cap11 transformações nucleares

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11 Transformacoes nucleares

Marie Sklodowska Curie (1867-1934)

Fısica e Quımica francesa de origem polaca (nascida em Varsovia), a quem sedeve, juntamente com o seu marido Pierre Currie, a descoberta da radioac-tividade. Licenciou-se em Ciencias Matematicas e Fısica pela Sorbonne, efoi a primeira mulher a lecionar neste prestigiado estabelecimento de ensino.Em 1896, Henri Becquerel incentivou-a a estudar as radiacoes, por ele des-cobertas, emitidas pelos sais de uranio. O casal Curie chegou a conclusaoque em determinados minerios, como a pechblenda, havia um componentedesconhecido que emitia mais radiacao que o uranio dela extraıdo. Aposvarios anos de trabalho constante, foi capaz de isolar dois novos elementosquımicos: o polonio (em referencia ao seu paıs natal), e o radio (devido asua intensa radiacao). Foi laureada em 1903 com o Premio Nobel da Fısica(juntamente com Pierre Curie e Henry Becquerel) pelas suas descobertas nocampo da radioatividade, e em 1911 com o Premio Nobel da Quımica peladescoberta dos elementos quımicos radio e polonio.

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11.1 Introducao

Neste capıtulo analisaremos varios tipos de processos que envolvem os nucleosdos atomos, dando origem a formacao de novos elementos juntamente coma absorcao ou a emissao de energia. Estas transformacoes nucleares podemser provocadas artificialmente, dando origem a reaccoes nucleares, ou ocorrerespontaneamente, ocasionando desintegracoes radioactivas.

11.2 Composicao dos nucleos e estabilidade nuclear

Os nucleos dos elementos sao constituıdos por combinacoes de protoes eneutroes (nucleoes). O nucleo de um elemento X formado por Z protoes(11p) e N neutroes (1

0n) representa-se por

AZX ,

onde

• Z e o numero atomico (que representa tambem o numero de electroesdo elemento);

• A ≡ N + Z e o numero de massa.

A formacao de um nucleo pode assim ser esquematizada atraves da reac-cao nuclear

Z(11p) + N(1

0n) −→ AZX + ∆E ,

a qual deve obedecer as leis de conservacoes usuais

• conservacao do numero de nucleoes;

• conservacao da carga;

• conservacao da energia-momento.

A quantidade ∆E designa-se por energia de ligacao e corresponde a energialibertada (ou fornecida) para a formar o nucleo A

ZX. A energia de ligacaopode ser estimada usando a lei de conversao massa-energia (admitindo queo sistema e formado em repouso)

∆E = (ZMp + NMn −MX)c2 , (11.1)

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onde Mp = 1, 0073 u.m.a., Mn = 1, 0087 u.m.a. e MX sao as massas doprotao, do neutrao e do nucleo A

ZX, respectivamente, e c e a velocidade daluz no vacuo.

A equacao (11.1) mostra que existe uma diferenca entre a massa de umnucleo e as massas das suas partıculas constituintes, tomadas em separado.Com efeito pode ter-se

• ∆E > 0. . . ocorre libertacao de energia na formacao do nucleo (estavel);

• ∆E < 0. . . e necessario fornecer energia para a formacao do nucleo (instavel).

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11.3 Desintegracoes radioactivas

A maioria dos nucleos resultam de combinacoes estaveis de nucleoes, muitoembora alguns conjuntos de protoes e neutroes deem origem a nucleos ins-taveis. Estes nucleos radioactivos tendem a formar configuracoes estaveisatraves da emissao de radioactividade (partıculas muito energeticas). Adesintegracao radioactiva (ou decaimento radioactivo) de nucleos instaveis,com a correspondente emissao de partıculas radioactivas, foi observada pelaprimeira vez no final do seculo XIX por Antoine Becquerel (1852-1908) e porPierre (1859-1906) e Marie Curie (1867-1934).

Esquematicamente, a desintegracao radioactiva de um nucleo X numnucleo Y pode ser representada por

X −→ Y +

αβ+ ou β−

γ,

onde α, β+, β− e γ representam os distintos tipos de partıculas radioactivasque podem ser emitidas em consequencia de um decaimento nuclear.

As partıculas α sao nucleos de helio (42He), compostos por dois protoes e

dois neutroes, que apresentam uma enorme estabilidade, isto e uma reduzidamassa (4, 0026 u.m.a.) face ao elevado numero de nucleoes que as constituem.Deste modo, a maior parte dos emissores de partıculas α sao nucleos pesados,existentes no final da Tabela Periodica. Por exemplo, o 238

92 U e um emissor αe desintegra-se de acordo com

23892 U −→ 234

90 Th + 42He .

As partıculas β sao electroes (β− ≡ 0−1e) ou positroes (β+ ≡ 0

+1e), emi-tidos com um espectro contınuo de energias. A emissao de β− esta associadaa conversao de um neutrao num protao, em nucleos instaveis com demasiadosneutroes (N > Z). O processo pode ser descrito por

10n −→ 1

1p + 0−1e + ν ,

e e acompanhado pela emissao de anti-neutrinos ν.Por exemplo, o 14

6 C e um emissor β− e desintegra-se de acordo com

146 C −→ 14

7 N + 0−1e + ν .

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Esta desintegracao utiliza-se para datar materia organica a partir da activi-dade dos nucleos de 14

6 C, segundo uma tecnica proposta por W. Libby durantea decada de 50. O isotopo 14

6 C existe incorporado no CO2 atmosferico, es-tabelecendo uma proporcao 14

6 C / 126 C aproximadamente constante. Como o

dioxido de carbono e ”ingerido” pelas plantas atraves da fotossıntese, e estassao eventualmente consumidas pelos animais, os seres vivos tem uma razao146 C / 12

6 C identica a da atmosfera. Quando uma planta ou um animal morre,a ”ingestao” de 14

6 C cessa, mas o nucleo continua a decair e a razao 146 C /

126 C diminui. Medindo esta razao e comparando-a com valores actuais podeestimar-se a data da morte da planta ou do animal.

A emissao de β+ esta associada a conversao de um protao num neutrao,em nucleos instaveis com reduzido numero de neutroes (N < Z). O processopode ser descrito por

11p −→ 1

0n + 0+1e + ν ,

ou atraves de uma reaccao de captura electronica (a partir de uma das ca-madas mais proximas do nucleo)

11p + 0

−1e −→ 10n + ν ,

sendo sempre acompanhado pela emissao de neutrinos ν.Por exemplo, o 11

6 C e um emissor β+ e desintegra-se de acordo com

116 C −→ 11

5 B + 0+1e + ν .

Esta desintegracao β+ explica o motivo porque se utilizam nucleos de 116 C

como fonte de positroes no diagnostico medico denominado Positron Emis-sion Tomography (PET).

Por outro lado, o 8237Rb converte-se em 82

36Kr atraves de uma captura elec-tronica

8237Rb + 0

−1e −→ 8236Kr .

Nas transformacoes nucleares anteriores, a emissao de neutrinos ou de anti-neutrinos (partıculas elementares sem carga e com massa zero) garante averificacao da lei de conservacao da energia-momento.

As partıculas γ sao fotoes, correspondentes a radiacao que acompanhamuitas das emissoes radioactivas α e β. Quando um electrao orbital substituium electrao capturado pelo nucleo ha emissao de radiacao X correspondentea respectiva variacao de energia electronica. Por outro lado, os restantestipos de decaimentos nucleares sao frequentemente acompanhados por uma

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emissao γ, associada a parte da diferenca de energia entre o nucleo inicial eo resultante da sua desintegracao.

Por exemplo, o 6027Co e um emissor γ e desintegra-se de acordo com

6027Co −→ 60

28Ni + 0−1e + γ .

A radiacao γ de alta energia associada ao decaimento do cobalto utiliza-seem radioterapia no tratamento do cancro.

Figure 11.1: Nucleos estaveis e radioactivos. As rectas a 450 reunem osnucleos com igual numero de massa A.

A figura 11.1 representa o numero de neutroes N em funcao do numeroatomico Z, para os varios nucleos estaveis e radioactivos existentes na na-tureza. Observa-se que a maioria dos isotopos40 (sobretudo dos nucleos pesa-

40O isotopo de um elemento difere deste no numero de neutroes que o constitui.

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dos) sao naturalmente radioactivos. Essa instabilidade resulta ou de um ex-cesso de neutroes (no caso dos nucleos pesados) ou de um defeito de neutroes(no caso dos isotopos de alguns nucleos leves), estando na base de decai-mentos radioactivos que tentam repor uma configuracao estavel do nucleo,modificando o seu numero de neutroes.

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11.4 Lei do decaimento radioactivo

A taxa de desintegracao de R nucleos radioactivos (ou actividade da amos-tra41) e directamente proporcional ao numero de nucleos da amostra, istoe

dR

dt= −λR , (11.2)

onde a constante de proporcionalidade λ (com unidade s−1 no SI) se designapor constante de desintegracao, e e uma caracterıstica de cada nucleo.

A partir da equacao (11.2) e facil obter a lei do decaimento radioactivo,a qual descreve a evolucao temporal do numero de nucleos da amostra

R(t) = R0e−λt , (11.3)

onde R0 representa o numero de nucleos existente no instante de tempo t =0. Note-se que as equacoes (11.2)-(11.3) traduzem leis estatısticas, validasapenas quando o numero de nucleos e muito grande. Assim, nao se podefalar da constante de decaimento de um so nucleo ou predizer com toda acerteza quando ele se desintegrara.

Nucleo Decaimento T1/220983 Bi 4

2He 2× 1018 ano23892 U 4

2He 4, 48× 109 ano146 C 0

−1e 5730 ano6027Co 0

−1e + γ 5, 24 ano116 C 0

+1e 20 min84Be 4

2He 10−16 s

Table 1: Tempo de meia vida dos nucleos de diferentes elementos

A equacao (11.3) permite calcular o instante de tempo T1/2, designadopor tempo de semi-desintegracao ou tempo de meia vida, ao fim do qual onumero inicial de nucleos da amostra se reduz a metade

R(T1/2) =R0

2= R0e

−λT1/2 ,

41E habitual definir-se tambem a actividade massica da amostra como (1/m)(dR/dt),onde m e a massa de todos os isotopos da amostra de nucleos de um elemento.

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concluindo-se que

T1/2 =ln 2

λ. (11.4)

Os tempos de meia vida variam desde um grande numero de anos ate fraccoesde segundo, conforme se pode confirmar analisando os dados apresentadosna tabela 1.

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11.5 Reaccoes nucleares

Como se referiu, e possıvel provocar uma transformacao nuclear de forma ar-tificial, fazendo interagir varios reagentes nucleares (por exemplo um nucleaoprojectil e um nucleo alvo) mediante o fornecimento de energia ao sistema.A correspondente reaccao nuclear faz intervir a interaccao forte existente nonucleo, levando a uma redistribuicao do material nuclear envolvido.

As reaccoes nucleares ocorrem geralmente em duas fases. Primeiro, onucleao projectil e capturado pelo alvo, dando origem a formacao de umnucleo composto num estado excitado. Na segunda fase, o nucleo compostodesexcita-se mediante a emissao de uma ou mais partıculas (da mesma na-tureza do nucleao projectil, ou nao), e produzindo um (ou mais) nucleosnovos, em geral radioactivos. A radioactividade artificial (resultante dereaccoes nucleares) foi descoberta em 1934 por Frederic Joliot-Curie (1900-1958) e pela sua mulher Irene Joliot-Curie (1857-1956), quando estudavamreaccoes nucleares produzidas pelo bombardeamento de elementos leves compartıculas α.

Algumas reaccoes nucleares conduzem a uma enorme libertacao de ener-gia, pelo que o seu interesse e evidente em termos do desenvolvimento detecnologias energeticas. A exploracao deste facto requer uma analise com-parativa da estabilidade nuclear, o que se pode realizar atraves do calculo daenergia de ligacao por nucleao [ver equacao (11.1)]

EA ≡∆E

A. (11.5)

A figura 11.2 representa a energia de ligacao por nucleao EA (em MeV)42,em funcao do numero de massa A. Observando esta figura verifica-se que EA

aumenta ate atingir cerca de 8, 8 MeV para nucleos com numero de massaperto do 56Fe, para em seguida diminuir lentamente ate cerca de 7, 5 MeVpara nucleos pesados.

Perante estes resultados, verifica-se que os nucleos de elementos maispesados (como o uranio) podem experimentar fissao ou cisao em nucleosmais pequenos e estaveis, explorando-se a instabilidade provocada pela re-pulsao Coulombiana que possuem ao nıvel nuclear. Por outro lado, verifica-seque a partir da associacao ou fusao de nucleos leves (como o hidrogenio) se

42Um electrao-volt (eV) corresponde a energia de um electrao quando submetido aopotencial de 1 volt. Assim, 1 eV = 1, 6 × 10−19 C ×1 V = 1, 6 × 10−19 J. Note-se que1 MeV = 106 eV.

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Figure 11.2: Energia de ligacao por nucleao, em funcao do numero de massaA.

podem obter nucleos mais pesados e estaveis, explorando-se a enorme in-teraccao atractiva mediada pela forca forte ao nıvel nuclear. Em qualquerdestas situacoes os nucleos obtidos sao mais estaveis (isto e ocorre um au-mento na energia de ligacao dos nucleos produzidos ou, de forma equivalente,uma diminuicao da sua massa) e ha, por isso, uma libertacao de energia.A figura 11.2 permite ainda concluir que, do ponto de vista energetico, asreaccoes de fusao nuclear sao mais favoraveis que as de fissao nuclear, aten-dendo a enorme diferenca nos declives da curva EA(A), para valores de Apequenos ou elevados, respectivamente.

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11.5.1 Fissao nuclear

A fissao nuclear consiste na divisao de um nucleo pesado (como o uranio) emdois fragmentos de tamanho comparavel. A fissao como processo espontaneoe muito rara, pelo que em geral tem que ser provocada atraves de uma ex-citacao do nucleo. A energia de activacao mınima necessaria para provocar afissao de um nucleo pesado e de 4 a 6 MeV, e pode ser conseguida a custa dacaptura de neutroes. Nesse caso a energia de ligacao do neutrao capturado(mesmo que este seja lento, isto e tenha uma energia cinetica reduzida) podeser suficiente para excitar o nucleo acima da energia limiar do processo, demodo a provocar a sua divisao em fragmentos.

O 23592 U sofre fissao depois de capturar un neutrao lento, segundo

23592 U + 1

0n (lento) −→ 9440Zr + 140

58 Ce + 60−1e + 21

0n .

Por outro lado, a energia de ligacao do neutrao capturado nao e suficientepara provocar a fissao do 238

92 U, pelo que neste caso o neutrao incidente deveser rapido, com uma energia cinetica da ordem de 1 MeV

23892 U + 1

0n (1 MeV) −→ fragmentos .

Note-se que a captura de neutroes lentos pelo 23892 U tem como resultado a

producao de neptunio e de plutonio, segundo

23892 U + 1

0n (lento) −→ 23993 Np + 0

−1e + ν + γ23993 Np −→ 239

94 Pu + 0−1e + ν + γ ,

o que justifica porque razao se produzem grandes quantidades de plutoniodurante a operacao de reactores nucleares.

O valor tıpico da energia libertada numa reaccao de fissao nuclear podeser estimado, observando que (ver figura 11.2) a energia de ligacao (pornucleao) e cerca de 7, 5 MeV para um nucleo pesado e 8, 4 MeV para os seusfragmentos leves, pelo que

∆Efissao ' (8, 4− 7, 5) MeV/nucleao× 200 nucleoes ' 200 MeV ,

para os cerca de 200 nucleoes de um nucleo de uranio. Esta energia e li-bertada sob a forma de energia cinetica dos produtos da reaccao (fragmen-tos, neutroes) ou dos subprodutos (electroes, neutrinos, radiacao electro-magnetica) resultantes de desintegracoes radioactivas.

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Em muitas reaccoes de fissao (como a do 23592 U) produzem-se pelo menos

dois neutroes como produtos, por cada neutrao incidente. Se, apos cadafissao, pelo menos um dos novos neutroes produzir uma outra fissao, estatransformacao nuclear torna-se auto-sustentada, atraves de um mecanismode reaccao em cadeia. Se o processo se mantiver controlado, garantindo-seque, em media, apenas um neutrao em cada fissao produz uma nova fissao,a reaccao em cadeia e estacionaria, tal como sucede num reactor nuclear.Mas se, apos cada fissao, mais do que um neutrao produzir uma nova fissao, onumero de reaccoes aumenta exponencialmente, obtendo-se uma reaccao emcadeia divergente, tal como sucede numa bomba atomica (ou num reactornuclear descontrolado).

Nos reactores nucleares rapidos os neutroes sao utilizados com a mesmaenergia cinetica (entre 1 e 2 MeV) com que sao emitidos. Mas nos reac-tores nucleares termicos os neutroes sao primeiro travados (ate ao equilıbriotermico), atraves de colisoes com alvos chamados moderadores, antes de par-ticiparem numa nova reaccao. Os alvos moderadores devem ser constituıdospor substancias com um numero de massa reduzido, a fim de inibir a cap-tura de neutroes. A agua, a agua pesada e a grafite sao as substancias maisutilizadas como moderadores.

11.5.2 Fusao nuclear

A fusao nuclear consiste na coalescencia de dois nucleos leves que colidempara formar um nucleo mais pesado. Devido a interaccao Coulombiana, osnucleos que colidem devem ter uma energia cinetica mınima para ultrapassara barreira repulsiva associada a aproximacao dos protoes dos nucleos. Note-se que este problema nao existe na fissao nuclear, uma vez que a partıcula quecolide com o nucleo (neutrao) nao possui carga electrica. Note-se tambemque a barreira repulsiva de Coulomb aumenta com o numero atomico, o queexplica porque motivo as reaccoes de fusao ocorrem apenas entre nucleosleves.

A energia de activacao mınima necessaria para provocar a fusao de doisnucleos, com numeros atomicos Z1 e Z2, calcula-se atraves da energia poten-cial electrica do sistema

εp =1

4πε0

Z1Z2e2

rnuc

,

onde ε0 e a constante dielectrica do vacuo e rnuc ' 10−14 m e a dimensao

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tıpica do raio nuclear, obtendo-se

εp ' 0, 15Z1Z2 MeV =⇒ Tfusao =εp

kB

' 1, 6× 109 K .

A temperatura cinetica de fusao assim estimada e muito mais elevada doque a temperatura que se pensa existir no centro do Sol. Mesmo assim, afusao de nucleos leves e um dos processos mais importantes que ocorre no Sol,constituindo a sua principal fonte de energia. Neste caso, a energia (tempera-tura) cinetica mais reduzida dos nucleos em fusao e compensada pela enormeenergia potencial gravıtica do sistema, superando-se assim a barreira de ener-gia potencial Coulombiana. A estas temperaturas, o sistema de partıculasem fusao e formado por uma mistura neutra de nucleos com carga positiva(ioes) e de electroes com carga negativa, denominada plasma (ver capıtulo10), cujo aquecimento e confinamento artificial constitui um tremendo de-safio tecnologico. Com efeito, nenhum material conhecido consegue supor-tar temperaturas de milhares de milhoes de graus. Nos sistemas naturais,como as estrelas, o problema fica automaticamente resolvido atraves da in-tervencao da interaccao gravitacional. Na Terra, projecta-se o aquecimentoe o confinamento dos plasmas de fusao atraves do uso de campo magneticos(confinamento magnetico, tal como se vira a adoptar no tokamak ITER) oude feixes laser (confinamento inercial).

A reaccao de fusao mais simples e a captura de um neutrao por um protao(ou nucleo de hidrogenio) para formar deuterio 2

1H

11H + 1

0n −→ 21H + 2, 224 MeV .

A principal vantagem desta reaccao e que nao obriga a vencer nenhumabarreira repulsiva de Coulomb, ja que o neutrao e electricamente neutro.Esta reaccao ocorre, por exemplo, quando os neutroes provenientes de umreactor nuclear (de fissao) difundem num moderador com hidrogenio, comoa agua ou parafina, e envolve a libertacao de uma quantidade de energiabastante reduzida.

Outras reaccoes de fusao muito simples (mas envolvendo uma libertacaode energia igualmente moderada) sao as que se verificam entre dois protoes

11H + 1

1H −→ 21H + 0

+1e + ν + 1, 35 MeV ,

entre o hidrogenio e o deuterio para formar trıtio 31H

11H + 2

1H −→ 31H + 0

+1e + ν + 4, 6 MeV ,

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ou entre dois nucleos de deuterio

21H + 2

1H −→{

32H + 1

0n + 3, 2 MeV31H + 1

1H + 4, 2 MeV .

De um ponto de vista energetico, duas reaccoes mais interessantes sao afusao entre o deuterio e o trıtio

21H + 3

1H −→ 42He + 1

0n + 17, 6 MeV ,

ou entre o deuterio e o helio-3

21H + 3

2He −→ 42He + 1

1H + 18, 3 MeV .

Embora esta ultima seja mais atractiva porque nao produz neutroes (e por-tanto nao conduz a consequente formacao de isotopos radioactivos por cap-tura de neutroes), ela requer o uso de 3

2He como combustıvel, o qual nao existeem abundancia suficiente (sob forma natural) na Terra. Por outro lado, aprimeira reaccao (embora produza neutroes) utiliza dois combustıveis bas-tante acessıveis. O deuterio (2

1H) pode ser facilmente extraıdo da agua domar, enquanto que o trıtio (3

1H) pode ser produzido mediante o bombardea-mento de lıtio (6

3Li) por neutroes

63Li + 1

0n −→ 42He + 3

1H .

Esta reaccao pode ser levada a cabo, por exemplo, colocando uma camadade lıtio nas paredes de um reactor de fusao, onde os neutroes emitidos nareaccao sejam capturados, levando a producao de mais trıtio.

No Sol, a producao de energia envolve a fusao de quatro protoes (deacordo com um ciclo em varias fases) num nucleo de helio, segundo

411H −→ 4

2He + 20+1e + 2ν + 26, 7 MeV .

Calcula-se que, no Sol, este processo de fusao consuma cerca de 5, 64×1011 kgde hidrogenio por segundo, levando a uma producao de 3, 7× 1026 W. Destapotencia, apenas 1, 7 × 1017 W chega a Terra (sobretudo sob a forma deradiacao electromagnetica, ver capıtulo 14), o que corresponde a um valor104 vezes superior a toda a potencia industrial produzida.

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