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Francisco Carlos Duarte
Panptica, ano 1, n. 8, maio junho 2007
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SMULAS VINCULANTES E O FEDERALISMO JUDICIAL.
Francisco Carlos Duarte
Ps-doutor em direito pela Universit degli studi di Lecce, Itlia, e pela Universidad de Granada, Espanha; Doutor
pela UFSC/Universit degli studi di Lecce; Professor titular dos cursos de graduao, especializao, mestrado e
doutorado em direito da PUC-PR; Pesquisador do CNPq. SUMRIO: 1. Introduo 2. O contexto social da reestruturao e reforma do sistema de administrao e gesto da justia 3. A smula vinculante e o princpio federativo judicial. 4. Concluses 5. Referncias bibliogrficas. 1. INTRODUO.
No contexto de crise paradigmtica, novos conceitos surgiram ainda como
parte integrante do arcabouo da modernidade; entre eles, um dos mais
significativos o de reforma. Tanto no sistema social como, particularmente,
no sistema do direito, tudo precisa ser reformado: Constituio, cdigos, leis,
decretos, Poder Judicirio, Administrao Pblica etc. Isto , cada segmento de
referenciais discursivos precisa de uma nova forma, ou seja, de uma re-
forma, para tentar adequar-se complexidade sistmica contempornea1.
Na realidade, reformar significa realizar alteraes em algo existente como
forma de adequ-lo s necessidades demandantes do contexto em que opera.
Reformar as formas implica dar nova forma s formas.
1 Sobre esse tema, consultar: DUARTE, Francisco Carlos. Reforma do Judicirio, v. 2. Curitiba: Juru, 2002.. Reforma Poltica. Curitiba: Juru, 2003. Justia & deciso: teoria da deciso judicial, v.1. Curitiba: Juru, 2001. Comentrios emenda constitucional 45/2004. Os novos parmetros do Processo Civil no Direito Brasileiro. Curitiba: Juru, 2005.
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A reforma ou nova forma, que nos ocupa atualmente, refere-se aos debates
atuais da comunidade jurdica que trazem tona duas questes primordiais: a
necessidade de o Estado assegurar o acesso justia a todos, (entendendo-
se este acesso no somente o direito de propor uma ao e obter uma deciso,
mas sim obter uma deciso em um tempo razovel), e a imperiosidade de
amparar o Poder Judicirio por uma organizao material voltada a propiciar a
realizao mais efetiva da tutela dos direitos. Esta efetividade correlata aos
termos celeridade e segurana.
Posto isso, aps treze anos, a Reforma do Poder Judicirio, introduzida pela
Emenda n. 45/2004, encontra-se como ncleo central de dvida e esperana a
toda a comunidade jurdica brasileira. Ante a explcita demanda social sobre o
tempo processual nos Tribunais, busca-se dar certeza na prestao funcional
do sistema com a adoo de diversas medidas capazes de garantir o tempo
razovel processual, entre elas, destaco a adoo do dispositivo da smula
vinculante.
A certeza e a segurana na Justia apresentam-se como justificativas
legitimantes no interior de toda reforma. A globalizao da economia fator
que no se pode descartar como outro fundamento desta Reforma, j que
certo que os investidores teriam mais interesse no mercado brasileiro se
houvesse maior estabilidade da Justia. Nesse contexto, a reforma
constitucional institui princpios que constituem aspiraes polticas as quais
podero ter repercusso na realidade jurdica social e econmica. O mau
funcionamento do Judicirio devastador para a economia, sendo a incerteza
jurdica um obstculo para a formao de um mercado de crdito de longo
prazo no Brasil, algo essencial para o crescimento econmico.
A Justia necessita ser mais veloz, a presso do tempo fez com que diversas
reformas fossem introduzidas no nosso sistema processual vigente e agora foi,
a nosso ver, o alicerce das alteraes ora inseridas na Constituio Federal.
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No entanto, pretende-se interrogar a poltica de reforma do poder judicirio,
sobretudo a possibilidade de adoo da smula vinculante pelo STF luz do
princpio do federalismo judicial. Para tanto, sero usados dois discursos: um
sociolgico, para contextualizar ideologicamente a reforma e outro de carter
dogmtico, para comentar os limites constitucionais das competncias judiciais
da Unio. Assim, a hiptese que se parte consiste em saber se a nova
competncia judicial atribuda ao Supremo Tribunal Federal para formalizar
smulas vinculantes viola o princpio federativo. Isto porque, essa nova
competncia judicial da Unio pode interferir na competncia judicial dos
Estados-membros.
2. O CONTEXTO SOCIAL DA REESTRUTURAO E REFORMA
DO SISTEMA DE ADMINISTRAO E GESTO DA JUSTIA.
Diversas investigaes cientficas identificaram um conjunto de problemas
concorrentes para a lentido e ineficincia do sistema judicial brasileiro. Dentre
eles, destaca-se a insuficincia de infra-estruturas judicirias e de recursos
humanos; o aumento considervel de conflitos jurdicos resultantes da
evoluo do sistema jurdico; a crescente complexidade dos casos, quer no
mbito da justia civil, quer no mbito da justia penal; a falta de recursos
financeiros; a excessiva burocratizao dos procedimentos judiciais; legislao
processual pouco flexvel; a opacidade judicial; os elevados nveis de
desperdcios e disfuncionalidades resultantes de uma estrutura burocrtica, etc.
Desde o comeo da dcada de 90, que o movimento global pela poltica de
restruturao e reforma do sistema de administrao e gesto da justia tem
adquirido imensa visibilidade social. Nesse sentido, o Banco Mundial tem
demonstrado um crescente interesse na poltica de restruturao e reforma dos
sistemas judiciais dos pases perifricos, como o Brasil. Como reconhece,
alis, o prprio Pacto de Estado em favor de um judicirio mais rpido e
republicano, subscrito em 15 de dezembro de 2004, pelos Presidentes da
Repblica, do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal e da Cmara dos
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Deputados: Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante
aos diagnsticos quanto a questo judiciria. A morosidade dos processos
judiciais e a baixa eficcia de suas decises retardam o desenvolvimento
nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplncia, geram
impunidade e solapam a crena dos cidados no regime democrtico2.
No entanto, paradoxalmente o diagnostico realizado por tal Pacto de Estado
em favor de um judicirio mais rpido e republicano, no sentido de que a
reforma viabilizada pela Emenda 45 essencialmente procedimental, uma vez
que no incluiu a questo nuclear da Justia brasileira: o respeito e a proteo
aos direitos de propriedade, como fundamento da sociedade civil e elemento
necessrio ao crescimento econmico e a reduo da pobreza.
3. A SMULA VINCULANTE E O PRINCPIO FEDERATIVO
JUDICIAL.
O art. 2 A Constituio Federal passou a vigorar acrescida dos seguintes arts.
103-A3, 103-B, 111-A e 130-A.
A Smula vinculante um dos temas mais controvertidos e debatidos da
Reforma Constitucional que introduziu a Emenda 45/2004. Aps muitas
2 Publicado no D.O.U. em 16 de dezembro de 2004, seo I, pg. 8. 3 Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poder, de ofcio ou por provocao, mediante deciso de dois teros dos seus membros, aps reiteradas decises sobre matria constitucional, aprovar smula que, a partir de sua publicao na imprensa oficial, ter efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder sua reviso ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 1 A smula ter por objetivo a validade, a interpretao e a eficcia de normas determinadas, acerca das quais haja controvrsia atual entre rgos judicirios ou entre esses e a administrao pblica que acarrete grave insegurana jurdica e relevante multiplicao de processos sobre questo idntica. 2 Sem prejuzo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovao, reviso ou cancelamento de smula poder ser provocada por aqueles que podem propor a ao direta de inconstitucionalidade. 3 Do ato administrativo ou deciso judicial que contrariar a smula aplicvel ou que indevidamente a aplicar, caber reclamao ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anular o ato administrativo ou cassar a deciso judicial reclamada, e determinar que outra seja proferida com ou sem a aplicao da smula, conforme o caso.
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opinies favorveis e contrrias4 (o que definitivamente legtimo numa
democracia participativa), agora norma constitucional: o Supremo Tribunal
Federal, depois de reiteradas decises sobre matria constitucional5 poder
aprovar smula com efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder
Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, cuja maior contribuio ser feita para dar efetividade ao
princpio do direito razovel durao do processo.
Como disposto, cumpre frisar que a smula vincular tambm Administrao
Pblica. A partir de agora, a Administrao Pblica direta e indireta, nos trs
nveis de governo devero obedecer as decises que forem objeto de smula.
Se o Supremo Tribunal Federal, rgo supremo do Poder Judicirio,
constitucionalmente competente para interpretar a Constituio Federal, revela
a interpretao correta de um dispositivo constitucional no seria razovel que
qualquer outro rgo do Estado brasileiro, seja judicial ou administrativo,
apresente outra interpretao ou venha decidir em sentido contrrio6.
O ideal era no haver smula vinculante, porm, com o atual estgio do
judicirio brasileiro, uma das solues para o STF cumprir sua misso
constitucional7. A verdade que, contra a utpica corrente de que cada ao
4 So favorveis smula vinculante: Cndido Rangel Dinamarco, Luis Guilherme Marinoni, Min. Edson Vidigal, Min. Nilson Naves, Min. Francisco Fausto, J.J Calmon de Passos, Teresa Arruda Alvim Wambier, Luis Rodrigues Wambier, Jos Miguel Garcia Medina, Rodolfo de Camargo Mancuso. Com opinio contrria: Lnio Streck, Clito Fornaciali Jr., Min. Marco Aurlio Mello, Luiz Flvio Gomes, Antnio F. lvares da Silva, Silvio Nazareno da Costa e Carmem Lcia Antunes Rocha. PENA, Eduardo Chemale. A reforma do Judicirio: a polmica em torno da colocao das smulas vinculantes e a soluo oferecida pelas smulas impeditivas de recursos. Revista de Processo, So Paulo, ano 30, fev/2005, p. 77/78. 5 Como observa Marco Antonio Botto Muscari: com a responsabilidade do cargo que ocupam e a prudncia que os tem caracterizado, podemos supor que os integrantes do Supremo Tribunal Federal no iro conferir eficcia vinculante a uma primeira deciso de mrito sobre dado tema, aguardando um debate profundo, com a participao de toda a comunidade jurdica. A partir da, quando houver jurisprudncia sedimentada na Corte, ter lugar o efeito vinculante. apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergncia Jurisprudencial e Smula vinculante. So Paulo: editora RT, 2002, p. 328. 6 SILVA. Bruno Mattos. A Smula Vinculante para a administrao pblica aprovada pela Reforma do Poder Judicirio. Revista Bonijuris. Curitiba: v. 17, n. 496, maro 2005, p. 14. 7 Calmon de Passos Acredito estejamos caminhando para o processo como instrumento poltico de participao. A democratizao do Estado alou o processo condio de garantia constitucional; a democratizao da sociedade f-lo- instrumento de atuao poltica. No se cuida de retirar do processo sua feio de garantia constitucional, e sim, faz-lo ultrapassar os
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ou recurso deveria ser julgado isoladamente, atendendo-se para eventuais
circunstncias particulares de cada caso, encontramos a tormentosa realidade
do abarrotamento dos tribunais8. Por bvio que a aplicao do efeito vinculante
no ter o condo de isoladamente, resolver todas dificuldades e carncias que
comprometem a prestao jurisdicional adequada e tempestiva, mas a eficcia
vinculante vem a ser considerada como um passo, talvez uma importante
vitria para solucionar o problema das demandas mltiplas que sobrecarregam
a estrutura do judicirio9.
A smula vinculante representa uma necessidade da Justia brasileira nos
tempos que correm. Como aduz Cndido Rangel Dinamarco10: todos so
unnimes em proclamar que a justia est abarrotada e lenta, que as lides
repetitivas muitas vezes recebem tratamentos desiguais e trazem o serssimo
mal da quebra da equidade, situao que desgasta o Poder Judicirio e
prejudica o universo de consumidores da justia, mas, paradoxalmente a tudo
isto, essa mesma coletividade de profissionais crticos do sistema vem
adotando uma postura de reao inovao agora introduzida.
importante assinalar, antes de tudo, que a Emenda no suprimiu a
competncia do Supremo Tribunal Federal para prosseguir editando smulas
da sua jurisprudncia como sempre fez. A smula vinculante ser uma
categoria especial da smula para cuja elaborao a Corte continuar livre, e
agir segundo os dispositivos de seu regimento interno11.
limites da tutela dos direitos individuais, como hoje conceituados. Cumpre proteger-se o indivduo e as coletividades no s do agir contra legem do Estado e dos particulares, mas de atribuir a ambos o poder de provocar o agir do Estado e dos particulares no sentido de se efetivarem os objetivos politicamente definidos pela comunidade. Despe-se o processo de sua condio de meio para realizao de direitos j formulados e transforma-se ele em instrumento de formulao e realizao dos direitos. Misto de atividade criadora e aplicadora do direito, ao mesmo tempo Democracia, participao e processo. In: Participao e Processo, p. 95. 8 BERMUDES, Srgio. A Reforma do Poder Judicirio pela emenda Constitucional n. 45, p. 115. 9 MANCUSO, Rodolfo. Smula vinculante, p. 718. 10 DINAMARCO, Cndido Rangel. As Smulas Vinculantes, p. 65. 11 BERMUDES, Srgio. A Reforma do Poder Judicirio pela emenda Constitucional n. 45, p. 117.
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A Smula de que trata o art. 103-A uma proposio, um resumo. No Supremo
Tribunal Federal, denomina-se smula o conjunto de proposies numeradas
que resumem a jurisprudncia da Corte sobre diferentes matrias. Cada um
destes enunciados considerado smula. bvio que a vinculante seguir o
mesmo padro das smulas anteriormente editadas, se diferenciando das
normais pela obrigatoriedade de votao de 2/03 dos membros do STF e
outros requisitos elencados no art. 103-A da Constituio Federal.
Com relao s atuais smulas do Supremo Tribunal Federal, cumpre
esclarecer que o art. 8 da Emenda Constitucional n. 45/2004 prescreve: As
atuais smulas do Supremo Tribunal Federal somente produziro efeito
vinculante aps sua confirmao por dois teros de seus integrantes e
publicao na imprensa oficial. As smulas j editadas, que no possuem o
efeito vinculante, se aprovadas por oito dos onze ministros do STF e
publicadas, tero a eficcia vinculante. Destarte, nada impede que o Supremo
Tribunal Federal transforme em vinculantes as smulas da sua jurisprudncia
sobre matria constitucional j publicada12.
A utilidade maior que se pode alcanar com a adoo da smula vinculante a
da realizao do binmio justia/certeza, o qual constitui fundamento do prprio
Direito e finalidade da atividade judiciria do Estado13. Como assinala Rodolfo
Mancuso, se no foi para eliminar a incerteza, e se no houver uma razovel
previsibilidade no julgamento, a partir dos parmetros que o prprio Direito
oferece, ento no se compreende a existncia do to vasto ordenamento
jurdico, nem tampouco se justifica a manuteno do dispendioso organismo
12 BERMUDES, Srgio. A Reforma do Poder Judicirio pela emenda Constitucional n. 45, p. 120. 13 A pacificao social , indiscutivelmente, o objetivo principal da cincia do Direito, que, atravs de suas normas substantivas e adjetivas, regula a conduta do indivduo, enquanto membro de uma sociedade organizada, prevenindo a instaurao de conflitos de interesses e, obviamente, tutelando aqueles interesses conformes e harmnicos ao ordenamento jurdico vigente. A morosidade na prestao jurisdicional e o prprio surgimento de novas e importantssimas categorias de direito geraram novas necessidades que no podem ser desprezadas e ignoradas pelos operadores do Direito, reclamando, por este vis, a criao, pela sociedade, de novos instrumentos processuais capazes de satisfazer seus anseios e esta a funo agora da smula vinculante.
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judicirio do Estado.14 Ademais, poderia se afirmar que esse binmio
justia/ certeza que imprime legitimidade funo do Poder Judicirio15.
Observando algumas pesquisas, possvel notar que em 1998, o STF recebeu
18.000 processos; em 2000, 105.000 processos e, em 2002, cerca de 160.000
processos. No ano de 2003, cada Ministro do STF, em mdia, chegou a julgar
9.000 processos. E, aqui, devemos concordar que um absurdo imaginar que
um ser humano, sozinho, consiga vencer a falibilidade e julgar tudo isso16.
Interessante o depoimento de Jos Augusto Delgado, ex-Ministro do STJ:
Outrora, talvez influenciado pelo ardor da mocidade e ainda querendo vibrar
com as tertlias acadmicas, cheguei a brigar muito contra a smula
vinculante. Mas quando, comecei a viver com 4.000 processos recebidos, por
ms, no STJ; 4.000 processos recebidos por ano, no TRF, eu mudei
completamente de opinio. Os fatos esto a demonstrar, de modo inequvoco,
que mais de 80% das questes apresentadas ao foro, e resistidas pela
Administrao Pblica, so decises maturadas e meditadas. Observa-se que
a resistncia adotada pela Administrao Pblica, tem sentido nico de
procrastinar a soluo do feito, ou melhor, resolver problema de caixa, criando
apenas entraves entrega da boa prestao qual o cidado tem direito.17
Se fizssemos uma pesquisa com os juzes sobre a questo da smula
vinculante, temos certeza que a maioria destes se posicionam favoravelmente
a adoo do efeito vinculante, pois so eles que se deparam com milhares de
processos idnticos e possuem o dever de argumentar exaustivamente em
14 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergncia Jurisprudencial e Smula vinculante. So Paulo: editora RT, 2002, p. 351. 15 DALLARI, Dalmo. O poder dos juzes. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 63-64. Em posio contrria smula vinculante: Esse argumento contm uma distoro grave, pois demonstra que se pretende suprir com fora a falta de autoridade. De fato, obrigar Juzes e tribunais a decidirem acolhendo plena e automaticamente as decises do Supremo Tribunal, mesmo quando estiverem convencidos que estas decises forem erradas e injustas, negar a prpria razo de ser do Poder Judicirio. 16 PDUA CERQUEIRA Thales Tcito Pontes Luz de. A Reforma do Judicirio e a Caixa de Pandora parte II. Jornal Sntese n 95 - Jan/2005, p. 3. 17 DELGADO, Jos Augusto. A smula vinculante e a Administrao Pblica. Boletim de Direito Administrativo, no. 6, junho 1998, p. 357.
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toda a motivao destes feitos iguais. Seria muito mais proveitoso se estes
juzes pudessem se concentrar mais sobre processos no homogneos que
clamam por uma justia adequada, especial e clere.
Com a sua aplicao, os magistrados de primeiro grau sero beneficiados, j
que os feitos mais repetitivos sequer sero objeto de anlise, sob pena de
haver extino do processo por impossibilidade jurdica do pedido quando este
for contrrio ao entendimento sumulado18. Poderamos citar como exemplo, a
seguinte situao: se uma smula estabelea que descabe a repetio de
indbito de um certo tributo. Isso influenciar na conduta dos contribuintes cuja
situao fiscal ali se enquadra, os quais, conseqentemente ficaro
desestimulados a ajuizar aes, porque suas pretenses teriam desde logo
contra si o enunciado da smula.
Importa considerar tambm que a smula com efeito vinculante no tem
somente o objetivo de desafogar os tribunais superiores. Como todos sabem, o
mau congestionamento judicirio no reside exclusivamente no Supremo
Tribunal de Federal e Superior Tribunal de Justia. Existem atualmente cerca
de 2.500.000 processos pendentes nas diversas instncias da nossa justia19.
Convm deixar claro que as smulas sempre existiram em nosso pas e eram
tidas somente como fontes secundrias do Direito. Tem-se que a Emenda
Constitucional criou no a smula, mas trouxe a possibilidade delas se
revestirem de carter vinculante, a partir do voto de 2/3 dos membros do
Supremo Tribunal Federal, impondo seu atendimento aos demais rgos do
Poder Judicirio e Administrao Pblica direta e indireta nas esferas federal,
estadual e municipal.
18LAMY, Eduardo de Avelar. Smula Vinculante: um desafio. Revista de Processo, So Paulo, ano 30, fev/2005, p. 129. 19 DINAMARCO, Cndido Rangel. Smulas Vinculantes, p. 52.
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O que ocorre, que h uma mudana no paradigma do direito brasileiro, que
agora no ter mais a lei como nica fonte primria do direito20, mas tambm a
Smula; o direito no vai ser mais s o que estiver descrito na lei, vai ser
igualmente, aquilo que os Tribunais afirmarem21. Desta forma, a alterao da
forma procedimental de ativao das smulas vinculantes significa tambm a
mudana de uma das formas de produo do Direito, e, portanto, implica uma
transformao na funcionalidade estrutural do sistema22.
Com o mecanismo da smula em anlise, o modelo de Estado de direito
brasileiro ser sui generis, pois ningum ser obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa seno em virtude da lei ou de smula vinculante.
Parece-nos, ento, que a jurisprudncia sumulada ter importncia tal qual a
lei, assim como afirma Eduardo de Avelar Lamy23. O autor afirma que com isso
no suprime o princpio da legalidade, uma vez que o direito no constitudo
pela lei; sendo que a doutrina e a jurisprudncia tambm constituem fontes que
necessitam ser respeitadas.
Niklas Luhmann24, relata que no podemos negar o fato de que os programas
(normas) do sistema jurdico no podem determinar completamente as
decises dos tribunais. Os Tribunais devem, queiram ou no e independente
da existncia ou no existncia de uma motivao em termos e poltica jurdica,
20 A fonte formal principal do Direito nos pases como o nosso, filiados vertente romanstica a lei. A Lei a principal fonte formal do Direito. Ou, como se costuma dizer, uma forma de expresso do Direito, porque , atravs dela, que a sociedade politicamente organizada prescreve e revela as normas de conduta a serem observadas por todos. Para muitos, a jurisprudncia no era e nem pode ser considerada fonte, visto que ato no emanado do poder legislativo, e tem como fundamento a regra legal e no a deciso judiciria em si mesma, sendo que a consulta jurisprudncia constitui elemento informativo que mantm a norma atualizada. 21 O conceito de jurisprudncia - h que se reservar esse termo para significar, basicamente, uma sucesso de acrdos consonantes, sobre um mesmo tema, prolatados em modo reiterado e constante, por rgo jurisdicional colegiado, num mesmo foro ou Justia. 22 Independentemente da postura com que se compreendam as fontes do Direito, o certo que no atual estgio da complexidade social no se pode negar a capacidade dos tribunais na alocao de decises necessrias que vo alm da hermenutica literal do referente legislado. 23 LAMY, Eduardo de Avelar. Smula Vinculante: um desafio. Revista de Processo, So Paulo, ano 30, fev/2005, p. 122. 24 LUHMANN, Niklas. A posio dos Tribunais no sistema jurdico. Revista Bonijuris.
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interpretar, construir e se for o caso, distinguir os casos para que possam
formular novas regras de deciso e test-las quanto a sua consistncia frente
ao direito vigente.
Cumpre observar que no mbito da Justia trabalhista, o Poder Judicirio j
exercia poder normativo, e no entanto, esta atividade no era alvo de tantas
crticas e debates como agora sucede com a adoo de smulas vinculantes25.
Deste modo, mesmo antes que se cogitasse o advento da smula vinculante, j
era possvel notar que, na prtica estas j operavam em modo impositivo, isso
por vrias razes como explica Rodolfo Mancuso: a) pela lgica do sistema,
no faria sentido a extrao de um enunciado de uma Corte Superior se no
fosse servir como um guia, como uma segura diretriz para as demais
instncias; b) a smula apresenta, uma estrutura semelhante da norma legal
(enunciado abstrato, genrico e impessoal), no dispensando assim, o labor
interpretativo para a subseqente subsuno aos casos concretos; c) o
reconhecimento da obrigatoriedade da smula no atrita com o princpio da
reserva legal, j que, em ltima anlise, na Constituio, nas leis e nos
regimento internos que vm previstos e disciplinados os Tribunais, sendo as
smulas o produto final potencializado, de sua atividade precpua, de dizer o
direito26.
Constituindo o Supremo Tribunal Federal a maior autoridade da justia
brasileira e sendo suas decises, conseqentemente irreformveis por outro
Tribunal, no h como achar adequado que juzes de primeiro grau e de outros
Tribunais julgarem ao contrrio das proposies constantes na smula, mesmo
quando esta no possua ainda o carter vinculante. Em face da autoriedade
que a Constituio outorga ao Supremo Tribunal Federal no dar fora de lei
25 WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, Jos Miguel Garcia. Breves Comentrios Nova Sistemtica Processual Civil: emenda constitucional 45/2004; Lei 10.444/2002, Lei 10.358/2001 e Lei 10.352/2001. 3 ed. atual e amp. So Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 108. 26 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergncia Jurisprudencial e Smula vinculante. So Paulo: editora RT, 2002, p. 333.
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jurisprudncia dominante firmada em smula seria afrontar a sua soberania,
reconhecer a imperfeio do Poder Judicirio e impedir a certeza jurdica.
Nesta esteira de pensamento, Christiane Boulos observa que a possibilidade
de proferir decises em sentido diverso do fixado pelas smulas, com base no
em diferenas de fato, mas de direito, o mesmo que esvaziar a finalidade da
previso de efeito vinculante das smulas, pois estas existem justamente para
pr fim a dvidas quanto interpretao de uma norma27.
Antes da adoo da smula vinculante, a questo em decidir
desfavoravelmente ao expresso na smula nos trazia um grande problema,
pois aquele que restava vencido na deciso, que foi contrria ao sumulado, era
obrigado a interpor recursos, percorrendo um caminho difcil e demorado para
depois de anos, chegar ao Supremo Tribunal Federal, a fim de obter a reforma
daquela deciso.
Por isto, Luiz Guilherme Marinoni brilhantemente assevera: Se o Juiz de
primeiro grau diverge de entendimento contido em smula do Tribunal, a parte
que sustenta a tese consagrada na smula obrigada a recorrer. No caso de
demandas mltiplas, isto pode significar milhares de recursos. O que significa,
entretanto, milhares de recursos? Significa, antes de mais nada, retardo na
prestao jurisdicional e, portanto, prejuzo parte que tem razo. Significa,
ainda, mais custos e, tambm, um acmulo intolervel de processos em
segundo grau de jurisdio. Ora, bvio que a interposio exagerada de
recursos resulta na lentido do servio jurisdicional e, portanto, aprofunda a
crise do Poder Judicirio, que tem o grave compromisso de atender ao Direito
constitucional de todo cidado a uma resposta jurisdicional tempestivo.28
27 BOULOS, Christiane. A fora vinculante da jurisprudncia e o papel do juiz no direito brasileiro. Revista dos Anais do I Congresso de Iniciao Cientfica, vol. I, USP/Fapesp, 1996, p. 304. 28 MARINONI, Luiz Guilherme apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergncia Jurisprudencial e Smula Vinculante. So Paulo, RT, p. 335.
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A smula com efeito vinculante torna efetiva a finalidade institucional dos
tribunais superiores, que a de tutelar a unidade e a autoridade da lei federal,
alm de dar maior coerncia s decises judiciais, celeridade ao processo, eis
que evitaria a interposio e o julgamento de inmeros recursos repetitivos, de
ndole eminentemente protelatria. Como acentuou o Ministro Seplveda
Pertence, ao participar do Congresso Brasileiro de Advogados de Empresas de
Consrcio, em junho de 1998, o problema do efeito vinculante no pode ser
tratado como uma guerra de vaidades de juzes de uma instncia contra juzes
de outra; uma disputa de orgulho intelectual, mas como um problema de
Justia como servio pblico e como problema de isonomia. Por conseguinte,
esquecidos os melindres intelectuais, a uniformizao da jurisprudncia,
revestida de eficcia normativa, exercer, sem dvida, com toda eficincia, o
grande papel que o magistrio jurisprudencial desempenha, de esclarecedor
das leis, com a vantagem de diminuir os litgios, reduzindo ao mnimo os
inconvenientes da incerteza do Direito, porque de antemo faz saber qual ser
o resultado da controvrsia, garantia que no tem hoje os litigantes, mesmo
quando apoiada a res in judicium deducta na firme e pacfica orientao do
prprio STF, rgo da mais alta hierarquia do Judicirio brasileiro.
Agora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal passam a dispor do poder de
colocar um ponto final nos litgios polmicos atuais e nas discordncias
estabelecidas entre rgos do Poder Judicirio e da Administrao Pblica,
dissensos capazes de causar grave insegurana jurdica e relevante
multiplicao de aes com o mesmo objeto.
Isto posto, passo a analisar a compatibilidade do dispositivo da smula
vinculante com o princpio do federalismo judicial. Indagar a convenincia de
alterar uma Constituio produz restries de diferentes ordens.
Primeiramente, porque mudar a forma dos preceitos constitucionais significa
inserir-se no interesse maior da sociedade.
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Doutra sorte, h que se observar que qualquer alterao na ordem
constitucional, seja ampla (reviso) ou especifica (emenda) requer a
observncia de princpios e pressupostos que esto adstritos ao ordenamento
jurdico. Desta forma, pode-se afirmar que uma das dificuldades a serem
superadas na poltica de reestruturao e reforma do sistema de administrao
e gesto da justia, esto atreladas ao federalismo judicial.
Com efeito, uma das caractersticas, seno a principal, de um Estado federal
a competncia judicial dos estados federados que o compem. Nesse ponto, o
princpio federativo judicial se equilibra entre dois interesses. Por um lado a
competncia judicial dos Estados da federao. A questo se torna mais
complicada, quando se sabe que o princpio federativo clusula ptrea em
nossa Constituio.
A nossa Carta Magna preceitua limitaes, formais e materiais, expressas e
implcitas, competncia que o Congresso Nacional possui para emendar a
constituio ressalve-se que uma reforma no sistema judicial brasileiro s
efetiva-se mediante emenda constitucional so as chamadas clusulas
ptreas, consagradas no pargrafo 4 do artigo 60 da Constituio. Tais
clusulas consignam o ncleo irreformvel da Carta, e integram seu contedo:
(a) a forma federativa de Estado: (b) o voto secreto, direto, universal e
peridico; (c) a separao dos poderes e (d) os direitos e garantias individuais.
Para uma emenda ser considerada violadora da clusula ptrea no precisa
abolir a Federao e instituir o estado unitrio. Uma emenda que interfira na
competncia judicial dos estados federados tambm viola a Constituio.
Nesse sentido, uma poltica de reforma que restrinja sensivelmente a
competncia judicial de um dos entes da Federao, tambm
inconstitucional, pois retira da unidade federada a possibilidade de estabelecer
uma poltica judicial condizente com os seus objetivos polticos.
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Dessa forma, o entendimento predominante na doutrina e da jurisprudncia do
STF o de que a Emenda Constitucional n 45/2004, para a reforma do atual
sistema de administrao e gesto da justia, quando cria o dispositivo smula
vinculante ou o Conselho Nacional da Justia, por si s, no viola o princpio
federativo judicial por supostamente retirar dos Estados federados boa parte de
sua autonomia judicial. Com efeito, na ADIN promovida pela AMB o STF
sufragou a tese de que a Emenda Constitucional no violaria o Pacto
Federativo, ao submeter o poder Judicirio nos estados superviso
administrativa e disciplinar do Conselho Nacional de Justia. que, para o
ministro Cezar Peluso, tanto o Conselho, quanto a Justia nos estados
integram um mesmo poder - o Judicirio - e que o conselho concebido e
estruturado como um rgo do Poder Judicirio nacional e no da Unio. Para
o relator o conselho no anula, mas reafirma o princpio federativo.
No entanto, qualquer deciso judicial que concretamente invada a competncia
judicial dos estados federados ser passvel de ser qualificada de
inconstitucional e passvel, portanto, de reclamao, nos termos da lei.
4. CONCLUSES.
luz de todo o exposto, conclui-se que necessrio respeitar o princpio do
federalismo judicial, segundo o qual o Supremo Tribunal Federal, atravs do
seu poder de editar smulas vinculantes, no deve invadir as competncias
judiciais que podem ser adequadamente desempenhadas pelos estados
federados.
Na poltica de reestruturao e reforma do sistema de administrao e gesto
da justia, embora o pacto federativo fique debilitado, mxime atravs do
excesso de concentrao da competncia judicial da Unio, a adoo do
dispositivo da smula vinculante, por si s, no viola o princpio federativo
judicial. Isto porque, na hiptese de determinada smula vinculante
concretamente invadir a competnciajudicial do Estado-federado, ela poder
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ser cancelada, nos termos da lei que regulamentar o art. 103- A da
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Informao Bibliogrfica: DUARTE, Francisco Carlos. Smulas vinculantes e o federalismo judicial. Panptica, Vitria, ano 1, n. 8, maio junho, 2007, p. 385-406. Disponvel em: . Bibliographical Information: DUARTE, Francisco Carlos. Smulas vinculantes e o federalismo judicial. Panptica, Vitria, year 1, nr. 8, May June, 2007, p. 385-406. Available in: .
SUMRIO: 1. Introduo 2. O contexto social da reestruturao e reforma do sistema de administrao e gesto da justia 3. A smula vinculante e o princpio federativo judicial. 4. Concluses 5. Referncias bibliogrficas.
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