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Conservação dos atributos do solo com manejo da caa tinga no Semiárido do Piauí

Fábio dos Santos Santiago (2); Isabella Cristina Guerra Moreira Dias (3) ; Felipe

Tenório Jalfim (4); Nielsen Christianni Gomes da Silva (5); Ricardo Menezes Blackburn (6); Mariana Braga Nanes (7).

(1) Trabalho executado com apoio do Projeto Dom Helder Camara/Ministério do Desenvolvimento Agrário – FIDA/GEF; (2) Coordenador Técnico; Projeto Dom Helder Camara; Recife, PE; fabiosantiago@dom.gov.br; (3) Estagiária; Projeto Dom Helder Camara; (4) Coordenador de Planejamento; Projeto Dom Helder Camara; (5) Consultor; Projeto Dom Helder Camara; (6) Consultor; Projeto Dom Helder Camara; (7) Estagiária; Projeto Dom Helder Camara. RESUMO: O semiárido do Nordeste tem sua maior área coberta por Caatinga, um bioma extremamente importante por sua distribuição restrita ao Brasil. Este estudo demonstra o efeito do manejo da caatinga na conservação do solo. Foram escolhidas duas áreas: uma com manejo da Caatinga com fins agroalimentares e outra com cobertura natural. Realizaram-se coletas anuais em cinco pontos georreferenciados, nas profundidades de 0-20 e de 20-40 cm. Os dados foram submetidos à análise de variância pelo teste F e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de significância. Observa-se que em 2010 na área referencial, houve aumento da capacidade de troca de cátions (CTC). Infere-se que o aporte continuado de matéria orgânica do solo acelera a atividade biológica em prol da mineralização e elevação da CTC. Há uma tendência de aumento da água disponível na área referencial ao contrário da testemunha. Os atributos analisados demonstram que a área manejada se assemelha à área de vegetação natural. Termos de indexação: agroecologia, qualidade do solo.

INTRODUÇÃO

O semiárido brasileiro abriga mais de 22 milhões de habitantes (Medeiros, 2012), sendo a região semiárida mais populosa do mundo. O bioma Caatinga ocupa a maior parte desta região, sendo determinante na vida das famílias agricultoras.

O clima do bioma Caatinga é caracterizado por um sistema de chuvas extremamente irregular de ano para ano, o que resulta em secas periódicas severas (Krol et al., 2001; Chiang & Koutavas, 2004). Essas condições inerentes da região exigem que a população possa encontrar estratégias de convivência. O uso inadequado do solo desse bioma tem causado sérios danos ambientais e acelerado sua degradação. De acordo com Doran & Parkin (1994), qualidade do solo é a capacidade de funcionar dentro dos limites dos ecossistemas para: sustentar a produtividade biológica; manter a qualidade da

água e do ar e promover a saúde humana, de plantas e animais. As variáveis de qualidade do solo estão relacionadas com suas propriedades físicas, químicas e biológicas, em ecossistema natural ou manejado. É de fundamental importância conhecer as variáveis, de modo a avaliar os impactos e planejar o manejo sustentável dos agroecossistemas, para conservação do solo e da água.

Nesse sentido, a agroecologia tem por base o conhecimento e metodologia para desenvolver uma agricultura sustentável nos campos ambiental, produtivo e social. A constituição de tais objetivos deve valorizar o conhecimento local e empírico dos agricultores, assim como, sua socialização e aplicação no desenvolvimento da agricultura agroecológica (Gliessman, 2001). O Projeto Dom Helder Camara da Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA), em colaboração com o Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (FIDA) e o Global Environment Facility (GEF), promove assessoria para o desenvolvimento social, econômico e ambiental de famílias agricultoras no semiárido brasileiro. Entre as ações desenvolvidas, destacam-se atividades de manejo da caatinga, associada à produção, conservação dos solos, e monitoramento de ganhos ambientais. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo avaliar a eficiência das práticas agroecológicas na conservação dos atributos do solo em área de manejo da Caatinga.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado em área de atuação do Projeto Dom Helder Camara entre os anos de 2009 e 2010 na Comunidade Quilombola Lagoa dos Prazeres, em São Raimundo Nonato, semiárido do Piauí. Foi selecionada uma área com manejo da caatinga com fins agroalimentares (referencial) de coordenadas geográficas S 05°22'01.5" e W 39°25' 20,5"; e uma área de caatinga não manejada (testemunha), de coordenadas geográficas W 42°46'21,5" e S 09°14'11.8".

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As áreas referencial e testemunha encontram-se na mesma comunidade, com condições semelhantes de declividade, aproximadamente 5%. O solo de ambas as áreas é classificado em Argissolo Vermelho Amarelo de textura argilosa, com bom estado de conservação. Na área referencial realizou-se o raleamento da vegetação arbórea e arbustiva, que favoreceram a abertura de espaço para introdução dos cultivos agroalimentares de milho (Zea mays), feijão de corda (Vigna Unguiculata), sorgo (Sorghum bicolor) e feijão guandu (Cajanus cajan); e enleiramento de garranchos em nível. Enquanto a área testemunha possui cobertura da caatinga semelhante à referencial, onde ocorrem práticas convencionais como o pastejo de animais e extração de produtos da caatinga, tais como madeira, lenha e estacas, entre outros. Foram realizadas coletas de amostras simples de solo indeformadas em cinco pontos georreferenciados, nas profundidades de 0-20 e de 20-40 cm. As análises foram de acordo com a metodologia prescrita pela Embrapa (1997). Os dados foram submetidos à análise de variância pelo teste F e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de significância.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na análise da qualidade do solo foram consideradas as variáveis químicas e físicas, comparando as áreas referencial e testemunha. A Tabela 1 mostra que o pH na área referencial tende a alcançar uma situação de equilíbrio entre os anos do estudo, com menor variação quando comparado à área testemunha. O pH ideal situa-se na faixa de 5,5 a 7,0 (USDA-ARS, 1998). Esse é um dos principais fatores atuantes na microbiota do solo, principalmente sobre os microrganismos nitrificadores, mais sensíveis e exigentes, cujo pH ideal se encontra próximo à faixa de neutralidade; as taxas de mineralização em solos ácidos são baixas, aumentando com a elevação do pH (Serrano, 1997).

Algumas pesquisas destacam que a matéria orgânica do solo é o melhor atributo para determinar sua qualidade (Tótola & Chaer, 2002), porém, em função da biota e dinâmica do solo, é importante avaliar seus teores associados à capacidade de troca de cátions, uma vez que esta variável se relaciona diretamente com os incrementos de matéria orgânica através do manejo da caatinga.

De acordo com a Tabela 1 , observa-se maior diminuição da MOS na profundidade de 0-20 cm da área referencial (35%) quando comparada à área testemunha (24%) entre 2009 e 2010. Já a

capacidade de troca de cátions aumentou na área referencial (74%) e diminuiu na área testemunha (28%). A associação destes resultados reflete o maior incremento de MOS na área sob manejo da caatinga. Desta forma, o processo de mineralização da MOS contribui para o aumento da CTC do solo, e consequentemente a elevação de nutrientes para as plantas. Porém, o efeito da matéria orgânica depende de seu manejo adequado. De acordo com Mello et al. (1989) sua distribuição no perfil do solo depende principalmente do modo pelo qual se adiciona o material orgânico. Em solos de florestas, por exemplo, a maior quantidade de matéria orgânica se encontra na superfície porque a contribuição da serrapilheira é maior que a das raízes; além disso, uma proporção razoável destas se localiza superficialmente. Nesse caso, o teor de matéria orgânica decresce bruscamente da camada superficial para a que está imediatamente abaixo.

As propriedades físicas e os processos do solo estão envolvidos no suporte ao crescimento radicular; armazenagem e suprimento de água e nutrientes, trocas gasosas e atividade biológica. A densidade do solo (Ds) é a propriedade física mais dinâmica e varia em função da textura, de acordo com as condições estruturais do solo, sendo alterada pelo cultivo, pela compressão de máquinas agrícolas, por animais e condições ambientais do meio (Arshad et al., 1996). Referente à Ds, os resultados na Tabela 1 demonstram relativa estabilidade entre as duas áreas avaliadas, talvez isso se justifique pelo grau de conservação do solo da área testemunha, que apresenta vegetação natural de caatinga.

O percentual de água disponível reflete as alterações na estrutura do solo em virtude das alterações do espaço poroso, que atua na retenção de água em potenciais mais elevados e, portanto, mais facilmente disponível às plantas (Tormena, et al., 1998). Conforme o resultado das análises na primeira camada, área onde se encontra a maior parte do sistema radicular das culturas nas primeiras fases de desenvolvimento, há uma tendência de aumento da água disponível na área referencial ao contrário do que pode se observar na área testemunha. Esse resultado demonstra o aumento da capacidade de manutenção da água como consequência da agregação do solo pela matéria orgânica. De acordo com a Tabela 2 , a MOS, CTC, Ds, água disponível e pH na profundidade 0–20 cm das áreas estudadas não apresentaram diferenças significativas, indicando que as disparidades numéricas foram ao acaso e não devido ao tratamento. Ainda é possível observar que os teores de MOS na superfície se aproximam, fundamental

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para a manutenção da capacidade produtiva do solo, visto que a área testemunha apresenta cobertura de mata nativa. Na profundidade 20-40 cm as médias da MOS nas áreas estudas foram diferentes estatisticamente a 5% de significância, refletindo que há aporte de MOS na superfície do solo através do manejo, se diferenciando da camada subseqüente.

CONCLUSÕES

O manejo da caatinga com fins agroalimentares,

associado às práticas de conservação do solo, proporcionou a manutenção da qualidade do solo, se aproximando dos atributos químicos e físicos da área testemunha, que por sua vez se encontra com vegetação natural conservada.

REFERÊNCIAS ARSHAD, M. A.; LOWERY, B.; GROSSMAN, B. Physical tests for monitoring soil quality, In: DORAN, J. W.; JONES, A. J. (Eds.). Methods for assessing soil quality. Madison: Soil Science Society, 1996. CHIANG, J.C.H.; KOUTAVAS, A. 2004. Tropical flip-flop connections. Nature 432: 684-685. DORAN, J. W.; PARKIN, T. B. Defining and assessing soil quality. In: DORAN, J. W.; COLEMAN, D. C.; BEZDICEK, D. F.; STEWART, B. A. (Eds.). Defining soil quality for a sustainable environment. Madison: Soil Science Society of America, 1994. p. 3-21. (SSSA special publication, 35). EMBRAPA, Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Manual de métodos de análise de solo . Rio de Janeiro, 1997. 212 p. GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001. KROL, M.S.; JAEGAR, A.; BRONSTERT, A.; KRYWKOW, J. 2001. The semiarid integrated model (SDIM), a regional integrated model assessing water availability, vulnerability of ecosystems and society in NE-Brazil. Physics and Chemistry of the Earth (B) 26: 529-533. MEDEIROS, S. de S. et al. Sinopse do Censo Demográfico para o Semiárido Brasileiro. Campina Grande: INSA, 2012. 103p. MELLO, F. A. F.; SOBRINHO, M. O. C. B.; ARZOLLA, S.; SILVEIRA, R. I.; NETTO, A. C.; KIEHL, J. C. Fertilidade do solo. Piracicaba, SP: Escola superior de agricultura “Luiz de Queiroz”, USP, 1989.

SERRANO, M.I.P. Mineralização, absorção e lixiviação de nitrogênio em povoamentos de Eucalyptus grands sob cultivo mínimo e intensivo do solo. Piracicaba: ESALQ, 1997. 86p. Dissertação de Mestrado. TORMENA, C. A.; ROLOFF, G.; SÁ, J. C. M. Propriedades físicas do solo sob plantio direto influenciadas por calagem, preparo inicial e tráfego. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO SOLO GOIÂNIA, 24., 1998, Goiânia – GO. TÓTOLA, M.R.; CHAER, G.M. Microrganismos e processos microbiológicos como indicadores da qualidade do solo . In: ALVAREZ, V. H.; SCHAEFER, C. E. G. R.; BARROS, N. F.; MELLO, L. W. V; COSTA, L. M. Tópicos em ciência do solo. v. 2. 1.Ed. Viçosa, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2002. p 196-275. USDA-ARS. Soil quality test kit guide. Washington, Soil Quality Institute, 1998. 82 p.

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Tabela 1 – Evolução da média e desvio-padrão das variáveis monitoradas em 2009 e 2010 nas áreas referencial e testemunha.

2009 2010 2009 2010

5,66 ± 0,87 5,30 ± 0,53 5,13 ± 0,29 4,81 ± 0,48

5,41 ± 0,05 5,3 ± 0,55 4,925 ± 0,31 4,78 ± 0,48

8,07 ± 2,46 14,07 ± 10,83 11,57 ± 3,23 8,3 ± 0,83

8,37 ± 5,25 9,95 ± 0,85 11,62 ± 3,63 9,18 ± 1,44

2,26 ± 0,82 1,45 ± 0,29 2,50 ± 0,69 1,89 ± 0,35

1,10 ± 0,48 1,01 ± 0,62 1,97 ± 0,30 1,63 ± 0,28

1,44 ± 0,12 1,51 ± 0,08 1,46 ± 0,07 1,43 ± 0,08

1,47 ± 0,05 1,52 ± 0,07 1,39 ± 1,19 1,41 ± 0,09

4,67 ± 1,73 7,39 ± 2,96 10,97 ± 3,96 8,98 ± 4,09

6,22 ± 1,92 10,87 ± 2,74 12,46 ± 3,55 10,96 ± 5,34

Matéria Orgânica (%)

TestemunhaVariáveis

pH0-20

20-40

CTC (Cmolc Kg-¹)0-20

ReferencialProfundidade

(cm)

20-40

0-20

20-40

Densidade do solo (g m-³)

Água disponível (%)

0-20

20-40

0-20

20-40

Tabela 2 – Teste de Tukey das médias de variáveis estudadas a 5 % de significância entre 2009 e 2010 nas áreas referencial e testemunha.

8,81ns

9,98ns

11,63ns

1,78a

1,48ns

1,50ns

1,45ns

1,40ns

6,03ns

5,48ns

5,35a

4,97ns

4,84b

11,07ns

9,25ns

9,93ns

10,27ns

1,86ns

1,05b

2,19ns

Densidade do solo (g m-³)

Água disponível (%)

0-20

20-40

0-20

20-40

20-40

0-20

CTC (Cmolc Kg-¹)0-20

20-40

Matéria Orgânica (%)

pH0-20

20-40

Profundidade

(cm)Referencial TestemunhaVariáveis

ns: não significativo; letras iguais nas linhas, as médias não diferem estatisticamente a 5% de significância.

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