió acompanarme.
c. *Recorrió un kilómetro habiendo sido arrastrado.
(iv) Determinações temporais
As gerundivas adverbiais podem ter determinações adverbiais de tipo temporal distintas
das do predicado principal; tal é impossível no gerúndio modificador do verbo:
(113) a. Lo acabaré manana, trabajando hoy todo el día.
b. Apareceré manana protestando (*hoy).
Fernandez Lagunilla (1999) considera que o gerúndio adverbial se reparte por duas
subclasses: o gerúndio externo (em Lonzi 1991, Gerúndio de Frase) e o Gerúndio interno (em
43
Lonzi 1991, Gerúndio de predicado). No gerúndio externo incluem-se apenas as orações que
são consideradas adverbiais; o gerúndio interno apresenta duas subclasses:
(i) gerúndios predicativos;
(ii) gerúndios adjuntos.
(114) Los ninos de Maria lloran haciendo pucheros. (predicativos)
(115) Los ninos de María lloran dándoles un grito. (adjuntos)
A autora apresenta várias propriedades que diferenciam os gerúndios adjuntos internos
dos predicativos:
(i) Posição
Os adjuntos10 podem antepor-se ao verbo que modificam sem indicar uma situação de
ênfase, o que não ocorre quando o gerúndio é predicativo:
(116) a.Pedro consigue lo que quiere esforzándose.
b.Esforzándose, Pedro consigue lo que quiere.
c. Juan encontró a su hijo llorando.
d. *Llorando, Juan encontró a su hijo.
(ii) Presença/ausência de um S�
As predicativas necessitam de um SN realizado na oração principal ao qual se referem,
os adjuntos podem ter, mas não é uma exigência:
10 No português, o mesmo acontece, como irei demonstrar ao longo da tese.
44
(117) a.*El vino apareció adulterándolo.
b. Esta manana sali de casa lloviendo.
(iii) Restrições aspectuais
Nos adjuntos não há restrições aspectuais impostas pelo verbo principal, já nos
predicativos há:
(118) a. Luís trabalha {cuidando ninos/*siendo médico}
b. Luís es feliz {cuidando ninos/siendo médico}
c. Vio a Pedro {buscando/*encontrando} la llave.
d. Desvelo el secreto {buscando/encontrando} la llave.
(iv) �egação
Nos gerundivos predicativos, se o verbo principal estiver negado, a frase toda é negada.
Isso não acontece nos gerúndios adjuntos:
(119) a. Luís no me respondió dándome las gracias.
(implica Luis no me dio las gracias)
b. Luís nos se entretuvo viendo la televisión.
(não implica que Luis no vio la television)
(v) Valores semânticos
Há mais valores semânticos nos gerúndios adjuntos; além de modo e tempo – que
possuem também os predicativos – podem expressar outros sentidos: instrumento, causa,
condição ou consequência:
45
(120) El paro se reduce incentivando la inversión.
(121) Vendió las acciones previendo la bajada de la bolsa.
(122) Ganarías la carrera entrenándote más.
(123) Aparque ocupando una sola plaza.
Esta relação de valores contrasta com os matizes semânticos que possuem os
predicativos: modal, temporal e descritivo ou explicativo:
(124) a. Luís entró gritando.
b. La fotografiaron saliendo de su casa.
c. Tiene un amigo viviendo en Paris.
Apesar de todas as diferenças apresentadas acima entre gerúndio adjunto e gerúndio
predicativo, nem sempre é fácil diferenciá-los. O mesmo acontece em português, como
veremos mais adiante.
Fernandez Lagunilla (1999), assim como os gramáticos do português, afirma que os
valores semânticos dos constituintes gerundivos podem ser explicitados por paráfrases
(orações relativas ou subordinadas adverbiais finitas, consoante se trate de um adjunto
interno ou externo). Os seguintes exemplos ilustram o valor de modo e o condicional
respectivamente:
(125) a. Me gano la vida arreglando coches.
b. Como me gano la vida es arreglando coches.
c. Se siente frío abriendo la puerta.
d. Se siente frio si se abre la puerta.
A autora admite que o valor modal também pode ser interpretado como condicional:
46
(126) a. La ropa se seca poniendola al sol.
b. Como se seca la ropa es poniéndola al sol.
c. La ropa se seca si se pone al sol.
No espanhol admite-se coexistência do significado modal com o temporal e com o
causal11:
(127) a. Luís trabalha escuchando música. (modo/tempo)
b. Luís trabalha mientras escucha música. (tempo)
(128) a. Maria boicoteó la propuesta absteniéndose en la última votación.
(modo/causa)
b. Maria boicotéo la propuesta porque se abstuvo en la última votacíon.
(causal)
A explicação de Fernandez Lagunilla para que haja vários valores semânticos é
atribuída à imposição de um dos valores sobre os outros, dependendo tanto de razões
sintácticas como de semântico-pragmáticas. Se se compara as orações:
(129) Maria se golpéo la cabeza chocando contra una farola.
(130) Maria se golpéo la cabeza saindo de casa.
Só é possível interpretar as frases acima como de modo (129) e temporal (130),
respectivamente, porque entendemos que “chocar” é um verbo de acção que pode ser
interpretado como uma maneira de “golpear-se”, o que não é possível no caso de “salir”,
pois, de acordo com o nosso conhecimento de mundo, os processos de “golpear-se” e
“salir” não estão relacionados.
11 Como vou demonstrar, também nas gerundivas adverbiais não periféricas em português há o valor causal.
47
Fernandez Lagunilla faz notar que, relativamente às razões gramaticais, a variação no
significado da construção de gerúndio está condicionado por factores (lexicais e sintácticos)
que afectam tanto o verbo principal como o gerúndio.
(131) a. (Solo) se aprueba {estudiando/sabendo} mucho.
b. María aprobó {estudiando /*sabiendo} mucho.
A autora (1999) explica o contraste das orações em (131): a predicação principal com o
verbo no pretérito perfeito, como em (131b), é específica e o gerúndio só pode ter um valor
modal e não condicional; esse valor é compatível com uma acção (estudar) e incompatível
com um estado (saber). Esta restrição desaparece quando a predicação é inespecífica ou
genérica com em (131a), em que o verbo aprobar está no presente; assim, não está excluído
o valor condicional, ou de gerúndio estativo com um sentido causal:
(132) María aprobó por suerte y sabiendo mucho.
Contrariamente aos adjuntos internos, nos adjuntos externos, os diferentes valores
semânticos são mais facilmente delimitados porque estão associados à ocorrência de
elementos formais muito claros, como a presença de elementos adverbiais e preposicionais
na oração gerundiva (mesmo e em por exemplo) ou na oração principal (solo) e há uma
ruptura entoacional que separa a oração gerundiva. Assim, no espanhol, os valores
associados ao gerúndio com os elementos mencionados são o concessivo, o temporal e o
condicional, respectivamente:
(133) a. Aun estando enfermo, Pedro es insustituible.
b. En diciendo lo que quería, se calló.
c. María sólo trabalha teniendo ganas.
48
Fernandez Lagunilla (1999) deixa clara a diferença entre as construções que são
adjuntos internos (cf.131) das que são adjuntos externos (cf.133), pois estes últimos são mais
precisos do que os primeiros em se tratando de marcas lexicais e entoacionais.
Quanto à estrutura sintáctica, Lonzi subdivide os adjuntos internos em: (i) modais, (ii)
ilocutórios, (iii) locativos e (iv) gerúndios lexicalizados.
(i) Gerúndio de modo
Segundo Fernandez Lagunilla, os gerúndios de modo são dos mais frequentes em
espanhol. Assim podem ocorrer:
a) Em uma passiva referidos a seu complemento agente12, explícito ou implícito:
(134) a. Esa novela fui escrita por Sampedro pensando en su nieto.
b. La pequena motocicleta que Mónica usaba siempre había sido utilizada
rompiendo la conexión del motor y el sistema eléctrico. [El País, 2-1-
1996, 20]
b) Em uma construção oracional (passiva reflexiva ou impessoal) em que não há
nenhum elemento nominal explícito a que possa referir-se o gerúndio como
predicado:
(135) Se limpió el estanque aprovechando la sequía.
(136) Hay que respetar reglamento refrenando tus impulsos. [El Pais Domingo,
10-III-1996]
c) Em uma construção activa referindo ao sujeito ou ao objecto indirecto:
(137) María se pone roja bebiendo vino.
(138) Le desapareció el dolor tomando um calmante. 12 Essa é uma diferença muito importante, pois nas predicativas só se pode referir ao sujeito ou ao objecto, não há referência ao complemento agente (agente da passiva).
49
d) Em uma construção activa sem referência a nenhum elemento nominal (sujeito ou
objecto) da oração bem como uma interpretação inespecífica, com em (139), ou uma
interpretação genérica, como em (140):
(139) María se pone roja diciéndole hola.
(140) El dolor desaparece tomando un calmante.
(ii) Gerúndios ilocutórios
Estes gerúndios modificam o acto ilocutório da oração a que estão associados. Essa
função manifesta-se de um modo muito claro quando o acto de enunciação se expressa
através de um verbo de dizer, mesmo que não seja um requisito necessário, salvo nos casos
em que se trate de um discurso reproduzido:
(141) a. Parafraseando a un político (afirmo que) puedo prometer y prometo…
b. Rojo, siguiendo a Alarcos, afirma que...
A autora enumera algumas propriedades dos gerúndios ilocutórios, a seguir:
a) São equiparáveis a um advérbio ou SP do tipo elocutório. Veja-se o paralelismo:
(142) a. {Concretando más las cosas/Más concretamente/En términos más
concretos} se puede afirmar que el cuento es una novela corta.
b. {Siendo sincero/Sinceramente/ Con sinceridad}, no creo que los vayas a
conseguir.
b) Possuem grande liberdade na frase, pois podem aparecer antepostos, intercalados e
pospostos, o que é comprovado pelos exemplos oferecidos anteriormente.
c) Não admitem sujeito explícito, como os advérbios ilocutórios com os quais se
encontram relacionados:
50
(143) a. Siendo {sincero/a}, la fiesta resultó un fracaso.
b. En 1977 Alarcos, seguiendo a Hjelmslev, afirma que en la lengua hay
dos planos.
(iii) Gerúndios locativos
Este tipo de construção adjunta, como a anterior, tem carácter fixo ou altamente
restringido às unidades que a compõem. Só aparece como complemento de lugar com verbos
de carácter locativo-estativo, com verbos como estar e encontrar-se, ou como complemento
opcional ou adjunto dos verbos haver ou ter, nesse caso, o nome da entidade a cuja locação
se refere o gerúndio não é o sujeito do verbo principal mas o objecto directo (cf. Juan tiene
un bar cruzando la calle).
Só um grupo de verbos é admissível na forma do gerúndio: os verbos que indicam
movimento ou uma mudança de lugar, como salir, entrar, subir, passar, cruzar, torcer, que
não admitem modificação adverbial (cf. impossibilidade de ocorrência com um advérbio
(144 a), nem ocorre com objetos diretos indefinidos (cf. 144 b), ou com expressões
transitórias (cf. 144 c):
(144) a. El bar está saliendo a la izquierda. (*rapidamente)
b . Bajando {esta/*una} calle, se encuentra el Museo del Prado.
c. Hay un hospital subiendo la calle. (* a la pata coja)13
13 No português europeu seria como dizer: Há um hospital subindo ao pé coxinho (que seria uma maneira transitória de se chegar ao hospital diferente de subindo a rua, que é algo permanente). No português brasileiro, a tradução é semelhante: Há um hospital subindo em que se chega pulando amarelinha (uma brincadeira de criança que significa também uma acção rápida, que se chega em um só pé, de fácil acesso, pois está perto). Tal construção também seria agramatical no português: *Há um hospital subindo pulando em um só pé. Não se define, assim, a localização do hospital, que é, neste caso, a função do gerúndio: subindo a rua.
51
A autora assume que, apesar de ser adjunta, esta construção locativa, não deixa de ser
também predicativa, já que funciona como um predicativo, não expressando uma acção que
se tem que chegar a algum lugar, i.e, embora ocorra com verbos de lugar salir, entrar, subir,
passar, etc. não expressam movimento, mas indicação de lugar.
(iv) Gerúndios lexicalizados
Como se fez notar acima, Fernandez Lagunilla assumiu que uma das diferenças entre
gerúndio adjunto externo e adjunto interno é a possibilidade de estes últimos não terem
sujeito lexicalizado. Não obstante, a autora demonstra que há um pequeno grupo dos
adjuntos internos que podem ter sujeito lexicalizado, quando ocorrem os seguintes verbos:
a) verbos como exceptuando, incluyendo e quitando:
(145) a. […] y yo estoy enamorado de ella y ella no lo está de mí [...] ni quizá
[...] lo haya estado nunca de nadie, exceptuando Lytton. [El País,
Babelia, 29-VII-1995, art. De M.ª José Obio]
b. Quitando tres o cuatro, todos están conformes. [DUE II, 917]
b) verbos que admitem modificadores adverbiais ou intensificadores de grau, como os
advérbios e contêm predicativo, como correr, andar, callar, y volar, etc, alguns deles usados
em com sentido metafórico (deprisa, rápidamente).:
(146) a. ?Y adónde ibas tan corriendo? [Ángel M. De Lera, Las últimas banderas;
citado en De Bruyne, 1993:484]
b. Cómo se viene la muerte, /tan callando [...] [ J. Manrique, Coplas a la
muerte de su padre]
52
Nestes contextos estão excluídas orações gerundivas e o gerúndio funciona como
espécie de advérbio.
2.2.3 Os gerúndios predicativos
Fernandez Lagunilla considera que os gerúndios predicativos se subdividem em duas
classes principais:
(a) Gerúndios predicativos de sujeito
(b) Gerúndios predicativos do objecto
Além destes, caracteriza ainda como gerúndios predicativos os que ocorrem em
exemplos como os seguintes, pois partilham com os anteriores a propriedade de ocorrerem
com verbos que admitem a perífrase estar + gerúndio em espanhol:
(147) a. […] no era yo mismo descubriendo lo que habían de mí durante un solo
día en el ejército, era otro mirándome, era um recluta rapado y asustado
mirando com extraneza. [...]. A. Munoz Molina, Ardor guerrero, 78]
b. Se piensa en Hamlet increpando a Ofelia. [El País, Babelia, 17-II-1996,
12]
c. Luis llegó con la cara sagrando
d. La llamada de María pidiendo dinero nos sorprendió.
e. El rey saludando a los embajadores.
Em (147 a) o SN associado ao gerúndio desempenha a função de nome predicativo de
uma oração copulativa e em (147b) de um complemento preposicional. Em (147c) o
gerúndio está numa construção encabeçada com a preposição “com”. Quanto a (147d) o
gerúndio predica acerca de um complemento do nome e não do verbo, como nos predicativos
53
prototípicos. Por último (147e), distingue-se dos demais porque o gerúndio aparece ligado
directamente ao SN sem apoio de um predicado verbal ou nominal. A autora diz que inclui
este último tipo de gerundiva nas de predicado por ter as mesmas restrições semântico-
aspectuais que as Gerúndivas Predicativas de Sujeito e as Gerúndivas Predicativas de
Objecto e por não poder ocupar a posição de sujeito nas construções copulativas.
(148) a. Los ninos durmiendo son mis hijos.
(cf. Los ninos durmiendo son adorables)
b. Los ninos {dormidos/que están dormiendo} son mis hijos.
A autora ainda acrescenta que o gerúndio pode alternar com as construções de
particípio e com as orações relativas em grande parte nos contextos predicativos.
(1) Gerúndio predicativo do sujeito
Fernandez Lagunilla (1999) afirma que os Gerúndios Predicativos do Sujeito se
confundem muitas vezes com os adjuntos de modo. A diferença básica entre eles consiste no
valor aspectual do Gerúndios Predicativos do Sujeito, pois a construção predicativa exige que
o gerúndio e o predicado primário ou verbo principal que complementa sejam verbos de uma
classe aspectual que admita a perífrase estar+gerúndio:
(149) a. María recitó el poema {temblando/*tiendo frio}
b. Maria estuda/*sabe francés recitando a Mallarmé.
Quando esta restrição aspectual não se verifica é porque não se trata de um predicativo
do sujeito mas de um adjunto adverbial:
54
(150) a. María recito el poema aun teniendo frío.
b. Se sabe francés recitando a Mallarmé
c. Los masoquistas son felices siendo azotados.
Para além deste, há, segundo Fernandez Lagunilla, outros critérios que permitem
distinguir os dois tipos de gerúndio.
(i) Mobilidade
Há ambiguidade entre Gerundios Predicativos de Sujeito e gerúndios adjuntos
adverbiais quando os verbos envolvidos são de acção.
(151) Maria no lee escuchando música
Int.1 María no lee subrayando (predicativo)
Int. 2 Maria no estudia si escucha música) (adjunto) oração condicional
Porém, no primeiro caso, não pode o gerúndio antepor-se à oração principal:
(152a) *Subrayando, María no lee.
Já no segundo é possível:
(152 b) Si escucha música, Maria no estudia.
(ii) Tipo de modificação
O Gerúndio Predicativo do Sujeito distingue-se do Gerúndio Predicativo do Objecto
pelo tipo de modificação sobre o verbo, pois somente os Gerúndios Predicativos do Sujeito
se relacionam com o verbo denotando a maneira de realizar-se a acção verbal:
55
(153) a. Luís caminha de puntilhas y dando pasos cortos.
b. Imaginaba a Luís de puntilhas y dando pasos cortos.
No primeiro caso, coordena-se elementos predicativos (sintagma preposicional e
gerúndio); já nos segundos orações coordenadas (Imaginaba a Luís de puntilhas e imaginaba
a Luís dando pasos cortos).
(2) Gerúndio predicativo do Objecto
Nem todos os verbos admitem um gerúndio referindo-se ao seu objecto directo, como
pode deduzir-se dos comportamentos diferentes de verbos semanticamente relacionados
como ver e mirar; encontrar e buscar; tener e poseer; haber e existir.
(154) a. Vimos/*Miramos a María cogiendo flores.
b.Encontraron/*Buscaron al ladrón viendo la tele.
c. Tengo/*Poseo um amigo estudando em Paris.
d. Hay/*Existe una mujer bailando.
Algumas Gerúndivas Predicativas de Objecto podem alternar com orações relativas em
espanhol:
(155) a. La vieron {llorando, que lloraba}
b. Tengo las manos {ardiendo/que me arden}
c. Hay un nino {gritando/que grita}.
No entanto, de acordo com Fernandez Lagunilla, nem todas as Gerúndio Predicativo do
Objecto podem ser comutadas por uma relativa:
(156) a. Recuerdan a su abuelo {fumando/*que fumava} en pipa.
b. Tiene um hijo {que pesa/*pesando} 100kg.
56
A autora traça algumas diferenças entre o gerúndio e as orações de relativo no que diz
respeito ao valor aspectual dos verbos, pois há mais restrições nas gerundivas do que nas
construções de relativo, já que estas se aproximam mais das perífrases estar+gerúndio. Como
estas diferenças não serão desenvolvidas na presente tese, não detalho mais a posição de
Fernandez Lagunilla sobre esta questão.
Em suma: como se pode notar, de todos os trabalhos apresentados, o do espanhol é o
mais detalhado, por:
(i) destacar gerundivas adjuntas de gerundivas predicativas;
(ii) subdividir as gerundivas (adverbiais) adjuntas em externas e internas;
(iii) distinguir, dentro das predicativas, as predicativas do sujeito e as predicativas do
objecto.
A autora fez notar que não é fácil separar as gerundivas adjuntas internas das
predicativas. Trabalharei esse aspecto no capítulo 4 deste trabalho. Nesse capítulo, assumo
que há uma certa dificuldade em distinguir gerundivas adverbiais de predicado das de
gerundivas predicativas, embora demonstre mais claramente a diferença sintáctica, e também
semântica, entre adverbiais de predicado e predicativas.
2.3 Observações finais
Em Cunha (1972) e Cunha e Cintra (1984, 1991) há uma relação da maioria dos
contextos em que o gerúndio aparece. Não há, na verdade, como já afirmei em Magalhães
(2001), uma paráfrase perfeita entre reduzida e desenvolvida, pois as construções não-finitas
57
(particípio e gerúndio) dependem de elementos da frase, e também de relações discursivas,
para que possam assumir um sentido e não outro. Já as desenvolvidas, por terem o conector
explícito (porque, depois de, ainda que, etc) apresentam à partida um valor preciso.
Há de se notar que os autores já apontam um valor temporal diferenciado para o
gerúndio simples, de acordo com a escolhas do verbo e da posição da gerundiva na oração
subordinante, tendo em vista os valores de anterioridade, posterioridade e simultaneidade.
Segundo os autores, o valor de simultaneidade ocorreria quando a gerundiva é colocada
depois da oração principal (Cunha e Cintra 1984, p.22, nesta tese). Note-se, no entanto, que
isso não é totalmente verdade, pois há possibilidade de o gerúndio simples com valor de
simultaneidade aparecer em posição inicial. O valor posterior ocorre sempre em posição
final:
(157) a. Os convidados saíram, acabando o discurso. (valor de anterioridade)
Acabando o discurso, os convidados saíram.
b. Atravessando a rua, eu fui atropelada. (valor de simultaneidade)
Eu fui atropelada atravessando a rua.
c. O Manuel foi à praia, comendo lá uns camarões. (valor de
posterioridade)
?? Comendo lá uns camarões, o Manuel foi à praia.
É ainda de destacar o facto de que nas Gramáticas da tradição, o valor de modo está
relacionado a um constituinte adjunto e não a uma oração. Ora, se os gramáticos já pensavam
assim é porque o estatuto sintáctico das construções da margem direita são no mínimo mais
deficitárias do que as construções que ocupam tipicamente posição anterior à matriz. Como
vimos na gramática do italiano, é relevante distinguir entre construções de gerúndio de frase
e de predicado em termos das propriedades que exibem. Parece que as nomenclaturas se
alteram, mas a diferença já foi observada há mais tempo.
58
Na gramática de Mateus at al (1989, 2003), as construções gerundivas foram pouco
exploradas. No tocante às gerundivas adverbiais, apenas as de carácter temporal foram
abordadas, não sendo mencionadas as gerundivas com valores de causa, concessão,
condição, modo, instrumento, etc.,
Quanto ao valor aspectual das gerundivas, Lonzi (1991) demonstra, para o italiano,
que o gerúndio de predicado pode ser durativo ou pontual.
Do mesmo modo, existem construções gerundivas no português, como as de resultado,
que apontam igualmente para um valor de processo culminado ([+pontual]) do predicado no
gerúndio, como irei demonstrar no capítulo 4. Assim, concordo com Lonzi (1991) de que o
gerúndio nem sempre é durativo, podendo ser também pontual.
Lobo (2002, 2003), seguindo as propostas de Lonzi (1991), demonstra que no
português europeu há muitos aspectos sintáctico-semânticos que se comportam de forma
idêntica ao italiano, como será observado no capítulo 3 desta tese.
Partindo para a Gramática do Espanhol, o que se pode afirmar é que, de entre as
gramáticas analisadas, o estudo mais completo das construções gerundivas é o de é
Fernandez Lagunilla (1999). Não obstante, as classificações propostas nem sempre são
claras. A divisão dos adjuntos internos em adjuntos e predicativos é pouco evidente.
Reconhecendo que não é fácil separá-los, apresento uma proposta no capítulo 4 que procura
discerni-los de forma mais precisa.
Com relação à divisão feita para os adjuntos internos, Fernandez Lagunilla (1999)
assume que as modais são mais comuns, embora cite outras como (ii) as ilocutórias; (iii) as
locativas; (iv) e outros gerúndios lexicalizados. Na verdade, as justificativas para que haja
estas subdivisões são, por vezes, pouco claras. Por exemplo, para as modais a autora usa
como critério distintivo uma característica que se encaixa igualmente nas predicativas, que é
a possibilidade de se referirem ao sujeito ou ao objecto da frase activa, a única diferença
59
marcante que não foi analisada no português, é o facto de as modais em espanhol poderem se
referir ao complemento agente da passiva.
Quanto aos gerúndios predicativos, são colocadas na mesma classe construções de
naturezas sintácticas distintas. Algumas fazem parte do DP, outras de PPs, outras ainda
podem ser orações adjectivas reduzidas. Penso que cada uma delas merece um estudo a parte,
pois a estrutura sintáctica é diferente. No presente trabalho, considerarei apenas as
construções gerundivas no domínio frásico, que correspondem à definição clássica de
construções predicativas de sujeito e de objecto (cf. capítulo 4).
Ao longo do capítulo fui destacando aspectos relevantes nos estudos dos gramáticos
portugueses e brasileiros (Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984), Bechara (1999) e Mateus at
al. (1989,2003)), assim como nos do italiano (Lonzi(1991)) e do espanhol (Fernandez
Lagunilla (1999)). Fiz uma comparação destes estudos e comprovei frequentemente que um
complementa o outro, ou simplesmente aborda questões muito próximas. Verifiquei que
Cunha (1972), Cunha e Cintra (1984) apresentaram uma proposta de classificação das
gerundivas adverbiais, em termos dos seus valores semânticos, que se mantém até os dias
actuais. As gerundivas absolutas têm valores como tempo, causa, concessão e condição, ao
passo que as gerundivas denominadas por eles de adjuntos adverbiais têm valor de modo.
Na Gramática do Italiano, Lonzi (1991) faz uma divisão bastante inovadora entre as
gerundivas adverbiais de frase e de predicado. Lobo (2003) irá retomá-la e desenvolvê-la
para o português europeu. Lonzi (1991) relaciona posição das gerundivas (periféricas e não
periféricas) aos valores semânticos. Também a autora faz alusão à estrutura interna das
gerundivas.
Fernandez Lagunilla (1999) no espanhol fornece-nos muitos dados novos, a partir dos
quais me foi possível analisar melhor as construções predicativas. Embora haja uma
subdivisão exaustiva do gerúndio, é importante observar que as estruturas sintácticas são
60
diferentes, por isso devem ser analisadas uma a uma. A autora deixa claro que os adjuntos
internos se confundem, principalmente os que têm valor de modo com os predicativos. Em
uma visão aspectual, Fernandez Lagunilla comprova que as escolhas lexicais interferem na
construção gerundiva, havendo, assim, restrições aspectuais do predicado. O mesmo irá
passar-se no português, como foi demonstrado em Lobo (2003) e retomado aqui nos
capítulos 3 e 4.
Todas as considerações dos autores estudados neste capítulo foram o alicerce para que
pudesse avançar e até mesmo recortar as construções que considerei mais importantes no
presente trabalho. Também considero de grande importância a comparação do português com
o espanhol e o italiano, por pertencerem a uma mesma família de línguas, as línguas
românicas. No próximo capítulo abordarei as gerundivas adverbiais em português. Parto de
trabalhos cuja abordagem é semântica, para depois me focar na sintaxe dessas construções.
61
CAPITULO 3
3. Orações adverbiais gerundivas em português
Este capítulo centra-se nas orações gerundivas adverbiais em português, tema que tem
sido na última década aprofundadamente analisado do ponto de vista sintáctico, semântico e
pragmático, no português europeu e brasileiro.
Partindo da revisão bibliográfica dos trabalhos que se debruçaram sobre esse tópico,
estabelecerei a minha posição sobre as gerundivas adverbiais, contribuindo, em aspectos
específicos, para o afinamento de algumas das propostas apresentadas na literatura.
A caracterização das gerundivas adoptada no presente capítulo servirá de referência
ao trabalho a desenvolver no capítulo seguinte sobre as gerundivas predicativas.
3.1. Os valores das gerundivas adverbiais – as abordagens semântica e pragmática
3.1.1. Os valores das gerundivas em Ferrari (1997, 1999)
Ferrari (1997, 1999) apresenta uma abordagem pragmática para o estudo das
gerundivas, na linha da Gramática Cognitivista.
Ferrari (1999) admite que, embora o valor central das orações adverbiais seja o
temporal, estas orações podem apresentar outros valores: causal, condicional e concessivo,
mas também consecutivo14 e de finalidade.
Os sentidos causal, condicional e concessivo surgem a partir de inferências que se
estabelecem pela “pressão” textual. Seguindo a proposta de Traugott e Konig (1991) para a
conjunção “while” em inglês, a autora sugere que tais sentidos surgem de implicaturas
14 Noutros trabalhos este sentido é referido como valor resultativo ou de resultado.
62
conversacionais que se convencionalizam em função do uso a partir das seguintes fórmulas,
em que o Evento 1 é expresso pela Gerundiva e o Evento 2 pela oração subordinante.
(i) Sentido causal
O Evento1 é relevante para o Evento2, sendo que o Evento1 é factual:
(1) Lendo o livro, ela compreendeu a teoria.
(ii) Sentido condicional
O Evento1 é relevante para o Evento2, sendo que o Evento1 é hipotético:
(2) Necessitando de ajuda, chame um funcionário.
(iii) Sentido Concessivo
O Evento1 é incongruente com o Evento2:
(3) Presenciando a briga das crianças, a babá nada fez.
Em análise mais detalhada, Ferrari (1997,1999) assume que, para além dos valores
condicional, causal e concessivo, há outros valores que partem do sentido temporal, estes
valores são o consecutivo (ou resultativo) e o de finalidade. Estes sentidos podem ser
expressos pelas seguintes fórmulas:
(iv) Sentido Consecutivo ou Resultativo:
O Evento 1 é efeito do Evento 2.
No exemplo abaixo, verifica-se essa possibilidade:
(4) Sem garantia para seus investimentos, os donos de imóveis poderiam fechar
suas portas, o que faria o aluguel subir, prejudicando os inquilinos.(Veja 5/7/95)
Em (129), “prejudicar os inquilinos” é o efeito de “o aluguel subir”. Por isso, o
sentido consecutivo surge como implicatura decorrente da aplicação da fórmula (iv).
63
(v) Sentido de Finalidade:
O Evento 1 é o objetivo do Evento 2
Nos exemplos a seguir, a implicatura de finalidade resulta da aplicação da fórmula
acima a dois eventos concomitantes:
(5) “Para ter uma casa com boa estrutura, é necessário pagar por isso.”
diz a diretora artística Marcia Alvarez, tentando justificar os altos preços das
comidas e bebidas.(JB, 13/04/96)
Ferrari (1997,1999) também acrescenta que ao valor causal está associado um tempo
[+passado] ao passo que ao valor condicional um tempo [-passado] na oração subordinante.
Os exemplos a seguir foram elaborados com o propósito de ressaltar esta distinção temporal:
(6) Estudando, ele passou no Vestibular. (causal)
(7) Estudando, ele passará no Vestibular. (condicional)
No exemplo a seguir, retirado do Corpus Escrito, disponível em Ferrai (1997,1999), a
noção de causalidade advém da aplicação da fórmula (i):
(8) Longe dos olhos, perto do coração. A máxima caracteriza bem a recente
decisão de Priscila. Não podendo acompanhar a natureza boêmia do
namorado, ela voltou a morar sozinha. (JB, 13/04/96)
Em (8), o Evento 1 (“não poder acompanhar a natureza boêmia do namorado”) pode ser
interpretado como relevante para o Evento 2 [+Passado] (“voltar a morar sozinha”). Tem-se,
portanto, o sentido Causal.
Utilizando-se o mesmo exemplo, poder-se-ia ter sentido condicional se o Evento 2
fosse [-Passado]:
64
(9) Não podendo acompanhar a natureza boêmia do namorado, ela voltará a
morar sozinha.
(10) Não podendo acompanhar a natureza boêmia do namorado, ela volta a morar
sozinha.
Ferrari assume a ideia de que:
“/o caso do gerúndio, é possível sugerir que os sentidos de causa, concessão,
condição, etc. tenham se desenvolvido a partir do reforço da informatividade em
função da convencionalização de implicaturas conversacionais. A ocorrência do
gerúndio com sentido de concomitância temporal em contextos que não bloqueavam
uma interpretação causal, concessiva ou condicional, por exemplo, pode ter se
tornado convencional pelo uso freqüente.” (Ferrari 1997, p. 19)
Ferrari discute o processo de gramaticalização por que passou a forma do gerúndio
ablativo, advinda do latim, dentro do quadro teórico da Gramática Cognitiva. Como se pode
notar, todos os valores que Ferrari (1997,1999) menciona acima advém do valor prototípico
temporal, que radia outros valores como o causal, o condicional, o concessivo, o consecutivo
e o final.
A Linguística Cognitiva defende que estas construções são polissémicas, dado que
polissemia “é um fenómeno de categorização prototípica, o que quer dizer que os vários usos
de um item estão organizados à volta de um centro prototípico e por parecenças de família
com esse centro em si. A concepção cognitiva mais frequente desta estrutura, expressa
sobretudo o modelo radial de Lakoff (1987) mas também no modelo da rede de Langacker
(1987), é bidimensional: a estrutura assenta num centro prototípico (ou mais do que um) e
em usos mais ou menos próximos desse(s) centro(s) directa ou indirectamente derivados.”
(Silva, A.S (2001) p. 153-154)
O termo polissemia surgiu na Linguística Cognitiva, o que para Silva, A.S (2001) terá
sido o sucesso desta linha de pesquisa ao reconhecer que há um fenónemo explícito do senso
65
comum: o significado múltiplo das expressões linguísticas ou polissemia. Para este autor, a
caracterização do termo polissemia acima referida surge nos trabalhos pioneiros de
Langacker (p. ex. 1978), Brugman (1981), Lakoff (p. ex. 1982) e Talmy (p. ex. 1983).
Como foi dito, as gerundivas são construções polissémicas por partir de um sentido
central, que é o de tempo. No entanto, no texto de Ferrari, fica claro que o gerúndio teve sua
origem no partícípio presente do latim e que passou inicialmente a indicar instrumento.
Alguns gramáticos mencionam até mesmo o valor de modo do gerúndio, em sua passagem
para o português. Não obstante, estes valores não são mencionados na análise de Ferrari.
Admito que isso se deve ao facto de Ferrari se focalizar nas construções gerundivas enquanto
introdutoras de espaços mentais (ing. “space builders”), nos termos propostos por
Faucconier (1993) e que os valores, instrumental e de modo, não são introdutores de espaços
mentais pela posição que as gerundivas de modo ou instrumento ocupam na sentença e pela
sua integração no predicado da oração matriz (mais adiante esta questão será discutida):
(11) Eu comprei um carro juntando dinheiro. (valor de modo)
(12) O Manuel escreveu a tese utilizando um computador. (valor de instrumento)
O trabalho de Ferrari, ao evidenciar a relevância para o sentido da gerundiva da relação
entre os eventos, mostra a necessidade de ter em conta o conteúdo das orações subordinada e
principal que expressam esses eventos, e consequentemente, a relevância das escolhas
lexicais que estão na base de cada uma dessas orações.
Para além disso, embora Ferrari não o mencione, a posição da oração gerundiva
relativamente à matriz é igualmente relevante: se alterássemos a ordem por que os eventos
são apresentados poderíamos ter outra estrutura sintáctica, que poderia conferir um outro
valor semântico às gerundivas.
66
(13) Ficando forte, ele foi treinar musculação. (tempo)
(14) Ele foi treinar musculação, ficando forte. (consequência)
Na primeira frase, o homem foi treinar musculação depois de ter ficado forte, ao passo
que, na segunda, o homem foi treinar musculação e como consequência disso ficou forte.
Porém, Ferrari (1999) analisa as gerundivas sob o prisma da Gramática Cognitiva e há
de se convir que a especificidade dos estudos cognitivistas reside na preocupação com
significados contextualizados e dinamicamente construídos e na associação do uso da língua
a processos sócio-interacionais e cognitivos. Isso significa que tais estudiosos estão focados
para além da frase e não se ocupam da distribuição dos elementos numa determinada frase.
O estudo de Ferrari evidencia muitas pistas para se estudar as gerundivas adverbiais,
em especial destaca que há um sentido base nestas estruturas, que é o sentido temporal.
3.1.2 Os valores aspectuais das gerundivas temporais em Leal (2003)
Leal (2003) ao estudar as Gerundivas do português, recorta apenas aquelas que têm
valor temporal e são ou orações adverbiais ou predicativo do sujeito. Analisa os subtipos de
valores temporais e os valores aspectuais com que estão associadas. Para tal, o autor utiliza
as noções aspectuais apontadas inicialmente em Moens (1967). Este autor distingue quatro
tipos de situações: estados, processos, processos culminados e culminações.
Estados são situações não dinâmicas, em que nenhuma das entidades envolvidas (A
Maria está doente) sofre qualquer alteração ou transição durante o intervalo de tempo em que
tais situações têm lugar. Já as demais tipologias descrevem situações dinâmicas, não
estativas. Os processos são estados de coisas com uma duração apresentada sem delimitação,
67
pelo que admitem expressões verbais como as iniciadas por durante (Ele correu na pista
durante meia hora). Quanto às situações dinâmicas que têm uma duração razoavelmente
longa, chama-se processos culminados (A Maria escreveu o relatório). Às que são
apresentadas como tendo uma duração breve, dá-se o nome de culminações15 (A Maria
ganhou a corrida) (cf. Oliveira 2003).
Leal afirma que o Gerúndio Simples contém o traço [presente] e o Gerúndio
composto, o traço [passado]. As informações temporais acarretam alterações a nível
aspectual. Desse modo:
(i) O tempo presente faz com que as predicações evidenciem características típicas
dos estados, nomedamente do estado progressivo.
(ii) O tempo passado acrescenta uma terminação arbitrária às predicações que a não
têm (processos e estados).
Leal destaca ainda um dado importante: a relação temporal estabelecida entre a oração
gerundiva e a principal reflecte as alterações aspectuais sofridas pelos predicados básicos na
gerundiva.
Leal (2003) demonstra que associado ao valor temporal está o valor aspectual
[durativo] nas frases com Gerúndio Adverbial. Considerando o Gerúndio Simples, o autor
defende que existem eventos culminados que recebem duratividade quando associados ao
gerúndio, (15), assim como existem eventos que deixam de ter culminação por ocorrência do
evento expresso pela oração subordinante.
15 Oliveira (2003:135) ainda acresenta uma quinta categoria denominada de pontos : são eventos temporalmente indivisíveis e que se distinguem das culminações por não admitirem um estado resultante (A Maria espirrou).
68
(15) Cumprimentando o Carlos (em 10 segundos)16, o João contou uma anedota.
(cumprimentar ganha duratividade)
(16) Atravessando a rua (*em dez segundos), o André foi atropelado. (atravessar
perde a culminação)
Em (15), a culminação cumprimentar o Carlos recebeu duratividade; já em (16) ao
processo culminado atravessar a rua (*em dez segundos) foi retirada a culminação ao ser
associado à oração subordinante o André foi atropelado, tornando-se numa espécie de estado
progressivo. Ou seja, é verdade que o André esteve a atravessar a rua, mas não é verdade
que ele atravessou a rua. Daí a incompatibilidade com o adverbial “em 10 segundos”.
Com relação ao Gerúndio Composto, Leal faz notar que, temporalmente, tem sempre
uma leitura de anterioridade em relação à oração principal, se ocorrer antes dela, mas que
evidencia outra leitura se ocorrer depois dela:
(17) Tendo cumprimentado o Carlos, o João contou uma anedota.
(18) O João contou uma anedota, tendo cumprimentado o João.
Enquanto (17) tem leitura de anterioridade, pois o gerúndio composto nesta posição
indicará uma acção anterior, em (18), a leitura é de posterioridade em relação à principal.
Há, igualmente, no Gerúndio Composto alterações aspectuais: eventos atélicos passam
a processos culminados. Veja-se o exemplo abaixo em que se pode inferir que o João se
casou com a Maria quando não mais a amava:
(19) Tendo amado a Maria, o João casou-se com ela.
16 Note-se que a expressão que captaria a duratividade não é o apresentado, “durante X segundos”: Cumprimentando o Carlos durante 10 segundos, o João contou uma anedota.
69
Leal (2003) demonstra que as gerundivas apresentam aspectos semelhantes a outras
construções, do ponto de vista aspectual:
“as gerundivas com Gerúndio Simples assemelham-se a predicados no Progressivo
Presente e a orações temporais com “quando”; as gerundivas com Gerúndio
Composto, por seu lado, assemelham-se às construções com Partícipio.” (p. 457)
Dos exemplos (20a) e (20b) pode-se depreender que o evento da oração gerundiva
inclui o da principal, tal como o evento de uma oração com progressivo inclui o de uma
oração temporal pontual com “quando”.
(20) a. O João estava a trabalhar no quintal quando viu passar um ovni.
b. Trabalhando no quintal, o João viu passar um ovni.
Já as gerundivas com o Gerúndio Composto apresentam afinidades com a construção
de Particípio Absoluto:
(21) Tendo comido o bolo, o João saiu de casa
(22) Comido o bolo, o João saiu da cozinha.
Leal (2003) explica, sob o ponto de vista da Semântica, como se estabelecem as
relações entre oração principal e gerundiva. Na esteira de Kamp e Reyle (1993) e de Peres
(1994), o autor defende que as gerundivas estão dotadas de informação temporal. Esta
informação temporal diz respeito ao Ponto de Perspectiva Temporal, que os autores acima
defendem como o tempo intermediário entre o Ponto de Referência e a eventualidade descrita
que identifica o ponto a partir do qual é focada a referida eventualidade. Assim, para o
exemplo seguinte, o autor segue com a explicação, abaixo transcrita:
70
(23) Atravessando a rua, o André foi atropelado.
“(...) o Gerúndio apresenta os traços [+past] e [presente]. O traço [+past] é definido
para o Gerúndio pela oração principal e indica que a eventualidade é perspectivada a
partir de um Ponto de Perpectiva Temporal anterior ao momento da enunciação. O
traço [presente] do Gerúndio Simples faz com que a oração em que ocorre veicule uma
eventualidade que se sobrepõe a esse Ponto de Perspectiva Temporal e que, por isso,
está a ter lugar aquando do dado Ponto de Perspectiva Temporal. Este traço
[presente] faz com que haja uma alteração a nível aspectual no predicado da
gerundiva. Este predicado, basicamente um processo culminado, é agora um tipo de
estado (semelhante ao estado progressivo). Esta modificação a nível aspectual faz com
que a relação temporal que a oração gerundiva estabelece com a oração principal seja
a de inclusão (um estado inclui um evento”). (p.459)
Leal (2003) faz notar que para Kamp e Reyle (1993) o Ponto de Perpectiva Temporal
só pode estabelecer uma relação de anterioridade (+PAST) ou de sobreposição (-PAST) com
o momento da enunciação e que, desse modo, estes autores não dão conta de exemplos como
o seguinte, em que “atravessar a rua” não inclui o momento da enunciação:
(24) Atravessando a rua, o André vai ser atropelado.
Este Ponto de Perspectiva Temporal é definido pelo traço +FUT. No entanto, há casos
em que este traço [presente] não se encontra ou não se manifesta no Gerúndio Simples. Isto
leva a que não haja alterações aspectuais e, por conseguinte, as leituras efectuadas estão de
acordo com os tipos aspectuais básicos das predicações que ocorrem no Gerúndio Simples.
(25) Atravessando a rua (em 10 segundos), o André subiu para o passeio.
71
Neste caso, o conhecimento de mundo implica que haja apenas uma leitura de
sequencialização, mantendo-se o predicado em Gerúndio Simples na sua forma básica (de
processo culminado).
Assim, as gerundivas analisadas do ponto de vista aspectual que recortei em Leal
(2002), ajudar-me-ão a analisar outras construções de gerúndio. Em especial é de reter que,
ao Gerundio Simples, considerando o Ponto de Perspectiva Temporal, está vinculado o valor
de duratividade, mas que este valor não ocorre na sua forma básica (processo culminado).
Há eventos culminados que recebem duratividade quando associados ao gerúndio, assim
como existem eventos que deixam de ter culminação por ocorrência do evento expresso pela
oração subordinante. Dados que analisarei mais adiante corroboram que as escolhas lexicais
que entram na Numeração, bem como a relação entre os itens lexicais da oração matriz e da
gerundiva adverbial, são fulcrais para se ter um determinado tipo de interpretação da
gerundiva e não outra.
O que se pode observar é que, apesar de ser clássico distinguir entre os valores
temporais de simultaneidade, anterioridade, posterioridade (o que já desde os gramáticos era
feito) parece-me inovadora a análise de Leal do gerúndio em termos da interacção tempo -
aspecto. Embora o autor se restrinja ao Gerúndio temporal, dando-lhe, por isso, grande
relevo, não tem uma perspectiva idêntica à de Ferrari, que assume que o valor básico de todas
as orações adverbiais gerundivas (causais, concessivas, condicionais, finais...), é o temporal.
Quando muito podemos pensar que algumas orações de gerúndio com valor de futuro
poderiam ser classificadas tanto como temporais como as condicionais – implicitamente, já
que o autor não afirma isso. Também há de se destacar que existem outros valores
semânticos que nem implicitamente são referidos pelo autor para as orações gerundivas
adverbiais.
72
3.1.3 Os valores semânticos das gerundivas adverbais em Móia e Viotti (2004)
1. Os subtipos de construções de gerúndio distinguidos
Móia e Viotti (2004) distinguem, do ponto de vista da sua distribuição (em termos de
função sintáctica), diferentes subtipos de construções de gerúndio: o gerúndio independente,
que se caracteriza por ocorrer isoladamente, sem estar dependente de uma oração principal,
em imperativas ou em construções de captação de imagens:
(26) Andando já para a casa!
(27) Mulheres [vendendo tapetes no mercado].
Também há as gerundivas argumentais, que podem estar associadas ao verbo principal
como o verbo “ver”, ou a um predicado nominal, como “situação”:
(28) A Ana viu [um bicho estranho escavando a terra].
(29) [Aves chocando contra aviões] não é uma situação rara.
A terceira classe sintáctica, segundo os autores, é constituída pelas construções
perifrásticas: o gerúndio juntamente com um auxiliar forma um complexo verbal:
(30) O país está mudando.
(31) Já há muito que eu venho dizendo isso.
Ainda com relação à distribuição sintáctica, Móia e Viotti mencionam as construções
gerundivas adnominais e adverbiais. Nas primeiras, o gerúndio está dentro de sintagmas
nominais como modificador de um nome (cf. (32)) ou em construções apositivas (cf. 33)
73
(32) Foram encontradas [várias caixas contendo documentos secretos].
(33) O timbre da tua voz, fazendo lembrar Maria Callas, é impressionante.
Já nas segundas, o gerúndio ocorre na posição de um advérbio e está associado a diversos
valores (cf. 34 e 35):
(34) A Ana abraçou o Rui, apertando-o fortemente contra o peito.
(35) A Ana cortou a meta em primeiro lugar, recebendo o prémio de mil euros.
Centrar-me-ei apenas nas propopostas de Móia e Viotti (2004) para as orações
adverbiais, muito embora os autores analisem neste estudo o gerúndio em adverbiais e em
perífrases verbais.
2. Os valores do gerúndio adverbial
Para estes autores, a questão básica no estudo do “gerúndio adverbial” é a do valor
exacto do morfema gerundivo (-ndo). Móia e Viotti observam que na gramática tradicional e
em trabalhos recentes sobre o português (e.g. Lobo 2002), tal como em gramáticas de línguas
românicas (cf. especialmente Lonzi, 1991, para o italiano, e Fernandez Lagunilla, 1999, para
o espanhol) o gerúndio é caracterizado como um operador altamente polissémico. (Móia e
Viotti 2004, p. 125)
Os autores explicitam que parece haver uma visão de que as orações adverbiais estão
associadas a uma vasta gama de valores interproposicionais. A fim de esclarecer ou de alterar
esta visão, os autores adoptam o quadro das Relações Discursivas (DRs) de Asher (1993) e
Lascarides & Asher (1993) ou trabalhos mais recentes da mesma linha de pesquisa.
Considerando as DRs, os autores listam quinze valores semânticos do gerúndio
adverbial, que consideram poder ser agrupados em diferentes classes: (i) relações temporais
74
de uma situação independente da da subordinante; (ii) relações temporais de componentes ou
aspectos da mesma situação presente na subordinante, (iii) relações causais ou instrumentais,
(iv) condicionalidade, (v) relações contrastivas, (vi) valor atemporal (cf. p. 130)
(i) Gerúndio de posteridade: a oração gerundiva identifica a situação que ocorre depois de
uma representada na oração matriz, uma Relação do Discurso (DR) comparável à Narração a
ser estabelecida:
(36) O assaltante entrou no banco, dirigindo-se calmamente ao caixa.
(ii) Gerúndio de anterioridade: a oração gerundiva identifica a situação que ocorre
anteriormente à que é representada na oração matriz, uma DR comparável ao oposto da
Narração ser estabelecida:
(37) Atravessando o banco, o assaltante dirigiu-se ao caixa e gritou: “Mãos ao
alto!”
(iii) Gerúndio de sobreposição temporal (Temporal overlapping “gerúndio”): a oração
gerundiva identifica a situação que é temporalmente concomitante com que é representada na
oração matriz. Tipicamente, actividades paralelas são envolvidas:
(38) O gorila corria na jaula, gesticulando de modo brusco.
(iv) Gerúndio de cenário (‘backgrounding” gerund”): a oração gerundiva identifica uma
situação (normalmente estativa) que fixa o cenário temporal da situação representada na
oração principal; uma DR comparável ao cenário a ser estabelecido.
(39) Passeando pela praia, a Ana encontrou uma moeda de ouro muito antiga.
(v) Gerúndio contextualizado (backgrounded gerund”): a oração gerundiva identifica a
situação que ocorre tendo por cenário temporal a situação representada na oração principal, a
DR comparável ao oposto da do estabelecimento de cenário. Normalmente requer o gerúndio
composto:
75
(40) A Ana passeou durante horas pela praia, tendo encontrado uma moeda de
ouro muito antiga.
(vi) Gerúndio elaborativo: a oração gerundiva identifica parte de uma situação maior,
representada na oração principal, DR comparável à Elaboração a ser estabelecida.
Normalmente requer o gerúndio composto:
(41) A Ana remodelou toda a casa, tendo pintado a sala de azul.
(vii) Gerúndio de modo: a oração gerundiva identifica uma característica da situação
representada na oração matriz:
(42) A Ana recitou o poema quase cantando.
(viii) Gerúndio instrumental : a oração gerundiva identifica o instrumento ou os meios para
executar a actividade para a situação representada na oração matriz. É semelhante, apesar de
não idêntico, ao gerúndio causal:
(43) A polícia dispersou os manifestantes lançando gás lacrimogéneo.
(ix) Gerúndio causal: a oração causal identifica a situação que causa ou explica a
representada na oração matriz, DR comparável à Explicação a ser estabelecida.
(44) Temendo ser mal interpretado, o Paulo decidiu não falar.
(x) Gerúndio resultativo: a oração gerundiva identifica a situação que é a consequência ou
resultado do que está representado na oração matriz, uma DR comparável ao Resultado a ser
estabelecido. Pode ser considerado o oposto de uma relação causal ou de uma relação
instrumental.
(45) A polícia lançou gás lacrimogéneo, dispersando os manifestantes.
(46) O Paulo temeu ser mal interpretado, decidindo não falar.
76
(xi) Gerúndio condicional: a oração gerundiva tem um valor semântico de oração
condicional:
(47) Vivendo numa cidade pequena, teríamos mais qualidade de vida.
(xii) Gerúndio concessivo: a oração gerundiva tem um valor semântico de oração
concessiva:
(48) É incrível! (Sendo) rico como é, o Paulo comprou um carro em segunda mão.
(xiii) Gerúndio adversativo: a oração gerundiva tem um valor semântico de uma oração
adversativa.
(49) O Paulo estuda pouco, conseguindo (no entanto) ter boas notas.
(xiv) Gerúndio oposicional: a oração gerundiva identifica a situação que contrasta com o
que é representado pela oração matriz:
(50) O Paulo não foi para Londres, ficando antes em Paris.
(xv) Gerúndio neutro: os autores explicam exaustivamente tal valor:
“the gerundive clause identifies a (typically stative) situation that is associated with the
one represented in the main clause, in such a way that no temporal, mereological,
causal, instrumental, conditional or contrastive relation holds between them. We might
perhaps vaguely term this relation as simple association of two situations, but, on a
closer inspection, possibly different types of discourse relations – like Comment,
Instantiation or Generalisation, for instance – would have to be taken into account.
«/euter« is therefore a provisional cover-up term.” (p.130)
(51) Os juros serão pagos anualmente, sendo o BPA quem efectua o pagamento.
77
Após explicitarem os quinze subtipos de gerundivas em termos do seu valor, os
autores retomam a questão de o morfema –ndo ser um operador polissémico.
Móia e Viotti vão contra esta posição e apresentam três argumentos que demonstram
que os vários valores semânticos da oração gerundiva não podem ser transmitidos pelo
gerúndio:
(i) Em primeiro lugar, se o gerúndio fosse polissémico como explicar sentenças
gerundivas com valores contraditórios, como anterioridade ou posterioridade;
causa ou efeito; instrumento ou resultado? Desse modo, haveria uma
polissemia de antonimia, o que semanticamente seria questionável.
(ii) Segundo, não há necessidade de marcar alguns valores, pois podem surgir em
sentenças justapostas: O assaltante entrou no banco. Dirigiu-se calmamente
ao caixa. (sequência temporal)
(iii) Terceiro, alguns valores semânticos podem estar marcados com expressões
adverbiais explícitas, havendo, assim, uma redundância: O assaltante
atravesssou o banco, [dirigindo-se em seguida calmamente ao caixa].
Móia e Viotti (2004) consideram, como segunda hipótese, o gerúndio ser um
marcador de conexão proposicional sem valor semântico, como o “that”17 do inglês. Rejeitam
esta hipótese por considerarem que não capta que a combinação da oração matriz e da
gerundiva é mais restricta do que a combinação de duas orações em justaposição ou
coordenação (p.132).
Finalmente, a terceira hipótese é considerar o gerúndio como um operador discursivo
de associação de eventos. Essa última hipótese seria para os autores a mais coerente, partindo
do princípio que os valores são recuperáveis pragmaticamente.
17 Na verdade os autores não observaram que o that ocorre em frases finitas, por isso a comparação é problemática, a meu ver.
78
A classificação das adverbiais gerundivas proposta em Móia e Viotti (2004) é exaustiva
e as hipóteses que levantam relativamente ao valor básico do gerúndio são bastante
relevantes para o estudo em questão.
Quanto aos valores semânticos das orações gerundivas adverbiais em português (PE e
PB), embora num estudo semântico possa ser importante distinguir os valores considerados
em Móia & Viotti (2004), nesta tese, adoptarei a classificação mais comum, que destaca
como valores centrais das gerundivas adverbiais o temporal (presente, passado e simultâneo),
o condicional, o causal, o concessivo, o modo, e o final.
Inclusivamente, alguns dos sentidos apresentados neste trabalho, não podem, no meu
ponto de vista, ser incluídos no grupo das adverbiais. É o caso do gerúndio resultativo, que
será analisado no capítulo 4 deste trabalho.
Quanto à natureza do gerúndio como um operador polissémico, Móia e Viotti vão
contra essa ideia, pois acreditam que o gerúndio é um operador discursivo. Considero esta
hipótese discutível com base nos seguintes argumentos:
(i) Móia e Viotti (2004) defendem que as frases acima seriam casos contraditórios
de polissemia, por haver uma relação de antonímia associada ao valor do
gerúndio.
Note-se, no entanto, que ao analisar a questão da “Polissemia e produtividade lexical
do prefixo –des”, Shneider (2008) defende que há um viés polissémico, de que o falante
dispõe para formar antônimos. Deste modo, o referido prefixo expressa intensidade,
aumento, positivitividade, mas também destruição, acção contrária, negatividade, além de
outras facetas semânticas. Assim, considero que, qualquer estudo linguístico que trabalhe
79
polissemia, de alguma forma, terá de ter em conta o carácter antagónico das relações
semânticas.
Voltando ao argumento de Móia e Viotti (2004), que defendem haver um valor de
antonímia, na minha opinião, mesmo que as escolhas lexicais sejam as mesmas, os arranjos
não o são, por isso há alteração em LF. Os autores mudam a ordem dos arranjos lexicais
trocando o predicado da oração subordinada com o da oração matriz. Assim, o que era o
evento anterior, passa a ser o posterior, o que era a causa passa a ser o efeito, o que era
instrumento passa a ser resultado, por causa da própria mudança. Vejamos um exemplo de
caso de antonímia apresentada pelos autores:
(52) A polícia dispersou os manifestantes lançando gás lacrimogéneo. (gerúndio
instrumental)
(53) A polícia lançou gás lacrimogéneo, dispersando os manifestantes. (gerúndio
resultativo)
Assim, não consigo depreender o que há de contraditório nas frases acima: uma vez
que em (54) o evento da oração principal é: dispersar os manifestantes; já em (55) é lançar
gás lacrimogéneo. Há de se observar o arranjo que se faz dos itens lexicais e as categorias
que entram na Numeração. Se há mudanças, obviamente que o resultado em LF não será o
mesmo. Mas isso não indica contradição. O que se poderia notar nos exemplos acima é o
facto de que os eventos estão em ordens diferentes: o valor de modo está presente no
primeiro exemplo:
(54) Como a polícia dispersou os manifestantes?
R: Lançando gás lacrimogéneo.
80
Já no segundo acredito estar diante de oração resultativa que pode ser parafraseada por
uma oração relativa parentética, em que o relativo tem por antecedente toda a oração
anterior:
(55) A polícia lançou gás lacrimogéneo - o que dispersou os manifestantes.
Na visão de Ferrari, o segundo exemplo (cf. (53)) seria uma consequência do evento 1,
ou o resultado do que ocorreu na principal.
Também há de se observar que, nos casos em que temos gerúndio adverbial, temos
frases em que não há traços de tempo ou modo realizados e que usualmente apresentam
complementador nulo. Assim, os valores destes constituintes são recuperáveis através da
selecção lexical das orações subordinada e principal. Desse modo, as relações que
estabelecem entre si e a posição que ocupam é que determinam o valor da gerundiva.
(ii) Móia e Viotti também não pensam o gerúndio como polissémico por não ser
necessário quando há outros marcadores que indiquem o valor semântico, pois seria
redundante. Vejamos o exemplo dos autores:
(56) O assaltante atravessou o banco, [dirigindo-se em seguida calmamente ao
caixa.]
Não vejo problema em haver uma locução adverbial de tempo após o gerúndio.
Bechara exemplifica casos de gerúndio reforçado por advérbio (cf. (82), p.34 acima)18. Na
língua há mecanismos que reforçam um valor, uma expressão, etc:
(57) Mesmo estando doente, ele foi à festa.
18 O exemplo de Bechara (1999): Desviando depois a mão que o suspendia baixou mais dois degraus. (p.524)
81
Note que o valor concessivo enfraquece sem a conjunção “mesmo”, embora se
mantenha:
(58) Estando doente, ele foi à festa.
Assim, defendo que não há nenhuma redundância no uso seja de locuções adverbiais,
seja de conjunções, ou outros mecanismos necessários.
(iii) A outra questão apontada pelos autores é considerar o “ndo” como um conector,
por exemplo como “that”. No entanto, tal conector ocorre em inglês nas subordinadas
finitas.
Para além disso, as relações com o gerúndio não se estabelecem sem um sentido, o
morfema “–ndo” já traz traços aspectuais, que normalmente tem um valor típico de
duratividade – que ocorre nas perífrases verbais19. Já nas adverbiais, dado que, na
maioria dos casos, o complementador nas orações adverbiais gerundivas é nulo, é a
selecção lexical das orações subordinada e principal, as relações que estabelecem entre
si e a posição que ocupam que determinam o valor da gerundiva. Por isso, acredito que
não ocorram em contextos que sejam idênticos ao “that” do inglês.
(iv) Móia e Viotti defendem que o gerúndio é um operador discursivo.
(59) Discutindo sobre política, eles brigaram.
(60) Pensando neste assunto, eu só posso te dizer que nada me agrada ver minha
filha nestas condições.
19 Só em alguns casos o gerúndio apresenta um valor pontual. Alguns casos de valor pontual parecem ser decorrentes da utilização do gerúndio como particípio presente em que o gerúndio não tem valor durativo (Ex. Ele bebeu o café fervendo).
82
Neste aspecto, retomo as ideias que defendi em (2001) quando considero as participais
como Introdutoras de Espaços Mentais, nos termos propostos por Fauconnier (1994,1997).
Ao referir uma ideia já mencionada no discurso podemos ter espaços mentais activos, semi-
activos ou inactivos. Ora, o que acontece quando o gerúndio ocorre nestes contextos
discursivos é retomar ideias já compartilhadas entre falante e ouvinte (cf. Ferrari, 1997, 1999,
Magalhães, 2001). Não obstante, há relações que estão no nível da sentença:
(61) Ele fez a mala pensando em viajar.
(62) Adoptando uma criança, mudo para uma casa maior.
Ora fazer a malar e viajar são duas acções compatíveis, por isso não é necessário
nenhum contexto ou que o gerundivo seja um operador discursivo, neste caso. Também há
uma relação intrínseca entre adoptar uma criança e morar em uma casa maior, já que a
criança precisará de espaço, etc.
Tudo depende da relação entre matriz e subordinada. Se a gerundiva retoma
informações que estão além da sentença, se é necessário se recuperar o discurso. Há
informações que são sempre compartilhadas, como defende a Linguística Cognitiva, são
MCIs (Modelos Compartilhados Idealizados).
Em suma, assumo que a estrutura interna da gerundiva reflecte no seu valor semântico:
as gerundivas adverbiais, que são TPs ou CPs, têm um sentido básico, que é o temporal. A
partir de deste, outros podem se sobrepor, como causa, condição, concessão, etc.
Parto agora para a revisão das análises sintácticas propostas na literatura.
83
3.2. Abordagem sintáctica
3.2.1. As construções gerundivas em Lobo (2002, 2003, 2006)
Lobo (2002, 2003 e 2006) distingue, do ponto de vista da sua distribuição sintáctica,
cinco tipos de construções gerundivas: (i) o gerúndio em complexos verbais, com verbos
aspectuais auxiliares ou semi-auxiliares20 (estar, continuar, ir, vir, acabar), (63), (ii) o
gerúndio predicativo, que ocorre em construções analisáveis como orações pequenas ou
predicados secundários, (64), (iii) o gerúndio adverbial em orações adjuntas, (65); (iv) o
gerúndio independente com valor imperativo, (66); e o gerundivo adnominal (em Lobo 2006,
distinguido do gerúndio predicativo, onde o incluía nos trabalhos anteriores), (67); (vi) o
gerúndio de posteridade ou ‘coordenado’ (Lobo 2003), (68):
(63) Eles estão sorrindo, ... (ver Lobo 2006)
(64) O Zé entrou em casa cantando.
(65) Tendo chegado atrasado, o Zé só encontrou lugar na última fila.
(66) Os meninos dormindo a esta hora! Não posso acreditar.
(67) O João fotografou o Afonso dormindo tranquilamente.
(68) Os bandidos escaparam à polícia, só tendo sido identificados dois dias
depois.
Para a distinção entre gerúndio predicativo e adverbial, Lobo tem por referência
central o trabalho de Fernandez Lagunilla (1999) para o espanhol, visto no capítulo anterior.
20 A autora apenas em (2006) é que assume que estas construções são assim formadas, ainda em sua tese de doutoramento, Lobo (2003) só faz referência a este tipo de estrutura para demonstrar que o gerúndio predicativo está sujeito à mesma restrição aspectual que as construções progressivas, ou seja, o gerúndio em complexos verbais são denominados como construções progressivas. (cf. p.250)
84
3.2.2 A distribuição sintáctica das gerundivas adverbiais em Lobo
O estudo de Lobo está focado nas orações gerundivas adverbiais, que ela designa por
gerundivas adjuntas. Na esteira de Lonzi (1991) e Fernandez Lagunilla (1999), a autora
divide o gerúndio adverbial em: (i) gerúndio de frase e (ii) gerúndio de predicado.
Os valores das orações gerundivas adverbiais estão associados à distribuição sintáctica.
Desse modo, Lobo considera que os valores temporal (não simultâneo), causal, de
concessão, condicional ocorrem nas gerundivas periféricas (não integradas ou de frase); já os
valores modo/meio, modo/condição, tempo (simultâneo) ocorrem nas orações gerundivas não
periféricas (integradas ou de predicado).
As gerundivas periféricas ocorrem tipicamente na margem equerda (cf. (69)). Podem
também aparecer na margem direita, se forem antecedidas de pausa (cf. (70))
(69) a. Tendo as crianças adormecido, os pais foram deitar-se. (temporal)
b. Havendo poucas inscrições, o atelier fechou. (causal)
c. Mesmo tendo chegado atrasado, o Zé conseguiu acompanhar a aula.
(concessivo)
d. Havendo poucas inscrições, o atelier fechará. (condicional)
(70) a. Os pais foram deitar-se, tendo as crianças adormecido. (temporal)
b. O atelier fechou, havendo poucas inscrições. (causal)
c. O Zé conseguiu acompanhar a aula, mesmo tendo chegado atrasado.
(concessivo)
d. O atelier fechará, havendo poucas inscrições. (condicional)
85
As gerundivas não periféricas ocorrem tipicamente na margem direita sem pausa (cf.
(71)):
(71) a. O Zé recebeu a notícia estando de férias nos E.U.A. (tempo simultâneo)
b. Os ladrões arrombaram a porta usando um martelo. (modo/meio)
c. O Zé teria menos dores ficando deitado. (modo/condição)
Se a gerundiva está na margem direita e é não periférica ocorre dentro do domínio do
predicado, como adjunto do sintagma verbal da oração matriz. Se a gerundiva é periférica,
ocorre na oração matriz como adjunto de projecções frásicas (TP, CP).
Desenvolvendo propostas encontradas na literatura (Lonzi 1988, Fernandez Lagunilla
1999), Lobo apresenta testes para atestar a distribuição da gerundiva na frase As gerundivas
não-periféricas, por oposição às periféricas, produzem resultados bem formados quando
submetidas aos testes abaixo: clivagem, resposta a interrrogativa-Qu; escopo da negação da
frase subordinante; interrogativas e negativas alternativas.
1) Testes de Clivagem
As gerundivas periféricas não ocorrem em clivadas, (72a). Já as não periféricas podem
ser clivadas, (72b):
(72) a. *Foi estando toda gente a dormir que os ladrões entraram. (gerundiva
periférica)
b. Foi arrombando a porta com um maçarico que os ladrões conseguiram
entrar. (gerundiva não periférica)
2) Resposta a interrogativas-Qu
As gerundivas periféricas não podem ocorrer em respostas a interrogativas QU
86
(73) a. Porque é que o Zé faltou à aula?
b. R: *Estando doente.
As gerundivas não periféricas, pelo contrário, podem ocorrer em respostas a interrogativas
QU21:
(74) a. Como é que os ladrões entraram em casa?
b. R: Arrombando a porta com um maçarico.
(75) a. Quando é que o João encontrou o irmão?22
b. Passeando pela Baixa.
(76) a. Quando é que tiveste esta ideia fantástica?
b. Passeando à beira mar.
3) Escopo da negação frásica da oração principal
As gerundivas periféricas não estão sob o escopo do marcador de negação da frase
matriz, chamada por vezes de “negação de foco”:
(77) a. Estando triste, o Zé não foi ao cinema.
b. O Zé não foi ao cinema, estando triste (*mas sim estando muito
interessado no filme).
Lobo continua, demonstrando que as gerundivas não periféricas, contrariamente,
podem estar sob o escopo da negação matriz:
21 Assumindo, como a autora, que as gerundivas não-periféricas são de tempo simultâneo ou modo ou modo/condição teria que haver uma resposta a perguntas com o conector quando em quaisquer construções de tempo simutâneo, o que não acontece no exemplo (ii), que é marginal: (i) O Zé recebeu a notícia estando de férias nos E.U.A. (Lobo 2003) (ii) a. Quando é que o Zé recebeu a notícia? b.?Estando de férias nos E.U.A. 22 Os exemplos em (75) e (76) foram os únicos encontrados na tese de Lobo usando “quando” na pergunta.
87
(78) O Zé não ligou o aparelho seguindo as instruções (ligou-o de qualquer
maneira)
4) Interrogativas e negativas alternativas:
As gerundivas periféricas não podem ocorrer em interrogativas e negativas alternativas:
(79) *O Zé chegou atrasado tendo adormecido ou tendo apanhado um
engarrafamento?
Pelo contrário, as gerundivas não periféricas podem ocorrer em interrogativas e
negativas alternativas:
(80) Os ladrões arrombaram a porta batendo com um martelo ou usando um
maçarico?
Lobo conclui que as gerundivas não periféricas ocorrem em adjunção ao sintagma
verbal e que as gerundivas não periféricas se encontram em adjunção a projecções frásicas
mais altas, nomeadamente a TP e a CP.
Vejamos o contraste nas representações abaixo:
(81)
... TP
... VP
VP O. adjunta
88
É de notar que no seu trabalho, Lobo não usa a distinção entre vP e VP. Assim, na
representação acima VP designa a projecção máxima de V, ou seja, vP.
Com base na proposta de Lobo (cf. a representação das gerundivas periféricas em
adjunção a IP em Lobo 2003: 319), parto do pressuposto de que as gerundivas periféricas são
CPs que estão em adjunção a IP (=TP) ou a CP – nas duas primeiras representações a
gerundiva ocupa margem esquerda; na terceira, a margem direita:
(82)
CP
C IP
CP IP | O. Adjunta
(83) CP
CP IP
(84) CP
CP CP
O. Adjunta
89
Lobo justifica estas representações com base nos seguintes argumentos:
“As gerundivas periféricas ocupam posições periféricas altas, ao passo que as
gerundivas não periféricas são adjuntas a posições baixas. Isto é mostrado pelo
comportamento das adverbiais nos testes que envolvem questões de escopo (e.g.
negação), se admitirmos que /eg é um nó funcional acima de VP, e ainda pela
diferente marcação prosódia aparentemente associada a cada um dos tipos de
adverbiais.” p. 275).
Assim, a construção em “O Zé não ligou o aparelho seguindo as instruções (ligou-o
de qualquer maneira), o nó Neg c-comanda a oração gerundiva, pois o que está a negar não é
“Zé não ligou o aparelho” mas sim “Zé não seguiu as instruções ao ligar o aparelho”, i.e.,
ele ligou o aparelho.
Quanto à marcação prosódia, as adverbiais periféricas estão sempre separadas por
pausas quer ocorram à esquerda ou à direita da frase matriz; as não periféricas estão
integradas no predicado e por isso não estão separadas por pausas da parte “nuclear” da frase.
Isso a autora deixa claro ao afirmar que as gerundivas não periféricas ocorrem tipicamente
em posição final não precedida de pausa.23
23 Lobo (2003) mostra que as gerundivas não periféricas podem ocorrer em posição inicial. No entanto, há casos em que a interpretação é alterada, sendo plausível supor que não foram deslocadas de uma posição pós-verbal, mas sim geradas basicamente à esquerda. Assim, as frases em b. não podem ter a mesma interpretação que as frases de a.
(i) a. Os chimpanzés constroem os seus ninhos juntando pequenos ramos. b. Juntando pequenos ramos, os chimpanzés constroem os seus ninhos. (ii) a. Os chimpanzés não constroem os seus ninhos juntando folhas secas. b. *[Juntando folhas secas]i, os chimpanzés não constroem os seus ninhos. [-]i (iii) a. A Ana acha que os chimpanzés constroem os seus ninhos juntando pequenos ramos. b. *[Juntando pequenos ramos]i, a Ana acha [que os chimpanzés constroem os seus ninhos [-]i] No entanto, a leitura “reconstruída” parece ser possível quando está presente um verbo modal e o tempo futuro/condicional na frase subordinante Veja-se que nos exemplos seguintes as gerundivas não periféricas iniciais estão sob o escopo de Neg matriz e modicam a frase mais alta, à qual estão adjacentes. (iv) a. O Zé não consegue chegar ao armário subindo para cima do banco. b. Subindo para cima do banco, o Zé não consegue chegar ao armário. (v) a. Os atletas não conseguirão melhorar os resultados treinando só duas horas por dia.
90
Lobo (2003) admite, no entanto, que as gerundivas não-periféricas podem ocorrer em
posição inicial se tiverem sido para aí deslocadas, sendo nesse caso seguidas de pausa:
(85) O João não conseguiu fazer o pudim batendo as claras em castelo.
(86) Batendo as claras em castelo, o João não conseguiu fazer o pudim.
Pode-se ainda acrescentar que as gerundivas não periféricas fazem parte do foco da
oração subordinante, diferentemente das periféricas em posição inicial que correspondem a
um tópico, ou dão o enquadramento da situação.
Para além destes, Lobo (2003) apresenta testes adicionais, para determinar o local de
adjunção das gerundivas adverbiais. Para as não periféricas, são usados os seguintes testes:
1) Pseudo-Clivada
Para mostrar que as orações gerundivas adverbiais não-periféricas se encontram em
adjunção ao sintagma verbal, o teste que me parece mais relevante é o da possibilidade de,
usando uma construção pseudo-clivada, destacar ou todo o sintagma verbal incluindo a
gerundiva ou apenas a parte nuclear do sintagma verbal deixando de fora a gerundiva:
(87) a. Foi [amarrar a senhora usando a corda] o que os ladrões fizeram.
b. Foi amarrar a senhora o que os ladrões fizeram [usando uma corda do
estendal].
(88) a. Foi [fumar um cigarro passeando pela Baixa] o que o João fez.
b. Foi [fumar um cigarro] o que o João fez [passeando pela Baixa].
b. Treinando só duas horas por dia, os atletas não conseguirão melhorar os resultados.
91
Note-se que este teste mostra que a gerundiva ocorre em adjunção à projecção mais
externa do sintagma verbal, que corresponde a vP na análise articulada do sintagma verbal
proposta em Chomsky 1995 (que Lobo não adopta), e não no interior desta projecção.24
2) Controlo do sujeito nulo
Para demonstrar a impossibilidade de o sujeito nulo da gerundiva não periférica ser
controlado pelo objecto matriz (89a) nem pelo agente da passiva (89’b), o que sugere que
estes não o c-comandam, Lobo (2003) apresenta os seguintes exemplos:
(89) A Anai abraçou a Teresaj [-]i,* j chorando muito
(89’) a. Os bandidosi amarraram a velhotaj [-]i/*j usando um arame.
b. A velhotai foi amarrada pelos bandidosj [-]?*i/ #j ??? usando um arame.
Do mesmo modo, para mostrar que as orações gerundivas adverbiais periféricas à
esquerda se encontram em adjunção a CP ou a TP, Lobo recorre aos seguintes testes
adicionais:
1) Possibilidade de a adverbial gerundiva preceder um constituinte interrogativo
- adjunção a CP (Lobo 2003: 276)
(90) a. Estando o Pedro com febre, quem fica a toma conta dele?
b. Terminando o trabalho, quem me pode ajudar?
2) Possibilidade de a adverbial gerundiva ocorrer depois de um complementador
- adjunção a TP (Lobo 2003: 276)
(91) O João acha que, estando todos de acordo, (que) podemos terminar a reunião.
24 Como veremos no capítulo seguinte, as gerundivas predicativas têm um comportamento diferente.
92
Em suma, dos testes aplicados por Lobo ao português, podemos concluir que as
gerundivas adverbiais têm a seguinte distribuição: as gerundivas não periféricas são adjuntos
da projecção mais alta do sintagma verbal (vP), as gerundivas periféricas são adjuntas a CP
ou a TP da frase matriz.
3.2.3 A natureza categorial das orações adverbiais gerundivas
Os testes da secção anterior determinam a posição ocupada pela oração adverbial
gerundiva no domínio da frase matriz, já os testes abaixo, propostos em Lobo (2002, 2003,
2006) desenvolvendo os avançados por Lonzi 1991 e Fernandez Lagunilla 1999, visam
demonstrar a autonomia vs. não autonomia frásica da oração subordinada adverbial
gerundiva e determinar a sua natureza categorial.
O facto de a oração gerundiva adverbial periférica poder ter um sujeito distinto do da
matriz, apresentar negação frásica própria, admitir a presença de verbo auxiliar dos tempos
compostos, e advérbios que indicam contextos temporais diferenciados na matriz e na
subordinada gerundiva parece provar que tais construções são orações plenas, i.e, domínios
frásicos expandidos que podem ser CP. Por sua vez, a dificuldade de estas propriedades se
verificarem nas gerundivas não-periféricas sugere que estas são de algum modo deficitárias.
1) Sujeito Lexical
Para Lobo, um dos aspectos que distingue gerundivas periféricas de gerundivas não
periféricas consiste na possibilidade de a gerundiva periférica ter um sujeito lexical marcado
com Caso Nominativo. Em português europeu padrão (tal como em italiano e em espanhol),
esse sujeito ocorre geralmente em posição pós-verbal (ou pós- auxiliar), como foi observado
93
por vários autores (Brito 1984; Âmbar 1988; Barbosa 1995), e pode corresponder a um
pronome com Caso nominativo (cf. 92c):
(92) a. Tendo este aluno desistido, poderemos abrir mais uma vaga. (causa)
b. *Este aluno tendo desistido, poderemos abrir mais uma vaga.
c. Tendo nós desistido, puderam abrir mais uma vaga.
(93) a. Mesmo sendo o Zé pouco simpático, a Ana está a pensar convidá-lo.
(concessão)
b. *Mesmo o Zé sendo pouco simpático, A Ana está a pensar convidá-lo.
Nas gerundivas não-periféricas, não são admitidos sujeitos lexicais:
(94) a. *Os chimpanzés (só) constroem os ninhos juntando as fêmeas pequenos
ramos. «modo» vs.
b. Os chimpanzés constroem os ninhos, // juntando as fêmeas pequenos
ramos. (gerundivas de ´posterioridade´)
c. Os chimpanzés constroem os ninhos juntando pequenos ramos.
(95) a. *O Zé encontrou o irmão passeando a mulher por Paris. (tempo)
b. O Zé encontrou o irmão, // passeando a mulher por Paris.
c. O Zé encontrou o irmão passeando por Paris.
2. �egação na gerundiva
Gerundivas periféricas e gerundivas não periféricas distinguem-se também quanto à
possibilidade de terem negação própria. As gerundivas periféricas, muito mais facilmente do
que as gerundivas não periféricas, admitem negação própria.
94
(96) Não chegando a horas, terás dificuldade em estacionar. (condição)
(97) Não tendo sido colocada, a Ana começou a enviar currículos para várias
empresas. (causa)
(98) Mesmo não tendo muita fome, vou almoçar. (concessão)
Nas gerundivas não periféricas, a negação só é admitida quando a gerundiva tem
interpretação de modo, sendo o evento interpretado como intencional (cf. (99b e 100b)):
(99) a. *O Zé fez o bolo não batendo as claras em castelo. (modo) vs.
b. O Zé fez o bolo, // não batendo as claras em castelo.
(100) a. *O Zé montou a estante não seguindo as instruções. vs.
b. O Zé montou a estante, // não seguindo as instruções.
Dado que o marcador de negação frásica, NEG, está associado à presença de TP
(Zanuttini 1991, 1997, Matos 1999, 2001), é um teste eficaz e necessário para se provar que
as gerundivas periféricas são domínios TP ou CP, e as gerundivas de predicado integradas
são projecções geralmente oracionais deficitárias, ou seja, não são TPs ou, pelo menos, são
TPs deficitários.
3. Auxiliar
As gerundivas periféricas distinguem-se ainda das não periféricas quanto à
possibilidade de ocorrer o gerúndio composto, ou se quisermos quanto à possibilidade de
ocorrer o verbo auxiliar ter.
95
(101) Tendo chegado atrasado, o Zé já não arranjou lugar sentado.
(causa)
(102) Tendo os filhos finalmente adormecido, os pais puderam descansar.
(tempo)
(103) Mesmo tendo recebido lições extra, o Zé não passou no exame.
(concessão)
(104) ? Tendo chegado mais cedo, terias conseguido arranjar lugar sentado.
(condição)
(105) O cozinheiro fez o bolo, tendo (para isso) misturado os ovos com as nozes.
(fim)
(106) O Zé recebeu a notícia, tendo estado em Paris. (causa)
Nas gerundivas não periféricas, isto não acontece:
(107) a. O cozinheiro (não) fez o bolo misturando os ovos com as nozes.
(modo)
b. ?* O cozinheiro (não) fez o bolo tendo misturado os ovos com as nozes.
(108) a. O Zé descobriu a solução passeando pela cidade. (tempo)
b. * O Zé descobriu a solução tendo passeado pela cidade.
(109) a. O Zé recebeu a notícia estando (ainda) em Paris. (tempo)
b. * O Zé recebeu a notícia tendo estado em Paris.
4. Determinações Temporais
Para Lobo (2003), as gerundivas periféricas distinguem-se também das não periféricas
quanto à possibilidade de a gerundiva ter determinações temporais distintas das da matriz.
96
(110) Recebendo hoje a confirmação, entregar-lhe-ei o documento amanhã.
(anterioridade)
(111) Chegando a tua mãe amanhã, comecei hoje a arranjar o quarto.
(posterioridade)
(112) Tendo recebido ontem o seu pedido, dir-lhe-ei brevemente se está tudo em
ordem. (anterioridade)
(113) Os chimpanzés fizeram hoje os ninhos, juntando ontem (para isso) muitos
ramos. (fim)
(114) O Zé fez ontem o bolo, decorando-o hoje. (concessão)
Isto não acontece com as gerundivas não periféricas:
(115) * Os chimpanzés fizeram hoje os ninhos juntando ontem muitos ramos.
(modo)
(116) a. ?* O Zé fez hoje o bolo batendo os ovos ontem. (modo)
b. *O Zé fez ontem o bolo decorando-o hoje. (modo)
Concluíndo: os testes aplicados permitem determinar a natureza categorial das
gerundivas. Este testes mostram que as orações gerundivas periféricas são orações plenas, i.e.
CPs - são um domínio temporalizado completo; já as orações gerundivas adverbiais não
periféricas são deficitárias.
Estes dados do português, apresentados em Lobo (2003), vão ao encontro dos de
Lonzi (1991) para o italiano e dos de Fernandez Lagunilla (1999) para o espanhol, já que o
estatuto categorial das gerundivas periféricas como CPs parece ser relativamente consensual.
Quanto às não periféricas parece haver também um consenso de que são estruturas
defectivas.
97
3.2.4. Os sujeitos nas orações adverbiais gerundivas
1. Interpretação dos sujeitos nas gerundivas adverbiais periféricas e não periféricas
1.a) A interpretação dos sujeitos nulos:
As gerundivas periféricas distinguem-se das não periféricas quanto às possibilidades de
interpretação dos sujeitos nulos.
Nas gerundivas periféricas, é geralmente assumido que o sujeito nulo da gerundiva é
co-referente com o sujeito da matriz (cf. Brito 2003). Este é o caso mais frequente:
(123) [-] Estando doente, o João ficou em casa.
Mas existem contextos em que o sujeito nulo da gerundiva não é identificado pelo
sujeito da matriz, embora a identificação pelo objecto (directo, indirecto ou preposicionado)
esteja excluída:
(124)?* [-]i Sendo muito nervosa, o Zé tenta não afligir [a mãe]i.
(125) ?*[-]i Sendo muito nervosa, o Zé deu um calmante [à mãe]i.
(126) ?* [-]i Estando um pouco deprimida, o Zé resolveu falar com [a amiga]i.
Lobo (2003) mostra que , nas gerundivas periféricas do português, os sujeitos nulos
podem corresponder a expletivos,
(127) [-] Tendo chovido durante toda a tarde, o jardim estava todo molhado.
podem ter uma interpretação arbitrária,
(128) [-] Fumando mais de um maço por dia, aumenta o risco de surgimento de
cancro no pulmão.
98
podem ser identificados por um tópico,
(129) [O bebé]i está com febre há três dias [-]i Continuando assim, acho que o
devemos levar ao médico.
(130) [Eles]i construíram já duas casas. [-]i/??j Acabando de fazer a terceira, [a
mãe]j poderá ir morar para o pé deles.
ou, marginalmente, por um DP inserido num sujeito oracional de uma encaixada:
(131) a. ??[-]i Estando com febre, a mãe achou que era melhor [[o Zé]i ficar em
casa.]
b. ??[-]i Estando com febre, não me agrada [que [o Zé]i vá à escola.]
1.b) Interpretação dos sujeitos lexicais:
Quando o sujeito da gerundiva periférica é lexical, é possível a co-referência com o
sujeito nulo da matriz (Âmbar 1988):
(132) Tendo o Joãoi sofrido um acidente, [-]i teve de ficar internado durante
uma semana.
(133) Estando a Anai a sair de casa, [-]i ouviu um ruído estranho.
(134) Não sabendo o Ruii falar inglês, [-]i dificilmente se poderá fazer
entender.
Quanto às gerundivas não periféricas (ou de predicado) do português, o sujeito nulo é
identificado pelo sujeito da matriz, e marginalmente pode ter interpretação arbitrária, quando
a oração matriz tem um valor genérico e não contém nenhum argumento humano específico.
99
(135) Foi [-] i/*j gritando em altos berros que o paii castigou o Zéj.
(136) Foi [-] i/*j usando uma corda que a velhotai prendeu os ladrõesj.
(137) ?É [-] arb usando uma serra eléctrica que as árvores são mais fáceis de podar.
(138) ??É [-] arb bebendo-a numa caneca que a cerveja sabe melhor.
(139) ?É [-]arb usando água quente que a gordura sai melhor.
Ao contrário do que acontece nas gerundivas periféricas não são possíveis nem sujeitos
expletivos, nem a identificação por um tópico:
(140) a. ?? * Foi [-]expl chovendo a potes que o Zé saiu de casa.
b. O Joãoi está com muita febre ? * É [-]i continuando assim que os pais o
levarão ao médico.
Nalguns casos é possível a identificação por um argumento experienciador da matriz:
(141) Essa ideia ocorreu-mei [-]i passeando à beira mar.
Há de se notar que todos esses testes mostram um comportamento do português
europeu muito semelhante ao do italiano e do espanhol (Lonzi 1991 e Lagunilla 1999).
A existência de sujeitos realizados nas gerundivas periféricas mostra que estas são
frases plenas; do mesmo modo, a existência de sujeitos arbitrários nas gerundivas não
periféricas, distinto do da matriz, sugere que estas gerundivas podem ser TPs. Desse modo, o
sujeito arbitrário - pro – receberia Caso Nominativo de T:
(142) ??TP [ É [-] arb bebendo-a numa caneca] que a cerveja sabe melhor].
Lobo (2003: 300-301) levanta a hipótese de que todas as gerundivas adjuntas sejam
CPs. Assim, a explicação para haver mais restrições internas nas gerundivas não-periféricas é
100
atribuída à posição que ocupam tais gerundivas: T nestas gerundivas é c-comandado por T
matriz, o que acarreta a dependência de T da gerundiva de T da oração matriz.
T neste caso é defectivo: T (ou o operador T em C) na gerundiva é “anafórico”. É
obrigatoriamente ligado por T matriz e interpretado como temporalmente coincidente.
Assim, a cadeia núcleo-núcleo que se forma entre T matriz e T da gerundiva terá como
consequência que Agr subordinado fica também ligado por Agr matriz, o que explicará a
impossibilidade de o sujeito da gerundiva encaixada ser referencialmente disjunto do sujeito
matriz.
Para Lobo (2003:308): “A impossibilidade de ocorrerem Auxiliares e sujeitos lexicais
nas gerundivas não periféricas seria pois uma consequência, por um lado, da defectividade
de T nestas estruturas, por outro lado, da posição estrutural em que são projectadas, uma
vez que ficam sob o domínio de c-comando de T matriz.”
O facto de as gerundivas periféricas não serem deficitárias decorre de serem CPs plenos
e serem basicamente geradas (e não deslocadas) numa posição periférica ao domínio frásico
em que o T da gerundiva não está sob o domínio de c-comando de T-Agr matriz. Como
conclui a autora, nas gerundivas periféricas, C-T não é c-comandado por T matriz e o
Operador T em C é “livre” e pode procurar a sua “dependência Temporal” noutro lado.
2. Posição do sujeito nas gerundivas adverbiais em português europeu
2.a) Posição do sujeito realizado nas gerundiva adverbiais periféricas
A inversão sujeito-verbo que ocorre nestas construções em línguas como o espanhol,
o italiano, o português europeu padrão é tratada como o resultado da subida de V (ou Aux)
para C (Rizzi 1982, Brito 1984, Raposo 1987, Âmbar 1988, e.o.). Lobo apresenta argumentos
a favor desta hipótese:
101
Um dos argumentos de Lobo (2003) é a posição dos advérbios modificadores do
predicado nestas estruturas. Contrariamente ao que ocorre com as adverbiais participais
(Santos 1999), nas gerundivas o verbo não pode subir de v para T, precedendo um advérbio
modificador do sintagma verbal, em adjunção à esquerda a este constituinte:
(143) a. Bem vistas as coisas, é melhor ficarmos em casa. (oração participial)
b. *Vistas bem as coisas, é melhor ficarmos em casa.
(144) a. *Bem vendo as coisas, é melhor ficarmos em casa. (oração gerundiva
periférica)
b. *Vendo bem as coisas, é melhor ficarmos em casa. (oração gerundiva
periférica)
(145) a. O Zé embrulhou cuidadosamente os quadros.
b. Cuidadosamente embrulhados, os quadros foram encaixotados. (oração
participial)
c. ?? Embrulhados cuidadosamente, os quadros foram encaixotados
(146) a.* Cuidadosamente embrulhando os quadros, não haverá problema.
(oração gerundiva)
b. Embrulhando cuidadosamente os quadros, não haverá problema.
(147) a. *Cuidadosamente tendo o João embrulhado os quadros, os carregadores
levaram os caixotes. (oração gerundiva)
b. Tendo o João cuidadosamente embrulhado os quadros, …
c. Tendo o João embrulhado cuidadosamente os quadros,…
d. Tendo o João embrulhado os quadros cuidadosamente, …
Lobo (2003) conclui que nas gerundivas, o V parece subir para uma posição mais alta
do que nas participiais, uma vez que o Adv não pode preceder o verbo no gerúndio.
102
Lobo admite que o verbo se desloca para C. Relaciona o movimento de V para C com
as gerundivas encabeçadas por “em”, como inicialmente proposto em Brito (1984). Nestas
gerundivas, o sujeito precede o verbo porque a posição de C na gerundiva está ocupada por
esta partícula:
(148) a. Acabando a Maria o trabalho, vamos sair.
b. * A Maria acabando o trabalho, vamos sair.
(149) a. Em a Maria acabando o trabalho, vamos sair.
b. ?Em acabando a Maria o trabalho, vamos sair. (Brito 2003:727)
Lobo vai contra à proposta de Brito (2003), que admite que a gerundiva pode não ser
uma projecção CP25, mas antes uma projecção de natureza temporal ou aspectual, ficando o
sujeito na sua posição de base, devido aos seguintes contrastes, que mostram que nas
gerundivas “em” não pode ocorrer com sujeitos invertidos em português europeu:
(150) a. Comendo os meninos a sopa toda, a mãe dá-lhes um doce
b. * Os meninos comendo a sopa toda, a mãe dá-lhes um doce.
(151) a. Em os meninos comendo a sopa toda, a mãe dá-lhes um doce.
b. ?? Em comendo os meninos a sopa toda, a mãe dá-lhes um doce.
Quanto à atribuição de Caso ao sujeito da gerundiva, Lobo (2003) demonstra que
estes não recebem Caso por defeito (como defende Santos (1999) para as participais em
Línguas Românicas), mas Caso Nominativo. Os argumentos que fazem a autora defender
esta ideia estão relacionados com o contraste em DPs e pronomes:
25 Note-se que Brito (1984), que analisa apenas gerundivas periféricas, considera que estas são CPs.
103
(152) a. ?Estando ainda o João com febre, resolvi ficar em casa.
b. *Estando ainda ele com febre, resolvi ficar em casa.
Para Lobo, os pronomes fracos parecem ser mais defectivos que os DPs plenos. Nas
gerundivas do português, essa defectividade manifesta-se na necessidade de haver adjacência
entre o V (ou Aux) em posição inicial e o sujeito invertido, sendo o requisito de adjacência
mais fraco quando o sujeito é um DP pleno:
(153) a. ?Sendo ainda a Ana muito nova, o médico aconselhou-a a ter esperança.
b. Sendo a Ana ainda muito nervosa, …
(154) a. *Sendo ainda eu muito nervosa, o médico aconselhou-me a ter esperança.
b. Sendo eu ainda muito nervosa…
Para Lobo (2003), tal como para Brito (1984), é o Operador T em C que atribui Caso
Nominativo aos sujeitos realizados nas gerundivas. A atribuição de Caso Nominativo nas
gerundivas periféricas só é possível, de acordo com Lobo, devido ao Operador T em C se
encontrar “livre”, i.e, não dependente em termos de valor temporal de T da oração matriz.
O movimento de V para T em C é explicado por Lobo, à maneira de Pesestsky e
Torrego: a categoria funcional C tem traços verbais/predicativos não interpretáveis, traços-T,
que têm de ser verificados na sintaxe antes de spell out. Lobo admite que esta propriedade
distingue o português, o espanhol e o italiano de línguas como o inglês e o francês.
Assim, segundo Lobo, as gerundivas periféricas do português europeu, do italiano e do
espanhol, com algumas pequenas diferenças partilham o mesmo tipo de propriedades:
manifestam um vasto leque de valores semânticos, as periféricas exigem inversão sujeito-
verbo e legitimam sujeitos nominativos.
104
2.b) Posição dos sujeitos nulos nas gerundivas adverbiais não-periféricas
Lobo afirma que nas gerundivas não periféricas (ou de predicado) é mais difícil
determinar a posição de V, uma vez que o sujeito é obrigatoriamente nulo. Acrescenta ainda
que, se admitirmos que Advs como energicamente ou completamente são adjuntos à
esquerda a VP (a vP, em Chomsky 1995) quando ocorrem em posição pré-complemento
concluímos que o V já não se encontra na sua posição de base tendo-se elevado pelo menos
para T, uma vez que Adv ocorre obrigatoriamente em posição pós-verbal:
(155) a. O cozinheiro fez o bolo [batendo energicamente as claras em castelo].
b. * O cozinheiro fez o bolo [energicamente batendo as claras em castelo].26
A autora assume que isso não nos permite saber se existe uma projecção funcional mais
alta que T para qual V tenha se elevado.
Ao meu ver, estes dados parecem corroborar que em PE as gerundivas não periféricas
sejam TPs.
3. �atureza do sujeito nulo nas gerundivas adverbiais em português europeu
Quantos aos sujeitos nulos do português europeu, Lobo acredita que nas gerundivas
periféricas do português (e nas orações de particípio presente do inglês pelo menos) estamos
perante um controlo do tipo logofórico (cf. Williams 1994a) ou numa identificação de tipo
pragmático tal como parece acontecer com os sujeitos nulos de terceira pessoa das frases
infinitas das línguas de sujeito nulo (cf. Lobo 1994; Davis 2000). Assim, o sujeito nulo das
26 Uma hipótese, segundo Lobo (2003) seria testar a possibilidade de ocorrência Advs “altos” nestas gerundivas. No entanto, existem restrições à ocorrência destes Advs, em subordinadas adverbiais, incluindo adverbiais finitas. a. O João só não contará a verdade quando (*provavelmente) o pai chegar. b. Foi desde que (*evidentemente) o João ficou doente que a situação piorou. (Lobo 2003: 306) Assim, a autora conclui que este não parece ser bom para averiguar do estatuto categorial de gerundivas não periféricas.
105
gerundivas periféricas do português parece ter mais afinidades com uma categoria vazia
pronominal não anafórica – pro – do que com a categoria vazia que ocorre em estruturas de
controlo obrigatório – PRO.
Já nas gerundivas não periféricas, em português, o controlo pelo sujeito matriz é
sempre preferido. A autora cita vários testes (não podem ter sujeito expletivo, necessitam ter
um antecedente expresso na matriz, o controlo pelo objecto está excluído, assim como a
identificação por um tópico, o sujeito nulo da gerundiva não alterna com o sujeito lexical27)
que confirmam empiricamente que, de uma certa forma, o sujeito nulo nestas gerundivas
estão mais próximos da categoria vazia PRO.
Como vimos, segundo Lobo (2003, 2006) o factor que explica que as gerundivas de
predicado não tenham um sujeito explícito é o facto de o Operador Tempo e o V-T-AGR em
C estarem ligados por T-Agr matriz.. Assim, a legitimação do sujeito lexical é bloqueada, o
que aproxima as gerundivas não periféricas das estruturas de controlo. No entanto, Lobo
consideram que não se trata de verdadeiras estruturas de controlo, pois as gerundivas não
periféricas permitem sujeitos nulos arbitrários “e identificados por um experienciador dativo”
(p. 312)
3.2.5. A posição sintáctica e o valor discursivo das gerundivas adverbiais
Lobo (2003) em parte de sua tese assume que as gerundivas têm valor
[+pressuposicional], o que sugere que as relações entre gerundiva e oração matriz estão para
além da frase, mas no discurso.
27 Pires (2006) vai contra esta ideia, pois há Construções Gerundivas do inglês, a que ele se refere como CGs, que são assim denominadas por ter ou sujeito lexicalizado ou nulo (PRO). O mesmo parece ocorrer no português: (i) Maria perderá a prova o despertador não tocando. (PB) Maria perderá a prova não tocando o despertador. (PE) (ii) Maria perderá a prova PRO chegando atrasada. (PE)
106
Os testes aplicados por ela têm em comum o facto de envolverem construções de
alguma forma associadas a foco. Considerando, então, a estrutura informacional da frase
(Tópico - comentário), Lobo admite as gerundivas periféricas terem um valor discursivo
diferente do das não-periféricas.
Para Lobo, as gerundivas integradas - são foco informacional ou estão integradas no
foco informacional. As gerundivas periféricas - são [+pressuposicionais]28, i.e. não
apresentam informação nova, que ocupam a posição de tópico marcado, basicamente gerado.
3.3 Posição Adoptada
Nesta secção pretendo estabelecer a minha posição sobre as gerundivas adverbiais,
partindo dos comentários às propostas apresentadas na literatura nas secções 3.1. e 3.2 e
desenvolvendo aspectos em que o português brasileiro diverge do europeu. Em um primeiro
momento, pretendo precisar o valor do morfema de gerúndio e os valores das gerundivas
adverbiais; em seguida, estabelecerei uma relação entre o valor das gerundivas e sua posição
na oração subordinante. Em um segundo momento, pretendo reanalisar a estrutura interna das
gerundivas, discutindo, em alguns casos, a sua natureza como projecções máximas ou
deficitárias. Finalmente, procurarei diferenciar os sujeitos omitidos e realizados nos
português brasileiro e europeu.
28 O termo [+pressuposional], penso eu que deva estar a ser usado aqui para contrapor-se com o termo foco, já que Chomsky (1971,1972) e Jackendoff (1972) definem foco em termos de noção discursiva de pressuposição: o foco é a parte não pressuposta da oração; já que a parte pressuposta da informação é a informação compartilhada pelo falante e pelo ouvinte no momento em que se emite a oração em um discurso dado. O discurso é um processo dinâmico e um ato de comunicação cria tipicamente uma incrementação ou modificação da informação compartilhada. De um modo mais preciso, as pressuposições, em um momento dado do discurso, estão constituídas por um grupo de proposições que o ouvinte e o falante consideram verdadeiras e estas podem ser modificadas ou incrementadas subsequentemente.
107
3.3.1 Os valores das gerundivas adverbiais
Os valores semânticos apontados em Ferrari (1999), Leal (2003), Móia e Viotti
(2004) e Lobo (2002, 2003, 2006) para as gerundivas adverbiais não são fundamentalmente
discrepantes, ainda que Leal se restrinja às gerundivas com valor unicamente temporal, e
analise os valores aspectuais que lhes podem estar associados, e Móia e Viotti, com base no
quadro dos valores discursivos de Asher (1993) e Lascarides & Asher (1993), especifiquem
valores adicionais para as gerundivas adverbiais.
Contudo, na literatura consultada, existe um conjunto de valores geralmente atribuído
às gerundivas adverbiais, muitos dos quais já explicitados nas gramáticas de referência do
português e nas gramáticas descritivas do italiano e do espanhol. Assim, são usualmente
referidos para as gerundivas adverbiais os valores de tempo, condição, causa, concessão,
modo/instrumento, e, por vezes, de consequência29. Ferrari (1999) considera ainda que as
gerundivas adverbais podem apresentar um valor de finalidade, que Lobo (2003), na esteira
de Lonzi (1991), assume como pouco característico. É igualmente usual distinguir vários
subtipos de gerundivas temporais, tendo em vista o momento em que ocorre o evento
reportado na gerundiva relativamente ao da principal. Deste modo, as gerundivas temporais
são subclassificadas como gerundivas de anterioridade, de posterioridade e de
simultâneidade. São estes os valores das gerundivas que assumirei neste trabalho.
3.3.1.1. Os valores das gerundivas e o valor do morfema de gerúndio
Dada a ausência de complementadores explícitos nas gerundivas adverbiais, uma
questão ocorre: Como é que as orações gerundivas adquirem os valores semânticos que
apresentam?
29 Este último valor é referido em Bechara (1999), Ferrari (1999), Móia e Viotti (2004). Móia e Viotti designam-estas últimas gerundivas como resultativas, ou de resultado.
108
Como vimos, há um certo consenso em se admitir que o morfema de gerúndio é
polissémico. Alguns autores assume que os valores das orações gerundivas adverbiais
decorrem da natureza polissémica do morfema “-ndo” do gerúndio. Esta posição surge
explicitamente em Ferrari (1999), no âmbito da linguística cognitiva. Recorda-se que a autora
assume que ao gerúndio está associado um valor prototípico temporal, a partir de tal valor
outros são valores radiais: causa, condição, concessão, finalidade. Móia e Viotti (2004:125)
assumem que a aceitação desse valor polissémico está presente nos trabalhos de Leal (2001),
Lobo (2002), nas gramáticas tradicionais do português, em Lonzi (1991) para o italiano e em
Fernandez Lagunilla 1999 para o espanhol.
Móia e Viotti (2004) contestam esta hipótese e sugerem que “-ndo” é neutro
relativamente aos valores das gerundivas adverbiais. Sugerem que o gerúndio é
“a discourse operator that simply marks association of events, i.e. a wide spectrum interpropositional connective which merely requires that the associated situations are linked by one among a vast set of discourse relations (to be defined according to multiple contextual and/or situational factors.” (Móia e Viotti 2004: 132).
Esta posição apresenta vários problemas:
(i) Não permite distinguir o morfema de gerúndio do de particípio passado nas
orações adverbais participiais, que apresentam valores idênticos;
(ii) Em Móia e Viotti (2004) parece identificar-se o morfema de gerúndio e o
complementador (geralmente sem realização lexical) que encabeça as orações gerundivas
adverbiais frásicas, aproximando-o, inclusivamente de “that”. Na teoria de Princípios e
Parâmetros actual é relevante distingui-los mas correlacioná-los.
(iii) Além disso, os autores parecem sugerir que o valor das gerundivas adverbiais se
deve unicamente a factores discursivos. No entanto, as escolhas lexicais têm grande
importância no estabelecimento desse valor.
109
Há de se esclarecer que relação existe entre o morfema do gerúndio e o valor das
gerundivas. Assim, o que se pergunta aqui é: “Qual é o valor do morfema de gerúndio -ndo?”
A resposta que parece ser mais plausível é a de que ele é tipicamente um morfema
com valor aspectual, dado que, se a escolha lexical do falante for apenas uma projecção
Aspectual de gerúndio com valor durativo, não teremos valor adverbial. Obteremos
perífrases verbais com valor durativo.
Se a escolha lexical do falante incluir, além do gerúndio, núcleos funcionais como T
(Tempo) e C, mesmo que sem realização lexical explícita, então obtemos frases. Dado que na
maioria dos casos, o complementador nas orações adverbiais gerundivas é nulo, é a selecção
lexical das orações subordinada e principal, as relações que estabelecem entre si e a posição
que ocupam que determinam o valor da gerundiva.
3.3.1.2. Factores determinantes dos valores das gerundivas e seus valores centrais
A análise das gerundivas adverbiais evidencia que os seus valores decorrem de três
factores centrais, embora várias propostas da literatura tenham privilegiado algum deles sobre
os outros:
(i) a selecção de itens a partir do Léxico (Numeração) que estabelece os itens
funcionais e lexicais (com conteúdo predicativo/substantivo) da gerundiva adverbial e da
frase matriz;
(ii) as inter-relações inter-frásicas e discursivas que entre ambas se estabelecem
tendo em vista o conteúdo das orações matriz e gerundiva;
(iii) as posições das gerundivas na oração subordinante e os valores discursivos
associados a essas posições.
110
Quanto à selecção de itens a partir do Léxico, a relevância das escolhas lexicais para
fixar o tipo de eventos das orações principal e subordinada e as relações que entre eles se
pode estabelecer diz respeito tanto à seleccção lexical dos predicados, como aos traços
morfo-sintácticos temporais e aspectuais; já a selecção lexical a nível dos núcleos funcionais
é responsável pelo valor básico das gerundivas adverbiais, e, em grande parte, por alguns dos
valores que cumulativamente assumem.
Vejamos os valores centrais das gerundivas adverbiais.
A) Os valores centrais das gerundivas adverbiais
Vários autores sugerem como valor fundamental da gerundivas adverbiais (em geral)
o valor temporal. Veja-se tanto as gramáticas do português de Cunha e Cintra (1984)30,
Mateus et al (1989)31, (2003), como outros trabalhos sobre as gerundivas adverbiais em
português (Ferrari 1999, Leal 2003). De igual modo, para o espanhol, Fernandez-Lagunilla
(1999) admite que nas gerundivas de predicado, o valor de modo é central e que a eles outros
valores se podem sobrepor.
De acordo com os exemplos analisados, o que se depreende é que há valores inerentes
às gerundivas adverbiais. O valor de tempo parece estar presente em todas as gerundivas que
são frases plenas; já o valor de modo se encontra nas gerundivas de predicado que são frases
deficitárias. De uma maneira mais ampla, pode-se afirmar que o valor de Tempo esteja
presente também no valor de modo, mas este se sobrepõe quando C-T está inactivo. Já em
Cunha (1972) as construções com valor de modo são tidas apenas como adjuntos e não como
orações.
30 Como referi no capítulo 2, os autores apontam, como função principal , a de oração subordinada temporal porque têm principalmente significado temporal, embora reconheçam outros valores, como o de causa, concessão ou condição. 31 Como vimos, Mateus 1989:84 consideram que a função das orações gerundivas é a de fornecer uma localização temporal subsidiária da oração finita de que dependem, embora não exprimam, por si só, um tempo natural.
111
Neste trabalho, será aceite que os valores temporais e de modo são inerentes às
gerundivas adverbiais e que os demais se sobrepõem. O valor temporal está associado a
gerundivas que são CP. No quadro da teoria de Princípios e Parâmetros actual é esperado que
as gerundivas adverbiais sem complementador explícito sejam interpretadas como temporais.
A existência de Tempo em C de qualquer tipo de oração plena (=CP) é consensualmente
aceite no Programa Minimalista (ver, por exemplo, Chomsky 2001, 2004, Pesetsky &
Torrego 2001). O valor temporal é o valor mais neutro que ocorre em qualquer
frase/proposição.32
No que se refere ao valor de modo, tem sido frisado na literatura (Lonzi 1991,
Fernandez Lagunilla 1999) que as gerundivas de predicado exibem os valores de modo,
condição/modo e tempo simultâneo.
Desse modo, acredito que o valor modal pode ser pensado como sobrepondo-se,
cumulativamente, ao valor de tempo simultâneo e que decorre, fundamentalmente do estatuto
da gerundiva como modificador do vP. Já o valor temporal pode ser pensado como o valor
central quando se tem C –T activo. Nesse caso pode ser simultâneo, anterior ou posterior
B) Selecção de tempo na frase subordinante e valor da gerundiva adverbial
A selecção do valor temporal da oração matriz, pode ser determinante para
estabelecer o valor da oração gerundiva adverbial. Este facto é evidente no caso das
gerundivas temporais relativamente às condicionais.
Como vimos no capítulo 2 e nas secções 3.1. e 3.2. deste capítulo, nas gerundivas
temporais, o valor temporal pode ser simultâneo, anterior ou posterior ao evento da oração
32 A existência de um operador TEMPO em C nas orações gerundivas adverbiais para o português foi originalmente proposto em Brito (1984), à semelhança de propostas análogas para outros tipos de orações subordinadas (Chomsky & Lasnik 1977, Rizzi 1982, Stowell 1981, Raposo 1985, 1987).
112
matriz, nas gerundivas de tempo simultâneo, o evento da matriz e o da subordinada
sobrepõem-se temporalmente (parcialmente ou totalmente).
(156) Eu encontrei uma medalha de ouro passeando pela rua.
(157) Passeando pela rua, eu encontrei uma medalha de ouro.
Assim, as frases acima podem ser parafraseadas como: enquanto/quando passeava pela rua,
eu encontrei uma medalha de ouro.
�as gerundivas de tempo anterior, a oração adverbial denota um evento que ocorre
antes do evento da matriz. Deste modo, em (158) o evento da matriz é determinado
temporalmente pelo evento da subordinada: só depois de acabar o filme, os espectadores
saíram.
(158) Acabando o filme, os espectadores saíram.
Nas gerundivas de tempo posterior, o evento denotado pela subordinada ocorre
depois do evento da oração matriz, como (159) exemplifica:
(159) Eles foram ao teatro, encontrando no espectáculo o João. (temporal)
No entanto, independentemente de a gerundiva adverbial apresentar, relativamente ao
evento da oração matriz, tempo simultâneo, anterior ou posterior, a presença de marcas
verbais que permitam uma interpretação de futuro na oração matriz favorecerá uma leitura
condicional da adverbial gerundiva.
113
(a) Tempo simultâneo
Nos exemplos (156) e (157), o tempo passado na oração subordinante é um dos
responsáveis pela leitura temporal. Ao trocarmos o passado pelo presente do indicativo na
oração subordinante, podemos ter uma leitura temporal ou condicional; por isso, (160a) pode
ter a paráfrase (160b):
(160) a. Passeando pela rua, eu encontro uma medalha de ouro.
b. Se passear pela rua, eu encontro uma medalha de ouro.
O valor condicional da gerundiva adverbial surge igualmente se o verbo da oração
matriz estiver no futuro do presente ou no condicional:
(161) Passeando pela rua, eu encontrarei uma medalha de ouro.
(162) Passeando pela rua, eu encontraria uma medalha de ouro.
Com outros predicados verbais, o comportamento é semelhante: o presente com valor
de futuro, o futuro do presente e do pretérito na frase matriz podem determinar a
interpretação condicional na frase adverbial gerundiva:
(163) Vendendo peixes, eu cumprimentei a Ana. (tempo simultâneo)
(164) a. Vendendo peixes, eu cumprimento a Ana.
(tempo simultâneo/ tempo posterior/condicional)
b. Interpretação1: Enquanto/quando vendo peixes, eu cumprimento a Ana.
c. Interpretação2: Quando vender peixes, eu cumprimento a Ana
d. Interpretação3: Se vender peixes, eu cumprimento a Ana.
(165) Vendendo peixes, eu cumprimentarei a Ana (tempo posterior/condicional)
Interpretações: Quando/se vender peixes, eu cumprimento a Ana.
/cumprimentaria a Ana. (condicional)
(166) Entrando na ourivesaria, ele pediu a Maria em casamento. (simultaneidade)
(167) Entrando na ourivesaria, ele pede a Maria em casamento. (condicional)
114
(168) Vendo minha filha, eu sorri muito. (simultaneidade)
(169) Vendo minha filha, eu sorrirei muito. (condicional)
Note que os eventos “vender peixes” e “cumprimentar a Ana” podem ter leituras
diferentes de acordo com as escolhas dos tempos e aspectos verbais.
O mesmo irá se passar com os eventos “vendo minha filha” e “sorrir muito”, em que
o passado indica tempo simultâneo, são duas acções que ocorreram ao mesmo tempo e
também indica condição se o verbo estiver no futuro, já que o evento 1 é hipotético: o sorriso
só ocorrerá, se eu vir minha filha.
Desse modo, o que aparentemente determina o valor condicional da gerundiva
adverbial não é tanto o tipo de verbo que ocorre ou na gerundiva ou na oração matriz, mas o
tempo verbal da oração subordinante, marcado pela morfema de desinência temporal.
As mesmas alterações do valor da gerundiva ocorrem quando o evento da oração
adverbial se situa num tempo anterior ou posterior relativamente ao evento da matriz.
(b) Tempo anterior:
No exemplo seguinte, o tempo passado na oração subordinante permite a leitura temporal da
oração gerundiva adverbial:
(170) Os espectadores saíram acabando o filme.
Porém, o futuro do pretérito muda o valor semântico da gerundiva, que passa a ser
condicional, embora o tempo anterior continue presente:
(171) Acabando o filme, os espectadores sairiam.
115
Também com o futuro do presente o valor condicional sobrepõe-se ao valor temporal:
(172) Acabando o filme, os espectadores sairão.
(c) Tempo posterior:
(173) Eles foram ao teatro, encontrando lá o João. (temporal)
Novamente o futuro do presente e do pretérito conduzem a interpretações diferentes da
gerundiva adverbial. Não necessariamente anulando o valor temporal das orações em
questão, ocorre o valor de condicional:
(174) Eles irão ao teatro, encontrando lá o João. (condição/tempo)
(175) Eles iriam ao teatro, encontrando lá o João. (condição/tempo)
Assim, os valores temporais de anterioridade, simultaneidade e posterioridade podem
co-existir com outros valores para além do estritamente temporal, como o valor condicional
ilustrado nos exemplos acima.
Do mesmo modo que acontece com gerundivas as temporais, as gerundivas
interpretadas como causais quando a oração principal tem tempos verbais de passado,
assumem valor condicional com a mudança dos tempos verbais da matriz para o presente ou
o futuro:
(176) Estando doente, eu não fui/ía à aula. (causal)
(177) a. Estando doente, eu não vou à aula.(condicional)
b. Estando doente, eu não irei à aula. (condicional)
c. Estando doente, eu não iria à aula. (condicional)
Estas alterações de sentido são compreensíveis se pensarmos nos eventos envolvidos
numa construção condicional. O sentido condicional indica uma circunstância hipotética.
116
Ferrari (1999), para as gerundivas, e Magalhães (2001), para as orações adverbiais
participiais, definem as adverbiais condicionais como construções que indicam um motivo
hipotético para efectivar um determinado evento expresso na construção nuclear:
(i) Condição: O evento da oração subordinada é relevante para o evento da oração matriz. O
evento da oração subordinada é hipotético.
(178) Comprando um carro, ele iria viajar.
(179) Entrando para medicina, o Pedro ganha um apartamento em Lisboa.
(180) Vendendo pouco, ele fechará a loja.
Note-se que, esta caracterização de condição difere minimamente da de causa,
proposta em Ferrari (1999) e retomada em Magalhães (2001). O que os distingue é a natureza
hipotética do evento na gerundiva condicional e factual na causal:
(ii) Causa: O evento da oração subordinada é relevante para o evento da oração matriz. O
evento da oração subordinada é factual
(181) Estando doente, eu não fui à aula.
O valor condicional da gerundiva parece, assim, ser fundamentalmente estabelecido
pelo valor do morfema de tempo verbal da matriz, a que a gerundiva adverbal está
subordinada, que permitem atribuir um valor não factual à oração matriz.33
No entanto, outros aspectos da Selecção lexical interferem no do valor da oração
adverbial gerundiva, como veremos na secção seguinte.
33 Esta propriedade é sugerida para o Italiano, por Lonzi (1991), “quanto ao valor hipotético, no italiano, parece depender mais do tempo da oração principal do que de si próprio ou do conhecimento de mundo.” Para as gerundivas adverbiais iniciadas por “em” em Português, Bechara (1999) refere que “O gerúndio pode aparecer precedido de preposição em quando indica tempo, condição ou hipótese. /este caso, o português moderno exige que o verbo da oração principal denote acontecimento futuro ou ação que costuma acontecer”
117
C - Selecção lexical e a interacção entre os eventos denotados por subordinada e matriz
Como vimos na secção anterior, um dos factores fundamentais para o valor
condicional, os morfemas temporais da oração matriz que indicam futuro do pretérito ou
futuro do presente ou presente com valor de futuro. Isso demonstra que tal sentido, assim
como os demais valores das gerundivas adverbiais, não são recuperáveis apenas
pragmaticamente mas também através do tempo verbal da subordinante.
Além disso, todos os elementos que entram na Selecção lexical (Numeração) também
colaboram para se ter um valor e não outro.
Assim, a presença do marcador de negação na oração matriz (que atribui a esta
polaridade negativa) pode interferir no valor semântico da gerundiva:
(182) Vendendo pouco, ele não fechará a loja.
A gerundiva em (182) não tem um valor de condicional, pois a relevância do evento de
vender pouco para o evento de não fechar a loja é pragmaticamente anómala. Tem antes o
valor de concessiva, parafraseável pelo exemplo (183):
(183) Mesmo vendo pouco, ele não fechará a loja.
A presença de um advérbio pode também interferir:
(184) Vendendo pouco, ele comprará muita mercadoria.
O exemplo acima, é outra ilustração de que não é apenas o morfema indicador de futuro
que fará a oração ser condicional. A relação de condicionalidade é colocada em causa devido
ao conteúdo dos eventos, pois vender pouco e comprar muita mercadoria, só seria viável,
pragmaticamente, em contextos muito específicos. Note-se que, se o advérbio muita fosse
trocado por menos o valor condicional seria mais aceitável:
118
(185) Vendendo pouco, ele comprará menos mercadoria.
O sentido concessivo indica contraste; a circunstância concessiva vai contra àquilo que
se esperaria, estando explícito na oração matriz34. Ferrari (1999), para as gerundivas, e
Magalhães (2001), para as participiais, referem-se a estas orações como construções que
expressam incongruência com relação ao evento expresso na construção nuclear (matriz).
(iii) Concessão: O evento da subordinada é incongruente com o evento da oração matriz.
(186) (Mesmo) juntando dinheiro, não consegui conhecer Paris.
(187) Ainda que usando os óculos, continuava enxergando mal.
Porém, se se usa o futuro do pretérito ou futuro do presente ou presente com valor de
futuro, o valor concessivo mantem-se:
(188) a. (Mesmo) juntando dinheiro, eu não conseguiria conhecer Paris.
b. (Mesmo) usando os óculos, continuaria a enxergar mal.
c. (Mesmo) juntando dinheiro, eu não conseguirei conhecer Paris.
d. (Mesmo) usando os óculos, continuarei a enxergar mal.
e. (Mesmo) juntando dinheiro, eu não consigo conhecer Paris.
f. (Mesmo) usando os óculos, continuo a enxergar mal.
Como os exemplos demonstram, neste caso, o tempo no futuro do pretérito, futuro do
presente e presente com valor de futuro, típico das condicionais, não altera o valor semântico
concessivo da oração gerundiva.
Admito que o facto de estas orações não aceitarem uma interpretação condicional
decorre da “inespectalidade” do evento da subordinada, pois a oposição que se estabelece
entre o evento da subordinada e o da matriz impede que o evento da subordinada seja
34 Sobre as orações concessivas em Português, em geral, veja-se, entre outros, os seguintes trabalhos: Martelota (1999), Varela (2000), Lobo (2002, 2003), Matos & Prada (2005), Costa (2005, 2010).
119
interpretado como relevante para a realização do evento da matriz, como requerido para a
adverbial gerundiva ter um valor condicional - Condição: O evento da oração subordinada é
relevante para o evento da oração matriz. O evento da oração subordinada é hipotético.
Em suma, as escolhas lexicais são determinantes para fixar o tipo de eventos das
orações principal e subordinada e as relações que entre eles se pode estabelecer. Essa
selecção diz respeito tanto às categorias morfo-sintácticas como a outras categorias
funcionais e às categorias lexicais com conteúdo predicativo.
3.3.2. A distribuição das gerundivas adverbiais
3.3.2.1. O valor das gerundivas e a sua posição na oração matriz
Como se disse no capítulo 2 (Lonzi 1991, Fernandez Lagunilla 1999) e na secção 3.2.
deste capítulo (Lobo 2002, 2003), as gerundivas adverbiais ocupam posições não marcadas
na frase, que estão associadas ao seu valor semântico e discursivo.
As gerundivas adverbiais de tempo, condição, causa, concessão ocupam posições
periféricas na frase (acima do vP), as de modo, tempo simultâneo e algumas de
modo/condição ocorrem em posição não periférica, no predicado (em adjunção a vP).
A ordem menos marcada das gerundivas periféricas é na margem esquerda da oração
subordinante e a das gerundivas não-periféricas na margem direita.
Quando as gerundivas periféricas surgem na margem direita, ocorrem usualmente
separadas da principal por pausas; pelo contrário as gerundivas não periféricas não são
separadas por pausas.
De um ponto de vista discursivo, esta distribuição tem a ver com o seu estatuto discursivo
destas gerundivas:
120
(i) as gerundivas periféricas, quer ocorram na margem esquerda, quer na margem
direita são interpretadas como informação pressuposta;
(ii) as gerundivas não-periféricas, integradas no predicado na margem direita são
interpretadas como informação nova (foco informacional).
Assim, no que diz respeito às gerundivas periféricas, as gerundivas causais ou
concessivas ocorrem na margem esquerda ou na margem direita em posições periféricas
relativamente à oração matriz (cf. os contrastes entre os exemplos seguintes):
(189) Estando doente, eu não fui à aula.
(190) (Mesmo) juntando dinheiro, não consegui conhecer Paris.
(191) Ainda que usando os óculos, continuava enxergando mal.
(192) a. Eu não fui à aula, estando doente.
b.??Eu não fui à aula estando doente. (mas porque estava cansada)
(193) Não consegui conhecer Paris, mesmo juntando dinheiro.
Como os exemplos acima mostram, a negação frásica da oração matriz não tem escopo
sobre a oração gerundiva causal nem sobre a concessiva.
No entanto, estas generalizações nem sempre se verificam. Existem gerundivas
periféricas que ocorrem preferencialmente na margem direita, dado o valor do evento. Nas
gerundivas de tempo posterior, o evento da subordinada ocorre posteriormente ao evento da
oração matriz :
(194) Eles foram ao teatro sair, encontrando no espectáculo o João. (temporal)
121
Neste caso, a posição da oração na margem direita é preferencial, pois o tempo
posterior funciona como uma espécie de acréscimo à informação encontrada na principal,
constituindo um comentário extra. Na posição inicial, a frase torna-se marginal:
(195) ??/#Encontrando no espectáculo o João, eles foram ao teatro.
Do mesmo modo, embora alguns autores admitam que o valor de condição pode, tal
como o de modo, estar presente em gerundivas não-periféricas da margem direita, algumas
gerundivas condicionais ocorrem preferencialmente na margem esquerda da frase matriz (cf.
o contraste entre os exemplos seguintes):
(196) Comprando um carro, ele iria viajar.
(197) Entrando para medicina, o Pedro ganha um apartamento em Lisboa.
(198) Vendendo pouco, ele fechará a loja.
Ao colocarmos a oração condicional para a margem direita, sem pausas, a frase (199)
parece incomum enquanto as outras já são aceitáveis:
(199) ??Ele iria viajar comprando um carro.
(200) (?) O Pedro ganha um apartamento em Lisboa entrando para medicina.
(201) Ele fechará a loja vendendo pouco.
Não obstante, penso que os testes de focalização – por exemplo por clivagem –
corrobora para que não haja distinção entre as frases acima, já que todos parecem aceitá-lo
bem. Isso sugere que as gerundivas com valor condicional podem estar integradas ao
predicado da matriz, como já foi dito anteriormente:
122
(200) Era comprando um carro que ele iria viajar.
(201) É entrando para medicina que o Pedro ganha um apartamento em Lisboa.
(202) Será vendendo pouco que ele fechará a loja.
Quanto às gerundivas não-periféricas, elas são tipicamente representadas pelas
gerundivas de modo. As gerundivas de modo, que indicam as circunstâncias
(modo/meio/instrumento) em que o evento da matriz ocorre e surgem caracteristicamente na
margem direita da oração matriz.
(203) Ele escreveu uma tese esforçando (se). (modo)
(204) Ele fez o trabalho utilizando um computador portátil. (instrumento)
Estas gerundivas ora não podem ser movidas para a margem esquerda, pois alteram o
sentido de modo (cf. (205a)), ora podem ser movidas, mantendo o mesmo valor (cf. (205b):
(205) a. Esforçando (se), ele escreveu uma tese. (causa)
b. Utilizando um computador portátil, ele fez o trabalho (-). (instrumento)
O facto de um grupo das orações gerundivas, ao serem colocadas em posição inicial,
produzirem mudança de sentido indica que as orações resultantes são distintas das originais
(de modo) e que não estão integradas no predicado da subordinante.
Quanto às gerundivas de modo/instrumento que mantêm o seu valor quando antepostas
à oração matriz, pode admitir-se que foram movidas da sua posição inicial no predicado da
oração matriz, sendo alvo de Topicalização (Duarte, 1987).35
35 Lobo (2003: 267) admite que este grupo sofre reconstrução e ocorre em determinadas circunstâncias:“ a leitura “reconstruída” parece ser possível quando está presente um verbo modal e o tempo futuro/condicional na frase subordinante: (i) a. O Zé não consegue chegar ao armário subindo para cima do banco. b. Subindo para cima do banco, o Zé não consegue chegar ao armário.
123
3.3.2.2. Casos de manutenção do valor das gerundivas em posição periférica e não-periférica
Nas gerundivas de tempo simultâneo, a posição da gerundiva não periférica, na margem
direita sem pausa, ou na margem esquerda com pausa, não interfere no valor de tal
construção:
(206) Eu encontrei uma medalha de ouro passeando pela rua.
(207) Passeando pela rua, eu encontrei uma medalha de ouro.
Enquanto passeava pela rua, eu encontrei uma medalha de ouro.
De igual modo, em gerundivas adverbiais de tempo anterior, a posição da gerundiva
não interfere no seu valor de Tempo anterior:
(208) Acabando o filme, os espectadores saíram.
(209) Os espectadores saíram acabando o filme.
Embora as gerundivas causais sejam frequentemente periféricas, há gerundivas causais
não periféricas:
(210) a. Ele vendeu as acções prevendo a baixa da bolsa.
b. Ele vendeu as acções porque previu a baixa da bolsa.
(211) Ele não vendeu as acções prevendo a baixa da bolsa, mas por outro motivo.
No exemplo (a) a gerundiva pode estar sob o escopo da negação da frase matriz, como
em (211), o que mostra que está integrada no vP.
(ii) a. Os atletas não conseguirão melhorar os resultados treinando só duas horas por dia.
b. Treinando só duas horas por dia, os atletas não conseguirão melhorar os resultados.”
124
Assim, estes dados mostram que tal como as adverbiais finitas (Lobo 2003), também
algumas adverbiais gerundivas podem manter o seu valor semântico geral (condicional,
causal, temporal) apesar de se comportarem sintacticamente como periféricas e não-
periféricas.
3.3.2.3.O valor central das gerundivas de predicado
Exemplos como os seguintes são ambíguos entre uma leitura temporal ou de causa e
uma leitura de modo:
(212) a. Ele ficou forte fazendo musculação.
b. Interpretação 1: Ele ficou forte quando fez musculação. (tempo)
c. Interpretação 2: O modo como ele conseguiu ficar forte foi fazendo
musculação. (modo)
(213) a. Ele passou no exame estudando.
b. Interpretação 1: O modo como ele conseguiu passar no exame foi
estudando.
c. Interpretação 2: Ele passou no exame porque estudou. (causa)
Porém, quando questionamos a oração matriz para obter por resposta a oração
gerundiva, o valor de modo parece sobrepor-se a qualquer dos outros. As perguntas com o
advérbio interrogativo “como”, produzem sempre pares pergunta-resposta aceitáveis. O
mesmo não sucede quando o advérbio interrogativo é “quando” ou “porque”:
(214) a. Como ele ficou forte?(PB) /Como é que ele ficou forte? (PE)
b. Fazendo musculação.
(215) a. Quando (é que) ele ficou forte?
b. *Fazendo musculação.
125
(216) a. Como (é que) ele passou no exame?
b. Estudando.
(217) a. Porque (é que) ele passou no exame?
b. *Estudando.
Estes testes demonstram que as gerundivas não periféricas deficitárias da margem
direita tem um valor básico inerente: o valor de modo, embora outros valores possam com
ele co-ocorrer.
Já as gerundivas temporais não deficitárias, mesmo que ocorram margem direita sem
pausa mantêm o seu valor básico temporal.
(218) Ele encontrou a moeda de ouro passeando (nós) pela Baixa.
Nestes casos a pergunta a adequada para se obter por resposta a gerundiva é com
“quando” e não com “como”.
(220) a. Quando (é que) ele encontrou a moeda de ouro?
b. Passeando pela Baixa.
(221) a. Como (é que) ele encontrou a moeda de ouro?
b. *Passeando pela Baixa.
Embora na literatura consultada haja estudos sobre os valores das gerundivas, penso ter
contribuído para o afinamento de tais sentidos em português (PE e PB). A importância dos
morfemas verbais e da selecção lexical em geral, bem como a relevância da posição
periférica ou não da subordinada gerundiva na matriz e da própria relação entre subordinante
e gerundiva, são factores determinantes para se ter um sentido e não outro.
126
3.3.3 A estrutura das gerundivas adverbiais
Nesta secção será retomada a estrutura interna das gerundivas adverbiais, e do seu
estatuto de frases plenas ou deficitárias, dada a relevância desta questão para a caracterização
do tipo de sujeitos que ocorrem nestas construções, que será analisada na secção seguinte.
Assumo, como Lobo (2002, 2003), que as estruturas gerundivas adverbiais em PB,
como em PE, podem ser periféricas e não-periféricas e que as primeiras se adjungem a
posições altas, a CP-TP e que as segundas se adjungem a posições baixas, a vP (em Lobo
designado como VP).
Os testes de Lobo demonstram que as gerundivas periféricas são frases plenas CPs, ao
passo que as gerundivas não-periféricas são frases defectivas. Esta não-defectividade ou
defectidade foi constatada pela possibilidade ou não das adverbiais gerundivas admitirem
Sujeitos distintos, /egação frásica própria, Determinações temporais distintas.
Mas, embora tenha sido dito que podem co-ocorrer com complementadores, não foi
referido que esses complementadores estão associados a tempo finito, o que os contrastes
seguintes provam para as concessivas e até para as temporais introduzidas por “em”, que
dada a sua possível origem preposicional, deveria co-ocorrer com infinitivo:
(222) a. Embora/ainda que/mesmo trabalhando muito, a Ana está atrasada.
b. *Embora /ainda que/mesmo trabalhar muito, a Ana está atrasada.
(223) a. Em chegando a casa, a Ana vai ver televisão.
b. *Em chegar a casa, a Ana vai ver televisão.
Assim, pelo menos estas gerundivas periféricas, apesar de não terem marcas de Agr,
parecem ter tempo finito, contrariamente ao que se tem dito na literatura.
127
Quanto às gerundivas adverbiais não periféricas, Lobo (2002, 2003) demonstra que
elas são deficitárias, visto que não admitem tipicamente Sujeitos distintos, /egação frásica
própria, Determinações temporais distintas (veja-se secção 3.2.2.).
Não obstante, Lobo (2003) considera que as gerundivas não-periféricas são CPs e que
o seu estatuto deficitário se deve a serem c-comandadas pela frase matriz e T da frase
subordinada ser dependente de T da frase matriz.
Os testes adicionais, que aqui apresento, demonstram que, embora integradas ao
predicado da matriz, algumas adverbiais não periféricas não são defectivas, já outras
apresentam elevado grau de defectividade.
Assim, as gerundivas de valor causal, que tanto admitem estar na periferia como
integradas no predicado, quando assumem a posição não periférica, são domínios
temporalizados activos. Vejamos o seguinte exemplo:
(224) Ele vendeu as acções (ontem) prevendo a baixa da bolsa.
Os testes seguintes comprovam a integração da gerundiva no predicado matriz:
Teste de clivagem:
(225) Foi prevendo a baixa da bolsa que ele vendeu as acções (ontem). Escopo da negação da frase matriz:
(226) O João não vendeu as acções (ontem) prevendo a baixa da bolsa (mas
porque precisava de dinheiro).
Interrogativas alternativas
128
(227) O João vendeu as acções (ontem) prevendo a baixa da bolsa ou precisando
do dinheiro?
Não obstante, os testes para determinar a natureza categorial da gerundiva,
demonstram que esta se comporta como um domínio frásico com alguma autonomia. Os
exemplos (b) mostram que a gerundiva resultante continua a ser não-periférica:
Sujeitos distintos:
(228) a. (?) O João vendeu as acções ontem prevendo os corretores a baixa da
bolsa. (PE)
b. (?) Foi prevendo os corretores a baixa da bolsa que o João vendeu as
acções ontem.
Auxiliares:
(229) a. O João vendeu as acções ontem tendo previsto a baixa da bolsa.
b. Foi tendo previsto a baixa da bolsa que o João vendeu as acções ontem
�egação frásica própria:
(230) Ele vendeu as acções ontem não prevendo a alta da bolsa.
Determinações temporais distintas:
(231) a. O João vendeu as acções ontem prevendo a baixa da bolsa hoje.
b. Foi prevendo a baixa da bolsa hoje que o João vendeu as acções
ontem.
129
Ao mesmo tempo que são não-periféricas por reagirem bem aos testes de integração no
predicado da oração matriz, por outro lado demonstram que têm autonomia frásica por
responder bem aos testes de natureza categorial.
Do mesmo modo, nem todas as gerundivas adverbiais de modo são deficitárias. No
seguinte exemplo, a gerundiva adverbial apresenta como valor fundamental o de modo/meio
(embora possa cumulativamente ser interpretada como causal):
(232) Eu comprei um carro pedindo dinheiro ao banco.
Os testes que visam a determinar a inserção no predicado da oração gerundiva na
matriz demostram que a gerundiva é não-periférica:
Clivagem:
(233) Foi pedindo dinheiro ao banco que eu comprei o carro.
Perguntas WH:
(234) Como/*porque (é que) eu comprei o carro?
R: Pedindo dinheiro ao banco.
�egação de foco:
(235) Eu não comprei o carro pedindo dinheiro ao banco. (mas pagando-o a
pronto)
Alternativas e negativas alternativas:
(236) Eu comprei o carro pedindo dinheiro ao banco ou pagando-o a pronto?
130
Porém, os testes de estrutura categorial indicam que a gerundiva adverbial de modo é
mais deficitária do que a adverbial causal anteriormente analisada:
Sujeitos distintos:
(237) a. ??/*Eu comprei um carro pedindo o meu pai dinheiro ao banco.
�egação própria36:
(238) ? Eu comprei um carro não pedindo dinheiro ao banco.
Auxiliares:
(239) Eu comprei o carro tendo pedido dinheiro ao banco.
Determinações temporais distintas:
(240) Eu comprei o carro hoje tendo pedido ontem o dinheiro ao banco.
Lobo (2003) afirma que as orações não-periféricas são CP (CP-TP) e que a
defectividade de tais orações está relacionada principalmente à posição que ocupam, já que
ficam sob c-comando de T da matriz, o que não ocorre com as periféricas.
Não obstante, a análise de Lobo (2002, 2003, 2006) não mostra que as gerundivas
adverbiais não-periféricas em português não são estruturalmente uniformes - sendo umas
mais deficitárias do que outras. Talvez se justifique levantar a hipótese de que enquanto as
menos deficitárias são CP-TP, as mais deficitárias são TP.
36 Já Lonzi (1991) assumira para o Italiano que as gerundivas de predicado com valor instrumental podem ter negação própria.
131
Desse modo, as frases abaixo analisadas diferem de sua natureza categorial. Enquanto
a gerundiva em (241) é CP; a segunda em (242) é TP:
(241) Ele vendeu as acções (ontem) prevendo a baixa da bolsa.
CP [OP TEMPO] IP Ele TP T_posterior vP vP CP [T_anterior] ele vendeu as acções [-] prevendo a baixa da bolsa
(242) Eu comprei um carro pedindo dinheiro ao banco.
CP [OP TEMPO] IP Ele TP T_posterior vP vP TP [T_anterior] ele comprou um carro [-] pedindo dinheiro ao banco
132
Alguns testes adicionais confirmam que orações modo e algumas causais podem estar
inseridas ao predicado da matriz, adjungidas a vP:
(i) Pseudo-Clivada
Para mostrar que as orações gerundivas adverbiais não-periféricas se encontram em
adjunção ao sintagma verbal, o teste que me parece mais relevante é o da possibilidade de,
usando uma construção pseudo-clivada, destacar ou todo o sintagma verbal incluindo a
gerundiva ou apenas a parte nuclear do sintagma verbal deixando de fora a gerundiva:
(243) a. Foi [vender as acções prevendo a baixa da bolsa] o que ele fez.
b. Foi vender as acções o que ele fez [prevendo a baixa da bolsa].
(244) a. Foi [comprar um carro pedindo dinheiro ao banco] o que o João fez.
b. Foi [comprar um carro] o que o João fez [pedindo dinheiro ao banco].
(ii) Escopo no Sintagma verbal - Pergunta/resposta do Pro- SV :
As gerundivas adverbiais com domínios oracionais semi-defectivos modificam todo o
sintagma verbal (o vP). Em pares Pergunta/resposta a um “Pro-SV” (O que X fez?) O que
aconteceu a X?) tanto ocorrem associados ao predicado na resposta ou na pergunta:
(245) P: O que ele fez? R: Vendeu as acções prevendo a baixa da bolsa.
R: O que ele fez prevendo a baixa da bolsa? R: Vendeu as acções.
(246) P: O que o João fez? R: Comprou um carro pedindo dinheiro ao banco.
R: O que fez o João pedindo dinheiro ao banco? R: Comprou um carro.
133
Assim penso que haja pelo menos três tipos de gerundivas adverbiais:
(i) Periféricas, que são CPs plenos adjungidos a CP ou a TP;
(ii) As não-periféricas não deficitárias, que são CPs adjungidos a vP;
(iii) As não-periféricas deficitárias, que são possivelmente TPs adjungidos a vP
A possibilidade de (ii) demonstram que há algumas gerundivas que estão a meio
caminho: comportam-se como orações plenas mas integradas em posições baixas (cf.
gerundivas que aceitam sujeitos distintos, determinações temporais distintas, tempos
compostos, negação frásica ). Isto significa dizer que não é preciso que uma gerundiva seja
interpretada como um domínio frásico deficitário para modificar um vP.
3.3.4. Gerundivas com sujeitos omitidos e realizados no português brasileiro e europeu
Nesta secção pretendo dar conta dos sujeitos nulos e realizados nas construções de
Gerúndio adverbial no PE e PB.
Com base no pressuposto de que a aplicação do Parâmetro do Sujeito Nulo diverge nas
duas variantes, recorro a trabalhos na literatura que procuram caracterizá-lo não só em
estruturas gerundivas mas também em outras construções. Para tal, compararei as propostas
de Lobo para o PE com as de Barbosa et al. (2001, 2005), Mioto (2004), Kato & Mioto
(2006) e Âmbar et al. (2009), para o PE e o PB.
134
3.3.4.1. Gerundivas adverbiais com sujeitos realizados
A- A posição dos sujeitos realizados nas gerundivas e o movimento do verbo
Na secção 3.2.3, vimos que Lobo (2003), na esteira de Brito (1984), Âmbar (1988),
assume que nas orações adverbiais gerundivas com sujeitos realizados, em PE, o sujeito está
em Especificador de IP (Spec-IP) e é casualmente nominativo, por subida do verbo para C:
(247) a. Tendo este aluno desistido, poderemos abrir mais uma vaga.
b. *Este aluno tendo desistido, poderemos abrir mais uma vaga.
Um argumento a favor de que o V subiu para T consiste na posição que ocupam os
advérbios modificadores de predicado, em adjunção à esquerda a vP:
(248) Embrulhando cuidadosamente os quadros, não haverá problema.
Do mesmo modo, um argumento a favor de que o verbo se moveu de T para C é a
impossibilidade de co-ocorrência entre o complementador preposicional “em” e sujeitos pós-
verbais (Brito 2003):
(249) a. Em a Maria acabando o trabalho, vamos sair. (PE)
b. ?Em acabando a Maria o trabalho, vamos sair. (PE)
Segundo Lobo, o verbo move-se para C nas gerundivas, em línguas como o PE, o
italiano ou o espanhol porque T em C tem traços verbais/predicativos não interpretáveis, que
têm de ser verificados (PB: checados) na sintaxe antes de spell out, o que não acontece em
línguas como o inglês e o francês.
No português brasileiro, o sujeito realizado das gerundivas ocorre tipicamente em
posição pré-verbal. Analisando outras construções, Mioto (2004) e Mioto e Kato (2006),
135
assumem que não há movimento de V de I/T para C em PB. Ambar et al. (2006) referem esta
propriedade para as gerundivas do PB.37
Assim, no tocante à posição dos sujeitos realizados nas gerundivas adverbais, o PB
parece comportar-se como o inglês e o francês.
B-A posição dos sujeitos realizados nas gerundivas e o parâmetro do Sujeito �ulo
Barbosa, Duarte e Kato (2005) explicam as diferenças na posição dos sujeitos das
gerundivas em PE e BP em termos do Parâmetro do Sujeito Nulo.
a) A diferença entre o sujeitos em PE e em PB
Como se sabe, uma das diferenças traçadas na sintaxe entre as duas variantes PE e PB
está relacionada ao sujeito. Como afirmam Barbosa, Duarte e Kato (2001, 2005), o PB está
perdendo propriedades que o associam a uma língua de Sujeito Nulo (Duarte 1995, 2000;
Kato 1999, 2000). Tal factor está relacionado, para além de outras características, com o
paradigma de pronomes nominativos fraco. Barbosa et al. (2005) sugerem que há uma
diferença nas duas variantes PE e PB, pois os sujeitos nulos têm uma natureza diferente: um
pronome em PE e uma anáfora pronominal em PB.
Como assinalado na literatura (cf. Rizzi 1982), as línguas com Parâmetro de Sujeito
Nulo, como o PE, apresentam o seguinte conjunto de propriedades:
(i) sujeitos nulos fonologicamente
(ii) inversão livre: SV ou VS
37 Indo mais longe, Ambar et al. (2009) consideram que o verbo em PB permanece em vP, e não se desloca para projecções funcionais mais altas TP ou CP. Porém, os dados dos advérbios modificadores de sintagma verbal, em adjunção à esquerda de vP parecem ser idênticos em PB e em PE (ex: Embrulhando cuidadosamente os quadros, não haverá problema.) A posição do verbo antes do advérbio indica que o verbo se moveu para uma posição acima de vP.
136
(iii) ausência de “that-trace effect”.
Tais características não ocorrem nas línguas que não admitem sujeitos nulos, como o
Inglês, como mostram os exemplos (250), (251) e (252):
(250) a. Telefonaram (PE)
b. *Called.
(251) a. Telefonou o João. (PE)
b. *Called John.
c. O João telefonou. (PE)
d. John called.
(252) a. Que aluno disseste que comprou um computador? (PE)
b. *Which student did you say that bought a computer?
(Which student said that bought a computer?)
Barbosa et al (2005) apresentam uma outra propriedade que distingue Línguas de
Sujeito Nulo das Línguas de não Sujeito Nulo: os pronomes das frases subordinadas não são
geralmente usados como co-referentes com o sujeito da matriz. A leitura em (253a) é aquela
em que outra pessoa mas não João comprou o computador:
(253) a. O João disse que ele comprou um computador.
The João said that he bought a computer.
b. O João disse que comprou um computador.
(254) Johni said that hei/k bought a computer.
Estes factos, que foram inicialmente atribuídos ao “Avoid Pronoun Principle” (cf.
Chomsky 1981), são explicados em Barbosa (1995, 2009) para o PE e em Kato (1999) para o
PB, pela natureza nominal de Agr “rico”. Assim a concordância é [+N] e é capaz de checar
137
traços EPP em T/I, via V+Agr que se eleva para T. Em (256), a concordância checa o EPP e
“identifica” uma categoria vazia em Spec-VP:
(255) Telefonaram (EP)
(256) [IP[infl [telefonar-am i ] [VP eci]]
Para Barbosa, o sujeito nulo em [Spec-VP] é uma categoria pro localmente ligada ao
afixo de concordância. Para Kato é o vestígio (trace) do afixo de concordância, que é
inicialmente inserido como argumento externo do verbo, como um clítico. Em qualquer dos
casos a categoria vazia (ec) corresponde a um argumento pronominal.
Desse modo, se o afixo de concordância é capaz de checar EPP então o movimento do
sujeito para Spec-IP é supérfluo, por uma questão de economia, ele permanece in situ em
Línguas de Sujeito Nulo como o PE:
(257) Telefonou a Maria (PE)
[ [Infl telefonou i] [VP ti a Maria]]
Nos casos em que o PE apresenta a ordem SV(O), as autoras consideram que actuou
um mecanismo de “anteposição de argumento”: Deslocação à Esquerda Clítica (CLLD) ou
Movimento-A’ no caso de “bare QPs or focalized subjects”. (Barbosa 1995, 2000).
(258) A Maria telefonou.
[[A Mariai] [IP telefon-oui eci]]
Duarte (1993, 1995) mostra que o PB está gradualmente incrementando o uso de
sujeitos pronominais realizados. Ao contrário dos pronomes em Línguas de Sujeito Nulo,
estes pronomes no PB são pronomes anafóricos relativamente ao sujeito da matriz.
138
(259) E elei precisou ir ao banheiro. Quando elei viu o que era o banheiro, elei
ficou apavorado.
A mesma autora também considera que a mudança pode estar relacionada com o
empobrecimento do paradigma flexional dos verbos em PB, como foi o caso do Francês
Médio (Vance 1989, Roberts 1993).
Para Kato (1999) o que actualmente acontece é que a Gramática do PB está mudando
no sentido de que EPP não pode ser satisfeito a longa distância a partir de afixos de
concordância, o que resulta no movimento lexical do sujeito para Spec-IP:
(260) [IP [ (vo)cêi não me pega] [VP ti ………..]]
Desse modo, o PB cria um paradigma de pronomes nominativos fracos e a derivação da
ordem SV é deriva da subida do sujeito para a posição de Spec-IP, ao contrário do PE que,
mantendo concordância pronominal como sua forma fraca, e os afixos como clíticos,
satisfazem EPP, por isso que dispensa a projecção de Spec.
Uma das maiores consequências desta proposta é que as autoras assumem que os
sujeitos pré-verbais ocupam posições de tópico marcado nas Línguas de Sujeito Nulo.
Não obstante, como Costa e Duarte (2002) mostraram, não é fácil admitir que os
sujeitos definidos em PE ocupem uma posição de tópico marcado. Entre outros argumentos
mostram que outros constituintes em posição de Tópico Marcado (por Topicalização ou
Deslocação à Esquerda Clítica) não desencadeiam concordância verbal:
(261) *Esses livros (,) deram a professora aos miúdos
(262) *Os miúdos (,) foram-lhes dados uma bola.
139
b) A análise de Barbosa et al. (2005) para os sujeitos realizados nas orações gerundivas
Barbosa et al. (2005) apresentam uma proposta diferente da de Lobo para as orações de
gerúndio absoluto no PE. As autoras retomam o contraste sistemático entre Línguas de
Sujeito Nulo e de Línguas de não Sujeito Nulo nestes contextos. Em ambos os casos, um
sujeito lexicalizado é licenciado através de verbos que não têm concordância morfológica,
mas a posição do sujeito com relação ao verbo varia: Línguas de /ão Sujeito /ulo têm
sujeito inicial e Línguas de Sujeito /ulo tem V/Aux inicial:
(263) English: S-Aux/V
Your brother having called, we left.
(264) French: S-Aux/V
Ton frère ayant téléphoné, je suis parti.
(265) Spanish: V-S
Habiendo resuelto el juez absolver al acusado el juicio concluyó.
[Hernanz 1991: 89]
(266) Italian: Aux/V-S
Avendo tuo fratello telefonato, io sono rimasto a casa. [Rizzi 1982: 128]
(267) EP: V-S
Aparecendo a Maria, vamos embora.
De acordo com Barbosa et al. (2005) este contraste decorre da diferente posição dos
sujeitos: a posição-A canónica dos sujeitos em Línguas de Sujeito Nulo é à direita do verbo
flexionado. O sujeito realizado só ocorre em posição pré-verbal quando pode ocupar a
140
posição de Deslocação à Esquerda. Isso não acontece nas construções gerundivas porque a
posição de Deslocação à Esquerda não está disponível:
(268) Vindo a Maria de manhã, podemos fazer as compras antes do fim-de-
semana.
(269) ??Amanhã vindo a Maria, podemos fazer as compras antes do fim-de-
semana.
Barbosa et al. (2005) explicam, assim, a inceitabilidade de exemplos como (270) em
PE:
(270) a. ??Ele vindo ao Porto, falaremos nisso. (cf. Brito 1984)
b. ?? Ele acompanhando ao piano, ela cantou. (cf. Brito 1984)
Segundo Barbosa, Duarte e Kato (2005), no caso das línguas de não Sujeitos Nulos, o
EPP é sempre checado através de movimento do sujeito realizado para especificador de IP,
ocorrendo a ordem Sujeito-Gerúndio, como foi evidenciado por Britto (1994):
(271) a. Você saindo do Brasil, a gente sente uma falta muito grande dessa parte
de verdura.
b. O Pedro chegando, nós saímos.
No entanto, a análise de Barbosa et al. (2005) não explica porque é que em PE são
possíveis sujeitos pré-verbais quando o complementador “em” está realizado.
(272) Em ele vindo ao Porto, falaremos nisso. (cf. Brito 1984)
(273) Em ele vindo ao Porto, falaremos nisso. (cf. Brito 1984)
141
Como vimos, Brito (1984) propõe que nestas orações gerundivas “o caso nominativo
seria atribuído pela acção conjunta do complementador preposicional e pelo factor TEMPO
em COMP”(p. 434).
Em conclusão desta secção, assumo, tal como Barbosa et al. (2005), que nas
Gerundivas Absolutas em PB não padrão, a posição do sujeito está relacionada com a perda
do Parâmetro do Sujeito nulo, dado que a ordem é a mesma que ocorre em línguas como o
inglês e o francês.
(274) As visitas indo embora, eu faço o jantar. (PB não-padrão)
(275) O filme acabando, vou às compras. (PB não-padrão)
(276) O bebé chorando, chama-se a mãe. (PB não-padrão)
(277) Os alunos sendo inteligentes, a professora tem melhores resultados.
(PB não-padrão)
No entanto, a análise de Barbosa et al. (2005) da posição pós-verbal do sujeito
realizado nas gerundivas em PE pode parecer questionável, uma vez que nestas orações não
há Agr com traços nominais que possa verificar o traço EPP de IP. Para tal, as autoras
deveriam admitir que há casos de Agr deficiente capazes de checar EPP, como nas formas de
gerundivo em orações adverbiais, e, por isso, os sujeitos poderiam aparecer à direita de
verbos sem flexão, nos casos de línguas de sujeito nulo.
A proposta de Brito (1984), retomada em Lobo (2003), parece apresentar uma
explicação mais consensual. Lobo, como vimos, defende que a inversão sujeito-verbo que
ocorre em línguas como o espanhol, o italiano e o português europeu padrão é o resultado da
subida de V (ou Aux) para C e que o Operador T em C, por se encontrar livre, possibilita a
atribuição de Caso Nominativo por T em C e a legitimação de sujeitos DPs e pronominais.
142
(ver 3.2.4 acima). Contrariamente, a inexistência de um traço-V ou de um traço-T não-
interpretável em C nas gerundivas de línguas como o inglês e o francês estaria relacionada
com o diferente estatuto morfológico (e diferente origem histórica) da forma verbal, com a
inexistência de maiores restrições temporais e interpretativas nas absolutas com particípio
presente do francês e do inglês, e com as maiores restrições relativamente à legitimação de
sujeitos pronominais no francês e no inglês.
No entanto, em PB a forma verbal do gerúndio teve a mesma origem do que a do PE.
Sendo o PB uma língua tendencialmente de sujeito não nulo, acredito que os argumentos de
Babosa et al. (2005) para o PB vão além dos de Lobo, pois as autoras relacionam a posição
do Sujeito nas gerundivas com o “Parâmetro do Sujeito Nulo: V_Gerúndio - Sujeito ocorre
nas línguas de sujeito nulo, Sujeito-V-Gerúndio nas línguas de sujeito não nulo.
Não obstante, esta proposta parece ser conciliável com a hipótese de que a posição do
sujeito nas gerundivas em PE resulta do movimento de V para C, aceitando, diferentemente
do proposto em Barbosa et al, que os sujeito realizados em PE podem ocorrer em
especificador de IP. Dadas as restrições a tal movimento em PB (cf. Mioto 2004, Kato &
Mioto 2006), nas gerundivas em PB os sujeitos ocorrem em posição pré-verbal.
3.3.4.2. Gerundivas adverbiais com sujeitos nulos
Esta secção tem por objectivo discutir as posições de Lobo (2003) quanto aos sujeitos
nulos nas gerundivas adverbiais para o PE, tendo em vista a sua aplicação ao PB.
A) Sujeitos nulos nas Gerundivas adverbiais em PE
Na proposta de Lobo (2003), nas gerundivas periféricas temos um caso prototípico de
Sujeito Nulo: pro com referência distinta do sujeito da subordinante, ou co-referencial com o
143
sujeito da subordinante (cf.(278), (279), (280)). Estas gerundivas são CPs, e pro, recebe caso
nominativo de T. Já nas gerundivas não periféricas, apesar das aparências, não temos
controlo obrigatório, mas ou pro arbitrário (marginalmente) ou pro co-referente com o
sujeito da matriz (cf.(281) e (282)) e os efeitos de controlo decorrem da natureza
temporalmente dependente da gerundiva integrada. Segundo Lobo, estas gerundivas são CPs
- o sujeito arbitrário, ou co-referente, pro, recebe caso nominativo de T.
(278) [-] Fumando mais de um maço por dia, aumenta o risco de surgimento de
cancro no pulmão.
(279) Em [-]i/?*jcomendo a sopa, proi dou-tej o bolo. (Lobo 2003)
(280) Em [-]i/j comendo a sopa, proi dou-lhej o bolo. (Lobo 2003)
(281) Foi [-]i/*j gritando em altos berros que o paii castigou o Zéj.
(282) ?É[-] arb usando uma serra eléctrica que as árvores são mais fáceis de
podar.
Algumas gerundivas periféricas, que têm complementador expresso, parecem
apresentar traços de tempo finito (em vez de não-finito) apesar de o verbo no gerúndio não
ter marcas de flexão. Como vimos (secção 3.3.2.1. ) os complementadores ainda que,
embora, mesmo (que) ou até em, não são compatíveis com frases infinitivas.
Consequentemente, nestes casos temos sujeitos nulos, pro: que é legitimado por T em C e
identificado por co-referência com o sujeito da matriz ou por um elemento discursivamente
proeminente (dada a inexistència de marcas de Agr no gerúndio), ou alternativamente
interpretado como pro arbitrário ou expletivo.
Em todas as gerundivas adverbiais, a categoria vazia no PE, para Lobo é pro, muito
embora a autora assuma que há casos que parecem de Controlo Obrigatório nas gerundivas
não periféricas. Os argumentos a que Lobo recorre é o facto de não haver nestas estruturas
144
possibilidade de comutação com um sujeito lexicalizado e de estas orações ocuparem
posições de adjunção a VP, o sujeito da matriz pode c-comandar o sujeito da gerundiva.
(283) a. O pasteleiro fez o bolo [-] misturando as gemas com as nozes.
b. Foi misturando as gemas com as nozes que o pasteleiro fez o bolo.
c. * O pasteleiro fez o bolo misturando o ajudante as gemas com as nozes.
d. *Foi misturando o ajudante as gemas com as nozes que o pasteleiro fez o
bolo. (Lobo 2003:324)
Assim, conclui, Lobo (2003:325) “o sujeito nulo das gerundivas não periféricas
empiricamente está de certa forma mais próximo da categoria vazia PRO”.
No que se refere aos outros casos, em que se tem controlo por um argumento
diferente do sujeito (e.g. experienciador) ou interpretação arbitrária, ter-se-á de admitir que
se trata de um processo disponível quando o controlo pelo sujeito não é possível,
correspondendo a uma estratégia de último recurso.
B) Sujeitos nulos nas Gerundivas adverbiais em PB
Muito embora Barbosa et al. (2005) considerem os sujeitos realizados das gerundivas
adverbiais no PB, não referem os casos de sujeito nulo nessas construções.
Este trabalho não parece poder dar conta da ocorrência de sujeitos nulos, pro, nas
gerundivas periféricas do PE ou do PB, uma vez que aí se assume que só um T com traços-φ
(uma flexão com Agr nominal) legitima sujeitos nulos. Ora nas gerundivas não há marcas de
Agr (traços-φ) no PE padrão nem no PB. Assim, acredito que os sujeitos nulos do PB nestas
construções possuam características muito próximas do PE.
Como vimos, Barbosa et al. (2005) fazem notar que o PB está a perder propriedades
que o associam a uma língua de Sujeito Nulo (Duarte 1995, 2000; Kato 1999, 2000).
145
Deste modo, a proposta de Pires (2006) para as Gerundivas oracionais frásicas do
inglês pode fornecer pistas para dar conta de alguns dados do português, apesar de as
gerundivas frásicas em português não ocorrem nos mesmos contextos que em inglês, uma
vez que o inglês não há gerundivas adverbiais como no português:
(284) Chegando o comboio um pouco mais tarde, já não conseguiremos apanhar
a ligação. (Lobo 2003)
(285) *The train arriving later, we won´t be able to make our connection. (Lobo
2003)
Pires (2006) acredita que há Construções de Gerúndio argumental em inglês que são
TPs e que têm sujeitos realizados internos a esse TP, em que uma expressão apropriada
necessita ocorrer em [Spec, TP] para satisfazer o traço EPP requerido de T .
No entanto, há alguns factores que aproximam o inglês do português. Pires (2006)
admite que nos gerúndios argumentais em inglês (a par de orações gerundivas deficitárias),
há orações de gerúndio que devem ser classificadas como domínios frásicos temporalizados
([+Tense]), na medida em que admitem interpretações Temporais independentes da oração
matriz, e que podem apresentar sujeitos realizados ou nulos:
(286) a. Mary worried yesterday about [Paul coming to dinner tonight]
b. Mary worried yesterday about [[-] coming to dinner tonight]
(Pires 2006, p. 25, exemplo (19))
No português, tal facto também ocorre, i.e., há domínios frásicos temporalizados na
gerundivas, inclusivamente em algumas não-periféricas, como já foi demonstrado nos
exemplos acima, repetidos abaixo:
146
(287) a. Ele vendeu as acções ontem prevendo os corretores a baixa da bolsa no
dia seguinte.
b. Ele vendeu as acções ontem prevendo [-] a baixa da bolsa no dia
seguinte.
Pires (2006) discute a possibilidade de as gerundivas frásicas serem TP ou CP e
admite que são apenas TP, pois nunca exibem um complementador expresso:
(288) Ann wants very much (*for) Mike working at home.
(289) Mark prefers (*that) Mary travelling with him.
Não obstante, este não é o caso das gerundivas periféricas em português, em especial
das concessivas ou das iniciadas por “em”, que são claramente CPs.
(290) a. Mesmo cansado, o João foi à festa.
b. Em a Maria falando muito, vou-me embora.
Segundo Pires, nos domínios temporalizados [+tense], no inglês podem ocorrer
sujeitos nulos obrigatoriamente controlados nas gerundivas frásicas e em gerundivas em que
o controlo não é obrigatório:
(291) a. Sue favored (yesterday) [Anna moving to Chicago (today)]
b. Suei favored (last week) [ [-]i moving to Chicago (today)]
(292) a. O filho não foi à aula hoje estando a mãe doente (toda a semana).
b. O filhoi não foi aula hoje [-]i estando doente (toda a semana).
Nos casos de controlo, classicamente o sujeito seria caracterizado como PRO.
Seguindo Chomsky & Lasnik (1993), PRO seria legitimado por caso Nulo num domínio
[+tense] não finito (ver Pires 2006:28).
147
A Teoria do Caso dentro da Teoria de ‘Government & Binding’ (Chomsky 1986)
considerava que as construções Controlo Obrigatório e de Controlo Opcional estavam em
distribuição complementar: (i) As propriedades que licenciavam um sujeito lexicalizado
bloqueiavam a ocorrência de PRO; (ii) A condição sintáctica que determinava onde PRO era
possível bloqueiava a ocorrência de um sujeito lexicalizado.
Pires (2006), na esteira de Hornstein (1999), apresenta contextos em que tanto se
pode ter sujeito nulo como sujeito realizado:
(293) a. Sue prefers [ John/him swimming]
b. John prefers [ [-] swimming]
Adoptando a proposta de Hornstein (1999), Pires admite que nos casos de Controlo
Obrigatório, em vez de PRO controlado, existe uma cópia do Movimento-A do sujeito da
gerundiva para sujeito da matriz, (cf. (293b)). Pires (2006) recorda os argumentos de
Horstein que aproximam as condições para Movimento-A das de controlo obrigatório,
aplicando-as às gerundivas do Inglês: (i) necessidade de o sujeito nulo ter um antecedente;
(ii) necessidade de o antecedente ser local; (iii) necessidade de o antecedente c-comandar o
sujeito nulo; (iv) impossibilidade de o sujeito ter antecedentes segmentados.
Quanto aos casos sem controlo obrigatório (cf., por exemplo (294) e (295)),
aceitando a proposta de Hornstein (1999), Pires 2006 admite que nestes casos o sujeito é pro:
(294) It was believed that [-] shaving was important.
(295) Cliton’s campaign believes that [-] keeping his sex life under control is
necessary for electoral success.
148
A conclusão a que Pires (2006) chega, na esteira de Hornstein (1999), é a de que pro
estaria presente em todas as línguas e não apenas nas de Parâmetro de Sujeito Nulo. Nestas a
sua ocorrência seria, no entanto, muito maior.
Desse modo, acredito que nas gerundivas periféricas em PE e em PB, em que o
sujeito da oração matriz não c-comanda o sujeito da gerundiva, não há Controlo e o sujeito
nulo da oração subordinada é pro (296). Nas orações gerundivas periféricas em que há
Controlo Obrigatório do sujeito da subordinada pelo da matriz, o sujeito da oração gerundiva
é PRO (297a), ou, alternativamente, adoptando Pires (2006), uma cópia apagada de
Movimento-A (297b). Nos casos em que não há controlo, o sujeito da gerundiva não-
periférica é pro (298).
(296) Chegando pro mais cedo, o Rui conseguiria um lugar na primeira fila.
(Ger. Periférica)
(297) a. Ele comprou um carro PRO pedindo dinheiro ao banco.
b. Ele comprou um carro ele pedindo dinheiro ao banco.
(Ger. não-periférica)
(298) A gordura sai melhor pro usando água quente.
(Ger. não-periférica)
3.4 CO�CLUSÃO AO CAPÍTULO
Na intenção de fazer uma abordagem das orações gerundivas adverbiais, inicialmente
partimos dos trabalhos que visam sobretudo o valor semântico de tais estruturas, como
Ferrari (1997,1999), Leal (2003) e Móia e Viotti (2004). Em Ferrari, observamos um
tratamento pragmático de tais estruturas. Amparada no quadro teórico da Linguística
Cognitiva, a autora explora a “polissemia” das construções gerundivas adverbiais.
149
Pressupondo que há um sentido base temporal, Ferrari adimite que existem outros sentidos
radiais, tais como causa, concessão, condição, finalidade. Ferrari só explora as construções
adverbiais que ocorrem no início da frase, posição esta típica dos introdutores de espaços
mentais (spaces builders) na concepção de Fauconnier (1994).
Quanto a Leal (2003), a sua contribuição consiste em relacionar tempo e aspecto, tendo
por base a tipologia aspectual de Moens (1987). O autor centra-se no valor temporal (com os
subvalores de anterioridade, simultaneidade e posterioridade), não referindo aos demais
valores.
Móia e Viotti (2004), apoiados no quadro das Relações Discursivas Asher e Lascarides,
distinguem quinze tipos de valores nas gerundivas adverbiais, entre os quais diversos valores
temporais: para os autores cada especificação do valor semântico temporal representa um
tipo e não um subtipo. Móia e Viotti defendem que o gerúndio é um Operador Discursivo,
não polissémico de valor neutro.
Como vimos, nem sintáctica nem sintacticamente se pode dizer que o morfema -ndo
seja um conector neutro, desprovido de sentido, funcionando apenas como um operador
discursivo.
Admito que há um valor básico das gerundivas adverbiais. O valor inerente das
gerundivas de frase é o temporal e o das gerundivas de predicado é o de modo. A estes
valores outros se podem sobrepor, conforme os arranjos lexicais na sentença.
Partindo para a abordagem sintáctica das gerundivas adverbiais, vimos que Lobo (2002,
2003, 2006), na esteira de Lonzi (1991), divide o gerúndio em periférico e não- periférico. A
autora considera que todas as adverbiais são CPs, mas que as periféricas são CPs plenos e as
não-periféricas são defectivas. Tal factor está relacionado aos valores semânticos, já que as
gerundivas periféricas têm valor semântico de tempo (anterior e posterior), causa, condição,
concessão; já as não periféricas podem indicar o modo, instrumento, modo/condição e tempo
150
simultâneo. Os testes feitos pela autora demonstram a dicotomia sintáctica entre oração plena
e oração deficitária e distinguem gerundivas não-periféricas, adjungidas a posições baixas
como o vP (que Lobo designa como VP) e gerundivas periféricas, em adjunção a CP ou a IP
(TP).
Acrescentando um dado novo à análise de Lobo (2003), nesta tese procuro demonstrar
que há orações não-periféricas com valor causal e que não são deficitárias, face aos testes
propostos na literatura, e estão inseridas no predicado da matriz, i.e., modificam o vP, mas
são domínios oracionais plenos, que projectam como CPs.
Uma das propostas da autora, é admitir que todas as adverbiais são CPs, e que o que
torna as não-periféricas deficitárias é a posição em que estão inseridas, o T da gerundiva
ficando “dependente” de T matriz. Desse modo, todas as gerundivas adverbiais teriam
Tempo. No presente trabalho sugerimos que as gerundivas deficitárias poderiam ser não CPs,
mas apenas TPs.
Um dos factores que distancia o PE do PB é a posição dos sujeitos em alguns contextos.
Um dos exemplos é a posição que ocupam estes sujeitos nas gerundivas: no PE Gerúndio-
SU, no PB SU-Gerúndio. Esta ordem está relacionada ao Parâmetro do Sujeito Nulo. O PB,
em sendo uma língua que está a perder características do Parâmetro de Sujeito Nulo,
(Barbosa et al. (2005), obedece à ordem das línguas não pro-drop como o inglês e o francês.
Além disso, como referido em Miotto (2004), Miotto & Kato (2006), no PB o verbo
permanece em IP, enquanto em línguas como PE (espanhol e italiano) o V sobe para C e tal
categoria (CP) atribui Caso Nominativo ao Sujeito (Brito, 1984, Âmbar 1988, Lobo (2003).
Nas gerundivas adverbiais com sujeitos nulos, acredito que o PE e o PB não diferem
muito no tipo de categorias que pode ocupar tal posição. A partir de Pires (2006), admiti que
nas gerundivas adverbiais existem contextos em que se tem PRO ou pro: as que apresentam
Controlo Obrigatório têm sujeitos PRO; naquelas em que tal não acontece, o sujeito é pro.
151
Adoptando a proposta de Hornstein (1999), assumida em Pires (2006), o sujeito nulo
das gerundivas que são caracterizados como PRO podem ser analisados como o resultado de
Movimento-A, em que o sujeito sobe para uma posição mais alta deixando uma cópia in situ.
No próximo capítulo, demonstro que há gerundivas que são orações pequenas que
modificam VP, mas, neste caso, a adjunção tem uma relação muito estreita com V. Neste
ponto, tem que haver diferença entre vP e VP (como foi dito Lobo designa como VP todo o
sintagma verbal). Assim, as predicativas irão se diferenciar das adverbiais não periféricas por
terem uma relação de adjunção ou de complemento relacionado ao VP e não vP. Para além
de terem controlo obrigatório do sujeito.
Em suma, estudar as orações gerundivas adverbiais possibilitou-me precisar alguns
aspectos destas construções e observar propriedades das Gerundivas Predicativas, estruturas
estas pouco exploradas na literatura, as quais analiso no capítulo a seguir.
152
153
Capítulo 4
4. As construções gerundivas predicativas no domínio frásico em Português
As construções gerundivas predicativas no domínio frásico em português serão o
objecto de estudo deste capítulo38, o qual tem dois grandes objectivos, que determinam a sua
estrutura, a saber: (i) rever as análises propostas na literatura tanto no PE como no PB (como
os estudos de Neto e Foltran 2001, Móia e Viotti 2004, Lobo 2002, 2003, 2006),
confrontando-os as propriedades evidenciadas por estes autores com as avançadas para o
espanhol por Fernandez Lagunilla (1999) (retomando aspectos já considerados no capítulo
2); (ii) e desenvolver análises anteriores, entre as quais, as de Arsénio 2005, 2008a, 2008b e
2008c, a fim de diferenciar mais claramente as propriedades das gerundivas predicativas das
adverbiais e caracterizar os diferentes tipos de gerundivas entre si.
De um modo mais geral, as construções gerundivas da margem direita serão o objecto
de estudo deste capítulo. Assim, em um primeiro momento, pretendo diferenciar as três
construções abaixo: as gerundivas predicativas descritivas (em ing. ‘depictive’), (1), as
gerundivas predicativas complemento, (2) – ambas caracterizadas na Teoria de Princípios e
Parâmetros (Chomsky 1981, Stowell 1981) como orações pequenas (ing. ‘small clauses’); e
as gerundivas de resultado, (3) – que são analisáveis como orações plenas autónomas.
(1) a. Gerundiva predicativa descritiva orientada para o argumento externo
O Pedroi lê andandoi.
b. Gerundiva predicativa descritiva orientada para o argumento interno
O João encontrou/descobriu o filhoi fumandoi.
38 Não serão estudadas as gerundivas predicativas no DP/NP nem as gerundivas independentes, que são incluídas nas gereundivas predicativas por Fernandez Lagunilla (1999) e por Lobo (2002, 2003, 2006).
154
(2) Gerundiva predicativa complemento do verbo
Eu ouvi [a Maria cantando].
(3) Gerundiva de resultado
O navio afundou matando os tripulantes.
As gerundivas em (1) estão orientadas para um argumento nominal do verbo;
como se pode notar, (1a) refere-se ao argumento externo, o sujeito da sentença, “Pedro”;
já em (1b) a gerundiva descreve algo acerca do argumento interno, “o filho”. Em (2)
temos uma gerundiva que é complemento do verbo, uma vez que este não é
simplesmente “a Maria” mas “a Maria cantando”. Muito embora a diferença entre (1b)
e (2) seja tenue, já que também se pode interpretar que (1b) só assume plenamente o seu
sentido quando o gerúndio predicativo ocorre, ou seja “encontrou o filho fumando” e
não simplesmente “encontrou o filho”, penso que “fumando” caracteriza/descreve
simplesmente a situação em que o filho se encontrava. 39
Poder-se-á pensar que o verbo encontrar também teria uma subcategorização que
lhe permitiria seleccionar por complemento uma oração gerundiva, assim (1a) seria uma
sentença idêntica a (1b) em que o verbo ouvir subcategoriza todo o constituinte no qual
a gerúndio funciona como núcleo. No entanto, considerarei que “encontrar”
primeiramente preenche seu argumento interno, “o filho”; em segundo lugar, como uma
propriedade adicional está a oração pequena gerundiva, adjunta à principal (não sendo,
pois, um complemento do verbo). Deixo para discutir melhor este tópico na secção (4.2).
No que tangue ao exemplo (3), a gerundiva expressa o resultado do evento ocorrido na
principal. “O afundamento do navio” resulta na morte dos tripulantes. Tal construção é
bastante diferente das gerundivas em (1 a e b) e em (2), como demonstro mais adiante.
39 Para uma proposta semelhante a esta, para o espanhol, veja-se Fernandez Lagunilla 1999:3490.
155
4.1 As gerundivas predicativas na literatura
Alguns autores, como Neto e Foltran (2001), Móia e Viotti (2001, 2004), Lobo (2002,
2003, 2006) (para o português) e Fernandez Lagunilla (1999) (para o espanhol), traçaram
algumas diferenças entre as gerundivas predicativas, muito embora não tenham procedido a
uma análise exaustiva sobre o tema para o Português Europeu e para o Português do Brasil.
Assim, recortei, na literatura, as principais diferenças entre as gerundivas predicativas, seja
comparando-as em suas subclasses, seja comparando-as com gerundivas de outra natureza,
como as adverbiais.
Considerarei na secção 4.1.2. os diferentes tipos de construções predicativas que
reconhecem, e na secção 4.1.3. as propriedades que destacam para as distinguir das
gerundivas adverbiais.
4.1.2 Os diferentes tipos de construções gerundivas predicativas
Vejamos, então, os tipos de construções gerundivas predicativas observados nos
trabalhos dos autores citados acerca das gerundivas predicativas.
Foltran (2000) �eto e Foltran (2001)
Para além do gerúndio progressivo e das orações adverbiais, ou reduzidas, de gerúndio,
Neto e Foltran (2001) distinguem a construção de predicados secundários de gerúndio,
orientados para o sujeito (cf. (4) e (6)) ou para o objecto do verbo da oração principal (cf.
(5)).
156
(4) Ou ela vai deixar a gente passar quase um ano ouvindo aquela gritaria?
(Xexéo, JB, 29/9/99).
(5) Se você vê [duas crianças brincando de médico], a maioria das pessoas
ficaria chocada. (Entrevista, JB, Domingo, p.6)
(6) Agora estou ocupada tomando meu Nescafé com leite.
(Claudia, nº6, Junho 99, p. 31, apud Neto e Foltran 2001)
Segundo os autores, os predicados secundários diferenciam-se dos predicados
primários em alguns aspectos. Um deles, apontado por Rothstein (1983,1997), diz respeito a
uma condição temática dos predicados secundários: o seu sujeito tem um papel temático
atribuído por outro núcleo fora da relação de predicação secundária. Foltran (2000) analisa
algumas construções com o gerúndio como predicados secundários, observando que, nesses
casos, o gerúndio denota um processo ou estado em andamento que coincide ou se sobrepõe
ao evento apresentado pelo predicado primário.
Estes autores ainda diferenciam o gerúndio predicativo das construções progressivas,
pelo facto de o gerúndio, como predicado secundário, não ocorrer com nenhum auxiliar. Para
além disso, o gerúndio predicativo denota uma eventualidade que se desenvolve no mesmo
tempo da eventualidade do predicado primário. Há, portanto, uma sobreposição dos
intervalos de tempo em que se dá uma ou outra.
Foltran e Neto diferenciam ainda as orações adverbiais (ou orações reduzidas) de
gerúndio da construção de predicados secundários. Esta questão será retomada em 4.1.3.
Lobo 2002, 2003, 2006
Lobo tem uma visão mais alargada do que Neto e Foltran (2001) de gerúndio
predicativo e afirma que nem sempre é equivalente a um predicado secundário. A autora
destaca os seguintes contextos de ocorrência de Gerúndio predicativo:
157
• Gerúndio Predicativo do Sujeito
(7) O Zé entrou em casa cantando.
(8) Escrevi um poema pensando em ti.
• Gerúndio Predicativo do Objecto
(9) Ouvi o Paulo cantando.40
(10) O João fotografou o Afonso dormindo tranquilamente.
• Orações independentes exclamativas ou descritivas41
(11) Figo chutando a bola para Zacarias.
(12) Os meninos dormindo a esta hora! Não posso acreditar.
• No DP
(13) [A cara da Ana olhando para o Zé] não engana ninguém.
(14) Todos ficaram impressionados com [a chegada da Teresa chorando
convulsivamente].
Todas as construções acima são consideradas por Lobo como predicativas, no que
segue a análise de Fernández Lagunilla (1999) para o espanhol. A razão para as considerar
predicativas advém de a oração que integra o gerúndio ter um funcionamento e uma
40 Raposo (1989) designa os casos correspondentes destes exemplos com «a+infinitivo», seleccionados por verbos perceptivos em PE como Construção de Infinitivo Preposicionado PIC (Preposicional Infinitival Construction): (i) Ouvi o Paulo a cantar. 41 Raposo (1989) aproxima as contrapartidas com «a+infinitivo» destas construções, no PE, das de PIC (Preposicional Infinitival Construction):
(i) Os meninos [a copia(rem) no exame]! Que horror! (ii) Os meninos [a copia (rem) no exame] é um espectáculo triste.
O autor equipara as construções em (i) e (ii) com aquelas em que há verbos de percepção, pois ambas envolvem uma simples predicação com aspecto progressivo: (iii) Eu vi os meninos a ler(em) esse livro.
158
distribuição característicos das orações pequenas (small clauses) ou dos predicados
secundários.
Lobo (2003) ainda acrescenta que todas estas construções têm em comum o facto de
poderem ser substituídas quer pela construção «a+infinitivo» quer por predicados
preposicionais, adjectivais ou participais. Não obstante, a autora não ilustra para todos os
casos essa comutação. Apenas para construções como as em (15) – em que se usa verbo
perceptivo – e para as em (16) – em que a gerundiva está no DP – é apresentada essa
possibilidade:
(15) a. O Rui viu [a Ana dançando fandango] (gerúndio predicativo)
b. O Rui viu [a Ana a dançar o fandango] (a+infinitivo)
c. O Rui viu [a Ana em cima do burro] (predicado preposicional)
d. O Rui viu [a Ana desinteressada] (predicado adjectival)
(16) a. [A Ana dançando o fandango] era um espectáculo digno de se ver.
b. [A Ana a dançar o fandango] era um espectáculo digno de se ver.
c. [A Ana em cima do burro] era um espectáculo digno de se ver.
d. [A Ana nua] era um espectáculo digno de se ver.
Lobo (2003, 2006) não faz distinção entre orações predicativas e predicados
secundários. Na verdade, ela não questiona o que seria uma predicação secundária
comparada com uma predicação primária.
Móia e Viotti (2004)
Móia e Viotti designam a construção gerundiva seleccionada por verbo perceptivo e
copulativo como Gerúndio argumental:
159
(17) A Ana viu [um bicho estranho escavando a terra].
(18) [Aves chocando em aviões] não é uma situação rara.
A designação de gerúndio argumental capta o facto de o verbo subcategorizar um
complemento oracional gerundivo, como em (17), ou seleccionar por sujeito uma oração
gerundiva, como em (18).
Lobo (2003: 247) discorda dos autores, pois como afirma, se se considerasse a
gerundiva como uma oração argumental, não haveria diferenças entre o português e o inglês
nos contextos em que o que os diferencia é a possibilidade de se ter uma gerundiva de –ing
como sujeito do inglês em posições argumentais: “[Writing the book] consumed much of
Geoger´s time. Vs *[Escrevendo o livro] consumiu a maior parte do tempo de Jorge.”42
Assim, a autora assume que, nestes casos, o gerúndio (ou outras categorias) é o predicado de
uma oração pequena. Ainda complementa que se os casos acima correspondessem a usos
argumentais do gerúndio, esperaríamos encontrar orações como: (i) *[[-] dançando] é um
espectáculo digno de se ver; (ii) O Paulo viu [[-]acenando].
Embora Móia e Viotti não apresentem argumentos explícitos para esta designação, o
facto de o gerúndio poder ser argumental nestes contextos pode ser comprovado através da
substituição da gerundiva por um pronome demonstrativo, como nos seguintes exemplos:
(19) a. A Ana viu isso. (isso= um bicho estranho escavando a terra)
b. Isso não é uma situação rara. (isso= aves chocando em aviões)
Nos exemplos acima isso denota toda uma oração e não um constituinte nominal,
encabeçado por um bicho estranho, (19a) ou aves, (19b), modificado por uma gerundiva.
Um outro teste que confirma a natureza argumental da gerundiva é o teste de
Pergunta/Resposta que demonstra que o argumento do verbo questionado na pergunta é
42 “The whashing of the car” vs. *O lavando do carro”. Algumas nominalizações são possíveis com o infinitivo, no português: O cair das folhas, o nascer da aurora, o cantar do galo.
160
retomado na resposta através da gerundiva na sua totalidade. Veja-se a primeira resposta em
(20a), em que há o preenchimento do argumento interno do verbo e a segunda, em (20b), em
que o argumento externo da oração pequena seleccionada pelo verbo copulativo ocorre:
(20) a. P: A Ana viu o quê? R: Um bicho estranho escavando a terra.
b. P: O que (é que) não é uma situação rara? R: Aves chocando em aviões.
Concordo, pois, com Móia e Viotti em que há contextos em que o gerúndio, ou melhor,
a oração gerundiva é argumental.
Como veremos adiante, a par de construções gerundivas argumento do verbo, como as
gerundivas seleccionadas por verbos perceptivos (cf. (17)), há casos em que a gerundiva
funciona como um adjunto.
4.1.3 As propriedades gerais das gerundivas predicativas face às adverbiais
Na literatura sobre o português brasileiro e europeu foram apresentadas várias
propriedades para distinguir as gerundivas predicativas das gerundivas adverbiais.
�eto e Foltran (2001)
Neto e Foltran destacam duas propriedades distintivas dos gerúndios predicados
secundários relativamente às orações gerundivas adverbiais. A primeira diz respeito à falta de
mobilidade dos predicados secundários, ilustrada em (21b):
(21) a. Agora estou ocupada tomando meu Nescafé com leite.
b. *Tomando meu Nescafé com leite, agora estou ocupada.
161
Os autores mencionam como segunda propriedade distintiva o facto de o gerúndio
como predicado secundário não poder comutar com uma oração finita:
(22) ?Agora estou ocupada porque tomo meu Nescafé com leite.43
Comparando os dois testes, acredito que o teste de mobilidade dá conta da maioria
dos exemplos testados, pois o predicado secundário, por estar interligado ao primário, deve
ocorrer localmente, já o teste de comutação não parece tão eficaz, uma vez que, ao usar de
uma conjunção adverbial, se está a pensar em uma estrutura adverbial com valor causal e não
predicativa. Talvez resida neste factor a marginalidade de (22), uma vez que um predicativo
não pode ser substituído por uma construção adverbial.
Lobo (2002, 2003, 2006)
Lobo aponta outros tipos de restrições às gerundivas predicativas, relativamente às
adverbiais.
(i) Restrições aspectuais ao predicado (2002, 2003: 250)
O gerúndio predicativo parece estar sujeito ao mesmo tipo de restrições aspectuais a
que está sujeito na construção progressiva. Não podem ocorrer nestas construções
'verdadeiros' predicados estativos, ou seja estativos 'não faseáveis' (cf. Cunha 1998; Oliveira,
Cunha & Matos 2001; De Miguel 1999: 3013), i.e. estados que não são recategorizáveis
como processos (cf. Moens 198744, Moens & Steedman 1988; Cunha 1998):
43 A marginalidade de (21) pode ser questionada, uma vez que o problema poderia ser apenas aspectual, o presente do indicativo não tem valor de progressivo, pois se o tivesse a frase seria possível “Agora estou ocupada porque estou tomando meu /escafé com leite”. Neste caso, teria de haver outros exemplos para checar se o teste de transformar um constituinte gerundivo em uma oração desenvolvida seria eficaz para se saber se este é uma oração predicativa. 44 Recorde-se que Moens (1967) distingue quatro tipos de situações: estados, processos, processos culminados e culminações. (ver capítulo 3)
162
(23) * João está estando a viver em Paris.
(24) *O João viu o Zé estando a viver em Paris.
(25) *O João chegou a casa estando doente.
Em (23), “viver em Paris” é um estado, não sendo possível sua ocorrência com um
verbo auxiliar que indica outro estado “estar em Paris”. Dois verbos estativos não podem
ocorrer ao mesmo tempo, embora possam ocorrer separadamente: a) O João viu o Zé estando
em Paris ou b) O João viu o Zé a viver/vivendo em Paris; já no caso de (25), embora
agramatical enquanto predicativa, como Lobo afirma, ao meu ver, poderia ser considerada
como marginal, como oração adverbial gerundiva com valor de causa:
(26) ? O João chegou {a casa (PE) / em casa (PB)}por estar doente.
(ii) Alternância com a+infinitivo em português europeu (2002, 2003)
Lobo considera que o gerúndio predicativo pode alternar no Português Europeu com
«a+infinitivo»:
(27) a. O João viu os ladrões arrombando /a arrombar a porta.
b. O João chegou a casa coxeando/a coxear.
c. Os meninos dormindo/a dormir(em) a estas horas! Não acredito.
A autora contrapõe as gerundivas predicativas como (27), com as adverbiais de
predicado/não-periféricas como (28), que não podem ser comutadas por «a+infinitivo»:
(28) a. Os ladrões entraram em casa arrombando/*a arrombar a porta com um
maçarico.
b. O Zé constrói a cabana usando folhas e canas/*a usar folhas e canas
c. O Zé nada levantando a cabeça/*a levantar a cabeça.
163
Lobo menciona que Móia & Viotti (2004) consideram que o gerúndio pode alternar
com a+infinitivo também em orações adverbiais adjuntas. Para estes autores, as restrições à
ocorrência de «a + infintivo» em determinados contextos dever-se-iam a incompatibilidades
de natureza semântica que se verificam com «a + infinitivo», mas não com o gerúndio:
restrições do tipo aspectual do predicado; exigência de que haja sobreposição temporal
entre os eventos. Os autores referem as seguintes frases como exemplo da possibilidade de
haver alternância entre «a + infinitivo» e o gerúndio em adjuntas:
(29) Vivendo/A viver numa cidade pequena, teríamos mais qualidade de vida.
(30) Passeando/A passear pela praia, encontrei uma moeda de ouro muito antiga.
A autora faz uma crítica à análise de Móia & Viotti relativamente às orações
adverbiais, uma vez que a alternância em (29) e (30) altera o valor das orações e que essa
alternância é impossível em uma série de outros contextos que respeitam as restrições
identificadas por eles para a construção «a+infinitivo». Lobo apresenta alguns exemplos em
que o predicado não é estativo (ver possibilidade de ocorrência na construção progressiva) e
existe sobreposição temporal entre os eventos:
(31) a. O Zé constrói a cabana usando folhas e canas/*a usar folhas e canas.
b. O Zé está usando/a usar folhas e canas (na construção da cabana).
(32) a. O Zé nada levantando a cabeça/ *a levantar a cabeça.
b. O Zé está levantando/a levantar a cabeça.
(33) a. O Zé despitou os policiais tomando um atalho./*a tomar um atalho.
b. O Zé está tomando/a tomar um atalho.
164
Comparação com o espanhol - Fernandez Lagunilla (1999)
Na literatura consultada para o Português há uma comparação entre gerundivas
predicativas e as adverbiais, entre as quais as adverbiais de predicado. Não obstante, não há
um estudo sistemático que compare explicitamente as predicativas com as orações
gerundivas adverbiais de predicado. Fernandez Lagunilla (1999:3447-3452), para o espanhol,
procura distingui-las. A maioria das propriedades é idêntica nas duas línguas. No entanto,
algumas das características apontadas por Fernandez Lagunilla não foram referidas na
literatura para o português, embora se verifiquem nesta língua.
As gerundivas predicativas e as gerundivas adverbiais de modo têm em comum o facto
de ocorrerem no predicado da matriz, e não associadas a frase. Existem, no entanto, várias
propriedades que as diferenciam :
(i) Posição ou mobilidade:
Em ambas as línguas, os gerúndios adjuntos adverbiais de predicado podem antepor-se
ao verbo que modificam sem indicar uma situação de ênfase (Fernandez Laguilla 1999:
3448). Os gerúndios predicativos apresentam menor mobilidade, podendo quando antepostos
produzir agramaticalidade:
(34) a. Pedro consigue lo que quiere esforzándose. (Ger. adverbial de predicado)
b. Esforzándose, Pedro consigue lo que quiere.
(34’) a. Juan encontró a su hijo llorando. (Ger. predicativa)
b. *Llorando, Juan encontró a su hijo.
165
Como vimos, Neto e Foltran demonstram igualmente a impossibilidade de deslocação
dos gerúndios predicados secundários no Português:
(35) a. Agora estou ocupada tomando meu Nescafé com leite.
b. *Tomando meu Nescafé com leite, agora estou ocupada
(ii) Presença/ausência de um S�
As gerundivas predicativas necessitam de um SN realizado na oração principal ao qual
se referiram, os adjuntos adverbiais podem ter esse SN realizado, mas não é uma exigência:
(36) a.*El vino apareció adulterándolo. (Ger. predicativa)
b. Los niños se duermem cantandoles. (Ger. adverbial de predicado)
(iii) Restrições aspectuais
Nos adjuntos adverbiais não há restrições aspectuais impostas pelo verbo principal, já
nos predicativos há: não podem ocorrer nas gerundivas predicativas predicados estativos
(37a), nem alguns predicados de culminação (37c):
(37) a. Luís trabalha {cuidando ninos/*siendo médico}(Ger. predicativa)
b. Luís es feliz {cuidando ninos/siendo médico} (Ger. adverbial de pred.)
c. Vio a Pedro {buscando/*encontrando} la llave. (Ger. adverbial de pred.)
d. Desvelo el secreto {buscando/encontrando} la clave. (Ger. predicativa)
Recorde-se que Lobo (2003) refere igualmente à impossibilidade de ocorrência de
'verdadeiros' predicados estativos ('não faseáveis') nas gerundivas predicativas do português,
e a sua aceitabilidade em adverbiais adjuntas:
166
(38) * O João chegou a casa estando doente.
(39) Luís é feliz cuidando dos filhos/sendo médico.
Lobo também aponta restrições aspectuais com o verbo “ver” no Português, fazendo
notar que não ocorre com estativos:
(40) *O João viu o Zé estando a viver em Paris.
Como referi acima (secção 4.1.2., exemplos (17)-(20)), os verbos perceptivos
seleccionam a oração gerundiva como argumento e não como adjunto. Com verbos
perceptivos como “ver”, nota-se igualmente em português, embora não tão nitidamente como
em espanhol, uma certa “marginalidade”, quando a gerundiva predicativa envolve um
predicado de culminação, como encontrar:
(41) ??Ele viu o Pedro encontrando a chave.
(42) Ele viu o Pedro procurando a chave.
As construções em (43) demonstram que no português estas diferenças de
aceitabilidade não surgem com os predicados das gerundivas adverbiais:
(43) a. Desvendou o segredo buscando a chave. (modo)
b. Desvendou o segredo encontrando a chave. (modo)
(iv) Valores das construções de gerúndio
Para Fernández-Lagunilla, os gerúndios predicativos podem expressar sentidos de
modo, explicação ou tempo, enquanto os adjuntos adverbiais, além destes, podem expressar
causa, condição, etc, como vimos nos capítulos anteriores
167
(44) a. Luís entró gritando. (Modo)
b. La fotografiaron saliendo de su casa. (Tempo)
c. Tiene un amigo viviendo en Paris. (Descrição ou explicação)
No entanto, contrariamente a Fernández Lagunilla, não considero que os gerúndios
predicativos apresentem os valores semânticos modal e temporal. Considero antes que o
facto de não apresentarem estes valores é um dos aspectos que pode diferenciar os gerúndios
adjuntos de predicado dos gerúndios predicativos, cujo valor é o caracterizar um argumento.
(v) �egação
Nos gerúndios adverbiais adjuntos de predicado, se o verbo da oração principal estiver
negado, a negação pode ter escopo apenas na oração gerundiva adverbial. Tal não acontece
nos gerúndios adverbiais de predicado em que tem de ser toda a frase negada, incluíndo a
oração principal e a gerundiva:
(45) a. Luís no me respondió dándome las gracias. (Ger. adverbial de pred.)
(Implica: Luis no me dio las gracias)
b. Luís no se entretuvo viendo la televisión. (Ger. predicativo)
(Não implica: Luis no vio la television)
No entanto, no Português são poucos os exemplos que admitem que a negação frásica
não tenha escopo sobre o gerúndio predicativo, normalmente a negação dos adjuntos
adverbiais não-periféricos (adjuntos adverbiais de predicado) é idêntica à dos predicativos.
No português teríamos algo como:
168
(i) Gerúndio adjunto adverbial de predicado
(46) a. Luís não me respondeu dizendo adeus.
Interpretação: Luís não me respondeu dizendo adeus (mas dizendo até já).
Implica=> Luís não disse adeus
b. Pedro não consegue o que quer esforçando-se
Interpretação: Pedro consegue o que quer de outra maneira
Implicação=> Pedro não se esforça
(ii) Gerúndio predicativo
(47) Pedro não partiu sorrindo (predicativa descritiva do sujeito)
Interpretação: Pedro partiu demonstrando outra atitude
Implicação=> Pedro não sorriu
Este comportamento será analisado para o Português na parte seguinte deste capítulo.
Em suma, embora haja na literatura testes que visam diferenciar as construções
gerundivas predicativas das adverbiais de predicado nem sempre estes testes são totalmente
eficazes.
De facto, muitas construções, à excepção das predicativas de complemento, são
ambíguas entre uma leitura de atribuição de propriedade (gerundivas predicativas descritivas)
e valor circunstancial de modo (gerundiva adverbial). Mesmo assim, a aplicação cumulativa
de alguns destes testes permite estabelecer um padrão de diferença. O teste sintáctico de
movimento capta esta diferença - dado o estatuto de predicação secundária da gerundiva,
que será melhor discutido neste capítulo. Quanto às restrições aspectuais, a escolha do
predicado também é importante nesta diferenciação, pois parece claro que as gerundivas
predicativas não ocorrerem “verdadeiros estativos”, como afirma Lobo (2003), nem com
alguns predicados com valor de culminações (Fernandez Lagunilla 1999)
169
Notou-se também que no espanhol algumas estruturas predicativas têm
comportamentos diferentes. A falta de mobilidade das predicativas parece ser comum em
ambas as línguas, as diferenças aspectuais também são parecidas, embora se perceba
diferenças lexicais nos dois idiomas. Não obstante, os testes de valores semânticos (tempo,
modo, explicação) não fazem sentido nas construções predicativas, já que estas não indicam
circunstâncias, mas atitudes de entidades. Quanto à negação, esta não parece actuar da
mesma forma em português e em espanhol, pois no nosso idioma o comportamento é
idêntico tanto nas predicativas como nas adjuntas, i.e., o escopo da negação matriz pode
atingir a gerundiva e não a oração principal.
4.2 As construções gerundivas de complemento predicativo
Como vimos na secção 4.1.2., os casos de gerúndio predicativo seleccionado por verbos
perceptivos e por volitivos como querer são tratados aqui como argumentais:
(48) A Ana viu [um bicho estranho escavando a terra]. (Móia e Viotti 2004)
(49) Ele ouviu [as crianças gritando]
(50) Eu quero [minha filha estudando].
Vale ressaltar que as predicativas complemento se diferenciam dos casos de
predicações de objecto, os quais recebem aqui o estatuto de orações pequenas adjuntas (cf.
secção 4.3.). As predicativas argumentais têm um valor oracional e, por isso, podem alternar
com pronomes que denotam situações (e não entidades). As predicativas descritivas de
objecto não aceitam alternância. Vejamos os casos abaixo:
170
Predicativas complemento
(51) A Ana viu isso. isso = um bicho estranho escavando na terra.
(52) Ele ouviu isso. isso= as crianças gritando
(53) Eu quero isso. isso = minha filha estudando.
As predicatives descritivas do objecto:
(54) a. Pedro encontrou as crianças sorrindo (e não chorosas)
b. ?? Pedro encontrou isso. # Isso = as crianças sorrindo
c. Pedro encontrou-as as =as crianças (sorrindo)
(54’) a. Ele surpreendeu a Maria sambando
b. ??*Ele surpreendeu isso
c. Ele surpreendeu-a a= a Maria (sambando)
Os verbos ver e ouvir seleccionam uma oração pequena gerundiva que alterna no
português europeu com a construção infinitiva originalmente designada em Raposo (1989)
como Prepositional Infinitival Construction, ilustrada nos seguintes exemplos:
(55) Ana viu [um bicho estranho a escavar a terra] (PE)
(56) Ele ouviu [as crianças a gritar] (PE)
(57) Eu quero [minha filha a estudar] (PE)
Para Raposo (1989), na esteira de Stowell (1983), todas as categorias podem ser
núcleo de Orações Pequenas. Assim, os exemplos da construção infinitiva preposicionada
(a+V_infinitivo) são analisados da seguinte forma:
171
(58) a. Eu vi os meninos a trabalhar(em) (Raposo 1989:295)
VP
V PP vi NPi PP os meninos P clause
a eci trabalhar(em)
Raposo trata a oração pequena de PP como complemento do verbo ver e afirma que o
verbo perceptivo da oração matriz atribui, para além de um papel temático primário à oração
pequena, seu complemento, um papel temático secundário ao sujeito da oração pequena, no
exemplo dado “os meninos”. O verbo perceptivo atribui também caso a este constituinte.
Raposo (1989) considera que a construção progressiva “estar+a V_Infinitivo” é um
caso particular da Prepositional Infinitival Construction.
Matos (1992) aproxima a construção de infinitivo flexionado da construção de
gerúndio no que diz respeito ao verbo semi-auxiliar (estar+a V_Gerundio). A autora mostra
que, em português europeu, os verbos no infinitivo ou no gerúndio podem formar um
complexo verbal com o semi-auxiliar que os selecciona, propriedade que é atestada, pela
subida do clítico:
(59) a. Eles não me estavam cumprimentando (PE)
b. *Eles não estavam cumprimentado-me.(PE)
172
Matos (1992) mostra que este comportamento das gerundivas com estar contrasta com
o das gerundivas adverbais em que, em PE, o verbo no gerúndio é capaz de atribuir caso ao
seu complemento, podendo ser hospedeiro do clítico (Cumprimentando-me, eles entraram no
carro).
Reavaliando as análises Raposo (1989) e Matos (1992), Duarte (1993) assume, para
todas as construções com verbos auxiliares e principais perceptivos, que a sequência “V+a V-
Infinitivo” deve ser analisada em termos de uma projecção de Aspecto, encabeçada “a”,
caracterizada como um marcador aspectual, como simplificadamente ilustrado em (60):
(60) V [AspP NP [Asp´[Asp a -r] [....]
Esta análise, centrada na ocorrência de “a + V_infinitivo”, foi objecto de discussão em
Barbosa & Cochofel (2005), no tocante aos verbos perceptivos. Não me debruçarei sobre esta
questão neste trabalho, já que não aborda a estrutura da construção de gerúndio.
A existência de um nó AspP para construções com estar-Gerúndio (alternando em PE
com “estar+a V_Infinitivo”) foi explorada em trabalhos posteriores, por Cyrino e Matos
(2002, 2005) e Oliveira et al. (2004).
Cyrino e Matos (2002, 2005) assumem que a estrutura de frase é a explicitada em (61):
(61) [CP [ TP [ASPP [ VP [ VP ] ] ] ] ]
Cyrino e Matos (2005) propõem para as construções gerundivas perifrásticas a
representação seguinte:
(62) Ela está lendo livros às crianças.
[TP Elai [T está] [VPaux está [AspP lendoj [vP [ela] [lendo] livros às crianças ]]]
173
Adoptarei esta análise, adaptando-a para a construção de Gerúndio Predicativo
argumental seleccionado por verbos perceptivos.
(63) Eu vi os meninos trabalhando.
VP V AspP | vi DP AspP | os meninos Asp vP | trabalhando [os meninos] [trabalhando] No caso acima, no PE “os meninos” recebe caso acusativo do verbo perceptivo:
(64) a. Eu vi-os trabalhando,
b. Eu não os vi trabalhando.
No PB coloquial, é comum usar o pronome do caso reto:
(65) a. Eu vi eles trabalhando.
b. Eu não vi eles trabalhando.
Como foi dito, na concepção de Raposo (1989), o verbo perceptivo primeiro atribui um
papel temático à construção gerundiva, que é o papel temático primário; mas também atribui
papel temático ao argumento da oração pequena, que é o papel temático secundário. Esta
análise é um problema para a Teoria temática, por questões de ordem empírica e teórica: em
(63) e (65), nas construções com verbos perceptivos, o verbo “ver” atribui papel temático de
experienciador ao argumento externo, “eu”, e o de tema à oração pequena. A questão é se
174
tanto a oração pequena como o sujeito da oração pequena estariam recebendo o mesmo papel
temático, por exemplo “tema”. Nesse caso, de um ponto de vista teórico, está a ser infringida
a teoria temática, que admite que um predicado só tem papéis temáticos para os seus
argumentos. Além disso, actualmente, desde o início do Programa Minimalista (Chomsky
1993), adopta-se o princípio de satisfação da estrutura argumental, que faz com que um
predicado tenha de ter todos os seus argumentos obrigatórios preenchidos para a estrutura ser
interpretada como bem formada em Forma Lógica.
De um ponto de vista empírico, esta atribuição do papel temático de tema é
inadequada: no exemplo (63), “os meninos” parece ser interpretado como agente e só pode
receber esse papel de “trabalhar”, não do verbo “ver”: Eu vi os meninos trabalhando / Eu vi-
os trabalhando (PE, PB padrão)/ Eu vi eles trabalhando (PB não padrão).
O exemplo do PE demonstra que o sujeito da oração pequena recebe caso acusativo do
verbo “ver”, Eu vi-os trabalhando”. Na literatura assume-se que houve atribuição de
marcação de Caso Excepcional (cf. Chomsky 1981, 1986), i.e. o caso que o verbo “ver”
deveria atribuir à oração pequena, seu complemento, é cedido ao argumento externo desta.
O PB coloquial demonstra que os pronomes acusativos estão a ser substituídos pela
forma do pronome do caso reto.
Tendo feito uma análise para as Gerundivas Predicativas Complemento, passemos
agora às Gerundivas Predicativas Adjunto.
4.3 Gerundivas predicativas adjunto
Como foi demonstrado, nem sempre é simples diferenciar uma predicativa adjunta de
uma adverbial de predicado com valor de modo. No entanto, enquanto às gerundivas
adverbiais de predicado é usualmente atribuída uma natureza frásica, alguns estudos na
175
literatura caracterizam as gerundivas predicativas como orações pequenas, ou mesmo como
predicados secundários sem estatuto oracional.
Nesta secção, distinguirei mais claramente as gerundivas predicativas adjunto das
adverbiais de predicado, em especial as de modo (cf. 4.3.1.), discutirei estatuto das
gerundivas predicativas como orações pequenas ou predicados secundários (cf.4.3.2) e
proporei uma análise que capte o seu comportamento sintáctico (4.3.3.).
4.3.1 Gerundivas predicativas adjunto: valores semânticos e comportamento sintáctico
Pelo facto de na literatura consultada não haver uma diferenciação entre predicativas
adjuntas/predicados secundários e predicativas adverbiais de modo, procurarei demonstrar
que tanto semântica como sintacticamente apresentam comportamentos distintos.
4.3.1.1 Valores semânticos
Na sequência de Halliday (1967), é usual distinguir, em termos de valores semânticos,
duas classes de predicados secundários, os descritivos (ing. depctives) e os resultativos:
(65) a. Johni drove the car drunki.
b. Mary ate the carrotsi uncookedi.
(66) a. Jane painted the housei redi.
b. Bill wiped the tablei cleani.
Como vários autores reconhecem (cf., por exemplo, Marrafa 1993, Demonte e Masullo
1999, Rothstein 2006), os predicados secundários são tipicamente APs ou PPs.
176
Simpson (1973) sugeriu que haveria um terceiro grupo para os predicados secundários:
os circunstanciais. Schultze-Berndt (2006) demonstra que o exemplo abaixo apresenta um
problema quanto ao facto de muitas línguas não terem uma classe de palavras específica para
clarificar se uma determinada expressão é um adjunto circunstancial ou uma predicativa
descritiva. Para esta autora este problema não existe no Inglês, uma vez que o morfema “–ly”
é usado para os advérbios:
(67) Joy ate the meat reluctantly.
Para o português a mesma distinção que existe em inglês ocorre em casos como (68).
(68) a. Joy comeu a carne relutantemente. (PE /PB padrão)
b. Joy comeu a carne relutante. (PE/PB)
No português europeu e no brasileiro padrão há também uma diferença entre os
advérbios e os adjectivos predicativos: estes últimos podem estabelecer concordância com o
nome a que se referem; já os primeiros são invariáveis:
(69) Eles comeram a carne relutantemente.
(70) Eles comeram a carne relutantes/*relutante.
Existem casos, no entanto, que podem ser vistos como formação de um advérbio
a partir de um adjectivo:
(71) Eles comeram a carne rápido.
rapidamente
?rápidos
177
A diferença entre um advérbio e um adjectivo, no português, muitas vezes se
confunde, pois alguns adjectivos tem um uso adverbial. Por isso, nem sempre será fácil
distinguir uma predicativa de uma adjunta em termos de APs ou AdvPs. Nesse sentido,
poder-se-á formular, como Simpson (1973) sugeriu, uma terceira classe para os predicados
secundários: os circunstanciais, já que os advérbios indicam circunstâncias e muito deles
estão a meio caminho entre um AP ou AdvP.
Quanto às gerundivas, em inglês não há referência a elas poderem ocorrer como
predicados secundários gerundivos. A construção gerundiva tem propriedades diferentes
nesta língua (cf., entre outros, Lobo 2003, Pires 2006). O que se afirma é que não há verbos
nas predicativas descritas, somente APs e alguns PPs (Rothstein 2006). No entanto, no
português (como no espanhol) existem gerundivas que apresentam valores descritivos e
resultativos:
(72) a. Eles escreveram um poema pensando na Maria. (cf. Lobo 2003)
b. Eu tomei o café escaldando (PE) /fervendo (PB)
(73) O navio afundou matando os tripulantes.
As gerundivas em (72) predicam, respectivamente, acerca dos argumento externo e
interno do verbo da oração principal, pensando na Maria e de escaldar/esquentar/ferver. A
gerundiva em (73) indica o resultado do evento da oração principal, sendo, por isso,
denominada como gerundiva de resultado, por carregar este valor semântico.
178
Ao longo das secções seguintes considerarei as gerundivas predicativas descritivas.
Quanto às gerundivas de resultado, deixo para analisá-las à parte, pois são construções, em
princípio, diferentes das resultativas do inglês e daquelas tratadas na literatura geral45.
Como vimos, Fernández Lagunilla para o espanhol admite que as gerundivas
predicativas adjuntas podem ter, além de valores descritivo ou explicativo, valores de tempo
e de modo. Os sentidos modal (cf. (74)) e temporal (cf. (75)) são, no entanto, valores
semânticos tipicamente associados a uma circunstância que caracteriza mais a predicação
subordinante do que uma entidade, como acontece nos dois exemplos seguintes, o segundo
dos quais traduzido do espanhol para o português:
(74) Luís entrou batendo com a porta
(75) Fotografaram-na saindo de sua casa.46
Em (74) o verbo entrar, indica movimento, batendo com a porta, denota a maneira, o
modo como ele entrou, por isso estaria no grupo das adverbiais adjuntas internas (não
periféricas). Em (75) a paráfrase: Fotografaram-na enquanto saia de casa também nos leva a
pensar que saindo de sua casa é um evento que localiza temporalmente o evento da oração
subordinante fotografaram-na.
No entanto, há casos ambíguos em que tanto a interpretação descritiva como a de
modo são possíveis. No exemplo seguinte, gritando tanto pode ser uma propriedade que
caracteriza uma atitude minha (aproximável da explicitada por um adjectivo predicativo, por
exemplo, furioso ou desatento) como o modo como eu assisti ao jogo (aproximável de uma
expressão exprimindo modo, por exemplo, desatentamente)
45 Esta construção resultativa do português é diferente da referida em Halliday (1967), que tem um AP (e.g. The river froze solid (Levin & Rappaport Horvav 1995)), ou dos casos analisados em Marrafa 1993, para o português europeu ( As resultativas que serão foco de análise aqui são as Gerundivas que têm dois núcleos verbais, sendo um deles o verbo no gerúndio). 46 Não é totalmente claro que “saindo de casa” não seja ambiguo entre uma leitura temporal e uma predicativa. Na verdade é possível a comutação com A+Vinfin (Fotografaram-na a sair de casa)
179
(76) Eu assisti ao jogo comendo. (gerundiva predicativa descritiva/modo)
Em suma, de um ponto de vista semântico, admito que não há outros valores para as
gerundivas predicativas para além do descritivo e do de resultado. Elas simplesmente
predicam sobre o sujeito ou o objecto directo ou indicam o resultado da acção da
subordinante, casos que veremos mais adiante, ainda neste capítulo.
4.3.1.2 Comportamento Sintáctico
Dada a dificuldade em, por vezes, diferençar semanticamente as gerundivas
predicativas descritivas das gerundivas de modo, procurei distingui-las pelo seu
comportamento sintáctico, retomando os critérios formais presentes na literatura (cf.
Fernandez Lagunilla 1999, Neto e Foltran 2001, Lobo 2002, 2003, 2006), mais relevantes
para esta separação (comutação por a+infinitivo em português europeu, falta de mobilidade)
e acrescentarei outros novos que me parecem elucidativos: possibilidade ocorrência do
marcador de negação frásica na gerundiva, resposta às perguntas “De que modo X
predicado matriz?”, para as adverbiais de modo, ou “Como estava/se encontrava o indivíduo
X quando oração matriz?”, para as predicativas, substituição por adjectivos, no caso das
predicativas, e por advérbios no caso das adjuntas de modo.
Retomando exemplos característicos das gerundivas predicativas e das adverbiais de
predicado, vejamos o seu comportamento a face a estes quatro últimos testes, que não são
referidos na literatura:
180
(i) �egação interna à frase gerundiva
Uma gerundiva predicativa não aceita com facilidade o marcador de negação frásica
não. Algumas gerundivas adverbiais de modo admitem a sua ocorrência, embora, por vezes,
o resultado seja ligeiramente marginal:
(77) a. Eles escreveram esse poema pensando na Maria.
(Ger. predicativa de sujeito)
b. ?Eles escreveram esse poema não pensando na Maria.
(78) a. Eu tomei o café escaldando (PE) / fervendo (PB)
(Ger. predicativa de objecto)
b. *Eu tomei o café não escaldando (PE) / não fervendo (PB)
(79) a. Os ladrões entraram em casa arrombando a porta.
(Ger adverbial de modo)
b. (?) Os ladrões entraram em casa não arrombando a porta.
(ii) Resposta à pergunta “Como estava/se encontrava X quando oração matriz?”
Só uma gerundiva predicativa constitui uma resposta adequada a uma pergunta sobre a
atitude ou situação de uma entidade:
(80) P: Como eles estavam quando escreveram esse poema (PB)?
Como é que eles estavam quando escreveram esse poema? (PE)
(Ger. predicativa de sujeito)
R: Pensando na Maria.
181
(81) P: Como é que o café estava quando quando eu o tomei?
(Ger. predicativa de objecto)
R: (Estava) escaldando (PE) / fervendo (PB).
(82) P: Como é que os ladrões estavam/se encontravam quando entraram em
casa (PE)? (Ger adverbial de modo)
R: #Arrombando a porta.
(iii) Resposta à pergunta “De que modo X predicado matriz”
Só uma gerundiva adverbial de predicado constitui uma resposta adequada a uma
pergunta que se centre no predicado:
(83) P: De que é que modo os ladrões entraram em casa?
(Ger adverbial de modo)
R: Arrombando a porta.
(84) P: De que modo é que eles escreveram o poema?
(Ger. predicativa de sujeito)
R: (?) Pensando na Maria.
(85) P: De que modo é que eu tomei o café?
(Ger. predicativa de objecto)
R: (?) Escaldando /fervendo.
As respostas relativamente aceitáveis à questão “De que modo oração principal” em
orações contendo gerundivas predicativas são explicáveis pelo facto de a gerundiva fazer
parte do predicado matriz, o qual pode ser, no seu todo interrogado, e a resposta pode ser
182
interpretada como uma oração elíptica. Assim, este teste é menos claro do que o anterior, que
incide apenas sobre o argumento afectado pela predicativa.
(iv) Comutação da gerundiva por constituinte adjectival ou adverbial
As gerundivas com leitura predicativa são comutáveis com constituintes adjectivais; já
as de modo são substituíveis por advérbios de modo:
(86) a. Eles escreveram esse poema pensando na Maria.
(Ger. predicativa de sujeito)
b. Eles escreveram esse poema apreensivos/pensativos. (?? pensativamente)
c. Eles escreveram esse poema pensando na Maria e não despreocupados.
(87) a. Eu tomei o café escaldando (PE) / fervendo (PB)
(Ger. predicativa de objecto)
b. Eu tomei o café quente / fervendo. (*ferventemente)
c. Eu tomei o café escaldando (PE) / fervendo (PB) e não frio.
(88) a. Os ladrões entraram em casa arrombando a porta.
(Ger adverbial de modo)
b. (?) Os ladrões entraram violentamente. (*violentos)
c. Os ladrões entraram em casa arrombando a porta e não sorrateiramente.
Nos exemplos (c) acima a ocorrência na estrutura coordenada da expressão adjectival
ou do adverbial força, respectivamente, a leitura predicativa ou circunstancial.
A aplicação aos exemplos abaixo, em seguida, de todos os testes referidos acima,
confirmam de forma mais sistemática as diferenças entre predicativas adjuntas e adverbiais
de modo.
183
Exemplos de gerundivas predicativas adjuntas:
(89) Inês recitou um poema tremendo. (Fernandez Lagunilla)
(90) Ana saiu da sala sorrindo.
(91) Ele conduz/dirige bebendo.
(92) Maria trabalha vendendo roupas.
(93) Pedro lê andando.
(94) João encontrou o filhoi fumandoi.
(95) Agora estou ocupada tomando meu Nescafé com leite. (Neto e Foltran)
(96) Ele corria gesticulando.
Exemplos de gerundivas adverbiais de modo:
(97) Ana saiu batendo a porta.
(98) O Zé constrói a cabana usando folhas e canas (Lobo)
(99) O Zé nada levantando a cabeça (Lobo)
(100) Eles estudam lendo em voz alta.
(101) Ele entrou no metro empurrando os restantes passageiros.
(102) Eu escrevi um poema usando o computador.
(103) Os alunos escreveram a tese esforçando-se.
(104) As crianças comeram a carne obrigando-se
Nos exemplos seguintes, a gerundiva predicativa descritiva do sujeito comporta-se
como esperado: admite substituição por “a+V_Inf” em PE, tem pouca mobilidade, não aceita
negação frásica interna, aceita uma interrogativa incidindo sobre o argumento externo da
184
oração matriz, aceita (marginalmente) participar numa interrogativa sobre o predicado da
oração matriz e a gerundiva é substituível por um adjectivo:
(105) a. Ana saiu da sala sorrindo.
b. Ana saiu da sala a sorrir. (PE) (a+V_Inf)
c. (?) Sorrindo, Ana saiu da sala. (mobilidade)
d. *Ana saiu da sala não sorrindo. (negação da gerundiva)
e. Como Ana estava/ se encontrava quando saiu da sala? ─ Sorrindo.
f. ? De que modo Ana saiu da sala? ─ Sorrindo.
g. Ana saiu da sala sorrindo / sorridente / *sorridentemente
(106) a. Ele conduz (PE) /dirige (PB) bebendo.
b. Ele conduz/dirige a beber. (PE) (a+V_Inf)
c. ?Bebendo, ele dirige/conduz. (mobilidade)
d. *??Ele conduz/dirige não bebendo. (negação da gerundiva)
e. *?? De que modo ele conduz/dirige? – Bebendo.
f. Como ele estava/se encontrava quando dirigia/conduzia? – Bebendo.
g. Ele conduz/dirige bebendo / bêbedo / *bebedamente.
Em contraste, nos exemplos que seguem gerundiva comporta-se como um adjunto
adverbial de modo ─ não é substituível por “a+V_Inf”, tem alguma mobilidade, aceita
marginalmente negação frásica interna, não aceita uma interrogativa incidindo sobre o
argumento externo da oração matriz, pode participar numa interrogativa incidindo no
predicado da oração matriz, a gerundiva é substituível por um advérbio de modo:
185
(107) a. Ana saiu batendo a porta.
b. *Ana saiu a bater a porta. (a+V_Inf)
c. Batendo a porta, Ana saiu. (mobilidade)
d. (?) Ana saiu não batendo a porta. (negação da gerundiva)
e. *Como Ana estava/se encontrava quando saiu? ─ Batendo a porta.
f. De que modo Ana saiu? ─ Batendo a porta.
g. Ana saiu batendo a porta / ruidosamente / *ruidosa.
(108) a. Eles estudam lendo em voz alta.
b. *Eles estudam a ler em voz alta. (a+V_Inf)
c. Lendo em voz alta, eles estudam. (mobilidade)
d. (?) Eles estudam não lendo em voz alta. (negação da gerundiva)
e. De que modo eles estudam? Lendo em voz alta.
f. *Como eles estão/se encontram quando estudam? – Lendo em voz alta.
g. Eles estudam lendo em voz alta/aplicadamente/*aplicados –
Por seu turno, os seguintes exemplos têm um comportamento ambíguo entre as
gerundivas descritivas e as adverbiais de modo, embora uma das suas interpretações possa
ser preferencial, como mostra o seu comportamento face aos testes:
(109) Ela caminha cantando.
(110) O João chegou falando.
(111) Ele passou olhando a montra.
(112) O António voltou lendo um livro.
186
(113) O Carlos viajou dormindo.
(114) Ela dança mexendo os quadris.
(115) O sapo anda saltando.
(116) a. Ela caminha cantando
b. ?Ela caminha a cantar. (a+V_Inf)
c. *Cantando, ela caminha. (mobilidade ─ outra interpretação)
d. *Ela caminha não cantando. (negação da gerundiva)
e. ?De que modo ela caminha? ─ Cantando
f. Como ela estava/se encontrava quando saiu? ─ Cantando
g. Ela saiu *cantadeira/cantora /*catantemente.
O comportamento das gerundivas em (b), (c) e (f) é característico das predicativas; em
(d), das predicativas descritivas e das gerundivas deficitárias de modo; em (g) é distinto de
ambas.
(117) a. O João chegou falando.
b. *O João chegou a falar. (a+V_Inf) – outra interpretação
c. *Falando, o João chegou. (mobilidade)
d. *O João chegou não falando. (negação da gerundiva)
e. De que modo ele chegou? Falando.
f. ?Como ele estava/se encontrava quando chegou? Falando.
g. O João chegou falando. (*falador/*faladoramente)
187
O comportamento das gerundivas em (b) e (e) é característico das gerundivas de modo;
em (c), das predicativas descritivas, em (d) das predicativas descritivas e das gerundivas
deficitárias de modo; em (g) é distinto de ambas.
Em suma, como demonstrei acima, nem sempre é fácil estabelecer diferenças entre
as gerundivas descritivas e as adverbiais de modo. Semanticamente, um critério
aparentemente as separam: as predicativas não denotam valores circunstanciais associados ao
predicado primário mas uma propriedade que atribui uma situação ou propriedade ao sujeito
ou ao objecto. Quanto aos testes sintácticos de distribuição na sentença, por ambas estarem
integradas no predicado da matriz, parecem também não haver sempre grande distinção nos
seus comportamentos. No entanto, cumulativamente, como vimos, parecem ser eficazes em
grande parte dos casos, permitindo distinguir (leituras preferenciais) predicativas descritivas
ou gerundivas adverbiais.
4.3.2 Estrutura das gerundivas predicativas adjuntas: oração pequena ou predicação secundária?
Chomsky (1981), no Quadro da Regência e da Ligação, admite que as predicativas
complemento e adjunto devem ser analisadas como orações pequenas. O autor faz, no
entanto, uma diferença entre predicativos adjunto e complemento: nas adjuntas há uma
estrutura de controle obrigatório, como ilustrado em (117)-(118), nas complemento, PRO não
pode ocorrer como sujeito da oração pequena e este é obrigatoriamente realizado:
(118) Johni [left the room]VP [PRO angryi].
(predicativa adjunta orientada para o sujeito)
(119) John [met Maryi]VP [PRO angryi].
(predicativa adjunta orientada para o objecto)
188
(120) John considers [Maryi a geniousi] (predicativa complemento)
(121) *Johni considers [PRO a geniousi]
Em Chomsky (1981), a justificação da estrutura de oração pequena às predicativas
complemento e adjuntas é que elas formam uma unidade oracional, ainda que sem flexão
verbal, sendo, pois, uma oração incompleta em termos de traços verbais morfológicos; um
AP, PP ou outro sintagma não verbal é o núcleo desta oração. O sujeito realizado nas orações
predicativas complemento recebe caso acusativo do verbo por Marcação de Caso
Excepcional (ECM).
Autores como Williams (1980, 1983) e Rothstein (1982, 1995, 2006) analisam
diferentemente as construções de predicados secundários e consideram que não são orações
pequenas. Para Rothstein (1983, 2006), os predicados secundários são estruturas que não
fazem parte da predicação primária, como os exemplos em (118) e (119), por isso ocorrem
apenas como adjuntos e não como complementos do predicado primário. Segundo a autora,
apenas as construções predicativas complemento do predicado primário são analisadas como
orações pequenas. É o caso de Mary a genious em (120).
Em conformidade com Williams (1980, 1983), Rothstein (1983, 2006) assume que
os predicados secundários não constituem o núcleo de uma oração, sendo gerados sem sujeito
como adjuntos a uma projecção do V:
(122) John [VP [VP left the room] angry].
(123) John[V’ [V’met Mary ] angry].
189
Williams (1980) e Rothstein (1983) consideram que a relação de predicação entre um
argumento e o predicado secundário é feita sob c-comando mútuo. Essa configuração
verifica-se nos predicados secundários orientados para o objecto, mas não nos orientados
para o sujeito. Nesse caso, Rothstein (1995, 2001, 2006) admite que o predicado secundário
forma um predicado complexo descontínuo com o primário. Considerando as construções
gerundivas predicativas adjuntas orientadas para o sujeito, como (124), todo o predicado
complexo é predicado acerca do sujeito.
(124) Eu conduzi (PE)/dirigi (PB) bebendo.
Assim, conduzir/dirigir o carro bebendo forma todo um complexo verbal, que é
saturado pelo DP sujeito “eu” .
No presente trabalho, adoptando a posição de Chomsky (1981), assumo que as orações
pequenas adjuntas são construções de controlo obrigatório.
Como vimos, para a Teoria de Princípios e Parâmetros, o sujeito dessas orações
pequenas é PRO:
(125) a. Eu dirijo [PRO bebendo]
b. Ele trabalha [PRO sorrindo]
(126) Eu encontrei a Maria [PRO sambando]
Na actual Teoria dos Princípios e Parâmetros não se questiona a regência de PRO. De
acordo com Chomsky e Lasnik (1993) o requisito a que PRO deve obedecer é estar num
contexto de Caso Nulo. Tal facto verifica-se nas orações pequenas adjuntas: a posição de
sujeito da oração pequena não recebe caso de um elemento exterior, por Marcação de Caso
Excepcional, nem de um elementos interior, porque o gerúndio não tem traços morfológicos
para Caso Nominativo.
190
Alternativamente, como sugere Hornstein (1999), é possível admitir que controlo
obrigatório é uma instância de Elevação. Nesse caso, o sujeito da predicação principal e o da
oração pequena são extraídos simultaneamente para a posição de sujeito frásico, como em
(127):
(127) [TP Elei [ elei trabalha [elei sorrindo] ]
Esta extracção simultânea é explicada por Nunes (2001, 2004) em termos de sideward
movement, proposta adoptada em Hornstein (1999). Desse modo, a Elevação é vista como
movimento e cópia. O sujeito, ao elevar-se para uma posição mais alta, deixa uma cópia na
posição de origem, podendo elevar-se quantas vezes for necessário, igualmente deixando
uma cópia, todas elas co-indexadas com o DP que foneticamente está realizado:
(128) TP Elei T’ trabalha vP elei VP VP GerP trabalha elei sorrindo
191
Uma vez que a discussão entre estas duas propostas não parece crucial para o
tratamento específico das orações gerundivas em análise, continuarei a caracterizar os
sujeitos de controlo obrigatório das Gerundivas adjuntas descritivas e adverbiais como PRO.
Em suma, no português há gerundivas predicativas adjuntas e complemento. As
predicativas adjunto podem ser orientadas para o sujeito ou para o objecto. Ambas podem ser
analisadas como orações pequenas.
Na verdade, tanto as gerundivas adjuntas como as de complemento são orações
deficitárias em termos de traços morfológicos temporais, não aceitando qualquer auxilar de
tempos compostos, como mostram os exemplos seguintes. Concluo por isso que não são CP
ou TP, mas orações pequenas. Na secção 4.3.3.3, procederei a uma análise detalhada para
determinar a sua natureza categorial.
(129) a. *Ele trabalha tendo sorrido
b. *Ele conduz/dirige tendo bebido.
c. *Eu encontrou a Mariai tendo sambandoi.
4.3.3 As gerundivas descritivas: autonomia da oração pequena ou formação de predicados complexos Esta secção tem por objectivo apresentar uma proposta de análise sintáctica para
as construções de gerúndio predicativo descritivas no português, levando em
consideração sua posição no predicado da oração matriz e a sua estrutura sintáctica.
Mesmo consideradas como orações pequenas, vale ressaltar que as gerundivas
descritivas partilham com as adverbiais não-periféricas o facto de estarem integradas no
predicado da oração matriz. Talvez este factor dificulte a diferença entre elas.
Quanto à questão de serem orações pequenas, também não são todos os autores
que as consideram como tal, já que os predicados secundários descritivos de sujeito e de
192
objecto podem formar predicados complexos com o predicado matriz (Rothstein 2003,
2004 e 2006, Cormack e Smith 1994). Arsénio (2005) constatou que algumas gerundivas
predicativas têm uma relação tão estreita com o verbo que parecem formar predicados
complexos com o predicado primário. Para Cormack e Smith, a formação dos
predicados complexos no Ewe e no Inglês se dá de forma análoga à dos verbos seriais.
Assim, se comparar o Português com estes dois idiomas a diferença consiste no facto de
não haver predicado secundário de natureza categorial verbal nos dois últimos, por isso
que Rothstein (2003, 2004, 2006) para o inglês insiste em analisar os predicados
secundários que são APs, pois, segundo esta autora, a recorrência é maior com tais
sintagmas adjetivais, embora também ocorra com PPs. Já em Português pode ocorrer
tanto com categoriais não verbais como com categorias verbais, que é o caso das
gerundivas predicativas.
Assim, nesta secção faz-se necessário discutir com mais clareza para o português
alguns tópicos que foram implicitamente levantados nas secções anteriores; dentre eles
destaco:
(i) Qual o nível de inserção da gerundiva na oração matriz: pode-se dizer que as
predicativas ocupam a mesma posição de adjunção ao sintagma verbal que as
gerundivas adverbiais de predicado, em especial as adverbiais de modo?
(ii) Nas predicativas descritivas há duas predicações autónomas (o constituinte
gerundivo inclui uma fase vP distinta da do vP da oração matriz) ou elas
formam um predicado complexo com o predicado primário?
(iii) Qual a estrutura sintáctica das gerundivas predicativas comparada com a das
adverbiais adjuntas de predicado?
193
Nas secções seguintes procurarei responder a cada uma destas questões.
4.3.3.1. �ível de inserção das gerundivas descritivas no predicado da oração matriz
A fim de determinar a posição exacta das orações gerundivas descritivas no predicado
da oração matriz, vamos comparar a sua distribuição com a das orações predicativas de
modo. As orações com valor de modo/instrumento ocupam a posição da margem direita e
estão integradas no predicado da matriz, como já dissemos acima. Estas construções estão
muito próximas das predicativas descritivas. Serão testadas as que mais claramente se
distinguem entre si.
Como vimos, a leitura descritiva pode ser induzida confrontando as gerundivas com
adjectivos predicativos (predicados secundários), como em (130), e a leitura de modo pode
ser corroborada pela presença de advérbios de modo (cf. (131)):
(130) Ele conduziu/dirigiu bebendo e não lúcido.
(131) a. ??Ana saiu de casa batendo a porta e não silenciosa
b. Ana saiu de casa batendo a porta e não silenciosamente
Assim, algumas gerundivas abaixo serão testadas. Serão confrontadas gerundivas
predicativas, que comutam com adjectivos predicativos, com gerundivas adverbiais de modo,
que não aceitem essa comutação e podem admitir a substituição por advérbios de modo:
194
Gerundivas predicativas adjuntas:
(132) a. Ele conduziu/dirigiu bebendo (e não lúcido)
b. Eu sai da sala sorrindo (e não chorosa)
c. Eu assisti ao jogo comendo (e não atenta)
d.Eles escreveram um poema pensando na Maria (e não despreocupados)
e. João encontrou o filhoi fumandoi (e não pensativo)
f. Maria trabalha andando pelas ruas. ( e não sentada em um escritório)
g. Pedroi lê andandoi. ( e não parado)
h. Ele corria gesticulando. ( e não irritado)
Gerundivas adverbiais de modo:
(133) a. Ana saiu de casa batendo a porta (e não silenciosamente/ ??silenciosa).
b. Os ladrões entraram em casa arrombando a porta (e não
facilmente/*fáceis)
c. Ele entrou no metro empurrando os restantes passageiros (e não
gentilmente/*gentil).
d. Eu escrevi um poema usando o computador (e não manualmente
/*manual).
e. O Zé constrói a cabana usando folhas e canas (e não industrialmente/
*industrial)
g. Eles estudam lendo em voz alta. (e não sussurrando)
h. Os alunos escreveram a tese esforçando-se. (e não calmamente /
?calmos)
i. As crianças comeram a carne obrigando-se. (e não voluntariamente/
espontaneamente/ *voluntárias/*espontâneas)
195
Procuraremos seguidamente determinar se têm comportamento idêntico face a testes
que indicam a integração no predicado da frase matriz: o teste de escopo do marcador de
negação frásica da frase matriz sobre a gerundiva, o teste de clivagem e o da focalização com
“só”.
(i) �egação escopo da negação da frase matriz sobre a gerundiva
(a) Gerundiva descritiva
(134) a. Ele não conduz/dirige bebendo (mas sim lúcido).
b. Eu não saí sorrindo (mas sim chorosa)
c. Eu não assisti ao jogo comendo (mas sim concentrada)
d. Ele não escreveram um poema pensando na Maria (mas sim
despreocupados)
(b) Gerundiva adverbial de modo
(135) a. O João não comeu a carne obrigando-se (mas sim voluntariamente).
b. O Pedro não arranjou emprego procurando no jornal (mas sim
ocasionalmente).
c. Ana não saiu de casa batendo a porta (mas calmamente).
d. O Mauro não assistiu ao filme utilizando os óculos 3 D (mas sim
normalmente).
O teste da negação mostra que a gerundiva predicativa, como a gerundiva adverbial de
modo estão sob o escopo do marcador de negação frásica “não” da frase matriz. Tal teste
mostra que qualquer destas gerundivas está integrada no predicado da oração subordinante,
numa projecção do sintagma verbal.
No entanto, os testes de focalização seguintes produzem resultados diferentes para
cada um destes tipos de gerundivas.
196
(ii) Clivagem:
(a) Gerundiva descritiva
(136) a. ? Foi bebendo que ele dirigiu/conduziu. (e não lúcido)
b.? Foi sorrindo que eu saí da sala (e não chorosa)
c. ? Foi comendo que eu assisti ao jogo. (e não atenta)
d. ?Foi pensando na Maria que eles escreveram um poema. (e não
despreocupados)
e. ?Foi fumandoi que João encontrou o filhoi (e não pensativo)
(b) Gerundiva adverbial de modo
(137) a. Foi obrigando-se que o João comeu a carne (e não espontaneamente)
b. Foi procurando no jornal que o Pedro arranjou um emprego (e não
casualmente).
c. Foi esforçando-se que os alunos escreveram a tese (e não calmamente)
d. Foi arrombando a porta que os ladrões entraram em casa. (e não
tranquilamente)
e. Foi empurrando os restantes passageiros que ele entrou no metro. ( e
não cuidadosamente)
f. Foi usando o computador que eu escrevi um poema (e não
manualmente).
197
(iii) Com a partícula só:
(a) Gerundiva descritiva
(138) a. ?Ele só dirigiu/conduziu bebendo (e não lúcido).
b. ?Eu só saí sorrindo (e não chorosa).
c. ?Eu só assisti ao jogo comendo (e não atenta).
d. ?Eles só escreveram um poema pensando na Maria (e não
despreocupados).
e. ?Ele só encontrou o filho fumando. (e não pensativo).
(b) Gerundiva adverbial de modo
(139) a. O João só comeu a carne obrigando (-se) (e não espontaneamente)
b. O Pedro só arranjou emprego procurando no jornal (e não casualmente).
e. Os ladrões só entraram em casa arrombando a porta (e não
tranquilamente)
f. Ele só entrou no metro empurrando os restantes passageiros (e não
cuidadosamente)
g. Eu só escrevi um poema usando o computador. (e não manualmente)
Concluindo, os testes acima, que demonstram integração no predicado da frase matriz,
não apresentam todos os mesmos resultados. Os testes de focalização por Clivagem e por uso
de Só diferenciam as adverbiais de modo das predicativas; estas aceitam dificilmente serem
focalizadas, o que não acontece com as adverbiais de modo. A negação do verbo da frase
matriz produz resultados idênticos, pois as gerundivas adverbiais e predicativas descritivas
encontram-se ambas sob o seu escopo, no sintagma verbal.
As diferenças de comportamento face à clivagem e à focalização com só sugerem, no
entanto, que não se encontram no mesmo nível de inserção dentro do sintagma verbal.
Quanto à clivagem, a dificuldade de se aplicar às predicativas não indica forçosamente que
estas estejam fora do predicado da matriz e sejam adjuntas a outra categoria como TP; pelo
198
contrário, podem antes indicar que as gerundivas predicativas estão incorporadas no
predicado da matriz, i.e., formam com ele um predicado complexo, por ter uma relação muito
estreita com o verbo principal (cf. Arsénio 2005), assim como ocorre com os predicados
secundários que são APs ou PPs (cf. Rothstein 2006).
Na próxima secção, mostrarei melhor que não é possível isolar a predicativa descritiva
gerundiva do predicado ao qual está inserida.
4.3.3.2. Dependência das gerundivas predicativas descritivas face ao predicado matriz e sua posição no sintagma verbal
O comportamento de gerundivas predicativas descritivas visto na secção anterior
sugere que elas ocorrem no sintagma verbal mas não ocupam a mesma posição
sintáctica que as gerundivas adverbiais de modo.
Este facto pode estar relacionado com o estatuto das gerundivas descritivas como
predicados secundários que formam um complexo predicativo com o predicado
primário, como proposto por vários autores (Rothstein 1995, 2006, Arsénio 2005,
Schultze-Berndt (2006), dentre outros). Assim, testes como a clivagem parecem mostrar
que não é possivel isolar a gerundiva predicativa descritiva do verbo da predicação
primária:
(i) Clivagem:
Gerundiva descritiva
(140) a. ?Foi bebendo que ele conduziu/dirigiu. (e não lúcido)
b. ?Foi fumandoi que João encontrou o filhoi (e não pensativoi)
199
Gerundiva adverbial de modo
(141) a. Foi arrombando a porta que os ladrões entraram em casa.
b. Foi obrigando-se/se obrigando que o João comeu a carne (e não
espontaneamente)
Alguns critérios adicionais corroboram a diferença de autonomia das gerundivas
adverbiais de modo e das predicações secundárias descritivas (orientadas para o argumento
externo ou interno) face à predicação da frase matriz: Negação no domínio da gerundiva;
Escopo sobre o sintagma verbal (vP) - Pergunta/resposta do Pro-SV
Consideremos o comportamento das construções em análise face a estas propriedades.
(ii) �egação no domínio da gerundiva:
A impossibilidade de ocorrência do marcador de negação frásica nas gerundivas
descritivas mostra que elas estão dependente da negação do predicado matriz e que não
podem ser negadas independentemente. O mesmo não sucede geralmente com as adverbiais
de predicado não deficitárias que podem ter um marcador de negação própria.
(a) Gerundivas predicativas descritivas
(142) a. ?? *Eu sai não sorrindo. vs. Eu não saí sorrindo.
b *O Pedro recordou a Maria não sambando. vs. O Pedro não recordou a
Maria sambando.
c. *O João viu o filho não fumando. vs. O João não viu o filho fumando
d. ?? Ele conduz/dirige não bebendo. vs. Ele não conduz bebendo.
e. *Eu assisti ao jogo não comendo vs. Eu não assisti ao jogo comendo
f. ??Ele escreveram um poema não pensando na Maria vs. Ele não
escreveram um poema pensando na Maria
200
(b) Gerundivas adverbiais de modo
(143) a. Os ladrões arrombaram a porta não usando sequer um martelo.
b. Ele entrou no metro não empurrando os restantes passageiros, pois é
muito educado.
c. Eu escrevi um poema não usando o computador.
(iii) Mobilidade
O teste da mobilidade mostra igualmente que a Gerundiva descritiva não é
facilmente separável do verbo da predicação primária, diferentemente do que acontece com
as adverbiais de modo.
Predicativas descritivas
(144) a. Eu saí sorrindo. (Predicativas de sujeito)
b. ?Sorrindo, eu sai.
(145) a. Ele conduziu bebendo (e não lúcido).
b. ?? Bebendo, ele conduziu.
(146) a. Eu comi vendo televisão.
b. ??Vendo televisão, eu comi.
(147) a. Ele assiste ao/o jogo bebendo.
b. ??Bebendo, ele assiste ao/o jogo.
(148) a. O Pedro recordou a Maria sambando. (Predicativas de objecto)
b. ??/*Sambando, o Pedro recordou a Maria.
(149) a. O João encontrou a Ana trabalhando
b. ??/*Trabalhando, o João encontrou a Ana.
201
Embora não tenha sido mencionado na literatura, a verdade é que este teste da
mobilidade provoca resultados muito mais marginais quando a gerundiva descritiva é de
objecto do que quando é de sujeito.
Adverbiais de modo
(150) a. A Joana escreveu a tese esforçando-se (e não facilmente).
b. Esforçando-se, a Joana escreveu a tese.
(151) a. O Pedro comeu a carne obrigando-se. ( e não rapidamente)
b. Obrigando-se, o Pedro comeu a carne.
(152) a. O Pedro arranjou emprego procurando no jornal (e não casualmente).
b. Procurando no jornal, o Pedro arranjou emprego.
(153) a. Maria descobriu uma loja folheando a revista. (e não propositalmente)
b. Folheando a revista, Maria descobriu uma loja.
As gerundivas predicativas demonstram muito menor mobilidade do que as adverbiais
de modo, o que sugere que estão mais fortemente associadas ao verbo da frase matriz, o
predicado primário.
(iv) Escopo no sintagma verbal - Pergunta/resposta do Pro-SV
As gerundivas predicativas descritivas não modificam todo o sintagma verbal (o vP).
Em pares Pergunta/resposta a um “Pro-SV” (O que X fez?, O que aconteceu a X?) ocorrem
adequadamente na resposta associadas ao predicador primário, mas não surgem facilmente na
pergunta co-ocorrendo com o “pro-SV”:
202
Gerundivas predicativas descritivas
(154) a. P: O que eu fiz?
R: Saí sorrindo
(Predicativa de sujeito)
b. P:?O que eu fiz sorrindo?
R: Saí.
(155) a. P: O que ele fez:
R: Conduziu bebendo.
b. P: ??O que ele fez bebendo?:
R: Conduziu.
(156) a. P: O que eu fiz?
R: Comi vendo televisão.
b. P:?O que eu fiz vendo televisão?
R: Comi.
(157) a. P: O que aconteceu ao João?
R: Recordou a Maria sambando.
(Predicativa de objecto)
b. P: #O que aconteceu ao João sambando?
R: Recordou a Maria.
Pelo contrário, as adverbiais gerundivas de modo/instrumento são modificadores de
todo o sintagma verbal, estão adjungidas a vP; podem por isso ocorrer tanto associadas ao
predicado na resposta ou na pergunta:
203
Gerundivas adverbiais de modo
(158) a. P: O que o Pedro fez?
R. Comeu a carne obrigando-se.
b. P: O que o Pedro fez obrigando-se?
R: Comeu a carne.
(159) a. P: O que a Joana fez?
R. Escreveu a tese esforçando-se.
b. P: O que a Joana fez esforçando-se?
R: Escreveu a tese.
(160) a. P: O que os ladrões fizeram?
R: Arrombaram a porta usando um maçarico.
b. P: O que os ladrões fizeram usando um maçarico?
R: Arrombaram a porta.
(161) a. P: O que aconteceu ao Pedro?
R: Arranjou emprego procurando no jornal.
b. P: O que aconteceu ao Pedro procurando no jornal?
R: Arranjou um emprego
(162) a. P: O que fez à Joana?
R: Escreveu a tese esforçando-se.
b. P: O que fez a Joana esforçando-se?
R: Escreveu a tese.
Os testes aplicados nesta secção demonstram que, enquanto a construção gerundiva
adverbial de modo modifica todo o predicado, i.e., modifica a fase vP, as gerundivas
descritivas estão incluídas no vP, sendo, adjuntos de VP. Apresento as propostas de
representação abaixo para cada um destes casos:
204
(a) Gerundivas adverbiais de modo
(163) A Joana escreveu a tese esforçando-se.
vP vP Gerundiva de modo A Joana escreveu a tese PRO esforçando-se (b) Gerundivas descritivas
(164) Eu saí sorrindo vP DP VP Eu VP Gerundiva descritiva | sai PRO sorrindo Como se pode notar, a diferença entre as duas construções é ténue. Ao mesmo tempo
que parecem estar muito distantes sintacticamente, algo as aproxima: ambas estão em
adjunção a uma projecção de V. A diferença é que, enquanto as gerundivas adjuntas de
predicado se adjungem a vP; as gerundivas descritivas predicativas se adjungem a VP.
Estas, por estarem adjungidas a uma posição mais baixa, demonstram que estão mais
integradas ao constituinte vP, já que se encontram em VP, directamente. Em termos de fases
(Chomsky 2001, 2004. 2008), este facto pode contribuir para as gerundivas descritivas
formarem um predicado complexo com o predicado matriz/primário, porque ocorrem no
interior da mesma fase vP.
205
No entanto, para a formação de predicado complexo, é preciso mais. Um dos
requesitos seria a gerundiva não ser um constituinte frásico CP ou constituinte TP activo
distinto do da frase matriz. Isto acontece nas gerundivas predicativas descritas que são
orações pequenas temporalmente deficitárias, de natureza AspP, como se mostrará em
(4.3.3.3).
Além disso, as gerundivas complemento dos verbos perceptivo, que também admitem
formação de predicados complexos em PE (cf. Subida clítico); foram também caracterizadas
como orações pequenas de AspP.
Não obstante, nas gerundivas de modo, há um constituinte frásico, CP ou TP, que
ainda que possa estar dependente de T da frase matriz, constitui uma fase vP distinta desta.47
Assim, a oração adverbial de modo não forma um predicado complexo com o vP que
modifica.
4.3.3.3. �atureza categorial das Gerundivas descritivas predicativas
Os seguintes testes permitem determinar em traços gerais a natureza categorial das
construções gerundivas predicativas descritivas. Eles mostram que a Gerundiva descritiva
não é uma frase, um domínio TP ou CP mas uma oração pequena, aparentemente aspectual,
de valor durativo, dado o valor do gerúndio nesta construção.
47 Recorde-se que Pesestsky e Torrego, 2001 e Chomsky 2004, 2008) admitem que um constituinte frásico
distinto do da frase matriz é uma projecção de T (Tense) ou uma fase CP (que inclui os núcleos C-T, em que C
é interpretado como contendo um traço T que forma um constituinte descontínuo com T(ense).
206
(i) �egação da oração gerundiva predicativa:
Como mostrei já anteriormente, a gerundiva não admite o marcador de negação frásica
“não”. Esta propriedade sugere que é uma projecção abaixo de NegP:
(165) a. *Eu sai não sorrindo.
b. *Ele conduz não bebendo.
c. *Ele recordou a Maria não sambando.
d. *O João encontrou a Ana não trabalhando.
(ii) Impossibilidade de tempos verbais compostos:
A gerundiva predicativa não aceita a presença do verbo auxiliar dos tempos compostos, o que
indica que não tem um constituinte T (‘Tense’):
(166) a. *Eu sai tendo cantado. ( ≠ eu cantava enquanto saía).
b. *Ele conduz tendo bebido (≠ ele bebe enquanto conduz)
c. *Ele recordou a Maria tendo sambado.
d. *O Joao encontrou a Ana tendo trabalhado.
Em suma, as gerundivas descritivas não são frases plenas, pois não apresentam
negação frásica, nem admitem a presença do verbo auxiliar dos tempos compostos.
Os testes feitos constituem argumentos adicionais para defender que as gerundivas
descritivas são orações pequenas adjuntas, como já foi proposto anteriormente:
(167) [vP[Elei [VP conduziu] [SC PRO bebendoi]]]
(168) [vP [O João [VP encontrou [SC a Mariai dançandoi]]]
207
Assim, as gerundivas descritivas estão adjungidas a VP e a sua predicação é
interpretada como temporalmente simultânea à predicação da frase subordinante. A oração
pequena toma como referência o tempo da matriz, já que não projecta tempo autónomo, i.e.,
são dois eventos que ocorrem ao mesmo tempo.
Os testes clássicos do tipo “durante X tempo” e “em X tempo” demonstram, de uma
certa forma, que as gerundivas descritivas são projecções de um núcleo funcional Apectual,
vejamos:
(169) a. (?) Ele chegou sorrindo durante 30 segundos
b. *Ele chegou sorrindo em 30 segundos
(170) a. (?) Ele encontrou Maria sambando durante 30 segundos
b. *Ele encontrou Maria sambando em 30 segundos
Embora não sejam perfeitas (devido à inexistência de T na gerundiva), as sentenças em
(a) parecem ser melhores que em (b), o que sugere que enquanto o evento da matriz é
pontual; o da gerundiva é mais durativo, o que comprova que há um nó Aspectual
[+durativo] nas orações gerundivas descritivas.
As seguintes representações visualizam a estrutura proposta para frases contendo
gerundivas descritivas sujeito e complemento:
208
(171) TP DP T’ | ele T ASPP | dirigiu DP ASP’ | ele ASP vP | dirigiu DP v’ | ele v VP | dirigiu VP ASPP dirigiu DP ASP’ | PRO ASP vP | bebendo DP v’ | PRO bebendo
Como vimos mais acima, as predicativas descritivas de sujeito formam uma oração
pequena, sendo uma construção de controlo obrigatório. Em termos sintácticos, podemos
dizer que formam um predicado complexo, “dirigir bebendo”, que predica sobre o sujeito da
frase.
A estrutura abaixo demonstra que há uma predicativa descritiva orientada para o objecto;
diferentemente da predicativa complemento, naquela construção é possível pensar que: a)
encontrou a Maria; b) A Maria estava dançando; desse modo, a oração pequena está em
adjunção ao VP e não como complemento.
209
(172) O Pedro encontrou a Maria dançando.
vP DP v’ | o Pedro v VP | encontrou VP AspP V DP PRO Asp’ | | encontrou a Maria Asp vP | dançando PRO dançando
No entanto, as representações propostas para as gerundivas predicativas descritivas,
adjuntas a VP, aproximam-se em muitos aspectos das gerundivas predicativas complemento
com verbos perceptivos, como a seguidamente ilustrada:
210
(173) O Pedro viu a Maria dançando
TP DP T’ |
Pedro T AspP
| viu DP Asp’ | Pedro Asp vP | viu DP v’ | Pedro v VP | viu V AspP | viu DP Asp’ | Maria Asp vP | dançando Maria dançando Como se pode notar a estrutura interna da gerundiva predicativa pode ser semelhante
independentemente do seu estatuto como adjunto ou complemento do predicado primário: se
é predicativa descritiva, i.e., se forma uma oração pequena adjunta, temos um AspP adjunto
ao VP da oração matriz; se é predicativa complemento, (como com os verbos de percepção)
todo o nó AspP é complemento do verbo “ver a Maria dançando”, e ocorre como irmão de
V.
211
4.4 Construções Gerundivas Resultativas
Como vimos, desde Halliday (1967), as predicações secundárias são classificadas
como descritivas ou resultativas, consoante o seu valor semântico. Enquanto as descritivas
atribuem uma propriedade a um argumento da predicação primária, as resultativas
caracterizam o estado final de uma entidade, tipicamente o argumento interno da predicação
primária, como o resultado do evento denotado por essa predicação. O exemplo seguinte
ilustra este tipo de resultativa em inglês:
(174) Jack painted the barn red.
‘Jack pintava/pintou o estábulo de vermelho.’
Levin e Rappaport (1999) referem que em construções resultativas como (178) ocorre
uma dependência temporal da resultativa relativamente à oração que contem o predicado
primário. Só há um evento se desenrolando e o verbo principal e a construção resultativa
descrevem esse evento. Podemos, dessa forma, definir este tipo de construção resultativa
como a expressão de um evento de co-identificação: ao mesmo tempo que Jack pintava a
casa, ela ficava vermelha.
Não obstante, as autoras mencionam um outro tipo de construção resultativa. Para elas,
há um tipo de resultatividade que envolve dois eventos separados. Embora em ambos os
casos a construção resultativa seja directamente predicada acerca do objecto referente,
podemos observar que neste último caso ela não é temporalmente co-extensiva ao evento
denotado pelo verbo principal. Na verdade, ela descreve uma realização posterior a este.
Estas construções resultativas são denominadas de Evento Complexo e apresentam dois
núcleos lexicais verbais, como em (175):
212
(175) Clara rocked the baby to sleep.
Diferentemente da construção em (175), em (174) não há dois eventos simultâneos,
pois o “bebê” adormece após o embalo.
Esta construção foi traduzida por Leite (2006) com o uso do verbo no gerúndio, como
podemos ver abaixo:
(176) Clara embalou o bebé adormecendo-o.
Leite (2006) afirma que “ainda que o gerúndio e mesmo a natureza dos afixos que
formam o verbo nos apontem para um processo durativo em andamento, tal processo é
delimitado em um ponto concluso quando se encerra, a criança dorme.”
Assim, a construção resultativa em (176) ilustra este último caso. Este factor pode
levantar alguma polémica na literatura, uma vez que para muitos autores não existe gerúndio
[+pontual]; ou seja, o gerúndio é sempre [+durativo].
Oliveira (2003) afirma que nas construções canónicas com o progressivo em Português
Europeu, usando “a + V_Infinitivo”, como (177), se verifica que o processo culminado
perdeu a culminação existente, em exemplos como em (178):
(177) Ele está a ler o jornal.
(178) Ele leu o jornal.
Ou seja, o facto de se ter um progressivo em (183) faz com que a construção não tenha
um ponto culminado. Oliveira (2003:148) ainda demonstra que as construções progressivas
combinam sem restrições com os durativos:
213
(179) Ele esteve a ler o jornal durante toda a manhã
Este fenómeno tem relação com o gerúndio, já que podemos ter exemplos como (180),
em que o valor aspectual é progressivo e existe perda de culminação.
(180) a. Ele está lendo o jornal.
b. Ele esteve lendo o jornal durante toda a manhã. A autora ainda acrescenta que o progressivo tem, pelo menos, os seguintes efeitos: 1.
As situações télicas comportam.se basicamente como estados; 2. as situações télicas no
Progressivo perde sua culminação; 3. as culminações perdem também a sua duração; 4. com
“verbos de criação”, as formas progressivas supõem em geral “objectos incompletos (estar a
construir uma casa). (cf. Oliveira 2003: 148)
No entanto, o mesmo não sucede na construção resultativa em (176), em que o valor
progressivo é compatível com o valor de processo culminado.
Este facto parece corroborar a afirmação de Espunya i Prat (1996) e Lobo (2003) de que
o valor aspectual do gerúndio não é completamente evidente. Se em muitos contextos ele está
associado a um valor aspectual cursivo, progressivo ou inacabado, existem outros contextos
em que este valor está ausente. Assim, para Lobo, o valor aspectual do gerúndio simples é
determinado também pelo predicado que ocorre no gerúndio e pelo predicado da matriz (cf.
os exemplos seguintes apresentados por esta autora):
(181) Cantando alegremente, o Zé abriu a porta. (PE/PB)
(182) a. Chegando a casa, o Zé terá uma ideia genial. (PE)
b . Chegando em casa, o Zé vai ter um ideia genial. (PB)
(183) O Zé viu a mãe morrendo. (PE/PB)
214
Se observamos os exemplos de Lobo (2003), veremos que há uma diferença aspectual
entre eles, pois cantar, chegar e morrer são verbos com valores aspectuais distintos. Em
cantar temos um processo, já chegar e morrer denotam uma culminação. Para além disso, se
há uma relação com o predicado da matriz, em (181) não há dúvidas de que o gerúndio é
[+durativo] porque o Zé abriu a porta enquanto cantava alegremente; em (182), o facto de se
ter futuro no predicado da matriz, indica uma acção em que se pode visualizar o trajecto de
Zé, mas não o ponto culminado de chegar, pois esse ocorrerá “quando chegar a casa” e ainda
não chegou. No entanto, não se tem a ideia progressiva “O Zé está a chegar a casa” mas de
uma acção futura, reforçada pelo predicado da matriz. Em (183) pode-se pensar em uma
acção durativa: O Zé viu a mãe estando a morrer, i.e, dá para imaginar uma acção
progressiva, durante a qual a morte acontece, não obstante há uma culminação, quando a mãe
morre.
O mesmo se passa na gerundiva acima em (176) em que temos o verbo adormecer.
Como bem argumenta Leite, há um ponto concluso, em que a criança adormece. Também
podemos imaginar um adormecimento progressivo mas com um ponto culminado, uma vez
que ela (a criança) adormeceu.
Assim, o gerúndio pode ter culminação e não indicar apenas processo.
Comparando os exemplos do inglês com os do português, o que se nota é que há
semelhanças entre as duas construções, dado que existem dois núcleos lexicais verbais, que
indicam dois eventos distintos, formando um evento complexo. Por isso, adopto aqui a
nomenclatura de Levin e Rappaport (1999), de Resultativo de Evento Complexo, pois do
ponto de vista semântico, a frase no português se comparada com a do inglês não são
radicalmente diferentes e do ponto de vista sintáctico, ambas apresentam frases
morfologicamente deficitárias, por não ter flexão verbal:
(i) em inglês uma frase infinitiva resultativa [to sleep]
(ii) em português uma frase gerundiva resultativa [adormecendo-a].
215
Em português, teremos possivelmente para a resultativa gerundiva uma projecção de
TP.48
Desse modo, em português, a construção Resultativa de Evento Complexo não se
distingue da construção predicativa resultativa de evento singular por propriedades
semânticas. Do de vista sintáctico diferem na medida em que a Resultativa de Evento
Complexo envolve orações gerundivas (Clara embalou o bebé adormecendo-o).
Nas próximas secções analisaremos as propriedades sintácticas destas construções para
o português.
4.4.1 A integração das Gerundivas de Resultado na frase principal
Os testes abaixo indicam algumas diferenças entre as gerundivas descritivas e as
gerundivas de resultado quanto à sua integração no vP da frase subordinante e,
indirectamente, quanto à natureza categorial da gerundiva. Nas secções 4.3.3.2. e 4.3.3.3.
vimos que as gerundivas descritivas produzem resultados ligeiramente marginais quando
submetidas a vários testes relativos à sua integração no predicado matriz. No entanto, como
ocorrem sob o escopo da negação da frase matriz, concluímos que estão inseridas em vP; os
resultados menos aceitáveis foram atribuídos ao facto de se adjungirem a VP e não a vP,
propriedade que o seu comportamento face ao teste clássico do Pro-SV parece confirmar.
As resultativas de evento complexo produzem exemplos mais acentuadamente
inaceitáveis do que as descritivas face aos testes de frases clivadas, focalização por partículas
com escopo sobre o vP matriz e mobilidade, e partilham com as gerundivas descritivas o
comportamento face ao teste do Pro-SV. Vejamos os testes:
48 Ferrari (1999) refere-se a estas construções como adverbiais consecutivas, o que seria, desse modo, um CP, embora a autora só faz alusão ao facto de ser uma adverbial consecutiva. Moia e Viotti (2004) também tratam estas construções como resultativas, mas são adverbiais para estes autores.
216
(i) Clivagem:
Gerundiva de resultado:
(184) a. *Foi adormecendo-o que Clara embalou o bebé.
b. *Foi afundando que o navio matou os tripulantes.
Gerundiva descritiva
(185) a. ?Foi bebendo que ele dirigiu. (e não lúcido)
b. ?Foi sorrindo que eu saí (e não chorosa)
c. ?Foi comendo que eu assisti ao jogo. (e não atenta)
(iii) Com a partícula só:
Gerundiva de resultado:
(186) a. *Clara só embalou o bebé adormecendo-o.
b. *O navio só afundou matando os tripulantes.
Gerundiva descritiva
(187) a. ??Ele só conduziu bebendo (e não lúcido).
b. ?? Eu só saí sorrindo (e não chorosa)
c. ?? Eu só assisti ao jogo comendo (e não concentrada)
(iii) Escopo da negação da frase matriz sobre a gerundiva:
Gerundiva descritiva
(188) a. Eu não sai cantando (mas sim chorosa).
b. Eu não assisti ao jogo comendo (mas sim concentrada)
c. Ele não conduziu bebendo (mas sim lúcido).
217
Gerundiva de resultado:
(189) a. Clara não embalou o bebé adormecendo-o, mas sim acordando-o.
(interpretação: A Clara embalou o bebé. O embalo não o adormeceu,
acordou-o)
b. O navio não afundou matando os tripulantes, mas sim apavorando-os.
(interpretação: O navio afundou. O afundamento não matou os
tripulantes, apavorou-os)
(vi) O teste do PRO-SV
Gerundivas de resultado
(190) a.*Que a Clara fez adormecendo o bebé? ─ Embalou-o.
b. *Que aconteceu ao navio matando os tripulantes? ─ Afundou
Gerundivas descritivas:
(191) a. P: ??O que a Ana fez sorrindo?
R: Saiu.
b. P: # O que aconteceu ao Pedro sambando?
R: Encontrou a Ana.
Note que, no que se refere às gerundivas adverbiais periféricas, este teste não produz
resultados inaceitáveis:
(192) a. A Maria trabalhou todo o dia embora estivesse cansada
b. Que fez a Maria embora estivesse cansada? Trabalhou todo o dia.49
49 Já com o teste de focalização e de negação de foco não apresentam bons resultados, pois não estão integradas. (i) *Foi embora estivesse cansada que a Maria trabalhou todo o dia (ii) *A Maria não trabalhou todo o dia embora estivesse cansada mas sim embora estivesse doente.
218
(vii) Mobilidade
A falta de mobilidade também aproxima as gerundivas resultativas das descritivas (em
especial das de objecto) e afasta-as das adverbiais não integradas:
(193) a. Clara embalou o bebé adormecendo-o. (resultativas)
b. *Adormecendo-o, a Clara embalou o bebé.
(194) a. O navio afundou matando os tripulantes.
b. *Matando os tripulantes, o navio afundou
(195) a. ??*O navio, matando os tripulantes, afundou.
b. *A Ana, adormecendo-o, embalou o bebé.
(196) a. A Ana saiu sorrindo. (descritivas)
b ?Sorrindo, a Ana saiu.
c. ?A Ana, sorrindo, saiu.
(197) a. Ele encontrou a criança dormindo.
b. ??#Dormindo, ele encontrou a criança.
(198) a. Ele ganhou o campeonato, sendo um bom atleta. (adverbiais)
b. Sendo um bom atleta, eles ganhou o campeonato.
c. Ele, sendo um bom atleta, ganhou o campeonato.
A maior inaceitabilidade dos exemplos decorrentes dos testes de clivagem e de
focalização por partículas com escopo sobre vP matriz pode ser o resultado de a gerundiva
resultativa estar integrada em VP e formar um predicado complexo com o predicado da
predicação primária, a que denomino como predicado complexo de Evento Complexo.
219
Em suma, as gerundivas predicativas descritivas e resultativas estão associadas a
posições baixas na frase, estão integradas no VP da predicação matriz.
No entanto, há dois dados importantes a se observar nas gerundivas resultativas de
evento complexo:
(i) se por um lado, aceitam mais dificilmente ser dissociadas da predicação
primária, talvez devido ao seu valor resultativo;
(ii) de um ponto de vista sintáctico, são menos deficitárias do que as gerundivas
descritivas.
Vejamos este aspecto abaixo.
4.4.2 Estrutura interna das gerundivas de resultado face às predicativas descritivas
Os seguintes testes permitem determinar em traços gerais a natureza categorial das
construções gerundivas resultativas de evento complexo. A Negação Frásica da gerundiva, a
ocorrência de Auxiliares de Tempos Compostos na gerundiva e a possibilidade de sujeitos
distintos de um argumento da frase matriz distinguem gerundivas resultativas de gerundivas
descritivas.
(i) �egação frásica própria:
Assumindo, com Zanuttini (1991, 1997) e Matos (1999, 2005), que a negação frásica
em línguas como o italiano e o português tem explicitamente de ter escopo sobre T (Tempo
gramatical), este teste mostra que as gerundivas resultativas de evento complexo são TPs,
enquanto as gerundivas descritivas são projecções abaixo de TP, AspP.
220
Gerundiva descritiva
(199) a. *Eu sai não cantando.
b. *Eu comi não vendo televisão.
Gerundivas resultativas de evento complexo:
(200) a. A Clara embalou o bebé não o adormecendo (frase completa)
b. O navio afundou não matando os tripulantes (frase completa)
(ii) Testes com verbos compostos:
A possibilidade de ocorrência do auxiliar dos tempos compostos confirma a
existência de T nas gerundivas resultativas de evento complexo, por contraste com as
gerundivas descritivas:
Gerundiva descritiva
(201) a. *Eu sai tendo cantado. ( ≠ eu cantava enquanto saía).
b. *Eu comi tendo visto televisão (≠ eu via televisão enquanto comia).
Gerundiva resultativas de Evento Complexo:
(202) a. Clara embalou o bebé tendo o adormecido. (PB)
b. O navio afundou tendo matado os tripulantes.
(iii) Sujeitos distintos
Tanto as orações predicativas descritivas orientadas para o sujeito como as predicativas
de Evento Complexo não exibem sujeitos realizados. Nas primeiras o sujeito é controlado por
221
um argumento da matriz (um caso de controlo obrigatório de PRO); já nas segundas não há
controlo; na realidade, o sujeito está implícito, pois é distinto de qualquer argumento da frase
matriz ou de qualquer outro sujeito realizado e denota o resultado o evento da predicação
primária (cf. (204c)):
Gerundiva descritiva
(203) a. Eu i lia o PRO i / *João vendo televisão.
b. Ele i dirige PRO i / *o Manuel bebendo.
(204) a. Clarai embalou o bebé ?PROi/ *a Ana adormecendo-o.
b. O navio i afundou *PROi/ *a correnteza matando os tripulantes.
c. [O navio afundou]i [-]i matando os tripulantes.
Na secção (4.4.3) retomarei melhor esse tópico dos sujeitos controlados e co-referentes. (iv) Comutação gerúndio/a+infinitivo
Outro factor que diferencia as gerundivas predicativas descritivas das de resultado é
que só as primeiras podem ser comutadas por a+infinitivo em português europeu:
Gerundiva descritiva
(205) a. Eu saí sorrindo.
b. Eu saí a sorrir.
(206) a. Ele encontrou Ana dançando
b. Ele encontrou a Ana a dançar.
222
Gerundiva resultativa
(207) a. Clara embalou o bebé adormecendo-o
b. O navio afundou matando os tripulantes.
(208) a. *Clara embalou o bebé a adormecê-lo.
b. *O navio afundou a matar os tripulantes.
A comutação de gerúndio por a+infinitivo (com valor aspectual progressivo) só é
possível quando os constituintes gerundivos são categorialmente AspP (com aspecto
durativo). Já as gerundivas resultativas de evento complexo são categorias funcionais mais
altas, i.e., são TPs. O mesmo ocorre com as adverbiais periféricas, pois, sendo categorias
funcionais CP ou TP, também não admitem a comutação com a+infinitivo.
Gerundiva adverbial
(209) a. Falando ao telefone, descobri a verdade.
b. *A falar ao telefone, descobri a verdade.
No entanto, apesar de apresentarem propriedades das estruturas frásicas (TPs), as
Gerundivas resultativas mostram que não apresentam autonomia temporal face à frase
matriz:
(v) Determinações temporais distintas
Este teste aproxima as gerundivas descritivas das gerundivas resultativas de evento
complexo: em ambos os casos não são possíveis determinações temporais distintas:
223
Gerundivas descritivas
(210) a.*Eu sai ontem cantando/sorrindo hoje.
b. *Eu comi de manhã vendo televisão à noite
Gerundivas resultativas de evento complexo
(211) a. ??*O navio afundou hoje matando os tripulantes no dia seguinte.
b. ??* Clara embalou o bebé à hora do pequeno almoço adormecendo-o
ao almoço (PE).
??*Clara embalou o bebê na hora do café da manhã adormecendo-o no
almoço (PB).
Desse modo, pode-se pensar que, embora estejam integradas no mesmo predicado da
oração matriz, há diferenças significativas entre as gerundivas predicativas descritivas e as
gerundivas predicativas resultativas de evento complexo. Para além da diferença semântica,
alguns testes sintácticos as diferenciam como o da negação frásica própria, dos tempos
compostos e da comutação por a+infintivo. Todos os três demonstram que há um domínio
frásico nas gerundivas predicativas de evento complexo. Não sendo orações pequenas, são
domínios temporalizados, TP ou CP.
Não obstante, elas se encontram no predicado da matriz, formando com ele uma
predicação complexa, já que dependem do predicado primário semanticamente, pois
representam o resultado desse predicado primário e sintacticamente não têm autonomia
sintáctica face ao predicado da oração matriz, como vimos na secção 4.4.2.
Para complementar o confronto entre gerundivas descritivas e gerundivas de resultado,
representá-las-ei sintacticamente a seguir.
De acordo com os testes feitos, as gerundivas descritivas são orações pequenas de
Aspecto (AspP). As descritivas estão adjungidas a posições baixas como VP, por terem
224
escopo apenas sob parte da oração. A small clause toma como referência o tempo da matriz,
já que não projecta tempo autónomo, i.e., são dois eventos que ocorrem ao mesmo tempo.
(212) Eu como vendo televisão.
vP Eui VP VP AspP como PROi vendo televisão Quanto às gerundivas resultativas de evento complexo, o sujeito omitido retoma todo
o evento da matriz. Este sujeito sobe para a posição de especificador de TP a fim de checar
caso. O tempo da subordinada por sua vez está relacionado ao valor aspectual [+ culminado]
mas também está em relação de co-dependência com o tempo da oração matriz, em que se
tem um ponto concluso, indicado pelo pretérito perfeito. A representação está disponível
abaixo:
225
(213) O navio afundou matando os tripulantes
CP TPi O navio T T vP | afundou afundou VP VP TP
afundou o navio [-]i matando os tripulantes
4.4.3 Os sujeitos �ulos nas gerundivas resultativas de evento
complexo
Consideremos outros exemplos, para além dos citados, de gerundivas resultativas de
evento complexo para o português:
(214) a. Clara embalou o bebé adormecendo-o.
b. O navio afundou matando os tripulantes.
c. O avião despistou (-se) assustando todos os passageiros. PB (/PE)
d. O copo caiu quebrando (-se/PB)/(partindo-se/PE)
Na secção 4.3.1 vimos que os sujeitos das gerundivas descritivas, que caracterizámos
como orações pequenas, podem ser co-referentes com o sujeito ou o objecto da subordinante.
No entanto, como já dissemos, é questionável que o mesmo aconteça com o sujeito das
gerundivas de resultado em (214).
226
No inicio da análise das gerundivas, partimos de um exemplo do inglês, repetido
abaixo, com o acréscimo de outros, em que igualmente ao primeiro há dois eventos com
núcleos verbais distintos:
(215) a. Clara rocked the babyi [PROi to sleep]
b. Tina shook her fatheri [PROi to wake it up]
c.. Ralp sent his pigsi [PROi to slaughter]
Como foi dito acima, o sujeito das gerundivas resultativas de evento complexo em
português não é nenhum elemento da matriz, ou seja, não se refere a nenhum argumento, seja
externo ou interno, contrariamente ao que ocorre com o inglês em que PRO é controlado
obrigatoriamente pelo argumento interno “the baby”, “her father”, “his pigs”.
Este factor diferencia as duas línguas, mesmo que semanticamente haja a
resultatividade. No caso do português, não podemos postular que há um PRO que se refere
ao objecto da principal. Assim, por exemplo, na frase (216), o bebé não é co-referente com o
sujeito de adormecer, uma vez que este é retomado pelo objecto directo o.
(216) *Clara embalou o bebéi PROi adormecendo-o
Do mesmo modo, o argumento externo da oração matriz não pode ser o controlador o
sujeito omitido na gerundiva resultativa. Ainda que exemplos como o seguinte sugira que é
possível propor uma relação de PRO controlado com o sujeito da matriz:
(217)? Clarai embalou o bebé PROi adormecendo-o,
dado que podemos ter:
(218) Clara adormeceu o bebé.
227
Porém, é pouco verosímil, num evento em que “o navio” sofre o afundamento, dizer
que ele é o causador de matar os tripulantes.
(219) O navioi afundou PROi matando os tripulantes.
(220) ??*O navio matou os tripulantes.
O mesmo se passa no exemplo abaixo em que seria também demasiado forçado
afirmar que:
(221) O aviãoi despistou-se PROi assustando todos os passageiros.
(222) ??*O avião assustou os passageiros.
Nesse contexto, não é o avião em si, mas o evento de “despistar-se”.
No entanto, mesmo aceitando as leituras acima, o que causa o “adormecer do bebé” ,
“a morte dos tripulantes”, o “assustar” dos passageiros não é a entidade designada pelo
sujeito da oração matriz, mas o embalo de Clara, o afundamento do navio, o despite do
avião. Em LF a interpretação parece ser algo como:
(223) a. Clara embalou o bebé e isto o adormeceu.
b. O navio afundou e isto matou os tripulantes.
c. O avião despitou-se e isto assustou os passageiros.
Em (223) isto retoma todo o evento da matriz, funcionando como um elemento
anafórico “eventual” e não como uma estrutura de controlo obrigatório de PRO.
O facto de o sujeito da gerundiva resultativa não ser controlado nem co-referente com
o sujeito da frase matriz é corroborado pela inadequação de pares pergunta-resposta como os
seguintes, em que os sujeitos da frase subordinante não são capazes de estabelecer a
referência do sujeito da oração resultativa gerundiva:
228
(224) a . Com que resultado Clara embalou o bebé? *Adormecendo-o
b. Com que resultado o navio afundou? *Matando os tripulantes.
c. Com que resultado o avião se despistou? *Assustando os passageiros
As gerundivas resultativas distinguem-se assim das gerundivas predicativas descritivas,
que, como vimos apresentam sujeitos nulos controlados (PRO, em uma versão clássica) e
podem ser alvo de uma pergunta parcial com o constituinte interrogativo “como”:
(225) a. Ana chegou sorrindo.
b. Ana chegou [PRO sorrindo].
c. Como Ana chegou? Sorrindo.
(226) a. Ana encontrou Pedro pensando.
b. Ana encontrou Pedro [PRO pensando].
c. Como Ana encontrou Pedro? [PRO pensando].
O que fica claro nesta secção é que o sujeito das gerundivas resultativas de evento
complexo é um sujeito não controlado que não está expresso foneticamente e recupera a
interpretação do evento principal. Esse sujeito poderia ser analisado de duas formas:
(i) um “PRO” não controlado;
(ii) um pro eventual, que recebe caso nominativo.
Assumindo que PRO recebe Caso Nulo, a hipótese (i) é plausível, dado que nestas
construções a ocorrência de sujeitos realizados é marginal:
(227) a. ?Clara embalou o bebê o embalo adormecendo-o (PB) b. ?Clara embalou o bebé adormecendo-o o embalo (PE) (228) a. ?O navio afundou, o afundamento matando os tripulantes b. ?O navio afundou matando o afundamento os tripulantes
229
No entanto, no PE, quando o verbo auxiliar dos tempos compostos ocorre, as frases
resultantes tornem-se bastante mais aceitáveis:
(229) a. Clara embalou o bebé o embalo tendo-o adormecido b. Clara embalou o bebé tendo-o o embalo adormecido (230) a. O navio afundou o afundamento tendo matado os tripulantes b. O navio afundou tendo o afundamento matado os tripulantes
Estes dados sugerem que a hipótese (ii) deve ser considerada. Assim, na esteira de
Lobo (2003), assumo que teríamos um caso semelhante às adverbiais gerundivas não-
periféricas: o T da subordinada gerundiva depende do T da matriz e, por isso, é capaz de
atribui Caso Nominativo ao sujeito lexicalizado ou nulo, pro da Gerundiva Resultativa.
Como vimos no capítulo 3, Hornstein defende que categoria vazia pro está presente em
todas as línguas, sendo maior sua incidência em línguas de parâmetro de sujeito nulo.
Assim, parece ter ficado claro que há diferenças sintácticas e semânticas claras entre
as gerundivas predicativas descritivas e as gerundivas de resultativas de evento complexo, já
que, no que tange aos sujeitos, elas exibem propriedades distintas.
4.6 Conclusão ao Capítulo
Neste capítulo fiz, inicialmente, uma revisão bibligráfica acerca das construções
gerundivas predicativas descritivas, comparando-as com as gerundivas adverbiais. Dessa
comparação, resultou que não é fácil delinear uma diferença muito clara entre as gerundivas
de modo (que estão integradas no predicado matriz) das predicativas descritivas orientadas
para o sujeito, já que há construções que estão a meio caminho: ora funcionam como
230
adverbiais, por admitir um valor circunstancial de modo; ora funcionam como predicativas
por denotarem uma propriedade de um dos argumentos da matriz.
Mostrei, contudo, que alguns testes as diferenciam, nomeadamente, a substituição da
gerundiva por um adjectivo (no caso das predicativas) ou por um advérbio (no caso das
adverbiais). Alguns desses testes parecem demonstrar que as predicativas formam com o
predicado primário uma predicação complexa (Rothstein, 1995, 2006): A falta de mobilidade
(especialmente das gerundivas descritivas de objecto) e as perguntas com Como estava/se
encontrava X, bem como o teste do Pro SV e com o Como são eficazes.
Estes testes denotam que as adverbiais gerundivas de modo/instrumento são
modificadores de todo o sintagma verbal, estão adjungidas a vP, enquanto as predicativas
descritivas não modificam o vP mas se adjungem ao VP e formam uma oração pequena
(Chomsky,1981, Stowell 1981, 1983) que pode ser interpretado, conjuntamente com o
predicado primário, como um predicado complexo.
O facto de estar inserida no predicado da matriz aproxima esta construção da adverbial
de modo. Não obstante, nas adverbiais integradas há uma autonomia frásica maior do que nas
gerundivas predicativas descritivas, isso é comprovado pelo facto de elas aceitarem a
negação, possuírem mobilidade na frase e modificarem todo o vP da principal (usando o
teste do Pro SV, neste caso). Assim, enquanto as gerundivas adverbiais integradas estão
adjungidas ao vP; as predicativas descritivas se adjungem ao VP, ou são complemento do
VP, quando temos verbos perceptivos ou volitivos.
Também se pode observar que as predicativas descritivas não se diferenciam muito das
gerundivas resultativas de evento complexo. Os testes sintácticos serviram para provar que
ambas estão inseridas no predicado da oração matriz. Ambas não respondem positivamente
aos testes de clivagem, focalização do só, negação de foco, mobilidade, ou seja, não admitem
estes tipos de testes, ou se os admitem é de forma marginal. Mas parece claro que a negação
231
de foco é idêntica em ambas as construções. O que se nega é a gerundiva e não o conteúdo
proposicional da matriz.
No entanto, há testes que as diferenciam, pois, enquanto as predicativas descritivas são
orações pequenas; as predicativas resultativas de Evento Complexo são domínios frásicos
TP. Assim, os testes de negação frásica, tempos compostos, sujeitos distintos demonstram
um domínio frásico destas construções. Para além disso, não admitem o teste Pro SV, o que
significa que não estão modificando um vP como acontece com as adverbiais integradas. Os
sujeitos nas predicativas resultativas de Evento Complexo também é peculiar, não se encaixa
em nenhum caso de sujeito visto aqui, já que retomam o conteúdo proposicional da matriz de
forma implícita, sendo um PRO que assinala Caso Nulo, mas não é co-referente com o
sujeito da matriz, como ocorre nas predicativas descritivas.
Quanto aos valores semânticos, parece ficar claro que as descritivas atribuem uma
propriedade ao DP da matriz (sujeito ou objeto); ao passo que as resultativas, na esteira de
Levin e Rappaport (1999), denotam o resultado do evento ocorrido na principal, formando
com ele um evento complexo: o evento resultativo é parcialmente co-extensivo ao evento
denotado pelo verbo principal, já que apresenta o resultado em que culmina o processo da
matriz, cujos núcleos são categorias lexicais verbais.
No que se refere aos sujeitos das predicativas descritivas, admitimos que são
construções de Controlo Obrigatório, em que o controlador é o sujeito ou o objecto da
predicação primária; as predicativas resultativas do inglês também são construções de
Controlo Obrigatório e têm como controlador o objecto da predicação primária.
Diferentemente, nas predicativas resultativas de evento complexo do português, o
sujeito da resultativa é a categoria vazia pro (Hornstein, 1999 e Pires, 2006), que denota
referencialmente o conteúdo da predicação primária. As gerundivas resultativas de evento
complexo são TP: projectam Tempo que pode atribuir Caso Nominativo a este sujeito, já que
232
está activo. De facto, com Hornstein (1999) e Pires (2006) aceito que a categoria pro está
presente em todas as línguas, e que ocorre e m domínios [+tense] finitos ou não-finitos.
Este capitulo contribui para o estudo das Construções Gerundivas Predicativas do
português europeu (PE) e do brasileiro (PB), uma vez que apresenta considerações
importantes e que ainda não tinham sido exploradas na literatura. Assim, fornece critérios
para separar as predicativas descritivas das adverbiais de modo, para além do critério da
comutação com “a+infinitivo” (cf. Lobo 2003). Outros testes igualmente eficazes que as
separam, como: a mobilidade, o Pro SV, das perguntas com De que modo? Como estava/se
encontarva X?, possibilidade de as predicativas serem trocadas por um AP e não um AdvP.
Acredito, igualmente, que, ao estudar as resultativas com o gerúndio, demonstrei não
só que as construções gerundivas em português (diferentemente do que acontece em inglês)
podem ter valor resultativo. Procedi a um estudo sintáctico sistemático destas estruturas em
Português, mostrando que têm comportamento diferenciado das adverbiais e das próprias
predicativas descritivas. Um dos aspecto distintivos que mais se destaca é o facto de o seu
sujeito ser tipicamente nulo e não ser co-referente com nenhum dos argumentos explícitos
foneticamente da frase subordinante. A tradução do inglês para o português, disponibilizada
em Leite (2006) foi quem me chamou atenção para tal. No entanto, o autor não trabalha este
tipo de resultatividade, apenas o cita. Por isso, acredito que esta parte da tese tenha
colaborado para fazer notar que há resultativas no português de eventos complexos, que
ocorrrem no gerúndio.
Na gramática do português falta um estudo sistemático sobre este tipo de gerundivas.
Este capítulo pode fornecer uma contribuição para que se estabeleça os subtipos de
gerundivas no português, principalmente no acréscimo de gerundivas predicativas
(descritivas e resultativas).
233
5. Conclusão
As construções de gerúndio no português podem ocorrer em diversos contextos
sintácticos: em perífrases verbais, como complemento de verbos perceptivos e volivos, no
interior do DP ou do PP, adjuntas a CP, a TP, a vP e a VP.
Parti inicialmente dos estudos feitos nas gramáticas de referência: Cunha (1972),
Cunha e Cintra (1984), Mateus et al (1989, 2003), Bechara (1999) para o português; Lonzi
(1991) para o italiano e Fernández Lagunilla (1999) para o espanhol. Com base na literatura
consultada, pude observar as diferenças entre construções de gerúndio em perífrases verbais
vs. gerundivas em adjunção. Dentro desse universo, seleccionei as orações gerundivas
adjuntas adverbiais e as predicativas.
Com base nos estudos essencialmente sintácticos de Lobo (2002, 2003, 2006), para o
português europeu, procurei precisar alguns aspectos das gerundivas adverbiais e avancei
uma análise sintáctica para as gerundivas predicativas do português. Não obstante, não
descurei trabalhos semânticos sobre estas construções como os de Ferrari (1997, 1999), Leal
(2002), Móia e Viotti (2004) e Neto e Foltran (2001).
No tocante às orações gerundivas adverbiais, uma das questões centrais é a do valor do
morfema do gerúndio, -ndo, havendo controvérsia na literatura a respeito de seu carácter
polissémico. Móia e Viotti (2004) defendem que o gerúndio é um Operador Discursivo, um
conector não polissémico de valor neutro. Em oposição a esta proposta, procuro demonstrar
que é preciso distinguir entre o valor do morfema de gerúndio e o valor das orações
gerundivas em que ocorre. Assim, apresento contra-argumentos à ideia de que o gerúndio
tem um valor neutro, demonstrando que o morfema –ndo traz inerentemente traços
aspectuais, que lhe conferem um valor, tipicamente de duratividade, como se torna evidente
nas perífrases verbais. Já nas orações adverbiais, a forma verbal no gerúndio ocorre no
234
interior de um domínio frásico. O valor das gerundivas adverbiais tem a ver com o valor
assumido pelo TP ou CP, e não com o do morfema de gerúndio. Dado que, na maioria dos
casos, o complementador nas orações adverbiais gerundivas é nulo, é a selecção lexical das
orações subordinada e principal, as relações que estabelecem entre si e a posição que ocupam
que determina o valor da gerundiva.
No que tange à distribuição das gerundivas adverbiais, a sua adjunção à oração da
matriz pode ocorrer: (i) na periferia esquerda ou direita, com autonomia frásica (a gerundiva
correspondendo neste caso a um CP pleno), ou (ii) integrada na periferia direita, no predicado
(a gerundiva apresentando, usualmente, um domínio oracional deficitário, TP). Dependendo
de sua distribuição na sentença e da sua estrutura (CP ou TP), assumo que estas construções
possuem valores semânticos básicos de tempo e modo, respectivamente. Não obstante, outros
valores podem se sobrepor, como o valor causal, condicional, concessivo, final, instrumento,
conforme os arranjos lexicais na frase.
Acrescentando um dado novo à análise de Lobo (2003), nesta tese procuro
demonstrar que há orações não-periféricas com valor causal (e não só de modo, instrumento,
condição e tempo simultâneo) e que não são deficitárias, face aos testes propostos na
literatura. Estas adverbiais estão inseridas no predicado da matriz (i.e., modificam o vP), mas
são domínios oracionais plenos, que projectam como CPs.
Assim, as construções adverbiais gerundivas podem estar adjungidas ao CP, ao TP e
ao vP da frase matriz e serem CPs (fases plenas).
Quanto aos sujeitos das adverbiais gerundivas, nas gerundivas adverbiais periféricas,
o sujeito da gerundiva pode ser realizado ou nulo. A posição do sujeito realizado é diferente
nas duas variantes PE e PB, já que esta última variante está a perder o parâmetro de língua de
sujeito nulo. Desse modo, na esteira de Britto (1994) e Barbosa e al (2005) demonstro que a
ordem dos sujeitos realizados das gerundivas absolutas em PB é idêntica à do inglês e do
235
francês, ou seja, SU-V. Já o PE, enquanto o italiano, o espanhol, assume a ordem V-SU. Com
Kato 1999 e Barbosa et al. (2005) admito que o sujeito em PB tem de subir para
especificador de IP para checar traços EPP; adicionalmente, aceito que no PB o verbo
permanece em IP, como referido em Miotto (2004) e em Miotto & Kato (2006), enquanto em
línguas como PE (espanhol e italiano), o V sobe para C e atribui Caso Nominativo ao Sujeito,
como proposto em Rizzi (1982), Brito (1984), Ambar (1988) e Lobo (2003), e.o).
Nas gerundivas adverbiais periféricas o sujeito nulo pode ser disjunto ou co-referente
com o sujeito da oração subordinante. No PE, como defendido em Lobo (2003), a categoria
vazia que ocupa essa posição é pro. Esta proposta foi alargada ao PB: mesmo que o PB esteja
a perder o parâmetro do sujeito nulo, defendo como Hornstein (1999) que pro está presente
universalmente nas línguas pro-drop e não pro-drop.
Nas gerundivas adverbiais não-periféricas deficitárias, os sujeitos nulos das
gerundivas são tipicamente casos de Controlo Obrigatório. A categoria vazia na posição de
sujeito é uma instância de PRO controlado, ou, alternativamente, adoptando Hornstein (1999)
e Pires (2006), fruto de Movimento-A, i.e., o sujeito eleva-se para uma posição mais alta
deixando uma cópia in situ, que c-comanda. Nos casos em que o sujeito nulo das gerundivas
não-periféricas não é controlado, posiciono-me a favor de que a categoria presente nas
adverbiais do português seja pro.
As gerundivas predicativas também foram estudadas nesta tese. Estão inseridas no
predicado da matriz e podem formar com ele um predicado complexo (Rothstein 1983,
2006). São analisáveis como orações pequenas (Chomsky 1981, Stowell 1983) e podem
ocorrer como complemento de um verbo perceptivo ou volitivo, sendo denominadas de
predicativas complemento, por completarem a estrutura argumental do verbo (cf. Raposo
236
(1989), Matos (1992) para o português europeu), ou podem estar adjuntas a uma projecção
verbal, sendo denominadas de predicativas descritivas de sujeito ou de objecto, por
atribuírem algo ao sujeito ou ao objecto.
Para além das gerundivas descritivas, também analisámos as resultativas de evento
complexo, que descrevem um evento posterior ao evento da matriz.
A fim de delimitar diferenças sintácticas nítidas entre as predicativas descritivas e as
adverbiais de modo, estes dois tipos de orações foram submetidas a testes que permitiram
comprovar que a natureza sintáctica das gerundivas predicativas era diferente da das
gerundivas adverbiais de modo. Os testes permitiram também demonstrar que as gerundivas
descritivas são construções mais deficitárias que as de modo e mais integradas no predicado
verbal da oração subordinante, com o qual formam um predicado complexo. Por isso, assumo
que as gerundivas predicativas se encontram em adjunção a VP, na fase do vP matriz.
Internamente, defendo que as gerundivas predicativas descritivas apresentam uma
estrutura de AspP, já que ao gerúndio, nessas construções, está associado apenas valor
aspectual, o valor de evento simultaneo.
Quanto às predicativas de evento complexo, quando comparadas às predicativas
descritivas, apresentam uma estrutura interna mais completa face aos testes sintácticos
aplicados, podendo ser caracterizadas como TPs. No entanto, o seu comportamento sintáctico
mostra que a sua integração no predicado matriz é tão estreita como a das gerundivas
predicativas. Com efeito, se comparadas às adverbiais, as de resultativas de evento complexo
também têm comportamentos distintos, nomeadamente não podem se mover, característica
típica dos adjuntos adverbiais do português e em outras línguas românicas (Foltran e Neto
(2002), Lonzi (1991) Lagunilla (1999), Arsénio (2005), dentre outros).
No que se refere aos sujeitos das gerundivas predicativas, este é sempre nulo. Admito
que as gerundivas predicativas descritivas são contextos de Controlo Obrigatório do sujeito,
237
em que o controlador é o sujeito ou o objecto da predicação primária. As predicativas
resultativas do inglês também são construções de Controlo Obrigatório que têm como
controlador o objecto da predicação primária. Diferentemente, nas predicativas resultativas
de evento complexo do português, o sujeito da resultativa é a categoria vazia pro (Hornstein,
1999 e Pires, 2006), que denota referencialmente o conteúdo da predicação primária. As
gerundivas resultativas de evento complexo são TP. Assim, T atribui Caso Nominativo a este
sujeito, a categoria pro.
Em termos de fases, enquanto as gerundivas adverbiais se adjungem a fases plenas
CPs ou a fases argumentais vPs, as gerundivas predicativas estão inseridas no VP, i.e., em
uma categoria lexical. Esta adjunção é fundamental para que se distinga gerundivas
adverbiais – modificadoras de fases – de gerundivas predicativas – envolvidas na formação
de predicados ou eventos complexos.
238
239
BIBLIOGRAFIA ÂMBAR, M. (1992). Para uma Sintaxe da Inversão Sujeito Verbo em Português: Edições de
Colibri.
__________ E. NEGRÃO, R. VELOSO & L. GRAÇA (2009).”Tense domains in BP and EP
- vP, CP and phases”. In E. Aboh, E. Linden, J. Quer and P. Sleeman, Romance
Languages and Linguistic Theory. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins
Publishing Company, 1-24
ARSÉNIO, M. (2008 a). “Construções Gerundivas da margem direita: “depictive” vs.
resultativa”. Actas do VIII Encontro do CELSUL, Porto Alegre, Brasil.
____________(2008 b). “Gerundivas no PE e no PB: uma análise contrastante”.
Comunicação no I Workshop Internacional: PCC- Português em Contacto e em
Contraste, Universidade de Gent, Bélgica, Novembro de 2008.
____________(2008 c). “Gerundivas no PE e no PB”, Comunicação no I Workshop SILC,
Universidade de Lisboa, Portugal, 24-25 de Novembro de 2008.
BARBOSA, J. S. (1875). Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da
Grammatica Geral Applicados a nossa Linguagem, Lisboa, Typographia da Academia
Real das Sciencias, 6ª edição.
BARBOSA, P., E.DUARTE & M.KATO (2001). “A distribuição do Sujeito Nulo no
Português Europeu e no Português Brasileiro”. In Nunes Correia, C. e A. Gonçalves
(orgs.), Actas do XVI Encontro /acional da APL (2000). Lisboa: APL, 539-550.
_________________________________ (2005) /ull “Subjects in European and Brazilian
Portuguese”, Journal of Portuguese Linguistics, 4, p.11-52.
BECHARA, E. (1999). Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro: Lucerna. 37ª
edição, revista e ampliada.
240
BRITO, A. (1984). “Sobre as noções de sujeito e de argumento externo: semelhanças entre a
estrutura de F e a estrutura de SN em Português”. Boletim de Filologia, XXIX (1-4),
421-478.
BRITTO, H. (1994).”Reduzidas de gerúndio: teoria do caso e inversão verbo/sujeito”. MA
dissertation, UNICAMP.
CARDINALETTI, A. T. G. (orgs). 1995 “Syntax and Semantics”. 28, Small Clauses. San
Diego: Academis Press.
CHIERCHIA, G. (2003). “Semântica”. Trad. L. A. Pagani, L. Negri, R. Ilari – Campinas, SP:
Ed. da U/ICAMP, Londrina, Pr: EDUEL.
CHOMSKY N. & H. LASNIK (1977). “Filters and Control”, Linguistic Inquiry, vol. 8:3,
425-504.
CHOMSKY, N. (1981). “Lectures on Government and Binding”, Foris Publications,
Dordrecht.
_____________ (1986). Barriers, The MIT Press, Cambridge Mass.
_____________ (1993). “A Minimalist Program for Linguistic Theory”, in K. Hale & S. J.
Keyser, eds. The View from Building 20: Essays in Linguistics in Honor of Sylvain
Broberger, The MIT Press, Cambridge Mass.
_____________ (1998). The Minimalist Program, The MIT Press, Cambridge Mass.
_____________ (2001a). “Derivation by Phase”, in Michael Kenstowicz, ed. K. Hale. A Life
in Language. Cambridge, Mass.: The MIT Press.
_____________ (2004). “Beyond Explanatory Adequacy”. In Belletti, A. (ed.). Structures and
Beyond. The Cartography of Syntactic Structures, vol. 3. Oxford: OUP.
______________(2008). “On Phases”. In Freidin, Robert; Otero, Carlos P.; Zubizarreta,
Maria Luisa. Foundational Issues in Linguistic Theory. Essays in Honor of Jean-Roger
Vergnaud. Cambridge, MA: The MIT Press. pp. 133–166.
241
COSTA, A., G. MATOS & P. LUEGI (2010). “Processamento de relações anafóricas com
sujeitos omitidos em Português Europeu.” Textos seleccionados do XXV Encontro
Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Maia: Tipografia /unes Lda, pp.
351-364.
COSTA, J. & I. DUARTE (2002) “Preverbal Subjects in Null Subject Languages are not
necessarily Dislocated”. In Journal of Portuguese Linguistics, 1 (2).
CUNHA, C. (1972). Gramática do Português Contemporâneo. Belo Horizonte:Editora
Bernardo Álvares S. A (8ª edição revista, Rio de Janeiro: Padrão 1980.
CUNHA, C. & CINTRA, L. (1984). /ova Gramática do Português Contemporâneo. Lisboa:
João Sá da Costa (8ª edição, Lisboa: João Sá da Costa,1991)
CYRINO, S. & G. MATOS (2006). “Null Complement Anaphora in Romance: Deep or
Surface Anaphora?” In Doetjes, Jenny & Paz Gonzalez (eds.), Romance Languages and
Linguistic Theory 2004. Amsterdam: John Benjamins, pp. 95-120.
CUNHA, L. F. (1998). As Construções com Progressivo no Português: Uma Abordagem
Semântica, Dissertação de Mestrado, Porto, F.L.U.P..
___________ (2000). “Valores Temporais das Orações com Quando”, Cadernos de
Linguística, nº8, Porto, C.L.U.P.
___________ (2001). Comportamento Semântico das Predicações Estativas (guião da
apresentação feita no C.L.U.P, em Junho de 2001).
DUARTE, Inês (1987). A construção de Topicalização na gramática do português, Diss.
Doutoramento, Univ. Lisboa.
_____________(1992). “Complementos Infinitivos Preposicionados e Outras Construções
Temporalmente Defectivas no Português Europeu.” Actas da APL, p. 145-158.
_____________(1997). “Ordem de Palavras: Sintaxe e Estrutura Discursiva”. In Brito,
Oliveira, Pires de Lima e Martelo (orgs) 581-592
242
_____________(1998). “Verbos Causativos de Alternância Locativa.” Veredas, 2:91-101
_____________(2003). MATEUS. “A Família dos Inacusativos.” In Mateus et al Gramática
da Língua Portuguesa, Caminho, Lisboa, 5ª ed. Revista e aumentada
DEMIRDACHE, H. & URIBE-ETXEBARRIA, M. (2000). “The primitives of temporal
relations.” In D. Michaels R. Martin and J. Uriagereka, eds., Step by Step:Essays on
Minimalist Syntax in Honor of Howard Lasnik, 157–186, Cambridge, MA: MIT Press.
FARIA, I., E. PEDRO, I. DUARTE & C. GOUVEIA (1996). Introdução à Linguística Geral
e Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho.
FERRARI, L.V. (1999 a) . “Rede Polissêmica e Processos Figurativos: o caso do gerúndio.”
In Revista SériE/CO/TROS, Ano XVI, no. 1, Araraquara: FCL-UNESP. pp. 81-98.
_____________ (1999b). “As Construções Gerundiais no Português Contemporâneo: uma
Abordagem Cognitivista”. In Revista SériE/CO/TROS, Ano XVI, no 1, Araraquara:
FCL-UNESP.pp. 365-381.
_____________ (1999c). “Construções Condicionais e Negociação de Perspectivas
Epistêmicas na Interação entre Professores.” Revista do Gelne. Fortaleza: Universidade
Federal do Ceará. pp. 79-82.
_____________ (1999). “Postura Epistêmica, Ponto de Vista e Mesclagem em Construções
Condicionais na Interação Conversacional.” Veredas. Juiz de Fora: Ed. UFJF, P.115-
128
__________& CHIAVEGATTO, V. C, (1997). “A Motivação Conceptual da Gramática”.
Matraga, Rio de Janeiro, p. 63-78.
FERNÁNDEZ-LAGUNILLA, M. (1999). “Las Construcciones de Gerúndio.” In Bosque,
Ignácio Y Violeta Demonte (orgns.) Gramática Descriptiva de la Lengua Española,
vol. 2., 53. p.3445-3503, Madrid: Editorial Espasa Calpe
243
GONÇALVES, A. (1999). Predicados Complexos Verbais em Contextos de Infinitivo
Flexionado do Português Europeu. Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa.
________________& I. Duarte (2001). “Construções Causativas em Português Europeu e em
Português Brasileiro.” In Actas do XVI Encontro da Associação Portuguesa de
Linguística, 125-143. Lisboa: APL
_________________& MATOS, G (2009). “Ellipsis and Restructuring in European
Portuguese”. In Aboh, E., E. Linden, J. Quer and P. Sleeman (eds.) Romance
Languages and Linguistic Theory. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins
Publishing Company, pp. 109-129.
HALLIDAY, M. (1967). “Notes on Transitivity.” Part I, Journal of Linguistics 3:37-81
HERNANZ, M. L.(1991). “Spanish Absolute Constructions and Aspect”, Catalan Working
Papers in Linguistics; 75-128.
_______________(1999). “La Predicación: La Predicación no Copulativa. Las
Construcciones Absolutas.” In Bosque, Ignácio Y Violeta Demonte (orgns.)
Gramática Descriptiva de la Lengua Española, vol. 2. Madrid: Editorial Espasa Calpe
HORNSTEIN, N. (1999). “Movement and Control.” Linguistic Inquiry, 69-96.
KATO, M. (1999). “Strong an Weak Pronominals in the Null Subject Parameter.” Probus
11:1, 1-37.
KAYNE, R. (1994). The Antisymetry of Sintax. MIT Press, Cambridge Mass.
LONZI, L. (1991). “Frasi subordinate al gerundio” In Grande grammatica italiana di
consultazione volume ii Bologna.
LEVIN, B. & RAPPAPORT, M. (1995). Unaccusativity - at the Syntax-Lexical Semantics
Interface. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press.
__________________________ ( 1999). “Two structures for compositionally derived
events.” In Proceedings of SALT conference. P. 199-223. CLC Publication.
244
LEAL, A. (2001). O Valor Temporal das Orações Gerundivas em Português, Diss.
Mestrado, Univ. Porto.
_________ (2002). “O Valor Temporal das Orações Gerundivas em Português.” Actas do
XVII Encontro /acional da Associação Portuguesa de Linguística (Lisboa, Outubro
2001, APL, Lisboa
LOBO, M. (2002b). “Aspectos da Sintaxe das Orações Adverbiais Adjuntas do Português”.
Actas do XVII Encontro /acional da Associação Portuguesa de Linguística (Lisboa,
Outubro 2001, APL, Lisboa; 247-265.
___________ (2003). Aspectos da Sintaxe das Orações Subordinadas Adverbiais do
Português. Dissertação de Doutoramento em Linguística portuguesa. Universidade de
Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de Linguística Geral e Românica.
__________ (2006). “Dependências temporais: a sintaxe das orações subordinadas
gerundivas do português”. Veredas 10 (1-2), UFJF (21 pp.)
MAGALHÃES, M.S. (1999). “Aspectos Semânticos e Pragmáticos das Construções
Participiais em Português.” In Principia: Caminhos da Iniciação Científica.Vol.4.Juiz
de Fora: Edufjf. pp. 137-141.
_____________, M. (2001). Construções Gramaticais e Gerenciamento Discursivo: o caso
das não-finitas participiais. Diss. de Mestrado, Juiz de Fora.
MATEUS, Mª H., A. BRITO, I. DUARTE, I. FARIA, S. FROTA, G. MATOS, F.
OLIVEIRA, A. VILLALVA e M. VIGÁRIO (2003). Gramática Descritiva da Língua
Portuguesa. Lisboa. Caminho.
MARRAFA, P. (1993). Predicação secundária e predicados complexos em português -
Análise e Modelização. Dissertação de Doutoramento em Linguística portuguesa.
Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de Linguística Geral e
Românica.
245
MATOS, G.(1992) Elipse do Predicado em Português - SV /ulo e Despojamento.
Dissertação de Doutoramento em Linguística portuguesa. Universidade de Lisboa,
Faculdade de Letras, Departamento de Linguística Geral e Românica.
___________(1999) “Desvio e conhecimento linguístico em construções causativas do
Português europeu”. In Lindley Cintra, Ed. Cosmos, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa.
_________ (1999). “Despojamento e Contraste Sintagmático: duas estratégias sintácticas
exibindo o mesmo processo linguístico-cognitivo.” In Revista Veredas 4, v.3, n. 1. Juiz
de Fora: Edufjf. pp. 43-60.
__________(2004). “Coordenação Frásica vs. Subordinação Adverbial.” In Freitas, T. &
Mendes, A. (org.) Actas do XIX Encontro /acional da Associação Portuguesa de
Linguística. Lisboa: APL, 555-567.
__________ (2006) “Coordination de phrases vs. subordination adverbiale - propositions
causales en portugais.” In Brill, Isabelle e Georges Rebuschi (orgs.) Faits de Langues:
Revue de Linguistique, nº 28 ─ Coordination et subordination: typologie et
modélisation. Paris: Ophrys, pp. 169-180.
________ (2006). “Do projecto PE-PB ao 1º CILP: descrição do Português e teoria da
gramática.” In Silva, M. Figueiredo e S. Menuzi, orgs. Revista Letras de Hoje, Porto
Alegre, Rio Grande do Sul: PUC do Rio Grande do Sul, pp. 11-27.
MOENS, M. (1987). Tense, Aspect and Temporal Reference. Tese de Ph.D, Univesidade de
Edimburgo.
____________ & M. STEEDMAN (1988). “Temporal Ontology and Temporal Reference.”
in Computacional Linguistics, 14.2, pp. 15-28.
246
MÓIA, T. e VIOTTI, E. (2004). “Differences and similarities between European and
Brazilian Portuguese.” In Journal of Portuguese Linguistics, vol. 3, nº 1. Ed. Colibri –
AEJPL.
MIOTO, C. (2004). “Focalização e Quantificação.” Revista Letras 61, 169-189.
________& M. Kato (2006). “As Interrogativas Q do Português Europeu e do Português
Brasileiro Atuais.” Revista da ABRALI/ 4, 171-196.
NETO, J. B. e M. J. FOLTRAN (2001). “Construções com Gerúndio.” Actas do XVI
Encontro /acional da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, A.P.L., 725-735.
OLIVEIRA, F. (1994). “Algumas Peculiaridades do Aspecto em Português”. Actas do
Congresso Internacional sobre o Português (volume II), Lisboa, A.P.L., pp. 151-190.
_________, F. & A. LOPES (1994a). “Tense and Aspect in Portuguese”. In Thieroff, R. & J.
Ballweg (orgs.), Tense Systems in European Languages, Vol. II, Tubingen, Max
/iemeyer Verlag, pp. 95-115.
__________,F (2003). “Tempo e Aspecto”. In MATEUS, Maria Helena Mira et ali (2003)
Gramática da Língua Portuguesa, Caminho, Lisboa, 5ª ed. Revista e aumentada.
OLIVEIRA, F., CUNHA, F. & GONÇALVES, A. (2004). “Aspectual Verbs in European and
Brazilian Portuguese.” Journal of Portuguese Linguistics, 3, 141-173.
PESESTSKY, D. & E. TORREGO (2001). “T-to-C Movement: Causes and Consequences.”
In Kenstowicz, M. (ed.) Ken Hale: A Life in Language. Cambridge, Mass: The MIT
Press.
PIRES, A. (2006). The Minimalist Sintax of Defective Domains-Gerunds and Infinites.
Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company.
RAPOSO, P. (1981). .A Construção de União de Orações na Gramática do Português. Tese
de Doutoramento, Universidade de Lisboa.
247
___________(1985). “Some asymmetries in the Binding Theory in Romance.” The
Linguistic Review, 5,1: 75-110.
___________(1987). “Case Theory and Infl-To-Comp: the Inflected Infinitive in European
Portuguese.” Linguistic Inquiry, 18, 1: 85-110.
___________(1989) “Preposicional Infinitival Constructions in European Portuguese”. In O.
Jaeggli & K. Safir, eds. The Null Subject Parameter, Kluwer, Dordrecht.
___________(1992), Teoria da Gramática – A Faculdade da Linguagem, Lisboa, Editorial
Caminho.
ROTHSTEIN, S. (1983). The Syntactic Forms of Predication. PhD dissertation, Cambridge,
MIT.
______________ (2001). Predicates and their subjects – Kluwer Academic Publishers.
______________ (2006). “Secondary Predication.” In Everaert, Martin & Henk van
RIEMSDIJK (eds.). The Blackwell Companion to Syntax. Malden/Oxford/Vitoria:
Blackwell,vol.IV, pp.209-233
RIZZI, L. (1982). Issues in Italian Syntax. Foris Publications: Dordrecht.
SANTOS, A.L., (1999). .”A ordem de Palavras nas Construções de Particípio Absoluto.”
Actas do XIV Encontro /acional da Associação Portuguesa de Linguística, vol.2 : 397-
411, Braga. APL
____________ (1999). O Particípio Absoluto em Português e em outras línguas românicas.
Universidade de Lisboa, Tese de Mestrado, Faculdade de Letras. Universidade de
Lisboa.
SOARES DA SILVA, A. (1997). “A Linguistica Cognitiva: uma breve introducao a um
novo paradigma em linguistica.” In Revista Portuguesa de Humanidades. Braga, v. I, p.
59-101.
248
____________________ (2006) O mundo dos sentidos em português: polissemia, semântica
e cognição. Coimbra: Almedina.
STOWELL, T. (1981). Origins of Phrase Structure. PhD Dissertation, MIT.
____________ (1982). “The tense of infinitives”. Linguistic Inquiry 13; 561-570.
SCHULTZE-BERNDT, Eva (2006). “Secondary Predicates in Australian Language.” In
Everaert, Martin & Henk van Riemsdijk (eds.). The Blackwell Companion to Syntax.
Malden/Oxford/Vitoria: Blackwell,vol.IV,pp.187-208.
VENDLER, Z. (1967). Linguistics in Philosophi, Ithaca. Nova Iorque:Cornell University
Press.
WUMBRAND, S. (2004). “Two Types of Restructuring – Lexical vs. Functional.” Lingua, 114.
ZUBIZARRETA, M. L. (1999). “Las funciones informativas: tema y foco”, in I. Bosque &
V.Demonte (eds), Gramática Descriptiva de la Lengua Espanõla. Vol.3 Entre la Orácion
y el Discurso. Morfologia; cap. 64.
YLLERA, A. (1999). “Las Perífrasis Verbales de Gerundio y Participio” in I. Bosque &
V.Demonte (editores), Gramática Descriptiva de la Lengua Espanõla, 2º volume,
Madrid, Editorial Espasa Calpe, SA, pp. 3391-3442.
top related