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Anais II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR
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CONFLUÊNCIAS ENTRE IMAGEM E TEXTO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DAS ADAPTAÇÕES
EM QUADRINHOS DE O ALIENISTA
Marilda Queluz
mqueluz@gmail.com1
Patrícia Pirota
patriciapirota@hotmail.com2
Resumo: O presente estudo pretende compreender os conceitos de imagem e texto a partir de duas linguagens distintas: o conto e a história em quadrinhos (mais especificamente as adaptações literárias para os quadrinhos). Objetiva-se demonstrar que a imagem não é tão somente um objeto cuja significação é construída anteriormente ao julgamento do leitor; bem como desenvolver uma proposta de análise das adaptações literárias para os quadrinhos, baseada na teoria semiótica greimasiana. Para tanto, o conto O Alienista (ASSIS, 2007) e suas adaptações para os quadrinhos, da autoria de Cavalcanti (2008); Lobo e Aguiar (2008); Moon e Bá (2007); e Vilachã e Rodrigues (2007), serão utilizados como referencial interpretativo. Palavras-chave: O Alienista. Imagem. História em Quadrinhos. Abstract: This study aims to understand the concepts of image and text from two different languages: the shortstory and comics (especially the literary adaptations for comics). Aims to demonstrate that the image is not merely an object whose meaning is constructed prior to the trial of the reader, and develop a proposal for the analysis of literary adaptations for comics based on Greimas' semiotic theory. To this end, the story The Alien (ASSIS, 2007) and its adaptations for comics, written by Cavalcanti (2008), Lobo and Aguiar (2008), Moon and BA (2007), and Vilachã and Rodrigues (2007), will be used as reference in nature. Key words: O Alienista. Image. Comics.
1. INTRODUÇÃO
“Os sistemas culturais estão permanentemente em processo de construção, desconstrução
e reconstrução” (CUCHE 2002, p.143).
De acordo com Aumont (1995, p.197), “a imagem só existe para ser vista, por um
espectador historicamente definido [...], e até as imagens mais automáticas [...] são
produzidas de maneira deliberada, calculada, para certos efeitos sociais”. Partindo deste
pressuposto, pretende-se dissociar o conceito de imagem da suposição de que a mesma é
um dado “natural” e de compreensão nata do indivíduo; pois as representações e
1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Doutora em Semiótica e Comunicação. 2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Mestranda em Tecnologia e Sociedade. Bolsista da
Capes. 956
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significações sociais não são “dados naturais”, mas sim processos sociais historicamente
construídos.
Joly (2006, p.13) afirma que a imagem “indica algo que, embora nem sempre
remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo, depende
da produção de um sujeito: imaginário ou concreta, a imagem passa por alguém que a
produz ou reconhece”. Assim, não podemos considerar a imagem como um “símbolo”
anterior à presença humana; ao contrário, a imagem existe à medida em que é significada
pelo sujeito que está interagindo cultural e historicamente com a mesma. Segundo Aumont
(1995, p.204), “não há imagem puramente denotada que se contente em representar
desinteressadamente uma realidade desinteressada; ao contrário, toda imagem veicula
numerosas conotações provenientes do mecanismo de certos códigos (eles mesmos
submetidos a uma ideologia)”.
Para Laraia (2003, p.68), cada cultura é um tipo de lente através da qual se vê o
mundo. Segundo o autor, o modo de o indivíduo ver o mundo, tanto quanto as apreciações
de ordem moral e valorativa, e os diferentes comportamentos sociais são produtos de uma
herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura. Como
cultura podemos compreender “[...] a produção de fenômenos que contribuem, mediante
a representação [...] das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou
transformação do sistema social, ou seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e
instituições dedicadas à administração, renovação e reestruturação do sentido” (CANCLINI
1983, p.29).
Uma das problematizações que o presente estudo pretende fazer é quanto ao
“estatuto” atribuído à linguagem escrita em detrimento da linguagem visual. Embora à
linguagem escrita seja atribuído um certo “estatuto da verdade”, como se esta não fosse
passível de questionamentos ou dúvidas, não se pode desconsiderar que a mesma também
é uma construção social, e como tal é condicionada por suas características diacrônicas e
dialógicas, tanto quanto a linguagem visual.
Um texto não consiste simplesmente de um efeito de sentido geral, ou mesmo a soma de seus efeitos de sentidos no qual ele é gerado, mas sim de uma construção que parte de um mecanismo, cuja metodologia pode ser encontrada na sua estrutura interna profunda (CALABRESE 2004, p.159).
Considerando as características de ambas as linguagens (escrita e visual), podemos
classificá-las como textos, dentro da definição de Segre (1989, p.153), que afirma que
quando se fala do texto de uma obra, refere-se ao “tecido lingüístico do discurso que a
compõe”. Para ele, o texto não é apenas uma realidade física, mas antes um “conceito- 957
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limite”. Segundo Aumont (1995, p.250) “as imagens, visíveis de modo aparentemente
imediato e inato, nem por isso são compreendidas com facilidade, sobretudo de forem
produzidas em um contexto afastado do nosso (no espaço ou no tempo)”.
De acordo com Cirne (2000, p.176) deve-se olhar o texto como “o tecido
significante que atravessa o discurso artístico/literário, o tecido semiótico que faz da obra
o lugar de sua especificidade”. Desta forma, considerando o conto e a história em
quadrinhos3 como dois textos, e respeitando suas áreas e linguagens específicas, pretende-
se tecer algumas considerações à respeito de suas características próprias e de seu
variante híbrido4, que são as adaptações literárias para os quadrinhos.
2. LITERATURA, QUADRINHOS E ADAPTAÇÕES
“Percebe-se o movimento dialético que engloba a arte e a sociedade num vasto sistema
solidário de influências recíprocas” (CANDIDO 1967, p.28)
Para Casares, de acordo com Gotlib (2004, p.11), há três conceituações possíveis do
gênero conto: “1. relata um acontecimento; 2. narração oral ou escrita de um
acontecimento falso; 3. fábula eu se conta às crianças para diverti-las”. O ponto em
comum entre as três acepções apresentadas é o de que todas são um modo de se contar
algo, logo, podem ser consideradas narrativas. Para Brémond (1972 apud GOTLIB 2004,
p.11), “toda narrativa consiste em um discurso integrado numa sucessão de
acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação”. Ora, existem
vários modos de se construir esta “unidade de ação”; para Paz (2005, p.135) “a maneira
como nós estruturamos nossas vidas, nosso pensamento, baseia-se toda em montar
pequenas estruturas narrativas”. Já para Cortazar (1974 apud GOTLIB 2004:10), “[...] um
conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita
dessa vida travam uma batalha fraternal [...], e o resultado dessa batalha é o próprio
conto, uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como [...]
uma fugacidade numa permanência”.
Seria possível considerar, a partir das definições acima colocadas, que qualquer
narrativa pode ser classificada como conto; inclusive a narrativa da História em
Quadrinhos. No entanto, por fazer parte de uma linguagem específica (a literária), o conto
3 Escolhidos para representarem as formas interpretativas das linguagens aqui discutidas (visual e escrita). 4 Para uma melhor compreensão do conceito de “hibridismo” nos quadrinhos, conferir CANCLINI, Néstor
Garcia. Culturas Híbridas. Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1997 p. 336-345.
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literário possui suas particularidades. Nesta narrativa em específico, o que influi não é o
ato de contar algo, mas sim quem o faz e como o faz. Na narrativa literária, existe a
necessidade eterna da figura do narrador, sem o qual, o que poderia ser um conto, se
transforma em uma roda de histórias. Deve-se levar em conta esta especificação literária,
ao passo que também não se pode deixar de lado a especificação da história em
quadrinhos.
McCloud (2005, p.9) define histórias em quadrinhos5 como “imagens pictóricas e
outras justapostas em seqüência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou
produzir uma resposta no espectador”. Enquanto que para Cirne, os quadrinhos “são uma
narrativa gráfico visual, com suas particularidades próprias, a partir do agenciamento de,
no mínimo, duas imagens desenhadas que se relacionam” (2002, p.14). Eisner (2001, p.8),
afirma que os quadrinhos são uma “interação de palavra e imagem [...], uma hibridação
bem sucedida de ilustração e prosa”.
É insuficiente apenas afirmar que as adaptações em quadrinhos são um “conto com
figuras”. Ao mesmo tempo em que tal afirmação desconsidera a linguagem literária,
também o faz com a linguagem dos quadrinhos. Para Queluz (2005), “a releitura provoca
sempre novas reações, possibilita novas conexões entre história e linguagem” (2005,
p.128); as adaptações quadrinizadas são uma releitura da obra, e não apenas uma
transposição denotativa para uma outra linguagem. Tal releitura é um tipo de “tradução”
da obra, na qual estão presentes, não apenas as significações da obra referencial, mas
também as re-significações dadas pelos “tradutores” e seus respectivos leitores. Tal
tradução é utilizada “no sentido de deslocar-se no tempo e no espaço, redimensionando
graficamente as diferenças e semelhanças histórico-culturais” (QUELUZ 2005, p.128).
3. UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DAS ADAPTAÇÕES
“Ter a experiência duma obra não é recebê-la passivamente: é vivê-la, retomá-la, assumi-
la, reencontrando o sentido imanente” (1945 MERLEAU-PONTY apud OLIVEIRA 1995, p.106).
A repercussão da obra deve ser, de modo geral, aproximada de seu fazer, porque,
sociologicamente, ela só é considerada terminada a partir do momento “em que repercute
e atua, porque, sociologicamente, a arte é um sistema simbólico de comunicação inter-
humana” (CANDIDO 1967, p.25). Assim, pretende-se demonstrar o processo de construção
5 Definidas por Eisner (2001) como “arte seqüencial”; termo que se tornou a definição por excelência dos
quadrinhos. 959
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das re-significações das adaptações a partir da teoria semiótica, pois, segundo Oliveira
(1995, p.105),
esse o quê [...] [da obra] que o semioticista quer tornar visível são os processos de estruturação de seu todo a partir da apreensão das unidades pertinentes e da evidenciação do modo como essas são arranjadas na sua manifestação textual com o propósito de assinalar que é em função do aspecto formal da obra que sua significação é construída.
A seguir, será realizada uma proposta de análise das adaptações literárias para os
quadrinhos com base no conto O Alienista (ASSIS 2007). A escolha da passagem do conto (e
suas respectivas representações nas adaptações) se deu com base na capacidade do
excerto de fornecer material para uma compreensão tanto de conceitos abstratos quanto
da materialidade da obra; além de ser uma passagem significativa (sendo ela o desfecho da
obra) para que se possa demonstrar que, apesar de o referencial ser único, as releituras e
traduções foram distintas, assim como o são os atores (artistas e leitores).
Entre a obra e a releitura, muitas vezes não há proximidade gráfica, mas de efeito de sentido [...]. Retoma, aceita e questiona o ponto de vista do outro e acrescenta seu olhar. Através do conflito entre as diferenças e semelhanças se constrói o reconhecimento do primeiro no segundo, a presença do outro, tornando o texto ainda mais híbrido (QUELUZ 2005, p.129).
A escolha pelo viés de estudo deu-se com base no propósito da semiótica, que,
segundo Oliveira (1995, p.106), é “pela articulação de seus componentes [do espaço
pictórico], re-operar a sua significação”. De acordo com Queluz (2005, p.129), quando se
observa a obra a partir da intertextualidade, “o olhar não se fixa nem na obra nem na
releitura, transita, percebendo as relações de sentido serem construídas nas fronteiras”.
Desta forma, pretende-se compreender de que forma as imagens criadas no texto literário
foram re-apropriadas pelos artistas dos quadrinhos e transformadas em novas imagens,
com novos significados e re-interpretações.
De acordo com Oliveira (1995, p.108), os formandos pictóricos da imagem possuem em sua
natureza três dimensões: cromática (enquanto cor); eidética (enquanto forma) e
topológica (enquanto combinação das duas primeiras num determinado espaço). Tais
dimensões serão as bases para a análise realizada posteriormente, bem como a
classificação em categorias6, sendo esta baseada em um conjunto “estruturado pelas
oposições identificadoras dos formandos” (OLIVEIRA 1995, p.109), como a cor, a linha, o
movimento e o valor.
6 Para Hjelmslev (1966 apud OLIVEIRA 1995, p.109), categoria é “um conjunto de grandezas que pode ser
introduzido em locais específicos da cadeia”. 960
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A passagem selecionada do conto e as imagens recortadas das adaptações quadrinísticas
serão analisadas com relação às três dimensões propostas por Oliveira (1995), a saber:
cromática, eidética e topológica7 e suas respectivas categorias. Também serão utilizados
para a análise os conceitos e classificações da História em Quadrinhos. Pretende-se utilizar
ambas as áreas de modo conjunto, e não colocá-las em “caixas” intransponíveis, as quais
não podem se fundir e formar novos resultados.
3.1 Dimensão cromática
Na Figura 1, pode-se observar que os artistas utilizaram cores neutras, como
o preto e os tons de marrom, contrastando com o vermelho do vestido e dos acessórios da
personagem feminina. As cores neutras em tons escuros denotam um ambiente sóbrio, mais
carregado, enquanto que o vermelho confere dramaticidade à personagem que no último
requadro8 se põe em lágrimas, reforçando a idéia de drama. O uso das sombras projetadas
pelos candelabros também auxilia na idéia de ambiente privado e sério. Na Figura 2, a
única cor plana utilizada foi o verde (em referência ao nome do local, Casa Verde),
enquanto que no restante do requadro os artistas utilizaram um jogo de sombreamento
entre preto e cinza, dando a impressão de névoa e ambiente sombrio.
Na Figura 3 os tons utilizados pelo artista são opacos, numa mistura de cores planas
e tons neutros. Nesta página, o uso das cores não ser deu para reforçar nenhum tipo de
sentimento ou situação, tendo sido utilizados como “preenchimento” das formas. Pode-se
observar que, caso as cores fossem mais vivas, ou, diametralmente o oposto, o artista
tivesse trabalhado apenas como o jogo preto/branco, as formas e o ambiente poderiam ter
se tornado mais expressivos.
Na Figura 4 e 5 o tom utilizado foi o sépia, uma combinação de tons marrons e
neutros que dão a idéia de gasto, envelhecido, e, além disso, remete a documentos
antigos, atribuindo historicidade e respeitabilidade à imagem. Há também um jogo de luz
e sombra feito pelos artistas, contribuindo para a idéia de passagem do tempo, pois, ao
formarem-se sombras das construções e da personagem, pode-se chegar à conclusão de
que o período do dia em que a cena se passa é o entardecer, no qual, enquanto o sol se
põe, as sombras se fazem mais alongadas, e há um certo ar de melancolia.
Nas Figuras 5 e 6 os artistas trabalharam com cores planas, como o amarelo e o verde, que
detêm a atenção do leitor na forma da imagem, e não no conteúdo. Além disso, não há um
7 Deve-se observar que a dimensão topológica está “diluída” nas duas outras dimensões, portanto não será
realizado um tópico específico para ela. 8 Para Eisner (2001, p.44), o requadro possui a função de moldura dentro da qual se colocam objetos e ações
nos quadrinhos; além de poder ser utilizado “como parte da linguagem 'não verbal' da arte seqüencial”. 961
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jogo de sombras, fazendo com que a imagem pareça “rasa”, sem profundidade. Neste
caso, o uso de cores mais vivas, combinadas a um sombreamento, como na Figura 1,
poderia conferir mais energia às imagens, e, conseqüentemente, uma maior atenção por
parte do leitor.
3.2 Dimensão eidética 3.2.1 O Requadro
Na Figura 1, o primeiro e o terceiro requadros são maiores em largura e
altura do que o segundo, o que denota que a cena que se passa neles ou é de maior
duração (no caso do primeiro), ou é de maior carga sentimental9 (no caso do terceiro). Os
requadros são perfeitamente retangulares, sem nenhum tipo de ondulação ou outro tipo de
efeito que pudesse agregar algum valor expressivo à cena. Já na Figura 2, não há nenhuma
demarcação de requadro, ou seja, a cena se estende por toda a página, dando a impressão
de que ela também se estende para fora da página, aumentando, assim, o espaço e o
tempo.
Na Figura 3, os autores “espremeram” o tempo, que em outras figuras, como as
Figuras 4 e 5, fora alongado. A sensação que se tem ao observar tantos fatos em tão poucos
requadros é de que o tempo passa rápido por demais, ou então que se está perdendo
alguma informação. O fato de haver mais informações escritas do que visuais na página
também contribui para o fato de a mesma parecer não dizer tudo aquilo que se propõe a
dizer, ou que o leitor gostaria que fosse dito.
Na Figura 4, os dois primeiros requadros são longos, ampliam o espaço de contato
visual, fazem com que o lugar pareça maior, assim como o tempo fique mais “arrastado”.
Na Figura 5, o segundo requadro é mais estreito e mais largo que os demais, passando a
impressão de que em seu espaço cabe apenas um passo, impressão essa reforçada pelo
foco nos pés do personagem.
Na Figura 6, os requadros são pequenos, concentrando, em sua maioria, apenas as
pessoas, e não o ambiente. Enquanto que na Figura 7, os requadros aumentam
progressivamente, até que o requadro final, o maior de todos, comporta apenas a
representação da materialidade: o busto do personagem, seu túmulo e a representação
espacial do cemitério, sem a presença de indivíduos.
9 Esta é possível graças à combinação de tipo de requadro e enquadramento.
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3.2.2 O Enquadramento10
Na Figura 1, no primeiro requadro, bem como na Figura 2, o enquadramento é
panorâmico, dando uma idéia geral do ambiente, distanciando o leitor da cena, não o
envolvendo emocionalmente; já no terceiro requadro, dá-se um close up11 na expressão da
personagem feminina, acentuando assim seus sentimentos e envolvendo o leitor na
situação.
Nas Figuras 3 e 6, os enquadramentos são todos em close up, só que nestas páginas
o efeito é contrário ao do terceiro requadro da Figura 1; ao invés de aproximar o leitor da
cena, convidando-o a “sentir” junto com os personagens, o enquadramento das Figuras 3 e
6 aproxima demais os “olhos” do leitor, dando uma certa angústia de não ver além daquele
recorte, como se o leitor estivesse olhando por um pequeno “olho mágico”.
Na Figura 5, o enquadramento pode ser considerado como subjetivo (ECO 1970),
através do qual o olhar do “narrador” (que condiciona o do leitor) se posiciona de modo a
aproximar o espectador de determinados aspectos da cena, como no segundo e terceiro
requadros, quando estão em destaque o rosto “doído” de D. Evarista, e apenas os pés de
Dr. Bacamarte. Desta forma, assim como na Figura 1, o narrador convida o leitor a
participar emocionalmente da cena, colocando-o mais próximo dos personagens; ao
contrário do que acontece no segundo requadro da Figura 4, em que a posição panorâmica
do “olhar” do narrador faz com que haja um certo distanciamento das ações do
personagem.
3.3 A re-significação do discurso
Para Calabrese (2004, p.162), a intertextualidade é, em semiótica, o princípio
específico da coerência textual, sendo utilizada para “definir o conjunto de repertórios
presumidos do leitor referidos quase sempre de modo explícito no texto com maior ou
menor intensidade”. Procurou-se, nos itens anteriores, compreender de que forma essa
intertextualidade entre conto e quadrinhos foi construída pelas mãos dos artistas das
adaptações.
Em suas representações do conto, os quadrinistas buscaram, cada um a partir de
sua própria experiência enquanto indivíduos culturalmente constituídos, re-significar o
10 Primordialmente parte de uma linguagem cinematográfica, o termo foi utilizado pela primeira vez para a análise dos quadrinhos por Eco (1970). Eisner (2001, p.38-39), afirma que o limite da visão periférica do olho humano está intimamente ligado ao quadrinho que o quadrinista utiliza para capturar um fluxo de ação, assim, a função do enquadramento é de vital importância para a narrativa dos quadrinhos. 11 Tipo de movimento da câmera de cinema (ou, no caso dos quadrinhos, da narrativa) que aproxima a lente
de um objeto ou pessoa em específico. 963
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referencial dado pelo autor. Enquanto alguns artistas deram maior ênfase à estrutura
narrativa do espaço, tornando-o o personagem principal, como no caso das Figuras 4, 5 e
7, outros, como nas Figuras 1, 3 e 6, preferiram dar maior valor à caracterização das
personagens e do discurso verbal.
Apesar das escolhas realizadas por cada artista para a representação do referencial
(o conto), há uma característica em comum entre eles (exceto os autores das Figuras 1 e
2): todos utilizaram a palavra fim no desfecho de suas narrativas. Geralmente utilizada em
livros de contos de fadas ou em estórias orais, a palavra fim, utilizada para dar término a
uma narrativa, pode denotar o fato de que os artistas quiseram agregar às suas narrativas o
status de “popular”, ou de imaginação, mesmo embora tenham, através de seus traços e
de seus personagens figurativamente representados12, intentado fazer de sua
representação pictórica a mais próxima possível da “realidade”13.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Se acreditarmos na representação estamos fatalmente condenados à mentira; se não acreditarmos
na representação estamos fatalmente condenados ao segredo” (CALABRESE 2004, p.187)
O recorte que este estudo se propôs a fazer é parte de um todo muito mais amplo,
pois o campo das re-significações da imagem cresce proporcionalmente ao
desenvolvimento das técnicas e das culturas nas quais esse conceito é, diariamente,
(re)construído. Como afirma Oliveira (1995, p.105) “o todo não é a soma das partes: é algo
mais”; se pretendeu nesta breve problematização compreender e demonstrar de que
forma a relação entre o indivíduo, suas representações e sua cultura são social e
historicamente construídas, e quais são os possíveis desdobramentos e interpretações
disto.
Espera-se que os questionamentos propostos possam ter continuidade, a fim de que
se possa pensar não apenas as categorias aqui propostas de modo isolado, mas também, de
um modo mais abrangente, a relação destas categorias com a estrutura do conto; bem
como outras instâncias sociais que aqui não puderam ser problematizadas (devido à
brevidade do espaço), como a econômica e a política.
12 Claro que, aqui, a noção de figurativo utilizada nas artes plásticas não pode ser totalmente utilizada, visto estarmos tratando de uma linguagem representativa própria dos quadrinhos. 13 “A realidade pode ser percebida somente através de um espelho deformante e a pintura não é nada mais do que uma máscara, que para que se conheça a verdade é preciso enxergar além dela” (CALABRESE 2004, p.171).
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I - LOBO, Cesar. O Alienista / [baseado no original de] Machado de Assis; adaptado por
César Lobo, arte; Luiz Antonio Aguiar, roteiro. São Paulo: Ática, 2008 p. 65-66.
FIGURA 1
FIGURA 2
II - VILACHÃ, Francisco S.; RODRIGUES, Fernando A.A. O Alienista (Coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos). São Paulo: Escala Educacional, 2007 p.58.
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FIGURA 3
MOON, Fábio; BÁ, Gabriel. Grandes Clássicos em Graphic Novel: O Alienista-Machado de
Assis. Rio de Janeiro: Agir, 2007 p.69-70.
FIGURA 4
FIGURA 5
CAVALCANTI, Lailson de Holanda. O Alienista/Machado de Assis. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008 p. 53-54.
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